Há Lugar Ainda para MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

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Há lugar ainda para métodos

de alfabetização? Conversa
com professores(as)

Andréa Galvão e Telma Ferraz Leal

A alfabetização é algo que deveria ser ensinado


de forma sistemática, ela não deve ficar diluída
no processo de letramento.
Magda Soares

Para começo de conversa

Ao sermos solicitadas para escrever este artigo veio-nos logo


a idéia de podermos refletir com os professores e as professoras
sobre um tema tão atual e instigante quanto os caminhos e descami-
nhos da alfabetização. Conhecer ou revisitar alguns métodos de alfa-
betização é nos lançar a questão: “É possível alfabetizar sem méto-
do?” Ou, “Qual é o melhor caminho a trilhar para a aquisição da leitura
e da escrita por nossos alunos?”
Muito se escreveu sobre esse tema e muito conhecimento foi pro-
duzido acerca da aprendizagem dos alunos, sobretudo com as pesquisas
sobre a psicogênese da língua escrita, desde os trabalhos de Ferreiro e
Teberosky a partir dos anos 1980. No entanto, como indica Ferreiro (2005)1

1
Alfabetização, letramento e construção de unidades lingüísticas. In: Seminário
Internacional de Leitura e Escrita – Letra e Vida, promovido pela Secretaria
Estadual de Educação do Estado de São Paulo, 2005.

11
Os dados da pesquisa psicogenética não resolvem os proble-
mas do ensino, mas colocam novos desafios relativos aos
problemas clássicos da didática: o que ensinar, como ensinar,
quando ensinar, o que, como, quando e por que avaliar.

O que temos, nos dias atuais no nosso país, segundo recentes


avaliações2, são patamares inaceitáveis de analfabetismo, e o que é
mais grave, alunos saídos do nosso sistema de ensino e que, no
entanto, não conseguem ler e escrever um texto simples após quatro
ou cinco anos de escolaridade!
Não é raro ouvirmos da boca de pais e professores as idéias de
que “antigamente as crianças aprendiam a ler e a escrever com facili-
dade” ou ainda “no meu tempo é que era bom: a gente aprendia a
escrever o alfabeto e se não soubesse, tinha que repetir cem vezes no
caderno” ou mais comum ainda, “a culpa é desses ‘métodos’3 moder-
nos. Os alunos não aprendem!”
Salientamos que nossa intenção, neste artigo, não é fazer a defesa
da volta aos métodos tradicionais de ensino da língua ou da utilização
de práticas que tratavam, e ainda tratam, o aprendizado da língua mater-
na de forma fragmentada e descontextualizada. Entendemos, porém,
ser necessário conhecer alguns métodos de alfabetização e refletirmos
sobre seus limites e possibilidades, ajustando-os às mudanças concei-
tuais produzidas pelas pesquisas e às exigências da sociedade contem-
porânea. É pertinente e urgente ainda pensar sobre a necessidade de
organizarmos estratégias ordenadas e sistematizadas para o ensino e a
aprendizagem do sistema de notação alfabético, já que esse é um obje-
to de conhecimento que tem suas especificidades.
Magda Soares (2003) propõe um tema oportuno para o debate: a
perda de especificidade do processo de alfabetização nas práticas
escolares. A argumentação que desenvolve para tratar o tema parte
do pressuposto de que a aprendizagem da leitura e da escrita é um
processo que se faz por meio de duas vias, uma técnica e outra que

2
Para conhecer esses dados ver último SAEB e PISA (2004).
3
Referindo-se, em geral, ao construtivismo de forma equívoca como método de
ensino.

