O Assistente Social No Atendimento À Violência Doméstica

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O ASSISTENTE SOCIAL NO ATENDIMENTO VIOLNCIA DOMSTICA


CONTRA A MULHER
THE SOCIAL WORKER IN ATTENDANCE TO DOMESTIC VIOLENCE AGAINST
WOMEN
Alessandra Ruita Santos Czapski1
RESUMO: Este artigo constitui-se de uma pesquisa em andamento sobre Formao e Exerccio
Profissional, trazendo reflexes sobre os debates que envolvem a centralidade da violncia
domstica contra a mulher, enfocando o fazer profissional e a tica profissional do Assistente
Social numa perspectiva crtica, embora discuta sobre a trajetria das transformaes
sociohistricas ocorridas no seio da profisso, tomando como marco o Movimento de
Reconceituao e sua contribuio para a tica profissional do Servio Social. No que tange
relao Assistente Social e violncia domstica contra a mulher, discutiu-se a relevncia deste
profissional nos espaos sociocupacionais onde atendem vtimas de violncia numa abordagem
emancipatria. O mtodo utilizado vincula-se pesquisa bibliogrfica, cujos principais autores
referenciados foram Marilda Iamamoto e Maria Ozanira Silva, as quais trazem reflexes sobre a
prtica profissional do Servio Social desde os seus primrdios; Maria Lcia S. Barroco que
aborda sobre a tica profissional; e, Scott e Saffioti, os quais discutem especificamente a questo
de gnero no mbito da violncia domstica contra a mulher.
PALAVRAS-CHAVE: Servio Social; tica Profissional; Violncia Domstica.
ABSTRACT: This article constitutes a search in progress, is located on the axis of Training and
Professional Practice, bringing thoughts on the debates surrounding the centrality of domestic
violence against women, focusing on vocational and professional ethics to make the Social
Worker in a critical perspective, but discuss the trajectory of socio-historical transformations
occurring within the profession, taking as the Movement of March reconceptualization and its
contribution to the professional ethics of social services. Regarding the relationship social worker
and domestic violence against women, discussed the relevance of socio-occupational training in
areas where care to victims of violence in an emancipatory approach. The method used is linked
to the literature, whose main authors were referenced Marilda Iamamoto Ozana and Maria Silva,
which brings reflections on the professional practice of social work since its inception, Maria
Lucia S. Baroque touches on professional ethics, and Scott and Saffioti, which specifically discuss
the issue of gender in the context of domestic violence against women.
KEY-WORDS: Social, Professional Ethics, Domestic Violence

Graduada em Servio Social pelo CEULP/ULBRA Centro Universitrio Luterano do Brasil-PalmasTO. Mestre em Servio Social pela Pontifcia Universidade Catlica de Gois PUC. Professora da
Fundao Universidade do Tocantins Unitins. E-mail: [email protected]
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A PROFISSO DO SERVIO SOCIAL


O Servio Social uma profisso historicamente determinada, tem sua gnese
intrinsecamente ligada s relaes sociais construdas com o surgimento do sistema capitalista,
essas relaes sociais desde a industrializao - marco do sistema capitalista - se constituem de
forma antagnica e contraditria. A proposta para o Servio Social em seu surgimento
determinada pelas classes dominantes e influncia da Igreja Catlica. Tem como proposio a
interveno e atuao ante a questo social, implementando uma ao doutrinria e corretiva
que buscava um consenso entre as classes dominantes e trabalhadoras, objetivando a construo
de uma legitimao poltica para as classes dominantes, e uma legitimao ideolgica para a Igreja
Catlica.
Segundo Iamamoto:
A profisso no se caracteriza apenas como nova forma de exercer a caridade,
mas como forma de interveno ideolgica na vida da classe trabalhadora, com
base na atividade assistencial; seus efeitos so essencialmente polticos: o
enquadramento dos trabalhadores nas relaes sociais vigentes, reforando a
mtua colaborao entre capital e trabalho (IAMAMOTO, 2007, p. 20).

