A Barca

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A barca do Inferno

NARRADOR - PRETO
DIABO - VERMELHO
COMPANHEIRA DO DIABO - ROSA
O RICO - VERDE
AGIOTA - AMARELO
ANJO - AZUL CLARO
TOLO - ROXO
PADRE - BEGE AMARELADO
SAPATEIRO - MARROM ESCURO
POLÍTICA - BEGE CLARO
BRÍGIDA - MARROM AVERMELHADO
JUÍZA - AZUL ESCURO
PROCURADORA - AZUL BEBÊ
CAVALEIROS - ROSA CLARO

NARRADOR
Primeiramente, no presente auto, pressupõe-se que, no momento em que acabamos de morrer,
chegamos subitamente a um rio, o qual, por força, teremos de passar num dos dois barcos que estão
atracados no porto. Um deles vai em direção ao paraíso e o outro para o inferno. Os tais barcos têm,
cada um, os seus comandantes na proa: o do paraíso um anjo, e o do inferno um comandante
infernal e sua companheira.
Para vocês, apresentamos a peça “A barca do inferno”, uma adaptação da obra de Gil Vicente.

DIABO
À barca, à barca, venham lá!
Que temos gentil maré!
– dirigindo-se ao COMPANHEIRA –
Ora põe o barco à ré! vira a traseira do barco Ajeite o barco

COMPANHEIRA DO DIABO
Já fiz, já fiz!

DIABO
Bem feito está!
Vai agora, rápido
Esticar aquele corda
E desocupar aquele banco,
Para a gente que virá.

– falando para o ar –

À barca, à barca, hu-u!


Depressinha, que se quer ir!
Oh, que tempo para partir,
Louvores a Belzebu!

– dirigindo-se ao COMPANHEIRA –

Mas então! que fazes tu?


Limpa todo aquele espaço
COMPANHEIRA DO DIABO
Rapidinho ! Já vai estar feito!

DIABO
Rapido e sem demora
Liberta aquela corda
E levanta a vela

COMPANHEIRA DO DIABO
Limpa aquilo! Faça isso! Iça, iça!

DIABO
Oh, que caravela esta!
Põe bandeiras, que é festa.
Vela ao alto! Âncora a pique!
Ó poderoso Dom Henrique,
Cá vindes vós? Que coisa é essa?...

NARRADOR
Aproxima-se o RICO e, chegando ao barco infernal, diz:

RICO
Esta barca vai para onde?

DIABO
Vai para a ilha perdida,
E há de partir logo

RICO
E para lá vai a senhora?

DIABO
Sou um senhor,
Ao vosso serviço.

RICO
Esta embarcação parece ser muito simples

DIABO
Porque a ve daí de fora.

RICO
E para onde ela vai?

DIABO
Para o inferno, senhor.

RICO
Uma terra sem-sabor... sem piada nenhuma…

DIABO
O quê?... Mas também disso zombais?

RICO
E que passageiros você achou
Para essa embarcação?

DIABO
Vejo-vos eu é passageiro ideal
Para ir no nosso cais…

RICO
Pareço assim a ti!...

DIABO
Em que esperas ter salvação ?

RICO
Tenho quem reze sempre por mim.

DIABO
Quem reze sempre por ti?!...
Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!...
Tu que viveste a teu prazer,
Pensando que se salvará
Por aqueles que lá rezam por ti?!...
Embarcai agora, embarcai!
Que haveis de ir nas traseiras
Como também fez o vosso pai.

RICO
O quê!?
É lá que ele está?!

DIABO
Vai ou vem! Embarcai depressa!
Pelo que em vida escolheste,
Assim cá vos contentais
E como pela morte passastes,
Tereis que passar o rio.

RICO
Não há aqui outro navio?

DIABO
Não, senhor, recebi logo sinal.que é esta que foi preparado,
assim que morreste

RICO
E que sinal foi esse?

DIABO
De que você estava condenado
_ Dirigindo-se ao Anjo _

RICO
Vejo ali outra barca.

Para onde vais?


