14337-Texto Do Artigo-15311434-2-10-20230227
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Claudemir de Quadros1
Abstract: Educational planning in Brazil has a long itinerary, within which the proposition of
education codes stands out, especially from the 1930s. With this in mind, through this text, we
aim to present the document titled Subsidies for the education code, by which Affonso
Guerreiro Lima proposed guidelines that were incorporated to the legislation from the State
Department of Education and Public Health of Rio Grande do Sul, in the 1930s and 1940s. It
is a document study for the History of Education in Rio Grande do Sul, as well as realizing
one of the ways in which the scholar system was turned into the object of reform in this state.
Introdução
ampla reforma. Tal reforma se inseriu num contexto de reorganização e racionalização dos
serviços de instrução pública, no âmbito do qual a população e a escola emergiram como um
problema de governo. Neste contexto de reestruturação da organização administrativa do
sistema escolar no Rio Grande do Sul, insere-se a proposta de elaboração de um código de
educação estadual.
Em entrevista ao jornal Correio do Povo (3/2/1938), o secretário estadual de
Educação e Saúde Pública, José Pereira Coelho de Souza, reiterou que o projeto educacional
do Estado Novo não se realizaria ao acaso, mas sob orientação sistematizada. Isso seria
alcançado pelo Código da Educação, documento que seria elaborado por uma comissão
constituída pelos professores Armando Câmara, Olga Acauan Gayer, Marieta da Cunha e
Silva, Anadir Coelho, Camila Furtado Alves, Diva Branca Pereira de Souza, Florinda Tubino
Sampaio, Ary de Abreu Lima, Irio do Prado Lisboa, Décio Martins Costa e Raul Moreira e
pelos militares, capitão Ignácio de Freitas Rolim e tenente Mário Ramos.
Nos meses subseqüentes, as notícias sobre o código de educação no Rio Grande do
Sul desapareceram. Não foram encontradas referências sobre o andamento dos trabalhos da
comissão, tampouco se a mesma chegou a elaborar um documento final. Mas, nesta
discussão, é preciso prestar atenção a um documento de 1936.
Neste ano, Affonso Guerreiro Lima2 publicou os Subsidios para o codigo de
educação. Nesta pequena brochura, apresentou “algumas notas para o plano de reorganização
escolar do Rio Grande do Sul” (Lima, 1936, p. 1). Diz fazer isso “em caráter particular” e sem
pretensão de originalidade: “nenhuma idéia original há nestas simples notas, colhidas aqui e
ali, em leis e regulamentos” (p. 2). Porém, é relevante perceber que elementos relacionados
por Guerreiro Lima foram aproveitados e incorporados à legislação emanada da Secretaria
Estadual de Educação e Saúde Pública - Sesp/RS - nos anos seguintes.
Guerreiro Lima propôs que o ensino, no Rio Grande do Sul, fosse organizado em seis
níveis: a) o ensino pré-primário, dos 2 aos 7 anos; b) o ensino primário comum, dos 7 aos 12
anos; c) o ensino primário superior, dos 12 aos 14 anos; d) o ensino normal; e) o ensino
supletivo; f) o ensino emendativo.
O ensino pré-primário devia ser ministrado nas escolas maternais, entre os 2 e os 4
anos, e nos jardins de infância, entre os 4 e 7 anos. As escolas maternais deviam ser
instaladas, de preferência, nos bairros operários, de modo a “promover o desenvolvimento
gradual das faculdades das crianças” (Lima, 1936, p. 7) e serem equipadas com materiais
adequados a esse fim. O pessoal docente devia gozar de vantagens especiais.
Viamão, destinada a “prestar assistência às crianças débeis físicas que freqüentam as escolas
públicas primárias da capital” (art. 1º).
Em relação ao magistério estadual, havia três sugestões relacionadas com a
estruturação da carreira.
A primeira, que o ingresso na carreira do magistério devia acontecer por meio de
concurso de provas. Isso foi estabelecido pelo decreto n. 7.129, de 22 de fevereiro de 1938.
Quanto as promoções no quadro de carreira, estas deveriam ser alcançadas por
merecimento ou antiguidade. No caso do critério de tempo de serviço - antiguidade -, a cada
dez anos de exercício do magistério o professor poderia requerer a promoção para a entrância
seguinte. Isso foi regulamentado pelo decreto n. 7.056, de 1º de novembro de 1938. Quanto à
sugestão de promoção por merecimento, levou mais tempo para ser operacionalizada. Apenas
em 1951 foram publicadas as fichas de apreciação individual do professor. Segundo a SEC, as
fichas de apreciação individual do professor serviam para subsidiar “a solução de vários
problemas ligados à administração e técnica educacionais, quais sejam: efetividade no
magistério, promoção por merecimento, designação para funções que exijam qualidades
pessoais e competência profissional comprovadas, reconhecimento do mérito, outorga de
bolsas de estudo e outros” (SEC, 1951, p. 1).
