Livro Psicologia Educacional - Ed.2014

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PSICOLOGIA

3 EDUCACIONAL
Nicia L.D. da Silveira
PSICOLOGIA EDUCACIONAL
PSICOLOGIA EDUCACIONAL:
Desenvolvimento e
Aprendizagem
Nicia L. D. da Silveira

Florianópolis, 2014.
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prévia autorização, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina.

S007d
SILVEIRA, Nicia Luiza Duarte da.
Psicologia Educacional: desenvolvimento e aprendizagem / Nicia L. D. da
Silveira. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2014. 175
p. ilust.
inclui bibliografia.
ISBN 978-85-61485-15-3
1. Psicologia educacional 2. Psicologia da aprendizagem 3. Educação. I.
Título.
CDU 37.015.3
Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Sumário

1 A Psicologia: sua origem e contribuições para torná-la uma ciência.


Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas... 11
1.1 O que é Psicologia..................................................................................................... 16
1.2 Conhecimento científico e contribuições
para a Psicologia como ciência.............................................................................. 18
1.3 Um pouco da história das escolas psicológicas................................................. 21
1.4 Características das principais escolas e suas contribuições............................. 24
1.5 O fim do período das escolas................................................................................. 30
Resumo............................................................................................................................... 30
Referências........................................................................................................................ 31
Sugestão de leitura......................................................................................................... 32

2 A contribuição da Psicologia para a Educação........................... 35


2.1 Aspectos históricos da Psicologia Educacional.................................................. 37
2.2 A Psicologia Educacional como disciplina-ponte.............................................. 42
2.3 A Psicologia Educacional e a pesquisa................................................................. 46
2.4 Além do conhecimento específico: a Psicologia e a comunicação............... 48

3 Desenvolvimento e aprendizagem..............................................57
3.1 Aspectos gerais.......................................................................................................... 59
3.2 Fatores e influências no desenvolvimento humano......................................... 62
3.3 Os métodos de pesquisa mais utilizados
na Psicologia do Desenvolvimento....................................................................... 69
4 Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem: a
Abordagem Ecológica, o Psicodrama
e a Psicanálise................................................................................75
4.1 A Abordagem Ecológica.......................................................................................... 77
4.2 A visão do Psicodrama............................................................................................. 81
4.3 Freud e a fundação da Psicanálise........................................................................ 85
4.4 As fases do desenvolvimento segundo a Psicanálise....................................... 88
4.5 Mecanismos de defesa............................................................................................. 90
4.6 Como a Psicanálise lida com a aprendizagem?.................................................. 91

5 Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem: Piaget


e a Abordagem Genética; Vygotsky
e a Histórico-Cultural....................................................................97
5.1 A contribuição de Piaget:
o desenvolvimento do pensamento lógico........................................................ 99
5.2 A Contribuição da Teoria Histórico-Cultural..................................................... 108

6 Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos. Um pouco


sobre terceira infância, adolescência
e idade adulta..............................................................................119
6.1 O ciclo vital................................................................................................................ 121
6.2 De 6 a 12 anos: terceira infância ou período escolar....................................... 127
6.3 Adolescência: dos 12 em diante... até os... 20?..................................................... 128
6.4 A idade adulta.......................................................................................................... 133

7 Aprendizagem em foco: sua importância. Algumas de suas


múltiplas formas. Aprendizagens por associação e a visão
behaviorista.................................................................................139
7.1 Vários tipos de aprendizagem ocorrem nas interações sociais.................... 141
7.2 Outras formas comuns de aprendizagem.........................................................144
7.3 A contribuição da visão behaviorista.................................................................. 146
7.4 Pavlov e o condicionamento respondente........................................................ 147
7.5 Condicionamento instrumental ou operante................................................... 151
Sugestão de leitura....................................................................................................... 160
8 Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas e na Teoria do
Processamento de Informação...................................................161
8.1 Ausubel: a aprendizagem verbal significativa.................................................. 165
8.2 Bruner: aprendizagem por descoberta e o andaime..................................... 169
8.3 Bruner e Vygotsky: relações possíveis................................................................ 170
8.4 A aprendizagem na Teoria do Processamento de Informação.................... 171
8.5 A importância dos conhecimentos anteriores......................................................176
8.6 Qualificando os conteúdos de ensino................................................................ 177

9 Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir


para o sucesso?............................................................................185
9.1 Sucesso ou fracasso escolar?................................................................................. 187
9.2 Situando a “sala de aula”....................................................................................... 194
9.3 A questão do fracasso escolar no contexto social........................................... 199
9.4 A contribuição da Psicologia para o sucesso escolar:
possibilidades e limites.......................................................................................... 202
Apresentação

São muitos os fenômenos psicológicos que nos envolvem no dia-a-dia:


prestar atenção em algumas coisas; aprender sobre elas; compreender a re-
alidade ao nosso redor; guardar e memorizar os acontecimentos; perceber as
situações vividas sob certos matizes; tomar decisões; reavaliar a sua atuação,
orientar-se embasado nos conhecimentos... Esses e outros fenômenos que nos
atingem se passam dentro do contínuo desenvolvimento humano e em estrei-
ta relação com o momento sócio-histórico-cultural em que vivemos.

Este livro visa contribuir para que você amplie sua percepção e seu reco-
nhecimento dos fenômenos psicológicos que nos atingem no dia-a-dia, bem
como dos princípios e das leis que os regem. O estudo da Psicologia Educacio-
nal pode facilitar a construção de um conhecimento teórico que o leve a lidar
de maneira mais adequada com as questões que se apresentam nos diversos
ambientes educacionais em que você atua e, em especial, nas interações que
envolvem o ensino/aprendizagem.

Temos como objetivo levá-lo a conhecer uma disciplina que poderá auxi-
liá-lo no seu trabalho cotidiano no que diz respeito às relações humanas no
interior da sala de aula, ao conhecimento do aluno, ao sujeito humano em
diferentes  momentos  do  seu  desenvolvimento,  à  relação  ensino/aprendiza-
gem e às várias abordagens pedagógicas do ensino. Assim, é com satisfação
que apresentamos a disciplina de Psicologia Educacional: Desenvolvimento e
Aprendizagem, uma das disciplinas pedagógicas do currículo dos cursos de
formação de professores.

Com esses estudos buscaremos conhecer um pouco dos “clássicos” da Psi-
cologia  e,  ao  fazê-lo,  iremos  reconhecer  que  ela  mantém  vivas  discussões
internas,  razão  porque  está  constituída  em  diferentes  escolas  e  abordagens
psicológicas, em que as diversas correntes podem ter foco em diferentes fenô-
menos. Por isso a importância de identificar as principais contribuições para o
estudo de desenvolvimento e da aprendizagem em cada abordagem.
Há que se aliar o estudo dos aspectos teóricos à observação da realidade
na perspectiva de articular o conteúdo tratado com a compreensão da reali-
dade vivida, de modo a delinear-se uma atuação mais adequada no contexto
educacional.

Para um melhor aproveitamento das contribuições aqui trazidas, é impor-


tante ter como perspectiva relacionar os conteúdos tratados no texto em pelo
menos duas direções, a saber: das outras disciplinas pedagógicas, bem como
das disciplinas mais específicas, das biológicas. Por outro lado, este texto pode
ser fundamental no momento atual da sua formação e como material dispo-
nível e de seu uso. No entanto, deve ser adotado como um ponto de partida
para suas elaborações e para outras leituras menos simplificadas.

Desde já, desejamos a você sucesso na realização desta disciplina e fica-


mos, docentes e tutores, à sua disposição durante este processo.

Nícia L. D. da Silveira
c a p í t u lo 1
A Psicologia: sua origem e
contribuições para torná-la
uma ciência. Sua evolução:
antes, durante e após as escolas
psicológicas
Neste capítulo, você irá conhecer a contribuição da Psico-
logia para a sua formação como educador e um pouco da
história da Psicologia como área do conhecimento; suas raí-
zes estão no pensamento antigo, mas sua constituição como
ciência é bem recente. Irá verificar que, uma vez reconhe-
cida como ciência, organizou-se sob a forma de diferentes
escolas e abordagens psicológicas desde fins do século XIX
até meados do século XX. Aqui buscaremos caracterizar as
principais escolas, como tratam a constituição dos sujeitos e
da sociedade, bem como os processos de desenvolvimento e
de aprendizagem.
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 13

Este conhecimento nos mobiliza a pensar: com o que lida a Psicologia? Qual
é a importância dessa área do conhecimento para nossas vidas? Como este
conhecimento pode contribuir para o trabalho docente?

A área da Psicologia é mais abrangente do que se apresenta à pri-


meira vista e por essa abrangência se subdivide em outras áreas de
conhecimento e atuação, como Psicologia Clínica, Psicologia Es-
colar, Psicologia Organizacional, Psicologia do Trabalho, Psicolo-
gia Hospitalar, Psicologia Jurídica, entre outras. No entanto, neste
texto focaremos o estudo de uma delas, a Psicologia Educacional.
A Psicologia Educacional é, por excelência, a área da Psicologia
que oferece subsídios para a compreensão das questões relaciona-
das à educação, especialmente dos processos de desenvolvimento e
de ensino/aprendizagem. Nos cursos de formação de professores,
constitui-se como disciplina obrigatória desde a década de 1930.
A Psicologia é uma das chamadas disciplinas “pedagógicas ge-
rais” dos currículos das licenciaturas. Ela é pedagógica por tratar
das questões relacionadas ao ensino/aprendizagem; geral porque
os problemas de que trata não são específicos a uma das licencia-
turas, mas, ao contrário, é comum a todas elas. Com a Psicologia
estão outras disciplinas, tais como Organização Escolar, Didáti-
ca, Metodologia. Isto significa que as questões relacionadas ao
ensino/aprendizagem precisam ser analisadas por diferentes ân-
gulos e abordagens, pois exigem a articulação de diferentes sabe-
res. Em outras palavras, não cabe apenas à disciplina Psicologia
14 Psicologia Educacional

Educacional o encargo de garantir a formação dos alunos de li-


cenciatura na perspectiva de serem bons profissionais. Por outro
lado, ela fundamenta os aspectos pedagógicos discutidos nos cur-
sos juntamente com várias outras disciplinas.
Em função da falta de informação sobre o que é Psicologia Edu-
cacional e de como pode contribuir na formação de professores,
criam-se expectativas que subestimam sua contribuição, ou então,
ao contrário, grandiosas, chegando, em alguns casos, até a fantasia
de se ter como professor da disciplina um mágico e de que este
pode sair oferecendo receitas prontas para resolver todas as ques-
tões escolares. Se assim fosse, perderíamos a possibilidade de ver
que os profissionais tanto da Psicologia como da Educação devem
se pautar por atuar como mediadores e que não existe um conhe-
cimento pronto para cada problema, mas sim há necessidade de se
refletir constantemente sobre as diferentes questões educacionais
para a busca de soluções.
Cabe lembrar também um pouco mais os limites da disciplina,
posto que, mesmo os licenciandos estando sedentos de informa-
ções sobre como organizar uma aula de forma mais útil/agradá-
vel, precisarão buscar apoio em outras disciplinas, ou seja, nem a
Psicologia Educacional sozinha e nem mesmo outra área de co-
nhecimento isoladamente conseguirão subsidiar o professor para
entender todos os fenômenos que ocorrem quer no processo ensi-
no/aprendizagem, quer na instituição escolar. Enfim, ser um bom
professor é aprender a lidar com a questão da Educação como uma
área de conhecimento bastante complexa.
Na disciplina de Psicologia Educacional, iremos lidar com uma
área do conhecimento que é ampla. Existe, de nossa parte, uma
preocupação em introduzir no curso certas informações e levar a
reflexões sobre o conhecimento psicológico, sua construção, bem
como seu uso no processo de ensino/aprendizagem, mais do que
esgotar o assunto ou apresentar soluções prontas para os desafios
e as questões do cotidiano escolar. Ainda que dispuséssemos de
condições para tratar de todo o conteúdo teórico da Psicologia
Educacional, isto provavelmente não seria suficiente, porque a re
alidade é viva e mutável. Como aprender uma solução específica
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 15

para um dado problema e achar que possa ser simplesmente trans-


portada para qualquer outra sala de aula? Neste sentido, também
é importante que a disciplina envolva os alunos em atividades de
campo por meio de investigações sobre a área de trabalho dos pro-
fessores e o funcionamento da escola, utilizando como método
observações, entrevistas ou questionários, contribuindo para que
o aluno olhe com mais atenção o que se passa na sala de aula, na
escola e nas interações de ensino/aprendizagem a fim de contrapor
as teorias psicológicas estudadas à realidade observada.
Você pode já ter certa prática de atuação como professor, e isto
pode certamente ajudar no diálogo com a Psicologia. No entanto,
o ponto de partida da disciplina é o de que a maioria dos alunos
não tem essa experiência. Nossos comentários aqui o instigam e
o motivam no estudo desta disciplina e, principalmente, sobre a
importância que ela tem em sua formação profissional.
Também é importante manter presente a ideia de que a Psicolo-
gia, como um campo complexo do conhecimento, mantém vivas
É o caso do livro de BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA,
muitas discussões internas. Como exemplo, podemos citar autores
2000 (ver referências). que falam de Psicologias em vez de uma Psicologia.
Esta discussão pode sugerir algumas questões, as quais são des-
critas na sequência.
•• Como entender o que se passa à sua volta e em especial nas salas
de aula ou em outras situações de aprendizagem a respeito das
divergências teóricas das escolas e das abordagens psicológicas?
•• Se existem Psicologias, será preciso optar por uma delas?
Essas questões por si só já nos colocam a urgência de olhar um
pouco a História da Psicologia. Por isto, do ponto de vista do con-
teúdo desta disciplina, iniciamos nossos estudos com um breve
histórico da evolução da Psicologia e suas áreas afins. A seguir,
veremos um pouco sobre o papel da Psicologia na Educação e, por
fim, sobre a Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem.
Assim, convidamos você a conhecer melhor o que é Psicologia.
16 Psicologia Educacional

1.1 O que é Psicologia


O termo
Para dizer o que é a Psicologia, há pelo menos três caminhos Ao que se sabe, o termo
possíveis (LLERA, 1994): Psicologia foi usado pela
primeira vez em 1590 por
1. abrir um dicionário, etimológico ou não, e verificar o significa- Gloclênio (Rudolphus
do do termo; Gloclenius), substituindo
o termo “estudo da alma”,
2. sair por aí a seguir psicólogos e ver o que fazem; e
usado até então; e foi po-
3. olhar no horizonte histórico, buscando informações de quando pularizado por Wolff, que
e como surgiu, como se alterou com o passar do tempo, quais publicou Psicologia Em-
pírica, em 1732, e Psico-
têm sido seus objetos e suas áreas de atuação. logia Racional, em 1734
A primeira alternativa é sempre bem esperta: O “pai dos sá- (PARISI, 1983).
bios” é sempre uma fonte importante de informação, e a atitude de
assumir a dúvida e de trabalhar respostas é dez! Pelo dicionário
descobrimos que psique em grego significa originalmente sopro DORSCH; HACKER;
STAPF, 2001.
alento e, assim em latim, anima (ou princípio vital, vida, alma), e
logia, que vem do latim e significa tratado, estudo. Então, pode-
mos dizer que a Psicologia tem como objeto de estudo a alma ou,
usando a linguagem do nosso cotidiano, podemos dizer que ela
estuda o comportamento das pessoas, o que elas pensam e o que
sentem. A Psicologia aborda questões referentes a processos espe-
cíficos como emoções, percepção, sentimentos, atitudes, proces-
sos cognitivos (pensamentos, atenção, memória) etc., bem como
processos complexos relacionados a movimentos sociais, políticas
públicas, atuações em empresas e hospitais, entre outros.
Na segunda alternativa, ao observar a atividade prática dos
profissionais, pode-se encontrar dificuldades. Parece que, ainda
hoje, a identidade dominante é a do psicólogo clínico: alguém que
fica em seu consultório tratando de “pessoas com problemas”. Por
que razões, ao se falar em psicólogo, as pessoas pensam no clínico?
Com certeza muitas razões estão contribuindo para tal: a profissão
Podemos pensar
é nova em relação a outras, pois no Brasil ela foi regulamentada também em hospitais,
pela Lei n. 4.119 de 1962 (VASCONCELOS, 1995); também é uma prefeituras, empresas,
ONGs (Organizações Não-
profissão pouco popular, já que poucos são os serviços públicos Governamentais), Tribunais de
no País que contratam psicólogos (na grande população brasileira Justiça, entre outros lugares.
Você consegue pensar em
quem conhece ou foi atendido por um deles?). Atualmente, muitas lugares onde o psicólogo
outras funções são desempenhadas por psicólogos além da clínica, possa estar inserido?
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 17

como a de professor, de pesquisador, de psicopedagogo, de psicó-


logo de esportes, de responsável pelo bem-estar dos animais numa
reserva ou num zoológico. Em síntese, o projeto de entender o que
é Psicologia, olhando a prática de seus profissionais, pode-se mos-
trar igualmente um caminho complexo para uma solução simples.
Recuperar a história é a terceira alternativa, e é nesta opção que
Llera (1994) investe. Assim, ele aponta três momentos marcantes
na história da Psicologia:
Wilhelm Wundt
Nasceu em Baden, Alemanha,
•• Os gregos, pensadores, tais como Platão, Aristóteles, Hipócra-
estudou medicina em Berlim. tes, entre outros, que são destaque na Psicologia Pré-científica;
Era mais interessado no
aspecto científico do que na •• Wundt (1832–1920), considerado o pai da Psicologia Moder-
carreira médica. Em 1864, na, responsável pela criação do primeiro laboratório, o que
transformou-se em professor
em Heidelberg, onde ministrou ocorreu em 1879 em Leipzig;
Psicologia Fisiológica.
•• Watson (1878–1958), considerado o pai do Behaviorismo, que
trocou o objeto da Psicologia de consciência para comporta-
mento (o que é observável), em 1913.

Essa história justifica o dito Ao lado desses marcos, é importante lembrar que a história da
de Hermann Ebbinghaus: Psicologia é antiga. Na busca de suas origens, verificamos que as
“A Psicologia tem uma
curta história e um longo
raízes da Psicologia infiltram-se no pensamento grego (e huma-
passado”(TELES, 1991, p. 8). no). Destacamos também nessa história as raízes que a levaram a
se construir como uma disciplina científica. O pensamento psico-
lógico se nutre em duas vertentes de pensamento, como desdobra-
mento dos questionamentos de duas áreas, a saber:
•• de um lado o pensamento filosófico, que cultiva várias per-
guntas, e entre outras, perguntas-chaves, como quem somos,
de onde viemos, para onde vamos; e
•• de outro lado, o pensamento biológico, em especial, na Fisiolo-
gia, que aborda questões como quais as relações entre o humor e o
John Broadus Watson pensamento, por que mudamos de humor quando sentimos fome.
Nasceu nos EUA. Entrou
para a universidade aos 16 Ao longo do seu desenvolvimento, a Psicologia vai oscilando
anos; recebeu o diploma entre essas duas vertentes e, de acordo com o momento histórico,
de mestre (com 21 anos),
ingressou na Universidade aproxima-se mais de uma ou outra, ou seja, recebe mais influências
de Chicago onde se doutorou ora da Filosofia ora da Biologia (FIGUEIREDO, 1991). Temos que
em Psicologia em 1903.
Foi professor de Psicologia
lembrar que, no passado, o conhecimento não era separado por
Experimental e Comparada. especialidades como é no nosso tempo, em que temos áreas bem
18 Psicologia Educacional

separadas, como Filosofia, por um lado, e Ciências, por outro; e nas


Ciências temos logo novas separações, como a Biologia, a Física,
a Química etc. Também a concepção de ser, vigente à época dos
gregos, incluía todos os seres vivos, todos dotados de psique (ou
anima), sem possuir diferenças de qualidade entre si. O homem,
assim como os demais seres, era parte integrante da natureza.

1.2 Conhecimento científico e contribuições


para a Psicologia como ciência Para saber mais sobre o papel
de Wundt na constituição
Nesta breve súmula histórica, é preciso considerar o surgimento da Psicologia como uma
ciência independente, veja
do pensamento científico para ter mais presente o que significou o História da Psicologia
trabalho de Wundt. Moderna nas referências.

