Auto Da Barca Do Inferno Resumo

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Auto da barca do inferno

(Gil Vicente)

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Adaptao, atualizao do portugus e notas por Alexandre Azevedo

Diabo

Auto de Moralidade escrito por Gil Vicente por


considerao serenssima e muito catlica rainha d.
Lianor, nossa senhora, e representado por seu mandado ao poderoso prncipe e muito alto rei d. Manuel,
primeiro de Portugal com este nome.
Comeam a declarao e o argumento da obra.
Primeiramente, no presente auto, se figura que, no
exato momento em que acabamos de morrer, chegamos subitamente a um rio, o qual, por fora, havemos
de passar em uma das duas barcas que naquele porto
esto: uma delas passa para o Paraso, e a outra para
o Inferno; as quais barcas tm cada um o seu comandante na proa: o comandante da do Paraso um Anjo,
e o da do Inferno o Diabo e o seu companheiro.

A esta barca, vamos l!


Que temos boa mar!
Ajeite a vela, man!
Puxe-a logo para c!
Companheiro
Pronto, agora j est feito!
Da no se v defeito!
Diabo
Se no tem outro remendo,
Ento remendado est!
Estica bem essa corda,
Libera o banco correndo
Que para gente que vir!
minha barca, depressa!
Depressa, que temos de ir,
Que o tempo est bom bea,
Ai, vontade de partir!
No sou modesto, me gabo:
Louvores dou ao Diabo!

1. Personagens
Anjo (comandante do Cu)
Diabo (comandante do Inferno)
Companheiro do Diabo
Fidalgo (d. Henrique)
Onzeneiro (agiota)
Bobo (Joane)
Sapateiro (Joo Anto)
Padre
Florena (namorada do Padre)
Alcoviteira (Brsida Vaz)
Judeu
Corregedor (Juiz de Direito)
Procurador (Advogado do Estado)
Enforcado
Quatro Cavaleiros Cristos

O que faz voc, palhao,


Que no desocupa o espao?!
Companheiro
Sempre esse trabalho eu fao!
Diabo
Ento faa-o com cuidado!
Afrouxe logo esses cabos,
Oh, que isso, com mil diabos,
Que estou ficando danado!
Solte logo aquela dria,
Deixe de lado a preguia!
Companheiro
Oh, no se zangue por isso,
Deixe que as velas eu io!
Diabo

2. Incio da pea

Oh, que caravela esta!


Pe as bandeiras, que festa!
ncora! ncora a pique!

A primeira alma a chegar ao rio a do fidalgo, d. Henrique. Ele vem acompanhado de seu pajem, que, alm de
segurar a longa cauda de sua capa, carrega-o em uma
cadeira de encostar. Ao avistar o fidalgo, o Diabo ordena
ao seu companheiro que ajeite o barco para receb-lo.

Oh, meu rico d. Henrique,


Veio para um piquenique?!
Chegando ao barco do Diabo, diz o fidalgo d. Henrique:

Fidalgo

Fidalgo

O barco, onde vai agora,


Que est todo ele enfeitado?

E diga-me: por que no?!


Diabo

Diabo

assim que funciona?!


Uma Vida de prazer,
E de prmio a salvao,
Por meio de uma dona,
Que tem mais o que fazer,
Depois de sua expirao?!
Ora, faa-me o favor,
Nobrssimo cidado!

Vai para a ilha do Enfezado,


E h de partir sem demora!
Fidalgo
Para l vai a senhora?
Diabo (corrigindo-o)

Esgotou-me a pacincia!
Entre aqui, vossa excelncia!
Com cadeira ou sem cadeira,
Voc para o inferno vai!
Pois que de qualquer maneira
Encontrar l o seu pai!

Senhor e a seu servio.


Fidalgo
Parece-me isso um cortio
Diabo

Fidalgo

Porque o v a de fora!

Diabo

Ele atracar em que porto,


Se que sabe seu destino?

Pensa voc que estava onde?


Tocando harpa em outro lar?
Pensou mal, meu caro conde!

Diabo
Para o cais do desatino!

Chega desse trolol


E entre logo no navio!
Por hora ele est vazio,
Mas h de chegar mais gente
E no estar mais s!

Fidalgo
L no vou, que no sou torto!
Diabo

Fidalgo

No estou de brincadeira!
Entre, o barco de primeira!

No h outro aqui neste rio


Que seja bem diferente?

Fidalgo

Diabo

Mas no comprei a passagem


Para gozar tal viagem

No, senhor, que este fretou,


E primeiro que expirou,
Dando-me logo sinal.

Diabo

Fidalgo

Sua reserva est feita,


No h como cancelar
No levou Vida direita,
J tarde pra endireitar!

No entendo, me diz qual?


Diabo

Fidalgo

Da vidona que levou!

Quem pra falar assim?


S eu que sei de mim!

Fidalgo (dirigindo-se barca do Anjo)


A esta outra barca me vou

Diabo

Ol! Para onde a passagem?!


