O Grande Matador; A Mitologia do Lobo

Foi e sempre ser um animal lendrio, um ser mitolgico e um smbolo totmico. Quase sempre perseguido, poucas vezes compreendido e muito menos respeitado, o lobo constituiu alguma vez um srio concorrente do homem. A maior parte da humanidade considera-o como um smbolo de crueldade e de sangue, porque no passado quando o homem aprendeu a domesticar e dominar outros animais, o lobo converteu-se numa peste, um bandido que roubava o gado a camponeses e nmadas. Criatura mortfera por excelncia, l onde o lobo habita ningum sabe o que a paz, pois o grande matador leva a morte como estandarte, e como digno filho de Marte vive em guerra constante. Isto o que ficou no nosso subconsciente colectivo; mas sem duvida tambm o homem aprendeu com ele, e quando os humanos se viram obrigados pelas circunstncias a adoptar a pratica da caa, desenvolveram um respeito muito especial pelos mtodos e capacidades deste animal. Viram que o lobo era magnfico na sua estratgia, impecvel em cada um de seus movimentos, mestre no ataque, a encarnao da fora e da eficcia. No entanto, em todas as batalhas entre o homem e o lobo, o ultimo sempre teve que perder, como lei inevitvel da escala evolutiva. E foi assim que o vagabundo dos bosques estendeu as suas correrias pelo mundo fantstico da literatura e, do mesmo modo que se esconde numa cova para dar luz os seus lobinhos, com o poder do seu fascnio introduziu-se na imaginao das mentes mais diversas, entre letrados e poetas, que por sua vez deram luz inumerveis histrias que sempre nos acompanharam. tradio que desde pequenos, com os olhos abertos, escutvamos a nossa me ou a av contarnos aqueles contos to antigos como entranhveis do Capuchinho Vermelho e o Lobo Mau, ou as dificuldades que passaram os Trs Porquinhos, ou Os Sete Cabritos, ou a histria daquele pastor mentiroso que enganava todos dizendo que vinha a o Lobo, ouem fim, todo um inesgotvel repertrio com a constante do lobo como sendo o personagem mau da histria. Uma vez Rudyard Kipling, inspirado na velha ndia, deu-nos outra viso do lobo, no seu maravilhoso Livro da Selva, e inclusivamente Ruben Drio conseguiu fazer dele um ser bondoso graas santidade de Francisco de Assis, numa bela poesia. E quem no sentiu com Herman Hesse que dentro da sua alma palpita um Lobo das Estepes? . H centenas, milhares de ttulos em todas as lnguas onde aparece este nome fascinante. E para entender alguns termos actuais, talvez convenha recordar as lnguas raiz: em snscrito chamava-se VRIKA, em persa VARKA, em grego LYKOS ou LUKOS, em latim, LUPOS, em eslavo VULKII e em lituano VILKA.

