Há Lugar Ainda para MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO
Há Lugar Ainda para MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO
Há Lugar Ainda para MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO
de alfabetização? Conversa
com professores(as)
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Alfabetização, letramento e construção de unidades lingüísticas. In: Seminário
Internacional de Leitura e Escrita – Letra e Vida, promovido pela Secretaria
Estadual de Educação do Estado de São Paulo, 2005.
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Os dados da pesquisa psicogenética não resolvem os proble-
mas do ensino, mas colocam novos desafios relativos aos
problemas clássicos da didática: o que ensinar, como ensinar,
quando ensinar, o que, como, quando e por que avaliar.
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Para conhecer esses dados ver último SAEB e PISA (2004).
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Referindo-se, em geral, ao construtivismo de forma equívoca como método de
ensino.
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diz respeito ao uso social. Não seria recomendável considerá-las de
forma dissociada, já que essas se estruturam uma simultânea a outra
e mantêm entre si relação de interdependência. O que Magda Soares
nos ensina é que, de um lado, esse processo implica o indispensável
aprendizado de uma técnica que consiste, entre outras coisas, em
levar o indivíduo a ser capaz de estabelecer relações entre sons e
letras, de fonemas com grafemas.
A justo título, a autora defende que o domínio dos princípios
técnicos da escrita alfabética supõe compreender, sobretudo, que as
representações gráficas estão associadas ao som que elas represen-
tam, aprender a pegar no lápis e, ao mesmo tempo, que, no Ocidente,
se escreve da esquerda para a direita e de cima para baixo, na quase
totalidade das situações.
Por outro lado, o aprendizado da técnica só fará sentido se ele se
fizer em situações sociais que propiciem práticas de uso. Não adian-
ta aprender uma técnica e não saber usá-la, afirma Soares. Nesse
sentido, o uso social é que dá sentido ao domínio da técnica.
No entanto, o domínio da técnica (relacionar som/grafia, reco-
nhecer letras, codificar, usar o papel, usar o lápis, etc.), mas também o
domínio do uso nas práticas sociais, as mais variadas, importam em
duas aprendizagens distintas, em termos de processos cognitivos e
de objetos de conhecimento. Esses processos são distintos, mas
indissociáveis, porque as duas aprendizagens se fazem ao mesmo
tempo, uma não é pré-requisito da outra.
Nessa perspectiva, diferentes pesquisas têm demonstrado que
é possível e necessário alfabetizar com uma diversidade de textos de
uso social, sem o uso de cartilha, incentivando os alunos a produzir e
a interpretar textos de circulação social, estimulando-os a compreen-
der seu uso, colocando enfim os aprendizes em interação entre si de
tal forma que todos os alunos possam ditar textos, corrigir, refazer
seus textos e os de seus companheiros.
Ao professor cumpriria organizar e socializar as informa-
ções que os alunos trazem consigo e, progressivamente, criar as
situações necessárias em que eles assumam os papéis de leitor e
de escritor.
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As recentes investigações alertam ainda que apropriar-se de tal
objeto de conhecimento, fazendo uso das suas práticas sociais, re-
quer da escola, e não somente dela, um lugar específico para se pen-
sar a língua escrita e a leitura.
Diferentemente, a escola tem desenvolvido práticas alfabetiza-
doras que se estruturam com base em uma lógica linear e seqüencial,
segundo a qual só se passa a aprender uma coisa ao se aprender
outra. Primeiro se aprende a ler e a escrever, depois é que se aprende
seus usos por práticas sociais. Ou então, ao revés, as práticas alfabe-
tizadoras mergulham direto nos usos, esquecendo-se de considerar
as especificidades do processo de apropriação do Sistema de Escrita
Alfabética (SEA), processo esse que Soares nomeia de “desinven-
ção” da alfabetização.
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próprio. É utilizando-se de textos reais, tais como listas, poemas, bi-
lhetes, receitas, contos, piadas, entre outros gêneros, que os alunos
podem aprender muito sobre a escrita.
Por que é tão difícil, porém, apesar de os conhecimentos aqui
abordados já serem tão difundidos e repetidos por professores e
professoras, criar as condições para que esse processo flua de ma-
neira favorável a esses que estão implicados nessa “batalha”: alunos
e professores?
Nesse ponto, retomamos a questão central deste artigo: “É pos-
sível alfabetizar sem método?”
Batista et al (2003), em um texto recente, tece algumas conside-
rações sobre a questão do método dentro de uma perspectiva que
relaciona as dimensões macro e microescolar, que julgamos importan-
tes recuperar aqui, uma vez que elas ajudam a balizar a abordagem
que pretendemos adotar para tratar a questão acima.
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das necessidades dos alunos (particularmente daqueles que
apresentam dificuldades no processo de aprendizagem). Esta
última idéia nos leva direto às proposições atuais do alfabetizar
letrando, implicando que tratemos da questão do método de al-
fabetização, na sua perspectiva microescolar. Essas proposições
situam a questão no plano da reflexão sobre a sala de aula e
sobre o desenvolvimento das atividades da classe, com as suas
especificidades. Situam-na ainda no plano da reflexão sobre as
unidades menores que compõem o nosso sistema de escrita (pa-
lavras, sílabas, letras), não necessariamente nessa ordem; no pla-
no do desenvolvimento das capacidades de análise fonológica
das palavras 4, da busca de semelhanças e diferenças na escrita
das palavras, etc. Isso sem perder de vista o sentido do que é ler
e escrever e o fato de que os textos que circularão no espaço
escolar podem e devem ter vinculação com as práticas sociais de
leitura e escrita. Textos reais para alunos reais que necessitam
conhecer e se apropriar desses instrumentos produzidos por
nossa sociedade para conhecer e dar sentido ao mundo.