Barqueiro, no me responde?!
Por Deus, para onde a viagem?!
Eu s quero saber pra onde?!
No vejo nenhuma graa,
Responde-me, no embaa!

Agora no h mais jeito,


O que est feito est feito!
Fidalgo
Eu tenho quem me proteja!
Algum que numa outra Vida
Est rezando na Igreja!

Anjo
O que voc quer aqui?

Por que essa cara? Duvida?

Fidalgo

Diabo

Quero saber se esta a


a barca do Paraso?

Dela espera a proteo?!


Oh, faz-me rir, magano!

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Qu?! O meu velho l est?!

Fidalgo

Um lugar de imensa pira!


Folgava ser adorado
Confiei em meu estado
E no vi que me perdia!

Anjo
pra quem teve juzo
Fidalgo

Que venha a prancha! Veremos


Esta barca de tristura

Ento pra mim tambm,


Pois eu sempre tive siso!
Se para a gente de bem,
Nela embarco sem aviso!

Diabo
Entre doce criatura
Que c nos entenderemos
Pegue aquele par de remos
Para eu ver como se sai,
E, chegando ao nosso cais,
Todos bem o serviremos!

Anjo
Alto l, seu prepotente!
No se embarca qualquer gente
Nessa barca divinal!
Fidalgo

Fidalgo

No entendo eu o que diz,


Se nunca fiz nenhum mal,
Se mal nenhum nunca fiz
Sou fidalgo de solar
Por isso deixe-me entrar!

Porm antes de embarcar


Resolverei ua pendncia
Preciso voltar Vida
Por isso lhe peo pacincia.
A minha amante querida
St em vias de se matar,
Pois no h quem a conforte,
Ao saber da minha morte!

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Anjo
Explico eu mais uma vez:
No se embarca tirania
Neste barco de altivez
Pros da sua freguesia
Indico aquela outra barca

Diabo
Ui, essa foi boa, o qu?!
Ser que eu ouvi direito?
Ela morrer por voc?

Fidalgo
Para mim que sou de marca
S este barco me interessa!
Venha a prancha e atavio1,
Que vou subir no navio!
Rpido que estou com pressa!

Fidalgo
Isso bem certo o sei eu,
Est agora satisfeito?!
Diabo

Anjo

namorado sandeu,
S voc que no sabia!

J disse: o outro vai vazio,


Sua cadeira entrar,
Como a capa caber,
E l no sentir frio!
E ainda sobrar espao
Pra toda sua arrogncia,
Que desfilava no Pao!
Alm de toda a vaidade,
De uma fedida fragrncia
Eis a o seu erro crasso,
Com toda sinceridade!

Fidalgo
Como isso poder ser,
Que sempre ela me escrevia?!
Diabo
Quantas mentiras que lia,
E ento morto de prazer!
Fidalgo

Diabo

Por que voc zomba assim,


Se era um amor verdadeiro?

barca, barca senhores!


Oh! que mar to de prata!
Um ventozinho que mata
E valentes remadores!

Diabo
Oh, enamorado arlequim,
Comove-me o seu apreo!

(Diz o Diabo, cantando):


Todo mundo vir a mim
A mim todos viro sim

Fidalgo
Isto quanto ao que eu conheo

Fidalgo

Diabo

Ao Inferno, todavia!
Pensava que era mentira,
Que era tudo fantasia

Antes de tudo, primeiro,


Que estando voc expirando,

1. Enfeite.

J estava ela requebrando


Com outro de menor preo.

Voc se sentar sim


Nua cadeira de marfim,
Toda enfeitada de dores,
Das mais variadas cores,
Que perder o sentido
Oh, est isso prometido!

Fidalgo
D-me licena, lhe peo,
Que v ver minha mulher

esta barca, boa gente!


Que queremos dar vela!
Chegar a ela! Chegar a ela!
Muitos, que espero contente,
Oh! que barca to valente!

Diabo
Oh, eu que no a impeo,
De fazer o que ela quer
Fidalgo

Vem um Onzeneiro (agiota) e pergunta ao Diabo, dizendo:

E o que ela tanto deseja,


Se l que eu posso saber?

Onzeneiro

Diabo

Para onde vai o navio,


Ancorado neste rio?

vontade, caro, esteja


Pra saber o que passou
Tudo quanto ela rezou,
Entre seus gritos e gritas
Foi dar graas infinitas
A quem a desassombrou!

Ora, que isso minha gente,


Onzeneiro, meu parente,
Por que tardou voc tanto?

Fidalgo

Onzeneiro

E quanto a ela, bem chorou!

Mais queria eu l tardar,


Nessa lida de ganhar
Me deu Saturno quebranto.

Diabo
No h choro de alegria?

Diabo

Fidalgo

Ora, ora, muito me espanto


No se livrar do dinheiro!

E as lstimas que dizia?

Onzeneiro

Diabo

Somente para o barqueiro


No me deixaram nem tanto

Sua me lhas ensinou!


Entra agora! Entra, entra, vai!
Eis a prancha, pe o p

Diabo
Ora, entre aqui neste barco,
Que daqui a pouco parto!