O Lobo na Mitologia

Na mitologia greco-latina encontramos vrios deuses principais representados sob a forma de lobo. Mencionaremos em primeiro lugar ZEUS LYKAIOS de Arcdia, e tambm APOLO LYKAGENES; este ltimo epteto tem sido explicitado como o da loba, o nascido da loba, quer dizer gerado por Letona transmutada em loba segundo algumas verses, e assim o vemos representado em algumas moedas. Tambm em Cirene existia o culto a Apolo Licio, pois segundo a lenda, Apolo uniu-se ninfa que deu nome cidade sob a forma de lobo. A deusa Hcate A Lua , deusa da feitiaria, era representada como uma loba; tambm as Mnades, as bacantes divinas que seguem Dionsio, com lobos nos braos, dado terem poder sobre as feras. Sem duvida os romanos consagraram este animal a Marte, deus da guerra. Nas festas que se celebravam em sua honra sacrificavam um cavalo como smbolo do ardor militar, e um lobo como emblema de furor. Na maioria das representaes deste deus aparecem dois lobos gravados em baixo-relevo no seu casco. Fora do mbito greco-latino tambm encontramos numerosas associaes entre o lobo e algumas divindades religiosas. J os antigos lhe concederam um lugar no firmamento dando o seu nome a uma constelao astral debaixo de Libra e a ocidente de Escorpio. Na China antiga, por ocasio dos eclipses, lanavam-se flechas contra o lobo celeste, para restaurar o espao ritual e restabelecer a ordem no mundo obscurecido pelas trevas. significativo o facto de que determinadas culturas que no tinham lobos nos seus habitats naturais, tenham usado alguns animais equivalentes, como o coiote e o chacal, dadas as evidentes semelhanas entre estes e o lobo. Do mesmo modo que, no caso das aves de rapina, se estabelece uma equivalncia entre a guia, o condor e o falco, consoante as regies. Vejamos, por exemplo, o tema central das cosmogonias californianas, onde o conflito se centra entre o Criador e o coiote; o Criador desejava fazer um mundo paradisaco e um homem imortal; o coiote introduziu a morte e arruinou a terra dando origem s montanhas, destruindo os alimentos, etc. Tambm no mundo egpcio o lobo era smbolo de valor; O mesmssimo deus Anbis, o deus com cabea de chacal, tambm chamado Senhor da Necrpolis, aparece representado frequentemente sob a forma de co ou lobo, e igualmente associado com a guerra, sendo nas primeiras dinastias, o guia do rei nos combates. Segundo Diodoro, Macedn heri epnimo de macednia irmo de Anubis. representado revestido com uma couraa de pele de lobo, e o rosto coberto com uma mascara com a cabea deste animal. Na mitologia viking, o lobo, apesar de ter um carcter negativo, transformado de modo sobrenatural, ocupa um lugar predominante como animal simblico. Existe um relato sobre os cus que se reveste de um significado algo sinistro. fcil contemplar da terra, tanto o sol como a lua correndo pelo firmamento. Isto sucede, no s porque ambos so arrastados por esplndidos corcis, mas tambm porque os astros tm uma diligente necessidade de no perder tempo j que so perseguidos por lobos. Nem o sol nem a lua tm lugar onde se ocultar das bestas perversas e ficam assim condenados a correr frente delas at ao fim dos tempos. As profecias afirmam que, no final, os lobos saltaram sobre o sol e a lua engolindo-os completamente. Mais surpreendente contudo a lenda de FENRRIR. Depois da serpente mundial ter sido atirada ao oceano e Hel desterrado para Niflheim, restava ainda um terceiro filho do malvado Loki gnio do mal - , o cachorro Fenrrir. A princpio no era mais que um lobinho adorvel, mas depressa comeou a arreganhar os dentes. Cresceu rapidamente, chegou a comer um cordeiro de uma s vez, at que a sua presena se tornou insuportvel para Asgard. Foi ento que Odn ordenou que se fabricasse a celebre cadeia Loding, no entanto com um pequeno esforo a cadeia rebentou. Os

deuses ento fabricaram a cadeia Dromi, que significa os grilhes, e que era muito mais forte que a anterior, mas esta tambm foi feita em pedaos por Fenrrir. Assim, Odn recorreu magia de um ano que fabricou uma corrente impossvel de quebrar com seis ingredientes maravilhosos: o rudo da queda de um gato a seus ps, a barba de uma mulher, as razes de uma montanha, a respirao de um peixe, os nervos de um osso e a saliva de um pssaro. Fenrrir foi persuadido a deixar-se atar com o lao que era to suave e frio como seda; e a magia do lao foi superior fora do lobo. Tanto se sacudia querendo escapar e tanto abria a boca querendo morder, que os deuses puseram-lhe uma espada a modo de cunha entre as mandbulas. A lenda diz que assim continuar at que chegue o Ragnarok. De Fenrrir descende toda a raa de lobos, incluindo os que perseguem o sol e a lua atravs dos cus.

