Deleuze: CONCLUSÃO Espinosa - EXPRESSIONISMO em Filosofia
Deleuze: CONCLUSÃO Espinosa - EXPRESSIONISMO em Filosofia
Deleuze: CONCLUSÃO Espinosa - EXPRESSIONISMO em Filosofia
A expresso
como ratio essendi,
se reflete no espelho
como ratio cognoscendi
e se reproduz no germe
como ratio fiendi.
1 Sobre esses dois temas do espelho e do germe (ou do ramo), em relao essencial com a noo de expresso
cf., por exemplo, o processo de Eckhart.
Na verdade, esses temas fazem parte das acusaes principais: cf. dition critique des pices relatives au procs
dEckhart, por G. Thry, Archives dhistoire doctrinale et littraire du Moyen ge (Vrin d., 1926-1927)
Tentaremos primeiro
destacar o que existe de comum nos dois sistemas,
e por que razes eles reinventam o conceito de expresso
O que eles dois criticam em Descartes, concretamente,
o fato de este ter feito uma filosofia
demasiado rpida
ou demasiado fcil.
Em todos os domnios,
Descartes anda to rpido
que deixa escapar a razo suficiente,
a essncia ou verdadeira natureza:
fica sempre apenas no relativo
Primeiramente, quanto a Deus:
a prova ontolgica de Descartes
repousa sobre o infinitamente perfeito,
e se apressa em tirar uma concluso;
mas o infinitamente perfeito um prprio,
totalmente insuficiente para mostrar
qual a natureza de Deus
e como essa natureza possvel.
Da mesma maneira,
as provas a posteriori de Descartes
repousam sobre a considerao
das quantidades de realidade dadas,
e no alcanam um princpio dinmico
do qual dependem.
Em seguida, quanto s ideias:
Descartes descobre os critrios do claro e do distinto;
mas o claro-e-distinto ainda um prprio,
uma determinao extrnseca da ideia
que no nos informa
sobre a natureza
e a possibilidade
da coisa em ideia,
nem do pensamento como tal.
Descartes se restringe
ao contedo representativo da ideia
e forma da conscincia psicolgica que a pensa:
ele perde assim
o verdadeiro contedo imanente da ideia,
assim como
a verdadeira forma lgica,
e a unidade dos dois (o autmato espiritual).
Ele nos diz que o verdadeiro
est presente na ideia clara e distinta,
mas o que que est presente
na ideia verdadeira?
Podemos ver facilmente at que ponto
essa segunda corrente crtica
se rene primeira:
pois se permanecermos no claro-e-distinto,
s poderemos medir as ideias entre elas
e compar-las s coisas
atravs da considerao
das quantidades de realidade.
Como s dispomos
de uma caracterstica extrnseca da ideia,
s atingimos no Ser
caractersticas elas mesmas extrnsecas.
Mais do que isso,
a distino como norma da ideia
prejulga o estado das distines
entre coisas representadas na ideia:
em relao ao critrio do claro e do distinto
que Descartes, de todo o tesouro das distines escolsticas,
s fica com a distino real,
segundo ele necessariamente numrica,
a distino de razo,
segundo ele necessariamente abstrata,
a distino modal,
segundo ele necessariamente acidental.
O procedimento de Leibniz
formalmente semelhante:
mesma ultrapassagem do infinito
na direo do absoluto.
No que o Ser absoluto de Leibniz
seja o mesmo de Espinosa.
Mas ainda assim,
trata-se de demonstrar a realidade de uma definio,
e atingir uma natureza de Deus
para alm da propriedade.
Ainda assim, essa natureza
constituda por formas simples e distintas,
nas quais Deus se exprime
e que exprimem, elas mesmas,
qualidades positivas infinitas2 .
2
Da mesma maneira,
tanto em Espinosa quanto em Leibniz,
vimos que a descoberta
de quantidades intensivas
ou de quantidades de potncia,
que so mais profundas
do que as quantidades de realidade,
que transformam os procedimentos a posteriori,
introduzindo neles a expressividade.
2 Sobre as formas simples tomadas absolutamente, prprios atributos de Deus, causas primeiras e razo
ltima das coisas,
cf. Carta para Elisabeth, 1678, e Mditations sur la connaissance, 1684.
Na nota de 1676, Quod ens perfectissimum existit, a perfeio definida por uma qualidade positiva absoluta seu
quae quicquid exprimit, sine ullis limitibus exprimit (Gerhardt VII, pp 261-262).
Leibniz faz aluso, nos Nouveaux Essais, s qualidades originais ou que podem ser conhecidas distintamente,
que podem ser levadas ao infinito
3 Leibniz,
Discours de mtaphysique, 16
Se o conceito de expresso
tem mesmo essa tripla importncia,
do ponto de vista
do ser universal,
do conhecer especfico,
do agir individual,
no podemos quanto a isso exagerar
a importncia do que h de comum
entre Espinosa e Leibniz.
Mesmo se eles divergem
em cada ponto,
na utilizao e interpretao do conceito.
E as diferenas formais,
as diferenas de tom j prefiguram
as diferenas de contedo.
Dizamos que no encontramos em Espinosa
nem uma definio,
nem uma demonstrao explcitas da expresso
(se bem que essa definio,
essa demonstrao
estejam constantemente implicadas na obra).
Em Leibniz, pelo contrrio,
encontramos textos
que tratam explicitamente
da compreenso e da extenso
da categoria de expresso.
