Discurso e Alfabetização
Discurso e Alfabetização
Discurso e Alfabetização
ZANLORENSE, Maria Joslia -UNICENTRO E-mail: [email protected] BATISTA, Ubiratan Augusto Domingues E-mail: [email protected] rea Temtica: Educao: Teorias, Metodologias e Prticas Agncia Financiadora: No contou com financiamento Resumo Este trabalho pretende apresentar reflexes sobre a alfabetizao, questionando qualidade, ideologia, mtodos e o uso dos materiais didticos na escola; que apresentam a escrita como um elemento descontextualizado da vida do aluno. O emprego da mesma apregoa o ensino apenas de fonema/grafema sem levar em conta o pensar da criana; no valorizando o discurso da mesma como oportunidade de aprendizagem e a funo real da escrita na sociedade. Buscamos com este estudo averiguar o processo de alfabetizao por meio do discurso do aluno e nas interaes entre as crianas na sala de aula, visto que com este proceder procuramos proporcionar uma aprendizagem em que cada criana tivesse o conhecimento do que e para que estava escrevendo. O presente artigo resultou de uma pesquisa qualitativa, de cunho participativo, visando averiguar o processo de ensino aprendizagem da criana em fase de alfabetizao, alm de um aprofundamento terico a respeito do tema. Neste pensar que fundamentados nas pesquisas de Kato (1998), Kramer (2001), kleiman (1998), Cagliari (1998), Smolka (1991), e Soares (2004), que nos possibilitou um aprofundamento acerca dos conceitos referentes a alfabetizao e letramento nas sries iniciais. Tambm esta anlise bibliogrfica, juntamente com a realizao da pesquisa, nos proporcionou um pensar sobre o papel poltico do professor em que o mesmo pode oportunizar momentos de reflexo sobre o porqu e para que se escreve, permeando esta escrita de sentido, para que o aluno perceba ser a escrita algo que expressa pensamentos, intenes, enfim, que o mesmo compreenda sua funo social e saiba relacionar-se atravs dela na sala de aula e na vida. Sobre esta tica entendemos que alfabetizar dentro desta perspectiva, por meio do discurso do aluno, contribui satisfatoriamente na aquisiuao da linguagem escrita, alm de contribuir de maneira positiva na convivncia entre os alunos e, alunos-professor. Palavras-chave: Escrita; Discurso; Alfabetizao. Introduo
A alfabetizao um assunto questionado por todos aqueles que se envolvem com o referido tema, assim como sua qualidade em nosso pas, em que apresentada por certos estudiosos como algo que deve ser avaliado, valorizado e defendido, porm, h quem diga que a mesma deve ser repensada na sua aplicabilidade e clientela no mbito de sala de aula.
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Com base nos trabalhos de Soares (2004) e Rojo (1998), que abordam a questo da alfabetizao das crianas das classes populares do Brasil. Este trabalho pretende realizar uma anlise dos estudos em que os pesquisadores relatam a ausncia do discurso da criana em sala de aula, como elemento de compreenso da funo social da escrita, visto que o contedo destes documentos abordam, alm do discurso, o letramento, que vai alm da posse individual de habilidades e conhecimentos da leitura e da escrita implicam em, e principalmente, o domnio destas e o seu uso efetivo na sociedade. Apesar de muitas discusses sobre alfabetizao, nossa sociedade ainda enfrenta o problema do mau desempenho destas crianas, que no tm em seu cotidiano o uso efetivo de textos com suas funes reais, prtica esta que proporciona as crianas o conhecimento da sua aplicabilidade na sociedade por meio do contato e do uso desta, que seria o meio para a compreenso da funo social da escrita. Fazem-se tambm observaes a respeito dos materiais didticos, em que a escola faz uso, como nico caminho a ser seguido, como um modelo escolar deixando de aproveitar o contexto da sala de aula onde surgem inmeras oportunidades de registro do dilogo das crianas possibilitando assim, que elas atribuam sentido nas palavras que esto sendo
discutidas no momento, registrando o que pensam, sentem, gostam, enfim, que a escola, na pessoa do professor proporcione para o aluno oportunidade de relacionamento, de interao entre professor e alunos e alunos entre si, para que acontea a apropriao da escrita de maneira contextualizada, por meio da mediao do educador e com a participao significativa entre colegas.