Esse parece ser um desafio para a organização do trabalho
do(a) professor(a) alfabetizador(a). Como bem aponta Batista et al
(2003, p. 22), o desafio coloca problemas de concepção e de organiza-
ção escolar que necessitam ser enfrentados coletivamente.
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A esse respeito, ver o artigo de Morais e Rios.
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A conversa chega ao seu ponto central:
os métodos de alfabetização
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Métodos sintéticos
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em que os alunos pronunciavam os nomes das letras, unindo-as em
sílabas e depois em palavras (bê com a, ba, te com a, ta, bata).
A crítica a esse modelo de alfabetização fez-se no próprio interi-
or da perspectiva sintética. Os adeptos dos métodos fônicos acusa-
ram que tal procedimento artificializava o processo, criando proble-
mas na oralização das palavras (os nomes das letras não correspondiam
aos sons que elas representavam). Assim, os defensores dos méto-
dos fônicos adotaram o pressuposto de que cada letra dispõe de
certa autonomia fonética e se baseia nas intuições fonéticas da crian-
ça e em sua capacidade de imitação de sons específicos.
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padrões silábicos trabalhados. A concepção básica é que a aprendi-
zagem ocorre por memorização, bem como a alfabetização também
assim ocorre.
Em conclusão, as abordagens sintéticas parecem ignorar, defini-
tivamente, o caráter significativo da escrita no seu processo de aqui-
sição, o que provavelmente implica uma desmotivação para tal apren-
dizagem, além de não contribuir para auxiliar a criança a perceber a
funcionalidade desse objeto para o cotidiano.
Métodos analíticos
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Cada fonema passa a ser trabalhado até que a criança se torne capaz de
operar conversões letras-sons de maneira quase automática.
De modo similar, nos métodos que se parte de sentenças, propõe-
se que os alunos memorizem sentenças e façam a leitura global até
que passem a reconhecer partes dessas sentenças em outras sen-
tenças. Assim,
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prato, etc. Aos poucos, aumenta-se o número de palavras e pede-se à
criança para discriminar entre eles:
Pensem que enquanto vocês estão lendo, não lêem senão palavras
e frases inteiras e não letras e sílabas; e que quando cantam vocês
percebem um todo musical e não as simples notas. Supõe-se,
como a razão e a experiência provam, que a criança depois de três
meses saiba pelo menos ler uma pequena estória. (p. 103)
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Para maior aprofundamento da contribuição pedagógica de Decroly no ensino
da leitura e da escrita, ver DALHEM (1932).
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jogo; 4) decomposição natural das palavras elaboradas pela mesma
criança. Para Decroly, a centralização do processo de aprendizagem em
frases ou palavras satisfaria exigências motivacionais e emocionais5.
Nessa mesma linha, Dottrens & Margairaz (1951) afirmavam que:
Métodos analítico-sintéticos
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textos), para, logo em seguida, passar a um estágio analítico-sintéti-
co, caracterizado pela decomposição das palavras em letras ou em
sílabas. Roazzi, Leal e Carvalho (1996, 13-14) destacam que:
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dos alunos. Paulo Freire inovou quando propôs alfabetizar adul-
tos partindo de palavras que estivessem fortemente ligadas à sua
realidade. Um dos seus méritos está em reconhecer que a relação
afetiva com as palavras impulsiona a aprendizagem: não há dúvi-
da de que a conotação política e libertária do trabalho de Paulo
Freire fizeram dele um dos educadores mais conhecidos no Brasil
e no mundo.
Todos os métodos até agora apresentados guardam entre si
semelhanças que precisamos salientar. Conforme abordaram Roazzi,
Leal e Carvalho (1996, p. 19-20), há:
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Algumas palavras finais dessa ponta de conversa
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é um processo de transformação das pessoas. Se existem obje-
tivos, temos de caminhar para eles e, para isso, temos de saber
qual é o melhor caminho. Então, de qualquer teoria educacional
tem de derivar um método que dê um caminho ao professor. É
uma falsa inferência achar que a teoria construtivista não pode
ter método assim como é falso o pressuposto de que a criança
vai aprender a ler e escrever só pelo convívio com textos.
O ambiente alfabetizador não é suficiente.
REFERÊNCIAS
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BREGUNCI, M.G. Castanheira, M.L. & Monteiro, S.M. Ciclo inicial de
alfabetização. Belo Horizonte: Secretaria Estadual de Educação de Minas
Gerais; UFMG/CEALE, 2003.
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DOTTRENS, R.; MARGAIRAZ, E. L’appressintage de la lecture par la
méthode globale. Neuchâtel, 1951.
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Associados, 1988.
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The University of Chicago Press, 1966.
MIALARET, G. L’apprendimento della lettura. Roma: Armando, 1967.
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