Antero de Quental - Sonetos

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A GERAO DE 70

ANTERO DE QUENTAL
SONETOS
SeglIdo vollme
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CRCULO DE LEITORES
Capa de: Alltulles
Impresso e encardellado por Prillter Portuguesa
110 ms de Setembro de mil lIovecelltos e oitenta e sete
Nlmero de edio: 2173
Depsito legal Illmero 14 722/87
PRLCIO
Escrevendo estas breves pginas frente dos Sonetos de
Antero de Quental tenho a satisfao ntima de cumprir o
dever de torar conhecida do pblico a figura talvez mais
caracterstica do mundo literrio portugus e decerto aquela
sobre que a lenda mais tem trabalhado. Estou certo, absolu
tamente certo, de que este livro, embora sem eco no esprito
vulgar que faz reputaes e d popularidade, h-de encon
trar um acolhimento amoroso em todas as almas de eleio,
e durar enquanto houver coraes aflitos, e enquanto se
falar a linguagem portuguesa.
Procurarei no que vou dizer, guardar para mim aquilo
que ao pblico no interessa: a viva amizade, a estreita
comunho de sentimentos, o afecto quase fratero que h
perto de vinte anos nos une, ao poeta e ao seu crtico de hoje,
fazendo da vida de ambos como que uma nica alma, mis
turando invariavelmente as nossas breves alegrias, muitas
vezes as nossas lgrimas, sempre as nossas dores e os nossos
entusiasmos ou nosso desalento.
Discutindo em permanncia, discordando frequente
mente, ralhando a mido, zangando-nos s vezes e abra
ando-nos sempre: assim tem decorrido para ns perto de
vinte anos. Mas o leitor que nada tem que ver com esses
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casos particulares) nem com o abrao que trocmos no dia
em que pl'imeiro nos conhecemos e que s terminar naquele
em que um de ns) ou ambos ns) formos descansar para
sempre sob meia dzia de Ps de terra fria.
I
Eu no conheo fsionomia mais dificil de desenhar) por
que nunca vi natureza mais comPlexamente bem dotada. Se
fosse possvel desdobrar um homem) como quem desdobra os
fios de um cabo) Antero de Quental dava alma para uma
famlia inteira. L sqbidamente um poeta na mais elevada
expresso da palavra; mas ao mesmo tempo a inteligncia
mais crtica) o instinto mais prtico) a sagacidade mais
lcida) que eu conheo. L um poeta que sente) mas um
raciocnio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa.
Inventa e critica. Depois) por um movimento relexo da
inteligcia) d corpo ao que criticou) e raciocina o que
imaginou. O seu temperamento apresenta um contraste cor
relativo: meigo como uma criana) sensitivo como uma
mulher nervosa) mas intermitentemente duro e violento.
L fraco) portanto? No. A vontade) em obedincia
qual) e com esforo) se faz colrico) f-lo tambm forte
dessa fora persistente) raciocinada e na aparncia plcida)
como a supercie do mar em dias de bonana. O oceano)
porm) interiormente agitado pelo gulf stream quente e
invisvel: tambm s vezes a Placidez extrema da sua face
encobre ondas de aflio que sobem at aos olhos e rebentam
em lgrimas ardentes. Sabe chorar) como todo o homem
digno da humanidade.
Ldestas crises que nasceram os seus versos) porque An
tero de Quental no faz versos maneira dos literatos:
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nascem-lhe, brotam-lhe da alma como soluos e agonias.
Mas, apesar disso, requintado e exigente como um ar
tista: as suas lgrimas ho-de ter o contoro de Prolas, os
seus gemidos ho-de ser musicais. As faculdades artsticas
geradoras da estaturia e da sinfonia so as que vibram na
sua alma esttica. A noo das formas, das linhas e dos
sons possui-a num grau eminente: no j assim a da cor
nem a da composio. Aos quadros chama painis com
desdm, e por isso mesmo tem horror descrio e ao pi
toresco. Lartista, no que a arte contm de mais subjectivo.
sua poesia escultural e hiertica, e por isso fantstica.
E exclusivamente psicolgica e dantesca: no pode pintar,
nem descrever: acha isso inferior e quase indigno.
Os seus versos so sentidos, so vividos como nenhuns;
mas o sentir e o viver deste homem de uma natureza
especial que tem por fronteiras fsicas as paredes do seu
crnio, mas que no tem fronteiras no mundo real, porque a
sua imaginao paira librada nas asas de uma razo espe
culativa para a qual no h limites.
O poeta por isso um mstico, e o crtico um filsofo.
O misticismo e a metafsica, o sentimento e a razo, a
sensibilidade e a vontade, o temperamento e a inteligncia,
combatem-se s vezes dilacerando-se. Eis a a explicao
desta poesia que o retrato vivo do homem. O gnio, esse
q uid divinatrio, que no honra para nenhuma criatura
possuir, porque s nos d merecimento aquilo que ganhmos
fora de inteligncia e de vontade; o gnio, que uma
faculdade to acidental como a cor dos cabelos, ou o desenho
das feies; o gnio, que pode andar ligado a uma intelign
cia medocre, mas que o no anda no caso de Antero de
Quental - o predicado particular e a chave do enigma
deste homem. O gnio pressupe a intuio de uma verdade
visceral ou fundamental da natureza. Essa intuio, essa
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asPirao absorvente, para o nosso poeta a sntese da ver
dade racional ou positiva e do sentimento mstico: uma poe
sia que exprima o raciocnio, ou antes uma flosofa onde
caibam todas as suas vises. O prprio do gnio querer
realizar o irrealizvel; ser quimrico, no sentido crtico da
palavra, quando por quimera entendemos uma verdade es
sencial que no pode todavia reduzir-se a frmulas compre
ensveis, ou uma coisa cuja realidade se sente, sem se poder
ver.
Dos aspectos quase inesgotavelmente variveis desta sin
gular fsionomia de homem, desta mistura excepcional de
pensamentos e de temperamento num mesmo indivduo, re
sulta porm um tiPo de sinceridade e de rectido mais sin
gular ainda, por
q
ue mais facilmente podia resultar dela um
grande cnico. E sobretudo um estico, sem deixar de ter
bastante de cptico; um mstico, mas com uma forte dose
de ironia e humorismo; um misantropo, quando no o
homem do trato mais afvel, da convivncia mais alegre;
um pessimista, que todavia acha em geral tudo ptimo. In
telectualmente a fisionomia mais dbia, comPlexa e con
traditria por vezes; moralmente o carcter mais inteiro e
melhor que existe. A sua inteligncia encontra-se permanen
temente no estado de algum que, querendo ir para um stio,
resiste por no querer ao mesmo tempo, sem todavia ter
razes bastantes para querer nem tambm para no querer.
O ncleo da sua personalidade, se a encararmos pelo lado
praticamente humano, est na energia do seu querer moral,
e no na lucidez do seu pensamento, embora tenha a preten
so de julgar que a sua vontade obedece sempre sua razo.
Lverdade que dentro de si tem permanentemente um espelho
facetado que representa e critica as modalidades do seu pen
samento: mas, por isso mesmo, v ou inventa faces de mais
s coisas, e tambm por vezes o cristal embacia. O que
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nunca esmorece a bondade luminosa da sua alma. L um
homem fundamentalmente bom.
A complexidade do seu esprito d-lhe uma verdade de
aptides, singular. Conversador como poucos, fcil, espon
tneo, original e sugestivo, irnico, humorista, espirituoso,
descendo at prpria charge, no h ningum como ele
para soltar o carro da sua fantasia crtica na ladeira de
uma tese e, explorando-a em todos os sentidos, arquitectar
uma teoria. Os seus opsculos em prosa (da melhor prosa
portuguesa deste tempo) , tm em geral este carcter. So
lgicos, so bem deduzidos - sem serem sufcientemente
pensados. So frutos da imaginao; so conversas escritas,
dessas conversas que durante horas seduzem os que o ou
vem - porque um charmeur.
Ele prprio se embriaga, no com as suas palavras, mas
sim com aquela teoria passageira que inventou had hoc, e,
quando algum lhe objecta um pequeno seno, todavia es
sencial ao seu edificio lgico, resiste, defende-se, irrita-se s
vezes, mas por fm ele o prprio que, com um dito, desfaz
toda a construo. Seria um orador, um jornalista de pri
meira ordem, se no tomasse apenas a srio a sua misso de
poeta, ou antes de flsofo.
Depois de tudo isto diro pessoas pouco dadas ao estudo
do animal homem que Antero de Quental um assombro.
Longe disso. A sua fora a prodigalidade com que a na
tureza dotou o seu esprito; mas essa fora uma fraqueza.
Tem demasiada imaginao para ver bem, e por outro lado
o raciocnio crtico peia-lhe os voos luminosos da fantasia.
V de mais para poder ser activo, ou no tem a energia
correspondente sua viso. Se a tivesse, seria verdadeira
mente um assombro. A imaginao e a razo, irredutveis
nos crebros humanos com as circunvolues limitadas que
contm, so igualmente poderosas no seu crebro para que
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qualquer delas domine. Lutam em permanncia, procurando
entender-se, combinar-se, penetrar-se, e, no deso quimri
co da sntese, desequilibram o homem, atrofiando-lhe a
energia activa. Ainda assim, felizes daqueles cuja inrcia
desse um livro comparvel a este!
Mas que as suas pginas foram escritas com sangue e
lgrimas! E di ver a vida do mais belo esprito consumir
-se em agonias de uma alma em luta consigo mesmo!
O comum da gente, ao ler as pginas deste volume, dir
ento: Quantas catstrofes, que desgraas, este homem so
freu! Que singular hostilidade do Mundo para uma cria
tura humana! -E todavia o Mundo nunca lhe foi propri
amente hostil, nenhuma desgraa o acabrunhou; a sua vida
tem corrido serena, plcida, e at, para o geral da gente, em
condies de felicidade.
L que o geral da gente no sabe que as tempestades da
imaginao so as mais duras de passar! No h dores to
agudas como as dores imaginrias. No h problemas mais
difceis do que os problemas do pensamento, nem crises mais
dolorosas do que as crises do sentimento. As agonias dila
cerantes da morte com as nsias do estertor, os horrores
mais inverosmeis dos crimes monstruosos, as aflies mais
pungentes da saudade, as tristezas mais dolorosas da soli
do, as lutas do dever com a paixo, os gritos do homem
arruinado, os ais da orandade faminta . . . tudo, tudo
quanto no Mundo pode haver de doloroso, desde a misria
at prostituio, desde o andrajo at ao veludo arrastado
pela imundcie, desde o cardo que dilacera os ps at ao
punhal que rasga o corao: tudo isto menos do que a
agonia de um poeta vendo passar diante de si, em turbilho
medonho, as lgubres misrias do Mundo. Todas as afi
es tm o seu qu de imaginativas, e por isso h apenas
uma esPcie de homens que no sentem: so os cnicos, esses
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que perderam os nervos da moralidade, anestesiados do sen
timento.
Quando se poeta como Antero de Quental, a imagina
o exacerbada vibra como as harpas que os gregos expu
nham s viraes da brisa nos ramos das rvores. Nenhum
dedo lhes feria as cordas, e todavia tocavam! Nenhuma des
sas desgraas do Mundo friu a harpa da vida do poeta; e
todavia essa harpa geme e chora; solua e grita, porque
pelas suas cordas passa o vento agreste das ideias, passa o
eco ululante do egosmo dos homens, afitivo como os uivos
de uma alcateia de lobos famintos.
I I
Esta coleco de Sonetos , portanto, ao mesmo tempo
biogrfca e cclica. Conta-nos as tempestades de um espri
to; mas essas tempestades no so os quaisquer episdios
particulares de uma vida de homem: so a reraco das
agonias morais do nosso tempo, vividas, porm, na imagi
nao de um poeta.
O primeiro perodo, de 1860-62, contm em embrio to
dos os sucessivos, da mesma forma que as fores incluem em
si a substncia dos frutos. Denuncia uma alma sensvel,
mas patenteia j a preocupao metafsica na sua fase rudi
mentar de dvida teolgica, e apresenta uns assomos de tris
teza que. so como os farrapos de nuvens quando velam in
termitentemente o Sol, deixando antever a tempestade para o
dia seguinte. Estes primeiros sonetos so o balbuciar de
uma criana. Romntica? De modo nenhum. Este poeta no
se flia em escolas, no obedece a correntes literrias: a sua
poesia exclusivamente pessoal. Sucedia, porm, que nesse
tempo j os nossos bardos classicamente romnticos tinham
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passado de moda; e a Coimbra chegavam, por via de Paris,
os ecos do esprito novo, expresso nas obras de Michelet, de
Quinet, de Vera-Hegel, etc.