O lobo Fenrir sendo amarrado por Odin

curioso observar como o folclore tradicional do lobo se mistura com a religio crist. De facto, na Galiza h alguns santos de misteriosa procedncia com estranhas associaes com os lobos. Mesmo assim, So Sava e So Teodoro, na Jugoslvia, e So Pedro na Romnia, so hoje considerados patronos dos lobos. Mircea Elade ressalta a antiguidade do que poderamos chamar licomitologia: O arcasmo do complexo religioso desenvolvido em torno do lobo esta fora de dvida. O lobo j estava presente na civilizao neoltica de VINCA, onde apareceram figurinhas que tanto representam ces-lobos como tambm danarinos com mscaras de lobo. No que respeita a estes ltimos objectos, e supondo que a interpretao seja correcta, no possvel definir se aludem a ritos iniciticos guerreiros ou a cerimnias sazonais durante as quais os jovens revestem-se com mascaras de lobo. Essas cerimnias ainda so populares nos Balcs, na Romnia, especialmente durante os doze dias que vo da noite de Natal at Epifania. Lobos Enviados Pelos Deuses:

Do mesmo modo que determinados animais, como a guia e o corvo, exercem uma funo oracular especifica, so numerosas as lendas greco-latinas nas quais o lobo surge como um prodgio enviado pelos deuses em funo de um pressgio. Esse o caso de Dnao: encontrandose frente a frente, Dnao e Gelanor, a ponto de iniciar um combate decisivo, ao amanhecer um lobo saiu do bosque e precipitou-se sobre um rebanho que passava por diante da cidade. Saltou sobre o touro, dominou-o, e finalmente matou-o. Os argivos, impressionados pela semelhana de Dnao com esse lobo, viram nesse prodgio a vontade divina e elegeram Dnao como rei dos Argos. Este ergeu um santurio a Apolo Licio. Tambm Psamate nereida me de Foco enviou contra os rebanhos de Peleo, que o haviam morto, um lobo furioso que foi convertido em pedra. Perto do monte Soracte montanha que eleva ao norte de Roma viviam os lobos de Sora (Hirpi Soranii). Sobre esta confraria de lobos, que danavam descalos sobre brasas de carvo, contava-se uma curiosa lenda conservada por Srvio: Numa ocasio em que os habitantes do Sorate se encontravam oferecendo um sacrifcio a Dis Pater, irromperam vrios lobos que subtraram das chamas pedaos de carne das vtimas. Os oficiantes lanaram-se em sua perseguio e aps uma longa estrada, viram como desapareciam penetrando numa caverna da qual saia um fedor pestilento. Era to espantoso o fedor, que no s matou os perseguidores como tambm espalhou uma epidemia por toda a comarca. Interrogou-se o orculo e este respondeu que, para serenar os deuses, os habitantes deveriam tornar-se semelhantes a lobos, ou seja, viver da rapina. Segundo Plnio o seu rito anual de caminhar com os ps descalos sobre as brasas era considerado como uma garantia de fertilidade para o pas; fazendo-o ficavam isentos de pagar impostos e do servio militar. Povos Sob o Signo do Lobo: Entre os indo-europeus, muitos foram os povos que surgiram a partir do lobo. Ao sul do mar Cspio estendia-se Hircania, literalmente pas de lobos. Em Frigia temos a tribo dos Orka (Orkoi); na Arcdia os Lyhaones; na sia Menor a Lucaonia. Um povo itlico, os Hirpinos, tem o lobo como animal originrio; segundo Estrabn, os Hirpinos receberam o seu nome do lobo que lhes serviu de guia at ao seu novo aldeamento; diz este autor que Hirpus o nome samnita do lobo, tradio tambm testemunhada por Festo. O homem da tribo samnita dos Lucanos, vizinhos dos Hirpinos, derivava, segundo Heraclito de Ponto, de Lykos, lobo em grego. Mircea Elide assegura que em regies to distintas como Irlanda, Inglaterra e Espanha existiram tribos com nomes alusivos ao lobo, como os Loukentioi e Lucenses na Glia Celtibrica. Na sia Central conhece-se, com numerosas variantes, o mito da unio entre um lobo sobrenatural e uma princesa, que haveria dado origem a um povo ou dinastia. Os Tu-Kiu, um ramo dos Hiong-nu, afirmavam proceder de uma loba mtica. Em cada ano, o Khan dos Tu-Kiu oferecia um sacrifcio loba na mesma gruta onde, segundo se queria, havia parido. Os membros da guarda pessoal do rei eram chamados de lobos e durante o combate levavam um estandarte rematado pela figura de uma loba dourada. No Livro Secreto dos Mongispodemos ler textualmente sobre os remotos princpios de seu passado: Uma vez um lobo azul baixou do cu. Casou com uma cora. E vieram os dois, Passaram as guas imensas, Acamparam onde nasce Onn, sob o monte de Burjan Jaldn.