O alfabetismo no Brasil
Para entender melhor o tema abordado, busca-se com este artigo conhecer os estudos sobre a questo do letramento e a prtica discursiva de alfabetizar sob o enfoque interacionista que norteia o estudo sobre o tema Alfabetizao e Letramento abordado por diversos autores que questionam sobre a alfabetizao no Brasil e por meio de seus escritos iniciar esta reflexo a respeito deste assunto que muito discutido entre diversos educadores brasileiros. Soares (2004), em seu livro Alfabetizao e Letramento, apresenta uma reflexo sobre o assunto que o ttulo de sua obra e busca levantar questes respeito do fracasso escolar das crianas, principalmente as pertencentes s classes populares que encontram-se na escola pblica e por algum motivo no correspondem ao contedo que lhe apresentado
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como proposta para ler e escrever. A partir destas questes, que so analisadas na obra da mesma, estas crianas so consideradas problemticas, tornam-se repetentes e acabam por evadir-se da sala de aula. Estes e outros motivos que devem despertar nos educadores reflexes sobre a maneira de alfabetizar, levando em considerao a realidade sociocultural da criana, pois estes quesitos so primordiais para iniciar o processo de alfabetizao do aluno. Sugere a autora que deve ser analisada toda a qualidade da alfabetizao, desde o currculo, mtodo, considerando tambm fatores extra-escolares, entre eles a alimentao, sade, higiene e programas de aperfeioamento dos alfabetizados. Alm destes, discute a qualidade e o conceito que a alfabetizao tem no Brasil, o modo como mesma avaliada, que envolve questes polticas e ideolgicas e oferecida ao sujeito conforme o nvel social a que pertence. A esse respeito, a autora (SOARES, 2004 p.54) relata o seguinte:
Uma outra concluso prope questes que so essencialmente ideolgicas e polticas, e apenas secundariamente so questes tcnicas; ao construir a coisa que para ns ser a qualidade da alfabetizao. Determinando-lhes as condies, estaremos constituindo um objeto marcado historicamente, socialmente e culturalmente, portanto estaremos agindo ideologicamente e politicamente e a decidir se a todos ser dado o mesmo, ou a cada um, segundo as caractersticas de seu contexto de vida, estaremos nos aproximando ou nos afastando da justia social.
Com estas palavras podemos observar a influncia das decises polticas e ideolgicas na educao apresentada pela autora acima citada. E este pensar proporciona uma melhor reflexo sobre as questes polticas e sociais no contexto histrico brasileiro. Sendo ento o letramento o domnio e uso pleno da escrita numa sociedade letrada, qual seria a causa da no correspondncia dos que freqentam os bancos escolares, principalmente do ensino pblico? Soares (2004) apresenta ento como proposta a busca de um mtodo para alfabetizar:
Diante do assustador fracasso escolar, na rea da alfabetizao, e considerando as condies atuais de formao do professor alfabetizador, em nosso pas, estamos, sim, em busca de um mtodo, tenhamos a coragem de afirm-lo. Mas de um mtodo no conceito verdadeiro desse termo: mtodo que seja o resultado da determinao clara de objetivos definidores dos conceitos, habilidades, que caracterizam a pessoa alfabetizada, numa perspectiva psicolgica, lingstica e tambm (e talvez, sobretudo) social e poltica. (SOARES, 2004, p.95)
Segundo a autora o mtodo proposto no serve apenas para a decodificao de sinais grficos, mas que torne a pessoa alfabetizada, algum que saiba fazer o uso das habilidades
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adquiridas no mbito escolar e consigam autonomia para se relacionar na sociedade em que est inserida. No se pode deixar de relatar as crticas apresentadas por diversos autores sobre o uso de cartilhas, com textos prontos, lies insuficientes distante da vida da criana. Sendo que estes materiais so preparados sem levar em conta que muitas destas crianas tero seu primeiro contato direto com o escrever na escola, pois, embora a criana conviva com uma variedade de oportunidade e contato com escrita tais como: rtulos, propagandas, jornais, etc., em seu cotidiano, dependendo