Livro - Tópicos Especiais de Educação em Biologia
Livro - Tópicos Especiais de Educação em Biologia
Livro - Tópicos Especiais de Educação em Biologia
Educação em Biologia
Tópicos Especiais de
Educação em Biologia
Leandro Belinaso Guimarães
Suzani Cassiani de Souza
Florianópolis, 2008.
Governo Federal Coordenação Pedagógica LANTEC/CED
Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Coordenação de Ambiente Virtual Alice Cybis Pereira
Ministro de Educação Fernando Haddad
Projeto Gráfico Material impresso e on-line
Secretário de Ensino a Distância Carlos Eduardo
Coordenação Prof. Haenz Gutierrez Quintana
Bielschowky
Equipe Henrique Eduardo Carneiro da Cunha, Juliana
Coordenador Nacional da Universidade Aberta do
Chuan Lu, Laís Barbosa, Ricardo Goulart Tredezini
Brasil Celso Costa
Straioto
Universidade Federal de Santa Catarina
Equipe de Desenvolvimento de Materiais
Reitor Lúcio José Botelho
Vice-reitor Ariovaldo Bolzan Laboratório de Novas Tecnologias - LANTEC/CED
Pró-reitor de Orçamento, Administração e Finanças Coordenação Geral Andrea Lapa
Mário Kobus Coordenação Pedagógica Roseli Zen Cerny
Pró-reitor de Desenvolvimento Urbano e Social Luiz
Henrique Vieira da Silva Material Impresso e Hipermídia
Pró-reitora de Assuntos Estudantis Corina Martins Coordenação Thiago Rocha Oliveira
Espíndola Adaptação do Projeto Gráfico Laura Martins Rodrigues,
Pró-reitora de Ensino de Graduação Thereza Christina Thiago Rocha Oliveira
Monteiro de Lima Nogueira Diagramação Steven Nicolás Franz Peña
Pró-reitora de Cultura e Extensão Eunice Sueli Nodari Ilustrações Camila Piña Jafelice
Pró-reitor de Pós-Graduação Valdir Soldi Tratamento de Imagem Steven Nicolás Franz Peña
Pró-reitor de Ensino de Graduação Marcos Laffin Revisão gramatical Christiane Maria Nunes de Souza
Diretora do Departamentos de Ensino de Graduação a Design Instrucional
Distância Araci Hack Catapan Coordenação Isabella Benfica Barbosa
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas Designer Instrucional Ana Paula Müller de Andrade
na Modalidade a Distância
Diretora Unidade de Ensino Yara Maria Rauh Müller
Coordenador de Curso Maria Márcia Imenes Ishida
Coordenador de Tutoria Zenilda Laurita Bouzon
ISBN: 978–85–61485–01–6
Apresentação...................................................................................... 07
Como você pôde notar, nosso objetivo central com esta disciplina é propor
uma reflexão sobre educação e biologia que contemple, também, pensar na
cultura e na linguagem. Para tanto, este livro foi organizado em duas partes.
Na primeira, focamos, exatamente, a cultura e o quanto ela está implicada em
nos ensinar “coisas” de biologia, entre outras mais. Na segunda parte, desta-
camos o papel da linguagem na produção dos sentidos e, além disso, tecemos
considerações sobre o caráter multifacetado da leitura que fazemos dos textos
escritos, imagéticos, fonéticos. A primeira parte é inspirada pelo campo teóri-
co-prático dos estudos culturais, já a segunda inscreve-se na área da Análise
do Discurso. Acreditamos que o encontro destes dois modos de olhar, entre
outras coisas, para o ensino de biologia, fará com que você possa ir tateando
elementos interessantes e atuais que, certamente, serão postos em ação quan-
do você for planejar uma aula e, depois, executá-la.
Lembre que além deste material impresso, você deverá acessar freqüen-
temente o Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA) da disciplina.
Nele haverá fóruns de debates sobre questões relativas aos conteúdos que es-
taremos estudando. Também conversaremos através de bate-papos virtuais
sobre alguns dos temas que estarão sendo abordados ao longo do livro. Além
disso, você encontrará no AVEA algumas sugestões de sites na Internet que po-
derão complementar sua aprendizagem. Ademais, haverá as atividades que
convocamos você a desenvolver, já que são peças fundamentais para que você
atinja os objetivos de aprendizagem que traçamos ao longo deste material.