A autora nos aponta que o Servio Social atuava junto aos trabalhadores no com uma
proposta caritativa de filantropia, e sim como uma profisso, porm, de forma assistencialista e
com aes corretivas que tenham por inteno a busca do consenso e conformidade dos
trabalhadores em relao ao sistema capitalista e a apropriao do lucro pelo capital.
Com o surgimento do desenvolvimentismo no Brasil, e a criao de inmeras
instituies, o Servio Social se legitima e se institucionaliza como uma profisso inscrita na
diviso sociotcnica do trabalho, ainda com a perspectiva de assistencialismo e favorecimento da
expanso do capital e industrializao. Segundo SILVA (2006, p. 24), a profisso vincula-se
criao e ao desenvolvimento das grandes instituies assistenciais, estatais, paraestatais e
autarquias, a partir da dcada de 40.

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O Servio Social atuava desenvolvendo um controle sobre a populao trabalhadora,


inserido nas instituies por meio de aes paliativas, normativas e assistencialistas, com intuito
de repelir a organizao dos trabalhadores e as possveis mobilizaes e reivindicaes de
melhorias nas situaes de trabalho e ganhos salariais. Os assistentes sociais estavam voltados ao
cumprimento das determinaes das instituies assistenciais e previdencirias atreladas s classes
dominantes, e respondiam as presses dos trabalhadores com iniciativas paliativas que
corroboravam com o crescimento do Estado e processo de desenvolvimentismo, medida que
com programas assistenciais repassados como forma compensatria das desigualdades,
conquistavam o consenso da classe trabalhadora.
Essa forma de atuao profissional do Servio Social permaneceu at meados dos anos
60, quando a categoria inicia um processo de questionamento sobre uma atuao mais voltada a
resoluo dos problemas socais da classe trabalhadora, e uma atuao crtica e questionadora do
posicionamento e atuao tradicional da profisso. Esse processo de questionamentos e
mudanas na profisso teve incio em 1967 e segundo SILVA (2006, p.67) a construo da
vertente modernizadora da prtica profissional, que vai de 1967, cujo marco o Encontro de
Arax, at meados da dcada de 70, quando comea a esboar um novo esforo de construo de
resposta profissional.
Ressaltando que a vertente modernizadora, conforme a autora aponta, no representa
ainda o processo de mudana e ruptura com a forma de atuao tradicional, mas deu incio, ou
esboou os questionamentos que desencadearam no Movimento de Reconceituao da profisso
de Servio Social.
Essa vertente modernizadora apenas expressou o esforo da profisso para modernizar as
tcnicas e ampliar as funes da profisso, no representou um compromisso com a resoluo
dos problemas enfrentados pela classe trabalhadora, mas ao contrrio, tem o objetivo de atender
aos interesses do capital para a consolidao do capitalismo monopolista no Brasil.
No ano de 1970 no Brasil a profisso de Servio Social deu incio ao Movimento de
Reconceituao, esse movimento constituiu-se no interior da profisso com a proposta para que
os assistentes sociais desenvolvessem uma atuao mais voltada para a especificidade dos
problemas sociais da realidade latino-americana. Foi desencadeado a partir da perspectiva
hegemnica do Servio Social, e exige dos profissionais da categoria uma atuao mais crtica,

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que rompa com a atuao assistencialista, paliativa e determinada pela classe dominante. Para
Silva:
O Movimento de Reconceituao do Servio Social, no Brasil, passa por uma
dinmica, condicionada ao contexto histrico da sociedade e ao
amadurecimento terico, poltico e ideolgico dos assistentes sociais (SILVA,
2006, p. 83).

Conforme a autora nos afirma, a profisso do Servio Social, levando em considerao a


realidade vivida na sociedade brasileira, conquista um amadurecimento que traz verdadeiras
contribuies para a formulao de mudanas na categoria que acarreta novas produes de
teorias e um novo posicionamento poltico da profisso.
A CONTRIBUIO DO MOVIMENTO DE RECONCEITUAO PARA A TICA
PROFISSIONAL DO SERVIO SOCIAL
O Movimento de Reconceituao propicia ao Servio Social uma busca pela redefinio
de uma prtica profissional voltada para as demandas reais vividas na sociedade brasileira e
suscitada pela sociedade organizada e a classe trabalhadora. De acordo com Carvalho (1986), a
reconceituao possibilitou profisso um amadurecimento face realidade latino-americana,
que incentiva a profisso a reflexes e redefinio da prtica. Essa dinmica no contexto da
profisso desemboca na formao de alianas com a classe trabalhadora, no firmamento de um
posicionamento tico e a construo de um projeto poltico na categoria do Servio Social.
Essas mudanas foram possveis, pois a reconceituao surge da necessidade de
superao do modelo de atuao tradicional, construdo sob os moldes e teorias franco-belga e
americana que eram referncias para a formao profissional dos assistentes sociais no Brasil.
Assim que ocorrem os questionamentos sobre essa forma de atuao, a qual no impacta nos
problemas sociais brasileiros, haja vista que, as teorias citadas no estavam voltadas para o
contexto histrico brasileiro, a profisso se permite o encontro com o mtodo dialtico de Karl
Marx, reconstruindo uma nova concepo de compreenso da realidade social e entendendo o
homem fazedor de sua prpria histria inserido em uma realidade conflitante, dinmica, desigual,
e que os problemas sociais advm deste contexto dialtico, e no como consequncia do