do meio em que vive, nem sempre ela compreende ou aprende que esta escrita tem finalidade. neste sentido, que Soares (2004, p.75) alega que na escola, trabalhando desta forma, a escrita no faz sentido para a criana, pois a mesma s escreve o que a escola deseja e prope, sendo a alfabetizao algo alheio realidade social e cultural a que pertence o sujeito. Afirma Cagliari (1998, p.66) que as cartilhas dirigem demais a vida do aluno na escola, em que o mesmo tem de seguir apenas um caminho, por onde passam todos; s podem pensar conforme o mtodo manda e fazer apenas o que est previsto no programa, quando a criana precisa sair dessa forma de aprendizagem com elementos j dominados e depara-se com o desconhecido no sabe progredir. Neste momento aparece a dificuldade de apregoar o uso real da escrita como forma de expresso de pensamento e comunicao entre os demais com quem se relaciona. Neste sentido a aparente dificuldade que pode ser atribuda apenas como uma tcnica de ensino no muito refletida em favor da prtica social, ento interpretada de diversas maneiras e uma delas a dificuldade de aprendizagem com repetncias e evases escolares. Soares (2004), em seu trabalho adota uma perspectiva discursiva, que considera a dimenso social em, que vive o aluno. Devem-se, por este mtodo, contextualizar aluno e escrita, atribuindo sentido as palavras que a criana registra, para que a mesma compreenda ser esta um conjunto de fenmenos e expresses culturais e sociais pela qual pode-se externar seu pensamento e estabelecer relacionamento daquilo que se diz ou se quer dizer utilizando a escrita. Neste momento, as crianas podero compreender seu uso atravs de hipteses, tentativas do criar e desvelar, deixando a escrita artificial apresentada pelo uso da cartilha e atribuindo a funo social na proposta da interlocuo real, numa perspectiva sociolingstica, passando tambm a criana a compreender as diferenas da fala existente em nosso idioma, sua relao, semelhanas e diferenas entre oralidade e escrita. Desta forma, ento, ela passa a
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corresponder ao ensino proposto e ocorre a insero do sujeito, principalmente das classes populares no mundo letrado. A escola deve promover o alfabetismo, isto , proporcionar condies em sala de aula para conduzir as pessoas a uma aprendizagem significativa, com potencial para compreender e interagir nas relaes existentes na sociedade, na vida. E, a partir de ento, o sujeito passa a transformar seu modo de pensar e tambm sua realidade, pois a partir do momento em que este passe a refletir respeito do que quer expressar atravs da escrita, a ele oportunizado o pensar sobre o que quer escrever. A escola possibilitando este pensar estar oportunizando o sujeito a refletir sobre as situaes que lhe so apresentadas, o que proporciona decises assumindo uma postura crtica frente as opinies, ou seja, criar-se-ia no s oportunidade de aprender a ler, escrever, interpretar, mas junto destas, aprender a pensar, formar conscincia, refletir sobre o que lhe proposto. Desta forma a alfabetizao deixa de ter a simples funo de decodificao para assumir realmente sua finalidade social.
Partindo destas observaes e estudos os autores apresentam reflexes sobre o papel do alfabetizador, afirmando que o mesmo deve compreender e interpretar a realidade do aluno dentro das facetas citadas por Soares (2004, p. 24), e neste conjunto de condicionantes sociais, construir ento sua prtica pedaggica, assumindo uma postura poltica diante do seu trabalho dentro da sociedade, passando a formar pessoas aptas ao uso da leitura e da escrita, dominando-as e incorporando-as em seu cotidiano como expresso/compreenso, usando-as em seu contexto de vida como instrumento de promoo de mudana social, na realidade em que o sujeito est inserido.
A primeira exigncia, que poderia reduzir os pontos de conflitos, certamente implica a presena de um professore extremamente sensvel s diferenas culturais, tanto para a leitura e a interpretao do discurso do aluno. Quanto para criar os suportes necessrios para a compreenso mtua, condio necessria para a aprendizagem. (KLEIMAN, 1998, p. 178-179).
