Judeus Na Amazônia. Eva Alterman Blay
Judeus Na Amazônia. Eva Alterman Blay
Judeus Na Amazônia. Eva Alterman Blay
All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non
Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.
Todo o contedo deste captulo, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.
Todo el contenido de este captulo, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative
Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.
Judeus na Amaznia1
24
Parte deste texto foi apresentado na Reunio da Brasa, no King's College, Cambridge, em
setembro de 1996. Foi escrito em Paris durante 1996, perodo em que l estive cone moa
bolsa de Ps-Doutorado da FAPESP.
2
Prof. Titular de Sociologia USP.
3
Veja-se importante estudo ele Maria Isaura Pereira de Queiroz (1988) sobre vrias
correntes precursoras da Sociologia brasileira.
4
Anita Novinski (1975). Novinski tem tambm orientado teses relativas ao tema. Veja-se o
importante trabalho de Weisbrot sobre a Argentina e a Inquisio quando aquele autor
mostra que Portugal permitira a emigrao dos cristos-novos para o Brasil de 1507 a 1568.
Depois ficou proibido por 9 anos. Mas o pagamento de 1,7 milhes de cruzados e este tempo
de interrupo permitiu a reabertura da imigrao. Do Brasil muitos imigraram para a
Argentina disfaradamente.
25
27
A longa viagem
Partindo para as Amricas
A partir da descoberta, as Amricas receberam imigraes coletivas e
particulares.10 No primeiro caso estavam as sucessivas expedies dos
colonizadores espanhis, portugueses, ingleses, franceses e holandeses.
10
11
As imigraes judaicas para o Brasil foram particulares com exceo das colnias da ICA
(Jewish Colonization Association), no Rio Grade do Sul.
12
Petrone, idem. p. 101.
13
J. Lestchinskv, 1972, p. 77.
29
14
17
15
18
Fanny Rubinstein Ne Tabacof; Sra. Malvina Teperman, Sra. Klabin entre outros.
F.H. Cardoso, 1977, p. 17, apud Censo de 1872.
19
Prado e Capelato, 1977, p. 291 e p. 93-180.
30
31
Quadro 1
Imigrao no Brasil e em So Paulo20
Perodo
Brasil
So Paulo
1880-
184.000
1891-1900
1.129.315
733.335
1901-1920
1.469.095
857.149
Dos 3,5 milhes de imigrantes que entraram no pas no perodo 18901930, 2 milhes foram para So Paulo. Com tal fluxo o Estado brasileiro
muda sua poltica imigratria e depois de 1927 os imigrantes de alguns
pases passam a ser subvencionados pelos governos de origem interessados
em resolver problemas internos de superpopulao e desemprego.
Entre 1917 e 1924 os Estados Unidos elaborou uma legislao que
restringia fortemente a entrada de estrangeiros. Nos fins da dcada de 20 a
Amrica Latina o imita. Getlio Vargas, em dezembro de 1930, decreta um
controle para a entrada de estrangeiros pois os considera responsveis pelo
desemprego verificado entre as populaes urbanas.21 A partir de ento
comeam medidas de carter protetor nacionalista como a lei dos 2/3, isto
, as empresas so obrigadas a empregar 2 brasileiros natos para cada 3
contratados. So tambm estabelecidas quotas de 2% dos imigrantes de
cada nacionalidade chegados nos ltimos 50 anos.
Na Europa e no Oriente os problemas demogrficos e econmicos
continuaram os mesmos e certamente se agravaram em virtude de razes
polticas, da ascenso do nazismo em 1933 na Alemanha, de revolues e
20
IBGE e Dep. Estadual de Estatstica de So Paulo tabela 6 apud Brando Lopes e Cardoso,
p. 22.
21
Idem, p.97.
32
Celso Lafer, 1962, p.115. A obra de Gil Vicente constitui excelente ponto de partida para
um estudo do judeu, por intermdio da literatura luso-brasileira. De fato, nela se encontra
embrionrias, na sua maior parte, as perspectivas dos diversos autores, do cante vrios
sculos (p. 106).
23
Idem, p. 106.
