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16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

Tema: “40 anos da “Virada” do Serviço Social”


Brasília (DF, Brasil), 30 de outubro a 3 de novembro de 2019

Eixo: Serviço Social, Fundamentos, Formação e Trabalho Profissional.


Sub-Eixo: Ênfase em Trabalho Profissional.

O CAMPO PROFISSIONAL E O TRABALHO ASSALARIADO: UM TERRENO


VULNERÁVEL AO AVANÇO CONSERVADOR

Fernanda Gonçalves de Camargo e Silva1


Lucilene Alves Pereira Costa2
Resumo: O presente artigo traz elementos para subsidiar uma reflexão sobre o trabalho profissional,
a condição de assalariamento dos (as) assistentes sociais e os rebatimentos no campo profissional,
entendendo que a partir das circunstâncias que atravessam esse campo, ele torna-se vulnerável ao
avanço conservador. Para isso, discorremos sobre a relação constitutiva do pensamento conservador
e o Serviço Social, a condição de trabalhador assalariado dos profissionais e dimensão contraditória
do trabalho profissional. Apontamos além dos limites para imprimir uma direção social emancipatória
ao fazer profissional, e aos “resultados” desse trabalho, possibilidades de criar resistências ao avanço
conservador dentro da profissão impulsionado pela crise do capital.
Palavras chaves: Campo profissional, trabalho assalariado e conservadorismo.

Abstract: The present article has elements to subsidize a reflection on the professional work, the
condition of wages of the social assistants and the refutations in the professional field, understanding
that from the circumstances that cross this field, it becomes vulnerable to the conservative advance.
For this, we discuss the constitutive relationship of conservative thinking and Social Work, the
condition of salaried employees of professionals and the contradictory dimension of professional work.
We point beyond the limits to print emancipatory social direction by making professional, and the
"results" of this work, possibilities of creating resistance to the conservative advance within the
profession driven by the crisis of capital.
Key words: Professional field, wage labor and conservatism.

INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende trazer elementos para reflexão sobre o trabalho


profissional, a condição de trabalhador assalariado dos(as) assistentes sociais e o campo
profissional como vulnerável ao avanço conservador.
Ao resgatar a relação constitutiva do Serviço social com o conservadorismo,
conceituamos inicialmente a ideologia conservadora que nas palavras de Lynch (2017) tem
três núcleos centrais: a preocupação com o controle da mudança, a crença nas origens
extra-humana da ordem social e a organização flexível que se molda ao “adversário”.
Evidenciamos como esse pensamento atravessou o surgimento e institucionalização do
Serviço Social, que desde seu início foi adepto ao conservadorismo fazendo a defesa da
família, tradição, hierarquia e ordem.

1
Estudante de Pós-Graduação, Universidade Federal de São Paulo, E-mail: [email protected].
2
Estudante de Pós-Graduação, Universidade Federal de São Paulo, E-mail: [email protected].
2

Refletimos sobre o trabalho profissional frente à vulnerabilidade inerente a condição


de trabalhador assalariado, que torna o campo profissional mais suscetível ao avanço do
pensamento conservador. Discorremos brevemente sobre as metamorfoses no mundo do
trabalho, como estas atingem o trabalho profissional e as estratégias para “frear” essa
avalanche conservadora. Apontamos elementos da condição de assalariado dos (as)
assistentes sociais que condicionam e impõe limites ao fazer profissional, uma vez que
somente a intencionalidade da ação não determina a direção que será dada aos “resultados”
de seu trabalho. Abordamos também questões sobre a autonomia relativa do (a) assistente
social, que dependendo das condições postas pelo empregador pode ser mais ou menos
relativa.
As reflexões presentes nessa comunicação visam subsidiar a discussão sobre limites
e possibilidades do trabalho profissional, bem como apontá-lo enquanto campo vulnerável
ao avanço conservador. Entendendo que o pensamento conservador sempre esteve
presente no Serviço Social e no cenário de crise do capital ele ganha força e se torna mais
explícito.