Ao tomar posio, consciente de seu papel na sociedade, o alfabetizador poder proporcionar, em sala de aula, um ambiente de aprendizagem em que a criana passe a ter
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oportunidade de expressar-se interagindo com o professor e com os colegas, experimentando a escrita com suas funes pessoal e social. Que a experincia de aprendizagem da escrita seja proporcionada atravs do discurso da criana, e este discurso, ao ser escrito, seja fruto de reflexo sobre momentos ou acontecimentos que faam parte da vida do aluno, sendo ento uma aprendizagem permeada de sentido, e assumida nesta perspectiva, o educador contribuir para que a escola deixe sua forma descontextualizada de alfabetizar e passe a preparar alunos de maneira que os leve a unir pensamento e linguagem escrita, fazendo-os descobrir suas diversas funes, para que esta passe a ser usada em seu cotidiano. Desta forma, a escola na pessoa do professor, ajudar a criana a ampliar o universo de seus conhecimentos e, quando necessrio, explicar a elas o que elas ainda no sabem o que fizeram e por que fizeram nas suas tentativas de aprendizagens, e o que precisam fazer para progredir nesta caminhada escolar, pessoal e social. Nesta perspectiva, ao assumir o papel do outro, como quem contribui para a elevao e desenvolvimento do ser em formao, haver ento uma ao consciente da parte do educador, que contribuir para que lentamente mude-se a realidade do analfabetismo das classes populares no Brasil proporcionando a elas a oportunidade a que tm direito. Ante as formas de proporcionar a aprendizagem ao aluno atravs do discurso Soares (2004), apresenta seu conceito sobre a aquisio da escrita e o papel do educador, quando afirma que:
Alm de se permitirem escrever palavras no treinadas construindo e experimentando hipteses sobre as correspondncias fone/letra, utilizam a escrita com as funes pessoal e interassional: expressam seus sentimentos, interagem com a professora. Demonstra ter da escrita um conceito adequado: um meio de chegar a um interlocutor ausente e de atingir um objetivo pessoal de interao. (SOARES, 2004 p. 76).
A alfabetizao assumida desta forma pelo professor proporcionar uma compreenso da sua dimenso ampla na sociedade, sua utilidade alm de fazer com que o aluno escreva os momentos que vivem em sala de aula, participando ativamente desses momentos. E para tanto se compreende que ele aprende desde sua infncia, que pode opinar, sugerir, contribuir, fazer parte do ambiente em que est inserido. Assim a escola abre espao para que a criana se expresse, aprenda a participar, a opinar, aprenda a expor o que pensa. Estes momentos contribuiro para que o mesmo no seja um sujeito isolado, alheio, mas tome posio perante
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os assuntos propostos, conhea a diversidade de opinies, conhecimentos e realidades existentes junto aos colegas, troquem idias, interajam com o grupo, enfim, que a escola permita existir um relacionamento simtrico e assimtrico, isto : do aluno com ele mesmo e com o outro, e ambos como membros participantes da sociedade. Com isso a escola deixar seu carter artificial de decodificao de palavras, apenas preocupando-se com fonema/grafema atravs da repetio, sendo esta prtica algo que supria as necessidades de um determinado momento histrico, nos momentos atuais preciso ir alm destas habilidades para no ficar margem da sociedade, o que Soares critica claramente quando diz que:
necessrio, porm que se avance para alm desta etapa inicial de acesso lngua escrita, alterando-se as condies de leitura e produo de texto na escola, de modo que a criana conviva com regras discursivas do texto escrito e possa, assim, construir seu conhecimento e fazer uso delas. (SOARES, 2004, p. 113)
Smolka (1991), com esta mesma viso sobre a alfabetizao, aborda a temtica do discurso em sala de aula. O ensino da lngua oral e escrita no , para a autora, apenas um objeto de conhecimento na e da escola, com uma nica inteno de ensinar e transmitir. Deveria ento a escola fazer funcionar esta escrita, em seu interior como algo que ligue um aluno a outro, que eles se entendam e passem a conhecer que a escrita uma linguagem que comunica, que diz, que expressa, estabelece relaes, atravs dela interage-se com o mundo, mostra-se o pensamento. Poder-se-ia dizer que a escola no pode apenas transmitir, mas deve criar proporcionar momentos que construa no sujeito um conceito adequado do uso da escrita em sua vida. Ao contrrio disso, a mesma antes desaprendida do que aprendia sua funo social no assimilada pelo aluno e, tambm no considerada pela escola, segundo Smolka (1991, p.49): nesta situao, como em inmeras outras do contexto escolar, o ensinar e o aprender a ler e a escrever se deslocam e se diluem nas questes disciplinares. Desta forma, o domnio da escrita passa a ser de uma simples tcnica, e os efeitos deste ensino so tragicamente evidentes, no apenas nos ndices de evaso e repetncia, mas tem como resultado uma alfabetizao sem sentido, desvinculada de seu uso real, em que a criana aprende a escrita em forma de simulacro. Neste sentido, pode-se descrever a escola como aquele rgo que se preocupa com atividades motoras, impedindo ou no proporcionando criana oportunidades de pensar.