Estranhamente, porm,
Leibniz quem d a essa categoria
uma extenso tal,
que ela termina por recobrir tudo,
inclusive o mundo dos signos,
das similitudes,
dos smbolos
e das harmonias4
4
4 Cf. Carta de Leibniz para Arnauld (Janet I, p. 594): A expresso comum a todas as formas, e um gnero
do qual a percepo natural, o sentimento animal e o conhecimento intelectual so espcies
5 5 Ed. Gerhardt, VII, pp. 263-264
6 Leibniz, Carta para Arnauld (Janet I, p. 594): Basta que aquilo que divisvel e material, e est dividido em
vrios seres, seja exprimido ou representado em um nico ser indivisvel, ou na substncia que dotada de uma
verdadeira unidade. E ainda, Nouveaux Essais III, 6, 24: A alma e a mquina esto perfeitamente de acordo,
e mesmo que elas no tenham influncia imediata uma sobre a outra, elas se exprimem mutuamente, uma tendo
concentrado em uma perfeita unidade aquilo que a outra dispersou na multido
7 7 Projeto de uma carta para Arnauld (Janet I, pp. 552-553)
8 Carta
9 Cf. Ed. Grua, p. 126: Como todos os espritos so unidades, podemos dizer que Deus a unidade primitiva,
exprimida por todas as outras de acordo com seu alcance ... Disso resulta a operao, na criatura, que varia
segundo as diferentes combinaes da unidade com o zero, ou ento do positivo com o privativo. So esses
diferentes tipos de unidade que simbolizam uns com os outros: por exemplo as noes relativamente simples do
nosso entendimento, com os absolutamente simples do entendimento divino (cf, ed. Couturat, Elementa Calculi,
e Introductio ad Encyclopaediam Arcanam). Um tipo de unidade sempre causa final em relao
multiplicidade que ele subsome. E Leibniz emprega particularmente a palavra harmonia para designar essa
referncia do mltiplo ao uno (Elementa verae pietatis, Grua, p. 7)
10
10
10 Pode ocorrer que Leibniz empregue a palavra emanao para designar a criao das unidades e suas
combinaes: cf por exemplo, Discours de mtaphysique, 14
Ora, Espinosa
d uma interpretao viva da expresso,
completamente diferente.
Pois o essencial, para ele,
separar o domnio dos signos,
sempre equvocos,
e o das expresses,
cuja regra absoluta deve ser a univocidade.
Vimos, nesse sentido,
como os trs tipos de signos
(signos indicativos da percepo natural,
signos imperativos da lei moral
e signos da revelao religiosa)
eram radicalmente jogados no inadequado;
e com eles cai toda a linguagem da analogia,
tanto aquela que atribui a Deus
um entendimento e uma vontade,
quanto aquela que atribui um fim s coisas.
Ao mesmo tempo,
a ideia absolutamente adequada
pode ser alcanada e formada por ns,
na medida em que ela recebe suas condies
do estrito regime da univocidade:
a ideia adequada a ideia expressiva,
isto ,
a ideia distinta enquanto ela conjurou
esse fundo obscuro e confuso
do qual no se separava em Leibniz.
(Tentamos mostrar como Espinosa
operava concretamente essa seleo,
no processo de formao das noes comuns,
no qual a ideia deixa de ser um signo
para se tornar uma expresso unvoca).
Univocidade do ser,
univocidade do produzir,
univocidade do conhecer;
forma comum,
causa comum,
noo comum
essas so as trs figuras do Unvoco
que se renem absolutamente
na ideia do terceiro gnero.
A expresso, em Espinosa,
longe de se reconciliar
com a criao
e a emanao,
pelo contrrio, expulsa-as,
joga-as para o lado dos signos inadequados
ou da linguagem equvoca.
Espinosa aceita o perigo
propriamente filosfico
implicado na noo de expresso:
a imanncia,
o pantesmo.
Mais do que isso,
ele aposta nesse perigo.
Em Espinosa,
toda a teoria da expresso
est a servio da univocidade;
e todo seu sentido de arrancar
o Ser unvoco
do seu estado
de indiferena ou de neutralidade,
para fazer dele o objeto de uma afirmao pura,
efetivamente realizada no pantesmo
ou a imanncia expressiva.
Essa nos parece ser a verdadeira oposio
entre Espinosa e Leibniz:
a teoria das expresses unvocas de um
se ope teoria das expresses equvocas do outro.
11
11 Tema
constante nas Cartas para Arnauld: Deus no criou Ado pecador, mas o mundo onde Ado pecou
Pois, dade
da causa e do efeito,
ou da ideia e seu objeto,
vem juntar-se um terceiro termo
que as transforma.
certo que o efeito exprime sua causa;
mais profundamente, porm,
a causa e o efeito formam uma srie
que deve exprimir alguma coisa,
e alguma coisa idntica (ou semelhante)
aquilo que exprime uma outra srie.
Assim, a causalidade real
acha-se localizada em sries expressivas
que gozam entre si de correspondncias no causais.
Assim tambm,
a ideia representa um objeto
e, de uma certa maneira, o exprime;
mais profundamente, porm,
a ideia e seu objeto exprimem alguma coisa que lhes comum
e, no entanto, prpria a cada um:
a potncia, ou o absoluto
sob duas potncias, que so as potncias
de pensar ou de conhecer,
de ser ou de agir.
Assim, a representao acha-se localizada
numa certa conexo extrnseca
entre a ideia e o objeto,
cada qual, por sua vez,
gozando de uma expressividade para alm da representao.
Enfim, por toda a parte,
o que exprimido
intervm
como um terceiro que transforma os dualismos.