Assim nasceu Batachijn. A partir deste primeiro homem, desta primeira semente, segue a linha at surgir um personagem decisivo na histria do mundo e criador de um grande imprio, talvez o maior da Histria: o seu nome Gengis-Khan. Temos irremediavelmente de voltar a socorrer-nos da erudio de Eliade, o qual fez um estudo exaustivo sobre lendas de lobos, to vinculadas a seu pas de origem, Romnia. Parece que os primitivos habitantes da regio dos Crpatos, os Dcios, foram inicialmente chamados de Daoi, o que significa semelhantes a lobos, da raiz Dhau, apertar, estreitar, estrangular. Este importante povo, com o lobo em seu estandarte, foi capaz de mobilizar cerca de 200.000 homens, segundo Estrabo. Jlio Csar compreendeu muito bem o perigo que representava esta nova potncia militar e preparava-se para atacar os lobos do Danbio quando foi assassinado. Mas a hitria tem caminho to estranhos como curiosos, sobre isso Eliade escreve textualmente: significativo o facto de que o nico povo que conseguiu vencer definitivamente os Dcios, que ocupou e colonizou o seu territrio e lhe imps a sua lngua, foi o povo romano, um povo cujo mito genealgico se formou em torno de Rmulo e Remo, filhos do deus-lobo Marte, amamentados pela loba do Capitlio. O povo romano foi resultado dessa conquista e assimilao. Na perspectiva da histria mitolgica poderamos dizer que esse povo foi engendrado sob o signo do lobo, ou seja, que est destinado s guerras, invases e migraes. O lobo apareceu pela terceira vez no horizonte mtico da histria dos daco-romanos e de seus descendentes. Com efeito, os principados romanos fundaram-se como sequela das invases de Gengis-Khan e de seus sucessores. E j vimos qual foi a origem do grande mongol. O Lobo Como Smbolo dos Fugitivos: Em consequncia da implacvel guerra que o homem lhe declarou, o lobo tem podido sobreviver como o eterno fugitivo graas sua notvel inteligncia e inesgotvel resistncia fsica. Os velhos armadilhes de sempre conhecem a dificuldade de enganar os lobos com as suas artimanhas de armadilhas e ratoeiras; parecem ter um sexto sentido para detectar estes perigos, evitando-os a tempo, como se Marte os quisesse proteger a todo o custo. Este facto foi desde sempre conhecido. Entre numerosas populaes indo-europeias, os emigrados, exilados e fugitivos eram apelidados de lobos. J nas leis Hititas se dizia de um proscrito que se havia convertido em lobo. Nas leis de Eduardo o Confessor, o proscrito tinha de levar uma mscara de lobo (wolfhede). O patbulo era designado em anglo-saxo rvore da cabea do lobo. Numerosos deuses protectores dos exilados e dos proscritos ostentavam atributos ou nomes relacionados com o lobo. Como vimos, o caso de Zeus Lykoreios e Apolo Lykeios. Rmulo e remo, filhos do deus-lobo Marte e amamentados pela loba do Capitlio, tambm foram fugitivos desde a mais tenra infncia. Segundo a lenda, Rmulo teria estabelecido no Capitlio um lugar de asilo para exilados e proscritos. Srvio disse-nos que este asylum se encontrava sob proteco do deus Lucoris, que se identificava com o Lykoreus de Delfos. A tradio narra-nos a aventura de Lopichis, antepassado do historiador Paulo Dicono que sendo prisioneiro dos Avaros, evadiu-se e foi guiado por um lobo at a sua ptria, Itlia. H motivos para acreditar que so esses ritos e crenas, intimamente relacionados com uma ideologia guerreira, que tornaram possvel a assimilao dos fugitivos, exilados e proscritos aos lobos. Para poder subsistir, esses proscritos comportaram-se como os bandos de jovens guerreiros, ou seja, como verdadeiros lobos. sabido que,