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Com este proceder, a alfabetizao reduz-se a um processo individualista e solitrio. Passa a ser esta atitude um empecilho, um bloqueio transformao e elaborao do conhecimento crtico, sem oportunidades de elaborao entre sujeitos aprendizes em sala de aula, construindo a idia ou mito da auto-suficincia, surgindo os fracos e incompetentes como justificativa para a no compreenso e assimilao da aprendizagem. Agindo assim, a escola deixa de proporcionar aquilo que todos tm o direito e a necessidade, que o exerccio efetivo e competente da tecnologia da escrita e pode passar a impedir o indivduo de us-la em seu benefcio para suprir as necessidades que este poder encontrar no contexto cultural e social em que vive. Sendo ento a alfabetizao um conjunto de prticas sociais e tendo a escrita como sistema simblico, Smolka (1991, p.69), ressalta o papel do interlocutor como de suma importncia para que acontea, no contexto da sala de aula, a compreenso por parte da criana do uso da escrita. Pois j que esta escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo, isto implica ou pressupe sempre um interlocutor. O papel do outro fundamental para o aluno perceber o sentido daquilo que escreve, e desta forma, ele aprende que atravs do que se escreve ter algum para ler e compreender aquilo que se tem a inteno de transmitir. nesses momentos de interao que a linguagem escrita se cria se transforma e constri como conhecimento. Dessa forma, quando se d nfase na escritura espontnea do aluno, quando o mesmo pode expressar livremente suas idias atravs de textos sobre sua realidade de vida, registro de acontecimentos, todo e qualquer modo que favorea o entendimento de para que serve saber ler e escrever, confirma-se a capacidade que a criana tem de saber usar, de registrar o que pensa, construindo relatos e enunciados j no incio da alfabetizao. Fugindo dos temas dos livros didticos, certamente a criana ter um conceito diferenciado das funes da escrita porque est fazendo uso dela. Como diz Smolka (1991) As crianas aprendem a escrever escrevendo e, para isso, lanam mo de vrios esquemas: perguntam, procuram, imitam, copiam, inventam, combinam (...) As crianas aprendem um modo de serem leitoras porque experimentam a escrita nos seus contextos de utilizao. Portanto, esses momentos revelam a capacidade criadora do sujeito ao mesmo tempo em que proporciona profunda compreenso por parte da criana, pois a mesma percebe que pode usar esta escrita para fazer e refazer, dizer o que quer mudar construir inmeras possibilidades de contar o que deseja e revelar seu ser. Expondo-se pela escrita, ela mostra o
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que o que quer e precisa, isto facilita inmeras oportunidades para que o educador a conhea em sua essncia e cultura e a partir da crie-se oportunidade e avance para uma aprendizagem significativa. Atravs do jogo de palavras pode-se ampliar o que j conhece ir alm, descobrir que nestas palavras colocam-se as emoes, atravs da interao, proporcionar oportunidades de exteriorizao do dizer de cada um, surgindo dilogos, troca de idias, momentos intensos de interdiscursividade, oportunizando reflexes, questionamentos sobre determinados assuntos que permeiam o ambiente escolar e, tambm, a vida de cada aluno, promovendo ento esta interao entre as crianas, com temas que venham a contribuir para que o aluno reconhea a utilidade da escrita na sociedade em que est inserido. Com isso se coloca a questo poltica e pedaggica do papel da escola, objeto de crtica de Smolka (1991 p.128), que diz: a escola tem ensinado as crianas a escrever, e no a dizer, apresentando ento a partir deste comentrio um carter ideolgico em que se tem um objetivo para os resultados existentes no ensino brasileiro. Com esta inteno, o proceder da escola camufla uma realidade, pois para muitos no convm que seja exposta. Assim, aqueles que no conseguem acompanhar o que a instituio escolar prope, continuam sendo vistos como incapazes, sendo banidos dos bancos escolares e aumentando o ndice do analfabetismo em nosso pas. Neste sentido que