1. CONSERVADORISMO E SERVIÇO SOCIAL

Para compreender a relação seminal do Serviço Social com o conservadorismo, é


necessário discorrer sobre o pensamento conservador. Segundo Santos (2007) o
“conservadorismo é uma expressão cultural [...] particular de um tempo e um espaço sócio-
histórico muito preciso: o tempo e o espaço da configuração burguesa” (MACHADO, 1997
apud Santos, 2007). A autora aponta que as primeiras manifestações do conservadorismo
se dão como respostas reacionárias a Revolução Francesa que visava, dentre outras
coisas, à derrocada do sistema feudal. As principais características desse período foram: a
defesa da tradição e do costume, e a exaltação de formas de organização do passado como
válidas para o presente.
O conservadorismo valoriza o passado, preserva a tradição, a propriedade privada e
aceita parcialmente o capitalismo, fazendo-o conviver com instituições sociais pré-
capitalistas, como o privilégio da família, corporações, protagonismo da Igreja, dentre outros,
elementos visíveis até os dias atuais. Assim, vai se moldando ao capital e traços novos
coexistem com os antigos.
Santos (2007) aponta que os “primeiros” conservadores eram contra a revolução
francesa. Com a crise vivenciada pelo capitalismo (pós-1948) que incide diretamente na
constituição do pensamento conservador, os conservadores passam a ser

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contrarrevolucionários, ou seja, contrário a qualquer revolução. Souza (2016) diz que a


revolução não significa a transformação radical de uma sociedade, e sim a destruição da
ordem e rebaixamento das tradições. Ademais, para o conservador a desigualdade social é
natural, assim como as relações sociais e a hierarquia, enxergando-as como insuperáveis.
O conservadorismo brasileiro tem características particulares, pois, no Brasil, não
vivenciamos uma revolução burguesa e nem o sistema feudal. Além disso, nossa formação
foi periférica, dependente e heterônoma, “o nosso conservadorismo tem seu perfil marcado
pela inserção periférica da economia brasileira no mercado mundial, determinando inclusive
o sistema de saberes produzidos” (Santos, 2007).
O pensamento conservador constitui a matriz ideo-teórica do Serviço Social. O
surgimento da profissão no Brasil se deu com o aprofundamento do processo de
industrialização em 1930, que desencadeou maiores manifestações da questão social3,
como a exploração do trabalho, fome, violência, dentre outros. Concomitante a esse
aprofundamento, ocorreu um aumento das manifestações dos trabalhadores, que
inicialmente o Estado enfrentava como caso de polícia e quando pressionado, incorporou
em sua agenda, respostas4 as refrações da questão social.
As ações do governo e da Igreja Católica que se apresentavam como respostas aos
trabalhadores objetivavam atenuar conflitos e produzir consensos. É, portanto, nesse
contexto que surge o Serviço Social como uma das estratégias da burguesia industrial.
Segundo Cardoso (2013) a profissão se institucionaliza e legitima-se como contratada pelo
Estado para atender a interesses da burguesia e da Igreja Católica, emerge para a defesa
de um projeto social vigente e constrói um projeto profissional conservador.
O conservadorismo é constitutivo da trajetória do Serviço Social brasileiro e somente
sofre um abalo a partir do processo de renovação da profissão, principalmente na vertente
da intenção de ruptura. Netto (2006) diz que esse processo de renovação implica a
construção de um pluralismo profissional, já que amplia suas matrizes teóricas. A profissão
mesma se põe como objeto de pesquisa, num andamento antes desconhecido “é só no
marco desta abrangência que o Serviço Social explicitamente se questiona e se investiga
como tal” (Ibidem).
3
A questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade
capitalista madura, impensáveis sem a mediação do Estado [...] expressa, portanto disparidades econômicas,
políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e
formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder
estatal. (Iamamoto, 2000, p.16-17)
4
O governo Vargas passa a intervir diretamente na questão social através da legislação social e
trabalhista sindical, pautada em um modelo corporativista, aparentemente agradando à burguesia industrial e
ao proletariado, porém sua política é bem clara e o setor das classes dominantes tem supremacia junto ao
Estado. (Cardoso,2013, p.112)

