Auto Da Barca Do Inferno Resumo
Auto Da Barca Do Inferno Resumo
Auto Da Barca Do Inferno Resumo
(Gil Vicente)
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Diabo
1. Personagens
Anjo (comandante do Cu)
Diabo (comandante do Inferno)
Companheiro do Diabo
Fidalgo (d. Henrique)
Onzeneiro (agiota)
Bobo (Joane)
Sapateiro (Joo Anto)
Padre
Florena (namorada do Padre)
Alcoviteira (Brsida Vaz)
Judeu
Corregedor (Juiz de Direito)
Procurador (Advogado do Estado)
Enforcado
Quatro Cavaleiros Cristos
2. Incio da pea
A primeira alma a chegar ao rio a do fidalgo, d. Henrique. Ele vem acompanhado de seu pajem, que, alm de
segurar a longa cauda de sua capa, carrega-o em uma
cadeira de encostar. Ao avistar o fidalgo, o Diabo ordena
ao seu companheiro que ajeite o barco para receb-lo.
Fidalgo
Fidalgo
Diabo
Esgotou-me a pacincia!
Entre aqui, vossa excelncia!
Com cadeira ou sem cadeira,
Voc para o inferno vai!
Pois que de qualquer maneira
Encontrar l o seu pai!
Fidalgo
Porque o v a de fora!
Diabo
Diabo
Para o cais do desatino!
Fidalgo
L no vou, que no sou torto!
Diabo
Fidalgo
No estou de brincadeira!
Entre, o barco de primeira!
Fidalgo
Diabo
Diabo
Fidalgo
Fidalgo
Diabo
Anjo
O que voc quer aqui?
Fidalgo
Diabo
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fidalgo
Anjo
pra quem teve juzo
Fidalgo
Diabo
Entre doce criatura
Que c nos entenderemos
Pegue aquele par de remos
Para eu ver como se sai,
E, chegando ao nosso cais,
Todos bem o serviremos!
Anjo
Alto l, seu prepotente!
No se embarca qualquer gente
Nessa barca divinal!
Fidalgo
Fidalgo
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Anjo
Explico eu mais uma vez:
No se embarca tirania
Neste barco de altivez
Pros da sua freguesia
Indico aquela outra barca
Diabo
Ui, essa foi boa, o qu?!
Ser que eu ouvi direito?
Ela morrer por voc?
Fidalgo
Para mim que sou de marca
S este barco me interessa!
Venha a prancha e atavio1,
Que vou subir no navio!
Rpido que estou com pressa!
Fidalgo
Isso bem certo o sei eu,
Est agora satisfeito?!
Diabo
Anjo
namorado sandeu,
S voc que no sabia!
Fidalgo
Como isso poder ser,
Que sempre ela me escrevia?!
Diabo
Quantas mentiras que lia,
E ento morto de prazer!
Fidalgo
Diabo
Diabo
Oh, enamorado arlequim,
Comove-me o seu apreo!
Fidalgo
Isto quanto ao que eu conheo
Fidalgo
Diabo
Ao Inferno, todavia!
Pensava que era mentira,
Que era tudo fantasia
1. Enfeite.
Fidalgo
D-me licena, lhe peo,
Que v ver minha mulher
Diabo
Oh, eu que no a impeo,
De fazer o que ela quer
Fidalgo
Onzeneiro
Diabo
Fidalgo
Onzeneiro
Diabo
No h choro de alegria?
Diabo
Fidalgo
Onzeneiro
Diabo
Diabo
Ora, entre aqui neste barco,
Que daqui a pouco parto!
Fidalgo
Entremos, pois que assim
Onzeneiro
Diabo
Diabo
Como gosto desta prosa!
Oh! que gentil recear,
Que coisa to preciosa!
Fidalgo
barca, como ardente!
S quem nela vai louco!
Onzeneiro
Inda agora faleci,
Quero escolher o batel!
Pelo Santo Pimentel,
Nunca tanta pressa eu vi!
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Diabo
Onzeneiro
E quando iremos partir?
Diabo
Deixe de prosa fiada
Diabo
Onzeneiro
Onzeneiro
Onzeneiro
Diabo
Sente-se, no fique em p,
Descanse um pouco, rapaz
Ir servir Satans,
Este que sempre o ajudou.