A referida ficha abrangia informações acerca da:
- cultura geral: informações sobre a formação acadêmica do professor: cursos
regulares (ginasial ou colegial); cursos extraordinários (extensão cultural) e interesses
culturais (assistência a cursos e conferências, palestras, leitura de bons livros, assinatura de
jornais e revistas, freqüência a bibliotecas);
- cultura especializada: curso que habilitou ao exercício do magistério, cursos de
especialização ou aperfeiçoamento, assistência a palestras e cursos, participação ativa na hora
pedagógica, leitura de livros relativos a educação, consultas a bibliotecas, experimentação de
novos métodos e processos, melhoria das condições de aprendizagem; outras especializações;
- aptidão intelectual: reações, atitudes, iniciativas e realizações do professor em
oportunidades que a vida escolar apresenta;
- outras aptidões e habilidades especiais: que contribuam para maior eficiência do
trabalho escolar, por favorecer as associações entre os diversos campos do saber e possibilitar
a aplicação dos conhecimentos sob várias modalidades, tais como: confecção de jogos,
melodias, representações gráficas;
- eficiência do ensino: interesse dos estudantes pela aprendizagem, progresso na
aquisição de conhecimentos, formação e desenvolvimento de atitudes, hábitos acordes com os
Referências Bibliográficas
SUBSIDIOS
para o
Codigo de Educação
1936
Oficinas Gráficas da LIVRARIA DO GLOBO
PÔRTO ALEGRE
SUBSIDIOS
para o
Codigo de Educação
1936
Oficinas Gráficas da LIVRARIA DO GLOBO
Barcellos, Bertaso & Cia. — Pôrto Alegre
Filiais : Santa Maria e Pelotas.
Que todos elles se interessem e concorram com as suas luzes para a melhor solução de
tão palpitante assumpto — parece-me de maior interesse no momento.
E, em nosso Estado, deve ser, dentro em breve, assumpto de interesse para a nossa
Assembleia Legislativa a elaboração do Codigo de Educação.
PRIMEIRA PARTE
ORGANISAÇÃO DO ENSINO
PLANO GERAL
e) o ensino supletivo;
f) o ensino emendativo.
O ensino primario commum será ministrado nas escolas basicas, nos grupos escolares
e nos collegios elementares.
O ensino normal será ministrado nas escolas normaes, onde também se fará o ensino
technico-professional e o domestico.
O ensino suppletivo, para adolescentes e adultos, que não receberam o ensino primario
em idade regular, será ministrado em cursos especiaes, diurnos ou nocturnos, annexos ás
escolas basicas, aos grupos e collegios.
A Capital constituirá o centro irradiador do ensino, com a sua escola normal superior,
seus collegios e grupos padrões, suas escolas profissionaes masculinas e femininas, além de
institutos especiaes de ensino emendativo.
Em cada região escolar o ensino e os centros de interesse das escolas serão moldados
aos habitos e trabalhos proprios, sem que, por isso, a escola perca o seu cunho de brasilidade.
II
A ESCOLA MATERNAL
As escolas maternaes serão providas de material que corresponda aos fins a que se
destinam.
O pessoal docente das escolas maternaes só poderá ser escolhido entre as professoras
especialisadas em puericultura e com o curso de enfermeiras escolares.
III
O JARDIM DA INFÂNCIA
IV
A ESCOLA BASICA
Para conseguir o seu objectivo, cada escola basica, além do seu apparelhamento
didactico, deverá ser dotada de um pequeno campo experimental e de um museu agricola
organizado pelos proprios alumnos.
Os programmas das escolas basicas serão adaptados ao meio em que estão ellas
estabelecidas.
O caracter regional da escola basica não excluirá, de modo algum, o seu forte cunho de
brasilidade, revelado no amor á patria commum, a suas tradições, a seus grandes vultos.
Cada classe funccionará diaria mas alternadamente; sendo de 1 e meia hora o turno da
primeira ou da segunda; e de 2 horas o da terceira.
O curso das escolas basicas deverá constar, em linhas geraes, de: a) ler, escrever e
contar; b) conhecimento summario do Estado e do Brasil e de seus principaes vultos; c)
conhecimento e applicação dos mineraes, vegetaes e animaes da região; d) noções simples do
corpo humano e de hygiene; e) canto, desenho, exercicios physicos, trabalho manual; f)
trabalho agricola.