Fidalgo
Entremos, pois que assim

Onzeneiro

Diabo

No! No hei eu de embarcar!

(Entrou, agora no sai)


Ora, ora, descanse um pouco,
Pois, j, j vir mais gente

Diabo
Como gosto desta prosa!
Oh! que gentil recear,
Que coisa to preciosa!

Fidalgo
barca, como ardente!
S quem nela vai louco!

Onzeneiro
Inda agora faleci,
Quero escolher o batel!
Pelo Santo Pimentel,
Nunca tanta pressa eu vi!

Diz o Diabo ao Moo da cadeira:


Diabo
2

Voc aqui no pode entrar !


A cadeira c sobeja,
Coisa que esteve na Igreja,
No h aqui como embarcar!

E para onde a viagem?


Em que porto tem paragem?
Diabo

Voltando-se o Diabo para o Fidalgo:

Para onde voc deve ir!

2. O pajem e a cadeira simbolizam os pecados do Fidalgo.

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Diabo

Quero l tornar ao mundo


E trarei o meu dinheiro.
Aquele outro marinheiro,
Por que me viu sem vintm
Ofendeu-me, companheiro,
Coo se eu fosse um z-ningum!

Onzeneiro
E quando iremos partir?
Diabo
Deixe de prosa fiada

Diabo

Onzeneiro

Entre e reme sem demora!


No percamos mais mar!

Mas para onde minha estada?


Diabo

Onzeneiro

Para uma infernal comarca!

Que fazer? Vamos embora

Onzeneiro

Diabo

Ai! No vou eu em tal barca,


Esta outra mais ajeitada!

Sente-se, no fique em p,
Descanse um pouco, rapaz
Ir servir Satans,
Este que sempre o ajudou.

O Onzeneiro vai barca do Anjo, e diz:

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Ei da barca! Ol! Al!


Est pronta pra partir?

Onzeneiro
triste, quem me cegou?

Anjo

Diabo

Para onde voc quer ir?

E se l pouco chorou,
Aqui chorar bem mais!

Onzeneiro
Para o Paraso eu vou!

Entrando o Onzeneiro na barca do Diabo, onde encontrou o Fidalgo, diz, retirando o seu gorro:

Anjo
No, se depender de mim!
Aquela outra j fretou,
O comeo do seu fim!

Onzeneiro
Por Joana de Valds!
Vossa senhoria, aqui?!

Onzeneiro

Fidalgo

E eu posso saber por qu?

Ao Demo coa cortesia!

Anjo

Diabo

Ora, porque esse bolso


Tomar todo o navio.

No seja mal-educado,
Onde pensa que est,
Em sua casa, safado?!
Aqui no como l!
E dar-lhe-ei tanta remada,
, meu nobre camarada!

Onzeneiro
Juro a Deus que vai vazio!
Anjo

Vem Joane, o Parvo (bobo) e diz ao Diabo:

J no no seu corao.

Joane

Onzeneiro

da barca, h algum a?

L ficou todo o meu ganho,


Minha fazenda, o rebanho,
Meu almoo, janta e ceia

Diabo
Quem voc, meu rapaz?

Anjo

Joane

onzena, como feia


E filha da maldio!

Sou eu. E esta barca aqui?


Diabo

Torna o Onzeneiro barca do Inferno e diz:

Pras gentes de Satans

Onzeneiro

Joane

Ol! Demo barqueiro!


Voc sabe em que me fundo?

para os tolos tambm?

3. O bolso ou a bolsa representa o seu pecado. Nele, o judeu ps o dinheiro dos emprstimos.

E h de parir um sapo
Colocado em guardanapo!
Neto de velha medrosa!

Diabo
Claro, vem para c, vem!
Joane

Furta-cebola! Ui! Ui!


Excomungado na Igreja!
Babaco, cornudo seja!
Toma o po que lhe caiu,
A mulher que lhe fugiu
L para a Ilha da Madeira!
Cornudo at a mangueira,
O demnio que o pariu!

De pulo ou de voo eu vou?


, pesar de meu av!
Acabei adoecendo,
Fui morrendo, fui morrendo
Diabo
(Baixinho, s para si): Nunca ouvi tanta asneira
E de que voc morreu?

Ui! Ui! Lano-lhe uma pulha!


Fantasma da caravela,
Sujo de bosta essa vela,
Costurada com agulha
Enferrujada! Quer mais?
Ou j est bom, Satans?!

Joane
Acho que de caganeira
Diabo
Que que voc disse, meu?

Chega o Parvo no barco do Anjo e diz:

Joane

Ei, voc a do barco!


Uma pergunta lhe fao.

Diabo

Anjo

Nada Pe aqui o seu p!

O que voc quer de mim?

Joane

Joane

No vire o barco, maluco!

Quer passar-me alm?

Diabo

Anjo

Entre, bobalho eunuco,


Logo se vai a mar!

Talvez no ou talvez sim


Ento me diz: voc quem?