Smolka (1991, p.112), afirma: no convm que elas digam o que pensam que elas escrevam o que dizem que elas escrevam como dizem, (porque o como dizem revela as diferenas). Deste modo, vemos que a escola, no que concerne ao compromisso com a alfabetizao, usando suas intenes ideolgicas, est distante de superar suas deficincias, enquanto continuar buscando primordialmente a perfeio grfica, no permitindo a explorao da lngua escrita como expresso de pensamento, interao social, conjunto de prticas sociais e linguagem constituda de sentido. E deixa acontecer em seu interior institucional apenas a repetio de palavras e frases formuladas, que vem resultar em alunos que no se identificam com este ambiente, no conseguem abranger, e compreender o pensar da escola que ao apresentar modelos didticos descontextualizados, impedem o aluno de criar e aprender a escrita como prtica discursiva entre professor e alunos. Nesse sentido, enfatiza Soares (1998, p.119) que Assim quando Paulo Freire se insurge contra as lies que falam de Evas e uvas (...) est se insurgindo contra a
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alfabetizao considerada apenas aquisio/decodificao e no como ato de reflexo, de criao, de conscientizao, de libertao. Mais do que uma aquisio de tcnica, a alfabetizao deve proporcionar aos alunos comunicarem seus discursos, assumindo seu papel na sociedade enquanto sujeito ativo, assim a escola vai criando oportunidades de que ele assuma seu dizer, tomando posio como cidado, isto facilitar sua relao com a escrita, proporcionando seu emprego nas diversas situaes de uso. Assim, as pessoas so capazes de desenvolver perfeitamente o domnio da leitura e da compreenso das informaes escritas que lhe vo sendo apresentadas para no serem exclusas da sociedade. Kleiman (1998), tambm investiga o fenmeno do letramento mediante a anlise da interao de sujeitos letrados e no letrados no contexto escolar e como se d o processo de transformao social atravs da linguagem, privilegiando a interao em sala de aula. Defende a ocupao da linguagem como elemento central na aprendizagem, destacando a dimenso instrumentadora e capacitadora que a escrita tem na sociedade. Portanto, a alfabetizao no deve ser na vida da criana algo imposto, mas deve ser uma descoberta, um desenvolvimento de relaes da criana com a escrita, fazendo o alfabetizador, acontecer uma interao entre alunos. A este respeito, Kleiman (1998, p. 192), observa que: Atravs das prticas discursivas em sala de aula que propiciem de fato as condies necessrias para os alunos construrem novas identidades sociais atravs do processo de aquisio da escrita. Com este pensar, a autora, em seu trabalho, v a interao dos alunos em sala de aula com pressuposto de alfabetizao. Mostra que o educador pode fazer acontecer na escola, a funo social da escrita como forma de comunicao, desenvolver neste ambiente um relacionamento onde h interao entre os sujeitos que dialogam para depois escreverem, existindo o reconhecimento do que pensa, fala, interpreta, age, enfim: com este momento acontece o sentido real da escrita. Como afirma a mesma (KLEIMAN, 1998, p. 180): a interao se dava entre colegas que conversavam sobre uma ao que permitiria a continuidade de outra tarefa, a de criar um texto. Esta situao de escrita vem facilitar novas formas de analisar a linguagem discursiva que utilizam os alunos, pois, cada um dos participantes se faz de leitor do que o outro escreveu compartilhando seus conhecimentos e relacionando-os na oralidade e na escrita com