Tudo isso fermentava no crebro de Antero de Quental,
mas a sua personalidade no se deixava absorver pelo opti-
mismo que, depois dos romnticos, se espalhou na Europa,
liricamente ingnuo no Ocidente afrancesado, sistematica
mente filosfico na Alemanha hegeliana. Schopenhauer,
ningum o lia. No era moda. Pois foi essa corrente, domi
nante hoje, aquela em que o nosso poeta, espontaneamente,
por um movimento do seu temperamento se achou levado.
Aos dezoito ou vinte anos, ignorante ainda, mas inquieto
e perscrutador, o poeta, que desdenha sinceramente da fama
e da glria, v no etero feminino de que nos fala Gathe
a sntese da existncia. Os seus amores j so fantsticos:
s tm realidade no Cu.
Ali, lrio dos celestes vales,
Tendo seu fim, tero o seu comeo,
Para no mais findar, nossos amores.
E se ainda o dia, a luz, o Sol, esposo amado, tm o
condo de o encher de entusiasmo, mister desconfiar de um
homem mais caprichoso do que todas as mulheres, porque
Pedindo forma, em vo, a ideia pura.
Tropeo, em sombras, na matria dura
E encontro a imperfeio de quanto existe.
Esta nota mais constitucionalmente verdadeira. Sea
a Terra degredo, o Cu destino, diz num ponto; e noutro:
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Minha alma, Deus, a outros cus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza
! pela eterna ptria que suspira ...
No acreditemos tambm demasiadamente nisto) porque
Deus no passa ainda de uma interrogao:
Pura essncia das lgrimas que choro
E sonho dos meus sonhos! Se s verdade,
Descobre-te, viso, no Cu ao menos!
As lutas irfantis deste primeiro perodo para saber se
Deus ou no verdade bastam) em si mesmo e no prprio
modo por que esto expressas) para nos mostrar que o poeta
no saiu ainda das esferas de representao elementar dos
seres para a esera compreensiva das abstraces racionais.
Os sonetos desta primeira srie desenrolam-se no terreno da
fantasmagoria transcendente. O trao mais seguro de todos
e o mais signicativo est neste verso:
Que sempre o mal pior ter nascido.
A segunda srie tem a data de 1862-66. Psicologica
mente a menos original) artisticamente a mais brilhante.
O Sonho Oriental, o Idlio, o Palcio da Ventura,
so obras-primas) at de colorido. Talvez por isso mesmo
que o estado de esprito do poeta o no obrigava a tirar
tanto de si) e porque nesta poca viveu mais lei da nature
za; talvez por isso mesmo a sentiu e pintou melhor nas suas
cores) nas suas imagens.
A nebulose do primeiro perodo comeava a resolver-se
numa tragdia mental) que umas vezes tem os sonhos dos
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que mastigam haxixe, outras vezes frias de desespero, iro
nias como punhais e gritos lancinantes:
Se nada h que me aquea esta frieza,
Se estou cheio de fel e de tristeza,
! de crer que s eu seja o culpado ..
Meu pobre amigo, como foi amarga esta poca! Outros
sofreram tambm, outros penaram iguais dores, sem conse
guirem porm estrangular os monstros que deendem os di
tos do templo da Sabedoria. Reine e Espronceda, Nerval e
Baudelaire viveram vidas inteiras nesse estado de ironia e
de sarcasmo, de desespero e de raiva, de orgia e de abati
mento, de fria e de atonia, que para ti representam quatro
anos apenas!
Mas que no havia em nenhum desses homens a semente
de abstraco que se descobre no Palcio da Ventura:
Abrem-se as portas de ouro, com fragor ...
Mas dentro encontro s, cheio de dor,
Silncio e escurido -e nada mais!
Os romnticos, mais ou menos satanistas ou sataniza
dos,jcavam-se por aqui. Achando apenas silncio e escuri
do onde tinham sonhado venturas, ou davam em bbedos,
como Espronceda, ou suicidavam-se, como Nerval, ou fa
; iam-se cnicos, maneira de Baudelaire, cultivando com
amor a Flores do Mal.
De 1864 a 74, nesses dez anos em que a tempestade
caminha, v-se o silncio e a escurido, que antes sur
giam como surpresas medonhas, ganharem um lugar apro
priado, embora eminente, no regime das coisas; v-se o es-
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prito do flsofo reagir sobre o temperamento do poeta, e
torar-se sistema o que at a era fria. Bom prenncio.
Nesta poca Antero de Quental niilista como flsofo,
anarquista como poltico; tudo o que for negativo, tudo o
que for excessivo; e -o de um modo to terminante, to
dogmtico e to afrmativo, que por isso msmo hesitamos
em crer na conscincia com que o . Da sinceridade no
lcito duvidar, mas contra a segurana depe a prpria vio
lncia. A nevrose contempornea, que produzira nele a ter
ceira poca, d de si ainda a quarta; mas se pde galgar a
saltos por entre a floresta incendiada que devorou e consu
miu os satnicos, no poder tambm sair da estpe lgubre
onde apodrecem os pessimistas, embriagados na negao
universal, sem se lembrarem de que so contraditrios no
prprio facto de pregarem o que quer que seja?
Ora a isto responde esta prpria srie, porque, ao lado
dos sonetos crepuscularmente desolados, levantam-se como
auroras os sonetos esticos. Para curar o poeta da vertigem
satnica serviu-lhe a metafisica pessimista; para o curar
mais tarde dessa metafisica, servir-lhe- a reaco do senti
mento moral sobre a razo especulativa. Quando pede
Mais Luz, quando chama ao Sol o claro sol amigo dos
heris, quando dene a Ideia acabando por estes versos
diamantinos:
A Ideia, o Sumo bem, o Verbo, a Essncia,
S se revela aos homens e s naes
No cu incorruptvel da Conscincia!
sentimo-nos bem distantes das fantasmagorias do princpio
e das loucuras da viagem, que todavia o poeta no terminou
ainda.
Lutando furioso contra a desiluso, caindo esmagado
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pelo aniquilamento, Antero de Quental ensimismou-se
(para usar de uma feliz expresso espanhola), meteu-se
dentro de si, a ss consigo, apelou para as energias do seu
instinto de homem, e foi isso que lhe insPirou o belo Hino
Razo.
Porm, na luta entre o temperamento de estico e a ima
ginao metafsica, o seu esprito atribulado no conseguiu
manter o equilbrio, porque as suas exigncias de crtico e
filsofo (alimentadas agora por leituras variadssimas e
profundas) contrariavam ou contradiziam as suas vises de
poeta. maneira que a inteligncia se lhe cultivava, que o
saber lhe crescia, que a experincia o educava com mais de
um caso doloroso ou apenas triste -apurava-se-lhe a ima
ginao at ao ponto de ver claramente o que para o comum
dos espritos so apenas concepes do entendimento abs
tracto. A sua poesia despe-se ento de acessrios: no h
quase uma imagem; h apenas linhas, mas essas linhas de
esttuas incorpreas tm uma nitidez dantesca.
O seu pessimismo torna-se sistemtico: uma flosofia
inteira, a que corresponde, como expresso sentimental, a
ironia transcendente. Na Disputa em Famlia, Deus res
ponde aos ateus:
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Muito antes de nascerem vossos pais
Dum barro vil, ridculas crianas,
Sabia eu tudo isso ... e muito mais!
No Inconsciente, este heri metafisico diz assim:
Chamam-me Deus h mais de dez mil anos ...
Mas eu por mim no sei como me chamo.
N'A Divina Comdia, os homens queixam-se aos deu
ses do que sofrem, invectivando-os por os terem criado:
Mas os deuses, com voz ainda mais triste,
Dizem: -Homens! porque que nos criastes?
Como se v, houve um progresso. No perodo anterior a
negao era violenta e terminante; agora tem como expres
so a ironia, que uma das formas conhecidas do saber e
uma das linguagens da verdade. Eis a o que a reaco
moral conseguiu, acompanhada pelo esclarecimento da ra
zo,
da inteligncia e do conhecimento. O antigo poeta sa
tnico, transformado em um niilista, vemo-lo agora na pele
de um pessimista sistemtico, sorrindo j bondosamente,
com a ironia nesses prprios lbios, que, primeiro cobertos
de espuma, depois nos apareciam brancos de agonias.
No tinha eu razo para chamar cclica a esta coleco
de sonetos? No tem sido este o movimento das ideias, a
evoluo do pensamento criador na segunda metade do nosso
sculo?
Quando escreveu o primeiro soneto da quarta srie (1880-
-84)
J sossega, depois de tanta luta,
J me descansa em paz o corao ...
Antero de Quental resolveu destruir todas as suas poesias l
gubres. Sentia remorsos por alguma vez ter estado numa
disposio de nimo que agora coniderava com horror. Enten
dia que esses versos ttricos no podiam consolar ningum e
fariam mal a muita gente. Destruiu-os, pois, com aquela vio
lncia prpria de um carcter intermitentemente meigo e fen
tico como o de uma mulher. Desse naufrgio, onde se per-
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deram verdadeiras obras-primas, salvei eu as poesias que vo
no fm deste ensaio; e salvei-as porque as possua entre os
originais remetidos em cartas, e mais de uma vez como texto de
notcias do estado do seu esprito, ou cartas rimadas.
Que espcie de paz era porm essa em que o seu corao
descansava? Era o Nirvana:
E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar coisas naturais,
^ bela luz da vida, ampla, infnita,
S v com tdio em tudo que quanto fita
A iluso e o vazio universais.
o Nirvana o cu do budismo, a religio mais
j
losfca
e menos fantasmagrica inventada pelos homens. E por este
motivo que o budismo atrai hoje em dia todos os espritos a
um tempo racionalistas e msticos, desta poca em tudo se
melhante alexandrina, menos no volume do saber positivo,
que j se no compadece com muitas das teorias sobre que os
neoplatnicos especulavam. A teoria da Substncia levou-os
a eles a uma concepo do Ser que produziu o mito do Verbo
cristo, encarado popularmente em Jesus Cristo. Ora hoje
tudo isso vale apenas como documento histrico, e, por para
doxal que isso parea, o No-Ser , segundo a metafisica
contempornea, a essncia de tudo o que existe. O Absoluto
o Nada. O Universo, a realidade inteira, so modalida
des, aspectos fugitivos, que s se tornam verdades racionais
quando nos aparecem desPidas de todos os acidentes.
E como pelos acidentes apenas que ns, distinguindo-as,
as conhecemos, a realidade verdadeiramente e em si nada.
Religiosamente, Nada igual a Nirvana; e o budismo
20
a nica religio que atingiu esta concluso sumria do i-
samento cientico modero. O Nirvana esse estado em que
os seres, despindo-se de todas as suas modalidades e acidell
tes, de todas as condies de realidade, condies que os
limitam distinguindo-os entre si, adquirem a no-realidade
(o no contingente) e com ela a existncia absoluta e a
absoluta liberdade. Essa liberdade o tiPo e a essncia da
vida espiritual; e o Nirvana, puro No-Ser para a inteli
gcia, , para o sentimento moral, o smbolo e o veculo de
toda a perfeio e virtude: radicalmente negativo na esfra
da razo, , na esfera do sentimento absolutamente afirma
tivo. O pessimismo tora-se desta forma um optimismo gi
gantesco; toda a inrcia condenada, e o sistema das coisas,
agitando-se, movendo-se na direco do aniquilamento f
nal, move-se e agita-se no sentido de uma liberdade evoluti
vamente progressiva, at atingir a plenitude. O Universo
uma grande vida que tem, no termo, o termo de todas as
vidas -a morte, idealizada agora e torada luminosa e
apetecvel por essa idealizao.
Leiam-se os dois sonetos Redeno, talvez os mais
belos de todo o livro, e compreender-se- melhor o que fica
dito. Leia-se o Elogio da Morte,
Dormirei no teu seio inaltervel,
Na comunho da paz universal,
Morte libertadora e inviolvel!
e ver-se- quanto estamos longe do desespero trgico de ou
tros anos. A tempestade acalmou,
Na esfera do invisvel, do intangvel,
Sobre desertos, vcuo, soledade,
Voa e paira o esprito impassvel,
2 1
presidindo evoluo dos seres (v. o soneto Evoluo),
desde a rocha at ao homem, evoluo que seria absoluta
mente inexpressiva se no tivesse um destino, um fim, um
ideal. A teoria do progresso indefnido , com efeito, racio
nalmente absurda. Esse destino, para os neobudistas, o
Nada transcendente; esse ideal a Liberdade. A existncia
est, pois, consagrada racionalmente: falta consagr-la
sentimentalmente. Falta ainda ao sistema um medianeiro:
o Amor.
Porm o corao, feito valente
N a escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,
Respondeu: Desta altura vejo o amor!