Oh, barqueiro! Não me ouve?

– O Anjo ignora-o –

Por deus, perdido estou!


Mas que burro, com todo respeito!
Não entende o que digo?

ANJO
Que queres?

RICO
Que me diga,
Pois morri tão sem aviso,
Se esta é a barca do Paraíso?

ANJO
É ela mesma, o que deseja?

RICO
Que para o seu bem me deixes embarcar!
Sou RICO

ANJO

Ah? Neste barco divino não se embarca tirania. (Expressão susto)

RICO
Não sei porque negais entrada á minha pessoa

ANJO
Porque e muito "pequena" esta barca para o *tamanho* da sua vaidade Senhor.

RICO
Para um homem rico de bom nome,
Não há aqui mais cortesia?
Ah! Deixe, eu mesmo irei pegar a prancha para subir a este barco…

ANJO
Nem pensa em entrar neste navio.
Aquele ali vai mais vazio.
Lá será mais espaçoso, você entrar
junto com sua arrogância e soberba
Contra o pobre povo.

– Grita o Diabo da sua barca –

DIABO
À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
E valentes remadores!

– Diz a cantar: –

"Vós me vereis à mão,


À mão me vireis.”

RICO
O inferno será para mim?

Eu que pensava ser adorado,


E não vi que me perdia.

Traga essa prancha!


Veremos esta barca de tristeza

DIABO
Embarque vossa doçura,
Que cá nos entenderemos...

E, chegando ao nosso cais,


Verá como bem vos serviremos
.
RICO
Esperai-me aqui,vou à outra vida,
Para ver a minha dama querida,
Que se quer matar por mim.

DIABO
Que se quer matar por ti?!...

RICO
Claro

DIABO
Ó homem enganado
O maior que já vi!...

RICO
Como poderá isso ser,
Ela que me escrevia todos os dias?

DIABO
Quantas mentiras que lias!
E tu... doido de prazer!...

RICO
Pare de dizer mentiras

DIABO
Pois estando tu a morrer,
Estava ela a festejar
com outro

RICO
Dá-me licença, te peço,
Para eu ver a minha mulher.

DIABO
E ela, se te voltar a ver,
vai morrer de susto
Tudo quanto ela hoje rezou,

e deu graças infinitas


A quem a libertou de ti

RICO
Mas ela muito chorou!

DIABO
E não há choro de alegria?

Entrai, meu senhor, entrai:

Ora, senhor, descansai, passeai e suspirai.


Que entretanto virá mais gente.

RICO
Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!

DIABO
– Falando novamente para o ar –

À barca, à barca, boa gente,


Que queremos dar à vela!
É chegar a ela! É chegar a ela!

NARRADOR
Aparece um Agiota, e pergunta ao barqueiro do Inferno, dizendo:

AGIOTA
Para onde vai essa barca?

DIABO
Oh! Em que má hora chegais,
Onzeneiro, meu parente!
Porque tardastes vós tanto?

AGIOTA
Eu queria é ficar mais tempo lá na terra, pra ganhar mais dinheiro.

DIABO
Ora muito me espanto por ver
Não deixaram trazer o dinheiro!...

AGIOTA
Nem para o barqueiro, meu filho

DIABO
Ora então entrai, entrai aqui!

AGIOTA
Eu não, tô doida?!

DIABO
Oh! Que gentil se negar,
E que divertido para mim!...

AGIOTA
Moço, eu morri agora, pelo menos deixa eu escolher um barco

DIABO
Oh
Porque não irás aqui?...

AGIOTA
Uai,você não me respondeu pra onde que essa barca vai…

DIABO
Para a infernal comarca.

AGIOTA
Oxi! Agora é que eu não vou mesmo
Aquela outra será melhor

Dirigindo-se para a barca do céu

AGIOTA
Oh da barca!
Essa barca aqui já tá saindo?

ANJO

—Mas para onde tu queres ir?

AGIOTA
Pro paraíso né, minha querida

ANJO
— Aa não, não conte comigo…
Aquela outra barca te aceitará de mãos abertas, inclusive vai quem te enganou

AGIOTA
Porquê?