at ao sculo XIX, as reunies de jovens continuaram a incluir um banquete com vveres roubados viva fora, atemorizando as aldeias. Licantropia a Lenda do Homem-Lobo: O que a licantropia? Usemos o sofrido dicionrio, supostamente da Real Academia, que diz o seguinte: Licantropia, mania na qual o enfermo imagina estar transformado em lobo. Ser possvel? O Satiricon oferece-nos uma verso completa do mito do homem-lobo. Efectivamente, um dos primeiros relatos desta metamorfose maligna aparece num dos contos de Petronio. Um livro no menos divertido e maravilhoso, As mil e Uma Noites, no seu capitulo stimo, conta o que Basco Ibaez traduz como Historia do prncipe e a vampira, mas como os vampiros nunca devoraram mas apenas sugaram as suas vitimas, evidente que se trata de uma mulher loba. Inclusive o seu af de matar o prncipe e alimentar os seus cachorros com sangue fresco, instintos de loba, a qual reparte sempre a presa com os seus cachorros. Plato e o historiador Herdoto, j tinham falado da licantropia. Mencionaram tambm o acnito, essa planta de dupla utilizao que por um lado induz o homem a converter-se em lobo e por outro o cura da licantropia. Os nossos antepassados no puderam deixar de observar que o lobo tem uma relao especial com a lua. Os uivos do noivo de Hcate pela sua amada, deviam ser uma serenata constante para os homens que seguiam as matilhas selvagens. Sob a luz brilhante da lua cheia, os lobos comunicam por meio de uivos e assim se renem para caar. A lua constitui uma grande vantagem para o predador nocturno, e o homem emulou o seu concorrente. A lenda da licantropia persiste porque o lobo teve um papel importante no desenvolvimento dos hbitos humanos de caa. O professor e psiclogo, Robert Eisler, assegura que a lenda do homem lobo procede de um passado obscuro: quando os homens aprenderam a caar. Sem dvida, Robert Graves escreveu que os guardadores de gado da antiga Arcdia conceberam um papel diferente para o homem-lobo, mais alinhado com as necessidades do seu modo de vida. Segundo a teoria religiosa arcdia, enviava-se um homem a viver com os lobos, este convertia-se em homem-lobo durante oito anos e persuadia os lobos a deixarem tranquilos o gado dos homens e os seus filhos. Segundo a mitologia, Lican, o primeiro rei de Arcdia foi convertido em lobo por oferecer a Zeus o corpo de uma criana habilmente cozinhado. Na Arcdia tinham o costume de imolar uma pessoa e, os assistentes do acto comungavam devorando as suas entranhas. Ficavam ento convertidos em lobos e conservavam essa forma por oito anos, aps os quais recuperavam a figura humana se durante esse tempo no tivessem comido carne humana. Em Frana h muitos relatos de seres que, luz da lua, tm o poder de chamar e dirigir matilhas de lobos. Os que estudaram o comportamento destes ces selvagens sabem que um ser humano pode constituir-se lder de uma matilha nas mentes dos lobos. Algumas pessoas reuniram matilhas de lobos, como o personagem de Kipling no O Livro da Selva. Recordemos os trabalhos realizados sobre este tema pelo Dr. Rodrguez da Fuente e outros naturistas espanhis. A necessidade de se defender do lobo um facto ancestral que deu origem a rituais religiosos, de tal forma que, no arcasmo das religies greco-latinas, encontramos divindades e gnios protectores do gado. Esse o caso de Pan e dos faunos. Na mitologia vasc temos um curiosssimo gnio protector; de nome Basajaun, senhor dos bosques. A lenda descreve-o alto, com forma humana e coberto de pelo. Quando este gnio est perto no h perigo de que um lobo se aproxime. A sua presena anunciada pelas ovelhas com a sacudidela simultnea dos seus sinos. Apesar de se tratar de um homem-lobo de grandes dimenses, tem boas intenes. De qualquer modo, na pennsula, na Galiza onde est mais arreigada a lenda do lobisomem. Na Europa a lenda muito popular na Alemanha, e em especial na zona dos Balcs e dos Crtamos.