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comportamento dos prprios homens, assim deixando de lado a tradicional prtica profissional
de culpabilizar os usurios de seus servios pelos problemas sociais.
Silva afirma que:
O Movimento de Reconceituao vem, portanto questionar as estruturas
sociais, sugerindo um Servio Social com uma prtica vinculada s lutas e
interesses de classes populares. Ao se estabelecer a possibilidade do vnculo da
prtica do Servio Social com as classes populares, indica-se a perspectiva de
transformao social enquanto exigncia da prpria realidade social, dada a
situao de dominao e explorao poltico econmica em que vivem essas
classes. Tal perspectiva implica, para o Servio Social, colocar como horizonte
de sua prtica o movimento de transformao da prpria realidade. (SILVA,
2006, p. 89).

A autora nos aponta como a reconceituao estabelece uma perspectiva de transformao


e um novo horizonte na prtica profissional. Essas transformaes so propostas pela hegemonia
da categoria, e abrem um leque de possibilidades na estruturao de novos tempos com aes
comprometidas com a classe trabalhadora, e a construo de um projeto tico poltico para a
profisso.
Essas mudanas desencadeadas na dcada de 70 na profisso abrem um novo
posicionamento tico poltico para a profisso. Apontamos o tico e o poltico porque segundo
Barroco (2008) a tica e a poltica esto associadas e so fundamentais para que o projeto contra
hegemnico da profisso possa criar corpo, e objetivar projetos humanos que permitam o ideal
emancipatrio, em face da barbrie da explorao, e possa caminhar para a busca de superao da
realidade capitalista.
A tica preceito fundamental para a atuao comprometida no Servio Social. A tica e
a poltica foram assumindo dimenses amplas na profisso ao longo de sua trajetria histrica. A
profisso do Servio Social possui um Cdigo de tica que foi reformulado em 1986 e 1993.
Segundo Barroco (2008) a elaborao de teorias em slida fundamentao Marxista levou
compreenso dos fundamentos scio-histricos da profisso do Servio Social e conduziu a uma
ruptura com os pressupostos da viso conservadora, possibilitando uma base crtica de reflexo
sobre a tica profissional, e uma reorientao para construo de um novo Cdigo de tica.
O novo Cdigo de tica foi institudo pela resoluo CFESS n237/93 de maro de 1993,
e traz em seu texto a perspectiva para uma atuao profissional compromissada com a classe
trabalhadora, a tica, a liberdade, a emancipao, a autonomia, a democracia, a justia social, a

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socializao da riqueza, a participao poltica, o pluralismo e no discriminao. Esses valores


so fulcrais para o trabalho do assistente social na busca pela igualdade e a luta por um projeto
social que conduza a igualdade e fim da explorao de qualquer espcie, cultivando o respeito e a
construo de uma sociedade igualitria.
Segundo aponta Barroco:
A tica se objetiva na interveno profissional, teoricamente (atravs de uma
dada concepo tica crtica e histrica); praticamente (atravs das aes que
viabilizem a apropriao, por partir dos indivduos, de suas capacidades e
potencialidades, de suas necessidades e direitos). Na medida em que a tica
profissional vincula-se a um iderio emancipatrio, objetiva contribuir para a
preservao desse iderio, buscando alargar as suas bases sociais na sociedade,
junto aos movimentos e sujeitos defensores destes valores e desse projeto, o
que evidentemente um objetivo tico- poltico (BARROCO, 2008, p.230).