Viver no foi em vo, se isto a vida,
Nem foi demais o desengano e a dor.
o Universo est pois construdo e santifcado na mente
do poeta e na razo do filsofo. Dir-se- portanto que a
quimera, de que a princPio falmos, ficou desvendada, o
problema resolvido, conciliada a viso com a razo, e que
nos no resta mais do que fazermo-nos todos budistas? Su
prema iluso.' Creia-o embora o poeta; eu, como crtico,
observando que o pensamento humano, desde que existe e
trabalha, progride sempre, com efeito, mas progride em trs
estradas paralelas que, por serem paralelas, nunca podem
encontrar-se, atrevo-me a afirmar a irredutabilidade do
misticismo, racional ou imaginativamente concebido, e do
naturalismo, ponderada ou orgiacamente realizado. Atrevo
-me a dizer que estes dois feitios ou temperamentos so
constitucionais do esprito humano, e que da coexistncia
necessria deles resulta um terceiro -o cptico, o crtico, o
22
que provm da comparao de ambos, e por isso no tem cor,
nem afirmativo; dando-se melhor com a natureza do que
com a fantasmagoria, preferindo a harmonia mais ou me
nos equilibrada, ou mais ou menos claudicante do hele
nismo, orgia desenfreada dos orientais; considerando a
existncia como um compromisso, o dever como uma condi
o da vida, mas tambm a fraqueza como uma condio
dos homens. Estes trs temperamentos so correspondentes a
tipos eteros e irredutveis da conscincia humana; e, se o
budismo a melhor religio para um mstico do sculo XIX,
saturado de cincia e derreado de cogitaes, o cristianismo,
como directo herdeiro do helenismo, h-de eteramente sa
tisfazer melhor os cpticos e os naturalistas, cujo nmero e
foi sempre infinitamente maior, entre os europeus.
Um helenismo coroado por um budismo, eis a frmula
com que mais de uma vez Antero de Quental me tem expri
mido o seu pensamento -a sua quimera! Quimera, digo,
porque a coroa no nos pode assentar na cabea, sob pena de
a crivar de esPinhos e de a deixar escorrendo sangue. Fun
dar o princPio da aco na inrcia sistemtica, a realidade
no No-Ser, a vida no aniquilamento, s praticamente
aceitvel para o comum dos homens quando acreditem na
metempsicose, dogma to infantilmente mtico do budismo
como, v. g. , o infero do cristianismo. Ao cristianismo,
porm, tirando-se-lhe tudo quanto a imaginao semita deu
para a sua formao, fica ainda o helenismo, isto , um
idealismo mais ou menos pantesta e uma teoria moral -
coisas que eu no afrmo que resistam a uma anlise rigorosa
mente lgica, por isso mesmo que todo o nosso conhecimen
to rcional das coisas assenta apenas sobre axiomas do senso
comum -ao passo que, em se tirando a metem psicose ao bu
dismo, o budismo reduz-se a uma nvoa de abstraces.
Pobre humanidade, se se visse condenada coroao bu-
23
dista! Ns, europeus, incapazes de nos sujeitarmos ao re
gime de contemplao inerte, sofreramos as agonias, ex
perimentaramos as afies do poeta, que, tendo no peito
um corao activo, tem na cabea uma imaginao mstica,
e, para obedecer ao pensamento, tortura o corao, sem po
der tambm esmag-lo sob o mando da inteligncia.
Deste cruel estado vm os documentos que atestam a
transformao sofrida pela ironia dos perodos anteriores.
Que nome se h-de dar ao sentimento que insPira os sonetos
^Virgem Santssima e o Na Mo de Deus, que fecha
o volume? Eu, por mim, chamarei humorismo transcendente
a essa liga ntima da Piedade e da ironia, e declaro que
nunca vi coisa parecida posta em verso. Em prosa, h mais
de um perodo de Renan insPirado por um esprito seme
lhante, embora menos agudo.
viso, viso triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa,
E deixa-me sonhar a vida inteira!
A viso a Virgem Santssima, e a poesia to sincera,
to verdadeira, to cheia de Piedade e uno, que eu sei de
mais de um livro de rezas onde andam cPias escritas.
Dorme o teu sono, corao liberto,
Dorme na mo de Deus eternamente!
Um monge cristo escreveria isto. E Antero de Quental
nem cristo, nem cr em Deus, nem ria Virgem, segundo o
sentido ordinrio da palavra crer.
Blasfemar era bom noutros tempos; para a ironia tam
bm a idade passou; finalmente para o exerccio literrio
24
nunca se inclinou a pena que o poeta molhou sempre no seu
sangue. Como explicar) pois) o fnmeno?
Por acaso subiu j o leitor ao cume de um monte suficien
temente alto para que toda a paisagem lhe aparecesse
vista)fundida ao ponto de no distinguir uma rvore de um
casal) nem um rio de um vale sem curso de gua? Pois
sucede assim nas camPinas da histria do pensamento hu
mano) quando as olhamos das cumeadas luminosas da cr
tica. Vem-se as coisas na sua essncia) no importam os
acidentes. O fetiche que o selvagem adora) a imagem
perante a qual se prostra o comum dos crentes) o arquitecto
universal dos pensadores livres) e finalmente esse q uid ino
minado a que a filosofa modema chamou Insconsciente -
tudo isso igualmente Deus: somente Deus percebido
pela inteligncia vulgar) Deus percebido pelo saber inci
piente) e Deus finalmente incompreendido) mas sentido)
pela sabedoria. E todas essas modalidades de uma mesma
impresso) recebida e representada de forma diversa) con
soante a natureza e o estado de educao dos homens) so
igualmente verdadeiras) igualmente santas e igualmente hu
morsticas) para aquele que tem corao para sentir as coi
sas por dentro e olhos para as ver de fora - objectiva
mente) como os alemes dizem) e ns diremos criticamente.
Eis a a suprema liberdade do esprito) o Nirvana apenas
intelectual) a que eu prefiro chamar impassibilidade subjec
tiva: um estado que permite compreender todas as coisas)
analisando-as e classifcando-as) sem todavia nos transmi
tir essa espcie de frialdade de corao) prpria dos natura
listas quando estudam uma rocha) uma planta ou um ani
mal. O filsofo) impassvel ao analisar e classificar os fe
nmenos do esprito humano) h-de misturar ao sorriso que
provocam todas as vaidades e iluses o amor que merecem
todos os sentimentos ingnuos e fundamentalmente bons)'
25
h-de aliar compreenso da nulidade extrnseca das coisas
a compreenso da sua excelncia intrnseca; exigindo que o
homem sea activo, porque a actividade boa por ser indis
pensvel sade do esprito, embora os objectos da activi
dade sejam as ,mais das vezes -ritos e nulos, quando consi
derados em si prprios e isoladamente.
E eis a as razes por que no sou budista . . . nem Antero
de Quental o , embora julgue s-lo. A evoluo dolorosa
que terminou com o seu ltimo soneto, esta longa e tempes
tuosa viagem atravs do mar tenebroso da fantasia metafi
sica, parece ter concludo. A idade, talvez, acima de tudo,
trouxe ao esPrito de poeta uma paz iluminada de bondade e
sabedoria: e como a sua alma s e a sua inteligncia firme
e sempre activa, mais que provvel que o declinar da vida
de Antero de Quental enriquea o peclio, por sinal bem
pobre, da filosofia portuguesa com algum trabalho to
digno de se conservar na memria dos tempos como estes
Sonetos, que so as amargas fores de uma mocidade. Es
se trabalho, porm, no ser um catecismo budista, no
pode ser nenhuma revelao milagrosa do verdadeiro sis
tema, porque a sabedoria nos diz que toda a pretenso da
Verdade ilusria, pois sendo ns, a nossa inteligncia, os
nossos pensamentos, simples e fugitivas contingncias,
loucura pensar que jamais possamos definir o Absoluto.
Cada qual sente-o a seu modo, segundo o seu tempera
mento; e sbio aquele que se limita a registar as relaes
das coisas.
III
Quem diante destes versos no sentir elevar-se-lhe o es
prito, como numa orao, quela espcie de Deus que
26
compatvel com o seu temperamento ou com o estado de edu
cao do seu pensamento, porque tem dentro do peito, no
lugar do corao, um seixo polido e frio. Quem, no meio do
lidar da vida, roando os braos pelas arestas cortantes que
a eriam de ngulos, pousar o olhar da. alma sobre um
destes sonetos e no sentir o que os sequiosos sentem ao
encontrarem um arroio de gua lmPida, porque tem a
alma feita apenas de egosmo. Quem, emergindo dos mon
tes de papelada que as imprensas vomitam diariamente,
deitar os olhos sobre estas pginas e no sentir o deslumbra
mento que os diamantes produzem, porque a sua vista se
embaciou com o exame dos livros grosseiros em todo o sen
tido, e a sua lngua perdeu o hbito de falar portugus.
Um dos nossos queridos amigos, um dos que conhecem de
perto Antero de Quental -e somente o conhece quem com
ele viveu largo tempo na intimidade -, interroga-me
geralmente deste modo: E santo Antero, como vai?
Di

lo com a convico quente dos artistas, mas eu, que o


no sou, tenho a pr embargos, porque a santidade no
planta adequada ao clima do nosso tempo. Exige uma por
o de sentimento ingnuo que j no h nos ares que res
piramos.
A vida contemplativa, porm, a vida asceta inclusiva
mente: essa virtude austera para consigo, tolerante para
com tudo e para com todos; esse observar constante de si
prprio e o dispensar de um sorriso sempre bom, embora
indiferente com frequncia, aos que alguma vez o rodeiam;
a caridade, o amor, a abnegao, as te
n
taes, as crises, as
lgrimas, as afies, as dvidas cruciantes e as dores an
gustiosas: tudo o que, reunido, forma uma mstica -tudo
isso mora na alma deste poeta arrebatada pela viso inex
tinguvel do Bem.
27
S no meu corao, que sondo e meo,
No sei que voz, que eu mesmo desconheo,
Em segredo protesta e afirma o Bem.
E para nada faltar a este mstico, anacronicamente per
dido no meio do burburinho de um sculo activo at de
mncia, tem tambm uma f ardente -uma f budista.
Somente o seu Deus, Deus sem vontade, sem inteligncia e
sem conscincia, para ns outros, a quem so vedados os
mistrios da metafsica budista, igual a coisa nenhuma.
Este homem, fundamentalmente bom, se tivesse vivido no
sculo VI ou no sculo XIII, seria um dos companheiros de
S. Bento ou de S. Francisco de Assis. No sculo XIX um
excntrico, mas desse feitio de excentricidade que indispen
svel, porque a todos os tempos foram indispensveis os
hereges, a que hoje se chama dissidentes.
OLIVEIRA MARTINS
SONLJOS
QUINZE ANOS
Eu amo a vasta sombra das montanhas,
Que estendem sobre os largos continentes
Os seus braos de rocha negra, ingentes,
Bem como braos colossais de aranhas.
Dali o nosso olhar v to estranhas
Coisas por esse Cu! e to ardentes
Vises, l nesse mar de ondas trementes!
E s estrelas, dali, v-as tamanhas !
Amo a grandeza misteriosa e vasta . . .
A grande ideia, como a flor e o vio
Da rvore colossal que nos domina . . .
Mas tu, criana, s tu boa . . . e basta:
Sabe amar e sorrir. . . pouco isso?
Mas a ti s te quero pequenina!
3 1
PEQUENINA
Eu bem sei que te chamam pequenina
E tnue como o vu solto na dana,
Que s no j uzo apenas a criana,
Pouco mais, nos vestidos, que a menina ...
Que s o regato de gua mansa e fina,
A folhinha do til que se balana,
O peito que em correndo logo cansa,
A fronte que ao sofrer logo se inclina . . .
Mas, flha, l nos montes onde andei,
Tanto me enchi de angstia e de receio
Ouvindo do infinito os fundos ecos,
Que no quero imperar nem j ser rei
Seno tendo meus reinos em teu seio
E sbditos, criana, em teus bonecos!
32
A M. C.
No busco nesta vida glria ou fama:
Das turbas que me importa o vo rudo?
Hoje, Deus . . . e amanh, j esquecido,
Como esquece o claro de extinta chama!
Foco incerto, que a luz j mal derrama,
Tal essa ventura: eco perdido,
Quanto mais se chamou, mais escondido
Ficou inerte e mudo voz que o chama.
Dessa coroa cada flor um engano,
miragem em nuvem ilusria,
mote vo de fabuloso arcano.
Mas coroa-me tu; na fronte inglria
Cinge-me tu o louro soberano . . .
Vers, vers ento s e amo essa glria!
33
A M. C.
Ps-te Deus sobre a fronte a mo piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: vai, fi lha, s formosa!