ANJO
—Com toda essa carga ocuparia o barco todo.

AGIOTA
Juro a Deus que vai vazio!

ANJO
— Não no teu coração.

AGIOTA
Lá me ficou perdida a minha riqueza

ANJO
— Oh vida amaldiçoada pelo dinheiro e ganância, agiota miserável*

AGIOTA
Oh da barca! Oh Demo barqueiro!

Quero lá voltar ao mundo


E trazer o meu dinheiro.

DIABO
Entra, entra! E remarás!
Não precisarás de dinheiro aqui
Irás servir Satanás,
Porque sempre ele te ajudou.

AGIOTA
Oh triste de mim...

NARRADOR
Vem Joane, a Tola, e diz ao barqueiro do Inferno:

TOLO
Oh desta!

DIABO
Quem é?

TOLO
Sou eu.
É este nosso barco?

DIABO
De quem?

TOLO
Dos tolos

DIABO
Ah! Vossa. Entra!

TOLO
Oh! Pela alma do meu avô!
Vim a adoecer
E em má hora fui morrer,

DIABO
E de que morreste?

TOLO
De quê?
Acho que de caganeira…
~
DIABO
De quê!?

TOLO
De caga merdeira!

DIABO
Entra! Põe aqui o pé!

TOLO
Espera, espera um pouco!
E para onde nós vamos?

DIABO
Ao porto de Lucifer.

TOLO
Ha-a-a...?

DIABO
Ao Inferno! Entra cá!

TOLO
Ao Inferno?... Espera aí....
Ah meu Deus! É a Barca do cornudo!
Belzebu! Do coisa ruim!
O excomungado das igrejas!
TOLO
Oh da barca!

ANJO
Quem me chama?

TOLO
Queres-me levar?

ANJO
Quem é o senhora?

TOLO
Não sou ninguém.

ANJO
Se quiser passar, pode passar! Porque durante toda a sua vida você viveu com humildade e isso te
bastava.
Espere um pouco para vermos se tem mais alguém merecedor desse bem embarcará também .

NARRADOR
Vem Sapateiro com o seu avental e carregado de formas de sapatos. Chega ao barco infernal, e diz:

SAPATEIRO
Ó da barca!

DIABO
Quem vem aí?
Oh! Santo sapateiro honrado,
Como vens tão carregado!...

SAPATEIRO
Mandaram-me vir assim...
Para onde é a viagem?

DIABO
Para o lago dos danados.

SAPATEIRO
E os que morrem confessados,
Onde têm a sua passagem?

DIABO
Esta é a tua barca, esta!

SAPATEIRO
Não quero esse convite nem que fosse para uma festa

Como pode isso ser,


Sendo eu confessado e comungado?!...
DIABO
Tu morreste excomungado!

O que esperavas depois de viver,


enganando o povo a trinta anos no seu ofício .

Que há já muito que te espero!

SAPATEIRO
Pois te digo que não quero!

DIABO
Mas hás de ir, sim, sim!

SAPATEIRO
E as missas que ouvi...
Não irão elas de agora servir?

DIABO
Ouvir missa, depois roubar...
É caminho para aqui.

SAPATEIRO
E as ofertas que servirão? as esmolas
E as horas dos finados? as rezas e os velórios que se faziam quando alguém morria para essa pessoa
ir para o céu

DIABO
E os dinheiros mal cobrados,
Que foi da tua satisfação?

SAPATEIRO
Oh! Não brinques oh mentiroso!

Dirige-se à barca do Anjo, e diz:

SAPATEIRO
Oh da santa caravela!
Pode me levar nela?

ANJO
Sua ações na vida te condena.

SAPATEIRO
Não há caridade que Deus me faça?
Isto em qualquer lugar irá?

ANJO
Aquela barca de lá
Leva quem rouba dos outros
almas corrompidas
Se tivesses sido honesto
Esta barca era para você.