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Considerando as análises que Netto (2006) faz das perspectivas que compõem o
movimento de renovação, tem-se como sua primeira expressão, a perspectiva
modernizadora na década de 1960, tendo como base os documentos de Araxá e
Teresópolis. Essa vertente “captura” o “tradicional” sobre novas bases, não há um
rompimento, visa à integração e ao desenvolvimento, conforme passagem do documento de
Araxá que caracteriza o Serviço Social “pela ação junto a indivíduos com desajustamentos
familiares e sociais. Tais desajustamentos muitas vezes decorrem de estruturas sociais
inadequadas.” (CBCISS, 1886:24, apud NETTO, 2006, p.167).
Os documentos de Araxá e Teresópolis têm influências neotomistas5, o primeiro com
uma base teórica estrutural-funcionalista e base ideológica reformista conservadora com o
viés desenvolvimentista; o segundo equivale “à plena adequação do Serviço Social à
ambiência própria na “modernização conservadora” conduzida pelo Estado ditatorial em
benefício do grande capital...” (Netto, 1999, p. 193).
Na década de 1970 e entrada dos anos 1980, tendo iniciado nos seminários de
Sumaré e Alto da Boa Vista, a vertente da reatualização do conservadorismo surge entre
ruptura e continuidade. Como voltar ao “conservantismo” inicial seria muito difícil, já que se
tinha de um lado o conservadorismo e de outro, quadros com influências marxistas, houve
um movimento de reatualizar o conservadorismo, embutir uma nova roupagem a ele. Essa
perspectiva substitui o “pensamento causal” (positivismo) pela compreensão
6
(fenomenologia), que objetiva uma ajuda psicossocial .
Até aqui, o que explicitamos são vertentes de um projeto conservador da profissão,
contrário ao da perspectiva renovadora, chamada por Netto (2006) de intenção de ruptura,
que experimentou um desenvolvimento diferente das perspectivas anteriores. Surgiu na
década de 1970 dentro da estrutura universitária, especialmente em Minas Gerais,
posteriormente em 1980 ultrapassou os muros da academia com um caráter de oposição,
pois colidia com a ordem no plano teórico-cultural, profissional e político.
No contexto de lutas pela democratização do país, o Serviço Social teve o seu
movimento de renovação crítica. Nos anos de 1980, se consolidou e ganhou hegemonia o
projeto ético-político da profissão que tem como teleologia a transformação social, sua
aproximação com os “marxismos” e com as ciências sociais, trazendo uma perspectiva
crítica, emancipatória e um claro compromisso com a classe trabalhadora. Conforme consta
5
Filosofia de base cristã tem como princípio a dignidade humana e o bem comum, sob duas dimensões
o corpo e a alma. (NETTO, 2006).
6
O Serviço Social [...] se propõe a um desenvolvimento da consciência reflexiva de pessoas a partir do
movimento dialético entre o conhecimento do sujeito como ‘ser no mundo’ e o conhecimento do sujeito como
‘ser sobre o mundo’. Isto se realiza numa dimensão temporal e histórica. [“...] Este processo se dinamiza
através do diálogo, entendido aqui, como uma forma de ajuda psicossocial” (CBCISS, 1986: 185-186, apud
NETTO, 2006, p.207).

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em sua base jurídica-legal, o Código de Ética do(a) Assistente Social (Lei n. 8662/93) no seu
VIII Princípio Fundamental deixa nítido uma “opção por um projeto profissional vinculado ao
processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de
classe, etnia e gênero”.
Cabe assinalar, o movimento de renovação não extinguiu o conservadorismo da
profissão, que em momento de crise do capital fica mais explícito e enquanto a demanda
que o sustenta existir,
[...] estará presente no Serviço Social, ora mais fortalecido, ora menos, porém
sempre atualizando-se para responder adequadamente às requisições que lhes são
formuladas. Ele é uma tendência constitutiva dessa profissionalidade, o que não
quer dizer que seja a única (Santos, 2007, p.58).

No item a seguir apontaremos como o conservadorismo pode atravessar o trabalho


profissional dependendo das circunstâncias (objetivas e subjetivas) que ele é executado.
Discorreremos sobre as metamorfoses do mundo do trabalho e a condição do assistente
social, enquanto trabalhador assalariado, demonstrará como os traços conservadores se
renovam na intervenção profissional.

2. TRABALHO PROFISSIONAL E A CONDIÇÃO DE TRABALHADOR


ASSALARIADO

2.1 Mundo do trabalho e suas metamorfoses


O trabalho em seu sentido ontológico é compreendido como uma atividade que altera
o estado natural de algum material para melhorar a sua utilidade, tendo o homem uma
capacidade teleológica, uma intencionalidade. Na sociedade capitalista esse trabalho se
transforma em modo de sobrevivência, deixando de ser prazeroso. Passa a ser vendido aos
detentores dos meios de produção como força de trabalho e produzir valores que são
apoderados pelos capitalistas.
Esse trabalho passa a ser assalariado, pois a força de trabalho é vendida como
mercadoria e trocada por dinheiro, sendo esse valor de troca chamado de preço, que no
caso do trabalhador é o salário, pago com a riqueza acumulada pelo capitalista e não com o
dinheiro da venda do produto final. Esse processo gera a produção de mais valia e/ou valor,
para tanto, o trabalho na sociedade do capital necessita cada vez menos de trabalho estável
e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial, terceirizado que são parte
constitutiva do processo de produção capitalista.
Segundo Antunes (2006), nas últimas décadas, a sociedade contemporânea vem
presenciando profundas transformações objetivas e subjetivas. A crise atual do capital tem