E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste neste solo angustiado,
Estrela envolta num claro sagrado,
Do teu lmpido olhar na luz radiosa . . .
Mas eu . . . posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que vedado,
Anjo! deu-te o Senhor um mundo parte.
E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais . . . a mim o que me h dado?
Voz que te cante e uma alma para amar-te!
34
A M. C.
Porque descrs, mulher, do amor, da vida?
Porque esse Herman transformas em Calvrio?
Porque deixas que, aos poucos, do sudrio
Te aperte o seio a dobra humedecida?
Que viso te fugiu, que assim perdida
Buscas em vo neste ermo solitrio?
Que signo obscuro de cruel fadrio
Te faz trazer a fronte ao cho pendida?
Nenhum! intacto o bem em si assiste:
Deus, em penhor, te deu a formosura:
Bnos te manda o Cu em cada hora.
E descrs do viver? . . E eu, pobre e triste,
Que s no teu olhar leio a ventura,
Se tu descrs, em que hei-de eu crer agora?
35
A
M. C.
No Cu, se existe um cu para quem chora,
Cu para as mgoas de quem sofre tanto . . .
Se l do amor o foco, puro e santo,
Chama que brilha, mas que no devora . . .
No Cu, se uma alma nesse espao mora,
Que a prece escuta e enxuga o nosso pranto . . .
Se h pai, que estenda sobre ns o manto
Do amor piedoso . . . que eu no sinto agora . . .
No Cu, virgem! findaro meus males:
Hei-de l renascer, eu que pareo
Aqui ter s nascido para dores.
Ali, lrio dos celestes vales !
Tendo seu fm, tero o seu comeo,
Para no mais findar, nossos amores.
36
DESESPERANA
Vai-te na asa negra da desgraa,
Pensamento de amor, sombra duma hora,
Que abracei com delrio, vai-te embora,
Como nuvem que o vento impele . . . e passa
Que arrojemos de ns quem mais se abraa,
Com mais nsia, nossa alma! e quem devora
Dessa alma o sangue, com que mais vigora,
Como amigo comungue mesma taa!
Que seja sonho apenas a esperana,
Enquanto a dor eternamente assiste,
E s engane nunca a desventura!
Se em silncio sofrer fora vingana! . . .
Envolve-te e m ti mesma, alma triste,
Talvez sem esperana haj a ventura!
37
SONHO ORIENTAL
Sonho-me s vezes rei, nalguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite balsmica e fulgente
E a lua cheia sobre as guas brilha . . .
O aroma da magnlia e da baunilha
Paira no ar difano e dormente . . .
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha . . .
E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto num cismar sem fi m,
Tu, meu amor, divagas ao luar,
Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos ps um leo familiar.
38
A SULAMITA
Ego dormio, el cor meU/II vigilal.
Cntico dos Cnticos
Quem anda l por fora, pela vinha,
Na sombra do luar meio encoberto,
Subtil nos passos e espreitando incerto,
Com brando respirar de criancinha?
Um sonho me acordou . . . no sei que tinha . . .
Pareceu-me senti-lo aqui to perto . . .
Sej a alta noite, sej a num deserto,
Quem ama at em sonhos adivinha . . .
Moas da minha terra, ao meu amado
Correi, dizei-lhe que eu dormia agora,
Mas que pode ir contente e descansado,
Pois se to cedo adormeci, conforme
meu costume, olhai, dormia embora,
Porque o meu corao que no dorme . . .
39
AMOR VIVO
Amar! mas dum amor que tenha vida . . .
No sejam sempre tmidos arpejos,
No sejam s delrios e desejos
Duma doida cabea escandecida . . .
Amor que viva e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser -e no s beij os
Dados no ar -delrios e desejos -
Mas amor . . . dos amores que tm vida . . .
Sim, vivo e quente! e j a luz do dia
No vir dissip-lo nos meus braos
Como nvoa da vaga fantasia . . .
Nem murchar do Sol chama erguida . . .
Pois que podem os astros dos espaos
Contra uns dbeis amores . . . se tm vida?
40
ACORDANDO
Em sonho, s vezes, se o sonh

r quebranta
Este meu vo sofrer, esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o Cu a minha alma sobe e canta.
Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao Mundo traz piedosa mais um dia . . .
Canta o enlevo das coisas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta . . .
Mas, de repente, um vento hmido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda. -A noite negra e muda: a dor
C vela, como dantes, ao meu lado . . .
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
So sonho s, e sonho o meu amor!
41
IDEAL
Aquela que eu adoro no feita
De lrios nem de rosas purpurinas,
No tem as formas lnguidas, divinas,
Da antiga Vnus de cintura estreita . . .
No a Circe, cuj a mo suspeita
Compe fltros mortais entre runas,
Nem a Amazona, que se agarra s crinas
Dum corcel e combate satisfeita . . .
A mi m mesmo pergunto, e no atino
Com o nome que d a essa viso,
Que ora amostra ora esconde o meu destino . . .
como uma miragem que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solido,
Nuvem, sonho impalpvel do Desejo . . .
42
ABNEGAO
Chovam lrios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glria na tua alma!
Hinos de glria e adorao e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!
D-te estrelas o Cu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palma,
E quando surge a Lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fm seu preguioso rolo!
E nem sequer te lembres de que eu choro . . .
Esquece at, esquece, que t e adoro . . .
E ao passares por mim, sem que me olhes,
Possam das minhas lgrimas cruis
Nascer sob os teus ps flores fiis,
Que pises distrada ou rindo esfolhes!
43
VISITA
Adornou o meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o .de almscar rescendente;
Vesti-me com a prpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo:
Ungi as mos e i face com o nardo
Crescido nos j ardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Misteriosa visita a quem aguardo.
Mas que flha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre hmida pousada? . . .
Nem princesas, nem fadas . Era, for,
Era a tua lembrana que batia

s portas de ouro e luz do meu amor!


44
APARIO
Um dia, meu amor, (e talvez cedo,
Que j sinto estalar-me o corao! )
Recordars com dor e compaixo
As ternas j uras que te fiz a medo . . .
Ento, da casta alcova no segredo,
Da lamparina no trmulo claro,
Ante ti surgirei, espectro vo,
Larva fugida ao sepulcral degredo . . .
E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenders os braos
Tentando segurar-te aos meus vestidos . . .
- Ouve! espera! - Mas eu, sem t e escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraos
E como fumo sumir-me-ei no ar!
45
JURA
Pelas rugas da fronte que medita ...
Pelo olhar que interroga -e no v nada . ..
Pela misria e pela mo gelada
Que apaga a estrela que nossa alma fi ta ...
Pelo estertor da chama que crepita
No ltimo arranco duma luz minguada ...
Pelo grito feroz da abandonada
Que um momento de amante fez maldita . . .
Por quanto h de fatal, por quanto h misto
De sombra e de pavor sob uma lousa ...
pomba meiga, pomba da esperana!
Eu to juro, menina, tenho visto
Coisas terrveis -mas jamais vi coisa
Mais feroz do q ue um riso de criana!
46
A UMA AMIGA
Aqueles, que eu amei, no sei que vento
Os dispersou no Mundo, que os no vejo . . .
Estendo os braos e nas trevas beijo
Vises que noite evoca o sentimento . . .
Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos . . . que eu invejo . . .
Passam por mim, mas como que tm pejo
Da minha soledade e abatimento!
Daquela primavera venturosa
No resta uma for s, uma s rosa . . .
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!
Tu s foste fiel - tu, como dantes,
lnda volves teus olhos radiantes . . .
Para ver o meu mal . . . e escarnec-lo!
47
SONHO
Sonhei - nem sempre o sonho coisa v -
Que um vento me levava arrebatado,
Atravs desse espao constelado
Onde uma aurora eterna ri lou . . .
As estrelas, que guardam a manh,
Ao verem-me passar triste e calado,
Olhavam-me e diziam com cuidado:
Onde est, pobre amigo, a nossa irm?
Mas eu baixava os olhos, receoso
Que trassem as grandes mgoas minhas,
E pssava furtivo e silencioso,
Nem ousava contar-lhes, s estrelas,
Contar s tuas puras irmzinhas,
Quanto s falsa, meu bem, e indigna delas!
48
NA CAPELA
Na capela, perdida entre a folhagem,
O Cristo l no fundo agonizava . . .
Oh! como intimamente s e casava
Com minha dor a dor daquela imagem!
Filhos ambos do amor, igual miragem
Nos roou pela fronte, que escaldava . . .
Igual traio, que o afecto mascarava,
Nos deu suplcio s mos da vilanagem . . .
E agora, ali, enquanto da foresta
A sombra se infiltrava lenta e mesta,
Vencidos ambos, mrtires do Fado,
Fitvamo-nos mudos -dor igual! -
Nem, dos dois, saberei dizer-vos qual
Mais plido, mais triste e mais cansado . . .
49
mLIO
Quando ns vamos ambos, de mos dadas,
Colher nos vales lrios e boninas,
E galgamos dum flego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;
Ou, vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantsticas runas,
Ao longe, no horizonte, amontoadas:
Quantas vezes, de sbito, emudeces!
No sei que luz no teu olhar futua;
Sinto-me tremer-te a mo, e empalideces . . .
O vento e o mar murmuram oraes,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos coraes.
50
BEATRICE
Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,
Se foi a nuvem de ouro ideal que eu vira erguida;
Depois que vi descer, baixar no cu da vida
Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:
Depois que sobre o peito os braos apertando
Achei o vcuo s, e tive a luz sumida
Sem ver j onde olhar, e em todo vi perdida
A flor do meu j ardim, que eu mais andei regando:
Retirei os meus ps da senda dos abrolhos,
Virei-me a outro cu, nem ergo j meus olhos
Seno estrela ideal, que a luz do amor contm . . .
No temas pois -Oh vem! o Cu puro, e calma
E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma . . .
A alma! no a vs tu? mulher, mulher! oh vem!
5 1
A UM POETA
Surge el ambu/a!
Tu que dormes, esprito sereno,
Posto sombra dos cedros seculares,
Como um l evita sombra dos altares,
Longe da l uta e do fragor terreno,
Acorda! tempo! O sol, j alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares . . .
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera s um aceno . . .
Escuta! a grande voz das multides!
So teus irmos, que se erguem! so canes . . .
Mas de guerra . . . e so vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
52
jUSTITIA MATER
N as florestas solenes h o culto
Da eterna, ntima fora primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do corao, em seu combate inulto:
No espao constelado passa o vulto
Do inominado Algum, que os sis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e afl itiva
Dum Deus que luta, poderoso e inculto.
Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue mdida, a revolta,
Como incndio que um vento bravo atia,
H mais alta misso, mais alta glria:
O combater, grande luz da histria,
Os combates eternos da Justia!
53
TESE E ANT TESE
I
J no sei o que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, luz da barricada,
Como bacante aps lbrica ceia!
Sanguinolento o olhar se lhe incendeia . . .
Respira fumo e fogo embriagada . . .
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-Ia presa das frias de Medeia!
Um sculo irritado e truculento
Chama epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obus . . .
Mas a ideia num mundo inaltervel,
Num cristalino Cu, que vive estvel . . .
Tu, pensamento, no s fogo, s luz!
54
II
Num Cu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectculo divino:
Mas o homem, na terra onde o destino
O lanou, vive e agita-se incessante . . .
Enche o ar da terra o seu pulmo possante . . .
C da terra blasfema ou ergue um hino . . .
A ideia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar so chamas que crepitam,
Paixes ardentes como vivos sis!
Combatei pois na terra rida e bruta,
T que a revolva o remoinhar da luta,
T que a fecunde o sangue dos heris
55
MAIS LUZ!
A Gui/hemze de Azevedo
Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossveis,
E os que se inclinam, mudos e impassveis,
borda dos abismos silenciosos . . .
Tu, Lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensveis,
Tanto aos vcios cruis e inextinguveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!
Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.
Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Sej a-me dado ainda ver, morrendo,
O claro Sol, amigo dos heris!
56
A UM CRUCIFIXO
No se perdeu teu sangue generoso,
Nem padeceste em vo, quem quer que foste,
Plebeu antigo, que amarrado ao poste
Morreste como vil e faccioso.
Desse sangue maldito e ignominioso
Surgiu armada uma invencvel hoste . . .
Paz aos homens e guerra aos deuses! - ps-te
Em vo sobre um altar o vulgo ocioso . . .
Do pobre que protesta foste a imagem:
Um povo em ti comea, um homem novo:
De ti data essa trgica linhagem.
Por isso ns, a Plebe, ao pensar nisto,
Lembraremos, herdeiros desse povo,
Que entre nossos avs se conta Cristo.
57
HINO RZO
Razo, irm do Amor e da Justia,
Mais uma vez escuta a minha prece,
a voz dum corao que te apetece,
Duma alma livre, s a ti submissa.