12
diz respeito ao uso social. Não seria recomendável considerá-las de
forma dissociada, já que essas se estruturam uma simultânea a outra
e mantêm entre si relação de interdependência. O que Magda Soares
nos ensina é que, de um lado, esse processo implica o indispensável
aprendizado de uma técnica que consiste, entre outras coisas, em
levar o indivíduo a ser capaz de estabelecer relações entre sons e
letras, de fonemas com grafemas.
A justo título, a autora defende que o domínio dos princípios
técnicos da escrita alfabética supõe compreender, sobretudo, que as
representações gráficas estão associadas ao som que elas represen-
tam, aprender a pegar no lápis e, ao mesmo tempo, que, no Ocidente,
se escreve da esquerda para a direita e de cima para baixo, na quase
totalidade das situações.
Por outro lado, o aprendizado da técnica só fará sentido se ele se
fizer em situações sociais que propiciem práticas de uso. Não adian-
ta aprender uma técnica e não saber usá-la, afirma Soares. Nesse
sentido, o uso social é que dá sentido ao domínio da técnica.
No entanto, o domínio da técnica (relacionar som/grafia, reco-
nhecer letras, codificar, usar o papel, usar o lápis, etc.), mas também o
domínio do uso nas práticas sociais, as mais variadas, importam em
duas aprendizagens distintas, em termos de processos cognitivos e
de objetos de conhecimento. Esses processos são distintos, mas
indissociáveis, porque as duas aprendizagens se fazem ao mesmo
tempo, uma não é pré-requisito da outra.
Nessa perspectiva, diferentes pesquisas têm demonstrado que
é possível e necessário alfabetizar com uma diversidade de textos de
uso social, sem o uso de cartilha, incentivando os alunos a produzir e
a interpretar textos de circulação social, estimulando-os a compreen-
der seu uso, colocando enfim os aprendizes em interação entre si de
tal forma que todos os alunos possam ditar textos, corrigir, refazer
seus textos e os de seus companheiros.
Ao professor cumpriria organizar e socializar as informa-
ções que os alunos trazem consigo e, progressivamente, criar as
situações necessárias em que eles assumam os papéis de leitor e
de escritor.

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As recentes investigações alertam ainda que apropriar-se de tal
objeto de conhecimento, fazendo uso das suas práticas sociais, re-
quer da escola, e não somente dela, um lugar específico para se pen-
sar a língua escrita e a leitura.
Diferentemente, a escola tem desenvolvido práticas alfabetiza-
doras que se estruturam com base em uma lógica linear e seqüencial,
segundo a qual só se passa a aprender uma coisa ao se aprender
outra. Primeiro se aprende a ler e a escrever, depois é que se aprende
seus usos por práticas sociais. Ou então, ao revés, as práticas alfabe-
tizadoras mergulham direto nos usos, esquecendo-se de considerar
as especificidades do processo de apropriação do Sistema de Escrita
Alfabética (SEA), processo esse que Soares nomeia de “desinven-
ção” da alfabetização.

...a alfabetização é uma parte constituinte da prática da leitu-


ra e da escrita, ela tem uma especificidade, que não pode ser
desprezada. É a esse desprezo que chamo de “desinventar” a
alfabetização. É abandonar, esquecer, desprezar a especifici-
dade do processo de alfabetização.

A autora defende a idéia de que, em razão da crítica aos métodos


de alfabetização, protagonizada por certo discurso didático-pedagó-
gico, terminou-se por se “desconstruir” a idéia, inscrita na tradição
da educação escolar e da formação de professores no País, de que
“não seria preciso haver método de alfabetização”, julgando-se im-
portante, em substituição, o contato com material de leitura e de
escrita. Magda Soares argumenta que “por equívocos e por inferên-
cias falsas, passou-se a ignorar ou a menosprezar a especificidade
da aquisição da técnica da escrita”, indicando que a concepção
construtivista de ensino e aprendizagem ajudou a difundir, erronea-
mente, tais idéias.
Com efeito, a alfabetização é um processo de construção de
hipóteses sobre o funcionamento do sistema alfabético de escrita.
Para aprender a ler e a escrever, o aluno precisa participar de situações
que o desafiem, que coloquem a necessidade da reflexão sobre a lín-
gua, que o leve enfim a transformar informações em conhecimento

14
próprio. É utilizando-se de textos reais, tais como listas, poemas, bi-
lhetes, receitas, contos, piadas, entre outros gêneros, que os alunos
podem aprender muito sobre a escrita.
Por que é tão difícil, porém, apesar de os conhecimentos aqui
abordados já serem tão difundidos e repetidos por professores e
professoras, criar as condições para que esse processo flua de ma-
neira favorável a esses que estão implicados nessa “batalha”: alunos
e professores?
Nesse ponto, retomamos a questão central deste artigo: “É pos-
sível alfabetizar sem método?”
Batista et al (2003), em um texto recente, tece algumas conside-
rações sobre a questão do método dentro de uma perspectiva que
relaciona as dimensões macro e microescolar, que julgamos importan-
tes recuperar aqui, uma vez que elas ajudam a balizar a abordagem
que pretendemos adotar para tratar a questão acima.