A Ciência, como conhecemos hoje, começa a se configurar no


Renascimento, sendo gestada pelas correntes empirista, materia-
lista e racionalista, que ofereceram as condições para pensá-la. O Para saber mais sobre
esse movimento, veja
empirismo vai afirmar que a experiência é o critério para se co-
SEVCENKO; PINSKY, 1993
nhecerem as coisas e para se estabelecer o que é verdadeiro. Isto nas sugestões de leitura.
significa que precisamos aguçar nossos sentidos para perceber as
coisas e questionar a verdade já estabelecida. Em termos históri-
cos, até então, a verdade já estava dada, e isto era feito pelas mãos
das autoridades, especialmente as eclesiásticas. Como defensores
da corrente empirista, citamos Locke e Hume, entre outros. Já o
materialismo busca explicações dos fenômenos na própria natu-
reza, na matéria, visto que, se as causas fossem de outra qualidade
(sobrenaturais, metafísicas...), não haveria nem como investigá-
-las. A contribuição do racionalismo para o nascimento da Ciên-
cia foi principalmente o de reafirmar o poder da razão, a possibi-
lidade de esta resolver os enigmas, bem como a possibilidade de se
chegar ao conhecimento. Podemos acompanhar pelo Quadro 1.1
(a partir de MAX; HILLIX, 1993) uma parte desse processo no que
se refere às suas raízes como disciplina científica.
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 19

Quadro 1.1 − Síntese das principais contribuições das diversas áreas para o desenvolvimento da Psicologia

nasc./morte: data
NOME CONTRIBUIÇÃO
aproximada
FILOSOFIA
Tales Séc. IV a.C. Explicação naturalista; universo composto de água.
Sócrates c.* 460–299 a.C. Filósofo idealista; essencialmente anticientífico.
Universo composto de átomos; explicação reducionista de
Demócrito c. 470–370 a.C.
fenômenos complexos.
Platão c. 427–347 a.C. Abordagem Racionalista e primado da observação.
Métodos racionalistas e observacionais; sistema de
Aristóteles c. 387–322 a.C.
classificação na biologia; leis da memória associativa.
Roger Bacon c. 1214–1294 Ênfase sobre a livre observação empírica.
Francis Bacon 1561–1626 Novum Organum: deu apoio filosófico à ciência empírica.
Descartes 1596–1650 Interacionismo dualista: ação mecanicista do corpo.
Atividade como princípio básico; graus
Leibntz 1646–1716
de consciência; co-inventor do cálculo.
La Mettrie 1709–1751 Explicação mecanicista aplicada ao corpo do homem.
Importância de aptidões inatas no
Kant 1724–1804
ordenamento dos dados da experiência.
FÍSICA E ASTRONOMIA
Arquimedes c. 387–212 a.C. O primeiro físico experimental de renome.
Astrônomo alexandrino, cuja concepção da Terra
Ptolomeu Século II–299
como centro do universo manteve-se por séculos.
Astrônomo polonês que colocou o sol no centro
Copérnico 1473–1543 do sistema solar; alterou a concepção que o
homem tinha de sua própria importância
Restabeleceu a observação como recurso final de
Galileu 1564–1642 toda investigação científica; realizou importantes
descobertas físicas e astronômicas.
Kepler 1571–1630 Descrição matemática das órbitas planetárias.
Co-inventor do cálculo; estabeleceu o padrão da
Newton 1642–1727 ciência moderna e da física clássica, com enorme
influência nos demais campos do conhecimento.
*C.: cerca de...
20 Psicologia Educacional

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
O pai da Medicina, um excelente observador;
Hipócrates c. 460–380 a.C.
concepção naturalista de homem.
Herófilo/
Século III a.C. Primeira inferência da distinção entre nervos sensórios e motores.
Eristrato
Galeno Século II Famoso físico e anatomista; realizou experimentos animais.
Vesálio 1514–1564 Primeiro tratado geral de anatomia humana.
Harvey 1578–1657 Demonstrou a circulação do sangue.
Van Primeiro microscópio eficaz na descoberta/identificação de
1632–723
Leeuwenhoek protozoários, bactérias, esperma humano.
Lineu 1707–1778 Sistema binomial de classificação biológica.
Darwin 1809–1882 A origem das espécies.
Astrônomo de Königsberg; elaborou equações pessoais
Bessel 1784–1816
e assim um problema para a Psicologia.
SURGIMENTO DA FISIOLOGIA MODERNA
Autor de tratado geral sobre fisiologia humana;
J. Muller 1801–1858
da doutrina “das energias específicas dos nervos”.
Bernard 1813–1878 Conceito de meio interno x externo; homeostase.
Eminente fisiólogo; primeira medição da velocidade
Helmholtz 1821–1894
do impulso neural; teorias da audição e visão.
SURGIMENTO DA PSICOLOGIA
Fisiologista pioneiro; formulou a lei
Weber 1795–1878
dR/R= C, uma lei psicológica válida.
Element der Psycholophysik marca o começo da
Fechner 1801–1887 Psicologia Experimental; modificou a lei de
Weber para a fórmula Weber-Fechner: S=C logR.
Trabalhos sobre energia, estatística, diferenças individuais;
Galton 1822–1911
equacionou vários problemas na Psicologia.
Fundador do primeiro laboratório psicológico na universidade
Wundt 1832–1920
de Leipzig e também do primeiro jornal de Psicologia.

À medida que a Ciência se desenvolve, vão surgindo igualmente


os diferentes campos do conhecimento científico. Constrói-se todo
um corpo de conhecimentos que trazem o marco da ciência, indo
além da simples opinião, e nesta história também há espaço para a
Psicologia Científica. O momento histórico em que surge a Psico-
logia como um campo novo de conhecimento tem sido caracteri-
zado como um momento demarcado por conflito entre a realidade
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 21

concreta e as possibilidades reais para o indivíduo dentro dela, de


modo que, por um lado, as concepções sobre si do indivíduo e, de
Sobre este assunto ver
outro lado, suas possibilidades e desejos sejam incongruentes, o
FIGUEIREDO, 1991. que foi chamado de subjetividade privatizada.
Da mesma forma que a Filosofia, a Ciência implica em conheci-
mento sistemático, organizado e com coerência interna. Diferen-
temente da Filosofia, para se aceitar uma afirmação como verda-
deira na Ciência, têm-se como crivo final os fatos: se estes estão
de acordo com a explicação ou a teoria proposta, pode-se aceitar a
Em 1881, Wundt lançou o hipótese como verdadeira; se não conferem, rejeita-se a hipótese e
jornal Philosophische Studien invalida-se a teoria. Para essa verificação usa-se o teste, a experiên-
− Estudos Filosóficos, que, em
1903 passou a Psychologische
cia, o laboratório. Dentro desse contexto, a Psicologia surge como
Studien − Estudos Psicológicos. uma ciência a partir do trabalho de Wundt.
Ele investigava a consciência e usava como método a introspec-
ção. Objeto e método eram diretamente relacionados ao sujeito.
Esses foram os focos da Psicologia até em torno de 1913, quando
Watson, um psicólogo dos EUA, derrubou o objeto de estudo e o
método já estabelecidos. Substituiu consciência como objeto por
comportamento – o que é observável, o que o sujeito faz – e pas-
sou a usar um método objetivo que podia ser replicado por ou-
tros, filmado, contado etc.
Como as demais ciências, a Psicologia colocou suas hipóteses
sob verificação empírica, e o laboratório se constituiu, por exce-
lência, o local para isto. No entanto, recuperando um pouco mais
dessa história, somente em 1940, o departamento de Psicologia da
Universidade de Leipzig cortou seu cordão umbilical: separou-se
do departamento de origem, a Filosofia, nessa mesma universida-
de onde foi “fundada”.

1.3 Um pouco da história das


escolas psicológicas
Os primeiros 80 anos da Psicologia como ciência, de sua fun-
dação com Wundt em 1879 até em torno de 1960, caracterizam-se
como o período chamado de época das escolas. Nesse período,
diferentes correntes ou teorias psicológicas foram desenvolvidas e
22 Psicologia Educacional

se sucederam em termos de conquistar adeptos. Elas se apresenta-


vam como explicações “completas” para os fenômenos estudados
e se constituíam em sistemas fechados. Ou se aceitavam os pressu-
postos de uma teoria ou os de outra, pois cada sistema ou “escolas”
era excludente um em relação ao outro. Ainda que uma escolar
possa ter sido hegemônica e dominante em relação às outras em
um determinado momento ou lugar, por estar mais de acordo com
o modo de pensar da época, mais dentro do “clima” dominante,
ou seja, dentro do Zeitgeist, e até explicar melhor determinados Zeitgeist
Palavra alemã que pode ser
fenômenos por ela colocados em foco, por outro lado, essas cor-
traduzida como “espírito da
rentes não chegavam a ser testadas empiricamente de modo mais época” e que indica o modo
conclusivo e que levasse ou à sua validação inconteste ou à sua de pensar de determinado
momento histórico e lugar.
rejeição. Assim, foi possível que pudessem ficar “dormentes” ou
“na geladeira” por certos períodos e que voltassem à tona após
isto (FIGUEIREDO, 1991), podendo até readquirir prestígio pos-
teriormente. É importante lembrar que as escolas psicológicas se
debruçavam sobre diferentes fenômenos, ou seja, estudavam obje-
tos diversos, divergiam nos métodos que usavam e lutavam entre
si, cada uma delas se propondo a verdadeira Psicologia.
As escolas psicológicas podem ser reconhecidas e configuradas
pela distribuição (ou combinação) de tendências ou elementos
que contribuíram para a sua “cientificidade”. Os autores que tra-
tam das escolas psicológicas podem usar termos diferentes para
se referirem a elas, mas acabam de uma forma ou de outra usando
elementos que são identificáveis nas diversas escolas. Wherthei-
mer (1977) identifica oito desses elementos, a saber: 1) nomoté-
tica, ou seja, busca de princípios gerais como normatização e/ou
quantificação; 2) materialismo filosófico; 3) uso de laboratórios/
técnicas – práticas que tenham toda a aparência de cientificida-
de, de “a ciência garante”; 4) associacionismo; 5) empirismo; 6)
atomismo e/ou mecanicismo – aqui, mecanicismo refere-se a
uma concepção de causalidade linear e unidirecional, incluindo
as deterministas ou probabilistas; 7) biologia e/ou organísmica –
biologia aqui se refere à idéia de evolução, de adaptação, relação
com ambiente; enquan to organísmica (usada por FIGUEIRE-
DO, 1991) refere-se mais à auto-regulação, totalidade com inter-
dependência; e 8) fisiológica. Alguns autores que lidam com as
escolas psicológicas limitam-se a descrever apenas cinco delas,
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 23

Como Etologia, Psicologia considerando somente aquelas que foram mais marcantes. Essa
Ecológica, Psicodrama,
proposta foi adotada também aqui.
Construtivismo, Psicologia
Histórico-cultural, Abordagem Uma visão geral sobre as escolas, como podem ser caracteri-
Cognitiva-Comportamental,
Existencialismo, Abordagem zadas e mesmo como se sucederam em prestígio pode ser vista
Reichiana, Psicologia adiante no Quadro 1.2, que apresenta uma síntese das principais
Analítica de Yung etc.
Dentro da Psicanálise, por sua escolas desse período, realizada a partir do que foi proposto por
vez, existem subdivisões Llera (1994). No Quadro 1.2, apresentamos as escolas mais clássi-
como, por exemplo,
Psicologia do Ego, Psicanálise
cas. No entanto, elas se desdobram, e além disto há o surgimento
Lacaniana, entre outras. de novas correntes que não foram citadas.
Nesta disciplina focaremos nosso estudo nas abordagens beha-
viorista, cognitivista, histórico-cultural, psicanalista, ecológica e
psicodramática em razão das suas contribuições para os temas que
abordarmos na disciplina, tais como o desenvolvimento humano,
É a maneira como cada sujeito
percebe e compreende como o processo de aprendizagem, as interações em sala de aula etc.
as pessoas e a sociedade
chegam a ser o que são. Ao tratar com você as escolas psicológicas, iremos considerar os
Para Gramsci (1981), filósofo dois fenômenos que centralizam nosso estudo, desenvolvimento
italiano, todas as pessoas são
filósofas, já que pensam
e aprendizagem, e ao fazê-lo, temos como perspectiva explicitar
sobre essas questões. quais são suas concepções de homem e de mundo. Assim pensa-
mos em trazer para você um conhecimento mais contextualizado
e integrado, sendo assim mais significante, pois à medida que es-
tuda você poderá estabelecer relações com o processo educacional
Quadro 1.2 - Principais escolas: características e vigências
Escola Vigência Luminares Temática Método
Wundt Mente Experimentação
Estruturalismo 1880−1920
Titchner Consciência Introspecção
William James
Adaptação ao meio Introspecção
John Dewey
1900 Reações funcionais dos Observação
Funcionalismo Carr;
comportamentos Experimentação
Woodwort
Behaviorismo
Watson
ou teoria da 1915−1960 Comportamento Experimentação
Skinner
aprendizagem
Gestalt ou Werthemeir
Fenomenológico
Psicologia da Koffka Percepção
1915−1960 Observação
forma Koehler
Freud Motivação inconsciente
Associação de idéias
Psicanálise 1900−1950 Jung Sexualidade
Análise dos sonhos
Erikson Desajustes
24 Psicologia Educacional

e vislumbrar a contribuição dessas teorias às relações de ensino/


aprendizagem. Todavia, acreditamos que nenhumas dessas abor-
dagens é completa e/ou está acabada e, principalmente, sabemos
que nenhuma alcança todas as questões envolvidas nas relações
educacionais. De modo geral, cada corrente tem se dedicado a
temas específicos; e, assim, o conhecimento produzido já é, de
início, incompleto visto que não contempla o homem. Por outro
lado, no momento em que vivemos, em que há a perspectiva de
um conhecimento mais integrado da Psicologia, é importante res-
saltar que a realidade está em constante movimento e que o conhe-
cimento está em constante processo de construção e reconstrução,
pois não existe um conhecimento absoluto e imutável. Assim, é
importante entender que o ser humano é complexo e que cada te-
oria pode apresentar sua contribuição para olhar a sociedade e os
sujeitos, não impedindo que possa haver entre elas trocas, comple-
mentaridades e pontos em comum.

1.4 Características das principais


escolas e suas contribuições
Convidamos você agora a conhecer as características das prin-
cipais escolas que contribuíram para o pensamento psicológico,
bem como alguns de seus autores.

Estruturalismo
Objeto: elementos da consciência, estados de consciência.
Método: analítico, introspectivo (denominado por Wundt de percepção in-
terior), experimentação.
Contribuição: Wundt, Titchner e importantes seguidores do estruturalismo
contribuíram para a constituição da Psicologia como ciência, separando-a
da Metafísica e da Filosofia.

Considerando-se a história da Psicologia como composta de


duas fases, a saber: a) uma filosófico-especulativa, ou pré-cientí-
fica, cujas raízes estão no pensamento grego e se estendem até o
final do século XIX; e b) a outra, científica, pode-se considerar o
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 25

marco deste segundo momento o uso do método experimental


como possível e adequado à problemática psicológica e Wilhelm
Wundt como seu iniciador (SCHULTZ; SCHULTZ, 2000). Os fi-
lósofos antigos (gregos e medievais) buscavam respostas acerca
da natureza da alma; de sua relação com o corpo; do destino de-
pois da morte; da origem das idéias, etc. Sob o espírito científico
e também com a possibilidade de encontrar fórmulas exatas que
correlacionassem variações de estímulo físico, mudança fisioló-
gica e reação psíquica, é que começaram os trabalhos de Fechner,
Helmholtz e Wundt na Psicologia.
Para Wundt, o objeto da Psicologia era a consciência; entendia
a ciência como estudo da estrutura ou das funções detectáveis na
experiência interior, nos processos psíquicos de sensação, percep-
ção, memória e sentimentos. Os pioneiros da Psicologia Científica
como Wundt e Titchener se incluem na escola estruturalista, para
a qual o importante é determinar os dados imediatos da consciên-
cia: as características principais e específicas dos processos de
consciência e seus elementos fundamentais. Assim, procuravam
reduzir o estudo da Psicologia ao estudo de seus elementos.

Funcionalismo
Objeto: comportamentos e atividades mentais como adaptação.
Métodos: comparativo, introspecção e experimentação.
Contribuições: podem ser percebidas em diferentes áreas da Psicologia,
como a Psicologia Social, da Aprendizagem, das Organizações, Ergonomia,
Educacional e Clínica.
William James
(1842 − 1910) − psicólogo
dos EUA, um dos fundadores
O funcionalismo foi o primeiro sistema na Psicologia genuine
do funcionalismo. mente gerado nos Estados Unidos. Começou com Willian James
(1842−1910) por volta de 1900. Sua força deriva, em parte, da
oposição ao estruturalismo. Ele nunca teve uma posição sistemá-
tica altamente diferenciada. Assim, de acordo com Max e Hillix
(1993, p. 186), citando Woodworth (1948), o nome Psicologia
Funcional cabe a uma Psicologia que procura responder exata e
sistematicamente a “o que fazem os homens?” e “por que o fazem?”.
Portanto, nesses termos, o funcionalismo não morrerá enquanto
perguntarmos “o quê”, “como” e “por que”. O funcionalismo está
26 Psicologia Educacional

interessado na função do comportamento e da consciência, na


sua adaptação ao meio, bem como nas relações funcionais ou de
dependência entre antecedente e conseqüente, ou seja, função
usada aqui no sentido matemático.
As três grandes influências sofridas pela escola foram: a Teoria
da Evolução, de Charles Darwin; os estudos sobre a capacidade
humana e as diferenças individuais, de Galton; e, por fim, o estu-
do do comportamento animal, de Romanes e Morgan. Três gru-
pos contribuíram para o funcionalismo: os pioneiros − lançaram
os fundamentos e inauguraram campos novos de inquérito como
comportamento infantil (James Baldwin e C. Stanley Hall) e com-
portamento animal (Thorndike); os fundadores – estabeleceram o
funcionalismo como sistema (John Dewey e James R. Angell); e os
promotores − responsáveis pelo amadurecimento e pela elaboração
da síntese (Harvey Carr e R .S. Woodworth). Nunca houve uma úni-
ca Psicologia Funcional, mas várias e diferentes entre si. O funcio-
nalismo, concebido como um composto de valores e procedimentos
que enfatizam atos adaptativos e relações funcionais empiricamente
demonstradas, conserva uma influência na Psicologia e é atual.

Behaviorismo
Objeto: comportamento.
Métodos: comparativo, observação, método experimental.
Contribuição: Contribuição: principalmente no processo educacional, pois
contribuiu com o destaque às contingências presentes no ambiente de en-
sino, a importância do feedback (retroalimentação, capacidade de reorga-
nizar a ação a partir de seus resultados) e do reforço, mas também cola-
borou com instrumentos de investigação para a Psicologia Animal e para
a própria Psicologia Clínica, gerando a terapia pelo método diretivo. Uma
obra de referência, entre outras, é o livro Walden Two do estudioso de Psi-
cologia do Comportamento B. F. Skinner.

A corrente behaviorista surgiu por volta de 1911 nos Esta-


dos Unidos, tendo como seu fundador John Broadus Watson
(1878−1958) que publicou em 1913 o “Manifesto behaviorista”,
defendendo ser o objeto da Psicologia o comportamento, que é
observável e pode ser medido e evidenciado, e não a consciência,
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 27

como estava anteriormente definido. Watson se apoiou em gran-


de parte na obra de Thorndike e de Pavlov. Behaviorismo origi-
na-se da palavra inglesa behavior, que significa comportamento
ou conduta, gerando comportamentalismo, em português, ou
ainda, condutivismo. Seus postulados apontam para uma pre-
ocupação principal que é trabalhar com o observável sob con-
dições de controle. A experimentação, por meio de condições
criadas para gerar o fenômeno, é o principal instrumento para
verificação de um princípio, e, no caso do homem, há uma ênfa-
se para o meio em que ele se desenvolve. É interessante salientar
que a corrente behaviorista logo vai se dividir em duas: uma dita
radical, porque elimina a intervenção de qualquer processo cen-
tral (interesse, motivação, conhecimentos anteriores etc.) sobre
os fenômenos estudados, e a outra chamada de metodológica,
que concorda com a ênfase no rigor científico, mas leva em con-
sideração efeitos de processos centrais, e que inclui os chamados
cognitivistas. Com B. F. Skinner (1904−1990), outro psicólogo
dos EUA, surge o neobehaviorismo, num Segundo momento (o
que para alguns é uma escola distinta).

Gestalt ou Psicologia da Forma


Objeto: a percepção globalizadora.
Métodos: observação e experimentação.
Contribuições: ocorreram na área da aprendizagem e nos estudos sobre
os processos cognitivos, levando à mudança na metodologia do ensino de
algumas disciplinas: ao ensinar anatomia, por exemplo, estuda-se o corpo
humano e não partes separadas; no ensino fundamental, o aprendizado
das sílabas e das letras se dá a partir de uma palavra-chave etc. Muito im-
portante também foram os trabalhos de Kurt Lewin (1890−1947) sobre di-
nâmica de grupo (que é de especial importância para o professor que dese-
ja lidar com seu grupo de alunos).