Por ti que a poeira movedia
De astros e sis e mundos permanece;
E por ti que a virtude prevalece,
E a flor do herosmo medra e via.
Por ti, na arena trgica, as naes
Buscam a liberdade, entre clares;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,
Por ti, podem sofrer e no se abatem,
Me de fi lhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
58
DESPONDENCY
Deix-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade . . .
Que a leve o ar sem fm da soledade
Onde as asas partidas a levaram . . .
Deix-la ir, a vela que arroj aram
Os tufes pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram . . .
Deix-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu f e paz e confiana,
morte queda, morte silenciosa . . .
Deix-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo . . . e a ltima esperana . . .
E a vida . . . e o amor . . . deix-la ir, a vida!
59
o PALCI O DA VENTUR
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palcio encantado da Ventura!
Mas j desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada j, rota a armadura . . .
E eis que sbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e area formosura!
Com grandes golpes bato porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado . . .
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d' ouro, com fragor . . .
Mas dentro encontro s, cheio de dor,
Silncio e escurido -e nada mais!
60
AJ. FLIX DOS SANTOS
Sempre o futuro, sempre! e o presente
Nunca! Que sej a esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E s farte o desejo um bem ausente!
Ai ! que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperana nos consiste,
Chega . . . presente . . . e s dor assiste? . .
Assim, qual a esperana que no mente?
Desventura ou delrio? .. O que pro.curo,
Se me foge, miragem enganosa,
Se me espera, pior, espectro impuro . . .
Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.
61
LAMENTO
Um dilvio de luz cai da montanha:
Eis o dia! eis o Sol! o esposo amado!
Onde h por toda a Terra um s cuidado
Que no dissipe a luz que o Mundo banha?
Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde h ser de Deus to olvidado
Para quem paz e alvio o Cu no tenha?
Deus Pai ! Pai de toda a criatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus fi lhos o mal sempre lembrado . . .
Ah! s e Deus a seus filhos d ventura
Nesta hora santa . . . e eu s posso ser triste . . .
Serei fi lho, mas fi lho abandonado!
62
A ALBERTO TELES
S -Ao ermita sozinho na montanha
Visita-o Deus e d-lhe confiana:
No mar, o nauta, que o tufo balana,
Espera um sopro amigo que o Cu tenha . . .
S! -Mas quem s e assentou em riba estranha,
Longe de seus, l tem inda a lembrana;
E Deus deixa-lhe ao menos a esperana
Ao que noite solua em erma penha . . .
S! -No o quem na dor, quem nos cansaos,
Tem um lao que o prenda a este fadrio,
U ma crena, um desejo . . . e inda um cuidado . . .
Mas cruzar, com desdm, inertes braos,
Mas passar, entre turbas, solitrio,
I sto ser s, ser abandonado!
63
A SANTOS VALENTE
Estreita do prazer na vida a taa:
Largo, como o oceano largo e fundo,
E como ele em venturas infecundo,
O clix amargoso da desgraa.
E contudo nossa alma, quando passa,
I ncerta peregrina, pelo Mundo,
Prazer s pede vida, amor fecundo,
com essa esperana que se abraa.
lei de Deus este aspirar imenso . . .
E contudo a iluso imps vida,
E manda buscar luz e d-nos treva!
Ah! se Deus acendeu um foco intenso
De amor e dor em ns, na ardente lida,
Porque a miragem cria . . . ou porque a leva?
64
AMARITUDO
S por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo Mundo e em ansiedade
Meu prprio corao em mim supulto.
De templo em templo, em vo, levo meu culto,
Levo as flores duma ntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escrnio e insulto.
beira do caminho me assentei . . .
Escutarei passar agreste vento,
Exclamando: assim passe quanto amei! -
minha alma, que creste na virtude!
O que ser velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e j uventude?
65
MEA CULPA
No duvido que o Mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e v da noite ao dia,
E a homem v subindo insecto e seixo.
No chamo a Deus tirano, nem me queixo,
Nem chamo ao cu da vida noite fria;
No chamo existncia hora sombria;
Acaso ordem; nem lei desleixo.
A Natureza minha me ainda . . .
minha me . . . Ah, se e u face linda
No sei sorrir; se estou desesperado;
Se nada h que me aquea esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza . . .
de crer que s e u seja o culpado!
66
SEPULTURA ROMNTICA
Ali, onde o mar quebra, num cacho
Rugidor e montono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se h-de enterrar meu corao.
Queimem-no Os sis da adusta solido
Na fornalha do Estio, em dias lentos;
Depois, no I nverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o rido cho . . .
At que se desfaa e , j tornado
Em impalpvel p, sej a levado
Nos turbilhes que o vento levantar . . .
Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
Desse infecundo, desse amargo mar!
67
A UMA MULHER
Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pr-te o bero estreito
Nalgum palcio e ao p de rgio leito,
Em vez deste areal onde cresceste:
Podia abrir-te as flores - com que veste
As ricas e as felizes -nesse peito;
Fazer-te . . . o que a Fortuna h sempre feito . . .
Terias sempre a sorte que tiveste!
Tinhas de ser assim . . . Teus olhos fitos,
Que no so deste Mundo e onde eu leio
Uns mistrios to tristes e infinito
s
,
Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto s tinhas nascido!
68
NOX
A Fematdo Leal
Noite, vo para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, luz cruel do dia,
Tanto estril lutar, tanta agonia,
E inteis tantos speros tormentos . . .
Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trgica enxovia . . .
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos . . .
Oh! antes t u tambm adormecesses
Por uma vez, e eterna, inaltervel,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,
E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolvel,
Noite sem termo, noite do No-ser!
69
ESTOICISMO
A Manuel Duarte de Almeida
Tu que no crs, nem amas, nem esperas,
Esprito de eterna negao,
Teu hlito gelou-me o corao
E destroou-me da alma as primaveras . . .
Atravessando regies austeras,
Cheias de noite e cava escurido,
Como num sonho mau, s oio um no,
Que eternamente ecoa entre as esferas . . .
-Porque suspiras, porqu(
/
te lamentas,
Cobarde corao? Debalde intentas
Opor Sorte a queixa do egosmo . . .
Deixa os tmidos, deixa aos sonhadores,
A esperana v, seus vos fulgores . . .
Sabe t u encarar sereno o abismo!
70
CONSULTA
A Alberto Sampaio
Chamei em volta do meu frio leito
as memrias melhores de outra idade,
Formas vagas, que s noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito . . .
E disse-lhes : -No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? dizei-mo com verdade,
Pobres memrias que eu ao seio estreito . . .
Mas elas perturbaram-se - coitadas!
E empalideceram, contristadas,
Ainda a mais feliz, a mais serena . . .
E cada uma delas, lentamente,
Com um sorriso mrbido, pungente,
Me respondeu: - No, no valia a pena!
7 1
NO TURBILHO
A Jaime Batalha Reis
No meu sonho desflam as vises,
Espectros dos meus prprios pensamentos,
Como um bando levado pelos ventos,
Arrebatado em vastos turbilhes . . .
Num espiral, de estranhas contores,
E donde saem gritos e lamentos,
Vejo-os passar, em grupos nevoentos,
Distingo-lhes, a espaos, as feies . . .
-Fantasmas de mim mesmo e da minha alma:
Que me fi tais com formidvel calma,
Levados na onda turva do escarcu,
Quem sois vs, meus irmos e meus algozes?
Quem sois, vises misrrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?! . . .
72
VISO
A J M. Ea de Queirs
Eu vi O Amor - mas nos seus olhos baos
Nada sorria j: s fxo e lento
Morava agora ali um pensamento
De dor sem trgua e de ntimos cansaos.
Pairava, como espectro, nos espaos,
Todo envolto num nimbo pradacento . . .
Na atitude convulsa do tormento,
Torcia e retorcia os magros braos . . .
E arrancava das asas destroadas
A uma e uma as penas maculadas,
Sol tando a espaos um soluo fundo,
Soluo de dio e raiva impenitentes . . .
E do fantasma as lgrimas ardentes
Caam lentamente sobre o Mundo!
73
NIRVANA
A Guerra Junqueiro
Para alm do Universo luminoso,
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De foras, de desejos e de vida,
Abre-se como um vcuo tenebroso.
A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida . . .
Numa imobilidade indefi nida
Termina ali o ser, inerte, ocioso . . .
E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,
bela luz da vida, ampla, infi nita,
S v com tdio, em tudo quanto fta,
A iluso e o vazio universais.
74
LACRIMAE RERUM
A Tommazzo Cannizzarro
Noite, irm da Razo e irm da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu orculo sagrado,
Confdente e intrprete da Sorte!
Aonde so teus sis, como coorte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vo busca a certeza que o conforte?
Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas . . .
tudo, em torno a mim, dvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas . . .
75
A UM CRUCIFIXO
H mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braos
E clamaste da cruz: H Deus! e olhaste, crente,
O horizonte futuro e viste, em tua mente,
Um alvor ideal banhar esses espaos!
Porque morreu sem eco o eco de teus passos,
E de tua palavra ( Verbo! ) o som fremente?
Morreste . . . ah! dorme em paz! no volvas, que descrente
Arroj aras de novo campa os membros lassos . . .
Agora, como ento, na mesma terra erma,
A mesma humanidade sempre a mesma enferma,
Sob o mesmo ermo Cu, frio como um sudrio . . .
E agora, comQ. ento, viras o Mundo exangue
E ouviras perguntar: De que serviu o sangue
Com que regaste, Cristo, as urzes do Calvrio?
76
VELUT UMBR
Fumo e cismo. Os castelos do horizonte
Erguem-se, tarde, e crescem, de mil cores,
E ora espalham no Cu vivos ardores,
Ora fumam, vulces de estranho monte . . .
Depois, que formas vagas vm defronte,
Que parecem sonhar loucos amores?
Almas que vo, por entre luz e horrores,
Passando a barca desse areo Aqueronte . . .
Apago o meu charuto quando apagas
Teu facho, Sol. . . fcamos todos ss . . .
nesta solido que me consumo!
nuvem do Ocidente, coisas vagas,
Bem vos entendo a cor, pois, como a vs,
Beleza e altura se me vo em fumo!
77
ESPECTROS
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeo um momento, e que, inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados,
Me encheis as noites de agonia e susto!
De que me vale a mim ser puro e j usto,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia mo dos Fados
Uma parcela do saber augusto,
Se a minha alma h-de ver, sobre si ftos,
Sempre esses olhos trgicos, malditos!
Se at dormindo, com angstia imensa,
Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lgrimas geladas da descrena!
78
TORMENTO DO IDEAL
Conheci a Beleza que no morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haj a, olhando aos ps a terra
E o mar, v tudo, a maior nau ou torre,
Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o Mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pr do Sol e sobre o mar discorre.
Pedindo forma, em vo, a ideia pura,
Tropeo, sombras, na matria dura,
E encontro a imperfeio de quanto existe.
Recebi o baptismo dos poetas,
E, assentado entre as formas incompletas,
Para sempre fiquei plido e triste.
79
VOZ DO OUTONO
Ouve tu, meu cansado corao,
O que te diz a voz da Natureza:
-Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em asprrima soido,
Ter gemido, ainda infante, sobre o cho
Frio e cruel da mais cruel devesa,
Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no bero da I luso!
Mais valera tua alma visionria,
Silenciosa e triste, ter passado
Por entre o Mundo hostil e a turba vria,
Sem ver uma s flor das mil que amaste)
Com dio e raiva e dor . . . que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste! -
80
NOCTURNO
Esprito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que fl utua,
Tu s entendes bem o meu tormento . . .
Como um canto longnquo - triste .e lento -
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu corao, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento . . .
A ti confo o sonho e m q ue me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre vises, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu s, Gnio da Noite, e mais ningum!
8 1
ANIMA MEA
Estava a Morte ali, em p, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os ps do caminhante.
Era de ver a fnebre bacante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo Mundo errante?
-No temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria) .
Eu no busco o teu corpo . . . Era um trofeu
Glorioso de mais . . . Busco a tua alma. -
Respondi-lhe: A minha alma j morreu!
82
DAS UNNENNBARE
quimera, que passas embalada
Na onda dos meus sonhos dolorosos,
E roas cos vestidos vaporosos
A minha fron te plida e cansada!
Leva-te o ar da noite sossegada . . .
Pergunto em vo, com olhos ansiosos,
Que nome que te do os venturosos
No teu pas, misteriosa fada!
Mas que destino o meu! e que l uz baa
A desta aurora, igual do sol-posto,
Quando s nuvem lvida esvoaa!
Que nem a noite uma iluso consinta!
Que s de longe e em sonhos te pressinta . . .
E nem e m sonhos possa ver-te o rosto!