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o outro. Tem, portanto, oportunidade de apropriar-se da mesma, conhecer sua utilidade social e saber us-la em sua vida. Outro conceito proposto nestes referenciais, entre eles, Kleiman (1998) e Soares (2004), sobre a estrutura discursiva e o papel da escola como lugar propcio para que se concretizem os aspectos ideolgicos e sociais determinados por aqueles que acreditam ser o saber livresco o nico a ser valorizado e reconhecido na sociedade em que vivemos. Apontando as diferenas da organizao da fala a responsvel pelo insucesso daqueles que so pertencentes s camadas populares em sua aquisio da comunicao formal e a aprendizagem. Kleiman, (1998, p.177), aponta uma ateno para as diferenas culturais quando afirma que As evidncias apontam, marcadamente, para a concluso de serem as formas culturalmente determinadas de organizao da fala, em grande parte, responsveis pelas falhas ou sucessos na comunicao e, por extenso na aprendizagem. Deveria ento a escola refletir ou renovar sua maneira de ensinar, pois a mesma no contribui para a diminuio da desigualdade do conhecimento e ressalva a autora, a importncia do ambiente escolar nas sries iniciais junto s crianas pertencentes s classes desfavorecidas, a sua dificuldade de encontrar na leitura e na escrita uma atividade significativa. A escola precisa dar chances s crianas para vivenciarem o que precisam aprender, que o que aprendem tem significado na vida e para a vida. Aponta-se tambm para o fato do uso destes elementos citados no ambiente familiar, que a presena da escrita em casa uma condio necessria para que se passe a adquirir a funo desta prtica. Neste contexto, o letramento se desenvolve mediante a participao da criana no cotidiano dos pais. O que j no est presente na realidade das famlias dos grupos marginalizados Se estas crianas no tm estes objetos, tais como: revistas, jornais, livros, cartas, entre outros, nem na casa, e da mesma forma na escola, tambm sero poucas as possibilidades de uso da escrita por ela estabelecida. (KATO, 1998, p. 26). preciso ento usar as prticas da escrita para fazer com que a criana d significado ao seu uso e aprendizagem, e, portanto, nas interaes em salas de aula, atravs do discurso dos alunos como ferramenta de aprendizagem que se faz acontecer interao social favorvel ao exerccio da cidadania.
Consideraes Finais.
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A anlise deste tema Alfabetizao e dinmica discursiva na sala de aula teve como objetivo tentar compreender como aconteceu o processo de ensino-aprendizagem da lngua escrita, em uma dinmica discursiva na sala de aula, por meio de atividades que fazem parte da realidade da criana e proporcione a esta escrever por meio de propostas significativas. Assim como temas e assuntos que os mesmos participam em seu cotidiano e procuram compartilhar com seus colegas em sala de aula quando entre eles surgem momentos de conversa e troca de experincia. Ao abordar o tema alfabetizao, no se pretende apenas sugerir que esta seja uma proposta nica e a mais indicada ao sucesso. E que com o emprego de outros mtodos no seja alcanado os objetivos desejados, porm podemos afirmar ser este estudo resultado de um caminho percorrido no decorrer de um ano letivo que permitiu observar um real resultado do vivenciar, conversar, pensar e registrar o que vivenciou-se pelos alunos. E esta veio a ser de grande apreo na aquisio da escrita por crianas de uma segunda srie. Uma outra questo a ser valorizada a necessidade de repensar o conceito do currculo que norteia a prtica escolar, visto que, nesta proposta, o aluno ao participar ativamente no ambiente alfabetizador ter maior facilidade de compreender e aplicar o uso da escrita em sua vida e atingir com ela seus variados objetivos. Neste sentido aponte-se para que a escola d ateno cultura pertencente aluno e, tambm, reflita sobre seus mtodos de alfabetizao para que acontea a vinculao entre a aprendizagem escolar e a vivncia do sujeito, que a escrita deixe de ser descontextualizada e assuma na vida do aluno suas funes sociais. Para que isso acontea, qual seria o caminho a ser percorrido ou traado pela escola alm do uso do discurso do aluno? Ser que a simples utilizao de determinado mtodo de ensinar assumido pela escola na pessoa do professor o suficiente para que se mudem as diferenas sociais no Brasil? Enquanto no se chega a uma definio sobre tantas indagaes a respeito do alfabetizar e o papel da escola, uma certeza se pode ter: ambas devem favorecer e garantir a conquista da cidadania e proporcionar condies de habilidades plenas ao sujeito de viver em sociedade letrada.
Referncias.
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