Gestalt O movimento da Gestalt teve como líderes: Wolfgang Köh-


Palavra que significa
“forma”, “boa forma”
ler (1887−1967), Max Wertheimer (1880−1943) e Kurt Kofka
e ainda “configuração”. (1886−1941). Começou, em 1912, quando Max Wertheimer, psi-
cólogo alemão, então na Universidade de Frankfurt, publicou um
estudo sobre movimento aparente: esse estudo constatou que a
percepção interna de movimento pode não ser real. Por exemplo,
28 Psicologia Educacional

quando assistimos a um filme de desenho animado, temos a per-


cepção interna de movimento de imagens. Na verdade não há
movimento externo e sim uma seqüência de fotografias, que, ao
serem apresentadas de forma rápida, dão a idéia de movimento.
Algo é percebido no plano mental como movimento, quando na
realidade fora da mente do sujeito não é isto. O que ocorre num
luminoso e também num telão pode ser exemplo do movimento
aparente. Na realidade, milhares de luzes estão se acendendo e se
apagando; nada está se movendo.
Vários estudos sobre percepção levaram ao postulado mais
importante da Gestalt: o todo é maior do que a soma de partes;
e a figura, que é o que se destaca do fundo ou do contexto, cons-
tituise porque tem algum significado. O que não tem significado
não é percebido.
No que concerne à aprendizagem, os gestaltistas destacam os
experimentos de Köhler com macacos, os quais levam a crer que,
Insight
para que haja aprendizagem, deve haver sempre uma reestrutura- Solução súbita de um
ção no campo perceptivo por parte do indivíduo que aprende. Dos problema, sem que haja
ensaio-e-erro ou tentativas
experimentos de Köhler, surgiu o conceito de aprendizagem por de soluções: a solução
insight, por compreensão ou discernimento: forma de aprendi- ocorre num “estalo”.
zagem que acontece quando se estabelecem relações entre as in-
formações, seguindo-se a compreensão e a resolução; ela implica
numa abordagem nova para o problema. Os gestaltistas destacam
a importância da experiência anterior para a aprendizagem, bem
como das relações do contéudo com o contexto.
Kurt Lewin iniciou suas pesquisas em Psicologia dentro da Ges-
talt, passando posteriormente à busca de entendimento dos agru-
pamentos humanos, sendo um dos pioneiros neste estudo, que
passou a ser chamado de dinâmica de grupo. Para ele, as pessoas
componentes de um grupo estariam sob a ação da força de campo.
De modo semelhante ao que ocorre no campo magnético, as for-
ças entre os elementos do grupo constituem um campo com forças (1856−1939) medico
neurologista judeu, fundador
de atração e repulsão. É interessante lembrar que esses pioneiros da Psicanálise. Além de ter sido
da Gestalt estudaram Física, antes de se dedicarem à Psicologia. um grande cientista e escritor,
é lembrado por ter realizado
A corrente psicanalítica tem em Sigmund Freud seu criador. uma revolução no âmbito
humano: a idéia de que somos
Freud interessou-se desde cedo pelos problemas que causam movidos pelo inconsciente.
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 29

Psicanálise
Objeto: os fenômenos da consciência/inconsciente, da personalidade nor-
mal e patológica.
Método: da livre associação, análise dos sonhos e de atos falhos.
Contribuição: está presente nas diferentes áreas da Psicologia, quais sejam:
do desenvolvimento, educacional, da personalidade, social, clínica e organi-
zacional. Ela inspirou os neopsicanalistas como: Erik Erikson, Henry Murray,
Gordon Allport, Lacan, Anna Freud, Karen Horney e outros. Os psicanalistas
de hoje utilizam os métodos criados por Freud em seu trabalho terapêutico.

desconforto, ansiedade e principalmente neuroses. Iniciou sua


De catarse – ato de liberação
carreira atendendo a pacientes neuróticos, sobre os quais realiza-
das emoções reprimidas va suas investigações. Seu trabalho contou, inicialmente, com a
parceria de Joseph Breuer (1842−1925), médico neurologista,
criador do método catártico que consistia em fazer com que o
paciente narrasse sob hipnose seus traumas. À medida que o pa-
Hipnose
Hipnose Estado especial da
ciente comentava o fato, sentia-se gradativamente mais aliviado
consciência; “sono” induzido. e ao longo do tratamento ia apresentando alguma cura. Freud
formulou sua concepção a respeito das histerias: sua origem está
na infância e surge quando a pessoa sofre traumas emocionais ou
Atos falhos sexuais. Sufocados no inconsciente por algum tempo, reapare-
Os atos falhos ou parapraxias
são ações, como falas, que
cem mais tarde sob forma de sintomas histéricos. Breuer não
parecem inadequadas do acreditava nas manifestações sexuais na infância, mesmo assim,
ponto de vista do contexto em 1895, publicam juntos o livro Estudos sobre histeria. Após
em que o sujeito está, mas
que ocorrem quando há algum tempo rompem a parceria. Freud cria um novo método
um desejo ou uma intenção para suas investigações: a associação livre ou método psicanalíti-
ocultos, que não podem
ser reconhecidos por co: sem hipnose, o paciente ficava livre para falar sobre tudo o
contrariar os princípios que lhe vinha à mente, levando-o a se encontrar com fases ante-
morais do sujeito.
riores de sua vida de forma consciente. Completando com outras
técnicas, como as interpretações oníricas, uma vez que conside-
Referentes aos rou o sonho a via que leva ao inconsciente, e com o estudo dos
conteúdos dos sonhos.
atos falhos, o método da livre associação instalou-se em seu con-
sultório. Freud constatou a eficiência dos novos métodos à medida
que observava o paciente reduzir sua dependência em relação ao
analista, o que não ocorria no uso do método da hipnose. O pacien-
te melhorava à medida que se sentia livre dos sintomas, ou seja, que
conhecia seu inconsciente, bem como a força exercida por ele.
30 Psicologia Educacional

1.5 O fim do período das escolas


O chamado período das escolas foi até em torno de 1960, quan-
do a pretensão de cada escola de ser uma explicação completa e
coerente para os fenômenos mostrou-se inviável: a quantidade
de informação produzida questionando cada uma das escolas era
tanta que produziu o “rompimento” das escolas. Isto levou a uma
abertura em relação ao diálogo entre as correntes, ao contrário da
posição vigente anteriormente, fechada e “absolutista”. Em alguns
casos, levou à visão de complementaridade entre correntes de pen-
samento. Essa posição de diálogo das escolas pode ser refletida em Você pode ver esta teoria
novas maneiras de se olhar o momento atual, dando lugar para proposta por Edgard Morin
tratada no Capítulo 4 do
teorias que tentam enfocar a questão da pós-modernidade, como livro-texto da disciplina
é o caso da Teoria da Complexidade de Morin, ou ainda, por meio Organização Escolar.
do conceito de Rizoma de Deleuze e Gattari (1995), para quem os
conhecimentos são não hierárquicos.
A Psicologia vive em crise permanente pela extraordinária di-
versidade de posições teóricas e metodológicas, o que pode, ao
menos em parte, ser explicado pela complexidade do seu objeto
de estudo. Por isso é importante entendermos o que caracteriza
cada abordagem e suas articulações com as outras abordagens, ou
seja, é importante compreender a epistemologia delas. Ainda as-
sim, elas persistem em suas oposições e também na esperança de
reunificação. A reunificação é importante para que a Psicologia
possa assumir seu papel de verdadeira ciência e também uma po-
sição independente em relação às demais ciências (FIGUEIREDO,
1991). A instabilidade epistemológica da Psicologia faz com que
siga em ziguezague em termos de modas psicológicas e que seu A epistemologia é a area
da Filosofia que investiga o
projeto de unificação filosófica e metodológica seja permanente-
conhecimento, suas origens
mente questionado. da Psicologia faz com que siga em ziguezague e sua confirmação.
em termos de modas psicológicas e que seu projeto de unificação
filosófica e metodológica seja permanentemente questionado.

Resumo
Aprendemos neste capítulo que o termo Psicologia foi usa-
do pela primeira vez em 1590 por Gloclênio e popularizado por
A Psicologia: origem e contribuições. Sua evolução: antes, durante e após as escolas psicológicas 31

Wolff em suas publicações de 1732 e 1734. A história da Psicologia


apresenta três momentos marcantes. Inicialmente com os gregos,
que contribuem com a Psicologia Pré-científica; em seguida, com
os estudos de Wundt, considerado o pai da Psicologia Científi-
ca; e, por fim, com Watson, que publicou o manifesto behavioris-
ta, em1913, em que troca consciência por comportamento como
objeto de estudo da Psicologia. É importante considerar também
a influência do materialismo, do racionalismo e do empiris-
mo para a constituição da Psicologia como ciência. Aprendemos
que, desde a fundação da Psicologia como ciência, com Wundt
em 1879, até em torno de 1960, ocorreu um período chamado de
época das escolas: as cinco principais escolas desse período foram
aqui apresentadas com seus objetos e métodos. Tem-se verifica-
do que a Psicologia vive em crise permanente pela extraordinária
diversidade de posições teóricas e metodológicas, o que pode ser
explicado, em parte, pela complexidade do seu objeto de estudo –
o homem. Neste capítulo procuramos descrever um pouco como
foram as escolas psicológicas, bem como explicitar um pouco as
concepções de homem e de mundo presentes em cada uma. Após
uma apresentação bastante geral dessas escolas, elas serão tratadas
mais de perto por meio dos dois fenômenos que centralizam nosso
estudo: desenvolvimento e aprendizagem. Depois da apresenta-
ção das escolas psicológicas, algumas delas serão aprofundadas.

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SEVERINO, A. J. Filosofia da Educação: construindo a
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c a p í t u lo 2
A contribuição da Psicologia para
a Educação
Partindo-se de uma discussão do conceito de educação, este
capítulo tem como objetivo tratar do surgimento da Psicolo-
gia da Educação e sua contribuição para o processo de ensi-
no/aprendizagem. Refletiremos também sobre a importância
da comunicação e da afetividade na relação professor/aluno.
A contribuição da Psicologia para a Educação 37

2.1 Aspectos históricos da


Psicologia Educacional
Entende-se por educação o processo pelo qual um indivíduo
é introduzido na sociedade. A constituição do sujeito a partir
da matriz social tem um marco no trabalho pioneiro de Émile
Durkheim dentro da Sociologia e pode ser encontrada em autores
com os quais vamos tratar adiante, entre eles Vygotsky, Moreno e
Bronfrenbrenner. Ao nascer, a criança humana está inteiramente
vulnerável e de modo extremo, se comparado aos outros animais,
por isto é dependente dos cuidados dos seus semelhantes. Esse
cuidado proporciona a oportunidade para o desenvolvimento de
características marcantes nos seres humanos. Nesse processo de
socialização, a educação contribui para que o indivíduo se consti-
tua como membro de um determinado grupo, de uma sociedade
em particular, para que se aproprie e adquira as principais caracte-
rísticas deste grupo. Às vezes esse processo é também chamado de
endoeducação (BRANDÃO, 1981), ou seja, educação, no sentido
geral do termo, inicia-se antes da escola e continua para além dela,
embora a escola no nosso tempo tenha um papel fundamental na
educação formal.
De modo sintético, sobre a história da educação, podemos lem-
brar que, em sociedades tribais, a escola era desnecessária, porque
o ensino se dava por meio de brincadeiras ou da participação de
crianças e jovens diretamente nas ações do grupo social. Em socie-
dades complexas e estratificadas isto não é mais possível. Assim,
38 Pisicologia Educacional

hoje em dia é praticamente impossível um sujeito vir a ter uma in- Você pode completar
serção social produtiva sem frequentar a escola. Os registros mais informações a respeito
seguindo as sugestões
antigos da escola estão na Grécia e, posteriormente, em Roma. No de leitura, como História da
presente texto não é possível acompanhar a história da institu- educação (MANACORDA, 1989).
cionalização da educação, nem as diversas formas assumidas no
processo educativo, como a tutoria, a preceptoria, a monitoria, já
defendida por Comenius (1592−1670), o pai da Didática, ou mes-
mo o sistema acadêmico, desenvolvido durante a Idade Média.
A escola se “universaliza” a partir de fins do século XIX e início
do XX (no Ocidente e nas nações ricas), período de grande in-
dustrialização e em que se constituíram muitas nações. A escola,
além de expandir o nível cultural das populações, contribuía nes-
ses movimentos, pois a questão da identidade nacional também
podia ser trabalhada pela e na escola. Ao lado disto, esse período
foi agitado por muitos renovadores do pensamento educacional,
que se contrapunham às formas tradicionais de ensino e realiza-
vam experimentos sobre novas formas de ensino, o que foi chama-
do na educação de Movimento da Escola Nova. Lourenço Filho
(1897−1970), um dos responsáveis no Brasil pela introdução da Procure mais informações
sobre esse autor.
Psicologia na discussão das questões educacionais, em seu livro
Introdução ao estudo da Escola Nova, publicado pela primeira vez
em 1929 e reeditado em 2002, apresenta esse movimento.
A preocupação com a educação tem a idade da civilização, e os
problemas no processo educativo já interessavam aos gregos. No
entanto, essas preocupações em relação aos aspectos psicológicos
aí envolvidos tornaram-se mais vivas a partir das publicações de
precursores do uso da Psicologia na Educação, como Luis de Vi-
ves 1538) e Jonh Lock (1689), o que pode se ver na Tabela 2.1. Ao
examiná-la, você poderá identificar exemplos de precursores e de
fundadores da Psicologia oriundos de diferentes áreas.
A valorização da educação como produto do iluminismo levou
à luta pela universalização da escola. Estando estabelecida a esco-
la e também, a Psicologia como uma disciplina geral, em desenvol-
vimento e em expansão, por que não empregar os conhecimentos
psicológicos para facilitar as atividades escolares? São nessas con-
dições que a Psicologia da Educação aparece e se expande. Assim,
essa área se constituiu historicamente a partir da contribuição de
vários protagonistas, alguns dos quais destacamos a seguir.
A contribuição da Psicologia para a Educação 39

A Psicologia da Educação se esboça como um campo próprio


por volta de 1900, com os trabalhos de William James, Thorndike,
Woodworth e outros, mas só passa a uma forma mais definida por
volta de 1920, em função dos novos conceitos, objetivos e neces-
sidades sociais e da educação. Ao lado do papel de destaque que
coube a pensadores e educadores na constituição do campo psi-
cológico, essa se constituiu como campo a partir da intersecção de
três campos diferentes que a precederam, a saber:
1. Psicologia Diferencial, que lidava com as diferenças individu-
ais, e com as medidas de rendimento escolar, com Claparède;
Binet (autor do teste de inteligência ou de QI);
2. Psicologia da Aprendizagem com Ebbinghaus, Thorndike, Tol-
man, Hull, Watson, entre outros; e
3. Psicologia do Desenvolvimento (chamada pelos autores eu-
ropeus também de Psicologia Evolutiva) com Gesell, Bal-
dwin, Wallon, etc.
Observe na Quadro 2.1 como a história do pensamento psicoló-
gico e da educação escolar vão se tecendo ao longo do tempo. Aqui
há certo destaque para os EUA em relação à Europa. Talvez a ma-
(1859−1952) John Dewey neira de pensar (e viver), em especial o pragmatismo dos EUA,
é, certamente, um dos mais
influentes pensadores na área tenha contribuído para a valorização da Psicologia na escola: se há
da educação contemporânea. um conhecimento psicológico que pode facilitar o ensino, por que
Esse destacado filósofo,
psicólogo e pedagogo, não usá-lo? Essa é uma questão para investigar, posto que a uni-
nascido nos Estados Unidos, versalização da escola inicia-se com certeza na Europa. Há que
posicionou-se a favor do
conceito de Escola Ativa, no
destacar aqui, também, a fundação de escolas laboratórios, local
qual o aluno tinha que ter onde foram colocadas em prática formas experimentais e alterna-
iniciativa, originalidade e agir tivas de ensino/aprendizagem. John Dewey funda nos EUA, em
de forma cooperativa.
1896, a primeira escola laboratório. No Brasil, a fundação da pri-
meira escola laboratório, o Pedagogium, ocorre apenas um ano
Escola de formação de depois dos EUA, em 1897.
professores e centro de
cultura, fundada em 1890, Por volta de 1920, profundas mudanças estavam ocorrendo
que assumiu a forma de na sociedade ocidental que exigiram e/ou propiciaram a univer-
um museu pedagógico.
salização da escola. Entre essas mudanças, há que se destacar a
industrialização, que, por sua vez, gera demandas: para traba-
lhar na indústria certas exigências devem ser cumpridas. Isto fica
claro se olharmos a história do Brasil e compreendermos que o
40 Pisicologia Educacional

início do século XX significou um processo intenso de urbani-


zação e industrialização dos grandes centros, especialmente de
São Paulo.Esse é o contexto histórico do desenvolvimento da
Psicologia da Educação no Brasil. A Psicologia contribui com a
formação de professores desde as primeiras décadas do século
XX, momento em que se discutia um projeto nacional de moder-
nização, urbanização e industrialização da sociedade brasileira.
Diante do grande contingente populacional formado por anal-
fabetos, a educação passa a ser considerada fundamental para a
viabilização do novo projeto social e econômico. A preocupação
com a organização de um sistema nacional de ensino e a forma-
ção profissional de seus técnicos são aspectos que ocupam espa-
ço na agenda nacional naquele momento.

Quadro 2.1 - Marcos do período precedente à Psicologia da Educação


Caracterização Autor Período
Juan Luís Vives 1492-1540
Locke 1632-177
Precursores Rousseau 1712-1778
Pestalozzi 1746-1827
Fröebel 1782-1852
1° laboratório, 1879 Wundt 1832-1920
Ebbinghaus 1880-1909
Europa

Fundadores Claparède 1873-1940


Binet 1857-1911
William James 1842-1910
Fundadores Torndike 1874-1949
Gesell 1880-1961
EUA

1° laboratório Stanley Hall 1845-1924


Fundador J.M. Catell 1869-1944
1ª escola-laboratório, 1896 John Dewey 1859-1952
1 ª escola laboratório no Inst. Pedagogium, Rio, 1897 Manuel Bomfim 1868-1932
Brasil

Escola laboratório na Escola Normal, SP, 1914 Ugo Pizzoli 1863-1934


A contribuição da Psicologia para a Educação 41

A primeira escola normal brasileira destinada à habilitação de


professores para o magistério primário foi criada na província do
Rio de Janeiro, em 1835, mas teve uma duração efêmera. Apenas na
década de 1870 é que ocorreram iniciativas para a disseminação
desse ensino nas diversas províncias do País, pois a estrutura era
concebida de forma descentralizada. A partir de 1920, diversas re-
formas estaduais propuseram como princípios norteadores para o
Na Rua do Passeio (Rio de
Janeiro) funcionaram a sede
conjunto de normas didático-pedagógicas das escolas normais os
antiga da Biblioteca Nacional, ideais escolanovistas, o que levou à inclusão de novas disciplinas de
o Cassino Fluminense, a formação profissional, tais como História, Sociologia e Biologia,
Secretaria de Justiça, a
Impressão Régia (fundada abrindo espaço para a contribuição não só dessas disciplinas, mas
em 1808), a Secretaria do também de profissionais dessas áreas, o que foi o caso de Fernando
Império, a Academia Nacional
de Medicina e o Pedagogium, de Azevedo e Anísio Teixeira, ambos sociólogos e educadores, como
onde se ministrava um curso também à consolidação da Psicologia como disciplina do currículo
suplementar para professores.
de formação de professores (TANURI, 2000, p. 61-71).
De acordo com Lourenço Filho (1978, p. 17), o escolanovismo
foi um movimento que floresceu no início do século XX e tinha
por base um conjunto de princípios que procuravam dar um novo
tratamento aos problemas da educação em geral, ou seja, ao tra-
balho escolar, suas condições e seus resultados mediante novos
pressupostos e métodos de investigação científicos. A Psicologia
Experimental forneceu a base teórica para a realização da Peda-
gogia na educação brasileira, nas primeiras décadas do século XX,
como indicam os laboratórios de Psicologia ou Pedagogia Expe-
rimental instalados, na maioria das vezes, em anexos às Escolas
Normais e sob a coordenação de pesquisadores estrangeiros. A
(1900−1971) Personagem primeira dessas iniciativas de instalar laboratórios aconteceu em
central na história da 1906, no Rio de Janeiro, com a criação de um Laboratório de Psi-
educação no Brasil, nas
décadas de 1920 e 1930, cologia Pedagógica no Pedagogium. Esse laboratório funcionou
difundiu os pressupostos do por mais de quinze anos sob a coordenação de Manuel Bomfim
movimento da Escola Nova,
que tinha como princípio a
e Plínio Olinto. Em São Paulo, a partir de 1914, funcionou o La-
ênfase no desenvolvimento boratório de Pedagogia Experimental, na Escola Normal da Pra-
do intelecto e na capacidade ça, sob a direção do italiano Ugo Pizzoli, que realizou trabalhos
de julgamento em detrimento
da memorização. Foi um dos experimentais acerca de raciocínio infantil, grafismo, memória,
mais destacados signatários cinética, tipos intelectuais e associação de ideias. Nos anos 1920,
do Manifesto da Escola Nova
em defesa do ensino público, já sob a coordenação de Lourenço Filho, foram realizadas nes-
gratuito, laico e obrigatório, se mesmo laboratório pesquisas sobre a utilização de testes de
divulgado em 1932 .
42 Pisicologia Educacional

desenvolvimento mental, inquéritos sobre jogos, investigações


sobre aprendizagem, em especial acerca da maturidade necessária
à aprendizagem da leitura e da escrita. Registraram-se experiên-
cias semelhantes, nesse mesmo período, em Recife, na Bahia e em
Belo Horizonte (LOURENÇO FILHO, 1994).

Segundo Tanuri, “[...] a nova orientação do ensino requeria


conhecimentos sobre o desenvolvimento e a natureza da criança,
os métodos e técnicas de ensino a ela adaptados e os amplos fins
do processo educativo” (2000, p. 70). Assim, foi atribuído à Psi-
cologia o papel de dar fundamentos científicos à prática pedagó-
gica, fornecendo informações sobre o desenvolvimento infantil.

Cunha (1995) analisa a posição ocupada pela Psicologia na do-


cumentação oficial normalizadora dos cursos de formação de pro-
fessores primários do Estado de São Paulo, no período de 1930 a
1960, e indica que a Psicologia está presente desde 1933 como dis-
ciplina nos currículos de Licenciatura, ocupando a mesma carga
horária que as disciplinas de Sociologia e Biologia. Na década de
1950, constata-se uma pequena variação em favor da Psicologia na
carga horária desses currículos. As experiências paulistas serviram
como modelo às iniciativas regionais de reformulação do ensino, e
os dados encontrados por Cunha na legislação sobre formação dos
professores primários também estão presentes em outras realida-
des regionais, como é o caso de Santa Catarina (DANIEL, 2003).

2.2 A Psicologia Educacional


como disciplina-ponte
Sobre a Psicologia da Educação, é importante dizer que, se ela
surge como o que se chamava Psicologia Aplicada – conheci-
mentos de áreas relevantes eram recuperados e aplicados a um
problema específico, no caso, à educação (veja a Figura 2.1 − 1A
e 1B à medida que se desenvolve e que o conhecimento se multi-
plica (e também à medida que certas correntes lhe prestam for-
ça), passa a ter vida própria e a ser pensada como uma disciplina
A contribuição da Psicologia para a Educação 43

com campo, métodos, teorias e problemas próprios, de acordo


com Coll et al. (1997). Esses aspectos da disciplina aqui destaca-
dos podem ser acompanhados na Figura 3.1, como a proposta
por Coll et al. (2000, p. 354).
A Psicologia Educacional passa a organizar-se como um espaço
de trabalho e atuação profissional que se nutre de todas as áreas da
Psicologia, assim como interage com outras disciplinas não psico-
lógicas com a finalidade de contribuir para a construção de uma
teoria educativa de base científica e para melhorar a educação e
o ensino. Nessa perspectiva de disciplina-ponte, dois pontos se
colocam desde o início:
•• devido à complexidade dos fenômenos, a Psicologia Educacio-
nal precisa assumir seu caráter multidisciplinar, articulando-
se com outras disciplinas; e
•• deve ser pensada como ponte entre o conhecimento pedagógi-
co e as áreas que lidam com o ensino/aprendizagem etc. Tendo-
se em vista essa perspectiva, cabe à Psicologia da Educação con-
tribuir com a formação do professor para levá-lo a:
•• entender o processo de educação e de ensino/aprendizagem;
•• identificar como o processo de desenvolvimento cria diferentes
condições para a interação social, e em especial, para o proces-
so de ensino/aprendizagem;
•• compreender melhor o papel da sociedade no processo
educativo; e
•• entender o processo de ajustamento social em todas as suas
inter-relações.
Nas palavras de Wallon, “A orientação do ensino torna-se psico-
lógica a partir do momento em que pretende adaptar-se ao espírito
e à natureza da criança (estudante)” (1975, p. 356). E também:
Se, pode-se adquirir o sentido pedagógico, não é simplesmente
pela rotina, mas pela experiência [...] Mas é ao estudo destes dois
termos que é preciso dar atenção: às disposições que a criança
(estudante) apresenta dependentes de sua idade e do seu tempe-
ramento individual; às aptidões que exige e exerce cada discipli-
na a ensinar (WALLON, 1975, p. 356).
44 Pisicologia Educacional

Figura 2.1 - Três lógicas podem vigorar na Psicologia Educacional: como aplicação de uma (A) ou de várias teorias (B); como área
de competência própria, ou disciplina-ponte (C) (de acordo com COLL et al., 2000).