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Onzeneiro
triste, quem me cegou?
Anjo
Diabo
E se l pouco chorou,
Aqui chorar bem mais!
Onzeneiro
Para o Paraso eu vou!
Entrando o Onzeneiro na barca do Diabo, onde encontrou o Fidalgo, diz, retirando o seu gorro:
Anjo
No, se depender de mim!
Aquela outra j fretou,
O comeo do seu fim!
Onzeneiro
Por Joana de Valds!
Vossa senhoria, aqui?!
Onzeneiro
Fidalgo
Anjo
Diabo
No seja mal-educado,
Onde pensa que est,
Em sua casa, safado?!
Aqui no como l!
E dar-lhe-ei tanta remada,
, meu nobre camarada!
Onzeneiro
Juro a Deus que vai vazio!
Anjo
J no no seu corao.
Joane
Onzeneiro
da barca, h algum a?
Diabo
Quem voc, meu rapaz?
Anjo
Joane
Onzeneiro
Joane
3. O bolso ou a bolsa representa o seu pecado. Nele, o judeu ps o dinheiro dos emprstimos.
E h de parir um sapo
Colocado em guardanapo!
Neto de velha medrosa!
Diabo
Claro, vem para c, vem!
Joane
Joane
Acho que de caganeira
Diabo
Que que voc disse, meu?
Joane
Diabo
Anjo
Joane
Joane
Diabo
Anjo
Joane
Joane
Espere s um momento!
Onde haveremos ns de ir?
Diabo
Ao porto do sofrimento,
Onde s Lcifer ri!
Joane
Pra l no vou nem de graa!
Diabo
Inferno! Entre na barcaa!
Joane
Na-na-ni-na-no! Pronto!
Sou bobo, mas no sou tonto!
4
Ui! Ui! Barca do cornudo ,
Cara de bode, beiudo!
o Diabo, dando-nos
a entender que no era to bobo assim.
Joo Anto
Eia desta caravela!
Pousada de carrapato,
Ui! Ui! Caga no sapato,
Sua me era horrorosa,
Sua mulher ua tinhosa
Diabo
Santo sapateiro honrado,
Como vem to carregado!
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Joane
Morri de cagamerdeira!
Esquisito isso, no ?
Joo Anto
Diabo
De que adiantava a missa,
Se roubar era a premissa?
Joo Anto
5
, que formazinhas belas,
Trouxe-as todas para mim?
Joo Anto
E para onde a viagem?
Diabo
Diabo
Joo Anto
Diabo
Diabo
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Joo Anto
Joo Anto
Diabo
da santa caravela,
Poder levar-me nela?
Joo Anto
Anjo
Diabo
Joo Anto
Joo Anto
Joo Anto
Diabo
Embarca j, seu ladro,
Que h muito tempo que o espero!
Anjo
Joo Anto
Joo Anto
Diabo
Anjo
5. As frmas simbolizam o pecado do sapateiro. Com elas, Joo Anto roubava os seus clientes.
Padre
Juro a Deus que no entendo!
No me vale esta batina?
Joo Anto
Barqueiro! maldito Arrais!
Venha a prancha, pacincia,
E leve-me quela ardncia,
No nos detenhamos mais!
Diabo
Gentil figura cretina,
Ao capeta o recomendo!
Padre
Corpo de Deus consagrado!
Pela f de Jesus Cristo,
Que eu no posso entender isto!
Eu hei de ser condenado,
Um padre to namorado!
E tanto dado a virtude,
Assim Deus me d sade,
Que eu estou maravilhado!
Padre
L-l-ri-l-ri-l-l!
L-l-ri-l-ri-l-l!
Diabo
Que isso, padre? Que vai l?
6
S por Deus! Sou corteso !
Diabo
7
Sabe danar tordio ?
Padre
Padre
Diabo
Diabo
Padre
Por Deus! Ser este ele, ento?
No vai nessa embarcao
Minha senhora Florena?
Diabo
Ela no tem a licena!
Diabo
Padre
Padre
Diabo
Diabo
Padre
Eu mesmo j no me espanto
Entre, padre reverendo!
Padre
Diabo
Diabo
Para aquele fogo ardente
Que nunca temeu vivendo.