Seria ótimo se os problemas da alfabetização no País pu-


dessem ser resolvidos por um método seguro e eficaz.
Mas as metodologias mesmas não são suficientes para
assegurar resultados positivos, pois dependem sempre do
professor, de sua sensibilidade para interpretar as neces-
sidades dos alunos – particularmente daqueles que apre-
sentam dificuldades no processo de aprendizagem. De-
pendem também de uma organização coletiva da escola e
das redes de ensino, por meios dos quais são definidos os
patamares mínimos de aprendizagem numa série ou ciclo,
estabelecendo formas diagnósticas e desenvolvidos pro-
cessos de intervenção.

As reflexões do autor são, sem dúvida, pertinentes, por nos


levar a entender que a questão do método de alfabetização não
pode ser tratada de forma isolada nem separada do contexto mais
amplo (a escola, as redes de ensino, a sociedade) em que se
situa. Elas têm o mérito ainda de por em relevo o papel que o
professor tem a desempenhar na busca de resultados positivos,
o que exige do docente sensibilidade para agir como intérprete

15
das necessidades dos alunos (particularmente daqueles que
apresentam dificuldades no processo de aprendizagem). Esta
última idéia nos leva direto às proposições atuais do alfabetizar
letrando, implicando que tratemos da questão do método de al-
fabetização, na sua perspectiva microescolar. Essas proposições
situam a questão no plano da reflexão sobre a sala de aula e
sobre o desenvolvimento das atividades da classe, com as suas
especificidades. Situam-na ainda no plano da reflexão sobre as
unidades menores que compõem o nosso sistema de escrita (pa-
lavras, sílabas, letras), não necessariamente nessa ordem; no pla-
no do desenvolvimento das capacidades de análise fonológica
das palavras 4, da busca de semelhanças e diferenças na escrita
das palavras, etc. Isso sem perder de vista o sentido do que é ler
e escrever e o fato de que os textos que circularão no espaço
escolar podem e devem ter vinculação com as práticas sociais de
leitura e escrita. Textos reais para alunos reais que necessitam
conhecer e se apropriar desses instrumentos produzidos por
nossa sociedade para conhecer e dar sentido ao mundo.
Esse parece ser um desafio para a organização do trabalho
do(a) professor(a) alfabetizador(a). Como bem aponta Batista et al
(2003, p. 22), o desafio coloca problemas de concepção e de organiza-
ção escolar que necessitam ser enfrentados coletivamente.

[...] é preciso que as redes de ensino enfrentem três proble-


mas que têm evitado enfrentar: o professor alfabetizador
precisa ser um dos mais capacitados da escola (ele precisa,
portanto, de uma adequada formação); precisa também ser
um dos mais valorizados da escola (ele precisa, portanto,
de um estatuto diferenciado). É necessário reorganizar a
escola e os tempos destinados ao trabalho coletivo, em equi-
pes de professores e coordenadores (o professor não é o
dono de sua sala, mas alguém que responde, com o conjunto
da escola, pela alfabetização de suas crianças).

4
A esse respeito, ver o artigo de Morais e Rios.

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A conversa chega ao seu ponto central:
os métodos de alfabetização