Os autores
Pa r t e I
Parte I
Educação, biologia
e cultura
c a pi t u lo 1
Cultura e pedagogia cultural
Neste capítulo você estudará alguns aspectos relativos à cul-
tura nestes nossos tempos, que alguns autores como David
Harvey (1992) e Fredric Jameson (1996) denominam de pós–
modernos. Gostaríamos, sobretudo, que você atentasse para a
noção de “pedagogia cultural”, compreendendo–a e relacio-
nando–a com suas práticas cotidianas enquanto professor de
biologia. Se você ainda não possui experiências docentes, bus-
que vislumbrar a produtividade dessa noção para seus futuros
trabalhos enquanto professor.
Cultura e pedagogia cultural 13
1.1 Introdução
O mundo em que vivemos hoje é diferente daquele em que nos-
sos avôs e, até mesmo, nossos pais, quando tinham nossa idade,
viveram? Quem nunca ouviu ou repetiu essa indagação (quase
como se fosse uma afirmação) em conversas entre amigos? Muitos
de nós, professores em contínua formação, lembram com relati-
va saudade os tempos de infância e, algumas vezes, pensam como
a vida tem transcorrido rapidamente e com tanta transformação
nestes nossos tempos pós–modernos:
“O pós–modernismo tem uma desconfiança profunda, antes de
mais nada, relativamente às pretensões totalizantes de saber do
pensamento moderno. Na sua ânsia de ordem e controle, a pers-
pectiva social moderna busca elaborar teorias as mais abran-
gentes possíveis, que reúnam num único sistema a compreensão
total da estrutura e do funcionamento do universo e do mundo
social” (SILVA, 1999, p. 112)
Em casa
•• Ao acordar, não acenda a luz do quarto. Abra as janelas,
aproveite a luz natural.
•• Deixe a torneira fechada enquanto escova os dentes ou faz a
barba e reduza o tempo do banho
•• Armazene o lanche dos seus filhos em potes plásticos que
podem ser reutilizados. Evite usar embalagens que vão aca-
bar no lixo.
•• Antes de sair de casa, cheque se lâmpadas e equipamentos
eletrônicos, como televisão, computador e modem, estão
desligados. Tire carregadores da tomada. Mesmo a luz de
stand by consome energia.
•• Muitos prédios já têm esse tipo de controle, mas caso o seu
não tenha, chame só um elevador, nunca os dois.
•• À noite, não deixe luzes acesas à toa. E opte pelas lâmpadas
de menor consumo, como as fluorescentes.
•• Economize água com a descarga. Se você tem aquelas de caixa,
diminua sua capacidade colocando uma garrafa pet cheia de
areia dentro. Se for de parede, pressione apenas o suficiente.
26 Tópicos especiais de educação em biologia
Na rua
•• Use o transporte público ou a carona solidária. No trabalho,
procure colegas que moram na redondeza e tentem ir juntos.
Veja também se amigos do seu filho moram por perto e se
reveze com outros pais para levá–los à escola.
•• Evite pegar papel desnecessariamente nos faróis. A não ser
que você esteja realmente precisando daquela informação,
não estimule esse tipo de propaganda.
No trabalho
•• No trabalho, tenha à mão caneca ou copo próprios para con-
sumo de água e café. Evite os copinhos plásticos. Mas, se ti-
ver de usá–los, jogue–os no lixo reciclável.
•• Use os dois versos do papel. Reutilize na impressora.
Nas compras
•• Evite produtos com excesso de embalagem. Alguns alimen-
tos vêm embalados duplamente: com plástico e papelão.
•• Leve suas próprias sacolas para o supermercado. Não preci-
sa pegar aquele monte de sacolinhas.
•• Cerca de 70% das áreas desmatadas no Brasil viram pasto.
Para garantir que a carne que você come não vem desses
pastos, procure o selo de certificação orgânico – IBD.