83
ENQUANTO OUTROS COMBATEM
Empunhasse eu a espada dos valentes!
I mpelisse-me a aco, embriagado,
Por esses campos onde a Morte e o Fado
Do a lei aos reis trmulos e s gentes!
Respirariam meus pulmes contentes
O ar de fogo do circo ensanguentado . . .
Ou cara radioso, amortalhado
Na fulva luz dos gldios reluzentes!
J no veria dissipar-se a aurora
De meus inteis anos, sem uma hora
Viver mais que de sonhos e ansiedade!
J no veria em minhas mos piedosas
Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas
Desta plida e estril mocidade!
84
ME
Me -que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mos piedosas at o fio
Do meu pobre existir, meio partido . . .
Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo stio mais sombrio . . .
Me banhe e lave a alma l no rio
Da clara luz do seu olhar querido . . .
Eu dava o meu orgulho de homem -dava
Minha estril cincia, sem receio,
E em dbil criancinha me tornava,
Descuidada, feliz, dcil tambm,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha me!
85
A GERMANO MEIRELES
S males so reais, s dor existe;
Prazeres s os gera a fan tas ia;
Em nada, um imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.
Se buscamos o que , o que devia
Por natureza ser no nos assiste;
Se fi amos num bem, que a mente cria,
Que outro remdio h a seno ser triste?
Oh! quem tanto pudera que passasse
A vida em sonhos s, e nada vira . . .
Mas, no que se no v, labor perdido!
Quem fora to ditoso que olvidasse . . .
Mas nem seu mal com ele ento dormira,
Que sempre o mal pior ter nascido!
86
VIRGEM SANTSSIMA
Cheia de Graa, Me de Misericrdia.
Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizvel ansiedade
que eu vi teu olhar de piedade
e (mais que piedade) de tristeza . . .
No era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade . . .
Era outra luz, era outra suavidade,
Que at nem sei se as h na natureza . . .
Um mstico sofrer. . . uma ventura
Feita s do perdo, s da ternura
E da paz da nossa hora derradeira . . .
viso, viso triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa . . .
E deixa-me sonhar a vida inteira!
87
NO CIRCO
A Joo de Deus
Muito longe daqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse Mundo em que eu vivia . . .
Mas to longe . . . que at dizer podia
Que enquanto l andei, andei sonhando . . .
Porque era tudo ali areo e brando,
E lcida a existncia amanhecia . . .
E e u . . . leve como a luz . . . at que um dia
Um vento me tomou e vim rolando . . .
Ca e achei-me, de repente, envolto
Em luta bestial, na arena fera,
Onde um bruto furor bramia solto.
Senti um monstro em mim nascer nessa hora,
E achei-me de improviso feito fera . . .
assim que rujo entre lees agora!
88
TRANSCENDENTALISMO
A J. P. Oliveira Martin
J sossega, depois de tanta luta,
J me descansa em paz o corao.
Ca na conta, enfi m, de quanto vo
O bem que ao Mundo e Sorte se disputa.
Penetrando, com fronte no enxuta,
No sacrrio do templo da Iluso,
S encontrei, com dor e confuso,
Trevas e p, uma matria bruta . . .
No no vasto Mundo -por imenso
Que ele parea nossa mocidade -
Que a alma sacia o seu desejo intenso . . .
Na esfera do invisvel, do intangvel,
Sobre desertos, vcuo, soledade,
. Voa e paira o esprito impassvel!
89
NA MO DE DEUS
Ex. Sr.' D. Vitria de O. M.
Na mo de Deus, na sua mo direita,
Descansou afinal meu corao.
Do palcio encantado da Iluso
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorncia infantil, despojo vo,
Depus do Ideal e da Paixo
A forma transitria e imper
d
ita.
Como criana, em lbrega j ornada,
Que a me leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto . . .
Dorme o teu sono, corao liberto,
Dorme na mo de Deus eternamente!
90
IGNOTO DEO
ue beleza mortal se te assemelha,
sonhada viso desta alma ardente,
Que reflectes em mim teu brilho ingente,
L como sobre o mar o Sol se espelha?
O Mundo grande -e esta nsia me aconselha
A buscar-te na Terra: e eu, pobre crente,
Pelo Mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara s lhe encontro . . . nua e velha . . .
No mortal o que eu em ti adoro.
Que s tu aqui? olhar de piedade,
Gota de mel em taa de venenos . . .
Pura essncia das lgrimas que choro
E sonho dos meus sonhos! se s verdade,
Descobre-te'" viso, no Cu ao menos!
91
SALMO
Esperemos em Deus! Ele h tomado
Em suas mos a massa inerte e fria
Da matria impotente e, num s dia,
Luz, movimento, aco, tudo lhe h dado.
Ele, ao mais pobre de alma, h tributado
Desvelo e amor: ele conduz via
Segura quem lhe foge e se extravia,
Quem pela noite andava desgarrado.
E a mim, que aspiro a ele, a mim, que o amo,
Que anseio por mais vida e maior brilho,
H-de negar-me o termo deste anseio?
Buscou quem o no quis: e a mim, que o chamo,
H-de fugir-me, como a ingrato filho?
Deus, meu pai e abrigo! espero! . . . eu creio!
92
ASPIRAO
Meus dias vo correndo vagarosos,
Sem prazer e sem dor, e at parece
Que o foco interior j desfalece
E vacila cotn raios duvidosos.
bela a vida e os anos so formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece . . .
Mas, s e a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gozos.
Minha alma, Deus! a outros cus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
pela eterna ptria que suspira . . .
Porm, do pressentir d-me a certeza,
D-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!
93
COMUNHO
Ao Sr, Joo Lobo de Moura
Reprimirei meu pranto! . . . Considera
Quantos, minha alma, antes de ns vagaram,
Quantos as mos incertas levantaram
Sob este mesmo cu de luz austera! . . .
-Luz morta! amarga a prpria Primavera! -
Mas seus pacientes coraes lutaram,
Crentes s por instinto, e se apoiaram
Na obscura e herica f, que os retempera . . .
E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende lei de ignotas multides. -
Seguirei meu caminho confi ado,
Entre esses vul tos mudos, mas amigos,
Na humilde f de obscuras geraes,
Na comunho dos nossos pais antigos.
94
o CONVERTIDO
A. GOla/ues Crespo
Entre os fi lhos dum sculo maldito
Tomei tambm lugar na mpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma nsia impotente de infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza . . .
Mas um dia abalou-se-me a fi rmeza,
Deu-me rebate o corao contrito!
Erma, cheia de tdio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na F o pensamento,
E achei a paz na inrcia e esquecimento . . .
S me falta saber se Deus existe!
95
EM VIAGEM
Pelo caminho estreito, aonde a custo
Se encontra uma s flor, ou ave, ou fonte,
Mas s bruta aridez de spero monte
E os sis e a febre do areal adusto,
Pelo caminho estreito entrei sem susto
E sem susto encarei, vendo-os defronte,
Fantasmas que surgiam do horizonte
A acometer meu corao robusto . . .
Quem sois vs, peregrinos singulares?
Dor, Tdio, Desenganos e Pesares . . .
Atrs deles a Morte espreita ainda . . .
Conheo-vos . Meus guias derradeiros
Sereis vs. Silenciosos companheiros,
Bem-vindos, pois, e tu, Morte, bem-vinda!
96
MORS LIBERATRIX
A Bulho Paio
Na tua mo, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas,
Brilha uma espada feita de cometas,
Que rasga a escurido, como um luzeiro.
Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo envolto na noite que projectas . . .
S gldio de luz com fulvas betas
Emerge do sinistro nevoeiro.
- Se esta espada que empunho coruscante
( Responde o negro cavaleiro andante) ,
porque esta a espada da Verdade:
Firo mas salvo . . . Prostro e desbarato,
Mas consolo . . . Subverto, mas resgato . . .
E, sendo a Morte, sou a liberdade.
97
o QUE DIZ A MORTE
Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mgoa e tdio encaram
As prprias obras vs, de que escarnecem . . .
Em mim, os Sofrimentos que no saram,
Paixo, Dvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. -
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intrprete sagrado
Das coisas invisveis, muda e fria,
, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
98
ELOGIO DA MORTE
Morrer ser iniciado.
Antologia Grega
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com fora, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pra o corao robusto.
No que de larvas me povoe a mente
Esse vcuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo . . .
Nem fantasmas nocturnos visionrios,
Nem desfilar de espectros morturios,
Nem dentro em mim terror de Deus ou Sorte . . .
Nada! o fundo dum poo, hmido e morno,
Um muro de silncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.
I I
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento;
Nas regies do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.
Atravesso, no escuro, a nvoa fria
Dum mundo estranho, que povoa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
S das vises da noite se confia.
99
Que msticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!
Nesta viagem pelo ermo espao
S busco o teu encontro e o teu abrao,
Morte! irm do Amor e da Verdade!
I I I
Eu no sei quem t u s -mas no procuro
(Tal a minha confana) devass-lo.
Basta sentir-te ao p de mim, no escuro,
Entre as formas da noite com quem falo.
Atravs do silncio frio e obscuro
Teus passos vou seguindo, e, sem abalo,
No cairel dos abismos do Futuro
Me inclino tua voz, para sond-lo.
Por ti me engolfo no nocturno mundo
Das vises da regio inominada,
A ver se fxo o teu olhar profundo . . .
Fix-lo, compreend-lo, basta uma hora,
Funrea Beatriz de mo gelada . . .
Mas nica Beatriz consoladora!
IV
Longo tempo ignorei (mas que cegueira
Me trazia este esprito enublado! )
Quem fosses tu, que andavas a meu lado,
Noite e dia, impassvel companheira . . .
Muitas vezes, certo, na canseira,
No tdio extremo dum viver magoado,
1 00
Para ti levantei o olhar turbado,
I nvocando-te, amiga verdadeira . . .
Mas no te amava ento nem conhecia:
Meu pensamento inerte nada lia
Sobre essa muda fronte, austera e calma.
Luz ntima, afinal, aluminou-me . . .
Filha do mesmo pai, j sei teu nome,
Morte, irm coe terna da minha alma!
v
Que nome te darei, austera imagem,
Que avisto j num ngulo da estrada,
Quando me desmaiava a alma prostrada
Do cansao e do tdio da viagem?
Em teus olhos v a turba uma voragem,
Cobre o rosto e recua apavorada . . .
Mas eu confo em ti, sombra velada,
E cuido perceber tua linguagem . . .
Mais claro vejo, a cada passo, escritos,
Filha da noite, os lemas do Ideal,
Nos teus olhos profundos sempre fi tos . . .
Dormirei no teu seio inaltervel,
Na comunho da paz universal,
Morte libertadora e inviolvel!
VI
S quem teme o No-ser que se assusta
Com teu vasto silncio morturio,
Noite sem fm, espao solitrio,
Noite da Morte, tenebrosa e augusta . . .
I Ol
Eu no: minha alma humilde, mas robusta,
Entra crente em teu trio funerrio:
Para os mais s um vcuo cinerrio,
A mim sorri-me a tua face adusta.
A mim seduz-me a paz santa e inefvel
E o silncio sem par do I naltervel,
Que envolve o eterno amor no eterno l uto.
Talvez sej a pecado procurar-te,
Mas no sonhar contigo e adorar-te,
No-ser, que s o Ser nico absoluto
MORS-AMOR
A Lus de Magalhes
Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantsticas estradas,
Donde vem ele? Que regies sagradas
E terrveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
No sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavaleiro de expresso potente,
Formidvel, mas plcido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: Eu sou a Morte!
Responde o cavaleiro: Eu sOU' o Amor!
1 03
A JOO DE DEUS
Se lei, que rege o escuro pensamento,
Ser v toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento:
lei tambm, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E s ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.
O que h-de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora cr de f, logo duvida:
Se procura, s acha . . . o desatino!
S Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Sej a a terra degredo, o Cu destino.
1 04
QUIA JTERNUS
A Joaquim de Arajo
No morreste, por mais que o brade gente
U ma orgulhosa e v filosofi a . . .
No s e sacode assim to facilmente
O j ugo da divina tirania!
Clamam em vo, e esse triunfo ingente,
Com que a Razo -coitada! -se inebria,
nova forma, apenas, mais pungente,
Da tua etern, trgica ironia.
No, no morreste, espectro! O Pensamento
Como dantes te encara, e s o tormento
De quantos sobre os livros desfalecem.
E os que folgam na orgia mpia e devassa,
Ai ! quantas vezes, ao erguer a taa,
Param e, estremecendo, empalidecem!
1 05
IGNOTUS
A Salomo Sragga
Qnde te escondes? Eis que em vo clamamos,
Suspirando e erguendo as mos em vo!