Joane

Joane

Espere s um momento!
Onde haveremos ns de ir?

No sei, no Talvez algum.


Anjo

Diabo

Se quiser, pode passar;


Tem aqui o meu aval,
Se em vida se fez errar,
Errou, mas no foi por mal.
Viveu com simplicidade,
Conquistar a eternidade!
Por enquanto espere a,
Talvez vir outro algum,
Merecedor de tal bem
Que deva de entrar aqui!

Ao porto do sofrimento,
Onde s Lcifer ri!
Joane
Pra l no vou nem de graa!
Diabo
Inferno! Entre na barcaa!
Joane

Vem um sapateiro, de nome Joo Anto, com o seu


avental, carregado de formas e, chegando ao barco do
Diabo, diz:

Na-na-ni-na-no! Pronto!
Sou bobo, mas no sou tonto!
4
Ui! Ui! Barca do cornudo ,
Cara de bode, beiudo!
o Diabo, dando-nos
a entender que no era to bobo assim.

Joo Anto
Eia desta caravela!

Pousada de carrapato,
Ui! Ui! Caga no sapato,
Sua me era horrorosa,
Sua mulher ua tinhosa

Diabo
Santo sapateiro honrado,
Como vem to carregado!

4. Aproveitando-se da sua condio de parvo, Joane aproveita para xingar.

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Joane

Morri de cagamerdeira!
Esquisito isso, no ?

Joo Anto

Diabo
De que adiantava a missa,
Se roubar era a premissa?

Mandaram-me vir assim


Diabo

Joo Anto

5
, que formazinhas belas,
Trouxe-as todas para mim?

E aquelas tantas esmolas,


Que eu colocava em sacolas?
E as rezas pelos defuntos,
Isso tambm lhe pergunto!

Joo Anto
E para onde a viagem?

Diabo

Diabo

Mas e o dinheiro roubado,


No dando satisfao?!

Para o lago dos danados.


Joo Anto

Joo Anto

E os que morrem confessados,


Onde tm sua passagem?

, que enorme confuso,


Estou meio atordoado!

Diabo

Diabo

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Chega de prosa fiada!


Esta j sua barca, esta!

No esperto, Joo Anto?


Saia dessa, seu safado!

Joo Anto

Joo Anto

No quero entrar nesta festa,


Com carga ou mesmo sem nada!

Vou-me pra outra barca ento!

Diabo

Joo Anto dirige-se barca do Anjo e diz:

, quanta gente indigesta,


Quanta conversa furada!

da santa caravela,
Poder levar-me nela?

Joo Anto

Anjo

Como poder isso ser,


Confessado e comungado?

Sua carga no permite!

Diabo

Joo Anto

Morreu voc excomungado,


No me disse isso, por qu?
Esperava de viver,
Calando dois mil enganos,
Roubando bem uns trinta anos
O povo coo seu trabalho!

Por Deus, isso no existe,


Por favor, deixe-me entrar!
Anjo
A outra barca que l est
Embarca os da sua estirpe!

Joo Anto

Joo Anto

Cada macaco em seu galho!

Juro que no entendo isso:


Quatro forminhas pequenas,
Quatro forminhas apenas,
Pra todo esse rebolio!

Diabo
Embarca j, seu ladro,
Que h muito tempo que o espero!

Anjo

Joo Anto

Se tivesse vivido direito,


No lhe poriam defeito!

Entrar a? Entro, no!


Ta coisa que no quero!

Joo Anto

Diabo

Ento est decretado


Que eu v cozinhar no Inferno?

Ah, entrar de qualquer jeito!


Joo Anto

Anjo

Oh, no est isso direito!


Quantas missas eu ouvi,
No me ho elas de servir?

Escrito est no caderno


Do escrivo encapetado!

5. As frmas simbolizam o pecado do sapateiro. Com elas, Joo Anto roubava os seus clientes.

Torna-se ao barco do danado, e diz:

Padre
Juro a Deus que no entendo!
No me vale esta batina?

Joo Anto
Barqueiro! maldito Arrais!
Venha a prancha, pacincia,
E leve-me quela ardncia,
No nos detenhamos mais!

Diabo
Gentil figura cretina,
Ao capeta o recomendo!

Vem um Padre com uma Moa pela mo. Na outra, um


escudo e uma espada. Debaixo do capuz um capacete.
Vem cantando e danando:

Padre
Corpo de Deus consagrado!
Pela f de Jesus Cristo,
Que eu no posso entender isto!
Eu hei de ser condenado,
Um padre to namorado!
E tanto dado a virtude,
Assim Deus me d sade,
Que eu estou maravilhado!

Padre
L-l-ri-l-ri-l-l!
L-l-ri-l-ri-l-l!
Diabo
Que isso, padre? Que vai l?

Pare com a ladainha,


Embarque na barca minha,
Logo, logo partiremos
Tome ali um par de remos!

6
S por Deus! Sou corteso !

Diabo
7
Sabe danar tordio ?

Padre

Padre

Isso no me haviam dito!

Por que no? Como ora sei!