SAPATEIRO
Então determinais
Que eu vá para o Inferno?

ANJO
já está na escrito na lista do inferno!

SAPATEIRO
Oh barqueiros! Que aguardais?
Nesta barca que irei
levai-me logo para aquele fogo!

Personagem da POLÍTICA:: entra fazendo gestos de “v” com as mãos e dizendo: “votem em
mim”!

DIABO
Diabo sorrindo a cumprimenta de braços abertos e diz:

Olá minha irmã, quanto tempo! O que trazes com você?

POLÍTICA

Tirando muitas notas de dinheiro do bolso diz:

Ahh o que mais gosto é claro, dinheiro!! O famoso faz me rir... hahaha!
Como você sabe eu sou da política, uma representante do povo... e se o dinheiro é do povo
deve ficar comigo.

DIABO:
Fantástico! Fantástico.

POLÍTICA
E para onde vai essa barca?

COMPANHEIRA DO DIABO
Para o Inferno, não há nenhum problema pra você, certo?

POLÍTICA
O que??? De jeito nenhum, não quero concorrência com o Diabo! Só por ter me
dedicado a vida toda à POLÍTICA:: eu mereço o céu.

COMPANHEIRA DO DIABO
Você merece a escuridão.

POLÍTICA
Cruzes!! De jeito nenhum, não serei condenada(o). Eu tenho imunidade
parlamentar.
COMPANHEIRA DO DIABO
Olha, você precisa entender que aqui não existe conselho de ética então
não adianta mais ter imunidade parlamentar.

DIABO
(se mantém com cara de entediado durante o diálogo):
Ahhh como você me cansam,
você ainda tem dúvida se seria condenada(o), você será condenada(o) com toda certeza, entre
logo nessa barca e pegue um remo para ajudar.

POLÍTICA
Ei não me trate assim, fique sabendo que fui alguém muito importante! Venci
muitas eleições e ajudei muita gente comprando muitos votos.

DIABO
(zombando):
Ó que grandiosa política você foi, nos mostre esse seu grandioso talento.

POLÍTICA
Joga notas de dinheiro para o alto e diz: O que você acha disso agora hein!

COMPANHEIRA DO DIABO
pegando as notas no chão:
Que maravilha!! Belos feitos, adorei!!!

POLÍTICA
Isso é só o começo, esse lugar não é para mim!! Eu vou à santa caravela que lá com
certeza é o meu lugar!

POLÍTICA
indo em direção à barca do anjo diz mansamente: Olá!... Oi.. você me escuta?

Anjo ignora e finge nem ouvir.

TOLO
Nossa!... de onde veio tanto dinheiro?

POLÍTICA
Ahh impossível saber ao certo, foram tantas propinas e desvios de dinheiros que
nem sei mais de onde veio.

ANJO
Pelo que vejo não há nada o que fazer aqui, aquela é sua barca.

POLÍTICA
Bom mas eu acho importante que você saiba que fui alguém muito influente…

ANJO
Honestidade não se compra minha senhora,
volte para seu lugar.
POLÍTICA
volta cabisbaixo, e o diabo diz:

DIABO
Finalmente!! É sempre a mesma coisa, vá tome seu
lugar.

NARRADOR
Vem um PADRE com uma mulher pela mão, um escudo e uma espada na outra e um capacete
debaixo do
capuz. E ele mesmo fazendo uma vénia, começa a dançar, cantando:

PADRE
Chega Cantando uma melodia

DIABO
Que é isso, padre?! Quem vem lá?

PADRE
Graças a Deus, meu irmão

DIABO
Sabes também dançar ou não?

PADRE
Ora, se não sei!

DIABO
Pois entrai! Eu tocarei
E faremos um festa
Essa dama, é vossa?

PADRE
Sempre a tive como minha.

DIABO
Fizestes bem, que é formosa!
Mas não vou cessura-lo
Vos não é santo, não segue os preceitos religiosos?

PADRE
Como tantos outros…..

DIABO
Que coisa tão preciosa...
Entrai, santa pessoa!