•• Prefira produtos da região. Isso significa que eles foram transpor- http://www.estadao.com.br/
ext/especial/extraonline/
tados por distâncias menores, consumindo menos combustível. especiais/aquecimento/
rotina.htm
Acesso em: Maio/2007
Resumo
Mostramos, nessa seção de finalização, que uma “lista”, apa-
rentemente benevolente (seja ela disposta em um jornal on–line
ou, ainda, nos minutos finais de um documentário fílmico), sobre
ações que poderíamos executar na direção de diminuir nossa cola-
boração com o aquecimento global está nos “ensinando”, também,
que medidas individuais e mudanças comportamentais poderiam
inverter uma determinada situação tida como necessária de ser
alterada. Marcamos que, para além destas “recomendações”, há
muitos outros aspectos em jogo nessa história, ou seja, que “saí-
das” individuais e comportamentais são, somente, um dos fios que
se articulam à trama discursiva, social e política do aquecimento
global nesse momento histórico em que vivemos. E com isso cha-
mamos sua atenção para o fato de que todas as “lições” que ensina-
mos e que aprendemos (mesmo aquelas que consideramos serem
“científicas” ou, então, “escolares”) são, a partir da perspectiva dos
estudos culturais, vistas como contingentes, históricas, sociais, ou
seja, são, todas, passíveis de serem desnaturalizadas. Nesta direção,
os processos que as fizeram serem vistas quase como “naturais”
podem vir a ser expostos em suas finas tramas, em seus sutis ar-
ranjos, em seus delicados tecidos.
Referências
CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos: confli-
tos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a
formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004.
COSTA, Marisa Vorraber. Estudos culturais – para além das
fronteiras disciplinares. In: (Org.). Estudos cultu-
rais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, litera-
tura, cinema… Porto Alegre: UFRGS, 2000.
. A pedagogia da cultura e as crianças e jovens das
nossas escolas. Jornal A Página. Portugal, ano 12, número 127,
outubro de 2003, p. 34. Disponível em: http://www.apagina.pt/
arquivo/Artigo.asp?ID=2703. [Acesso em: 18/05/2007].
. Estudos Culturais e educação – um panorama. In:
SILVEIRA, Rosa Hessel (Org.). Cultura, poder e educação: um de-
bate sobre estudos culturais em educação. Canoas: ULBRA, 2005.
DUARTE, Rosalia. Cinema e Educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Cartografias dos estudos culturais:
uma versão latino–americana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
GUIMARÃES, Leandro Belinaso. A natureza na arena cultural.
Jornal A Página. Portugal, ano 15, número 155, abril de 2006,
p. 07. Disponível em: http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.
asp?ID=4517. Acesso em: 18/05/2007.
HARVEY, David. A Condição Pós–Moderna. São Paulo:
Loyola, 1992.
JAMESON, Fredric. Pós–Modernismo – a lógica cultural do ca-
pitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996.
HALL, Stuart. Estudos Culturais e seu legado teórico. In: SOVIK,
Liv (Org.) Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo
Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO
no Brasil, 2003.
Cultura e pedagogia cultural 31
2.1 Introdução
Estamos acostumados e até mesmo cansados de discutir se, por
exemplo, nossas dificuldades de aprendizagem relativas a algum as-
sunto específico, ou as nossas predileções a respeito dos jogos sexuais
que curtimos praticar, ou as nossas formas de encarar determinados
acontecimentos da vida, ou as maneiras que vamos experimentando
sermos “homem”, ou ”mulher”, ou ”criança”, ou ”adulto”, ou ”velho”;
enfim, se tais questões que vamos nos deparando no correr dos nos-
sos tempos (entre outras tantas) seriam estritamente definidas biolo-
gicamente (como nos fazem crer os sociobiólogos) ou então se, em
contrapartida, diriam respeito ao universo cultural em que vivemos e
nos constituímos enquanto sujeitos. Quantos já não se viram atrope-
lados por algumas destas questões que enunciamos acima e não pro-
curou ora na biologia, ora na cultura, respostas para os dilemas que os
afligem. Gostaríamos, entretanto, de provocar uma reflexão em uma
direção um pouco distinta, um pouco, talvez, propositadamente, mais
confusa. E se pensássemos que tais dilemas não poderiam ser respon-
didos ou refletidos como uma coisa ou outra, e sim, como envolvidos,
ao mesmo tempo, tanto com a biologia como com a cultura? Vejamos
mais sobre isso lendo, no quadro abaixo, um interessante artigo escri-
to por Contardo Calligaris (2002) para o jornal “Folha de São Paulo”.