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trazido profundas mutações no interior do mundo do trabalho, a reestruturação produtiva7 é


expressão de tal crise. Ocorre no universo do capitalismo contemporâneo um múltiplo e
complexo processo em curso no mundo do trabalho: a desproletarização do trabalho
industrial fabril nos países de capitalismo avançado (diminuição da classe operária
tradicional); expressiva expansão do trabalho assalariado (assalariamento do setor de
serviços); significativa heterogenização do trabalho (incorporação do trabalho feminino) e
subproletarização intensificada (trabalho parcial, subcontrato, terceirizado) (Idem).
A reestruturação produtiva do capital e sua tríade
flexibilização/precarização/terceirização é sentida também no trabalho do assistente social
devido a sua condição de trabalhador assalariado, a seguir detalharemos como isso pode
afetar o fazer profissional.

2.2 Trabalho profissional e sua condição de assalariamento


De acordo com Raichelis (2011) o reconhecimento do assistente social como
trabalhador assalariado vem a partir da aproximação com a teoria social de Marx expressa
na obra de Iamamoto e Carvalho (1982). Nessa obra tem-se a compreensão do Serviço
Social como uma especialização do trabalho, inscrita na divisão social e técnica do trabalho.
Essa compreensão implica em problematizar como se dá a relação de compra e venda
dessa força de trabalho a empregadores diversos (Estado, empresas, ONGs e etc.). Neste
sentido:
Existe uma dimensão contraditória das demandas e requisições sociais que se
apresentam a profissão, expressão das forças sociais que nela incidem: tanto o
movimento do capital quanto os direitos, valores e princípios que fazem parte das
conquistas e dos ideários dos trabalhadores. (Iamamoto, 2009, p.11)

O assistente social é proprietário da sua força de trabalho que só pode entrar em


ação se dispuser de meios e instrumentos de trabalho que são colocados por seus
empregadores, pois mesmo regulamentado como profissão liberal, o seu exercício se realiza
mediatizado por instituições e pela condição de trabalhador assalariado (Raichelis, 2011).
Logo o trabalho profissional,
é necessariamente polarizado pela trama de suas relações e interesses sociais.
Participa tanto de mecanismos de exploração e dominação, quanto, ao mesmo
tempo e pela mesma atividade, dá resposta às necessidades de sobrevivência das
classes trabalhadoras e da reprodução do antagonismo dos interesses sociais. Isso

7
Um período conhecido com reestruturação produtiva traz a forma de produção toyotista e passa a produzir
por demanda, produtos variados, exigindo a polivalência e seguindo o caminho da terceirização e
subcontratação. Essa nova forma traz ainda mais efeitos devastadores para classe trabalhadora: redução do
proletariado fabril; incremento do subproletariado (trabalho parcial, terceirizado, informais e desempregado e
etc.); aumento do trabalho feminino de uma forma precarizada e desregulamentada; exclusões de jovens e
velhos do mercado de trabalho, dentre outros. A classe trabalhadora sofre um processo de heterogeinização,
fragmentação e complexificação (ANTUNES, 2015).

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significa que o exercício profissional participa de um processo que tanto permite


continuidade da sociedade de classes quanto cria possibilidades de sua
transformação (Iamamoto, 2009, p.12).

A direção do trabalho do assistente social não é dada somente pelo sujeito que o
realiza, apenas por sua intencionalidade, é dado também pelas circunstâncias, pelas
condições objetivas sob as quais ele não tem controle. Isso quer dizer, que mesmo com
uma direção pautada no projeto ético-político hegemônico da profissão, o “resultado” pode
ser conservador. Raichelis (2011) aponta que essas são as contradições entre a direção
social8 que o assistente social pretende imprimir ao seu trabalho e as exigências impostas
pelos empregadores aos trabalhadores assalariados.
Por esses fatores, o campo profissional fica tão vulnerável ao avanço
conservadorismo, principalmente se pensarmos as políticas sociais como uma das principais
mediações do trabalho profissional, sendo elas diretamente atingidas pelo processo de
mundialização9 do capital, que traz a tais políticas, diretrizes para focalização,
descentralização, desfinanciamento e regressão dos direitos do trabalho (Iamamoto, 2009).
Segundo Leite e Valle (2018) na atualidade, os assistentes sociais são chamados
para veicular o discurso propagador do “consenso ativo dos trabalhadores” em torno dos
objetivos dos empregadores, que fornecem aos assistentes sociais os instrumentos e meios
para o desenvolvimento de seu trabalho, “definem demandas, condições de trabalho e o
objeto (recorte da questão social) pelo qual recai a ação profissional” (Raichelis, 2011).
Raichelis (2011) demonstra que as condições objetivas conferem materialidade ao
fazer profissional, mas é preciso considerar as condições subjetivas que consiste,

[...] no modo pelo qual o profissional incorpora na sua consciência o significado de


seu trabalho, as representações que faz da profissão, as justificativas que elabora
para legitimar a sua atividade, que orientam a direção social que imprime ao seu
exercício profissional (RAICHELIS, 2011, p.429).