PADRE
E para onde levais a gente?

DIABO
Para aquele fogo ardente,
Que não temestes vivendo.

PADRE
Juro a Deus que não te entendo!
Estas roupas de nada vale?

DIABO
Gentil mundanal,A Belzebu vos encomendo!

PADRE
Pela fé de Jesus Cristo,
Que eu não posso entender isto!

DIABO
Não penses mais
Pois dada está já a sentença!

PADRE
– Voltou a tomar a rapariga pela mão, dizendo:
Vamos à barca da Glória!

-Começou o PADRE a fazer o tordião e foram os dois a dançar até o batel do Anjo desta
maneira:-

PADRE
Chega Cantando uma melodia

Graças a Deus!
Há lugar cá para minha reverência?

TOLO
E essa belezura aí Padre?
No pecado viveu e aqui quer entrar
Andor daqui pra fora!

PADRE
Senhora, ao que parece
Que aqui não vamos entrar.
Vamos para onde havemos de ir!
Não parece que agradamos a DEUS!
Vamos aceitar as coisas como tem de ser…

DIABO
Haveis, irmão

PADRE
Agasalhai-me lá a Florença,
E cumpra-se essa sentença.
Apressemo-nos a partir.
NARRADOR
Assim que o PADRE foi embarcado, veio uma Alcoviteira , de nome Brízida Vaz, a qual, chegando
à
barca infernal, diz desta maneira:

BRÍGIDA
Ó da barca, olá!

DIABO
Quem chama?

BRÍGIDA
BrígidaVaz.

DIABO

– dirigindo-se ao COMPANHEIRA –
Mas o que espera ela, rapaz?
Porque não entra ela já?

COMPANHEIRA DO DIABO
Diz que não há de entrar cá

DIABO
Entrai vós e remai.

BRÍGIDA
Eu não quero entrar aí.

DIABO
Que saboroso se negar!

BRÍGIDA
Não é essa barca que eu procuro.

DIABO
Não trazes vós muitas coisas

BRÍGIDA
O que me convém levar.

DIABO
E o que tens para embarcar?

BRÍGIDA
alguns furtos alheios,
Como joias, roupas, bolsas de marca,
Enfim...
A minha maior carga era,
As moças que eu vendia.
Dessa mercadoria,
Eu tenho muito orgulho!
DIABO
Ora ponde aqui o pé…

BRÍGIDA
Sai! Eu vou é para o Paraíso!

DIABO
E quem te disse a ti isso?

BRÍGIDA
Eu irei naquele barco!
Eu sou uma vítima!...
Sempre sendo criticada e julgada
Como ninguém.
Se eu for para o inferno,
Todo mundo também vai!
Aquela barca ali é mais adequada a mim

NARRADOR
Chegando à Barca da Glória diz ao Anjo: –

BRÍGIDA
Barqueiro, colirio dos meus olhos,
Deita a prancha a Brígida Vaz.

ANJO
Mas eu não sei o que aqui te traz🤔

BRÍGIDA
Eu te peço de joelhos!
Pensais que trago doenças, Anjo de Deus, meu amor?
Eu sou aquela preciosa
Eu sou um anjo de tão comportada
E fiz coisas muito divinas.
Ninguém converteu
Tantas raparigas como eu!
Todas salvas por mim
E nenhuma foi pro mal caminho.
E graças "Àquele do Céu"
Que todas acharam dono.
Pensais que eu era preguiçosa?
Nada escapou a minha atenção

ANJO
Nem pense em tentar entrar
Vá para outra barca incomoda lá
Que AQUI VOCÊ NÃO ENTRA

BRÍGIDA
Pois estou a te contar
O porque me deve me levar.
E que má hora eu servi,
Ja que não irá me aproveitar!...

NARRADOR
– Volta Brígida Vaz à Barca do Inferno, dizendo: –

BRÍGIDA
Ó barqueiros do inferno
Tragam a prancha, pois aqui vou eu.
Já faz tempo que aqui estou,
E pareçe melhor ai dentro do que aqui fora.