Na mesma obra, o autor enfatiza o papel da observação para a


construção desse conhecimento e de como a Psicologia deve inter-
vir na formação dos professores para levá-los a tirar conclusões de
suas próprias experiências (WALLON, 1975).
Nesta disciplina, vamos lidar com alguns conceitos e princípios
básicos da Psicologia e ler alguns dos clássicos. Mas, mesmo que as
nossas condições para estudar a Psicologia fossem privilegiadas em
tempo e recursos, ainda assim, provavelmente, não veríamos tudo
que é importante na sala de aula: até porque a realidade é dinâmica
e exige a reorganização dos conhecimentos para lidar com ela.
A contribuição da Psicologia para a Educação 45

Podemos fazer um exercício para destacar a importância de


estar atento aos fenômenos psicológicos e, portanto, de sensi-
bilizar para as contribuições da Psicologia na Educação, inda-
guemos a ela que esclareça como se aprende: como cada pessoa
aprende? E por consequência, como é possível ensinar alguém:
que aspectos alteram, atrapalham e/ou contribuem para que se
aprenda? Em relação a ambas as questões, muitos aspectos es-
tão relacionados às características intrínsecas ao sujeito: às mu-
danças em suas estruturas em razão do momento do seu desen-
volvimento – se é uma criança, um jovem ou um adulto –, de
seu temperamento, interesses, atitudes, costumes, grupo social
em que se encontra, como estabelece suas relações, sua histó-
ria, etc. Já outros aspectos se referem às características extrín-
secas: a organização do seu entorno, como se há ruído/silêncio,
à lógica do material a ser aprendido, se é ou não coerente, etc.

Leia com cuidado o Quadro 2.2, elaborada a partir de Woolfolk


(2000), para identificar alguns dos fenômenos psicológicos que se
apresentam na sala de aula. Tom Shuell (1996 apud WOOLFOLK,
2000) identificou as funções de aprendizagem, examinando as
pesquisas sobre esse tema em sala de aula. Essas funções são apre-
sentadas na coluna da esquerda e podem ser iniciadas tanto pelo
professor como pelo(s) aluno(s). Não importa qual sua origem: o
importante é que elas ocorram, porque sem elas não há apren-
dizagem! O foco nessas funções articula ensino e aprendizagem,
mostrando que muitos tipos de ensino podem apoiar a aprendiza-
gem. Os alunos devem utilizar recursos para aprender, mas, tanto
eles como o professor podem ativar as funções: se os alunos têm
que aprender, os professores podem criar situações que orientem,
apoiem, estimulem e encorajem a aprendizagem; se cabe ao pro-
fessor ensinar, os alunos podem pedir sugestões, indagar e sugerir.
46 Pisicologia Educacional

Quadro 2.2 - Funções da aprendizagem


Função Iniciadas pelo Professor Iniciadas pelo Aluno
especificar objetivo/propósito da lição;
identificar o objetivo de fazer um projeto
EXPECTATIVAS fornecer uma visão geral do material a ser
ou dever de casa, ler um capítulo, etc
estudade, etc
dar orpotunidades para interação dos procurar formas de tornar o material, a
MOTIVAÇÃO
alunos; usar material interessante lição ou o projeto pessoalmente relevantes
ATIVAÇÃO DE lembrar os alunos de informações perguntar a si mesmo o que já sabe sobre
CONHECIMENTO necessárias; informações relevantes em o assunto e que informção é necessária
ANTERIOR lições anteriores, etc para completar a tarefa
identificar aspector-chave do material
salientar informações e/ou características
ATENÇÃO que está sendo estudado; sublinhar
importantes; usar ênfase verbal
informações-chave, tomar nota
gerar mnemônicos, imagens e/ou
fornecer diagrama e/ou exemplos;
CODIFICAÇÃO múltiplos exemplos em
contextos múltiplos; sugerir mnemônicos
múltiplos contextos
procurar semelhanças, desenhar
encorajar comparação pelo uso de
COMPARAÇÃO diagramas ou mapas para comparar o
perguntas; diagrama ou mapas
material que está sendo estudado
GERAÇÃO DE fazer perguntas “e se?”; encorajar os alunos gerar possíveis alternativas e
HIPÓTESES a pensar em cursos de ação alternativos soluções correspondentes
orientar a prática e/ou reflexão; múltiplas revisar sistematicamente e refletir sobre o
REPETIÇÃO
perspectivas e/ou exemplos material que está sendo estudado
fornecer feedbacks e corretivos buscar respostas e/ou reações a
FEEDBACK
instrutivamente relevantes perguntas feitas a si mesmo
encorajar os alunos a avaliar seu perguntar: “o que sei atualmente sobre o
AVALIAÇÃO desempenho e ponto de vista à base do que estou estudando? O que preciso fazer
feedback recebido para saber e/ou descobrir?”
monitorar o desempenho;
MONITORAÇÃO verificar o entendimento
testar a si mesmo
sugerir formas de combinar e integrar estabelecer categorias; conceitos;
COMBINAÇÃO,
informações: construindo diagramas, relações; construir tabelas; procurar
INTEGRAÇÃO, SÍNTESE
gráficos, formalização relacionamentos de ordem superior

2.3 A Psicologia Educacional e a pesquisa


É importante orientar nossa ação educacional por meio de co-
nhecimentos construídos pela ciência. Mesmo que de maneira
simplificada, é importante acompanhar o desenvolvimento do
pensamento científico e de como, sob influências das diversas
A contribuição da Psicologia para a Educação 47

correntes filosóficas, coloca os fatos ou as evidências como cri-


vo para a aceitação/rejeição das hipóteses; como, por meio de seu
trabalho sistemático e metódico, propõe explicações que devem
ser coerentes entre si e em relação aos fatos. Ocorre que muitas
vezes os princípios propostos pela Psicologia, inclusive para a
educação, parecem óbvios, coisas que todo mundo sabe, ou seja,
senso comum. No entanto, mesmo que um princípio possa nos
parecer familiar, ele resulta do trabalho sistemático de pesquisa e
investigação científica que está sujeito ao critério de comprovação.
Considerando que o principal objetivo da Psicologia Educacional
Princípio é compreender como o desenvolvimento, o ensino e a aprendiza-
Relação entre um ou mais
fatores que determinam
gem se processam, a pesquisa é sua ferramenta primária e é ela
o fenômeno. que permite construir princípios e também teorias.
As pesquisas podem ter diversos objetivos e, assim, podem ser
realizadas por meio de diversas metodologias, ainda que essas
representem diversificações do método científico. Quando se
pretende apenas relatar o que ocorre, elas podem ser chamadas
Teoria de descritivas. Usando um questionário, uma entrevista ou
Afirmações de princípios uma observação e um registro do que se passa com uma turma,
integrados que tentam
explicar os fenômenos
com alguns alunos, etc., é possível fazer uma pesquisa descritiva.
e fazer predições. Elas são descritivas porque apenas descrevem eventos que estão
ocorrendo no mundo de modo natural (sem serem provocados
para fins de estudo) em contraposição às situações provocadas
para estudo, chamadas de experimentais ou de laboratório. Po-
Veja no Capítulo 3 mais de-se perceber uma gradação entre os estudos com interferências
detalhadamente como se dá
mínimas às interferências mais drásticas. Os estudos com obser-
a experimentação.
vação podem ilustrar isto, pois ela pode ser feita de vários mo-
dos: a) sem nossa interferência nos fenômenos, no ambiente na-
tural dos sujeitos, e sem que haja conhecimento dos sujeitos
sobre o estudo, como na observação naturalística; b) em condi-
ções especiais, se melhante ao laboratório, ou seja, como obser-
vação controlada; c) ou ainda, como observação participativa,
em que, como o nome sugere, não se busca o distanciamento do
investigador em relação aos sujeitos, pois este atua na situação
que está observando; d) observação sistemática, em que se faz
registro de todos os eventos que ocorrem ou se usa uma técnica
para amostragem, seja de tempo (por exemplo, a cada 10s se
48 Pisicologia Educacional

registram os eventos que estão ocorrendo) ou de eventos (alguns


deles podem ser registrados e outros não).

2.4 Além do conhecimento específico:


a Psicologia e a comunicação

Quando alguém conhece um assunto, como, por exemplo, um


especialista que estuda um tema ao longo do tempo e se dedica a
ele com afinco, isto já é o suficiente para que possa tornar-se um
professor? Todas as pessoas que você encontrou lecionando em
sala de aula estavam de fato preocupadas com a aprendizagem e
com a situação dos aprendizes? Discuta essas questões com seus
colegas de curso ou com outros professores. Possivelmente vocês
chegarão à conclusão de que saber sobre um determinado assun-
to é uma condição indispensável para ser professor: se alguém
não tem um conhecimento diferenciado, se não sabe mais que
os outros sobre determinado assunto, não poderá ser professor,
basta permanecer como colega. Concorda? Mas essa condição
sine qua non (em latim significa, literalmente, sem a qual não;
condição indispensável) não é uma condição suficiente. Ao exa-
minar situações da sua vida escolar, você deve ter se lembrado
dos bons professores que teve e que esses, além da dedicação,
tinham o cuidado de identificar conhecimentos que os alunos
já dispunham e de introduzir os novos conhecimentos de forma
compreensível, organizada e significativa.

Entre os autores que discutem a atuação do professor podemos


apontar Perrenoud, que destaca em seu texto os dilemas com que Especialmente no Capítulo
1 de Profissão docente e
o professor se depara no dia-a-dia da sala de aula. Até um passado
formação: perspectivas
recente, a profissão docente era pensada como uma mera colagem sociológicas, de 1993.
ou justaposição de duas competências distintas e estanques: de um
lado a competência acadêmica – dominar um conteúdo particu-
lar; e de outro a competência pedagógica – dominar a transmissão
dos saberes, a didática, isto é, trabalhar os conhecimentos de modo
que possam ser comunicados e efetivamente compreendidos. Pelo
conhecimento atual se sabe que essas duas áreas de competência
A contribuição da Psicologia para a Educação 49

devem interatuar mutuamente ao longo da formação de modo a


permitir que o licenciando se aproprie sim de conhecimentos es-
pecíficos, mas que ao mesmo tempo possa desenvolver suas habi-
lidades pedagógicas. Para ser professor, ao lado do conhecimento
específico que é preciso dominar, é necessário também estar apto
a dialogar com o outro e tornar esse conhecimento acessível ao in-
terlocutor. Esse é um dos tópicos que Perrenoud aborda no texto.
Entre as outras questões levantadas pelo autor, destacamos
os apontamentos:
•• os professores correm o risco de não ter uma compreensão real
dos seus atos profissionais: por pensarem a profissão como
algo totalmente racional e não identificarem que sempre há
uma parte que é espontânea e improvisada;
•• há o risco a longo prazo de surgirem automatismos: pela repe-
tição das atividades, ou seja, os problemas do habitus e
Conjunto de disposições e de
esquemas que formam
•• as práticas do professor servem muito à preservação de sua au-
um sistema gerador de toestima e sua autoimagem. Assim, nenhum professor gostaria
práticas, tanto improvisadas de ter consciência de seus próprios truques para manipular os
como as planificadas
(conceito desenvolvido por alunos, dos seus tiques, seus deslizes verbais, de incoerências,
Pierre Bourdieu). Veja suas reações de dúvida, de embaraço e stress, por isto resolve
mais sobre o tema no
capítulo final deste livro. “espontaneamente” (sem deliberações conscientes) as questões
do dia-a-dia. Isto é o habitus!
Antes de começarmos a lidar com os autores de teorias psico-
lógicas, que pensaram como os sujeitos se desenvolvem e como
ocorre o processo ensino/aprendizagem, e também antes de ten-
tar entender os métodos de ensino, é importante ressaltar a con-
tribuição da relação professor/aluno para o processo de ensino/
Para ler um pouco mais aprendizagem. Entender o conceito de relação contribui para que
sobre essa perspectiva,
veja “Autoridade docente, você possa desenvolver seu papel de professor. Quando estamos
autonomia discente”, de com um aluno (ou com vários), percebemo-nos em uma relação
Aquino, no livro Autoridade e
autonomia na escola, de 1999,
em que aluno e professor assumem papéis complementares, um
na sugestão de leitura. não existe sem o outro. Aí então podemos começar a estabelecer
uma nova maneira de compreender o ensino/aprendizagem, com-
preendendo que esse ensinar (só é possível porque alguém pode
aprender) e aprender (só é possível porque alguém pode ensinar)
50 Pisicologia Educacional

não se dão separadamente e tampouco fora de uma relação: que é


preciso estabelecer um vínculo, o qual é uma condição importan- Gonçalves, Wolf e Almeida
te para uma comunicação adequada. definem papel como “a
unidade de condutas inter-
Primeiro vamos entender que, ao assumir o papel, sintetizamos relacionais observáveis,
resultante de elementos
os diferentes sentidos do termo “papel” propostos por Moreno. O
constitutivos da singularidade
conceito de papel será aprofundado na parte referente ao Psicodra- do agente e de sua inserção na
ma. Seja de professor ou de aluno, tal papel não começa já pronto, vida social” (1988, p. 68).

ou completamente desenvolvido em todos os seus potenciais; é pre-


ciso que ele seja aprendido. E ele pode ser ampliado, aprimorado – e Vínculo
também ele nunca estará completamente pronto: pode ser modifi- Esta palavra (derivada do
latim e transmitida por
cado e melhorado. Pense em quando você deu a sua primeira aula, meio de suas vulgatas para
ou se nunca deu aula, imagine sua primeira experiência com seus nossas línguas modernas)
manteve em algumas delas
alunos: nervosismo, ansiedade, medo, sensação extremada de que sua dupla acepção originária.
tudo sairá bem ou de que tudo sairá errado. Esses e outros senti- Significa ao mesmo tempo:
mentos povoam essa cena. E, para aliviar nossas expectativas em re- atadura e compromisso.
Assim, em outros idiomas, o
lação a esse dia e amenizar nossos tropeços, podemos lembrar que a anunciado “vínculo” só pode
maioria das pessoas passa por todos esses sentimentos. Para ajudar ser traduzido então pelo
termo “relação”. Jacob Levi
a compreender e lidar com essa situação, é importante saber que os Moreno, pai do Psicodrama,
papéis que podemos assumir como o de ser professor, aqui em ques- com seus trabalhos e seus
escritos sobre o vínculo, foi
tão, passam por um processo de desenvolvimento que se apresenta um verdadeiro pioneiro da
em três fases, as quais são descritas na sequência. Psicologia da Relação.

1ª fase – tomada do papel quando você está começando um pro-


cesso e ainda não consegue fazer valer seu estilo pessoal, você imita Estudos mostram que os
pessoas que foram marcantes tanto positiva quanto negativamente. professores iniciantes imitam
aqueles antigos mestres
O sentimento que predomina é o de insegurança, de medo de errar; que foram significativos em
suas experiências. Veja o
2ª fase – jogo no papel: aqui você já começa a se permitir atuar texto O bom professor e sua
de modo diferente. Seleciona alguns comportamentos mais asser- prática, de Cunha (1989), nas
sugestões de leitura. Você
tivos, descarta aqueles que não deram resultados. No entanto, não se considera um professor
se sente ainda à vontade para definir um estilo pessoal para exer- iniciante? O que pensa a
respeito de ser iniciante?
cer seu papel com segurança; e
3ª fase – criação de papel: nesta etapa você já exerce o papel, já
tem seu próprio estilo, sente-se seguro para usar a criatividade no
desempenho do papel.
E esta aprendizagem pode
O papel de professor aparece como algo que precisa ser ser generalizada para outros
aprendido e desenvolvido para chegar à fase da criação. Mesmo papéis de sua vidas.
quando alcança essa fase, isto não significa que ele está pronto
A contribuição da Psicologia para a Educação 51

e acabado. A cada nova turma ou novo grupo a que o professor


é submetido, o processo recomeça. Isto também acontecerá em
qualquer papel novo na vida que se assuma. Por exemplo, um
casal de namorados resolve morar junto. Eles passarão pelo de-
senvolvimento de novos papéis, de esposo e de esposa, isto é,
aprenderão a lidar com o dia-a-dia de uma vida em comum.
Um segundo passo para podermos compreender um pouco a
tarefa de ser professor é poder entender que esse é um coorde-
nador de grupo. Ele não é um “general” de uma série de alunos
que sentam em fileira, uns atrás dos outros, e que devem segui-lo
obedientemente. Atualmente autores como Andaló (2001) e Cord
(2004), entre outros, já começam a olhar para o professor como
aquele que coordena e dirige um grupo, sendo que este passa tam-
bém por um processo de desenvolvimento.
O coordenador de grupo, como é o caso do professor, precisa
primeiramente conhecer sua dinâmica de personalidade. Isto sig-
nifica conhecer como reage a determinadas situações, sejam essas
de felicidade, tristeza, raiva, entre outras. Falar isto pode parecer
bobagem, mas na maioria das queixas relatadas pelos professo-
res a dificuldade se localiza no vínculo deste com o discente. A
problemática está na forma como se estabelece a relação e, para
modificar essa maneira de vincular-se ao aluno, o docente pre-
cisa começar a investigar o porquê de aquele aluno mexer tanto
com ele. Tomando-se um exemplo, uma escola recebeu um aluno
chamado Felipe (nome fictício), esse aluno já vinha transferido de
outra escola e estava totalmente rotulado como o pior aluno da
classe: tudo que acontecia errado era por conta do Felipe. Ele agia
de modo que podia mesmo ser chamado de indisciplinado dian-
te da lógica disciplinadora da escola, o que fazia com que ele se
sobressaísse era seu comportamento provocativo e sua esperteza
em desmontar as estratégias combinadas pelos professores com a
orientação pedagógica da escola.
No dia em que a psicóloga clínica que o atendia visitou a escola,
percebeu que os professores e a orientação discriminavam o me-
nino e estavam com muita raiva dele. Essa psicóloga pode mostrar
por meio da conversa com o grupo na escola que era assim que
Felipe se relacionava: que ele precisava que as pessoas ficassem
52 Pisicologia Educacional

com raiva e desequilibradas para que ele ganhas-


se atenção na sala de aula e pudesse competir
com a autoridade do professor. Permitindo ao
menino falar dessas coisas e explicitar as emo-
ções que essa situação lhe causava, por um lado,
e trabalhando a relação de aceitação dos profes-
sores desse aluno, por outro lado, a situação me-
lhorou. Paralelamente, foi trabalhada com ele a
possibilidade de alguém poder ensiná-lo, ainda
que o desempenho acadêmico de Felipe fosse,
sob muitos aspectos, melhor que dos outros alu-
nos de sua série. Em síntese: em toda e qualquer
relação de ensino/aprendizagem só aprendemos
com alguém a quem autorizamos a nos ensinar.
Por isso, a construção de um bom vínculo é de extrema importân-
cia. Para construir uma relação com um vínculo forte, temos que
cuidar de como nos comunicamos conosco e com os outros.

Resumo
Sobre a história da educação, estudamos que em sociedades
complexas a escola é necessária. O campo da Psicologia da Edu-
cação se esboça por volta de 1900, com os trabalhos de Claparède,
William James e outros, para tomar forma por volta de 1920, em
função dos novos conceitos, objetivos e necessidades da educa-
ção. A universalização da escola e a expansão da Psicologia levam
ao aparecimento da Psicologia da Educação, que se constituiu a
partir da contribuição de vários protagonistas e áreas, como a Psi-
cologia Diferencial, do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Um
grande movimento intelectual, a Educação Nova ou Escola Nova,
que visava renovar a educação, prestigiou a Psicologia da Educa-
ção e serviu-se dela. Como disciplina-ponte, cabe a ela contribuir
com a formação do professor para o entendimento do processo
de educação e de ensino/aprendizagem, de como o processo de
desenvolvimento cria diferentes condições para a interação social,
do papel da sociedade no processo educativo, bem como do pro-
cesso de ajustamento social em todas as suas inter-relações. Como
A contribuição da Psicologia para a Educação 53

na Psicologia em geral, os conhecimentos auferidos na Psicologia


Educacional são resultantes da pesquisa científica. Questões bem
importantes sobre a atuação do professor e que, por isto, devem
orientar sua formação apontam para a dimensão da comunicação
e da relação afetiva. Ao lado do conhecimento específico que é ne-
cessário dominar, é preciso estar apto a dialogar com o outro para
tornar esse conhecimento acessível a esse interlocutor.

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54 Pisicologia Educacional

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c a p í t u lo 3
Desenvolvimento e
aprendizagem
Neste capítulo, iremos discutir sobre o desenvolvimento e a
aprendizagem como fenômenos presentes na vida humana,
identificando as contribuições da Psicologia do Desenvolvimen-
to e da Psicologia da Aprendizagem para a educação. Vamos
também identificar os fatores que influenciam o desenvolvi-
mento e o papel das condições de desenvolvimento e de aprendi-
zagem, em especial, da educação para a constituição do sujeito.
Desenvolvimento e aprendizagem 59

Você se lembra de quando tinha dez anos? De como brincava, do que gos-
tava de fazer, com quem andava? E seus colegas desenvolveram as mesmas
habilidades que você? E, depois desse tempo, como você mudou ao entrar
na puberdade? Em sua opinião, quais as principais diferenças entre um ado-
lescente e um jovem adulto? E, se você comparar as mudanças que ocorrem
com um recém-nascido e uma criança maior, quais são as mais notáveis?