Diabo

Diabo

Dado est o veredicto!

Entra aqui que eu tocarei


E faremos um sero!

Padre
Por Deus! Ser este ele, ento?
No vai nessa embarcao
Minha senhora Florena?

Essa dama a, quem ela?


Padre
8
Ora, por minha a tenho eu ,
No sei se compreendeu

Diabo
Ela no tem a licena!

Diabo

Padre

, faz muito bem que bela!


mesmo uma belezura!
E no punham l censura
No casto convento santo?

Como? Por ser namorado


E folgar couma mulher
Se h um Padre de perder
Com tanto salmo rezado?

Padre

Diabo

Eles fazem outro tanto!

Ora, est bem arranjado!

Diabo

Padre

Eu mesmo j no me espanto
Entre, padre reverendo!

Voc que est bem servido!

Padre

Diabo

Pra onde vai levar a gente?

Devoto padre marido,


O que seu est guardado!

Diabo
Para aquele fogo ardente
Que nunca temeu vivendo.

Ao baixar o capuz, diz o padre, mostrando o capacete:

6. Homem corts ou relativo Corte.


7. Espcie de dana.
8. A Florena, a espada, o escudo e a dana simbolizam os seus pecados.

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Diabo

Padre

Padre

Padre
9

Vou barca angelical,


Por bem ou mesmo por mal!

Mantenha Deus a coroa !


Diabo

Danando e cantando, chegam barca do Anjo:

Reverendo capacete!
10
Pensei que tinha barrete !

Padre

Padre

Tanranr; tanranr; tanranr; tanranr; tanranr


Tanranr; tanranr; tanranr; tanranr; tanranr

Eu fui um grande sujeito,


A minha espada das boas,
E o meu escudo, perfeito!

Graas a Deus! H lugar


Para minha reverena
E essa senhora Florena?
Por ser minha, pode entrar?

Diabo
Ensine-me, padre, ento,
Da esgrima quero lio!

Joane, o parvo, aproxima-se, dizendo:

Comea o padre a ensinar esgrima ao Diabo:

Joane
Ora, frei do tordio,
Onde roubou o faco?!

Padre

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

11

Disso eu gosto, como no!


Primeiro um contra sus!
Um fendente em contra mo!
Esta a primeira levada
Levanto bem essa espada,
Um talho largo e um revs!
Recolho logo meus ps,
Que o resto a no nada!

O padre, com o silncio do Anjo, diz sua senhora


Florena:
Padre
No adianta insistir,
Vamos onde temos de ir!
No quer Deus esta ribeira,
No h mesmo outra maneira
A no ser pra l partir!
quele Inferno, Florena,
que ardente esta sentena!

Quando o recuo demora


O ferir no prudente
Eia, sus, valentemente,
Cortarei na segunda hora!
Guarde-me Deus de espingarda
Ou de um homem mais ousado,
Aqui estou bem guardado
Como palha na almofada!
Saio com a meia espada,
Guardando bem a queixada!

O padre foi embarcado. Chega mesma barca infernal


uma alcoviteira de nome Brsida Vaz, e diz:
Brsida Vaz
Ei da barca! Sou de paz!

Diabo

Diabo

12
que valentes levadas !

Quem voc? E o que quer?

Padre

Brsida Vaz

Ainda isto no nada


Darei outra vez caada!
Contra sus e um fendente,
E cortando largamente,
Eis uma nova estocada!

Sou eu, a Brsida Vaz!


Diabo (para o seu companheiro)
Sabe quem essa mulher?

Daqui saio como ua guia


Esta quinta verdadeira,
E um revs da primeira:
quantos daqui feria!
Um padre que assim agia
H de ser ele queimado?!
, me sinto malogrado!

Companheiro
Quem no sabe, Satans!
Em Coimbra, em Alenquer,
Ou noutra vila qualquer,
Brsida era leva-e-traz!
Todos aqui da ribeira
13
Conhecem a alcoviteira !

O padre pega a moa pela mo, dizendo:

9. Uma pequena careca, smbolo do sacerdcio.


10. Espcie de chapu usado por padres.
11. O Padre se mostra um mestre na arte de esgrimar.
12. Golpes.
13. Cafetina ou prostituta.

Diabo (para Brsida Vaz)

Brsida Vaz dirige-se barca do Anjo:

Entre aqui, minha senhora,


Que partiremos agora!

Barqueiro, meu camarada,


Prancha pra Brsida Vaz!

Brsida Vaz

Anjo

No quero eu a entrar!

No sei quem aqui a traz

Diabo

Brsida Vaz

Que medo de arrepiar!

Eu peo-lhe ajoelhada!

Brsida Vaz

Anjo

No essa barca que eu quero.

Deixe, mulher, dessa prosa,


E que eu muito bem conheo!

Diabo

Anjo de Deus, minha rosa,


Sou aquela preciosa,
Que coespecial apreo
Criava aquelas meninas
Para os cnegos da S
Passe-me, por sua f,
Meu amor, minhas boninas,
Olho de prolas finas!
Sou aquela apostolada,
Angelada e martelada,
E fiz coisas mui divinas!