DIABO
Ora entrai, minha senhora,
E sereis bem recebida;
Se vivestes santa vida,
Vós o sentireis agora...

NARRADOR
Vem uma JUÍZA, carregado de manuscritos, e, chegando à barca do Inferno, com sua vara na
mão, diz:

JUÍZA
Ó da barca!

DIABO
Que quereis?

JUÍZA
Está aqui a JUÍZA

DIABO
Oh amante da corrupção das leis
Que gentil carga traz!

JUÍZA
não trago carga nenhuma, sou uma JUÍZA, não percebe pela minha aparência?

DIABO
Como vai lá o direito?

JUÍZA
Nestes PROCESSOS, o vereis.

DIABO
Ora, pois, entrai. Veremos,
O que diz aí nesse papel…

JUÍZA
E onde vai o seu barco?

DIABO
No Inferno vos poremos.

JUÍZA
Como? À terra dos demos,
Há de ir uma JUÍZA?

DIABO
Santo JUÍZA ,
Embarcai, e remaremos!
Ora, entrai, já que viestes!

JUÍZA
isso está prescrito nas leis

DIABO
Ita, Ita! Dai cá a mão!
Remaremos um remo destes.
Fazei conta que nascestes
Para ser nossa companheira

– dirigindo-se ao COMPANHEIRA diabrete –

Que fazes tu, preguiçoso?


Estende essa prancha.

JUÍZA
Oh! Rejeito essa viagem
E de quem me há de levar!
Há aqui um JUÍZA ou magistrado do mar?

DIABO
Não há tal pessoa

JUÍZA
Não posso entrar ai, não entendo o porque disso.

DIABO
Pense um pouco e vai entender…..
Entrai, entrai, senhora JUÍZA !

JUÍZA
Olha o que está me pedindo
Você tem esse poder?

DIABO
Quando vai entender
Voce aceitou suborno?
Pois ireis comigo onde eu for

JUÍZA
Senhor,Deus lembrai-vos de mim
DIABO
Não há tempo, bacharel
embarcai que a justiça é maldita

JUÍZA
Eu sempre agi com justiça

DIABO
os subornos
Que a vossa mulher levava?

JUÍZA
Isso não era comigo
Eram coisas dele.
não são meus pecados
quem pecou foi meu marido

DIABO
E vós também com ela
A Deus não temeste.
E de grande modo enriqueceste
com o sangue dos que trabalham
Pecaste, ignorando-os

JUÍZA
o dinheiro move montanhas
E os direitos ficam suspensos
Se algo é dado em troca…

DIABO
Ora entrai, nestes negros fados!
Ireis para ao lago dos cães
E vereis os escrivães
Como estão tão prosperados. ricos

JUÍZA
E na terra dos danados
Estão os Evangelistas?

DIABO
Os mestres das burlas vistas
Estão lá bem acomodados

NARRADOR
Estando o JUÍZA nesta conversa com o Senhor infernal chegou um PROCURADORA, carregado
de
livros, e diz o JUÍZA ao PROCURADORA:

JUÍZA
Ó senhora procuradora!

PROCURADORA
Beijo-vos as mãos, JUÍZA !
Que diz este barqueiro? Que diz?

DIABO
Que sereis bom remador.
Entrai, bacharel doutor,
E ireis a trabalhar.

PROCURADORA
Este barqueiro zomba...
Gostais de ser gozador?
Essa gente que aí está,
Para onde vais?

DIABO
Para as penas infernais.

PROCURADORA
Dix! Eu é que não vou para lá!
Outro navio ali está,
Muito melhor que este.

DIABO
Ora este esta muito bem preparado!
Entra, será muito bem recebido!

JUÍZA
Se confessou, doutor?

PROCURADORA
Bacharel sou. Não tive tempo!
Não pensei que era preciso,
Nem de morte a minha dor.
E vós, senhor JUÍZA?