Em todos os lugares por donde o lobo tenha vagueado, as pessoas contaram historias estarrecedoras de homens e mulheres que assumiam a forma de lobos e se alimentavam de gado e de seres humanos. Apesar de em quase todo o mundo se pr em duvida as histrias de autentica transformao fsica, no podemos deixar de observar que uma lenda to disseminada deve representar uma verdade cultural e de comportamento. A maioria dos cientistas rejeitou totalmente os homens lobo enquanto sujeitos dignos de investigao devido aos preconceitos existentes contra tudo o que signifique transformao mgica. Ento, at que ponto so reais os homenslobos? H.P.B. descreve-nos assim este fenmeno: Fisiologicamente uma doena ou mania, durante a qual uma pessoa se sente lobo e actua com tal. Ocultamente, significa o mesmo que a palavra inglesa WerWolf, a faculdade psicolgica de certos feiticeiros de aparecer ou apresentar-se com aparncia de lobos. Com efeito, alguns indivduos psicticos, imaginando ser lobos, comportaram-se de modo agreste e selvagem, rasgando carne crua, delirando, evitando o contacto humano e deixando de se preocupar com a comodidade pessoal ou com a proteco contra os elementos naturais. Os relatos sobre este tipo de comportamento no so raros. As sociedades antigas, que nos revelam claramente os seus mitos, sabiam que existia uma relao definida entre a lua e a violncia. Mas, provavelmente, esta lenda recebeu mpeto adicional no Sc. XVII, quando se tratava de confinar loucos e lunticos a hospitais e prises. Como vimos, alguns manaco-depressivos podem ver estimulada a sua conduta manaca mais frequentemente durante a lua cheia. Nesses momentos aceleram-se os seus processos vitais unidos a seus ataques de agressividade selvagem, o que reforou a lenda do homem-lobo nos sculos passados. At 1808 era comum, durante essa fase da lua, acorrentar e espancar os internos do famoso hospital Bedlam, em Londres, para impedir a violncia. Sem duvida a histria demonstra que a sociedade foi muito cruel com essa figura pattica do homem-lobo. H.P.B., por exemplo, fazendo um pouco de histria disse textualmente: Voltaire afirma que no departamento de Jura, no espao de dois anos, entre 1598 e 1600, uns seiscentos licantropos foram sentenciados morte por um juiz demasiado cristo. Isto no significa que os pastores acusados de heresia e vistos como lobos tivessem o poder de se transformar fisicamente nos ditos animais, mas simplesmente de que possuam o poder hipnotizador de fazer crer as pessoas (ou aquelas que consideravam seus inimigos) que estavam a ver um lobo, quando na realidade no havia nenhum. O exerccio de tal poder verdadeira heresia. Os romanos chamavam lobas s prostitutas, da vem a palavra prostbulo, e acreditavam tambm que a estranha metamorfose podia produzir-se se se encolerizava a aterradora Hcate. Os Xamanes e bruxos usaram sempre em seus ritos as formas de animais totmicos. provvel que a licantropia se tenha originado desse modo, pois o lobo foi um importante animal totmico. O professor Lieber, no seu estudo sobre o influxo da lua, afirma de modo taxativo: Quando um homem capaz de aceitar as tendncias lobitas existentes no seu interior sua herana evolutiva - , no necessita mais de uma vitima propiciatria, nem humana nem animal.