24
paradigmtico o romance O Judeu de Camilo Castelo Branco (1970) a respeito da
perseguio e morte do dramaturgo brasileiro Antonio Jos, O judeu.
33
Idem, p. 243.
Novinsky, 1972, p. 51.
31
Idem, p. 58. Punies semelhantes eram usuais no Sul da Frana, em Avignon ver Ren
Moulinas.
32
Idem, p. 58.
35
30
A poca contempornea
No fim do sculo XIX mudou o processo imigratrio em geral,
inclusive o judaico. Em nmero reduzido, se comparado a algumas outras
nacionalidades, os judeus provm sobretudo da Europa Oriental
(ashkenazim) onde tinham vivido por sculos. Houve tambm uma leva
imigratria proveniente do Norte da frica, especialmente do Marrocos e
da cidade livre de Tnger (sefardim). Na Europa Oriental tinham vivido por
sculos antes mesmo da constituio de Estados nacionais como a Romnia,
Polnia, Ucrnia, Rssia e Litunia. Viveram umas histrias marcadas por
alteraes polticas, guerras, mudanas nas esferas de poder. Qualquer que
tosse o grupo vencedor, eram mantidos numa condio subalterna, sujeitos
a expulso e a altos pagamentos coletivos pelo direito de moradia.
Durante todo o perodo czarista - que dominou a Rssia, a Polnia e a
Romnia - os judeus foram obrigados a viver numa rea de residncia,
impedidos de possuir ou arrendar terras, excludos das corporaes de
ofcio e do trabalho em inmeras atividades. No tinham o direito de
circular. Sofriam ataques a suas Moradias e pequenas oficinas, eram alvo
permanente de violncias fsicas e mesmo assassinatos, seus bens eram
roubados, as mulheres violadas. A polcia observava de longe estas
agresses. E no foram raros os casos de serem aoitados pelas
autoridades40.
Em nenhum pas reivindicaram autonomia territorial41 mas buscaram
alcanar igualdade poltica, cidadania, liberdade religiosa e respeito aos
valores culturais. Estas demandas foram interpretadas como um inaceitvel
direito diferena e serviram para que, freqentemente, fossem
considerados hspedes indesejveis.
Condies semelhantes foram vividas em pases do Norte da frica e
34
secundrio. No entanto seus dois volumes de O judeu jamais so sequer mencionados para
os estudantes.
40
R. Ertel, 1986. H. Minzeles, 1995. Abrantsky et alii 1987. Plasseraud e Minzelles, 1996.
41
Karady, 1991, p.161.
37
A histria vivida
Existe atualmente no Brasil unia comunidade judaica articulada.
Diferentemente de alguns processos imigratrios em que as relaes tnicas
se dissolveram cora o tempo e o contato com outras culturas, a judaica
tende a restaurar-se nas sociedades em que se insere.
A questo da transmisso histrica tem como fundo a mudana ou a
manuteno da identidade tnica. Barth mostra que para analisar a mudana
da identidade tnica se deve procurar os processos que limitam a
reproduo dos grupos tnicos43. A validade desta teoria permite utiliz-la
justamente para o oposto, isto , para a anlise dos grupos sociais que
mantm a identidade social44 embora mudem os contextos sociopolticos.
42
Idem, p. 15.
Jacques Revel, 1996, p.12.
39
So Paulo concentra cerca ele 100 mil judeus, de tini total ele 150 mil
existentes no Brasil47.
A principal causa apontada como determinante para a migrao
interna foram os filhos: dar educao mais elevada, evitar a diviso da
famlia quando eles tinham ele cursar ensino universitrio e permitir aos
filhos ficar mais perto de outros judeus. Estava a subentendido ter uma
socializao junto comunidade judaica e facilitar casamentos
endogmicos.
Ao estudar os judeus ele So Paulo acaba-se recompondo todo o
processo de imigrao elos judeus para e dentro do Brasil.
47
Jewish Communities of the World. Institute of World Jewish Congress. 1996. Esta
instituio informa que h 130 mil judeus no Brasil.
48
S. Benchimol, 1994.
40
49
Idem, p. 2 e 4.