JUÍZA
Eu me confessei,
Mas tudo quanto roubei
Escondi do confessor…

PROCURADORA
...Porque, não devolveu
Não vos querem absolver,
E é muito mau devolver
Depois de ter roubado

DIABO
Pois porque não embarcais?

PROCURADORA
Porque esperamos por Deus
DIABO
Embarcai no meu barco
Para quê esperais mais?

Vão-se ambos ao barco da Glória, e, chegando, diz o JUÍZA ao Anjo:

JUÍZA
Ó barqueiro dos gloriosos,
Passai-nos neste barco!

ANJO
Oh! Moças refens do dinheiro,
Amaldiçoadas!! como tem coragem de se referir a mim
Sendo filhas da ciência!

JUÍZA
Oh! Tende clemência
E passai-nos como vossos!

TOLO
Ó, homens dos livros
Você roubou, perseguiu, a justiça infringiu…
Além de renegar a Deus!

JUÍZA
Oh!não complique mais a situação
Pois não temos outra ponte!

ANJO
A justiça divina
Ordena que embarcará no barco de Lúcifer .

JUÍZA
Oh! Não atende São Marçal!

Penso que é loucura


Fazer-nos tamanho mal!

PROCURADORA
Que ribeira é esta tal!

TOLO
Vocês me parecem como justos bem malfeitos
Mandado da terra dos lagartos
Embarcai no barco do mal!

JUÍZA
Vamos a negra prancha!
Vamos ver esse segredo.
DIABO
Entrai, que cá se dirá!

NARRADOR
E assim que as duas entraram dentro do barcodos condenados, disse o JUÍZA para a Brízida
Vaz,porque a conhecia:

JUÍZA
Oh! Em má hora vos vejo,
Senhora Brígida Vaz!

BRÍGIDA
Já nem aqui estou em paz,
Pois nem aqui tu me deixa.
Cada hora a mim sentenciada:
perseguida pela lei e por você.

JUÍZA
E voce sempre voltava, pois sempre aprontava.

DIABO
– Diz o Diabo para todos os que estão dentro do seu barco –
Alto! Todos levantem,
Que está em seco o batel!
Levante-se , Frei Babriel!
vamos trabalhar!

NARRADOR
Vêm Quatro Cavaleiros a cantar, os quais trazem cada um a Um simbolo de Cristo, pelo qual
Senhor morreram a lutar contra os pecadores, injustiças, violencias, etc….. E a cantiga que assim
cantavam é a seguinte:

CAVALEIROS
À barca, à barca segura,
Barca bem guarnecida,
À barca, à barca da vida!
Senhores que trabalhais
Pela vida transitória,
Memória, por Deus, memória lembrai-vos, por Deus, lembrai-vos
Deste temeroso cais!
À barca, à barca, mortais,
Barca bem guarnecida,
À barca, à barca da vida!
Cuidado, pecadores, que,
Depois da sepultura,
Neste rio está o destino
De prazeres ou de dores!
À barca, à barca, senhores,
Barca muito nobrecida,
À barca, à barca da vida!

NARRADOR
E passando à frente da proa do barco dos danados, assim a cantar,, disse o barqueiro da perdição
desta maneira:

DIABO
Cavaleiros, vós passais
E não perguntais para onde ireis?

1º CAVALEIRO
Vós, Satanás, que Pensa?
Cuidado com quem falas!

2º CAVALEIRO
Vós que nos querereis?
Vejo que não nos conhece bem:
Nós morremos para o bem,
E não queirais saber mais.

DIABO
Entrai cá! Que coisa é essa?
Que eu não consigo entender isso!

CAVALEIROS
Quem morre por Jesus Cristo
Não vai em tal barca como essa!

NARRADOR
Voltam a prosseguir, cantando, no seu caminho direitos à barca da Glória, e, assim que chegam, diz
o
Anjo:

ANJO
Ó cavaleiros de Deus,
Por vós estou a esperar,
Que morrestes a lutar
Por Cristo, Senhor dos Céus!
Sois livres de todo mal,

Que quem morre em tal luta


Merece a paz eternal.
E assim embarcam.

FIM

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