Nas aulas femininas, o trabalho agricola será substituido por labores domésticos e
noçoes de puericultura.
As escolas basicas serão especiaes para um e outro sexo, salvo nas localidades onde só
existir uma, que poderá ser de regimen mixto.
Cada escola basica deverá ter um curso especial, diurno ou nocturno, para adolescentes
ou adultos de um ou outro sexo, que não receberam o ensino primario em idade regular.
O ensino nesses cursos obedecerá ás mesmas normas do das escolas basicas communs.
As escolas basicas providas por concurso de provas, para o qual a exigencia minima
será o diploma de curso superior de um collegio elementar.
O GRUPO ESCOLAR
Em cada séde de districto municipal, com mais de 150 crianças em idade escolar, será
installado um grupo.
Além do diretor, o corpo docente dos grupos terá tantos auxiliares ou professores
quantas forem as secções parallelas de seu curso.
Cada um dos cursos do grupo escolar constará de noções progressivas de: 1) linguagem
oral e escripta; 2) calculo oral escripto; geographia e historia patria; 4) corpo humano e
higiene; 5) moral e urbanidade; 6) musica e desenho; 7) educação physica e trabalhos
manuais; 8) agricultura. Nas classes femininas: 1) puericultura e economia domestica.
Cada grupo escolar deve ter o seu campo para trabalhos agricolas e tambem o seu
museu agricola.
Si nas proximidade dos grupos houver granjas, aviarios, fazendas de criação e outros
estabelecimentos congeneres esses professores os visitarão seguidamente com os seus
alumnos.
A orientação e fiscalisação serão levadas a efeito por meio de repetidas visitas dos
professores áquellas escolas; e tambem por meio de cursos especiaes, palestras, reuniões,
realisadas nos grupos e a que assistirão os professores das escolas basicas.
A essas palestras serão attrahidas tambem as familias dos alumnos, sobre os quaes se
extenderá a acção educativa do grupo escolar.
Por outro lado, os grupos procurarão estimular a colaboração directa dos paes de
alumnos, creando e mantendo instituições complementares da escola, taes os conselhos
districtaes, os circulos paes, as caixas escolares.
Cada grupo escolar terá a sua bibliotheca e sua sala de leitura, franqueaveis ao publico
em dias determinados.
As vagas do corpo docente de um grupo escolar serão providas por concurso de provas,
para o qual a exigencia minima será o diploma de uma escola normal regional; ou tambem
pela remoção de professores de outros grupos.
VI
O COLLEGIO ELEMENTAR
As cadeiras do curso primario superior serão providas por concurso de provas, entre os
professores dos collegios elementares.
Por meio da inspecção medica serão também estabelecidos os indices de nutrição, afim
de ser proporcionada pela caixa escolar a merenda aos que dela necessitarem.
Nos museus agricolas e nos campos experimentaes dos collegios serão feitos trabalhos e
demonstrações publicas, sobre praticas agricolas.
Cada collegio terá um club de leitura, que estimulará entre os seus sócios o amor aos
livros, procurará desenvolver a biblioteca escolar e promoverá a creação de salas publicas de
leitura.
Por meio de pelotões e das cruzadas de saúde os collegios incutirão e fixarão habitos de
hygiene nos escolares e procurarão generelisa-los nas familias.
O ensino dos anormaes será feito nos collegios com programmas e horarios especiaes.
O critério para preenchimento das vagas nos collegios elementares será o das
promoções por merecimento ou antiguidade.
VII
Em cada séde de região escolar existirá uma escola normal regional, destinada á formar
professores para o ensino primario.
Cada escola normal regional terá um campo de experimentação agricola e seu plano de
estudos jámais perderá de vista a sua finalidade propria.
Nas escolas normaes regionais será anexada á cadeira de Hygiene a de Prophylaxia rural
e á de Chimica, a de Chimica agricola.
Com o fim de manter sempre o professorado da região ao corrente das idéas e processos
modernos de educação, haverá todos os anos em cada escola normal regional um curso de
férias.
Cada escola normal regional organizará a sua biblioteca pedagogica para uso de
professores e alumnos.
A matricula no primeiro anno das escolas normaes regionais será concedida aos
portadores de certificado do curso primario superior, com a nota final de 5 a 10.
A cada escola normal regional será anexada uma escola profissional, masculina e outra
feminina, organizadas de maneira que sejam sempre respeitadas as necessidades de meio e
atividades industriaes dominantes.
A Capital será dividida em circumscripções escolares, cada uma das quaes terá o seu
collegio elementar de typo conveniente.
Cada collegio, grupo ou aula basica terá annexos um curso nocturno popular para o
ensino suppletivo.