Para melhor contextualizarmos nossa discussão, apresentare-


mos, a seguir, os principais métodos de alfabetização repertoriados
pela literatura. Tal conhecimento é importante para que nos apoiemos
na história para conduzirmos novos rumos e traçarmos novas metas
e estratégias de ensino.
Sem o interesse de sermos exaustivos, traçaremos as caracte-
rísticas de cada um e algumas considerações sobre seus limites,
com o objetivo de responder à questão que estamos examinando.
Achamos conveniente, antes de apresentarmos alguns dos mé-
todos mais utilizados, começarmos por definir melhor o que entende-
mos por método. No sentido amplo, método é um caminho que con-
duz a um fim determinado. O método pode ser compreendido também
como maneira determinada de procedimentos para ordenar a ativida-
de, a fim de se chegar a um objetivo. No campo científico, ele é enten-
dido como um conjunto de procedimentos sistemáticos que visa ao
desenvolvimento de uma ciência ou parte dela. No sentido aqui em-
pregado, o método de alfabetização compreende o caminho (entendi-
do como direção e significado) e um conjunto de procedimentos sis-
temáticos que possibilitam o ensino e a aprendizagem da leitura e da
escrita. Assim, precisamos explicitar que não temos a intenção de
negar a importância dos métodos. Ao contrário, acreditamos que o
ensino sistemático do sistema alfabético é não só desejável como
também necessário.
Vejamos então os métodos de alfabetização mais utilizados em
determinados momentos históricos no Brasil.
Grosso modo, podemos afirmar que os métodos de alfabetiza-
ção se dividem em três grandes grupos: os métodos sintéticos, os
métodos analíticos e os métodos analítico-sintéticos. Por serem cons-
truções heterogêneas, esses grandes grupos possuem, cada um, va-
riações que denotam seu dinamismo.

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Métodos sintéticos

Os métodos sintéticos são os métodos que prevêem o início da


aprendizagem a partir dos elementos estruturalmente “mais simples”,
isto é, letras, fonemas ou sílabas, que, através de sucessivas ligações,
levam os aprendizes a ler palavras, frases e textos. Ou seja, parte-se
das unidades menores (letras, fonemas ou sílabas) para passar a ana-
lisar unidades maiores (palavras, frases, textos). Propostas de ensino
baseadas nesses métodos partem do pressuposto de que a aprendi-
zagem é mais fácil quando se parte das unidades mais elementares e
simples (em geral sem sentido), para, em seguida, apresentar unida-
des inteiras e significativas. Ou seja, acredita-se que as coisas mais
simples do ponto de vista lógico devem ser, também, mais simples do
ponto de vista psicológico.
Como foi historiado por Roazzi, Leal e Carvalho (1996, p. 7):

Os métodos sintéticos foram os primeiros a serem utilizados


(Mialaret, 1967; Matthews, 1966). Pode-se dizer que estes
métodos, sob forma dos métodos alfabéticos, são os mais
antigos, sendo utilizados, sem outros competidores, desde a
antiga Grécia e o Império Romano até o início do século
XVIII. O método é assim descrito por Dionigi de Alicarnas-
so: “Quando aprendemos a ler, antes de tudo aprendemos os
nomes das letras, em seguida suas formas e seus valores,
então as sílabas e suas modificações, e depois disso as pala-
vras e suas propriedades, isto é, os alongamentos, a acentu-
ação e outras coisas deste tipo. Quando chegamos a conhecer
isto, enfim, começamos a ler e escrever, sílaba por sílaba,
inicialmente de forma lenta; em seguida, quando passado um
tempo considerável, estão impressas no nosso âmago suas
formas determinadas. Fazemos o mesmo exercício na for-
ma mais fácil possível, de modo a poder ler com segurança
e prontidão inacreditáveis, sem encontrar obstáculos em
qualquer livro com que nos encontramos”. (citado em
MATTHEWS, 1966, p. 6).

A idéia de que o treino do nome das letras era pré-requisito


para a aprendizagem da leitura fundamentava a técnica da soletração,

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em que os alunos pronunciavam os nomes das letras, unindo-as em
sílabas e depois em palavras (bê com a, ba, te com a, ta, bata).
A crítica a esse modelo de alfabetização fez-se no próprio interi-
or da perspectiva sintética. Os adeptos dos métodos fônicos acusa-
ram que tal procedimento artificializava o processo, criando proble-
mas na oralização das palavras (os nomes das letras não correspondiam
aos sons que elas representavam). Assim, os defensores dos méto-
dos fônicos adotaram o pressuposto de que cada letra dispõe de
certa autonomia fonética e se baseia nas intuições fonéticas da crian-
ça e em sua capacidade de imitação de sons específicos.