Nele, estes entrelaçamentos a que estamos nos referindo, entre a bio-
logia e a cultura, estão exemplificados de modo mais explícito.
36 Tópicos especiais de educação em biologia
4) Paul McHugh, atual chefe do departamento de está certo? Eles querem resolver logo, antes que
psiquiatria de Johns Hopkins, compara as práticas comece a doer. Chegam de faca e superbonder. Foi
de Money com a lobotomia e encoraja os psiquia- esta a idéia com Bruce Reimer: conserta logo antes
tras a voltar a escutar seus pacientes, abandonan- que ele se dê conta. Não lhe deixe o tempo de urrar
do as práticas radicais. Ainda hoje, cirurgias irre- à Lua pelo horror do qual foi vítima. Será que é ge-
versíveis são promovidas, por exemplo, na cura de nerosidade? Ou então covardia de terapeutas que
neuroses obsessivas. Antes de confiar os pacientes não querem ouvir a dor de seus clientes? Na pressa
à faca, cortando cabeças em cima ou em baixo, é de consertar, nós acabamos de ver para o que serve
bom refletir sobre a história de David Reimer. realmente a faca. O superbonder serve para colar a
boca do paciente.
5) A pressa em cortar, de Money e de outros, pode
parecer um desejo de consertar as coisas. Algo não
Para uma introdução aos estudos culturais da ci- do comparadas, por exemplo, às formas de produ-
ência, ver o interessante livro de Maria Lúcia Wort- ção da ciência/da biologia em revistas de divulga-
mann e de Alfredo Veiga–Neto (2001). Nele vocês ção científica ou em documentários televisivos. En-
poderão conhecer um pouco mais os estudos cul- tretanto, como estudaremos nesse capítulo, tanto
turais processados sobre a atividade científica, os nos programas televisivos como nos laboratórios
quais a equiparam a um conjunto amplo de outras científicos (como nas salas de aula escolares, como
instâncias e práticas culturais também implicadas nos livros didáticos, como em um conjunto amplo
em processos de significação daquilo que se enten- de instâncias, de práticas e de artefatos), estão sen-
de por ciência/biologia. Porém, vale destacar que do discursivamente instituídos modos de significar
as atividades científicas (em suas diferentes dire- a ciência / a biologia. E são estes modos que inte-
ções) apresentam suas singularidades, suas estraté- ressam, sobremaneira, aos estudos culturais. Além
gias particulares de promoção e de prestígio e seus disso, vocês poderão ler no livro algumas relações
modos específicos de enunciação discursiva, quan- destes estudos com o campo da educação.
Resumo
Neste capítulo estudamos que a biologia não se encontra tão
separada da cultura como imaginamos. Pelo contrário, vimos que
elas se relacionam, se imbricam, tecem relações. Além disso, estu-
damos que a própria biologia pode ser vista como uma produção
da cultura, já que está implicada na produção dos significados so-
bre o mundo vivo. Tais questões são interessantes para pensarmos
nossos conteúdos de ensino, já que podemos, ao selecionarmos um
tema de ensino na disciplina escolar biologia, focar estritamente os
conhecimentos biológicos. Uma outra dimensão se apresenta se
buscarmos relacionar tais conhecimentos com questões culturais
mais amplas. Essa segunda possibilidade nos coloca outros desa-
fios na hora de organizarmos nossas estratégias de ensino, já que
materiais da cultura poderão adentrar nossa sala de aula.
Referências
CALLIGARIS, Contardo. A terapia da faca e do superbonder.
Folha de São Paulo, 24/02/2002, p.8.
LATOUR, Bruno, WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a pro-
dução dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume–Dumará, 1997.
SANTOS, Luis Henrique Sacchi dos. A Biologia tem uma história
que não é natural. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Estudos
culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia,
literatura, cinema… Porto Alegre: UFRGS, 2000.