41
Itaiutuba, beira do rio Tapajs, que deixou conto trao, mais unia vez, as
sepulturas dos judeus pioneiros do ciclo da borracha. Teriam emigrado h
dcadas de Tetuan, Ceuta, Casablanca, Fez, Rabat, Marrakech,50
empurrados pela crise econmica do Marrocos e pela perseguio de vrios
sultes. Por outro lado os governos do Amazonas e Par facilitavam a vinda
de imigrantes. Falavam o portugus e o espanhol antigos, do sculo XVI, e
o haquitia, mistura destas mais o rabe-marroquino51.
Era to freqente a vinda de imigrantes para a Amaznia que os
navios da Companhia Italiana Ligure Brasiliana fazia(m) a linha Gnova,
Marselha, Tnger, Lisboa, Belm, e Manaus...52
Outra leva que aporta na regio amaznica, no sculo XIX, de
judeus vindos da Frana. Uma verso explica que quando a Frana foi
derrotada pela Alemanha em 1870, rejeitando tornarem-se alemes, muitos
judeus alsacianos53 foram para Paris, para o Sul da Frana e alguns deles
vieram para o Brasil. Discordando daquela explicao, Raphael, VidalNacquer e outros indicam que os judeus alsacianos eram discriminados pela
maioria catlica e protestante local e foram para outras partes da Frana ou
imigraram para tornarem-se iguais. Em So Paulo, instalaram atividades
relacionadas ao comrcio de penhores, no centro da cidade. Outros foram
para Manaus, onde se tornam importadores de bens franceses como
relgios, artefatos para casa, instrumentos dentrios e ladrilhos e vidros
para o Teatro Amazonas, construdo em pleno auge da exportao da
borracha e que era etapa obrigatria nas turns dos grandes artistas
internacionais no fim do sculo XIX.
Os judeus da frica do Norte foram trabalhar no comrcio dominado
pelas casas aviadoras. Estas vendiam a crdito, ao seringalista, desde
50
Idem. p. 02.
Idem, p. 55. preciso lembrar tambm que os judeus do Norte da frica tinham emigado
de Portugal e Espanha na poca da Inquisio (1492 e 1500) e guardavam o portugus e o
espanhol.
52
Idem, p. 55.
53
M. Fournier, 1994, mostra que na Alscia e na Lorena os judeus, conto minoria, entre
catlicos e protestantes, viveram perodos muito difceis. Foram objeto de violncias e
extorses e no imaginrio popular eram associados a ladres, p.33 apud Raphael Weyl, p.
408-409.
42
51
Prado e Capellato, p. 94. Lamentavelmente as autoras no foram felizes na forma com que
descreveram a situao deixando dvidas ao leitor: por que dizer que as grandes casas
aviadoras foram lesadas?
55
Benchimol, 1994, p. 62.
56
Idem, p.62.
43
outros pases.
Idem, p.63.
Idem, p.62 e 64.
59
Idem, p.65, 66.
58
44
Idem, p. 65.
Idem, p. 67.
62
Idem, p. 70.
63
Observe-se que to estou afirmando que ele ou os outros tenham ficado alheios as
influncias das outras religies. Ao contrrio, em vrias histrias de vida h unta clara
adoo de outras prticas e crenas.
45
61
Mas ele soma mais uma dimenso, a identidade judaica, que ele
define sua maneira. Amplia sua atuao judaica assim que retorna a um
meio onde existem outros judeus. Consagra-se ao trabalho de instalar e
reestruturar uma comunidade. A sinagoga, a escola, a ajuda mtua, o
cemitrio. Ao invs de se diluir, sua ao se soma a de outros semelhantes
para sedimentar para o futuro esta antiga e restaurada comunidade judaica.
64
65
66
B. Levy, Raphael Benoliel, Isaac Benayon Sabb, Isaac Jacob Benzecry e Isaac Israel
Benchimol. Benchimol, 1994.
47
to bvio para Athias que as festas eram judaicas que ele nem o
menciona. Refere-se apenas a festas religiosas. Viviam como os
amazonenses em casas de palafita, o cotidiano era o rio e a floresta. Mas se
reuniam para as grandes festas: o Ano Novo Judaico (o Rosh Hashan), e
o Grande jejum (o Yom Kipur). Vrias geraes se encontravam, transmitiase a tradio e o ensinamento.