Basicamente, trata-se de fazer pronunciar as letras, aprendi-


das uma de cada vez, de acordo com seu valor fônico, como
se pronunciam enquanto unidades das palavras. Desta for-
ma, o método fônico possuiria a vantagem de não criar inter-
ferências entre o conhecimento dos nomes das letras e o
conhecimento do som correspondente. Apesar do avanço
apresentado pelo método fônico em relação ao método alfa-
bético, não são eliminados os problemas do mecanicismo e
repetitividade da aprendizagem, obrigando ainda a criança a
estar longe por um longo período de tempo dos significados
das palavras e dos textos, verdadeiro objetivo da aprendiza-
gem da leitura (ROAZZI, LEAL e CARVALHO, 1996, p. 8).

Acrescentamos a essa crítica, a preocupação com a passividade do


aluno diante da aprendizagem do sistema de escrita. Se prestarmos aten-
ção à língua falada, é fácil percebermos que essa se apresenta como algo
que flui continuamente. Esse fluxo sonoro dificilmente apresenta interva-
los entre as palavras. Concebemos que é a exposição a situações de
reflexão sobre as palavras que pode ajudar as crianças e adultos em
processo de alfabetização a perceber essas unidades menores.
Os métodos silábicos também podem ser lembrados nesse gru-
po. As abordagens baseadas nos métodos silábicos promovem o
ensino, de modo que os alunos são levados a memorizar padrões
silábicos (partindo dos mais simples, com estrutura consoante-
vogal) e, depois, a uni-los em palavras. Nesse sentido, os alunos
só eram chamados a formar palavras que fossem compostas dos

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padrões silábicos trabalhados. A concepção básica é que a aprendi-
zagem ocorre por memorização, bem como a alfabetização também
assim ocorre.
Em conclusão, as abordagens sintéticas parecem ignorar, defini-
tivamente, o caráter significativo da escrita no seu processo de aqui-
sição, o que provavelmente implica uma desmotivação para tal apren-
dizagem, além de não contribuir para auxiliar a criança a perceber a
funcionalidade desse objeto para o cotidiano.

Métodos analíticos

Os métodos analíticos são aqueles que propõem um ensino que


parte das unidades significativas da linguagem, isto é, palavras, fra-
ses ou pequenos textos, para depois conduzir análise das partes me-
nores que as constituem (letras e sílabas). Como salientam ROAZZI,
LEAL e CARVALHO (1996, p. 9):

A análise das unidades mais simples e elementares das pala-


vras não é feita fora do significado que estas partes contribu-
em para formar. Estes métodos se fundamentam no fato de
que os mecanismos formais da leitura não são necessários
nas fases iniciais, podendo até tornarem-se um obstáculo.
Nessa abordagem, concebe-se que a habilidade da criança em
extrair o sentido do mundo da escrita implicitamente a capa-
citará a utilizar seus mecanismos. A explicação lógica do mé-
todo analítico é que a criança não reconhece que as letras
representam unidades de sons, de forma que o inteiro con-
junto de letras é ensinado em sua totalidade como se repre-
sentasse uma palavra específica.

No ensino que parte das palavras, coloca-se a criança diante de


um conjunto de palavras que elas reconhecem globalmente, através da
memorização, e, aos poucos, quando a criança aprende uma pequena
quantidade de palavras, essas são apresentadas em combinações dife-
rentes para construir sentenças significativas. Após as crianças domi-
narem um conjunto de palavras de forma estável, passa-se a enfatizar
que os símbolos das letras representam determinado som específico.