3.1 Aspectos gerais


As indagações acima servem para ilustrar as questões que são
abordadas pela Psicologia do Desenvolvimento, também chama-
da pelos psicólogos europeus de Psicologia Genética ou Evoluti-
va. Vamos entender no fenômeno do desenvolvimento como as
modificações ocorrem com o ser humano à medida que o tempo
passa, ou seja, ao longo de sua vida e que se iniciam no processo de
Ontogênese
Gênese significa origem;
fecundação e se encerram na morte do indivíduo, ou seja, ocorrem
onto significa ser, indivíduo durante a sua ontogênese.
E o que vamos entender por aprendizagem? Uma maneira
simples de defini-la é dizer que são as mudanças que ocorrem
ao longo da ontogênese como resultado de experiências pelas
quais o sujeito passa, resultando assim em novos comportamen-
tos, conhecimentos, sentimentos, novas habilidades motoras etc.
Para ser considerada aprendizagem, é preciso haver evidências de
que o sujeito passou por situações e circunstâncias, e que essas
suas experiências contribuíram de modo determinante para essas
60 Pisicologia Educacional

mudanças. E também, ao descrever as experiências a que o sujeito


esteve ou está exposto, estamos descrevendo como foi ou como é o
seu meio ambiente e como esse o afetou.
Relacionar as mudanças psicológicas observadas com as expe-
riências vividas pelo sujeito é importante para não confundir a
aprendizagem com fenômenos que afetam a atuação humana, bem
como para excluir outros fenômenos que não estão sendo estuda- Maturação biológica
dos neste momento, tais como mudanças que ocorrem Maturação biológica
Mudanças que são fortemente
a) quando se está fatigado; influenciadas pela herança
genética e que ocorrem à
b) quando se está doente; medida que o sujeito vai
tornado-se mais velho (COLE;
c) como resultado de maturação biológica; COLE, 2004, p. 56).

d) da expressão de características genéticas ou filogenéticas.


É oportuno lembrar que nem sempre é fácil ter informações se- Filogenética
Filo significa espécie, assim,
guras sobre a herança genética, pois essa é um fenômeno complexo,
filogênese é a história
e inclusive o estudo sobre o genoma humano ainda não ofereceu evolucionária da espécie
respostas para todos os aspectos do comportamento humano. Al- (COLE; COLE, 2004, p. 30).

gumas das características genéticas que têm sido bastante estuda-


das são aquelas que causam problemas graves para o ser humano
tanto em termos de desenvolvimento como de aprendizagem.
Na Psicologia a aprendizagem é compreendida como um proces-
so geral que ocorre tanto nos animais como no homem e que tem
um papel fundamental na relação com o ambiente, especialmente
com o ambiente social, que é particularmente complexo no caso
humano, pois o homem vive dentro de uma cultura. Um aspecto
a ressaltar de imediato é o de que a aprendizagem ocorre não só
na escola, mas antes dela, em qualquer lugar, a qualquer momento
ao longo da ontogênese, ou seja, durante a vida do sujeito. O dito
“vivendo e aprendendo” é muito apropriado, pois é difícil (ou im-
possível?) sobreviver e viver sem aprender. Na visão tradicional de
ensino, o professor é visto como o detentor do conhecimento, e o
aluno, como aquele que nada sabe. Podemos no mínimo dizer que
essa é uma visão ingênua da realidade: mesmo se você pensar num
aluno de primeira série (ou de pré-escola), quanta coisa ele sabe (e
que inclusive nós não conhecemos) que aprendeu com o seu grupo
social, com a sua família, com as pessoas do seu bairro; uma lingua-
gem, padrões e valores, etc. dentro de uma cultura.
Desenvolvimento e aprendizagem 61

A divisão entre desenvolvimento e aprendizagem como áreas


de conhecimento dentro da Psicologia tem várias razões, uma de-
las resulta da sua própria história: existindo diferentes concepções
dentro da Psicologia, as diferentes abordagens e correntes coloca-
ram como seus objetos de estudo fenômenos diversos, como você
viu nas leituras anteriores sobre as escolas psicológicas. Assim,
algumas dessas escolas estudaram o desenvolvimento (exclusiva-
mente ou não), outras a aprendizagem, ou ainda, outros fenôme-
nos (percepção, inconsciente etc.) e nenhum desses dois. Outra
razão para essa divisão é didática, ou seja, para facilitar o estudo de
cada assunto: em função da complexidade desses estudos, torna-se
necessário certo grau de especialização que leva a essa separação
de áreas ou campos do conhecimento. Entretanto, a divisão exis-
tente entre desenvolvimento e aprendizagem pode provocar o es-
quecimento de que na vida real os dois processos ocorrem juntos
e se autodeterminam reciprocamente. Essa inter-relação ocorre de
modo tão marcante que, às vezes, para um estudo mais esclarece-
dor é preciso sair da vida real e levar os fenômenos para condições
especiais de pesquisa, como aquelas presentes em laboratórios.
Dentro da Psicologia existem várias teorias tanto sobre de-
senvolvimento como sobre a aprendizagem,
embora nenhuma delas dê conta sozinha da
complexidade desses fenômenos, nem seja
completamente aceita e, assim, possa unificar
a área. Vamos conhecer algumas dessas teorias
para termos uma visão mais abrangente des-
ses fenômenos, bem como buscar apresentar
aqui uma síntese sobre aquelas teorias que têm
maior repercussão na educação e que possam
ser instrumentos para uso efetivo na nossa atu-
ação cotidiana.
Nossa intenção aqui na disciplina é apresen-
tar a você os processos de desenvolvimento
e de aprendizagem de maneira diferenciada
à que é tratada usualmente, ou seja, na medida do possível, não
como fenômenos separados. Trabalhando dentro da concepção
de interação, entende-se que aprendizagem e desenvolvimento
62 Pisicologia Educacional

estão juntos durante a vida dos sujeitos, um embasando o outro,


num constante movimento de interdependência. A visão tradicio-
nal sobre desenvolvimento e aprendizagem, além de não discutir
os dois fenômenos e sua relação, apresenta mais uma dificuldade,
pois não explicita a concepção de homem e mundo que cada abor-
dagem desenvolve. Vamos iniciar apresentando alguns aspectos
sobre desenvolvimento para, a seguir, tratar de algumas teorias e
autores que colocam esse tema em destaque e, posteriormente, tra-
tar daqueles que dão destaque à aprendizagem.

3.2 Fatores e influências no


desenvolvimento humano
Uma parte do interesse pela Psicologia do Desenvolvimento se
originou do antigo pressuposto de que, se entendermos as raízes
e a história das mudanças que nos trouxeram até o presente, po-
deremos nos entender melhor, bem como antecipar o futuro e nos
prepararmos melhor para enfrentá-lo (COLE; COLE, 2004). Os
psicólogos que trabalham nessa área, apesar de suas divergências,
compartilham interesse por três questões, a saber:
a) fontes: qual o papel da herança genética e do ambiente como De acordo com Cole e Cole
causas das mudanças observadas?; (2004), durante a maior
parte do século XX, as te-
b) continuidade: as mudanças durante o desenvolvimento são orias dos estágios foram as
graduais ou, ao contrário, em estágios como ocorre na metamor- mais numerosas e influen-
fose de insetos?; tes do que as da continui-
dade. Porém, várias desco-
c) diferenças individuais: como uma pessoa passa a ter caracte- bertas mais atuais as colo-
rísticas que são únicas? cam em cheque.

Mesmo concordando que o recém-nascido sofra transforma-


ções mais marcantes que um jovem e que este, por sua vez, so-
fra mudanças mais drásticas do que um adulto, todas elas são
transformações que ocorrem durante o desenvolvimento ou on-
togênese. Por meio da Psicologia do Desenvolvimento busca-se
entender como os diferentes fatores agem sobre todas as pessoas
e também os efeitos que eles têm sobre uma pessoa em particular;
quais são as principais mudanças no curso da vida humana etc. Os
Desenvolvimento e aprendizagem 63

conhecimentos dessa área também podem colaborar com a vida


prática para ensinar a lidar com as transições da vida, como, por
exemplo, uma mulher que volta ao trabalho após a maternidade
ou, então, um homem que sofreu uma perda e tornou-se viúvo.
Embora existam muitas discussões vivas dentro dessa área da Psi-
cologia, de acordo com Woolfolk (2000), parece haver consenso
em relação a alguns princípios gerais, como:
1. as pessoas se desenvolvem em ritmos diferentes;
2. o desenvolvimento é relativamente ordenado; e
3. o desenvolvimento acontece de forma gradual.
As mudanças que ocorrem com o sujeito ao longo do desenvolvi-
mento são muitas e também são marcantes. Para ajudar a dar conta
Cognição
Conhecimento, pensamentos
delas, os autores usam adjetivos que apontam para os diferentes
e representações mentais. aspectos, tais como desenvolvimento físico, cognitivo, motor, lin-
guístico, afetivo, social etc. O objetivo desses destaques é didático:
facilitar o reconhecimento das alterações por que passa o ser huma-
no. Ao olhar cada um desses aspectos, podemos ter uma compre-
ensão melhor sobre a complexidade do desenvolvimento nos seres
humanos. Fazer esses destaques não indica que haja mudanças
isoladas em apenas um desses aspectos, que deva se desconsiderar
o sujeito, pois outra idéia aceita é a de que o desenvolvimento é
um processo unitário (PAPALIA; OLDS, 2000). Ainda assim, en-
contramos na Psicologia autores que estudam apenas um aspecto
do desenvolvimento – seja por opção, limites de seus interesses,
pelo foco da teoria que defendem ou ainda, por motivos históricos.
Exemplo disto pode ser o foco no desenvolvimento emocional na
Psicanálise ou no desenvolvimento cognitivo no construtivismo de
Piaget etc. Isto não significa que a Psicologia como ciência deva
limitar seu olhar a esses aspectos já estudados por uns e outros. Ao
contrário, deve se esforçar por reconstituir o sujeito.
Os seres humanos, como os demais seres vivos, recebem uma
dotação genética que determina os limites biológicos dos seus po-
tenciais, e esses potenciais herdados se transformarão em caracte-
rísticas efetivas ou não, como resultado das relações e das trocas
que são estabelecidas com o meio ambiente. O desenvolvimen-
to nos organismos só é possível por meio das interações entre os
64 Pisicologia Educacional

genes e o ambiente, sendo a relação dos genes com o ambiente


complexa e ocorrendo em vários níveis, que vão do nível intra-
celular até ecológico e cultural. As células consistem no ambiente
imediato em que os genes estão: os genes e o material celular estão
em constante interação. O sistema de células – o organismo – está
em constante interação com o seu meio: as interações do organismo
com o seu meio determinam as condições para as células individu-
ais e, assim, o ambiente imediato dos genes.
Pesquisadores que estudam o desenvolvimento e tentam enten-
der como fatores genéticos e ambientais se combinam para produ-
zir as diferenças individuais levantam como princípios que:
1. essas interações devem ser estudadas em uma estrutura ampla
e ecológica porque as variações no ambiente podem ter efeitos
profundos no desenvolvimento do fenótipo. Um exemplo pode
ser o experimento de Winchester de 1972 (COLE; COLE, 2004,
p. 80) com o coelho do Himalaia, que tem as extremidades es-
curas para resistir às baixas temperaturas – a cauda, as patas,
as orelhas e o focinho. Quando os pêlos de seu dorso foram re-
movidos, e colocada uma barra de gelo sobre ele, aí apareceram
pêlos escuros;
2. há que se levar em conta que a interação é um processo de mão
dupla, exemplos:
a. pássaros que desenvolvem seu canto típico da espécie (que
é determinado geneticamente) apenas se tiverem oportuni-
dade de contato com o canto de outros membros da própria
espécie no seu ambiente de desenvolvimento; e
b. pessoas que são geneticamente predispostas a serem depri-
midas quando expostas a experiências estressantes: a ocor-
rência da depressão aumenta a chance de que elas favoreçam
ou busquem experiências estressantes; e
3. na dinâmica entre genes e ambiente, os fatores genéticos mui
tas vezes determinam o ambiente em que os indivíduos vivem
e o modo como moldam e selecionam suas experiências. Por
exemplo, crianças que, em parte por razões genéticas, respon-
dem positivamente a níveis altos de estimulação, podem gos-
tar de música barulhenta e, assim, isto pode contribuir para a
Desenvolvimento e aprendizagem 65

escolha de companheiros semelhantes como pares para ficar,


e vice-versa. Em síntese, muitos fatores devem ser levados em
conta para entender o processo dinâmico pelo qual, genes e
ambiente, interagem durante o desenvolvimento.
Os estudos a respeito de efeitos dos fatores genéticos sobre o de-
senvolvimento humano são bastante complexos, inclusive porque,
por questões éticas, não é possível realizar experimentos com esses
sujeitos. Assim, eles são feitos principalmente por meio do estudo
familiar e de relações de consanguinidades, de estudos de gême-
os e também de estudos de adoção, seja acompanhando gêmeos e
irmãos criados em famílias diferentes, seja acompanhando pais e
filhos não relacionados biologicamente (COLE; COLE, 2004).
Capacidade de mudança. Não é demais se lembrar da plasticidade humana e, por conse-
quência dessa, sua capacidade de adaptar-se às variações do am-
biente, que decorre em grande parte da possibilidade de aprender
sobre esse ambiente, por sua vez resultante das capacidades de seu
sistema nervoso, bem como de sua vida em sociedade. A plastici-
dade do ser humano é muito ampla se comparada a outras espé-
cies no que se refere à capacidade de lidar com as circunstâncias
que o cercam. Por outro lado, é oportuno lembrar que o termo
ambiente não implica apenas no ambiente físico, mas, sobretudo,
para os seres humanos no ambiente social: qual é o grupo social,
Inatismo como é sua cultura, qual o contexto histórico, que fatos ocorreram
A determinação é para esse sujeito, ou seja, as experiências pelas quais passou. Ao
basicamente interna,
seja pensada como reconhecer essa dupla determinação, genética e ambiental, está-
princípio anímico ou, ainda, se assumindo uma posição interacionista. Cabe ressaltar que, no
exclusivamente em
termos biológicos, como
momento histórico em que vivemos, essa é a posição mais aceita e
herança genética mais em consonância com os fatos conhecidos. Porém, em outros
momentos históricos, outras posições foram hegemônicas, tais
Ambientalismo como o nativismo ou inatismo e o ambientalismo.
A determinação é
basicamente externa, A discussão sobre a contribuição de fatores biológicos versus
do ambiente. O sujeito é fatores ambientais (nature versus nurture, ou seja, natureza ver-
considerado uma tábula rasa,
sendo determinado pelas sus ambiente, educação) estendeu-se por bom tempo na Psicologia
experiências que tem. e tornou-se bastante improdutiva, visto que se buscava provar a
ação de apenas um desses elementos. Muitos experimentos, cha-
mados de cruciais, propunham-se provar de forma categórica qual
dos dois fatores era o único determinante! A importância que tem
66 Pisicologia Educacional

a aprendizagem na Psicologia atual resultou também desse em-


bate entre herdado e adquirido, que foi central na Psicologia do
século XX (com destaque para os anos entre 1960 e 1970). À guisa
de conclusão desse período, poderíamos dizer que, hoje em dia,
para se entenderem as fontes das atividades humanas, é preciso
reconhecer que o ser humano apresenta um período relativamente
longo de aprendizagem e, assim, uma das capacidades humanas
inatas é justamente a capacidade de aprender.
Em função de muita pesquisa produzida, a proposta interacio-
nista acabou fortalecida. Hoje em dia se é bem mais prudente a
respeito desses dois fatores do desenvolvimento: reconhece-se que
tendências são herdadas, mas também que herança não é destino,
ou seja, muito cabe ao ambiente e ao compromisso com a pre-
venção, sobretudo, com a criação de ambientes adequados ao de-
senvolvimento dos seres humanos. Em muitos casos, a prevenção
pode evitar o surgimento ou a piora de problemas, mesmo quando
esses são de origem genética.
Um exemplo pode ser a fenilcetonúria doença metabólica
transmitida geneticamente que atinge um em cada 25 mil recém Existem endereços eletrônicos
de associações de pais e
nascidos no Brasil e diagnosticável pelo teste do pezinho. Detecta-
amigos de pessoas com
da a doença na primeira semana de vida, ela pode ser tratada. Isto fenilcetonúria que trazem
inclui seguir uma dieta especial, o que permite à criança crescer informações importantes
sobre essa patologia e
saudável. Sem tratamento ela provoca deficiência mental, deterio- de como tratá-la para
ração neurológica e comportamento autista. melhorar a vida das pessoas
portadoras e familiares.
Vejamos alguns exemplos que podem ajudar a reconhecer a
complexidade das interações entre herança e ambiente, e ilustrar o
jogo de força entre os fatores do desenvolvimento.
a) Visão: no caso de recém-nascidos normais em relação ao apa-
rato visual (estrutura dos olhos, dos nervos, do cérebro etc.), po-
rém, ao nascerem, trazem uma catarata congênita, o que impede a
entrada da luz; se essa deixa de estimular o sistema visual, a retina
se decompõe e a capacidade de ver pode ser perdida. Com a remo-
ção da catarata em tempo, o sistema se desenvolve normalmente.
Assim é o ambiente, o que acontece com cada sujeito ao longo de
sua história, que concretiza ou não um potencial.
Desenvolvimento e aprendizagem 67

b) Fala/audição: os bebês nascem com a capacidade de reconhe-


cer todos os fonemas da fala humana, o que persiste até em torno de
um ano; a partir daí, aqueles fonemas que não pertencem à língua do
grupo no qual a criança desenvolve-se deixam de ser reconhecidos.
c) Casos como o das crianças lobos, que eram geneticamente hu-
manas, mas por seu ambiente e sua história tornaram-se, de fato,
lobos, como Amala e Kamala, duas crianças indianas criadas por
lobos e encontradas com aproximadamente 7 e 9 anos que resisti-
ram pouco tempo à vida na comunidade hu mana ou ainda, Vic-
tor, o selvagem, uma criança francesa que, tendo sido criada por
lobos, foi adotada por um pesquisador e, embora fizesse grandes
progressos na cultura humana, acabou num asilo e morrendo jo-
vem. Citamos o caso de Kasper Hauser, um personagem real (pro-
vável filho bastardo de família nobre) ao ser criado em isolamento,
ficou bastante prejudicado, e inclusive, virou personagem de filme
premiado, dirigido por Werner Herzog, além de outros filmes que
tratam de casos fictícios sobre esse tema, como é o caso de Nell.
O desenvolvimento está sujeito a muitas pressões, sendo as
fundamentais a herança genética e o ambiente. Uma forma de
estudá-lo é considerar como se apresentam as influências que
afetam grupos de pessoas, ou seja, de que modo atuam sobre elas.
Assim considerando, as influências podem ser classificadas como
normativas ou não normativas. Elas são chamadas de normativas
quando se dão de maneira semelhante para a maioria das pessoas
de um determinado grupo, tal como:
•• influências normativas etárias, são muito semelhantes para
pessoas de uma mesma idade, podem incluir fenômenos bioló-
gicos (puberdade, por exemplo) ou sociais (ingresso na escola,
aposentadoria); e
Coorte •• influências normativas históricas, são influências biológicas
Grupo de pessoas que
e ambientais comuns a uma mesma coorte. Exemplos podem
compartilham de uma
experiência semelhante, ser os anos de chumbo no Brasil, a guerra do Iraque, o uso da
como crescer ao mesmo pílula anticoncepcional.
tempo no mesmo lugar.
Ao lado das influências normativas, ocorrem as influências não
normativas, que são eventos incomuns e que têm um grande im-
pacto na vida dos indivíduos (a morte de um dos pais, ser adotado
68 Pisicologia Educacional

após ter perdido os pais, ser o primeiro a nascer no milênio, ser


contaminado com HIV na gestação etc).
Dois aspectos relevantes das influências são tempo e lugar. O
tempo se refere ao momento em que o evento ocorre e permite
considerar suas repercussões: de modo geral, quanto mais precoce
o evento, mais marcante podem ser suas consequências. Em rela-
ção ao tempo, pode-se se falar sobre a existência de períodos sen-
síveis, ou seja, uma época propícia para a ocorrência de mudanças
desenvolvimentais e na qual as influências ambientais têm mais
chance de serem estímulo adequado para que elas ocorram. Al-
guns psicólogos usam o termo período crítico ao invés de sensível
para indicar esse momento específico durante o desenvolvimento
em que o impacto de um evento é maior. Mas ele parece ser algo
exagerado visto que sugere respostas do tipo tudo ou nada, o que
não parece ser muito adequado diante da flexibilidade presente
na espécie humana. Alguns exemplos sobre o efeito do tempo no
desenvolvimento podem ser:
• tirar raios X; álcool e outras drogas; ter rubéola gripe ou ainda
deficiência de ácido fólico (substância do grupo das vitaminasB).
Quando um destes cinco fatores está presente no início da gra-
videz, as consequências nesses casos são bem mais graves nesse
momento do desenvolvimento do que em um momento posterior;
• no caso da retina, já mencionado, em que, se essa não receber
luz no período sensível que vai até os dois anos, ela se decompõe; e
• o apego, que é a ligação entre o bebê e a(s) pessoa(s) que
cuida(m) dele, mas também dos cuidadores (geralmente, mas nem
sempre é a mãe) em relação ao bebê, é outro exemplo importante,
pois a capacidade de responder às necessidades do recém-nascido
e, sobretudo, o aconchego, contribuem para essa relação, que pos-
teriormente parece servir como uma ponte para as relações sociais
posteriores. Logo ao nascer o bebê parece estar mais pronto para
o apego, que tende a ficar mais tênue à medida que o tempo passa.
Por outro lado, o lugar do evento indica a proximidade/distân-
cia do evento, sugerindo seu impacto, quanto maior a proximidade,
mais dramático seu efeito. Esse aspecto será retomado com a Teoria
Ecológica de desenvolvimento e seus sistemas no próximo capítulo.
Desenvolvimento e aprendizagem 69