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Diabo
Padre
Padre
Padre
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Reverendo capacete!
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Pensei que tinha barrete !
Padre
Padre
Diabo
Ensine-me, padre, ento,
Da esgrima quero lio!
Joane
Ora, frei do tordio,
Onde roubou o faco?!
Padre
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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Diabo
Diabo
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que valentes levadas !
Padre
Brsida Vaz
Companheiro
Quem no sabe, Satans!
Em Coimbra, em Alenquer,
Ou noutra vila qualquer,
Brsida era leva-e-traz!
Todos aqui da ribeira
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Conhecem a alcoviteira !
Brsida Vaz
Anjo
No quero eu a entrar!
Diabo
Brsida Vaz
Eu peo-lhe ajoelhada!
Brsida Vaz
Anjo
Diabo
Brsida Vaz
O que me convm levar!
Diabo
O que h voc de embarcar?
Brsida Vaz
14
Brsida Vaz
Pediu-me para contar
No me quer agora embarcar?
Diabo
Anjo
Ora, pe aqui o p
Brsida Vaz
Vou para o Paraso!
Brsida Vaz
Todo aquele meu servio,
De nada aproveitarei isso?
Diabo
Vejo que perdeu juzo!
Brsida Vaz
Pois eu sou uma herona,
Aoites tenho levado
E tormentos suportados,
Isso que a Vida me ensina
Se eu fosse ao fogo infernal,
Pra l iria todo o mundo!
A esta outra barca me fundo,
L me vou, que mais real!
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Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Brsida Vaz
Se o fidalgo permitir,
Embarcarei neste instante!
Diabo
Judeu
(Para o Diabo):
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Desgraa, pedra mida ,
Lodo, pranto, fogo, lenha,
Caganeira que lhe venha
E diarreia que o acuda!
E s por Deus que o sacuda,
Com a beca17 nos focinhos,
Zomba voc dos meirinhos18?
Fale, filho da cornuda!
Judeu
Este barco a seu?
Diabo
Este barco do barqueiro!
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Judeu
Passe-me e lhe dou dinheiro.
Diabo
Joane
15
Judeu
Tambm ele passageiro.
Diabo
Diabo
Judeu, l o passaro,
Junto com o seu bodo!
Joane
Diabo
que eu no passo cabres.
Judeu
Eis aqui quatro tostes,
Fique com eles, Arrais,
Que depois lhe darei mais!
Diabo
Entre c na caravela,
Pois deveras malvado!
Ir voc a reboque,
E o seu companheiro, o bode,
19
Ir onde deve ir, na trela !
Diabo
Nem voc, nem o seu bode
Ir aqui embarcar, rapaz!
Judeu
Juiz
Ei da barca, h algum a?
15. Segundo a lenda judaica, os judeus descarregavam os seus pecado no bode, soltando-o no deserto, onde morria, morrendo com
ele os seus pecados.
16. Assim como o Joane, o Judeu tambm ofende o Diabo.
17. Roupa do magistrado.
18. Oficiais de justia.
19. Lugar no navio onde se prendiam os animais.
11
E de quem me levar!
H aqui um meirinho do mar?
Diabo
O que voc quer aqui?
Diabo
Juiz
Juiz
Diabo
Oh amador de perdiz,
Qual a carga traz consigo?
Diabo
Juiz
20
Trago processos comigo
E os autos de todo o jeito!
Diabo
Juiz
25
Juiz
Ver coo vai no papel!
Diabo
Juiz
28
Diabo
Diabo
Santo descorregedor,
Entre logo e remaremos!
No h tempo, bacharel!
Embarque no meu batel!
Rpido, seno enguia!
Juiz
21
No de regulae juris , no!
29
Juiz
Eu sempre agi com justia!
Diabo
Ita, ita!22 D sua mo!
E tome aqui este remo
Ser parceiro do Demo,
Primeiro a tomar lio!
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Diabo
E os subornos dos judeus
Que sua mulher levava?