20
Cada fonema passa a ser trabalhado até que a criança se torne capaz de
operar conversões letras-sons de maneira quase automática.
De modo similar, nos métodos que se parte de sentenças, propõe-
se que os alunos memorizem sentenças e façam a leitura global até
que passem a reconhecer partes dessas sentenças em outras sen-
tenças. Assim,

Esses métodos prevêem, no início da aprendizagem, um pe-


ríodo bastante longo dedicado à atividade de memorização de
unidades estruturalmente mais complexas da língua escrita
(palavras e frases), para somente em seguida, através de um
processo espontâneo de descoberta, as crianças passarem a
subdividi-las e a prestar atenção às suas peculiaridades (fo-
nemas, sílabas e letras). Por sua vez, a partir das letras e
sílabas aprendidas, a criança passaria a ler e escrever as ou-
tras palavras e frases ainda não memorizadas. Desta forma, a
criança alcançaria uma compreensão da correspondência en-
tre sons e letras (fonemas/grafemas) e, em seguida, tornar-se-
ia capaz de ler qualquer palavra nova, através de um proces-
so de análise e síntese. Nessa perspectiva, concebe-se que
nos métodos analíticos parte-se da palavra, das frases e tex-
tos a partir dos interesses das crianças. A análise da criança
acerca da estrutura da palavra e seus elementos componentes
será realizada, neste ponto de vista, alguns meses depois em
função de um interesse “espontâneo” da criança (ROAZZI,
LEAL e CARVALHO, 1996, p. 9).

Um dos primeiros pedagogos a fornecer uma definição e carac-


terização desse tipo de perspectiva foi Nicholas Adams, em 1787 (ci-
tado em Titone, 1963): “Quando você quer fazer conhecer um objeto
a uma criança, por exemplo, um vestido, passou pela vossa mente
mostrar-lhe separadamente as mangas, a frente? Não, certamente.
Pelo contrário, você mostra o vestido todo e diz: eis aqui um vestido.
É também desta forma que as crianças aprendem a falar; por que não
fazer o mesmo para ensinar a ler e escrever?” (p. 102).
Na proposta de Adams, são fornecidas à criança palavras co-
nhecidas e com certa conotação emocional, como mamãe, papai,

21
prato, etc. Aos poucos, aumenta-se o número de palavras e pede-se à
criança para discriminar entre eles:

A experiência irá vos convencer que o pequeno aluno neces-


sitará de muito menos tempo para reconhecer estas seis pa-
lavras, do tempo que seria necessário para torná-lo capaz de
distinguir com segurança um /a/ de um /b/ ou de um /c/. Quan-
do ele tiver em sua caixa duas ou três dúzias de folhas de
papel, escreva novamente estas mesmas palavras em cartas
de jogos iguais e procure que a criança emparelhe as folhas
com as cartas correspondentes; em muito pouco tempo as
folhas de papel se tornarão inúteis, e só o aspecto das letras
que compõem as palavras será suficiente para lê-las.

Adams continua dizendo:

Pensem que enquanto vocês estão lendo, não lêem senão palavras
e frases inteiras e não letras e sílabas; e que quando cantam vocês
percebem um todo musical e não as simples notas. Supõe-se,
como a razão e a experiência provam, que a criança depois de três
meses saiba pelo menos ler uma pequena estória. (p. 103)

Outro educador que também caracterizou os métodos analíticos foi


Decroly, que colaborou para elaboração do método analítico, mais espe-
cificamente denominado de método global (ver DECROLY & DEGAND,
1906). Os pressupostos teóricos são oriundos das abordagens ídeo-
visuais, ou naturais. A base de sustentação teórica era a Psicologia, que,
no final da século XIX e começo do século XX, destacava que o primeiro
momento no processo de aprendizagem fosse do tipo sincrético ou glo-
bal, e a leitura era vista como um processo eminentemente visual. Decro-
ly defendia que era necessário partir das frases: “Significa ir do compos-
to concreto para chegar aos detalhes abstratos (sílabas, letras)” (p. 294).
Os critérios que caracterizavam esse método eram basicamente
quatro: 1) a adoção de um procedimento basicamente visual; 2) a utili-
zação de uma frase ou de uma palavra concreta inserida em uma ação a
ser executada; 3) inúmeras repetições facilitadas pelo interesse e pelo

5
Para maior aprofundamento da contribuição pedagógica de Decroly no ensino
da leitura e da escrita, ver DALHEM (1932).

22
jogo; 4) decomposição natural das palavras elaboradas pela mesma
criança. Para Decroly, a centralização do processo de aprendizagem em
frases ou palavras satisfaria exigências motivacionais e emocionais5.
Nessa mesma linha, Dottrens & Margairaz (1951) afirmavam que:

A leitura deve se tornar ocasional, a necessidade de sua apren-


dizagem deve aparecer com o propósito de uma necessidade
da criança, deve responder aos seus interesses... A comparação
(entre sílabas e letras iguais) se estabelece espontaneamente,
sem precisar que o professor intervenha. Insistimos sobre o
fato de que para ter todo o seu valor, este trabalho de análise
seja espontâneo e não provocado. (p. 59-60)

Essa ênfase na espontaneidade do processo de aprendizagem


pode ser encontrada também em Mialaret:

Seria preferível falar em decodificação e análise porque é o


desejo de ler uma palavra nova que conduz à atividade de
análise, mas existem, também, análises espontâneas que não
podem ser negligenciadas. (p. 85)

Resumindo, podemos destacar, com Roazzi, Leal e Carvalho


(1996), que:

Uma característica fundamental dos métodos analíticos re-


fere-se não só à preocupação com aspectos motivacionais,
mas também à não diretividade do professor na condução
do processo de aprendizagem. Isto é, a aquisição das letras
e do valor da relação espaço-temporal entre elas é feito
através de um processo de análise-síntese espontâneo e
ocasional de palavras inteiras anteriormente memorizadas.
Desta forma, privilegia-se, neste processo, o caráter de es-
pontaneidade e ocasionalidade, isto é, o interesse ocasional
espontâneo da criança.

Métodos analítico-sintéticos

Os métodos analítico-sintéticos partem de um processo que


começa em um estágio de conhecimento global (palavras, frases,

23
textos), para, logo em seguida, passar a um estágio analítico-sintéti-
co, caracterizado pela decomposição das palavras em letras ou em
sílabas. Roazzi, Leal e Carvalho (1996, 13-14) destacam que:

Os métodos analítico-sintéticos derivam de um modelo de


aprendizagem que, apesar de partir de conjuntos complexos
da língua escrita, como palavras ou frases breves, focaliza
sua atenção, de forma mais específica, nas fases de análise-
síntese. Do ponto de vista cognitivo, estas fases são conside-
radas como as mais complexas e difíceis para a criança. Con-
seqüentemente, estas fases de análise-síntese devem ser,
dentro dessa perspectiva metodológica, organizadas de for-
ma sistemática sem deixá-las à mercê de descobertas ocasio-
nais e espontâneas por parte das crianças. As crianças são
guiadas de forma intencional, através de exercícios sistemáti-
cos e de ajuda direta. Na prática, é necessário que sejam
escolhidas algumas palavras, frases ou textos simples, cuja
análise, comparação e síntese, praticadas simultaneamente
desde o começo, devem fazer conhecer à criança, na sucessão
desejada, os elementos da língua que lhe permitem aprender
o mecanismo da leitura.

O método “Le sablier”, elaborado por Giséle Prefontaine (1969),


e explicitamente denominado pela autora como método analítico-
sintético; o método proposto por Correl, em 1967 (ver SKINNER &
CORREL, 1974), de orientação comportamentalista, através da ins-
trução programada; o método elaborado por Kratzmeier (1971), no
final dos anos sessenta; e ainda o método elaborado por Sullivan
(1986), denominado “Language experience approach” (LEA: Abor-
dagem da Experiência da Linguagem) podem ser usados para exem-
plificar tal abordagem.
Entre as variações do método analítico-sintético, encontra-
mos a Palavração. Com ele, o aluno aprende palavras e depois as
separa em sílabas para com estas formar novas palavras. Um exem-
plo bem próximo de nós é o chamado “Método Paulo Freire”, Ele
consiste em um método de palavração global não-fonético, no
qual as palavras são selecionadas dentro do universo vocabular