42 Tópicos especiais de educação em biologia
3.1 Introdução
Se o acesso, a distribuição e o consumo dos bens ambientais
não são os mesmos para todas as territorialidades e grupamentos
humanos espraiados pelo planeta (tal como estudamos ao final do
nosso primeiro capítulo), da mesma forma os bens culturais tam-
bém estão envolvidos com tais processos diferenciais de acessibili-
dade e consumo. Como argumenta Armand Mattelart (2005):
(…) [Passa–se] a assistir, cada vez mais, ao surgimento de pro-
cessos de concentração e de privatização dos meios de produzir
não apenas a opinião, mas também a cultura e se vê surgir a
necessidade de construir um contrapeso democrático em face da
dominação das potências políticas e econômicas e mobilizarem–
se coletivos civis em vista de uma reapropriação dessa esfera do
espaço público (p.107).
Pergunta:
rio necessário que esse tipo de jornalista/articulis-
A mídia é um grande e importante veículo de infor- ta toma para si – como se ele fosse a “ponte” entre
mações, e utiliza–se de recursos impressionantes e o saber científico e seu jargão técnico e os leitores/
muito convincentes para explicar diversos fenôme- consumidores, leigos ou não; significa problema-
nos. Porém, muitas vezes a informação chega alta- tizar a chamada mediação ou tradução da Ciên-
mente distorcida, carregada de opiniões, como por cia que essa prática jornalística diz fazer. Significa,
exemplo a votação no Congresso Nacional sobre a também, ver o jornalismo científico não como uma
utilização das células–tronco embrionárias em ex- prática neutra e isenta, mas como uma prática cul-
perimentos científicos. Como é possível então li- tural e histórica, produtora/constituidora de sabe-
vrar o aluno do “fantástico” das notícias? res sobre as ciências, sobre a genética e a biotecno-
logia, etc. Aliás, vocês falam como se a Ciência fos-
se neutra – coisa que ela, definitivamente, não é…
Resposta: Duas autoras que eu leio muito, a Dorothy Nelkin e
Dentro do meu referencial teórico (os Estudos Cul- a M. Susan Lindee, afirmam que a maioria das pes-
turais em Educação) e das teorizações dos autores soas aprende Ciência através da mídia – e não atra-
que venho lendo já há alguns anos, a mídia não vés da escolarização formal. Não se trata, assim, de
“distorce” e nem “reflete” as opiniões de determi- “livrar” os nossos alunos do Fantástico! Trata–se,
nadas pessoas – a mídia faz Ciência. Ao “falar” so- sim, de discutir com eles essa – e muitas outras –
bre as células–tronco, por exemplo, a mídia estaria produção cultural de nosso tempo. Trata–se de as-
construindo–as de determinadas formas e através sumir o caráter pedagógico desses textos e ima-
de várias estratégias de legitimação. Assim, tratar gens no estabelecimento e veiculação de idéias,
o jornalismo científico como um jeito de fazer ci- crenças, sentimentos e emoções em uma dada so-
ência significa problematizar alguns de seus pres- ciedade e em um dado espaço de tempo, e não de
supostos principais, como o caráter de intermediá- “demonizar” a mídia!
o ensino, ver que ciência/que biologia é essa que vem sendo produ-
zida em diferentes artefatos, sobretudo os midiáticos.
No entanto, para realizarmos leituras mais densas sobre os arte-
fatos midiáticos, necessitamos mergulhar um pouco nos modos de
se processar análises da mídia que poderiam interessar ao nosso
trabalho docente. E será sobre alguns destes aspectos de como ler
a mídia que passamos a discorrer na seção seguinte.
Resumo
Neste capítulo estudamos alguns aspectos relativos às relações
entre a mídia e o ensino de biologia. A mídia, como nós vimos,
apresenta uma dimensão pedagógica ao nos ensinar inúmeros as-
pectos sobre o mundo e sobre nós mesmos. Em outras palavras,
também aprendemos sobre biologia lendo artefatos midiáticos.
Inspirados nesse entendimento, nós exercitamos com você uma
leitura crítica destes materiais. Esperamos que agora você possa
estar um pouco mais atento e preparado para utilizar tais artefatos
em suas aula aulas de biologia, seja nas atividades futuras de está-
gio docente, seja exercendo profissionalmente a docência.