No tnhamos a Tor, o rolo dos livros sagrados, tnhamos apenas o
livro de preces. No tinha rabino. Meu pai que servia de hazam
(cantor litrgico).
As rezas eram em hebraico, mas hebraico literrio! Nosso ritual era
sefaradim, que diferente do ashkenazim seja para ler o hebraico ou
48
67
anos me preparar para por os tfilim (filactrios) e fazer a BarMitzv. Ficvamos de 3 a 4 meses hospedados na casa do Professor.
Era muito respeitado pela comunidade apesar da pobreza e de sua
vida modesta.
Concluso preliminar
Analisando a literatura sobre o Brasil at aproximadamente a dcada
de 50, mostra Garcia70 que se pensava o pas em amplas divises: Norte,
Sul, Centro. Fernando de Azevedo foi um dos pioneiros a perceber e
nomear o Oeste apreendendo unia regio socialmente definida. Destacar o
Nordeste da regio Norte e individualiz-lo foi fruto de unia inveno de
autores como Celso Furtado, que revelou como a generalizao norte
escondia o vnculo identitrio da populao nordestina71.
69
51
72
73
R. Weisbrot, 1979.
E.A. Blay, 1989.
52
53
Bibliografia
ABRAMSKY, CHIMEN et alii (ed). The Jews in Poland. Oxford-New
York: Basil Blackwell, 1987.
BARTH, Fredrik. Enduring and Emerging Issues in the Analysis on
Ethnicity. In: VERMEULEM, H. e GOVERS, C. The Anthropology
of Ethnicity - Beyond Ethnic Groups and Boundaries. Het Spinhuis.
p. 12-31, 1994.
BELLER, Illex. De mon shtetl Paris. Editions du Scribe, 1991.
BENCHIMOL, Samuel. Judeus do ciclo da borracha. I Encontro Brasileiro
de Estudos Judaicos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
24-25 Outubro 1994. Universidade do Amazonas, Manaus, 1994.
75p. xerox
BEREZIN, Rifka. Caminhos do povo judeu, vol. 3,Vaad Hachinuch-19756735. So Paulo.
BERTAUX, Daniel. Biography and Society. London: Sage, 1981.
BLAY, Eva Alterman. Eu no tenho onde morar: estudo sobre vilas
operrias em So Paulo. So Paulo: Nobel, 1985.
_____. Dormitrios e vilas operrias: o trabalhador no espao urbano In:
Valadares, L. P (org). Habitao em questo. Rio de Janeiro, 1987.
CARDOSO, Fernando Henrique. Dos governos militares a PrudenteCampos Sales. In: FAUSTO, B. (ed.) Histria geral da civilizao
brasileira: o Brasil republicano. Vol. 8. Ed. Difel/Difuso Editorial
S.A., 1977.
CASTELO BRANCO, Camilo. O judeu. Lisboa: Parceria A.M. Pereira
Ltda., 1970.
ELAZAR, Daniel J. The Reconstitution of Jewish Communities. In The
Post-War Period. The Jewish Journal of Sociology, 11 (2) dez. 1969.
pp. 187-226.
ERTEL, Rachel. Le shtetl: La bourgade juive. Paris: Payot, 1986.
FURTADO Celso. Formao econmica do Brasil. So Paulo: Ed.
Nacional, 1969.
GARCIA Jr. Afranio. L'Invention du Nordeste Brsilien. L'origine international des identits regionaux. Conferncia realizada no Institut
d'Amrique Latine em 28/3/96.
INSTITUTE of the World Jewish Congress. Jewish Communities of the
World, 1996.
______________. Jewish Communities of the World. Kesem Kibbutz
Saad: Israel, 1996.
54
55
lisation. Colloque de Stocklom, 24-26 setembro 1993. Donald Broady et alii. (ed.) Centre de sociologie de lducation et de la cultura.
Paris: cole des Hautes tudes en Sciences sociales, 1995.
57