24
dos alunos. Paulo Freire inovou quando propôs alfabetizar adul-
tos partindo de palavras que estivessem fortemente ligadas à sua
realidade. Um dos seus méritos está em reconhecer que a relação
afetiva com as palavras impulsiona a aprendizagem: não há dúvi-
da de que a conotação política e libertária do trabalho de Paulo
Freire fizeram dele um dos educadores mais conhecidos no Brasil
e no mundo.
Todos os métodos até agora apresentados guardam entre si
semelhanças que precisamos salientar. Conforme abordaram Roazzi,
Leal e Carvalho (1996, p. 19-20), há:

uma certa predisposição a não considerar os conhecimen-


tos informais que a criança desenvolve acerca da escrita.
Nenhum dos diferentes métodos acima apresentados têm
considerado a bagagem de conhecimentos adquiridos pela
criança, isto é, suas idéias e hipóteses sobre a escrita, antes
desta entrar na escola e ser alfabetizada. Estudos recentes
(FERREIRO, 1988) têm demonstrado que a criança tem
conhecimentos e concepções acerca da escrita antes de in-
gressar na escola, adquiridos em seus contatos diários com
o mundo da escrita. Pode-se observar também, nas análises
dessas abordagens, que há uma desconsideração da capaci-
dade que os aprendizes têm de formular hipóteses, analisar
o sistema da língua escrita (FERREIRO & TEBEROSKY,
1985; FERREIRO, 1991), e usar diferentes estratégias e
indícios auxiliares no seu processo de descoberta.

Alertamos, ainda, que não há, na maior parte dessas propostas,


preocupação com a inserção dos alunos em eventos em que a escrita
apareça de forma dinâmica, com textos lidos ou escritos para atender
a diferentes finalidades sociais. A alfabetização na perspectiva do
letramento não é, assim, foco de reflexão e, conseqüentemente, de
ação pedagógica.
Considerando esses limites, propomos não uma rejeição ao uso
de métodos, e sim, como diz Magda Soares, uma reinvenção da alfa-
betização, com estratégias didáticas sistemáticas para ensinar os alu-
nos a ler e a produzir textos com autonomia.

25
Algumas palavras finais dessa ponta de conversa

[...] os métodos viraram palavrões. Ninguém podia mais falar


em método fônico, método silábico, método global, pois todos
eles caíram no purgatório, se não no inferno. Isso foi uma conse-
qüência errônea dessa mudança de concepção de alfabetização.
Magda Soares

Como já foi dito, nosso interesse aqui não é o de defender a


volta aos antigos métodos de alfabetização. Acreditamos, porém,
que o professor necessita trilhar um caminho em que ele seja capaz
de compreender que a maioria das situações de produção do discur-
so oral e escrito é nova e estranha aos alunos na fase inicial da
alfabetização e exige novas construções e organização do profes-
sor e da professora em sala de aula. Exigem, portanto, o domínio de
práticas e métodos pedagogicamente ajustados aos contextos em
que, para que e por que se aplicam. Exige ainda a capacidade de
organizar seqüências didáticas especificas à apropriação do siste-
ma de escrita alfabética, buscando, sempre que possível, incluir as
práticas e usos sociais da nossa língua. Nunca é demais lembrar
que a apropriação do sistema de escrita alfabética comporta especi-
ficidades que demandam um professor com capacidade de entender
que a aprendizagem da leitura e da escrita se faz, por exemplo, se o
aluno reconhecer as relações entre fonemas e grafemas.
Estamos assim retomando a questão inicial proposta. Com pro-
priedade e sabedoria, Magda Soares (op. cit.) afirma o que acredita-
mos ser um caminho para pensarmos a prática e a metodologia de
alfabetização, sem termos medo de nos apoiar nos conhecimentos
que já dispomos para tornar eficaz o aprendizado da leitura e da
escrita na escola,

Ora, absurdo é não ter método na educação. Educação é, por


definição, um processo dirigido a objetivos. Só vamos educar
os outros se quisermos que eles fiquem diferentes, pois educar

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é um processo de transformação das pessoas. Se existem obje-
tivos, temos de caminhar para eles e, para isso, temos de saber
qual é o melhor caminho. Então, de qualquer teoria educacional
tem de derivar um método que dê um caminho ao professor. É
uma falsa inferência achar que a teoria construtivista não pode
ter método assim como é falso o pressuposto de que a criança
vai aprender a ler e escrever só pelo convívio com textos.
O ambiente alfabetizador não é suficiente.

E tudo isso é apenas o início de uma longa conversa.

REFERÊNCIAS
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