J a voz enrouquece e o corao
Est cansado -e j desesperamos . . .
Por Cu, por mar e terras procuramos
O Esprito que enche a solido
E s a prpria voz na imensido
Fatigada nos volve . . . e no te achamos!
Cus e terra, clamai, aonde? aonde? -
Mas o esprito antigo s responde,
Em tom de grande tdio e de pesar:
-No vos queixeis, filhos da ansiedade,
Que eu mesmo, desde toda a eternidade,
Tambm me busco a mim . . . sem me encontrar!
1 06
o INCONSCIENTE
o espectro familiar que anda comigo,
Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,
Que umas vezes encaro com desgosto
E outras muitas ansioso espreito e sigo,
um espectro mudo, grave, antigo,
Que parece a conversas mal disposto . . .
Ante esse vulto, asctico e composto,
Mil vezes abro a boca . . . e nada digo.
S uma vez ousei interrog-lo:
- Quem s ( lhe perguntei com grande abalo) ,
Fantasma a quem odeio e a quem amo?
-Teus irmos (respondeu) , os vos humanos,
Chamam-me Deus, h mais de dez mil anos . . .
Mas e u por mim no sei como me chamo . . .
1 07
DIVINA COMDIA
Ao Dr. Jos Falco
Erguendo os braos para o Cu distante
E apostrofando os deuses invisveis,
Os homens clamam: - Deuses impassveis,
A quem serve o destino triunfante,
Porque que nos criastes?! I ncessante
Corre o tempo e s gera, inextinguveis,
Dor, pecado, iluso, lutas horrveis,
N um turbilho cruel e delirante" ,
Pois no era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda no existe,
Ter fi cado a dormir eternamente?
Porque que para a dor nos evocastes?
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: - Homens! porque que nos criastes?!
1 08
DISPUTA EM FAMLIA
I
Dixit ilsipiens iI carde suo:
1/011 est Deus.
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeov de longa barba hirsuta,
Solitrio em teus cus acastelados:
-Cessou o imprio enfim da fora bruta!
No sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mo tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!
Enquanto tu dormias impassvel,
Topmos no caminho a liberdade,
Que nos sorriu com gesto indefinvel . . .
J provmos os frutos da verdade . . .
Deus grande, Deus forte, Deus terrvel,
No passas duma v banalidade! -.
I I
Mas o velho tirano solitrio,
De corao austero e endurecido,
Que um dia, de enj oado ou distrado,
Deixou matar seu filho no Calvrio,
Sorriu com rir estranho, ouvindo o vrio
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrrio:
1 09
- Vanitas vanitatum! disse) . certo
Que o homem vo medita mil mudanas,
Sem achar mais do que erro e desacerto.
Muito antes de nascerem vossos pais
Dum barro vil, ridculas crianas,
Sabia eu tudo isso . . . e muito mais ! -
PALAVRAS DUM CERTO MORTO
H mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo chuva e ao vento:
No h como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto . . .
S o esprito vive: vela absorto
Num fxo, inexorvel pensamento:
Morto, enterrado em vida! , o meu tormento
isto s . . . do resto no me importo . . .
Que vivi sei-o eu bem . . . mas foi um dia,
Um dia s . . . - no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto . . . ai! adoraram-me,
Como se eu fosse algum/ como se a Vida
Pudesse ser ' algum/ -logo em seguida
Disseram que era um Deus . . . e amort(l haram-me!
I I I
LUTA
Fluxo e refluxo ele mo . . .
Joo de Deus
Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a Lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas . . .
Mas a mim, cheia de atraces divinas,
D-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!
I nsondvel problema! . . . Apavorado
Recua o pensamento! . . . E j prostrado
E estpido fora de fadiga,
Fito inconsciente as sombras visionrias,
Enquanto pelas praias solitrias
Ecoa, mar, a tua voz antiga
1 1 2
A IDEIA
I
Pois que os deuses antigos e os antigos
Divinos sonhos por esse ar se somem,
E luz do altar da F, em Templo ou Dlmen,
A apagaram os ventos inimigos;
Pois que o Sinai se enubla e os seus pascigos,
Secos mngua de gua, se consomem,
E os profetas doutrora todos dormem
Esquecidos, em terra sem abrigos;
Pois que o Cu se fechou, e j no desce
Na escada de Jacob (na de Jesus! )
Um s anjo que aceita a nossa prece;
que o lrio da F j no renasce:
Deus tapou com a mo a sua luz
E ante os homens velou a sua face!
I I
Plido Cristo, condutor divino!
A custo agora a tua mo to doce
I ncerta nos conduz, como se fosse
Teu grande corao perdendo o tino . . .
A palavra sagrada do Destino
Na boca dos orculos secou-se:
A luz da sara-ardente dissipou-se
Ante os olhos do vago peregrino!
Ante os olhos dos homens -porque o Mundo
Desprendido rolou das mos de Deus,
Como uma cruz das mos dum moribundo!
1 1 3
Porque j se no l seu nome escrito
Entre os astros . . . e os astros, como ateus,
J no querem mais lei que o infnito!
I I I
Fora pois ir buscar outro caminho!
Lanar o arco de outra nova ponte
Por onde a alma passe -e um alto monte
Aonde se abra luz o nosso ninho.
Se nos negam aqui o po e o vinho,
Avante! largo, imenso, esse horizonte . . .
No, no s e fecha o Mundo! e alm, defronte,
E em toda a parte h luz, vida e carinho!
Avante! os mortos ficaro sepultos . . .
Mas os vivos que sigam, sacudindo
Como o p da estrada os velhos cultos!
Doce e brando era o seio de Jesus . . .
Que importa? havemos de passar, seguindo,
Se alm do seio dele houver mais luz!
IV
Conquista pois sozinho o teu futuro,
J que os celestes guias te ho deixado,
Sobre uma terra ignota abandonado,
Homem -proscrito rei -mendigo escuro!
Se no tens que esperar do Cu ( to puro,
Mas to cruel! ) e o corao magoado
1 1 4
Sentes j de iluses desenganado,
Das iluses do antigo amor perjuro;
Ergue-te, ento, na majestade estica
Duma vontade solitria e altiva,
Num esforo supremo de alma herica!
Faze um templo dos muros da cadeira,
Prendendo a imensidade eterna e viva
No crculo de luz da tua Ideia!
v
Mas a Ideia quem ? quem foi que a viu,
Jamais, a essa encoberta peregrina?
Quem lhe beijou a sua mo divina?
Com seu olhar de amor quem se vestiu?
Plida imagem, que a gua de algum rio,
Reflectindo, levou . . . incerta e fina
Luz, que mal bruxuleia pequenina . . .
Nuvem que trouxe o ar e o ar sumiu . . .
Estendei, estendei-lhe os vossos braos,
Magros da febre dum sonhar profundo,
Vs todos que a seguis nesses espaos!
. E entanto, alma triste, alma chorosa,
Tu no tens outra amante em todo o Mundo
Mais que essa fria virgem desdenhosa!
VI
Outra amante no h! no h na vida
Sombra a cobrir melhor nossa cabea,
1 1 5
Nem blsamo mais doce, que adormea
Em ns a antiga, a secular ferida!
Quer fuja esquiva, ou se oferea erguida,
Como quem sabe amar e amar confessa,
Quer nas nuvens se esconda ou aparea,
Ser sempre ela a esposa prometida!
Nossos desejos para ti, fria,
Se erguem, bem como os braos do proscrito
Para as bandas da ptria, noite e dia.
Podes fugir . . . nossa alma, delirante,
Seguir-te- atravs do infi nito,
At voltar contigo, triunfante!
VI I
Oh! o noivado brbaro! o noivado
Sublime! aonde os cus, os cus ingentes,
Sero leito de amor, tendo pendentes
Os astros por dosel e cortinado!
As bodas do Desejo, embriagado
De ventura, afi nal! vises ferventes
De quem nos braos vai de ideais ardentes
Por espaos sem termo arrebatado!
L, por onde se perde a fantasia
No sonho da beleza; l, aonde
A noite tem mais luz que o nosso dia;
L, no seio da eterna claridade,
Aonde Deus humana voz responde,
que te havemos de abraar, Verdade!
l l 6
VI I I
L! Mas onde l? aonde? -Espera,
Corao indomado! o Cu, que anseia
A alma fiel, o Cu, o cu da Ideia,
Em vo o buscas nessa imensa esfera!
O espao mudo: a imensidade austera
Debalde noite e dia se incendeia . . .
Em nenhum astro, em nenhum sol s e alteia
A rosa ideal da eterna Primavera!
O Paraso e o templo da Verdade,
mundos, astros, sis, constelaes!
Nenhum de vs o tem na imensidade . . .
A Ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essncia,
S se revela aos homens e s naes
No cu incorruptvel da Conscincia!
LOGOS
Ao Sr. D. Nico/as Sa/merol
Tu, que eu no vejo, e ests ao p de mim
E, o que mais, dentro em mim -que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de ideias,
Que so o meu princpio, meio e fim . . .
Que estranho ser s tu (se s ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regies inominadas, cheias
De encanto e de pavor. . . de no e sim . . .
s um refexo apenas da minha alma,
E, em vez de te encarar como fronte calma,
Sobressalto-me ao ver-te e tremo e exoro-te . . .
Falo-te, calas . . . calo, e vens atento . . .
s um pai, um irmo, e um tormento
Ter-te a meu lado . . . s um tirano, e adoro-te!
1 1 8
DILOGO
A cruz dizia terra onde assentava,
Ao vale obscuro, ao monte spero e mudo:
- Que s tu, abismo e j aula, aonde tudo
Vive na dor e em luta cega e brava?
Sempre em trabalho, condenada escrava,
Que fazes tu de grande e bom, contudo?
Resignada, s s lodo informe e rudo;
Revoltosa, s s fogo e hrrida lava . . .
Mas a mim no h alta e livre serra
Que me possa igualar!. . . amor, fi rmeza,
Sou eu s: sou a paz, tu s a guerra!
Sou o esprito, a luz! . . . tu s tristeza,
lodo escuro e vil ! -Porm a terra
Respondeu: Cruz, eu sou a Natureza!
1 1 9
HOMO
Nenhum de vs ao certo me conhece,
Astros do espao, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece . . .
Ningum sabe quem sou . . . e mais, parece
Que h dez mil anos j, neste degredo,
Me v passar o mar, v-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece . . .
Sou um parto da Terra monstruoso;
Do hmus primitivo e tenebroso
Gerao casual, sem pai nem me . . .
Misto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satans -talvez um filho
Bastardo de Jeov -talvez ningum!
1 20
METEMPSICOSE
Ardentes filhas do prazer, dizei-me!
Vossos sonhos quais so, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que foste em vs se agita e freme?
Noutra vida e outra esfera, aonde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tnheis? que matria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?
Vs fostes, nas florestas, bravas feras,
Arrastando, leoas ou panteras,
De dentadas de amor um corpo exangue . . .
Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze flutuante . . .
Lobas! leoas! sim, bebei meu sangue!
1 2 1
EVOLUO
A San/os Valm/e
Fui rocha, em tempo, e fui , no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incgnita floresta . . .
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiqussimo inimigo . . .
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo . . .
Hoje sou homem -e na sombra enorme
Vejo, a meu ps, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade . . .
I nterrogo o infi nito e s vezes choro . . .
Mas, estendendo as mos no vcuo, adoro
E aspiro unicamente liberdade.
1 22
ESPIRITUALISMO
I
Como um vento de morte e de runa,
A dvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de sbito, imerso
O Mundo em densa e lgida neblina.
Nem astro j reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu areo bero.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeonhou a criao divina.
E, no meio da noite monstruosa,
Do silncio glacial, que paira e estende
O seu sudrio, donde a morte pende,
S uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existncia,
Desabrocha no fundo da Conscincia.
I I
Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ltimo claro
Aos sis que ruem pela imensido,
Arrastando uma aurola apagada . . .
Em vo! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na glida amplido . . .
Sobe do poo eterno, em turbilho,
A treva primitiva conglobada . . .
1 23
Tu morrers tambm. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o Mundo,
H-de ecoar, e teu perfume extremo
No vcuo eterno se esvair disperso,
Como o alento fnal dum moribundo,
Como o ltimo suspiro do Universo.
OCEANO NOX
A A. de A<evedo Castelo Brallco
Junto do mar, que erguia gravemente
A trgica voz roua, enquanto o vento
Passava como o voo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o Cu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saa das coisas, vagamente . . .
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, fora obscura?
Em volta de que ideia gravitais? -
Mas na imensa extenso, onde se esconde
O inconsciente imortal, s me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais . . .
1 25
CONTEMPLAO
A Fralcisco Machado de Faria e Maia
Sonho de olhos abertos, caminhando
No entre as formas j e as aparncias,
Mas vendo a face imvel das essncias,
Entre ideias e espritos pairando . . .