O apontamento da autora nos evidencia que as aes da profisso so baseadas nos


fundamentos tericos e pautadas na transformao social de acordo com as necessidades e
direitos adquiridos pelos sujeitos atendidos pela profisso; e afirma ainda que, a defesa desse tipo
de atuao um objetivo e um posicionamento tico e poltico.
O Servio Social contemporneo atua com um posicionamento tico poltico muito bem
definido pela categoria, e conta em sua grande maioria com profissionais adeptos e defensores.
uma tica revolucionaria que busca a efetivao dos direitos sociais e a defesa das minorias.
A profisso constri, de acordo com seu projeto-tico-poltico, alternativas e estratgias
que faam frente questo social, objeto de interveno do Servio Social. Segundo Iamamoto
(2001) entende-se por questo social o conjunto das expresses das desigualdades da sociedade, e
os assistentes sociais trabalham nas mais variadas expresses da questo social em diversas reas.
Uma das reas de atuao do Servio Social no atendimento s vitimas de violncia domstica, a
profisso atua em diversos setores e polticas pblicas sociais que atende s vtimas e combatem
esse fenmeno.

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A VIOLNCIA DOMSTICA CONTRA A MULHER E A ATUAO DO


ASSISTENTE SOCIAL
A violncia domstica atinge mulheres em todo o mundo e tambm no Brasil, para
analisarmos a profisso do Servio Social atuando frente a esse problema social, faz-se necessrio
uma exposio desse fenmeno como ele ocorre, e como a construo de uma cultura patriarcal
acirra ainda mais esse fenmeno, quais so as formas de violncia sofridas pelas mulheres e quais
as formas de combate a esse problema que acomete a vida da mulher em todos os tempos. A
Violncia Domstica praticada contra a mulher um dos problemas que mais preocupam as
brasileiras. Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Patrcia Galvo em 2004, esta preocupao
est frente inclusive de problemas como o cncer de mama e a AIDS. Trata-se de um
fenmeno democrtico que atinge mulheres em todo o mundo e em todas as esferas sociais e,
apesar de ser um fenmeno muito antigo, atualmente vem sendo problematizado e amplamente
discutido por todas as profisses que atuam com essa questo, levantando acirrados debates nas
sociedades modernas.
O Instituto Patrcia Galvo em pesquisa realizada em 2004 aponta que:
A Violncia Domstica contra mulheres ocorre em todo o mundo e perpassa
as classes sociais, as diferentes etnias e independe do grau de escolaridade. Ela
recebe o nome de domstica porque sucede, geralmente dentro de casa e o
autor da violncia mantm ou j manteve relao ntima com a mulher agredida.
So maridos, companheiros, namorados, incluindo ex. (p.25)

Mediante o afirmado podemos entender que esse tipo de violncia est presente em
diversas classes sociais, pases e culturas, e a mulher geralmente mantm uma relao ntima com
o agressor. Segundo o Instituto Patrcia Galvo (2004), a cada segundo uma mulher agredida, os
ndices de violncia contra a mulher so em grau altamente elevado. Segundo Venturi e Recamn
(2004) dentre as violncias mais comuns destacam-se a agresso mais branda, que se apresenta
sob forma de tapas e empurres, ameaa mediante coisas quebradas, roupas rasgadas, objetos
atirados etc. De acordo com esses mesmos autores 6,8 milhes de brasileiras, que se encontram
vivas, j foram espancadas pelo menos uma vez na vida.
A violncia contra as mulheres tem conotao de gnero, uma vez que este termo
utilizado para denominar as relaes construdas culturalmente entre homens e mulheres.