O profissional tem uma autonomia teórico-metodológica, técnica e ético-política à


condução do exercício profissional, uma autonomia relativa que apresenta a possibilidade
de ultrapassar a demanda institucional. Vale destacar que dependendo do empregador essa
autonomia pode ser tensionada e depende de profissionais qualificados que consigam
propor, negociar com os empregadores, defender projetos que ampliem direitos das classes

8
[...] a expressão da construção coletiva do Serviço Social brasileiro nas últimas quatro décadas, tecidas nas
lutas sociais pela emancipação política, tendo como horizonte a construção de outra sociabilidade para além
do capital (Raichelis, 2018, p.27).
9
[...] o capitalismo avançou em sua vocação de internacionalizar a produção e os mercados, aprofundando o
desenvolvimento desigual e combinado entre as nações e no seu interior entre as classes e grupos sociais no
âmago das relações dialéticas entre imperialismo e dependência (MANDEL, 1985 apud Iamamoto, 2009).

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subalternas, seu campo de trabalho e sua autonomia técnica, atribuições e prerrogativas


profissionais (Raichelis, 2011).
O desafio posto é, somos capazes de reverter o quadro desse avanço conservador
no campo profissional? Netto (1999) já apontava que a perspectiva de intenção de ruptura
se espraiou de forma insuficiente no âmbito do fazer profissional. As manifestações da
questão social tem sido objeto de ações superficiais e de “programas focalizados de
combate à pobreza” (Iamamoto, 2009). Qual seria então o papel do assistente social nesse
contexto onde a profissão é atravessada pelo metodologismo, teoricismo acrítico,
aligeiramentos, pragmatismo, voluntarismo e contentamento com o possibilismo? (Boschetti,
2015).
Para Boschetti (2015), se faz necessário estimular a construção de formas coletivas
e individuais de resistência para frearmos o avanço de um conservadorismo que sempre
existiu e é essencial para conservação do capital. Raichelis (2011) reforça que o trabalho
profissional tem que ir além da realização de rotinas institucionais, cumprimento de tarefas
burocráticas a simples reiteração do instituído. O profissional precisa fazer “a apreensão
crítica da realidade e do trabalho no contexto dos interesses sociais e da correlação de
forças políticas que o tensionam; a construção de estratégias coletivas e alianças políticas
que possam reforçar direitos nas diferentes áreas de atuação” (Raichelis, 2011, p. 428).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões em tela expressam que o conservadorismo de maneira implícita ou


explicitamente permeia tanto a formação, quanto o trabalho profissional dos (a) assistente
social, esse sempre esteve presente não apenas no Serviço Social, como também na
sociedade capitalista. O pensamento conservador vai se moldando ao capital e em
momentos de crise ficam mais explícitos (Boschetti, 2015).
O Serviço Social é uma espacialização do trabalho coletivo dentro da divisão social
do trabalho, os (as) assistentes sociais são trabalhadores assalariados que vendem sua
força de trabalho para sobreviver. Logo as metamorfoses no mundo do trabalho afetam
diretamente a profissão.
Segundo Iamamoto e Carvalho (2009) a profissão pode ser vista sob dois ângulos:
determinada pela consciência de seus agentes, expressa pelo discurso teórico-ideológico
sobre o exercício profissional e pelas condições objetivas que conferem direção social a
prática profissional independente da consciência e vontade individual. É nessa unidade
contraditória que se dá o fazer profissional, ficando o campo profissional vulnerável a

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políticas sociais residuais, condições de trabalho flexíveis orientadas pelo uma lógica
neoliberal, tornando-se terreno fértil ao avanço conservador.
Diante desse campo profissional, atravessado por circunstâncias que condicionam a
direção social do trabalho dos (as) assistentes sociais, Iamamoto (2009, p.34) aponta um
“desafio intelectual e histórico de fundamental importância ao Serviço Social em uma dupla
perspectiva: para apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as
desigualdades sociais e as lutas contra as mesmas; e para projetar formas de resistência e
de defesa da vida e dos direitos, germinadas no presente [...]”. Reforçando a necessidade e
urgência da segunda perspectiva, pois “a luta pela afirmação de direitos é hoje também uma
luta contra o capital” (Iamamoto, 2009, p.1).

4. REFERÊNCIAS

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