3.3 Os métodos de pesquisa mais utilizados


na Psicologia do Desenvolvimento
De acordo com Enderle (1990), também é possível contar a his-
tória da Psicologia do Desenvolvimento considerando-se os mé-
todos de pesquisa mais usados. Assim, num primeiro momento,
nas décadas de 1920 a 1930, predomina o método descritivo (ape-
nas descreve os fenômenos, sem interferir neles, seja por meio de
observação, estudo de caso etc.), como usado por Arnold Gesell
(EUA, 1880−1961). Em um segundo momento, de 1940 a 1950,
predomina o método correlacional (busca as associações esta-
tísticas entre as variáveis estudadas). E no terceiro momento, da
década de 1960 até nossos dias, passa a ser mais usual o método
experimental. No entanto, todos esses métodos podem ser usados
de modo complementar em uma investigação, e de fato isto ocorre
com frequência. A partir deste segundo momento, outras teorias
começaram a ter influência na área, como a Psicanálise com Freud
(1856−1939), o construtivismo com Piaget (1896−1980), bem
como outras correntes importantes como a de Wallon (França,
1879−1962), a Etologia com Bowlby (Inglaterra, 1907−1990), por
meio da Teoria do Apego, e a Psicologia Russa com Vygotsky, Le-
ontiev, Luria, Bakthin, entre outros.
Um dos métodos fundamentais de pesquisa nessa área é a ob-
servação, que pode ser feita no ambiente natural ou em condi-
ções padronizadas. Pode-se realizá-la usando poucos recursos,
como apenas lápis e papel para registro, ou ao contrário recursos
sofisticados, como gravações, filmagem com filme infravermelho
(usado para acompanhar os ciclos de vigília/sono de recém-nasci-
dos, sem perturbá-los) etc. Também marcantes nessa área de co-
nhecimento são:
•• estudos longitudinais − que seguem um grupo de sujeitos
ao longo do tempo, em geral, por um tempo prolongado. Por
exemplo, para estudar os relacionamentos entre mães e bebês
do povo ganda, em Uganda, África oriental, Mary Ainswor-
th (1967) fez um estudo longitudinal de 28 bebês entre 0 e 24
meses: ao longo de nove meses, observou a mãe com sua crian-
ça e entrevistou a mãe (por meio de um intérprete), fazendo a
70 Pisicologia Educacional

cada casa uma visita de duas horas a cada quinze dias (SYLVA;
LUNT, 1994). Uma questão em que seria interessante usar esse
tipo de estudo seria a respeito dos efeitos da separação dos pais
sobre crianças, iniciando-se aos 4 e indo até os 15 anos;
•• estudos transversais − toma-se um período para verificar al-
terações (como poderia ser o de 4 a 6 anos), que pode ser com-
parado com outro (como o de 7 a 9), ou um assunto (como,
por exemplo, resolver problemas). Assim, Piaget entrevistou
centenas de crianças, de 3 a 12 anos de idade, para descobrir
como elas pensavam acerca de coisas tão diversas quanto os
fenômenos naturais (o sol, a lua, as criaturas vivas) e a moral
(SYLVA; LUNT, 1994);
•• estudos transculturais − o tema estudado é acompanhado
em diferentes culturas. Como apontam Sylva e Lunt (1994),
Ainsworth, que estava interessada no relacionamento entre
mães e bebês do povo ganda, em Uganda, África oriental, rea-
lizou um estudo transcultural, pois ela quis comparar o “com-
portamento de apego” de duas culturas, de Ganda e dos EUA;
•• estudo de caso − no qual um evento que acontece ao acaso, por
isto também às vezes único, é aproveitado para se obterem co-
nhecimentos. Um exemplo: Ana Freud e Sophie Dann (1951)
estudaram seis órfãos resgatados de um campo de concentra-
ção na Monróvia depois da Segunda Guerra Mundial (SYLVA;
LUNT, 1994);
•• correlação − de acordo com Sylva e Lunt (1994), Michel Rut-
ter (1972) estudou um grande número de meninos de 9 a 12
anos de idade, residentes na ilha de Witgh e em Londres. En-
tre os meninos que haviam sido separados de sua mãe, muitos
pareciam bem ajustados ao adentrarem a adolescência. Por
meio de um estudo de correlação, investiga-se se havia asso-
ciação entre duas medidas: no exemplo acima, comparando
a incidência de comportamento antissocial em meninos com
separações devido a doenças físicas e à discórdia em família
e/ou a problemas psiquiátricos. Ele verificou que alguns tipos
de separação estão associados a distúrbios posteriores, como
é o caso dessas últimas; e
Desenvolvimento e aprendizagem 71

•• experimentação – neste tipo de método as condições gerado-


ras do fenômeno são alteradas drasticamente. À medida que
já se detém algum conhecimento na área, o interesse passa a
ser explicar as causas das mudanças observadas nos fenôme-
nos estudados. Na tentativa de explicar essas causas, o méto-
do experimental é mais radical: as variáveis intervenientes
podem ser manipuladas, permitindo verificar o efeito da(s)
variável(eis) independente(s) – um evento antecedente ao fe-
nômeno estudado, que pode ser suposto como “causa” dele –
sobre a(s) variável(eis) dependente(s) – o fenômeno estudado.
Ao lado desse grupo experimental em que houve a manipula-
ção, há também um grupo de controle, e todos os cuidados são
tomados para se obterem resultados válidos e fidedignos. As
técnicas estatísticas (que podem ser úteis em outros estudos
também) permitem comparar os diferentes grupos, melhoran-
do o trabalho investigativo.
Como exemplo de experimentação, em 1971, Feshbach e Singer
realizaram ao longo de um período de seis semanas um experi-
mento em internatos: os experimentadores tinham controle sobre
as atividades dos sujeitos – todos meninos – e sobre o tempo que
passavam diante da televisão, pois esses passaram um mínimo de
seis horas por semana assistindo à TV. Os grupos experimentais
tinham de escolher filmes e programas particularmente violentos,
enquanto os grupos de controle escolhiam uma lista de programas
não-violentos. O comportamento agressivo foi medido por testes
Para saber mais sobre no início e ao fim das seis semanas, e por avaliações de compor-
cada um desses métodos,
veja as obras referidas, nas
tamento feitas pelos professores e pelos mestres-de-alojamento
sugestões de leitura. (SYLVA; LUNT, 1994). Todos esses tipos de estudos têm contribu-
ído de modo marcante para entender o desenvolvimento humano.
A respeito do uso da experimentação e do laboratório, é preciso
destacar que, do ponto de vista ético, não é lícito fazer qualquer
tipo de experiência com seres humanos (nem com animais), vis-
to que esses experimentos estão sujeitos aos comitês de ética em
suas instituições. Por outro lado, acontecem eventos dos quais nos
servimos para estudo, por isto chamados de estudo de caso, como
foi o que ocorreu com crianças que foram criadas totalmente sem
o cuidado de adulto durante a Segunda Guerra. E também pode-
mos fazer “experimentos no ambiente natural” em vez de fazê-los
72 Pisicologia Educacional

no laboratório. Essa é uma proposta metodológica defendida pela


Etologia, e sua contribuição na Psicologia do Desenvolvimento
pode ter resultado em parte disto.

Resumo
Neste capítulo, trabalhamos as questões referentes aos processos
de desenvolvimento e de aprendizagem, procurando uma dife-
renciação em relação à maneira mais tradicional com que os dois
fenômenos são olhados, isto é, como sendo processos que ocorrem
separadamente. Ao contrário, dentro da concepção de interação,
entende-se que aprendizagem e desenvolvimento estão juntos du-
rante a vida dos sujeitos, um embasando o outro, num constante
movimento de interdependência. Relacionar as mudanças psicoló-
gicas observadas às experiências vividas pelo sujeito é importante
para não confundir a aprendizagem com outros aspectos do desen-
volvimento, bem como para excluir outros fenômenos que ocorrem
na vida real, mas que não estão sendo estudados no momento. O
genoma humano está sendo estudado ainda. Algumas das caracte-
rísticas genéticas que têm sido bastante estudadas são aquelas que
causam problemas graves para o ser humano, tanto em termos de
desenvolvimento como de aprendizagem. Sobre a aprendizagem,
vemos que ela ocorre em qualquer lugar, a qualquer momento, ao
longo da ontogênese, ou seja, da vida do sujeito e, portanto, não
só na escola. Existem várias teorias sobre desenvolvimento, e isto
acontece igualmente em relação à aprendizagem, e nenhuma dessas
teorias dá conta de explicações completas sobre esses fenômenos.
O ser humano é dotado de grande plasticidade cerebral, a qual lhe
capacita lidar com o que o cerca, desenvolver-se e aprender ao longo
de sua vida. Ao reconhecer a dupla determinação, genética e am-
biental, na constituição do ser humano, está-se assumindo uma po-
sição interacionista. Hoje em dia se reconhece que tendências são
herdadas, mas também que herança não é destino, ou seja, muito
cabe ao ambiente e ao compromisso com a prevenção e, sobretudo,
com a criação de ambientes adequados ao desenvolvimento dos se-
res humanos. As influências a que estamos sujeitos podem ser nor-
mativas (etárias e históricas) e não normativas. Dois aspectos que
Desenvolvimento e aprendizagem 73

modificam os efeitos das influências são: o tempo, o momento do


ciclo vital em que o evento ocorre, como o período sensível ou crí-
tico – de modo geral, quanto mais cedo, maiores as consequências;
e o lugar, que indica a proximidade/distância do evento, afetando
o seu impacto. A pesquisa na Psicologia do Desenvolvimento pode
ser realizada por diversos métodos, que podem se complementar
entre si, bem como usar instrumentos sofisticados, desde testes es-
tatísticos a tecnologias atuais para observação e registro.

Referências
COLE, M.; COLE, S. R. O desenvolvimento da criança e do
adolescente. Porto Alegre: Artemed, 2004.
ENDERLE, C. Psicologia do Desenvolvimento. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1990.
PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. Desenvolvimento humano. Porto
Alegre: Artes Médicas, 2000.
SYLVA, K.; LUNT, I. Introdução ao desenvolvimento da
criança. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
WOOLFOLK, A. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2000.

Sugestão de leitura
COLL, C. J; PALÁCIOS, J.; MARCHESI, A. (Org.). Desenvolvi-
mento psicológico e educação: Psicologia da Educação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996. v. 1-3.
MONTAGU, A. Tocar. O significado humano da pele. São Paulo:
Summus, 1988.
MOURA, M. L. D. de (Org.). O bebê do século XXI e a Psicologia
em desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
SYLVA, K.; LUNT, I. Introdução ao desenvolvimento da criança.
São Paulo: Martins Fontes, 1994.
c a p í t u lo 4
Contribuições sobre
desenvolvimento e
aprendizagem: a Abordagem
Ecológica, o Psicodrama
e a Psicanálise
Neste capítulo, procuramos identificar características da
Abordagem Ecológica, do Psicodrama e da Psicanálise que per-
mitam reconhecê-las entre aquelas contribuições teóricas da
Psicologia importantes para a educação, bem como identificar
o aporte que trazem para entender desenvolvimento e aprendi-
zagem e para orientação na atuação.
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 77

4.1 A Abordagem Ecológica


As idéias da Abordagem Ecológica, propostas em torno de 1979
por Bronfenbrenner, ajudam-nos a entender melhor como se dá a
interação e como os aspectos ambientais afetam a constituição do
sujeito. Esta abordagem vê o sujeito como o centro de um ambiente
– com o qual interage, portanto, influencia-o e modifica-o – ao mes-
mo tempo em que é por esse influenciado. A pessoa em desenvolvi-
mento não é vista como uma tábula rasa impactada pelo meio
ambiente, mas como uma entidade dinâmica e em crescimento,
sendo a interação entre a pessoa e o meio ambiente bidirecional, de
reciprocidade. O meio ambiente relevante não é considerado apenas
único e imediato, pois ele inclui as interconexões entre esses am-
Urie Bronfenbrenner nasceu bientes, bem com as influências externas de meios mais distantes.
em 1917, em Moscou, Rússia.
Hoje é professor emérito de
Em outras palavras, o ambiente que influencia o sujeito não o faz
Desenvolvimento Humano, por igual, pois os eventos podem se dar em diferentes lugares e dis-
Estudos da Família e da
Psicologia na Universidade de
tâncias: ele é pensado como composto de várias estruturas super-
Cornell, em Nova Iorque. postas ou figuras concêntricas, indo da mais próxima, o cotidiano, a
casa, a escola e o trabalho, ou seja, o microssistema, passando para
outras mais externas, mesossistema, exossistema, macrossistema, às
quais acrescenta a dimensão tempo – o cronossistema –, que leva
em conta, além daquele tempo relacionado às pessoas, o tempo re-
lacionado ao ambiente, podendo incluir ciclos econômicos, guerras
etc., entre outros aspectos gerais do momento histórico. Nesse mo-
delo sistêmico, ainda que todos os elementos influenciem a consti-
tuição do sujeito e se interfluenciem num sistema, os efeitos das
regiões mais próximas aos sujeitos são mais marcantes.
78 Pisicologia Educacional

O microssistema é caracterizado por um padrão de atividades,


inter-relações pessoais e papéis experimentados pela pessoa num
dado ambiente com características físicas e materiais específicas
(BRONFENBRENNER, 1996). O ambiente é o local onde as pes-
soas podem interagir face a face, como casa, creche, escola etc., por
onde o sujeito transita no seu cotidiano. O mesossistema pode
ser caracterizado pelas ligações entre dois ou mais microssistemas,
pois esses são relacionados entre si de vários modos. Ele pode se
formar ou ampliar sempre que a pessoa em desenvolvimento en-
tre num novo ambiente. Os mesossistemas estão ligados, por sua
vez, às instituições nas quais as crianças não estão diretamente,
mas das quais recebem influências – constituindo o exossistema.
Todos esses sistemas são organizados em termos das crenças e
das ideologias dominantes na cultura – o macrossistema. Esses
contextos se interinfluenciam: ao tempo que afetam seu desenvol-
vimento, o que pode explicar como eventos em outros contextos
em que as pessoas não estão diretamente podem afetá-las, particu-
larmente durante seu desenvolvimento, ao mesmo tempo em que
esses contextos, por sua vez, podem ser afetados pela ação dessas
pessoas (mesmo que elas não estejam diretamente neles).
A esfera de influência do microssistema é a que dá a dimensão
mais imediata e mais característica do contexto de desenvolvimen-
to e inclui o que destacamos a seguir.
1. Atividades – as atividades molares são as diferentes formas de
comportamento do ser humano, desde que essas tenham a) al-
guma persistência no tempo e b) algum significado para os su-
jeitos envolvidos no ambiente. Atividades menos significantes
e mais breves podem ser chamadas de moleculares. Para falar
das atividades é preciso dizer da natureza e da função das ati-
vidades molares.
2. Relações interpessoais – uma relação ocorre sempre que uma
pessoa presta atenção na outra ou quando ambas se engajam
em uma atividade em comum. Para caracterizar as relações in-
terpessoais é importante falar de sua estrutura: a estrutura in-
terpessoal mais simples, ou unidade básica de análise, é a díade,
ou seja, um sistema de duas pessoas, que é também o contexto
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 79

mais imediato para o desenvolvimento humano. O impacto de


uma díade depende de três características: a) reciprocidade; b)
equilíbrio de poder; e c) relação afetiva.
3. Papéis – um conjunto de comportamentos típicos de um su-
jeito em relação a uma profissão ou posição social é entendi-
do como seu papel naquela sociedade. Na concepção de
Bronfenbrenner, é um conjunto de atividades pertinentes a
cada posição social, como mãe, bebê, amigo, professor etc.
Ele inclui as expectativas da sociedade em relação ao ocupan-
te da posição, bem como as expectativas que o ocupante tem
em relação ao que é esperado dele.

Figura 4.1 – A Abordagem Ecológica olha as crianças no contexto formado pelos vários
ambientes em que habita no seu cotidiano (microssistema), relacionados entre si de
vários modos (mesossistema), ligados a instituições nas quais as crianças não estão
diretamente, mas das quais recebem influências (exossistema). Todos esses sistemas
são organizados em termos das crenças e das ideologias dominantes na cultura
(macrossistema). (Figura baseada em COLE; COLE, 2004, p. 41)
80 Pisicologia Educacional

Alguns autores enfatizam as ligações entre o desenvolvimento


das crianças e as comunidades em que nasceram e referem-se ao
local onde a criança se desenvolve como um nicho desenvolvi-
mental, o qual inclui: 1) o contexto físico e social em que ela vive;
2) as práticas educacionais e de criação de filhos da sociedade; 3)
bem como as características psicológicas dos pais. Estudando a
criança em seu contexto sociocultural real, é mais fácil conhecer
as experiências e as dificuldades que enfrentou e assim propor mu-
danças mais adequadas para estimular o seu desenvolvimento.
A Teoria Ecológica ou Sistêmica apresenta-se como uma pers-
pectiva interessante para estudar as relações dinâmicas entre a
pessoa em desenvolvimento e os contextos em que está inserida,
pois permite entender desenvolvimento humano como um fenô-
meno dentro do conjunto de sistemas em constante interação. Ao
considerar as múltiplas influências dos vários contextos sobre o
desenvolvimento humano, reconhece que a importância relativa
de cada sistema pode variar de uma sociedade para outra e de um
grupo cultural para outro dentro da mesma sociedade (PAPALIA;
OLDS, 2000). Ela também permite interpretar o desenvolvimento
da pessoa de modo que ela seja, ao mesmo tempo, produto e pro-
dutor de sua história.

Figura 4.2 – O estudante na sala de aula: contexto onde está inserido e onde se dá sua ação

Aplicando a proposta da Psicologia Ecológica na análise de um


aluno, os contextos que o cercam estariam apontados de modo se-
melhante à Figura 4.2 (a partir da apresentada em COLL et al., 2000,
p. 147). Essa proposta faz referência: a) à importância do contexto;
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 81

b) a que existe uma multiplicidade desses contextos; c) bem como


ao fato de esses se inter-relacionarem e se interinfuenciarem.

4.2 A visão do Psicodrama


Para Moreno, o homem é um ser relacional que, ao nascer, traz
como características a espontaneidade, a criatividade e a sensi-
bilidade. Durante a vida deixa de ser espontâneo, sob influência
Jacob Levy Moreno da sociedade, devido aos obstáculos que encontra no ambiente
(1889−1974), o criador do afetivo-emocional, seja por conta do grupo mais próximo (fa-
Psicodrama, nasceu em 6 de
maio de 1889, em Bucareste, mília, escola), seja do sistema social mais amplo. Para ele, essas
na Romênia. Sua família características podem ser recuperadas em qualquer momento de
mudou-se em 1894 para
Viena. Até 1920, Moreno teve sua trajetória pela renovação das relações afetivas e também pelas
uma intensa vida religiosa. transformações do meio. Quando se rompem os padrões de com-
Formou-se em medicina em
1917. Interessou-se pelo teatro portamentos automatizados – as conservas culturais –, é possível
e fundou, em 1921, o Teatro recuperar a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade. O ho-
Vienense da Espontaneidade,
experiência que constituiu
mem só vive a plenitude de sua condição humana se assumir-se
a base de suas ideias da como agente, construtor do seu destino. Buscando ajustar-se a si
Psicoterapia de Grupo próprio, enquanto mantém sua espontaneidade, é possível mudar
(termo que introduziu) e do
Psicodrama. Em 1925 emigrou as situações do entorno pela criatividade.
para os EUA, onde morreu
a 14 de maio de 1974. Moreno denominou de Matriz de Identidade a placenta social,
o lócus em que o sujeito se desenvolve. Aí ele assume papéis, al-
guns desses podem ser desempenhados durante toda a sua vida.
Papéis e vínculos E é aí que forma e fortalece vínculos. Nem sempre essas relações
Esses dois conceitos foram
iniciais são travadas na família, pois outras pessoas podem desem-
definidos no Capítulo 2;
reveja se necessário penhar as funções materna e paterna.
A matriz de identidade é um lugar preexistente ao nascimento do
sujeito, que é modificado por esse nascimento, e é o ponto de parti-
da para o seu processo de definição como indivíduo. Ela fornece o
padrão, a referência para a construção do sujeito. É nesse lugar que
o bebê vai incorporando em si as características grupais até que as-
simile as regras da sociedade em geral. Em outras palavras, a matriz
de identidade é responsável pela transmissão da cultura e por seu
posterior engajamento na sociedade. Essa criança ao se desenvolver
vai passar por algumas etapas na Matriz de Identidade, são elas:
82 Pisicologia Educacional

1ª Fase: EU (EU-EU) ou indiferenciação


Corresponde à etapa em que a criança não faz diferenciação en-
tre ela e o mundo ao seu redor; a criança, a mãe e o mundo for-
mam uma coisa só. Ela não diferencia objetos de pessoas, fantasia
da realidade, TU e Eu. O tempo é o AQUI AGORA. Inicialmen-
te as pessoas da placenta social terão um papel fundamental para
a criança, o papel de egos auxiliares, ou seja, de decodificadores
das suas necessidades fisiológicas, biológicas e psicológicas. Aqui
se ressalta a necessidade dos primeiros cuidados, já que a criança
depende do outro para sua sobrevivência e, portanto, de que essa
relação seja adequada, pois, de acordo com Bustos (2001), nesse
período é ensinado à criança a lidar com a dependência: “como
posso depender do outro”. E também acaba havendo uma mistura
entre os conteúdos do ambiente familiar e a criança. Esta fase ser-
ve de fundamento teórico da técnica chamada de duplo. Durante
o uso dessa técnica, alguém “lê” os sentimentos do protagonista,
“fala por ele”, como faz a mãe nesse momento da vida do bebê.

2ª Fase: EU (EU-TU) ou do reconhecimento do EU


Neste primeiro momento, ela já se reconhece como separada do
corpo da mãe e dos objetos e do resto. Há uma fase em que a crian-
ça reconhece uma criança diante do espelho, mas não se reconhece
como sendo ela essa pessoa. Por fim, toma consciência de que tem
um corpo próprio, da dor, do frio, da fome, do perto/longe, do cari-
nho/agressão. Esta fase serve de subsídio para a técnica do espelho.