Brsida Vaz
O que me convm levar!
Diabo
O que h voc de embarcar?
Brsida Vaz
14

Seiscentos hmens postios


E trs arcas de feitios,
Trs armrios de mentir,
Cinco cofres de confuso,
E furtos de ocasio
Tambm joias de vestir,
Guarda-roupa diludir
Enfim, casa movedia,
Um estrado de cortia
Coalmofadas dencobrir!

Santa rsula no converteu


Tantas meninas como eu
No as deixei no abandono,
Que todas acharam dono!
Era eu especialista,
Nenhuma escapou da lista!
Anjo
V tratar com Satans,
E no me importune mais!

Porm, a maior carga :


Essas moas que vendia.
E dessa mercadoria
A trago com boa f!

Brsida Vaz
Pediu-me para contar
No me quer agora embarcar?

Diabo

Anjo

Ora, pe aqui o p

V voc pra aquele Arrais,


No entrar aqui jamais!

Brsida Vaz
Vou para o Paraso!

Brsida Vaz
Todo aquele meu servio,
De nada aproveitarei isso?

Diabo
Vejo que perdeu juzo!

Torna-se Brsida Vaz barca do Inferno, dizendo:

Brsida Vaz
Pois eu sou uma herona,
Aoites tenho levado
E tormentos suportados,
Isso que a Vida me ensina
Se eu fosse ao fogo infernal,
Pra l iria todo o mundo!
A esta outra barca me fundo,
L me vou, que mais real!

Ol, barqueiro da m hora,


Venha a prancha, vou-me embora!
Marcou-me ento o destino
Pra o fogo do desatino!
Diabo
No perca tempo a fora,
Entre aqui, minha senhora,

14. Comea uma lista, simbolizando os seus pecados.

10

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Brsida Vaz

Oh, chega de lero-lero!


Muitas coisas trouxe, espero.

Que ser bem recebida,


Se viveu uma santa Vida,
Viver melhor agora!

Se o fidalgo permitir,
Embarcarei neste instante!
Diabo

Tanto que Brsida Vaz se embarcou, veio um Judeu,


com um bode s costas, e chegando barca dos danados, diz:

Ora, ora essa, faz-me rir,


O fidalgo comandante!
Judeu (para o Fidalgo):

Judeu

Capito deste navio,


Castigue aquele imbecil!

, desta barca! , marinheiro!


Diabo

(Para o Diabo):

Chegou em m hora, Judeu!

16
Desgraa, pedra mida ,
Lodo, pranto, fogo, lenha,
Caganeira que lhe venha
E diarreia que o acuda!
E s por Deus que o sacuda,
Com a beca17 nos focinhos,
Zomba voc dos meirinhos18?
Fale, filho da cornuda!

Judeu
Este barco a seu?
Diabo
Este barco do barqueiro!

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Judeu
Passe-me e lhe dou dinheiro.

(Da barca do Anjo, fala Joane, o parvo, para o Judeu):

Diabo

Joane
15

E h de vir tambm o bode ?

Roubou o bode, cabro?


Voc parece-me esperto,
Apesar de olhar de perto,
Ter cara de bobalho!

Judeu
Tambm ele passageiro.

Diabo

Diabo

Judeu, l o passaro,
Junto com o seu bodo!

Intil Ento, no pode!


Judeu

Joane

Sem ele, como irei l?

E ele mijou nos finados


Na igreja de So Gio!

Diabo
que eu no passo cabres.

Voc quer mais? O danado


Comeu carne de panela
No dia do Salvador!

Judeu
Eis aqui quatro tostes,
Fique com eles, Arrais,
Que depois lhe darei mais!

Diabo
Entre c na caravela,
Pois deveras malvado!
Ir voc a reboque,
E o seu companheiro, o bode,
19
Ir onde deve ir, na trela !

Diabo
Nem voc, nem o seu bode
Ir aqui embarcar, rapaz!
Judeu

Vem um Juiz de Direito, carregado de autos, e chegando


barca do Diabo, com a sua vara na mo, diz:

E por que no nos acode


Coo acudiu Brsida Vaz?

Juiz

O Judeu dirige-se ao Fidalgo:

Ei da barca, h algum a?

15. Segundo a lenda judaica, os judeus descarregavam os seus pecado no bode, soltando-o no deserto, onde morria, morrendo com
ele os seus pecados.
16. Assim como o Joane, o Judeu tambm ofende o Diabo.
17. Roupa do magistrado.
18. Oficiais de justia.
19. Lugar no navio onde se prendiam os animais.

11

E de quem me levar!
H aqui um meirinho do mar?

Diabo
O que voc quer aqui?

Diabo

Juiz

No h aqui tal costumagem23.

St aqui o senhor Juiz!

Juiz

Diabo

No entendo esta barcagem,


24
Nem hoc non potest esse .

Oh amador de perdiz,
Qual a carga traz consigo?