Evidentemente, mais alm das balas de prata disparadas ao corao e mais alm dos espectaculares efeitos de maquilhagem dos filmes, o homem-lobo tem uma realidade fsica e, mais ainda, esotrica. O Lobo nas Iniciaes Guerreiras: Tomando como ponto de partida a realidade esotrica do homem-lobo, vamos ver como a imitao ritual deste poderoso animal um trao especfico das iniciaes guerreiras. Em Esparta, durante a provao, o Couros lacedemnio vivia todo o ano como se fosse um lobo; oculto nas montanhas, alimentava-se do que roubava e tinha muito cuidado para que ningum o visse. Entre os Koryakos e algumas tribos norte-americanas como os Kwakiult, antes de partir para a guerra, executavam as danas do lobo e a porta da cabana inicitica tinha a forma do focinho do animal. O guerreiro transformava-se em lobo como forma de preparao mgica para a guerra. Por isso Mircea Eliade disse: Muitas lendas e crenas populares sobre o homem-lobo poderiam explicar-se por um processo de folclorizao, quer dizer, pela projeco no mundo da fantasia de uns rituais concretos, xamnicos ou de iniciao guerreira . G. Dumzil demonstrou a sobrevivncia de certas iniciaes guerreiras entre os celtas e os romanos, enquanto que H. Jeeanmaire encontrou rastos desses ritos iniciticos entre os lacedemnios. Parece, assim, que os indo-europeus compartilhavam um sistema comum de crenas e de ritos prprios dos jovens guerreiros. A iniciao guerreira consistia essencialmente na transformao do jovem guerreiro em fera. No se tratava unicamente de bravura, fora fsica ou capacidade de resistncia, mas de uma experincia magico - religiosa que modificava radicalmente o modo de ser do jovem guerreiro. Tratava-se de uma transformao ritual em lobo, a qual implicava a solidariedade mstica com uma divindade da guerra capaz de se manifestar em forma de lobo (como por exemplo o deus Marte). Entre os antigos germanos, os guerreiros-feras eram chamados Berserkir ou Berserks, literalmente guerreiros revestidos de (serk) ossos. Eram conhecidos como Ulfhedhnar, homens com pele de lobo. Desta forma o Berserk era possudo pelo Wut, o furor heroicusdos romanos. A mitologia viking diz-nos que s os guardies principais de Odn podiam pertencer fraternidade secreta dos guerreiros berserkir. Alguns historiadores afirmam que, com o decorrer do tempo, ao perder-se a verdadeira implicao esotrica, os berserkir eram simplesmente guerreiros que adoptavam formas brutais, comendo carne crua e proferindo alaridos que provocavam a averso dos seus prprios companheiros. Nas legies romanas tambm se concedia de modo selectivo a pele de lobo. De facto, s punham a pele de lobo soldados de classe especial, como o Cornicem ou Corneta e os Signifer ou Portaestandarte dos Signum. Apesar de em pocas diferentes ter sido a vestimenta de campanha de corporaes inteiras de soldados de Velites ou soldados de infantaria ligeira. A assimilao da pele de lobo como indumentria prpria de alguns elementos das legies romanas parece ter sido por influncia dos Dacios do Danbio, segundo Eliade. Os textos irdios falam repetidas vezes de lobos de duas patas, afirmando, inclusivamente, que os lobos de duas patas so mais mortferos que os de quatro patas. Neste caso referiam-se aos membros dos Mnnerbnde ou fraternidades secretas de guerreiros irdios. Podemos concluir dizendo que a procura desse furor heroicusdo lobo, a imitao ritual dessa valorosa criatura, colocando em si a sua pele, foi um fenmeno amplamente difundido entre os melhores guerreiros desde a mais remota antiguidade; acrescento que na dcada dos anos vinte, o movimento nazina Alemanha, formou a organizao dos homens-lobos. (Recordemos que loboera o sobrenome de Adolfo Hitler). Supe-se que no fim da 2 Guerra Mundial esta organizao continuou lutando em guerrilha contra os aliados. Nada se sabe sobre a sua

organizao interna, desconhecemos se praticavam algum tipo de cerimonial, mas evidente que os seus membros tinham bastantes problemas em conseguir manter-se vivos e ocultos nas montanhas. Fique ento, como concluso, que esse furor herico que o guerreiro procurou atravs dos sculos, no foi mais do que a necessidade dessa fora imparvel, dessa potencia natural, desse lobo enfurecido capaz de arrasar as barreiras que a matria ope elevao do ser humano no seu aspecto espiritual. O furor herico do lobo no se pode ver, num ser humano, como a brutalidade ou destruio cega, sinal claro de nfima evoluo. a prpria conscincia espiritual do sagrado Marte, o Deus-lobo, que arremete de forma consciente e imparvel contra o pior inimigo do guerreiro, que sem duvida a parte mais baixa de si mesmo. O guerreiro mstico de todos os tempos sabia que esse grande lobo estava latente no seu interior e que podia enaltecer-se voz do grande deus, voz do lobo supremo; por isso disse certa vez: ARES VIGILA!

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