Mídia e Ensino de Biologia: notas introdutórias 53
http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=0
00308959&loc=2002&l=cd67321a4d22b5d0
http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=0
00392259&loc=2003&l=24d5bc0722129156
http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=0
00377260&loc=2007&l=bc33ca5ae4895e79
http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=0
00370803&loc=2003&l=45250a5582396dc0
http://www.lab–eduimagem.pro.br/jornal
Referências
ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de endereçamento: uma coisa
de cinema; uma coisa de educação também. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da. Nunca fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.
Ler e Escrever em
Aulas de Ciências
c a pi t u lo 1
Discurso e a Imprevisibilidade
das Palavras
Neste capítulo, vamos discutir alguns aspectos do funcio-
namento do discurso, ou seja, algumas questões ligadas à
não transparência da linguagem e suas implicações para o
ensino de ciências.
Discurso e a Imprevisibilidade das Palavras 61
1. Discurso e a Imprevisibilidade
das Palavras
1.1 Introdução
“Tornar imprevisível a palavra não será uma aprendizagem de
liberdade? Que encanto a imaginação poética encontra em zom-
bar das censuras!” (Bachelard, 1996, p.11)
O ato de ver não se baseia apenas no que chega aos nossos olhos.
Por trás dele, como em outros processos, por exemplo, ouvir, há
todo um modo de interpretação que faz com que olhares, gestos
ou palavras entre pessoas que falam a mesma língua possam ser
entendidos de diferentes formas.
Pêcheux (1993) afirma que “todo fato é uma interpretação”. Essa
perspectiva pode ser de difícil entendimento, já que naturalizamos
em nossa cultura que um fato é um fato e pronto. Por exemplo,
quando olhamos para uma garrafa de Coca–Cola não há o que
discutir … ou há? Se a vemos jogada no chão, podemos ficar re-
voltados com alguém que jogou lixo no chão ou podemos pensar
como uma bebida consumida saborosa ou não, que engorda ou
não, que faz mal à saúde ou não ou como várias pessoas afirmam:
“é o veneno negro do capitalismo!” Mas para podermos jogar um
pouco com as nossas certezas, um bom exemplo é o filme “Os
Deuses Devem Estar Loucos”.
62 Tópicos especiais de educação em biologia
Meu amanhã
Intuindo o Til :
Escher, arquiteto de outros mundos. Conheça o seguiram se entender e se comunicar. Escher foi uma
incrível artista que fazia gravuras impossíveis de das exceções. Ele adorava a matemática e muitas de
se explicar com palavras! suas gravuras partem de figuras geométricas e for-
mam fascinantes quebra–cabeças. Os cientistas tam-
Você consegue imaginar uma construção em que a
bém admiravam (e admiram ainda) seu trabalho.
parede é também chão e o chão é também teto? Pa-
Suas gravuras permitem ilustrar pensamentos difíceis
rece algo impossível – e realmente é, em nosso mun-
de explicar com palavras, além de gerar novas idéias.
do cotidiano. Mas não é no papel. Para encanto e es-
panto de muita gente, o artista gráfico Maurits Corne-
lis Escher mostrou uma composição em que parede,
chão e teto coincidem e formam um conjunto lógico.
Difícil de entender? Dê uma olhada no desenho. Não
por acaso, essa gravura chama–se Outro mundo.
Figura 7
66 Tópicos especiais de educação em biologia
Isso não quer dizer que nossas interpretações nada têm a ver com
o que vivenciamos. Se assim fosse, a comunicação entre as pesso-
as seria impossível. Há, portanto, o fato de os sentidos terem sua
história, havendo, dessa forma, uma sedimentação desses sentidos,
que depende das condições de produção da linguagem, mas que,
de forma alguma, esses sentidos não são absolutamente estáveis
(Orlandi, 1988).