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Segundo Scott (1995), esta interpretao limita ou aprisiona o conceito de gnero aos papis
domsticos que so construdos na historia familiar. Os papis definidos na esfera familiar
designam o trabalho em mbito pblico para os homens e tarefas domsticas e papis maternais
como a criao dos filhos para as mes. Segundo essa autora h uma valorizao da virilidade em
detrimento da feminilidade, sendo assim, todos absorvemos esses papis, crianas mesmo criadas
em ncleos monoparentais absorvem essas associaes e apropriam esse sistema de
representao social. Esses apontamentos de Scott podem ser atribudos a forma como as
sociedades representam gnero, com o objetivo de construir os significados dos papis e relaes
sociais, e esse significado se traduz em regras e normas sociais de comportamento para homens e
mulheres.
Dessa forma, a representao de gnero, como toda identidade cultural construda por
meio de simbologismos, signos e representaes sociais. H sculos os homens esto
apreendendo e internalizando essa construo cultural, e em funo desse fato, cometem
violncia domstica contra as mulheres nos espaos privados como detentores do comando da
famlia, usam da fora fsica como forma absoluta de resolver conflitos domsticos. Essa
realidade secular posta no contexto mundial e brasileiro se perpetua mediante sculos de
privilgios adquiridos pelos homens com a construo de um status quo, que eleva o homem a
chefe de famlia. Segundo Saffioti (1995) a violncia de gnero estrutural, mulheres so
vitimizadas pela violncia masculina, e as regras sociais imputadas nas sociedades corroboram
com esse fenmeno.
As regras sociais ou comportamentos culturais so responsveis por determinar a vida
coletiva em sociedade, e a criao de instituies como a famlia. A famlia constitui-se numa das
instituies mais autoritrias e castradoras para algumas mulheres e crianas, o que acontece
dentro dos lares, esconde os horrores tpicos da violncia domstica e em torno da famlia se
ergue um muro de silncio difcil de ser rompido, o que impede a explicitao da violncia e a
ocorrncia das denncias.
Diferente da violncia que ocorre em mbito pblico e com pessoas variadas, a violncia
domstica, que ocorre no seio privado, apresenta sempre o mesmo perfil de vitima: a mulher
espancada, ou as filhas, ou abuso sexual contra mulheres e crianas da famlia. E a consolidao

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da famlia como estrutura da sociedade impenetrvel, constitui a esfera privada como um lugar
culturalmente propcio para que as relaes violentas constituam-se em rotina.
Saffioti afirma que:
Com efeito, o domiclio constitui um lugar extremamente violento para
mulheres e crianas de ambos os sexos, especialmente as meninas. Desta sorte,
as quatro paredes de uma casa guardam os segredos de sevcias, humilhaes e
atos libidinosos/estupros, graas posio subalterna da mulher, da criana
face ao homem e de ampla legitimao social da supremacia masculina
(SAFFIOTI, 1995, p.33).

A autora aponta um fato assustador, pois na medida em que o lar das mulheres deveria
ser um local de segurana, ele pode se transformar em um espao onde ocorrem sofrimentos e
crimes contra mulheres e meninas.
As vises e posicionamentos de subalternidade culturalmente construdos ao longo dos
anos pela sociedade machista fomentam a violncia domstica contra a mulher, uma vez que, a
subordinao impe a aceitao desse fenmeno por parte da maioria das mulheres vitimizadas,
que acabam por interiorizar essa condio sob peso da resignao construdo culturalmente.
Segundo Bourdieu (2005) o homem tem institudo de forma cultural ou atravs de leis
historicamente construdas a definio de um ser viril, e deve se internalizar o que o mundo
masculino considera qualidades indispensveis e indissociveis do universo msculo: a fora,
poderes e potencia sexual, que so naturalmente utilizadas para a dominao e sobreposio do
sexo feminino. Esse fato na maioria das vezes impede a vtima de romper o ciclo de vicissitudes
que ocorrem no seio intra-familiar, a mulher se sente enfraquecida psicologicamente diante de
seu agressor.
O medo fator constante entre as mulheres acometidas com o mal da violncia
domstica, e componente que impede a formao de uma identidade social emancipatria.
Constitui-se rotina, que a violncia contribua para que a mulher no consiga se perceber como ser
social possuidor de direitos, o medo colabora para aniquilar sua capacidade crtica, e fazer com
que a mulher entenda sua condio de vtima, de isolamento social. Ao contrrio da percepo, o
medo cria na mulher a baixo-auto estima, a vergonha, e o no auto-respeito, deixando graves
sequelas, no somente no corpo, mas principalmente na alma das mulheres. Conforme Saffioti
(2004), feridas no corpo podem ser tratadas com xito num grande nmero de casos, todavia as

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probabilidades de sucesso, em termos de cura da alma, so muito reduzidas e em grande parte


dos casos, no se obtm nenhum xito. Barroso aponta que:
Existem formas mltiplas de viver na violncia, pontuada num misto de
conformismo e resistncia. Conformismo verificado nas aes de submisso, de
vida sob julgo de uma dominao masculina e de internalizao de uma
inferioridade da mulher violentada (BARROSO, 2002, p.4).