Que o Mundo ante mim? fumo ondeando,
Vises sem ser, fragmentos de existncias . . .
Uma nvoa de enganos e impotncias
Sobre vcuo insondvel rastej ando . . .
E dentre a nvoa e a sombra universais
S me chega um murmrio, fei to de ais . . .
a queixa, o profundssimo gemido
Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim s pressentido . . .
1 26
REDENO
Ex." Sr.' D. Ce/este C. B. R.
I
Vozes do mar, das rvores, do vento!
Quando s vezes, num sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento . . .
Verbo crepuscular e ntimo alento
Das coisas mudas; salmo misterioso;
No sers tu, queixume vaporoso,
O suspiro do Mundo e o seu lamento?
Um esprito habita a imensidade:
Uma nsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.
E eu compreendo a vossa lngua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha . . .
Al mas irms da minha, almas cativas!
I I
No choreis, ventos, rvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares . . .
Da sombra das vises crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
Desse sonho e essas nsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares . . .
1 27
Almas no limbo ainda da existncia,
Acordareis um dia na Conscincia,
E pairando, j puro pensamento,
Vereis as Formas, flhas da Il uso,
Cair desfeitas, como um sonho vo . . .
E acabar por fim vosso tormento.
VOZ INTERIOR
A Joo de Deus
Embebido num sonho doloroso,
Que atravessam fantsticos clares,
Tropeando num povo de vises,
Se agita meu pensar tumultuoso . . .
Com um bramir de mar tempestuoso
Que at aos cus arroja os seus caches,
Atravs duma luz de exalaes,
Rodeia-me o universo monstruoso . . .
Um ai sem termo, um trgico gemido,
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrvel, montono vaivm . . .
S no meu corao, que sondo e meo,
No sei que voz, que eu mesmo desconheo,
Em segredo protesta e afirma o Bem!
1 29
AD AMICOS
Em vo l utamos. Como nvoa baa,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas prprias redes se embaraa.
O pensamento, - que mil planos traa,
vapor que se esvai e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaa.
Filhos do Amor, nossa alma como um hino
luz, liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor dum pressentir divino;
Mas num deserto s, rido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassvel sobre o Mundo.
1 30
A FLRIDO TELES
Se comparo poder ou ouro ou fama"
Venturas que em si tm oculto o dano,
Com aquele outro afecto soberano,
Que amor se diz e luz de pura chama,
Vejo que so bem como arteira dama,
Que sob honesto riso esconde o engano,
E o que as segue, como homem leviano
Que por um vo prazer deixa quem o ama.
Nasce do orgulho aquele estril gozo
E a glria dele coisa fraudulenta,
Como quem na vaidade tem a palma:
Tem na paixo seu brilho mais formoso
E das paixes tambm some-o a tormenta . . .
Mas a glria do amor. . . essa vem d' alma!
1 3 1
A ALBERTO SAMPAIO
No me fales de glria; outro o altar
Onde queimo piedoso o meu incenso,
E animado de fogo mais intenso,
De f mais viva, vou sacrifi car.
A glria! pois que h nela que adorar?
Fumo, que sobre o abismo anda suspenso . . .
Que vislumbre nos d do amor imenso?
Esse amor que ventura faz gozar?
H outro mais perfeito, nico eterno,
Farol entre ondas tormentosas frme,
De imoto brilho, poderoso e terno . . .
S esse hei-de buscar, e confundir-me
Na essncia do amor puro, sempiterno . . .
Quero s nesse fogo consumir-me!
1 32
COM OS MORTOS
Os que amei, onde esto? idos, dispersos,
Arrastados no giro dos tufes,
Levados, como em sonho, entre vises,
Na fuga, no ruir dos universos . . .
E e u mesmo, com os ps imersos
Na corrente e merc dos turbilhes,
S vejo espuma lvida, em caches,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos . . .
Mas s e paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu l ado
De novo, esses que amei : vivem comigo,
Vejo-os, ouo-os e ouvem-me tambm,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunho ideal do eterno Bem.
1 33
SOLEMNIA VERBA
Disse ao meu corao: Olha por quantos
Caminhos vos andmos! Considera
Agora, desta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos . . .
P e cinzas, onde houver flor e encantos!
E noite, onde foi luz de Primavera!
Olha a teus ps o Mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!
Porm o corao, feito valente
N a escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,
Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver no foi em vo, se isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.
1 34
NDICLDOSSONLJOS
PLLOS
PRIMLIROS VLRSOS
A cruz dizia terra onde assentava . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 9
Adornou o meu quarto a for do cardo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Ali, onde o mar quebra, num cacho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Altas horas da noite, o Inconsciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
Amar! mas dum amor que tenha vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Amem a noite os magros crapulosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Aquela que eu adoro no feita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Aqueles, que eu amei, no sei que vento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Ardentes filhas do prazer, dizei-me . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 1
Chamei em volta do meu frio leito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1
Chovam lrios e rosas no teu colo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Como um vento de morte e de runa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 23
Conheci a Beleza que no morre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Conquista pois sozinho o teu futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 4
Deixai-os vir a mim, os que lidaram . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
Deix-Ia i r, a ave, a quem roubaram . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1
Disse ao meu corao: Olha por quantos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 34
Dorme a noite encostada nas colinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 2
Dorme entre os gelos, flor imaculada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 23
Embebido num sonho doloroso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 29
Empunhasse eu a espada dos valentes! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Em sonho, s vezes, se o sonhar quebranta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41'
Em vo lutamos. Como nvoa baa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 30
Entre os filhos dum sculo maldito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Erguendo os braos para o Cu distante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 08
Espectros que velais, enquanto a custo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
Esperemos em Deus! Ele h tomado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Esprito que passas, quando o vento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1
Esse negro corcel, cujas passadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 03
Estava a Morte ali, em p, diante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Estreita do prazer na vida a taa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Eu amo a vasta sombra das montanhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1
1 37
Eu bem sei que te chamam pequenina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Eu no sei quem tu s -mas no procuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Eu vi o Amor -mas nos seus olhos baos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Fora pois ir buscar outro caminho! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Fui rocha, em tempo, e fui , no mundo antigo . . . . . . . . . . . . _ . . . . . . . .
Fumo e cismo. Os castelos do horizonte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
H mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braos . . . . . . . . . . . . . .
H mil anos, e mais, que aqui estou morto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
J no sei o que vale a nova ideia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
J sossega, depois de tanta luta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
J unto do mar, que erguia gravemente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
L! Mas onde l? aonde? Espera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Longo tempo ignorei -mas que cegueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Me -que adormente este viver dorido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas a Ideia quem ? quem foi que a viu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas o velho tirano solitrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Meus dias vo correndo vagarosos . ' . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Muito longe daqui, nem eu sei quando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Na capela, perdida entre a folhagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
N a foresta dos sonhos, dia a dia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Na mo de Deus, na sua mo direita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Na tua mo, sombrio cavaleiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No busco nesta vida glria ou fama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No choreis, ventos, rvores e mares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No duvido que o Mundo no seu eixo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No me fales de glria; outro o altar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No morreste, por mais que o brade gente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No se perdeu teu sangue generoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Nas florestas solenes h o culto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Nenhum de vs ao certo me conhece . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No Cu, se existe um cu para quem chora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
No meu sonho desfilam as vises . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Noite, irm da Razo e irm da Morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Noite, vo para ti meus pensamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . . .
Num Cu intemerato e cristalino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Num sonho todo feito de incerteza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O espectro familiar, que anda comigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Oh! o noivado brbaro! o noivado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
6 quimera, que passas embalada . . . ', ' . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Onde te escondes? Eis que em vo clamamos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Os que amei, onde esto? idos, dispersos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Outra amante no h! no h na vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ouve tu, meu cansado corao
Plido Cristo, condutor divino!
Para alm do Universo luminoso
Para tristezas, para dor nasceste . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pelas rugas da fronte que medita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pelo caminho estreito, aonde a custo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pois que os deuses antigos e os antigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1 38
32
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1 1 3
Porque descrs, mulher,. do amor, da vida? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Ps-te Deus sobre a fronte a mo piedosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Quando ns vamos ambos, de mos dadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Que beleza mortal se te assemelha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1
Que nome te darei, austera imagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0 1
Quem anda l por fora, pela vinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Razo, irm do Amor e daJustia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Reprimirei meu pranto! . . . Considera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 09
Se comparo poder, ou ouro, ou fama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 3 1
S e lei, que rege o escuro pensamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 04
Sempre o futuro, sempre! e o presente . . . . o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 61
S! -Ao ermita sozinho na montanha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
S males so reais, s dor existe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
S por ti, astro ainda e sempre oculto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
S quem teme o No-ser que se assusta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0 1
Sonhei -nem sempre o sonho coisa v . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Sonho de olhos abertos, caminhando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 26
Sonho-me s vezes rei, nalguma ilha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Sonho que sou um cavaleiro andante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Tu, que dormes, esprito sereno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Tu, que eu no vejo, e ests ao p de mim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 8
Tu, que no crs, nem amas, nem esperas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Um dia, meu amor, e talvez cedo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Um dilvio de luz cai da montanha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Vai-te na asa negra da desgraa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 7
Vozes do mar, das rvores, do vento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 7
NDICLDOSSONLJOS
PORJJULOS
Abnegao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Acordando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
A um Crucifixo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . :. . . . . . 57 e 76
A um poeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
A uma amiga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
A uma mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . " . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Ad Amicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 30
Alberto Sampaio (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 32
Alberto Teles (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Amaritudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Amor vivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Anima mea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Apario . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 45
Aspirao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Beatrice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Com os mortos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 33
Comunho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1
Contemplao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 26
Convertido (O) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Das Unnennbare . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Desesperana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Despondency . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Dilogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 9
Ds
I
uta em ;a

lia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 09
DIvina comedIa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 08
Elogio da Morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
Em viagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Enquanto outros combatem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84'
Espectros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
Espiritualismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 23
Estoicismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Evoluo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 22
1 43
Flrido Teles (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 3 1
Germano Meireles (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Hino razo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Homo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 20
Ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Ideia (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 3
Idlio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Ignoto Deo . . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Ignotus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 06
Inconsciente (O) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 07
J. Flix dos Santos (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Joo de Deus ( A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 04
}.it
'
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'

Lacrimr rerum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Lamento . . . . . . . . . . .
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Logos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 8
Luta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 2
M. C. (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 a 36
Me . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Mais luz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Mea culpa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Metempsicose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 1
Mors-amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 03
Mors liberatrix . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Na capela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Na mo de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Nirvana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
No circo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Nocturno . . . . . . . . . . . . . . . . " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1
No turbilho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . : . . . . . . . . . 72
Nox . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Oceano nox . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 25
O que diz a Morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
Palcio da ventura (O) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Palavras dum certo morto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I I I
Pequenina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Qui a rternus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 05
Quinze anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1
Redeno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 27
Salmo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Santos Valente (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Sepultura romntica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Solemnia verba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 34
Sonho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Sonho oriental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . '. . 38
Sulamita (A) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Tese e anttese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 e 55
Tormento do ideal . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
1 44
Transcendentalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Velut umbra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
V
!
r

em Santssima () . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Vlsao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Visita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Voz do Outono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Voz interior
89
77
87
73
44
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A GERAO DE 70
Primeiro volume
A Gerao de 70
por lvaro Manuel Machado
Antero de Quental: Textos Doutrinrios e Correspondncia
Segundo volume
Antero de Quental: Sonetos
Terceiro volume
Tefilo Braga: Histria do Romantismo
em Portugal I
Quarto volume
Tefilo Braga: Histria do Romantismo
em Portugal I
Quinto volume
Oliveira Martins: Portugal Contemporneo I
Sexto volume
Oliveira Martins: Portugal Contemporneo I
Stimo volume
Oliveira Martins: Histria da Civilizao Ibrica
Oitavo volume
Oliveira Martins : Portugal nos Mares (antologia)
Nono volume
Ramalho Ortigo: Holanda
Dcimo volume
Ramalho Ortigo: As Farpas I (antologia)
Dcimo primeiro volume
Ramalho Ortigo: As Farpas I (antologia)
Dcimo segundo volume
Gomes Leal: Poemas Escolhidos (antologia)
Dcimo terceiro volume
Fialho de Almeida: Contos
Dcimo quarto volume
Fialho de Almeida: Os Gatos ( antologia)
Dcimo quinto volume
Conde de Ficalho: Uma Eleio Perdida
Dcimo sexto volume
Ea de Queirs: Os Maias
Dcimo stimo volume
Ea de Queirs : Correspondncia de Fradique Mendes
Dcimo oitavo volume
Ea de Queirs: Notas Contemporneas
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