Essas condições de produção da linguagem estão no cerne da
construção dos sentidos. A criança nasce num mundo formado
pelos adultos, e ela vai aprendendo a se apropriar da cultura. Essa
internalização não é mecânica, o sujeito atua e interage com o
meio. É como se o neurônio se “alimentasse” de cultura:
“Os significados das palavras evoluem… a palavra é primeira-
mente uma generalização do tipo mais primitivo; à medida que
o intelecto se desenvolve, é substituída por generalizações de um
tipo cada vez mais elevado…”(Vygotsky, 1993, p. 71)
Equívoco no sentido
de Pêcheux, não como O fato, como já dissemos na introdução, parece ser bastante ób-
um engano, mas sim vio quando pensamos em palavras como manga, que tanto pode
com as possibilidades de
deslocamento de sentidos, se referir a de camisa e/ou a uma fruta. O que gostaríamos de res-
abrindo possibilidade para saltar é que essa ambigüidade da palavra manga é um exemplo de
outras interpretações,
movimentando a polissemia. equívoco, que é próprio e constitutivo da língua, passível de existir
em todas as palavras, conseqüentemente em todos os textos que
são compostos por elas. Dessa forma, podemos afirmar que todos
os textos estão sujeitos a esses equívocos, pois o que existe são os
gestos de interpretação dos sujeitos, e é isso que produz o sentido.
Michel Pêcheux (1993) nos remete aos equívocos, não como
enganos, mas sim como possibilidades de outras interpretações,
diferentes das esperadas, pois é próprio da natureza da linguagem
a construção de diferentes sentidos, isto é, a polissemia.
Desse ponto de vista, é necessário dizer da inevitabilidade da
existência das metáforas, pois elas fazem parte do jogo da língua.
Sendo assim, por causa delas é que a polissemia existe, ou seja, é
aí que nos diferenciamos dos outros em nossas formas de pensar,
quando nos filiamos à rede de sentidos.
Nesse caminho, dependendo do contexto, esses sentidos podem
funcionar de forma diferenciada, pois dependem dessas interações
68 Tópicos especiais de educação em biologia
Resumo
Polissemia é a possibilidade que temos de construir múltiplos
sentidos quando interpretamos qualquer fato. Não é por haver uma
expectativa na produção de um texto pelo autor, por exemplo num
texto escrito, que o leitor automaticamente estará preso àquele sen-
tido proposto. Isso é possível porque no funcionamento da língua
existe uma metaforização das palavras, que podem nos remeter a
outros sentidos que têm a ver com as nossas histórias de leituras.
Portanto, resumidamente ressaltamos que Discurso é “Efeito de
sentidos entre interlocutores”:
Referências
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
ORLANDI, Eni . Discurso e leitura. Campinas: Cortez, 1988.
ORLANDI, Eni. Paráfrase e Polissemia – A Fluidez nos Limites
do Simbólico. Rua, 4: 9–19. 1998.
PÊCHEUX, Michel. O Discurso. Campinas: Pontes, 1993.
c a pi t u lo 2
E como ficam essas questões, quando
queremos ensinar ciências?
Neste capítulo, vamos discutir as implicações da linguagem
para o ensino de ciências.
E como ficam essas questões, quando queremos ensinar ciências? 71
2.1 Introdução
Leia atentamente esse texto:
Assistindo à gravação de uma enquete feita na rua, num povoa-
do da região Norte por uma TV comunitária, vi alguém dizendo
que o mosquito que transmite a AIDS é o “Aids do Egito”. Faça-
mos um percurso lógico do que parece ilógico:
Veja o vídeo “Americans are not stupid” para você rir um pouco.
http://youtube.com/watch?v=8J1J–H4ot6g
Resumo
Quando se ensina ciências na escola básica muitas vezes não há
preocupações com o funcionamento da linguagem. É comum o
pensamento de que para os alunos aprenderem os conceitos basta
se apropriarem destes através da memorização sem o conhecimen-
to de como esse conhecimento foi processado/produzido.
Referências
Brasil, Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais
(1º e 2º ciclos). Vol. 4 / Secretaria de Educação Fundamental. 2ª
ed. Rio de Janeiro: MEC/SEF, DP&A, 2000.
CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal? São Paulo: Brasi-
liense, 1993.
LEMKE, Jay L. Talking Science: Language, Learning and Values.
Ablex Publishing Corporation. Norwood, New Jersey, 1993.
ORLANDI, Eni. Paráfrase e Polissemia – A Fluidez nos Limites
do Simbólico. Rua, 4: 9–19. 1998.
VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Ed.
Martins Fontes, 1993.
c a pi t u lo 3
História de leituras
Neste capítulo, vamos repensar nossas histórias de leituras
como uma forma de trabalhar com nossas memórias, levan-
tando problemas e perspectivas dessas ações na escola.