Essa submisso, apontada pela autora e exigida pelos homens em relao s mulheres, foi
responsvel pela perpetuao desse fenmeno que ocasionou a inibio e a demora por parte das
mulheres em expor esse grave problema social que as aflige. O esforo, no sentido de combater
esse crime, ocorre quando a luta pela erradicao a violncia no final dos anos 70 incorporada a
luta dos movimentos feministas, dessa forma a militncia passa a tornar pblico o debate sobre
esse fenmeno.
No Brasil, as respostas sociais violncia contra a mulher surgiram nos anos 80,
conquistadas por meio das reivindicaes provenientes da atuao do movimento feminista. Essa
categoria conseguiu chamar ateno das autoridades para este problema, fazendo surgir as
primeiras polticas pblicas em combate violncia contra a mulher. As primeiras conquistas
foram institudas, sobretudo, nas reas ligadas segurana e justia. At a dcada de 80 as
polticas pblicas de combate violncia contra mulher eram praticamente inexistentes. Segundo
Campos:
A ausncia da perspectiva de gnero no direito responsvel pelo
encobrimento da violncia domstica contra mulheres (violncia conjugal)
como uma violao dos direitos humanos, com a conseqente negao, por
parte dos operadores do direito, dos respectivos tratados internacionais
(CAMPOS, 2007, p.137).

A afirmao esclarece que a rea do direito demorou a entender a violncia domstica


como uma violncia contra o gnero feminino, e como fruto da construo de uma sociedade
machista.

A primeira providncia do poder pblico, relacionada ao combate da violncia

domstica foi a criao de delegacias especializadas. As Delegacias de Polcia Especializadas de


Atendimento Mulher (DEAM) foram institudas como fruto das conquistas da luta feminista
em defesa das mulheres. A primeira Delegacia de Polcia Especializada de Atendimento Mulher
foi criada em So Paulo, em agosto de 1995, sob presso do movimento de mulheres e do
Conselho Estadual da Condio Feminina. Conforme Saffioti (1995) a partir dessa primeira,

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imediatamente foram criadas mais 152, mais da metade delas no Estado de So Paulo e as outras
principalmente em capitais de outros Estados.
Nesse contexto, segundo Dilogos Sobre Violncia de Gnero (2003), foi muito positivo
o impacto causado pela implantao das delegacias na viabilizao do combate violncia
domstica e no aumento das denncias, mas as delegacias tambm tm seus limites: se operadas
de forma isolada e sem qualificao de seus integrantes para o atendimento especializado
dispensado mulher vtima, levam a um atendimento que provoca a rota crtica - exposio da
vtima, novas agresses, isolamento social, constante deslocamento, visando fuga do agressor,
provocados pela debilidade no sistema de proteo. Ainda hoje, a maioria das delegacias de
polcia no tem em seu quadro funcional um profissional do Servio Social.
A lei brasileira demorou muito a privilegiar o combate violncia domstica, a condio
de dominao do homem sempre esteve amparada legalmente por meio de leis e cdigos civis,
como por exemplo, o Cdigo Civil de 1916, que pode ser considerado a verdadeira expresso dos
costumes e padres morais patriarcais. Na legislao do Cdigo Civil de 1916, o poder era
exercido somente pelo pai, que tinha direitos absolutos sobre toda a famlia. Esse cdigo vigorou
at 10 de janeiro de 2002, o que contabiliza 86 anos de leis que vigoraram e aliceraram a
superioridade masculina de forma legalmente reconhecida no pas.
At o ano de 2006 no Brasil no se tinha uma lei especfica de combate violncia
domstica, as denncias eram julgadas pela Lei dos Juizados Especiais Civis e Criminais N
9.099/1995, mas a questo de essa lei no ser de ordem especfica para o combate violncia
domstica, provocava inmeros problemas em relao punio adequada para esse tipo de
crime. A lei no previa priso ao agressor, mas penas alternativas como o pagamento de cestas
bsicas e servios comunitrios, essas medidas tomadas pelo poder judicirio banalizavam a
questo da violncia e contribuam para agravar e perpetuar as agresses. Outra lei que podemos
apontar como ineficiente no combate violncia contra a mulher a Lei N 10.224/01, que
dispunha sobre o crime de assdio sexual. Campos afirma sobre essa lei que:
Esses dois dispositivos penais tm penas significativamente baixas e, na prtica,
no se tem conhecimento de que algum tenha sido punido por crime de
violncia domstica. A lei n 9.099/1995 vinha sendo aplicada irrestritamente a
esses casos. Portanto a suposta demanda criminalizante feminista, na
verdade, no impactou significativamente o sistema de justia criminal capaz de

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reverter o quadro de sistemtica desconsiderao pelos direitos das mulheres.