Diabo

Juiz

Oh, para cima de mim


Essa conversa em latim
Entre, entre, Corregedor!

20
Trago processos comigo
E os autos de todo o jeito!

Diabo

Juiz

E como vai l o Direito?

25

! Videtis qui petatis!


Super jure majestatis26,
Pois que sou superior!

Juiz
Ver coo vai no papel!

Na poca em que era Ouvidor,


27
No recebia propina?
Pois agora, gente fina,
Ir comigo onde eu for!

Entre, que aqui voc ru


Juiz
Para onde vai o batel?

(o Diabo olha para os processos do Juiz, e diz):

Diabo

Que boa isca esse papel


Pra queimar num fogaru!

Para o Inferno ns iremos!


Juiz

Juiz

Coo assim? terra dos demos


H de ir um Corregedor?

28

Deus, tenha pena de mim!


Ser ento este o meu fim?

Diabo

Diabo

Santo descorregedor,
Entre logo e remaremos!

No h tempo, bacharel!
Embarque no meu batel!
Rpido, seno enguia!

Juiz
21
No de regulae juris , no!

29

Juiz
Eu sempre agi com justia!

Diabo
Ita, ita!22 D sua mo!
E tome aqui este remo
Ser parceiro do Demo,
Primeiro a tomar lio!

30

Diabo
E os subornos dos judeus
Que sua mulher levava?
Juiz

Juiz

Dessa conta eu no tomava,

Pois dispenso eu da viagem

20. Suas insgnias, isto , smbolos de sua corrupo como Juiz de Direito.
21. Dos preceitos da lei.
22. Sim, sim.
23. Costume.
24. Isto no pode ser.
25. Vede o que pedis!
26. Acima do direito de majestade
27. O original : nonne accepistis rapina?
28. O original : Domine, memento mei!
29. O original : Non es tempus, bacharel! / Imbarquemini in batel! / Quia judicastis malitia.
30. O original : Sempre ego justitia / Fecit e bem per nvel.

12

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Diabo

Diabo

Eram l negcios seus,


No eram pecados meus31

Diabo
Para a infernal oficina!

Diabo

Procurador

Nela voc no mandava?


No me venha com lorota!
Pensa que sou idiota?

Dix! No vou eu para l!


Outro navio est c,
Muito mais ajeitado!

32

Roubou os trabalhadores,
A gente pobre e ignorante,
Deixou um rasto de dores,
Com a vara de assaltante!

Diabo
Ora, estou bem arranjado!
Chega desse bl-bl-bl!
Juiz (para o Procurador):

Juiz

Voc confessou, doutor?

Demonaco barqueiro,
Quando o negcio dinheiro,
33
O Direito perde a vez
Podia eu perder fregus?

Procurador
No pensei que era fatal
O que me fazia mal!

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Diabo

Juiz

Junte-se aos desventurados


Que esto no lago dos ces,
L ver os escrives
Como esto to prosperados!
Ver quo enorme lista

Eu muito bem confessei,


Porm, tudo o que eu roubei,
Escondi do confessor!
Procurador

Juiz

E fez muito bem, senhor!

Para a terra dos danados


Tambm vo evangelistas?

Diabo
Deixe de prosa e embarquemos,
Veja a caravela que temos?

Diabo
Mestres dos roubos notrios
Nem passam plo Purgatrio!

Procurador
Ao navio do Anjo iremos!

Estando o Juiz nesta conversa com o Diabo, chegou um


Procurador, carregado de livros, e diz o Juiz ao Procurador:

Diabo
Ouam aqui o seu Arrais:
Entrem, no speremos mais!

Juiz
senhor Procurador!

Vo-se ambos barca da Glria e, chegando, diz o


Juiz ao Anjo:

Procurador
Beijo a sua mo, Juiz!
E esse Arrais, o que ele diz?

Juiz
Arrais dos gloriosos,
Passe-nos neste batel!

Diabo
Que ser um bom remador.
Entre, bacharel doutor,
E v logo tirando a gua,
Pra no afogar a mgoa!

Anjo
Oh, pragas para papel,
Para as almas odiosos!
Coo vieram orgulhosos,
Sendo filhos da cincia?

Procurador
barqueiro zombador,
No v? Sou Procurador!

Juiz
Oh, tenha de ns clemncia!

Essa gente que a est,


Para onde se destina?

31. O original : Nom som peccatus meus, / peccavit uxore mea.


32. O original : A largo modo adquiristis / sanguinis laboratorum, / ignorantes peccatorum. / Ut quid eos non audistis?
33. O original : Os dereitos esto quedos, / Si aliquid tradidistis

13

Vem um homem que morreu enforcado e, chegando


barca dos mal-aventurados, disse o Arrais, tanto que
chegou:

Joane
Ei, homens dos brevirios,
Rapinastis coelhorum
34
Et pernis perdiguitorum
Mijaram nos campanrios!

Diabo
Veio em boa hora, Enforcado!
36
Que diz Garcia Moniz ?

Juiz
No complique ainda mais
A nossa situao!