Para o ensino emendativo, além das classes especiaes nos differentes estabelecimentos,
estabelecer-se-ão institutos apropriados, principalmente para cegos e surdos-mudos.
Nenhum professor poderá ser nomeado para a Capital e seus arredores, sem um estagio
de 5 annos no interior, salvo se se quizer sujeitar a concurso pedagogico.
SEGUNDA PARTE
DO MAGISTERIO DE CARREIRA
1) professores de 1ª entrância;
2) professores de 2ª entrância;
3) professores de 3ª entrância;
4) professores de 4ª entrância;
5) professores de 5ª entrância;
6) assistentes technicos;
7) inspectores escolares regionais;
8) inspetores de ensino normal.
Os professores ruraes serão nomeados para as aulas basicas, por concurso de provas,
como já ficou estipulado.
Quando um professor de aula basica tiver obtido diploma de escola normal, poderá
ingressar no magisterio de carreira, na fórma já estipulada.
O provimento de todos esses cargos será feito por concurso de provas entre os
cathedraticos e os substitutos das escolas normaes regionais ou assistentes technicos.
Aos professores que não tiverem interrompido o exercicio durante certo espaço de
tempo, serão concedidas férias especiaes.
Aos professores que se distinguirem será dada uma ajuda de custo para aperfeiçoarem
seus estudos.
As notas serão:
3 — optima,
2 — bôa,
1 — regular,
0 — nulla.
Em cada prova, cada examinador lançará na urna o gráo que julgar merecer o candidato.
O presidente apurará o total das noras que obteve cada um dos candidatos, para sua
classificação pela ordem de merecimento.
Notas:
1
Licenciado em História, com mestrado e doutorado em Educação. É professor na Universidade Federal de
Santa Maria/RS e atua em cursos de formação de professores e no Programa de Pós-Graduação em Educação
Profissional e Tecnológica. É editor da Regae - Revista de Gestão e Avaliação Educacional -
https://periodicos.ufsm.br/regae/index - e coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
UFSM. E-mail: [email protected] / https://orcid.org/0000-0002-1204-0355.
2
Affonso Guerreiro Lima (1870-1959), professor, historiador, geógrafo e pedagogo, nasceu em Porto Alegre, em
1º de março de 1870. Filho de Antonio Joaquim Guerreiro Lima e Júlia Correa Lima, diplomou-se pela Escola
Normal em 1890; foi diretor de Instrução Pública durante o mandato de Othelo Rosa na Sesp/RS; integrante do
Conselho Estadual de Educação; sócio-fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e
integrante da Academia Sul-Rio-Grandense de Letras. Em 1913, junto com outros professores, integrou uma
comissão que viajou a Montevidéo, Uruguai (Michel; Arriada, 2017), para observar métodos de ensino,
cotidiano e instalações escolares. Faleceu em 6 de outubro de 1959 em Sapucaia do Sul. Publicou, dentre outros:
Noções de geografia - Brasil (2ª parte). Porto Alegre: Globo, 1936; Noções de geografia - Rio Grande do Sul (1ª
parte) - Curso complementar. Porto Alegre: Globo, 1939 e Noções de cosmografia - de acordo com o programa
da escola normal e escolas complementares. Porto Alegre: Globo, 1936. Empresta o nome para a Escola
Municipal de Ensino Fundamental Afonso Guerreiro Lima, situada no Bairro Lomba do Pinheiro, em Porto
Alegre.
3
Alterado pelos decretos n. 40, de 30 de março de 1940, n. 609, de 30 de setembro de 1942, n. 645, de 23 de
dezembro de 1942, n. 1.488, de 9 de abril de 1945 e n. 2.990, de 7 de maio de 1952.
4
Viñao Frago (2002) assinala que se construiu uma dissociação entre o saber teórico-científico da educação e o
saber prático dos professores. Essa dissociação supôs a exclusão do saber prático, de base empírica, como espaço
de produção do saber pedagógico: “La puesta en relación de la historia de las ciencias de la educación y de la
historia de la profesionalización de los enseñantes, de profesión docente, muestra que la consolidación,
afirmación y reconocimiento social, político y académico del saber científico sobre la educación ha tenido lugar
hasta ahora, con excepciones singulares, a costa de la desvalorización de la profesión docente y de la
deslegitimación de los enseñantes como productores o generados de conocimiento pedagógico a partir de su
experiencia y reflexión sobre la práctica de su tarea” (Viñao Frago, 2002, p. 95).
5
Acerca deste questionário ver ROCHA, Marlos Bessa Mendes da. Educação conformada: a política pública de
educação no Brasil (1930-1945). Juiz de Fora: UFJF, 2000.