(CAMPOS, 2007, p.140).

A afirmao indica que, apesar de signatrio em diversos tratados internacionais e acordos


internacionais de combate violncia contra a mulher, como o Documento do Movimento de
Mulheres para o Cumprimento da Conveno Sobre a Eliminao de Todas as Formas de
Discriminao Contra a Mulher CEDAW, que o Brasil ratificou em 1979, uma lei especfica
que dispe sobre o combate a violncia domstica foi aprovada no pas somente em 7 de agosto
de 2006.
A lei Maria da Penha, Lei n11. 340, de 7 de agosto de 2006, foi aprovada aps muitas
lutas do movimento feminista, podemos pontuar que ao movimento feminista deve ser creditado
o mrito de insistentemente lutar por vitria na busca por responsabilizar agressores de mulheres,
e alardear que a violncia contra a mulher nunca ganhou expressividade e foi realmente
considerada pelos poderes pblicos brasileiros. Essa lei leva o nome de uma mulher vtima de
trs tentativas de morte por parte do marido, sendo que uma das tentativas a deixou paraltica
pelo resto da vida. A Lei N 11. 340, de 07 de agosto de 2006, cria mecanismos para coibir a
violncia domstica e familiar contra a mulher, entre outras providncias.
A lei est criada e promulgada, mas o grande desafio enfrentado pelos assistentes sociais
e os profissionais que atuam no combate violncia domstica contra a mulher, a efetivao de
uma rede de servios interdisciplinar e que agregue todos os programas e projetos das diversas
reas que compem a poltica pblica de atendimento e combate violncia.
So muitos os desafios que o profissional de Servio Social enfrenta no combate
violncia domstica. Os servios disponveis onde se inserem estes profissionais, tanto nas reas
da sade, da segurana pblica e da assistncia social no conseguem atender s mulheres de
forma integral e articulada.
O Servio Social atua no combate violncia domstica inserido nas instituies que
prestam atendimento mulher vtima de violncia, aps a reconceituao da profisso e a defesa
de um projeto tico-poltico em favor da construo de uma sociedade mais justa, a profisso tem
sido reconhecida, valorizada e requisitada, configurando um espao na diviso scio tcnica do
trabalho, merecendo a confiana das outras profisses e entidades diversas, conquistando espao
e demarcando a identidade da assistncia social. Para entender a atuao desta categoria na

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violncia domstica, preciso apreender que a profisso atua embasada em trs dimenses: a
dimenso tico poltica, a dimenso terico metodolgica e a dimenso tcnico operativa.
A dimenso tico-poltica tem orientado a profisso a exercer um papel no sentido de
orientar as mulheres discutindo com estas seus direitos, e se posicionando a favor da luta por
polticas que venham a suprir as necessidades reais das vtimas desse mal. Segundo Lisboa e
Pinheiro (2005) o Cdigo de tica permite ainda a esse profissional uma postura de compromisso
haja visto que, o Cdigo de tica da profisso tem sido um marco orientador para a interveno
dos assistentes sociais, at porque esse aporte determina a postura que os profissionais devem
assumir perante os usurios em seus onze princpios fundamentais.
A dimenso terico-metodolgica tem como objetivo iluminar a prtica profissional,
medida que subsidia o profissional para a criao de estratgias para o enfrentamento das
demandas postas nesta rea. Segundo IAMAMOTO (2000, p.53), a apropriao da
fundamentao terico-metodolgica caminho necessrio para a construo de novas
alternativas no exerccio profissional.
A dimenso tcnico-operativa instrumentaliza o profissional do Servio Social para a
atuao e interveno junto s demandas apresentadas. O conjunto de instrumentais utilizados
pelos assistentes sociais variado, mas para escolher corretamente qual instrumental ir auxili-lo
para a interveno, o assistente social deve articular sua escolha s dimenses terica e ticopoltica. Isso se faz necessrio, devido o cotidiano profissional ser um espao que impe limites,
oportunidade e desafios ao assistente social, fazendo com que a reflexo, a investigao e a
criticidade sejam alguns dos principais elementos utilizados para articular essas dimenses.
Segundo Lisboa e Pinheiro (2005), os instrumentais tcnicos operativos que so utilizados na
atuao profissional do assistente social no atendimento s vtimas de violncia domstica so:
entrevista, visita domiciliar, reunies em grupo, equipe multiprofissional, documentao,
relatrios, parecer social, planejamento de programas, projetos, construo de indicadores,
pesquisa, articulao em rede.
Para o manuseio desses instrumentais, a utilizao da tica profissional e o
posicionamento tico poltico so fundamentais no sentido de estabelecer estratgias que possam
responder s demandas e criar uma identidade profissional que inspire o respeito e compromisso
no combate violncia domstica. O instrumental entrevista exercita a tica, pois exige do