História de leituras 79
3. Histórias de Leituras
3.1 Introdução
Nas escolas, leituras dos estudantes que são diferentes daque-
las previstas pelo professor geram questionamentos do tipo: “os
alunos não sabem ler ou interpretar”, “eles têm dificuldades em
entender perguntas”. E se os professores são questionados sobre as
diferentes interpretações dos estudantes, surge logo uma afirma-
ção: “ensinar a ler é tarefa de Língua Portuguesa, foge aos objetivos
do ensino de ciências!!”
Bem, baseado em tudo o que foi dito anteriormente, podemos
afirmar que as interpretações podem sim ser diferentes. Mas, por
que muitos professores pensam assim?
Certamente aprendemos a ler durante toda nossa vida. Para o
professor, que trabalha com a leitura sempre, mas nunca parou
para pensar em como ela deve ser trabalhada, seu jeito é usar o
modelo de leitura que ele “aprendeu” sem uma reflexão mais apro-
fundada. No ensino de ciências isso pode significar um olhar para o
conteúdo científico no qual existe espaço para apenas um sentido,
único, silenciando–se, por exemplo, as interpretações equivocadas
que encontramos na história da ciência, na busca de explicações
sobre os fenômenos. Ou seja, os conteúdos são limpos dessas in-
terpretações diferenciadas, errôneas do ponto de vista atual e que
na época faziam sentido, sendo vistas como corretas.
80 Tópicos especiais de educação em biologia
eu pegava outros livros para ler, lembro de ter lido alguns de Sidney
Sheldon e também livros espíritas depois que mudei de religião, aos
12 anos de idade. Graziela
Já no segundo grau passei a desgostar um pouco de ler, pois éra-
mos obrigados a ler livros de literatura brasileira e portuguesa para o
vestibular, etc. Na verdade, muitos destes livros não me proporciona-
ram muita compreensão, quem sabe se os lesse agora… Na universi-
dade voltei a gostar de ler porque procurei e encontrei livros que me
interessaram muito, principalmente biografias, história… Marta
Enquanto estava na escola tive que ler vários livros, alguns inte-
ressantes, mas a grande maioria era chato e cansativo, principal-
mente aqueles do vestibular. Nadir
Outra coisa que eu percebo hoje é que não há muito espaço para
leitura no Ensino Médio, pois freqüentemente o material didático
que devemos estudar, ou melhor, “decorar”, fica concentrado em
uma apostila, onde todo conteúdo é voltado para o vestibular. Já
aconteceu até o absurdo de haver resumos dos livros que iriam ser
cobrados no vestibular na apostila, desestimulando descaradamente
o hábito de ler. Liane
Leituras na universidade
Chegando na universidade, tanta coisa pra ler, tanta coisa pra
fazer, você fica sem tempo pra muita coisa, só as leituras das diver-
sas e inúmeras disciplinas te tomam muito tempo. E dessa forma, no
História de leituras 91
Leitura X Tecnologias
Eu não sei. As crianças cada dia mais estão se acostumando a não
esforçar a cabeça. Eu vejo a minha mãe, que desde pequena lia e ler
98 Tópicos especiais de educação em biologia
era uma delícia, quase uma proibição. Era como hoje ficar vendo fil-
mes até tarde. A leitura agita a cabeça e as crianças não se interessam
muito por algo que não seja tão divertido quanto os super efeitos es-
peciais que existem hoje em dia em qualquer animação (até em jogos
de videogame). Talvez pedindo para representarem o que leram faria
com que prestassem atenção de verdade na leitura. Nadir
Resumo
Neste capítulo estudamos as histórias de leitura como uma for-
ma de resgatar a memória e história dos leitores e da influência
disto na formação de professores. Destacamos o quanto a expe-
riência da leitura, desde a escola básica até a Universidade, reper-
cutem no modo como as pessoam lêem durante a vida. Por fim,
ressaltamos a importância de resgatar as memórias e histórias de
leitura dos futuros professores para que a leitura ganhe um novo
espaço no ensino de ciências.
História de leituras 101
http://www.fae.ufmg.br/ensaio/v8_n1/condicoes_producao.pdf
Referências
APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. São Paulo, Ed. Brasi-
liense, 9–42 e 125–157, 1982.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1996.
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