3ª Fase: (EU-TU) ou reconhecimento do TU


No início desta etapa, há uma relação em corredor: a criança já
reconhece o EU e o TU, mas consegue se relacionar apenas com
um TU de cada vez. Ela não consegue perceber/compreender as
relações das pessoas à sua volta. Aqui ela deseja exclusividade, fica
possessiva e exclusivista. É nessa etapa que, para Moreno, ocorre
a brecha entre a realidade e a fantasia. A seguir, a criança começa
a tomada do papel do outro, brinca de “como se fosse” o fulano, a
boneca, o pai, a professora. Nesta fase, ainda não há a total inversão
de papéis (segundo FONSECA, 1980 apud GONÇALVES; WOLF;
ALMEIDA, 1988), mas uma pré-inversão. Após esse momento, a
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 83

relação da criança passa de bipessoal para triádica, ou seja, há uma


triangulação. A criança percebe que os outros se relacionam entre
si, independentemente dela. Esse momento pode ser complicado
para algumas crianças e é possível uma crise, pois ela percebe que
seu TU não é exclusivamente seu. Isto pode durar até ela poder
perceber que pode ficar sozinha (e bem) ou até poder estabele-
cer outras relações. Passada a etapa anterior, a criança estaria pre-
parada para manter relações com várias pessoas, ou seja, há uma
circularização. Esta fase seria a da socialização mais ampla, com
o grupo da escola, com o grupo de amigos. E o mais importante
desta fase está na possibilidade de sentir-se pertencente, isto é, ter
noção de pertencer a alguns grupos. Por fim, é possível a inversão
de papéis: é a etapa em que o sujeito consegue se colocar no lugar
do outro. Essa etapa vai culminar apenas na fase adulta, quando
os sujeitos aprimoram, por meio das trocas reais de papéis, essa
capacidade de se colocar no lugar do outro, como destaca Fonseca
(1980 apud GONÇALVES; WOLF; ALMEIDA, 1988). Para esse
autor, atingir esta fase é um sinal de maturidade e saúde mental.
A inversão de papéis é outra das técnicas psicodramáticas que
se fundamentam na matriz de identidade. O conceito de matriz
de identidade ajuda a compreender a visão de Moreno do homem
como um ser relacional: fica mais fácil de entender uma expres-
são que dá conta disto: “O eu é... o outro”. Acompanhar o desen-
volvimento do sujeito por meio dessas fases permite identificar as
primeiras situações de aprendizagem que dizem respeito princi-
palmente às relações afetivas e à qualidade dessas relações, as quais
são marcantes para a construção do sujeito.
Voltando à questão da espontaneidade versus conserva cultural,
o período escolar é um momento em que as normas sociais podem
tolher em grande parte a espontaneidade. Ambientes escolares
muito rígidos e restritivos trabalham no sentido contrário tanto
à manutenção como à expansão da espontaneidade, da criativi-
dade e da sensibilidade. O ambiente escolar e de sala de aula deve
criar e manter um clima ameno e de confiança, permitindo que a
sensibilidade, a espontaneidade e a criatividade se desenvolvam,
até porque elas são imprescindíveis à aprendizagem. As crianças
podem ser reconhecidas por apresentarem em grau elevado essas
84 Pisicologia Educacional

características nessa etapa da vida. São, por outro lado, as mais


susceptíveis às restrições e à repressão.
Outras técnicas do Psicodrama são: o solilóquio – uma cena é
congelada e um dos atores diz em voz alta o que sente sobre ela;
a interpolação de resistência – durante a dramatização há uma
alteração improvável ou imprevista, o que exige ou permite que
o protagonista (e/ou demais atores) responda; e o jogo dramá-
tico – é jogo porque é lúdico, e dramático porque lida com os
conflitos, contribui para que as pessoas envolvidas vejam novas
alternativas de conduta.

O que entender por Psicodrama? Moreno diz que: “é a ci-


ência que explora a verdade por métodos dramáticos” (apud
LIMA e LISKE, 2004, p. 38), ou ainda, para Bustus: “drama
é uma palavra grega que significa ação, ou algo que se reali-
za. Psicodrama pode, portanto definir-se como aquele méto-
do que investiga a fundo a verdade da alma mediante a ação”
(BUSTUS, 1982, p. 62). Em síntese, o Psicodrama tem sido
aplicado para propiciar aos indivíduos o desenvolvimento da
espontaneidade, aumentando a capacidade de fazer escolhas,
de adaptar-se a si próprio, de organizar-se diante da vida, levan-
do ao crescimento pessoal e à participação social construtiva.
Nas situações de sala de aula e ensino/aprendizagem, além dos
aspectos acima apontados, o Psicodrama facilita “o manejo do
grupo como unidade” (ROMAÑA,1996, p. 29) pode ser usado
para trabalhar as relações (como aluno/aluno; professor/alu-
no, etc.) ou para lidar com os próprios conteúdos, que, ao se-
rem dramatizados, podem ser melhor compreendidos e mais
integrados. Seu desenvolvimento como instrumento pedagó-
gico deu origem à Pedagogia do Drama (ROMAÑA, 2004).

Para sua realização, o Psicodrama requer os seguintes elementos:


•• cenário: é o palco onde ocorre a ação dramática;
•• protagonista: é quem centraliza a ação dramática;
•• diretor: a quem cabe aquecer a plateia, organizar as sequências etc;
•• ego auxiliar: é quem entra em contato direto com o protagonista
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 85

em uma função tríplice: ator, auxiliar do protagonista e obser-


vador social; e
•• público: os demais participantes.
Já uma sessão de Psicodrama é dividida em três momentos: o
aquecimento, a dramatização e os comentários.

4.3 Freud e a fundação da Psicanálise


Você já ouviu falar de Freud ou pelo menos ouvido alguém dizer
Sigmund Freud (1856−1939), “[...] Freud explica” dando a entender que esse autor tenha respostas
médico neurologista nascido
para todas as questões relacionadas ao comportamento humano. É
em Viena, interessou-se
desde cedo pelos aspectos verdade que ele realmente estudou profundamente a constituição
emocionais como a ansiedade. dos sujeitos, mas não é verdade que ele dê respostas para tudo o que
Estudou “histeria” como
fenômeno psicológico, ocorre. Afinal, ninguém tem essas respostas completas e definitivas,
resultando na descoberta do como a expressão sugere! Todavia, é importante lembrar que a Psi-
inconsciente e na construção
da Psicanálise, teoria canálise acabou sendo apropriada pelo senso comum e, com isto,
polêmica, especialmente para banalizada, sendo considerada muitas vezes uma teoria apenas vol-
a época, sobretudo por tratar
da sexualidade infantil. A
tada para as questões sexuais. Por exemplo, vocês já devem ter ouvi-
Psicanálise é simultaneamente do falar que Freud só pensava em sexo ou ainda ouvido comentários
uma teoria, e um método de sobre o Complexo de Édipo, pelo qual os filhos têm interesse sexu-
investigação (BOCK, 1999).
al/genital pelo genitor do sexo oposto ao seu. Realmente Freud vai
Édipo introduzir a temática da sensualidade (mais do que da sexualidade)
Édipo Mito grego no meio científico da época: se ele não entendia do mesmo modo
transformado em peça teatral
escrita por Sófocles, em que
que o senso comum, os conservadores, especialmente a Igreja, não
o filho se apaixona pela mãe. aceitaram com bons olhos o seu pensamento. Então, vamos conhe-
cer um pouco mais sobre Psicanálise?
A corrente psicanalítica foi fundada por Sigmund Freud, que ini-
ciou sua carreira atendendo a pacientes neuróticos e sobre os quais
realizou suas investigações. Esse trabalho iniciou com a parceria
do neurologista Joseph Breuer, usando o método catártico, e con-
Trauma sistia em fazer com que o paciente narrasse seus traumas quando
Trauma Evento inassimilável
sob hipnose. A hipnose é uma técnica de indução do transe (esta-
para o sujeito, geralmente
de natureza sexual, podendo do de relaxamento semiconsciente) com manutenção do contato
constituir uma condição sensorial do paciente com o ambiente. Estabelece-se um estado de
determinante da neurose
(CHEMAMA, 1995, p. 203). alteração de estado da consciência, que simula o sono, mas não
é este (a pessoa não “dorme” na hipnose): o eletroencefalograma
86 Pisicologia Educacional

(EEG) do paciente sob hipnose é de vigília e não de sono. Os trau- Sintoma


Fenômeno que constitui
mas originavam sintomas neuróticos. Reveja o que leu no Capí-
para o psicanalista não o
tulo 1 sobre a Psicanálise para complementar essas informações. sinal de uma doença, mas
a expressão de um conflito
Freud formulou sua concepção a respeito das neuroses, des- inconsciente (CHEMAMA,
cobrindo que elas, na maioria das vezes, têm sua origem em fa- 1995, p. 220-221).

tos e relações ocorridas no período entre o nascimento até perto


dos 11 anos de idade, pois a condição afetiva nesse período é de Inconsciente
De acordo com o dicionário
suma importância para o desenvolvimento da personalidade dos
Aurélio (2004), é o conjunto
sujeitos. Isto se deve ao fato de que esse período é perpassado por de processos e fatos que
fortes vínculos, com destaque para a época da primeira infân- atuam sobre a conduta do
indivíduo, mas escapam ao
cia (do nascimento até em torno de 3 anos). Os acontecimentos âmbito da consciência e não
emocionais/sexuais negativos e marcantes nesse período, os trau- podem a essa ser trazidos por
nenhum esforço da vontade
mas, podem sofrer repressão, segundo Freud, sendo sufocados no ou da memória, aflorando,
inconsciente por algum tempo e podendo reaparecer mais tarde entretanto, nos sonhos, nos
atos falhos, nos estados
sob forma de sintomas neuróticos. neuróticos ou psicóticos, i.e.,
quando a consciência não
Breuer, amigo e colaborador, ao contrário de Freud, não acredi- está vigilante (p. 1.090).
tava nas manifestações sexuais na infância. Mesmo assim, eles pu-
blicam juntos “Estudos sobre histeria”. Após algum tempo, rompeu Histeria
Neurose descoberta por
a parceria e Freud criou um novo método, sem hipnose, para suas
Freud em que o indivíduo
investigações, chamado de livre associação ou método psicanalí- perde o controle de suas
tico. O paciente ficava livre para falar sobre tudo o que lhe vinha emoções, apresenta
comportamento teatral e
à mente, o que o levava a se encontrar de forma consciente com pode desenvolver
fases anteriores de sua vida. Freud completou esse método com um problema físico de
origem psicológica.
outras técnicas, constatando sua eficiência, pois a pessoa sentia-se
livre dos sintomas e da força exercida por ele à medida que conhe-
cia seu inconsciente, e em especial porque o paciente não se sentia
dependente do analista, como ocorria no método da hipnose.
Freud, como pai da Psicanálise, propôs que todo homem é dota-
do de uma energia sexual instintiva, a qual denominou libido. Tal
energia se desenvolve acompanhando o desenvolvimento crono e
fisiológico do indivíduo através de fases. Nesse processo, a zona Zona erógena
Área sensível à estimulação
erógena vai se alterando à medida que as fases se sucedem. A
sensorial e que centraliza o
Psicanálise por meio do trabalho de outros teóricos, em especial desenvolvimento emocional.
de Ana Freud, sua filha, instituiu também os conceitos de Id, Ego
e Superego, formadores da estrutura dinâmica da personalidade.
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 87

• O Id, parte mais primitiva no desenvol-


vimento da personalidade, está com o sujeito
desde seu nascimento e agrega os instintos que
SUPEREGO querem ser satisfeitos; é regido pelo princípio
Supervisor
do Ego
do prazer.
ID
Contém • O Ego surge depois. É o meio de ligação
elementos
primordiais entre o Id e a realidade, ou seja, com o ambien-
instintivos
EGO te, e trabalha buscando satisfazer as necessida-
Supervisor
do Id
des do Id de modo racional; ele é regido pelo
princípio da realidade.
• O Superego constitui-se das exigências
morais, das normas de conduta impostas pela
educação, pela família e pelos professores. Pro-
Figura 4.3 – Estrutura dinâmica da personalidade
cura controlar o Ego, e, principalmente, os im-
mostrando como funciona
pulsos desenfreados do Id; inibe sua ação e é
regido pelo princípio da consciência moral.

CONSCIENTE

PRÉ-CONSCIENTE

INCONSCIENTE

Figura 4.4 – Estrutura da consciência por meio da metáfora do iceberg


88 Pisicologia Educacional

Freud, investigando a estrutura da consciência e comparando-a


a um iceberg, concebia o inconsciente como uma área difícil de
ser alcançada e a mais extensa em cada sujeito; no pré-consciente
se acumulam lembranças que podem ser revividas; e o consciente
é a parte mais visível/acessível desse sistema. Como num iceberg,
a parte visível é a menor da totalidade.
A libido, energia essencial à vida e à sobrevivência, está presente
ao longo do desenvolvimento do indivíduo, mas, de acordo com
os estudos da Psicanálise (Ana Freud), à medida que se dá o de-
senvolvimento, ela se localiza em partes diferentes do corpo – as
chamadas zonas erógenas. Para descrever como o corpo vai sendo
erotizado ao longo do desenvolvimento, este foi dividido nas se-
guintes fases: oral, anal, fálica, de latência e genital.

4.4 As fases do desenvolvimento


segundo a Psicanálise
De acordo com a concepção freudiana, o desenvolvimento
emocional não é linear: não é garantido que as pessoas saiam
da fase inicial (oral) e passem por aquelas fases todas, superando
cada uma delas para chegar à seguinte e, por fim, o seu pleno de-
senvolvimento emocional, representado pela fase genital. Não há
essa garantia, ao contrário, em função de como seja o contexto de
formação e como ela ocorra, quão repressoras ou dialógicas sejam
a família e a escola, maiores ou menores serão as chances de um
pleno desenvolvimento emocional. Veja agora quais são e como se
caracteriza cada uma das fases propostas pela Psicanálise para o
desenvolvimento emocional.
A Psicanálise é muito utilizada no trabalho clínico do psicólogo
e contribui bastante para a educação no que diz respeito à compre-
ensão do desenvolvimento emocional do sujeito humano, bemco-
mo das relações no interior da sala de aula.
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 89

aproximadamente 18 meses)
Fase Oral (do nascimento até

A zona de erotização é a boca, onde a libido está localizada. O prazer do bebê é sugar o seio materno.
Nesta fase, o bebê começa a experimentar tensão psicológica quando sente fome e o alimento não
vem. Há desconforto, e esse é expresso no choro. A fome para o lactante é algo terrível, pois a criança
não diferencia inicialmente o mundo de si mesma. Quando a mãe chega para dar de mamar, o prazer é
imenso, pois alivia a tensão. À medida que a relação com a mãe é adequada, estabelece-se uma relação
de confiança entre ambas. Diante da fome, ela pode aguardar algum tempo, sem crise, pois sabe que
o alimento virá. Forma-se o rudimento de uma organização temporal: um “agora” com fome pode ser
suportado, pois há um “depois” com alimento. Começam a ser estabelecidas correlações entre o desejo
e a realidade. O Ego começa a se estruturar: a criança, que inicialmente operava pelo princípio do prazer
(Id), começa a se diferenciar do mundo e a se mobilizar para que a realidade possa satisfazer o seu desejo.
Fase Anal (de 1 ano e meio a
2 anos, até aprox.. 4)

Nesta fase, a libido está localizada na região anal. O prazer da criança se dá ao expelir ou reter as fezes.
A criança descobre que as fezes são o seu primeiro produto e fica fascinada; daí brincar com as fezes.
O impulso para o prazer está ligado à redução de tensão após a evacuação, que segue em oposição às
normas sociais. É nesse período do desenvolvimento que é solicitado à criança o controle de seus impulsos
naturais, pelo uso da privada, o que gera conflito na criança. Algumas crianças utilizam o controle dos
esfíncteres para controlar e/ou atacar as pessoas que as cercam, e isso pode ser observado em crianças
que evacuam logo após sair do toalete e naquelas que deixam de evacuar por longos períodos
Fase Fálica (de 4 a 6 anos)

A libido está concentrada nos órgãos genitais. Neste período da vida a criança descobre o seu sexo e
passa a manipular-se para obter prazer. É nesta fase que ocorre o Complexo de Édipo no menino e o
Complexo de Electra na menina. Esses complexos ocorrem quando o objeto de desejo do menino é
a mãe, e o pai passa a ser um rival, que rouba o amor da mãe; e na menina, o objeto de amor é o pai,
e a mãe torna-se a rival. Segundo a Psicanálise, é nesse momento que se realiza a escolha de objeto
sexual. Em ambos os casos, meninos e meninas podem sair, respectivamente, do Complexo de Édipo e
de Electra, ocorrendo a estruturação definitiva do Superego. Cabe lembrar que, ao nascer, o indivíduo
opera somente pelo Id. No primeiro ano de vida, ocorre a formação do Ego, o qual, por volta dos três
anos, já está totalmente estruturado. O Superego estará construído quando ocorrer o tabu do incesto.
Fase de Latência (por
volta dos 6 anos até
a puberdade)

A libido não se localiza em uma região específica do corpo. Os interesses das crianças podem então
voltar-se para o seu desenvolvimento social e intelectual. No início deste período, a maioria delas
ingressa na escola e pode canalizar sua energia para as solicitações que essa escola faz. Este período
vai até o início da puberdade, quando a sexualidade ressurge.
(ocorre após a
Fase Genital

puberdade)

Nesta fase, o objeto erotizado não está no próprio corpo do indivíduo, mas em um objeto externo –
o outro. Chegar a esta fase representa atingir o desenvolvimento emocional pleno do ser humano,
em que esse é capaz de assumir responsabilidades sociais, de realizações, de amar plenamente e de
mediar a busca do prazer.
90 Pisicologia Educacional

4.5 Mecanismos de defesa


Dentro da visão psicanalítica, nunca temos acesso completo ao
que somos: se algo passa para a consciência, muito fica no incons-
ciente. Os mecanismos de defesa são instrumentos que, há um
tempo, mantêm guardada parte desse material inconsciente, mas
por outro lado nos “protegem”. De acordo com as características
de personalidade, com as dificuldades que enfrentamos e mesmo
em função da fase do desenvolvimento por que passamos, esses
mecanismos podem ser diferentes (RAPPAPORT et al, 1981).
Uma descrição mais completa sobre o assunto pode ser vista no
ambiente de ensino. Aqui vamos falar apenas de um ou outro me-
canismo de defesa, até em função da longa lista deles: negação,
regressão, sublimação, racionalização, identificação etc.
Exemplo 1: mecanismo de identificação − ocorre quando o indi-
víduo internaliza características de alguém valorizado, passando
a sentir-se como ele; toma características de outra pessoa para si.
Assim, um menino que brinca de dirigir pode estar expressando
sua identificação com as atividades que seu pai realiza. Uma me-
nina de 3 anos que desfila com o sapato de salto da mãe indica sua
identificação com ela. A identificação, como processo psicológico
em que o sujeito infantil se constitui tomando outra pessoa por
modelo, de acordo com Morgado (2002, p. 101), implica na mais
primitiva forma de laço emocional.
Exemplo 2: mecanismo de regressão − implica em voltar a níveis
de desenvolvimento já antes superados e menos maduros. Numa
família em que nasceu um bebê, uma criança de 4 anos pode voltar
a fazer xixi na cama e “precisar” de fralda, ou seja, ficar como um
bebê. Esse mecanismo de defesa pode ter sido desencadeado como
forma de recuperar a atenção de que foi privada. No entanto, se a
família entende a situação da chegada de um novo membro como
um evento importante, que desorganiza o que já estava e desen-
cadeia certo stress, pode responder melhor, preparando a criança
maior para a situação e garantindo-lhe atenção também.
Exemplo 3: mecanismo de repressão − impede que pensamen-
tos dolorosos ou perigosos cheguem à consciência. É o principal
mecanismo de defesa.
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 91

4.6 Como a Psicanálise lida


com a aprendizagem?
A partir das relações afetivas, ela destaca o mecanismo de iden-
tificação como condição indispensável para a aprendizagem: só se
aprende se há uma identificação com quem ensina, seja meu pai,
meu mestre etc. “Aí, ouço o que este diz”. Caso contrário, não há
aprendizagem, “nem o ouço!”. Atua também a transferência, relativa
aos afetos das relações passadas que o aluno deposita no professor,
bem como a contratransferência, referida à reação do professor aos
afetos transferenciais de que é depositário, ou seja, essa teoria dá um
destaque especial ao aspecto afetivo das rela ções entre aprendiz e
mestre (principalmente, mas também dos aprendizes entre si).

As idéias da Psicanálise são conflitivas com as idéias de edu-


cação, especialmente quando se considera a educação tradicio-
nal, que propõe uma obediência cega. Educar implica geralmente
exercer a repressão. A Psicanálise se coloca como um instrumen-
to de tomada de consciência e de luta contra a repressão. Por isto
Freud é chamado de o mestre do impossível: de um lado, a educa-
ção (e a repressão) é necessária à vida em grupo; de outro lado, as
pessoas devem tomar consciência do que está reprimido para que
haja o autoconhecimento. Uma solução possível para essa contra-
dição é, se o professor, por seu autoconhecimento e por realizar
sua auto-análise, pode ser capaz de ‘“conviver’ com o desejo do
aluno: ao invés de exercer a repressão pode permitir ao outro, ao
aluno, que conheça seu “próprio desejo” (KUPFER , 1989).

Resumo
As idéias da Abordagem Ecológica de Bronfenbrenner ajudam-
-nos a entender melhor as inter-relações dos diferentes contextos
em que o sujeito está inserido, pois elas vêem o sujeito como o cen-
tro de um ambiente (com o qual interage). Esse ambiente é com-
posto de várias estruturas superpostas (ou figuras concêntricas),
indo da mais próxima – o microssistema – representando o coti-
diano, como a casa, a escola e o trabalho, passando por outras mais
92 Pisicologia Educacional

externas – mesossistema, exossistema, macrossistema –, às quais


acrescenta a dimensão do tempo – cronossistema –, que inclui as-
pectos gerais do momento histórico. As influências do contexto no
desenvolvimento consideram a multideterminação dessas sobre o
desenvolvimento humano: a importância relativa de cada sistema
pode variar de uma sociedade e de um grupo cultural para outro.
Já para Moreno e o Psicodrama, o homem nasce com a esponta-
neidade, a criatividade e a sensibilidade numa placenta social.
Nela, o sujeito desenvolve os papéis que pode desempenhar du-
rante sua existência, bem como é aí que forma e fortalece víncu-
los. A criança vai desenvolver-se e passar pelas etapas da matriz
de identidade. A inversão de papéis é outra das técnicas psico-
dramáticas que se fun damentam na matriz de identidade. Outras
técnicas do Psicodrama incluem o solilóquio, o jogo dramático
ou role-playing etc.
Em seu trabalho terapêutico, Freud trabalhou com a hipnose
e, mais tarde, com outros métodos, como livre associação, estudo
dos sonhos e atos falhos, para acessar o inconsciente, posto que
na sua teoria é esse quem de fato comanda os seres humanos. O
consciente, por outro lado, é como a ponta de um iceberg: uma
parte mínima desse sistema. A libido é a energia essencial à vida e
à sobrevivência e está presente ao longo do desenvolvimento do in
divíduo. De acordo com os estudos da Psicanálise, Id, Ego e Supe-
rego são os constituintes na estrutura dinâmica da personalidade.
O Id, parte mais primitiva do desenvolvimento da personalidade,
está com o sujeito desde o seu nascimento, agrega os instintos, que
querem ser satisfeitos; é regido pelo princípio do prazer. O de-
senvolvimento crono e o fisiológico do indivíduo se dão através de
fases, e a zona erógena, que centraliza o desenvolvimento, locali-
zase em partes diferentes do corpo à medida que o sujeito evolui.
A Psicanálise é muito utilizada no trabalho clínico do psicólogo
e pode contribuir também para a educação no que diz respeito
à compreensão do desenvolvimento emocional dos sujeitos, bem
como das relações no interior da sala de aula. Partindo-se do pres
suposto de que os sujeitos humanos são impulsionados pelo dese-
jo, que passam por fases de desenvolvimento emocional e que esse
desenvolvimento não é linear, é possível, mas não garantido, que o
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 93

sujeito passe para uma fase mais “evoluída”. É importante também


a concepção de que o inconsciente, fonte do eu verdadeiro, é um
continente inacessível para o qual contribuem os mecanismos de
defesa. Há que destacar dentre esses o mecanismo de identificação,
que permite ouvir e tomar como mestre alguém com quem se dá
essa identificação. A Psicanálise contribui para o entendimento da
pessoa do aluno, das relações em sala de aula e também das condi-
ções para que seja possível a aprendizagem.