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profissional que escute os problemas apresentados sem fazer julgamentos de valores, sempre
mantendo uma relao de respeito com a usuria de seus servios. Nas reunies, a postura tica e
o projeto tico poltico so fundamentais, medida que o profissional tem nesse instrumental a
possibilidade de contribuir para aliviar as angstias nas discusses, e construir o fortalecimento
das mulheres por meio da socializao das informaes acerca dos direitos sociais e os
encaminhamentos que podem ser realizados pelos profissionais.
Outros instrumentais que exigem a tica profissional por parte dos assistentes sociais so:
documentao e a elaborao de relatrios, onde se pontuam as situaes de risco e
vulnerabilidade como as mulheres e seus filhos se encontram. E ainda o parecer social, que
viabiliza os direitos sociais necessrios s mulheres para o rompimento com as situaes
violentas. Ressaltando que a tica um instrumento de compromisso profissional e pessoal do
Assistente Social, levando em conta que, segundo Lisboa e Pinheiro (2005), as condies
institucionais de trabalho do assistente social nem sempre so favorveis e tem oramento
reduzido, e as intervenes nas situaes violentas sempre causam desgaste fsico e psicolgico
nos profissionais. Dessa forma, aos assistentes sociais cabe a clareza de saber se apropriar dos
instrumentais de forma correta, e fazer uma ponte com as orientaes terico-metodolgicas,
sempre pautadas no projeto tico-poltico da profisso, a fim de na atuao junto s vtimas de
violncia domstica poder estimular a denncia, esclarecer os direitos, incentivar o registro da
queixa, orientar sobre os exames de corpo delito, realizar dinmicas e reunies para resgatar a
auto-estima, elaborar pareceres, encaminhar as vtimas aos programas assistenciais e tambm para
as aes da rede de sade, e por fim exercitar o trabalho em rede nos diversos tipos de
atendimento necessrios mulher vtima de violncia domstica.
CONCLUSO
A profisso do Servio Social na America Latina e no Brasil tem uma trajetria histrica e
dinmica, o exemplo disso, que a atuao profissional reestruturou-se conforme o
amadurecimento da profisso e sua compreenso da realidade social em que estava inserida. A
ruptura com os ditames da classe dominante, e o firmamento de um compromisso com a classe

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que vive do trabalho, possibilitou profisso a elaborao de um Cdigo de tica pautado nos
valores de liberdade, democracia, justia social, respeito e defesa das minorias.
Essa opo pela tica e por uma postura poltica comprometida com o combate
desigualdade construiu uma identidade profissional respeitada, requisitada e necessria s diversas
polticas pblicas sociais implementadas pelos governos em todas as reas e esferas
governamentais.
Esse fato abriu uma possibilidade de leques de atuao para essa profisso, inclusive no
combate violncia contra a mulher. Por ser um problema social, antigo, grave, delicado e
perverso, essa interveno exige do profissional uma orientao tica que eleja: a democracia, a
defesa das minorias, a luta por uma igualdade na orientao dos sexos, o respeito pelas mulheres,
a explicitao da questo de gnero etc.
necessrio ao profissional assistente social, que atua no combate violncia contra a
mulher, descobrir alternativas e possibilidades para uma atuao que enfrente todos os desafios
postos a essa rea, decifrando as situaes apresentadas, capacitando-se para o trabalho com as
mulheres, trabalhado para a transformao no modo das condies de vida, na cultura de
subalternidade imposta s mulheres, participando das discusses sobre a questo da violncia
contra a mulher, organizando eventos na rea, militando nos conselhos objetivando que o
governo priorize as polticas pblicas de combate violncia em sua agenda. Sem, contudo
esquecer a trajetria histrica que atribui a identidade profissional conquistada pela categoria, e
que se encontra explicitada nos onze princpios fundamentais do Cdigo de tica profissional do
Servio Social

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