Enforcado
Eu lhe direi que ele diz:
Que fui bem-aventurado
Em morrer dependurado
Como morre uma perdiz!
Pelos roubos que roubei
Canonizado serei!

Joane
35

Cad esses policiais


Para levarem ladro?
Pensavam que sou otrio,
Vindo coesse latinrio?!
Anjo

Diabo

A justia Divinal
Manda virem carregados
Porque sero embarcados
Naquela barca infernal!

Pois entre e comandar


At as portas do Inferno.

No essa nau que eu governo!

Juiz

Diabo

Oh, livra-nos So Maral


Da ribeira e deste rio!
Pensam l que desvario
Haver aqui tanto mal!

Aqui no como l,
Aqui eu mando, rapaz!
Enforcado

Juiz

Oh, no, no! Por Barrabs!


Se Garcia Moniz diz
Que os que morrem como eu fiz
So livres de Satans!

Venha a negra prancha j,


Vamos ver esse segredo!
Procurador

Que os que morrem enforcados,


Disse-me Garcia Moniz,
Bem aqui nos meus ouvidos,
Que o lugar dos escolhidos:
A forca ou a deteno
Nem do claustro o guardio
Guardava to santa gente
Quanto este Afonso Valente,
Carcereiro da priso!

Diz um texto do Degredo


Diabo
Entre aqui, aqui se dir
E tanto que foram dentro da barca dos condenados,
disse o Juiz Brsida Vaz, porque a conhecia:
Juiz
Oh, que vento aqui a traz,
senhora Brsida Vaz?

Diabo
Dava-lhe consolao
Isso ou algum outro esforo?

Brsida Vaz
No preciso ser julgada,
J estou aqui condenada!

Enforcado
Com a corda no pescoo,
Adianta a pregao?
Antes o ltimo almoo
Do que mais outro sermo!

Juiz
Indo para infernal ilha
Caiu na prpria armadilha!

Diabo

Brsida Vaz

Entre, entre neste batel,


Que ao Inferno havemos de ir!

No fique assim to contente,


Pois agora igual gente!

34. Roubastes coelhos / e pernas de perdizes.


35. O original : Beleguins ubi sunt? / Ego latinus macairos.
36. Algum nobre importante.

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Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Enforcado

Sabero os pecadores,
Que, depois da sepultura,
Neste rio est a ventura
Dos prazeres ou das dores!
barca, barca, senhores,
Barca mui enobrecida,
barca, barca da Vida!

Enforcado
O Moniz h de mentir?
Disse que com So Miguel
Jantaria po e mel,
Quando fosse eu enforcado!
Ora, j cumpri o meu fado,
Quero ir ao outro batel
Que me leve ao Paraso,
No sei o que aqui eu fao,
J que santo esse meu lao!

E passando diante da proa da barca dos danados assim


cantando, com as suas espadas e os seus escudos, disse
o Arrais da perdio desta maneira:

Diabo

Diabo

Perdeu voc seu juzo?!


Falou-lhe no Purgatrio?

Cavaleiros que a esto,


Para onde pensam que vo?!

Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Enforcado

Cavaleiro 1

Disse que era na priso,


Onde ouvamos prego,
Que era muito notrio
Em missas a So Gregrio!
E assim os nossos pecados
Iam sendo desculpados!

Como ousa falar assim,


Arrais da barca maldita,
Que leva gente desdita?!
Cavaleiro 2
Se quer saber sobre mim
E sobre os outros tambm,
Morremos por nosso Deus
Naquelas Partes dAlm!

Diabo
Oh, como foi enganado!
E chega de rapaps
Que j est seco o convs!
Embarquemos todos j,
Que vamos logo zarpar!

Diabo
Entrem c, amigos meus,
Que no posso entender isto!

Vm quatro cavaleiros cantando, os quais trazem cada


um a Cruz de Cristo, pelo qual Senhor e acrescentamento
de Sua santa f catlica morreram em poder dos mouros.
Absolvidos da culpa e pena por privilgio que os que assim
morrem tm dos mistrios da Paixo dAquele por Quem
padecem, outorgados por todos os Presidentes Sumos
Pontfices da Madre Santa Igreja. E a cantiga que assim
cantavam, quanto a letra dela, a seguinte:

Cavaleiro 3
Quem morre por Jesus Cristo
No embarca junto aos seus!
Tornam a prosseguir, cantando em direo barca da
Glria, e tanto que chegam, diz o Anjo:
Anjo

barca, barca segura,


barca bem guarnecida,
barca, barca da Vida!

Cavaleiros de Deus,
A todos stou esperando,
Que morreram pelejando
Por Cristo, Senhor dos Cus!
Sto livres de todo mal,
Mrtires da Madre Igreja,
Que quem morre em tal peleja
Merece paz eternal!

Os que trabalharam mais


Pela Vida transitria,
Memria, por Deus, memria,
Deste temeroso cais!
barca, barca, mortais,
barca bem guarnecida,
barca, barca da Vida!

E assim embarcam.

15

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