Juiz
Juiz
20. Suas insgnias, isto , smbolos de sua corrupo como Juiz de Direito.
21. Dos preceitos da lei.
22. Sim, sim.
23. Costume.
24. Isto no pode ser.
25. Vede o que pedis!
26. Acima do direito de majestade
27. O original : nonne accepistis rapina?
28. O original : Domine, memento mei!
29. O original : Non es tempus, bacharel! / Imbarquemini in batel! / Quia judicastis malitia.
30. O original : Sempre ego justitia / Fecit e bem per nvel.
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Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Diabo
Diabo
Diabo
Para a infernal oficina!
Diabo
Procurador
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Roubou os trabalhadores,
A gente pobre e ignorante,
Deixou um rasto de dores,
Com a vara de assaltante!
Diabo
Ora, estou bem arranjado!
Chega desse bl-bl-bl!
Juiz (para o Procurador):
Juiz
Demonaco barqueiro,
Quando o negcio dinheiro,
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O Direito perde a vez
Podia eu perder fregus?
Procurador
No pensei que era fatal
O que me fazia mal!
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Diabo
Juiz
Juiz
Diabo
Deixe de prosa e embarquemos,
Veja a caravela que temos?
Diabo
Mestres dos roubos notrios
Nem passam plo Purgatrio!
Procurador
Ao navio do Anjo iremos!
Diabo
Ouam aqui o seu Arrais:
Entrem, no speremos mais!
Juiz
senhor Procurador!
Procurador
Beijo a sua mo, Juiz!
E esse Arrais, o que ele diz?
Juiz
Arrais dos gloriosos,
Passe-nos neste batel!
Diabo
Que ser um bom remador.
Entre, bacharel doutor,
E v logo tirando a gua,
Pra no afogar a mgoa!
Anjo
Oh, pragas para papel,
Para as almas odiosos!
Coo vieram orgulhosos,
Sendo filhos da cincia?
Procurador
barqueiro zombador,
No v? Sou Procurador!
Juiz
Oh, tenha de ns clemncia!
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Joane
Ei, homens dos brevirios,
Rapinastis coelhorum
34
Et pernis perdiguitorum
Mijaram nos campanrios!
Diabo
Veio em boa hora, Enforcado!
36
Que diz Garcia Moniz ?
Juiz
No complique ainda mais
A nossa situao!
Enforcado
Eu lhe direi que ele diz:
Que fui bem-aventurado
Em morrer dependurado
Como morre uma perdiz!
Pelos roubos que roubei
Canonizado serei!
Joane
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Diabo
A justia Divinal
Manda virem carregados
Porque sero embarcados
Naquela barca infernal!
Juiz
Diabo
Aqui no como l,
Aqui eu mando, rapaz!
Enforcado
Juiz
Diabo
Dava-lhe consolao
Isso ou algum outro esforo?
Brsida Vaz
No preciso ser julgada,
J estou aqui condenada!
Enforcado
Com a corda no pescoo,
Adianta a pregao?
Antes o ltimo almoo
Do que mais outro sermo!
Juiz
Indo para infernal ilha
Caiu na prpria armadilha!
Diabo
Brsida Vaz
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Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Enforcado
Sabero os pecadores,
Que, depois da sepultura,
Neste rio est a ventura
Dos prazeres ou das dores!
barca, barca, senhores,
Barca mui enobrecida,
barca, barca da Vida!
Enforcado
O Moniz h de mentir?
Disse que com So Miguel
Jantaria po e mel,
Quando fosse eu enforcado!
Ora, j cumpri o meu fado,
Quero ir ao outro batel
Que me leve ao Paraso,
No sei o que aqui eu fao,
J que santo esse meu lao!
Diabo
Diabo
Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Enforcado
Cavaleiro 1
Diabo
Oh, como foi enganado!
E chega de rapaps
Que j est seco o convs!
Embarquemos todos j,
Que vamos logo zarpar!
Diabo
Entrem c, amigos meus,
Que no posso entender isto!
Cavaleiro 3
Quem morre por Jesus Cristo
No embarca junto aos seus!
Tornam a prosseguir, cantando em direo barca da
Glria, e tanto que chegam, diz o Anjo:
Anjo
Cavaleiros de Deus,
A todos stou esperando,
Que morreram pelejando
Por Cristo, Senhor dos Cus!
Sto livres de todo mal,
Mrtires da Madre Igreja,
Que quem morre em tal peleja
Merece paz eternal!
E assim embarcam.
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