Referências

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BUSTOS, D. Perigo... amor à vista!: drama e psicodrama de
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CHEMAMA, R. (Org.). Dicionário de Psicanálise. Porto Alegre:
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FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa.
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94 Pisicologia Educacional

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Sugestão de leitura
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abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004, cap. 1: A contribuição da
Psicanálise à Educação, 13-46.
CESAROTTO, O. O que é Psicanálise? São Paulo: Brasiliense,
1986.
CUNHA, M. V. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A,
2002, cap. 1: Freud –Psicanálise e Educação, 13-42.
GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. Rio de janeiro:
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LIMA, L. M. S.; LISKE, L. P. Técnicas dramáticas na educação.
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RAPPAPORT, C. R. Teorias da personalidade em Freud, Reich
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Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 95

REVISTA EDUCAÇÃO. Freud pensa a educação. São Paulo:


Segmento-Duetto, 2006. (Especial. Biblioteca do Professor).
REVISTA VIVER MENTE&CÉREBRO. Memórias da
Psicanálise: Freud. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo:
Segmento-Duetto, n. 1, 2005. (Memória da Pedagogia).
ROSSI, T. M. de F.; PAIXÃO, D. L. L. Significações de professores
sobre a escola: o caso de uma escola pública em um assentamento
habitacional no Distrito Federal. In: DEL PRETTE, Z. A. (Org.).
Psicologia Escolar e Educacional: saúde e dualidade de vida.
São Paulo: Alínea, 2003, p. 147-166.
c a p í t u lo 5
Contribuições sobre
desenvolvimento e
aprendizagem: Piaget e a
Abordagem Genética; Vygotsky
e a Histórico-Cultural
Neste capítulo, vamos conhecer as contribuições de Jean
Piaget e de Lev S. Vygotsky para o entendimento do proces-
so de desenvolvimento e aprendizagem, bem como para o
processo educacional.
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 99

Piaget e Vygotsky talvez sejam os teóricos mais empregados pelos professo-


res na orientação do processo pedagógico. Suas teorias são chamadas, res-
pectivamente, de Teoria Construtivista e Histórico-Cultural (sócio histórica ou
ainda sociocultural); são dirigidas a explicar os processos de desenvolvimen-
to humano e de aprendizagem, o que facilita seu emprego na prática peda-
gógica, além de terem sido usadas para fundamentar a legislação educacio-
nal (como nas LDBs). Aqui vamos tratar das contribuições desses teóricos.

5.1 A contribuição de Piaget:


o desenvolvimento do pensamento lógico
Quando vejo uma criança, ela me inspira dois sentimentos: ter-
nura pelo que ela é, respeito pelo que poderá ser. (Piaget)
Jean Piaget (1896–1980),
psicólogo suíço, nasceu Nesta seção vamos conhecer as etapas propostas por Piaget
em Neuchateul, na Suíça. para o desenvolvimento do pensamento, bem como seu entendi-
Inicialmente estudou
Zoologia; trabalhou no
mento sobre a aprendizagem e o papel do professor e do aluno no
Museu de História Natural e, processo pedagógico.
depois, com Alfred Binet em
suas pesquisas sobre o teste Piaget foi um pesquisador incansável. Grande parte dos dados
de QI. Por fim, interessou-se que obteve para construir sua teoria foi fruto de observação. Ten-
pelo desenvolvimento do
pensamento. A partir do começado sua vida acadêmica aos onze anos, ao publicar um
daí buscou novos artigo sobre pardais albinos, tinha suas habilidades de observador
conhecimentos, estudando
Lógica, Matemática, Filosofia muito desenvolvidas. Os primeiros sujeitos que observou durante
(entre outros, Kant) e a construção da epistemologia genética foram as crianças em de-
Epistemologia. Concluiu que
o pensamento da criança é
senvolvimento que lhe estavam próximas: seus filhos. Mais tarde,
diferente do adulto. as pesquisas foram ampliadas para outros sujeitos, especialmente
100 Pisicologia Educacional

pelo centro de pesquisas suíço chamado Instituto Jean Jacques


Rousseau. Além da observação, usou o método da entrevista clíni-
ca: pelo qual criava situações problemas para as crianças e pedia-
-lhes que explicassem como haviam chegado às soluções.
Piaget considera que os humanos, assim como os outros ani-
mais, nascem com capacidade de adaptação ao meio ambiente em
que vivem, e que no caso humano a adaptação (ajustamento ao
ambiente) é realizada por meio da inteligência, aqui entendida
como a capacidade de construir conhecimentos, que se realiza
pela criação contínua de estruturas mentais cada vez mais com-
plexas e em progressivo equilíbrio com o meio à medida que o
organismo interage com esse meio. Durante as interações com o
ambiente surgem conflitos entre o conhecimento que se tem sobre
as situações e a realidade com que essas situações se apresentam. Equilibração
Esses conflitos são resolvidos por meio de um processo de cons- Busca de estabilidade entre
os esquemas cognitivos do
tante equilibração. É por esse processo que o conhecimento é ge- sujeito e as informações
rado, o que envolve dois subprocessos: vindas do meio.

a) assimilação: encaixe de novas informações em esquemas cog-


nitivos já existentes, ocorre quando o indivíduo ao receber uma
informação nova a categoriza em termos do que já conhece,
por exemplo, um bebê que apenas mama (por meio do reflexo
de sucção) no seio da mãe, ao receber leite em uma mamadeira,
até então desconhecida para ele, e também a suga, está trans-
formando a mamadeira (e a situação) no que já conhece; e
b) comodação: alteração dos esquemas cognitivos existentes, ou
seja, surgimento de novos esquemas em resposta às informa-
ções novas, o que ocorre quando as pessoas buscam soluções
para situações que não “cabem” nas categorias já construídas
do que já conhecem. Nos casos em que é preciso acomodar,
categorias e estratégias são criadas, portanto, é preciso alterar
as antigas categorias para lidar com o desafio. No exemplo, o
bebê, familiarizado com o seio da mãe, recebe um copo de leite.
Se tratar como fazia com o seio, não terá um bom resultado.
Por meio da acomodação ele pode criar estratégias apropriadas
para obter o leite nessa nova situação (PAPALIA; OLDS, 2000).
Assim, os desafios bem como os conflitos cognitivos também
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 101

contribuem para que surjam no sujeito os diferentes esquemas,


As estruturas mentais, que portanto, para que suas estruturas mentais se modifiquem.
para Piaget constituem
os elementos básicos
do pensamento. 5.1.1 Fatores do desenvolvimento na teoria genética
O processo de desenvolvimento é considerado uma construção
progressiva, que não é pré-fixada completamente a priori, nem li-
tada aos elementos pré-formados de maneira inata. Piaget propõe
quatro fatores básicos como responsáveis por esse desenvolvimen-
to. Veja abaixo e pela Figura 5.1.
1. Maturação orgânica: representa uma condição imprescindí-
vel ao desenvolvimento intelectual, pois permite a aparição
de determinadas condutas durante esse desenvolvimento. A
maturidade constitui um fator necessário e indispensável para
compreender a ordem invariante em que se sucedem os dife-
rentes estágios; contudo, não pode ser considerada como a úni-
ca responsável por todo o desenvolvimento, mas sim como um
fator entre os outros.
2. A experiência com os objetos físicos: a experiência que se
obtém quando se interage com objetos é imprescindível para
poder explicar o processo de desenvolvimento intelectual. A
experiência não é simplesmente uma cópia ou registro passi-
vo da realidade por parte dos sujeitos, mas uma interpretação,
uma assimilação ativa dos esquemas que estão disponíveis a
cada momento.
3. A experiência e a interação com outras pessoas: a possibi-
lidade de cooperação intelectual com outras pessoas não dei-
xa de ser uma capacidade cujo desenvolvimento depende das
possibilidades de coordenação dos esquemas alcançados pre-
viamente e, portanto, tende a ser valorizada como uma conse-
quência do processo de desenvolvimento cognitivo.
4. Mecanismo de equilibração: constitui uma forma de funcio-
namento intelectual que se mantém constante durante todo o
desenvolvimento cognitivo e que se apoia sobre a tendência de
que os comportamentos possam garantir um equilíbrio nos in-
tercâmbios entre o sujeito e o seu meio. Este mecanismo con-
siste em: assimilação e acomodação; equilíbrio, desequilíbrio e
102 Pisicologia Educacional

reequilíbrio; e perturbações, regulações e compensações (WO-


OLFOLK, 2000). Assimilação e acomodação trabalham de ma-
neira coordenada, como processos indissociáveis em cada ato
de conhecimento: não se pode atribuir significação a um obje-
to a não ser por meio de sua assimilação a algum dos esquemas
de que o indivíduo dispõe. O processo de desenvolvimento
cognitivo pode ser definido como um passo progressivo e con-
tinuado de níveis de equilíbrio inferiores a níveis superiores
nos intercâmbios cognitivos entre os indivíduos e o meio, gra-
ças ao jogo da assimilação e da acomodação.

A possibilidade de integrar
informações e experiências
em sistemas ou categorias
mentais; um processo
Figura 5.1 – O processo de equilibração contínuo de arranjar os
processos de pensamento em
estruturas psicológicas que
Piaget constatou também que o homem possui a capacidade servem para compreender e
de organização. Por exemplo: uma criança, para pegar um obje- interagir com o mundo.
to, primeiro olha e depois pega. Quando ela consegue organizar,
ela coordena os dois movimentos: olha e pega ao mesmo tempo.
Como Piaget buscava entender a construção do conhecimento no
ser humano (RAPPAPORT, et al, 1981), ele elaborou uma teoria,
a epistemologia genética. Assim, ele dividiu o desenvolvimento Epistemologia
Epistemologia É a área
humano de acordo com as mudanças nas formas de pensar, que da Filosofia que estuda o
ocorrem à medida que o indivíduo constrói novas estruturas men- conhecimento, de onde se
tais para enfrentar os desafios. Essa divisão se constitui em quatro origina e como pode
ser confirmado.
estágios ou estádios (em que alguns deles podem, por sua vez, ser
subdivididos). Veja no Quadro 5.1 como se sucedem. Genética
Da palavra gênese, que
•• Período sensório-motor (entre 0 e 2 anos) – este período re- significa origem; aqui não
cebe esse nome porque, de acordo com a visão de Piaget, nele significa herança, uso mais
comum do termo para nós.
a criança conhece o mundo por meio dos sistemas senso-
riais. Durante os dois primeiros anos de vida o bebê conhece Epistemologia Genética
A expressão epistemologia
o mundo vendo, tocando, cheirando, provando, manipulando genética refere-se à ênfase na
e confiando em seus sistemas sensoriais e motores. A criança construção do conhecimento
descobre que determinadas ações levam a resultados específi- ao longo do desenvolvimento
(ou gênese).
cos, como sacudir os pés faz com que os cobertores sejam re-
tiradosde cima do corpo. Para o bebê, o que não está no seu
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 103

campo visual não existe. Isto porque ele não tem noção de per-
manência do objeto. Gradualmente o bebê adquire essa noção
e compreende que o objeto existe mesmo quando não está no
seu campo visual. Nesse estágio, o bebê também descobre ou-
tras habilidades, como fazer novos usos para velhos objetos,
por exemplo, como jogar a colher da comida no chão inúmeras
vezes para que o adulto pegue. Outra habilidade que a crian-
ça adquire é a imitação: a criança pode imitar alguém que vê
dançando na televisão ao ouvir a mesma música, e isto indica
que a criança já faz um quadro mental da situação percebida.
A imitação diferenciada sugere que a criança já consegue fazer
representações mentais simples. Entretanto, nesse período o
pensamento da criança está ligado à ação.
•• Período pré-operacional (de 2 a 7 anos) – pode ser subdividi-
do em Simbólico − dos 2 aos 4 anos e Intuitivo − dos 4 aos 7
anos. O início deste período é marcado pelo aparecimento da
linguagem, do desenho, da imitação, da dramatização etc. O
sujeito pode criar imagens mentais na ausência do objeto ou da
ação; é o período da fantasia, do jogo simbólico, de faz-de-con-
ta: uma vassoura pode virar um cavalo, a boneca vira o filhi-
nho. Outra característica do estágio é o animismo, pois a
Abstrato
Que não é palpável, mas é
criança “dá alma” aos objetos. Ela já resolve problemas concre-
possível no plano mental. tos, mas tem dificuldades de compreender os abstratos. A
criança neste período pode indicar facilmente qual é a maior
de três bolas, mas não consegue lidar com o mesmo problema
na versão abstrata: se A é maior que B e B é maior que C, qual
é a maior? Não saberá responder. A criança consegue trabalhar
com símbolos e palavras que representam o ambiente. Conse-
gue entender conceitos simples, como, por exemplo, “Totó, Rex
e Duque são cachorros”. E faz classificações simples como se-
parar figuras geométricas por cor. Caso lhe sejam dados cinco
cachorros e dez gatos de brinquedo, ela separa os gatos dos ca-
chorros. Mas se lhe for perguntado se há mais gatos ou ani-
mais, a criança fica perplexa. Não consegue perceber itens
individuais pertencendo a duas classes. À medida que a criança
se desenvolve dentro do estágio pré-operatório, entra no perí-
odo intuitivo e na “idade dos porquês”, pois pergunta o tempo
104 Pisicologia Educacional

todo, pedindo explicação sobre os fenômenos, passa a distin-


guir fantasia do real, podendo dramatizar a fantasia sem que
Fixação da atenção em um só
acredite nela. Ao longo do período pré-operacional a criança aspecto da totalidade, isto é,
tem um alto grau de centração nas suas palavras, é egocêntri- do objeto ou da situação.
ca, só percebendo o mundo a partir da sua perspectiva; não
consegue se colocar no lugar do outro.

Quadro 5.1 − Sumário dos estágios piagetianos


Natureza dos
Estágio Idade Aproximada Adaptações Típicas
Esquemas

Do nascimento até É capaz de agir intencionalmente sobre o


Sensório-Motor Ação prática
os 2 anos mundo; permanência dos objetos.

É capaz de simbolizar, falar sobre o passado e o


Dos 2 aos 6 ou 7 Simbólico (mas
Pré-Operatório futuro; julgamentos que revelam egocentrismo
anos não lógico)
e realismo moral.

É capaz de lidar com dois ou mais aspectos de


Operatório Dos 6 ou 7 anos aos Operações lógicas
uma situação ao mesmo tempo; é capaz de
Concreto 11 anos e matemáticas
descentração e conservação.

Formal Dos 11 anos


Abstrações lógicas Formalismo da física e da matemática
Operatório (mais ou menos) em
e matemáticas avançada; moral baseada nas intenções.
diante
Fonte: SYLVA; LUNT, 1994, p. 159.

Acompanhando a Figura 5.2 (SYLVA; LUNT, 1994), você pode


ver como trabalha uma criança diante de pequenos problemas
como nas situações seguintes: inicial em A.1: uma fileira de bo-
linhas organizada paralelamente à outra e, na sequência, em A.2:
com as mesmas duas fileiras, sendo em uma delas as bolinhas colo-
cadas mais espaçadas entre si; ou inicial em B.1: com duas porções
iguais de massinha de modelar formando bolinhas, quando essas
passam para a situação B.2, em que uma dessas porções é esticada
como uma cobrinha; ou ainda se um líquido de uma vasilha curta
e larga em C.1 é vertido e passado para outra longa e fina em C.2.
Diante desses problemas a criança que está no estágio pré-ope-
ratório poderá dizer que: na fileira da direita em A.2 há mais bo-
linhas; em B.2 há mais massinha na cobrinha; e que em C.2 há
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 105

Figura 5.2 – Situação inicial em A.1: uma fileira de bolinhas organizada paralelamente à
outra; e na sequência A.2 as mesmas duas fileiras, em que uma delas tem as bolinhas mais
espaçadas entre si; em B.1) duas porções de massinha de modelar formando bolinhas e
em B.2 uma dessas porções é alongada formando uma cobrinha; C.1) um líquido vertido
de uma vasilha curta e larga passando em C.2 para outra longa e fina. No estágio pré-
operacional as crianças respondem que, nos objetos mais “alongados”, como em A2, B2 e
C2, a quantidade é maior.

mais líquido. Ela não faz a conservação da substância. É como se


a mente da criança fosse “captada” por uma das dimensões do ob-
jeto e estivesse impossibilitada de considerar outra dimensão por
falta de desenvolvimento de sua estrutura mental, do seu “hardwa-
re”. Nos exemplos acima, tomamos uma das dimensões como a
alternativa escolhida, mas algumas crianças tomam como referên-
cia a outra dimensão em jogo. Esse processamento é totalmente
diferente se a criança já entrou no período seguinte (das operações
concretas), em que chega à conservação da quantidade e, mais tar-
de, à conservação do volume (testado em C).
106 Pisicologia Educacional

•• Período de operações concretas (apenas 7 a 12 anos) – neste


período, a criança deixa de confiar nas informações sensoriais e
passa a utilizar o raciocínio lógico. Resolve problemas no plano
do pensamento, o que anteriormente tinha de fazer na prática.
Aqui a criança consegue contar mentalmente e sua capacida-
de de categorizar e classificar objetos se expande. Distingue
a aparência da realidade: se o suco é despejado de uma vasilha
larga e curta para uma que seja estreita e alta, a criança, usan-
do as operações concretas, concluirá que a quantidade per-
maneceu a mesma, ao contrário da criança pré-operacional,
que poderia propor que a quantidade aumentou em virtude
do aumento do nível no recipiente estreito e alto. Nesta fase
consolidam-se as conservações, de número, substância, volu-
me e peso. O que caracteriza este período é a reversibilidade do
pensamento, que é importante para a realização das operações
matemáticas: soma, subtração, multiplicação e divisão.
•• Período de operações formais (a partir de 11 anos) – este
estágio é o ponto mais alto do desenvolvimento da inteligên-
cia, nele o sujeito domina totalmente o raciocínio abstrato, o
pensamento hipotético-dedutivo ou lógico-matemático. Se for
perguntado a um adolescente sobre o que está pensando, ele
poderá dizer que está pensando na vida ou no futuro. Quando
se pergunta: o que um homem faz deitado no chão? Para um
sujeito operacional, a resposta pode ser que ele está dormindo;
para o sujeito no período de operações formais, na resposta se-
rão criadas hipóteses de que o homem pode estar embriagado,
ter tido uma parada cardíaca ou outra coisa. Quando realizam
as operações formais, as pessoas trabalham com fatos ausentes Construtivismo
Termo utilizado para designar
e criam hipóteses para a solução de problemas, que é a forma abordagens que trabalham
de pensar típica do adulto. E, segundo Piaget, é própria do de- com a teoria da construção
do conhecimento. Para
senvolvimento da consciência. completar essa informação,
veja Construtivismo em sala
A teoria de Piaget lida ao mesmo tempo com desenvolvimento de aula, de Cesar Coll et al.
e com aprendizagem. Para ela, a construção do conhecimento é (2004), na sugestão de leitura.
vital, pois é disto que trata a epistemologia genética. Assim, essa
visão de Piaget também é tratada por construtivismo. Podemos Esta posição é exatamente o
oposto do que diz Vygotsky,
ainda destacar que para essa teoria a aprendizagem deve ser autor a ser tratado no
adequada ao desenvolvimento: o conteúdo a ser ensinado deve próximo tópico.
estar em acordo com os níveis de desenvolvimento dos sujeitos,
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 107

portanto não pode estar além do estágio de desenvolvimento dos


sujeitos. Ainda sobre a Teoria Construtivista de Piaget, é preciso
dizer que ela revolucionou os estudos acerca da formação da in-
teligência do homem e também que contribuiu para a renovação
pedagógica da escola. Ela teve uma grande contribuição para a
educação, sendo estudada por outros profissionais, inclusive pe-
dagogos, e aplicada ao ensino, que considerava que os homens
nascem com uma inteligência pronta e acabada.
Para os piagetianos, o conhecimento é uma construção contí-
nua e que ocorre na passagem de um estágio de desenvolvimento
para outro, formando novas estruturas que não estavam presentes
no sujeito. O ato de conhecer é dinâmico e ativo, um processo con-
tínuo de interação entre o homem e o mundo que visa à adaptação,
sendo o homem considerado um sistema aberto que promove a
reestruturação sucessiva do conhecimento. Para Piaget, a aquisição
do conhecimento ocorre em duas fases: fase exógena e fase endó-
gena. Na fase exógena, o sujeito entra em contato com o objeto do
conhecimento e faz cópia e repetição. Na fase endógena, ao entrar
em contato com o objeto, o sujeito procura compreendê-lo fazendo
combinações e relações e modificando suas estruturas mentais.
Ainda com relação a Piaget, é interessante falar de outro au-
tor que, retomando algumas das suas idéias, propôs a Teoria da
Aprendizagem Significativa: David Ausubel.

É interessante observar que, do ponto de vista dessa vertente


teórica, as relações sociais em sala de aula são fundamentais por-
que é valorizada a cooperação entre os alunos para resolução de
problemas de forma democrática. E o papel do professor é de um
coordenador que cria situações nas quais o aluno possa desen-
volver a sua inteligência e fazer indagações; esse papel pode ser
traduzido por: “o professor não ensina, ajuda o aluno a aprender”.
As atividades propostas pelo professor têm que estar em harmo-
nia com o período do desenvolvimento da criança, além de evitar
a rotina monótona. O aluno é um sujeito ativo que interage com
o objeto de modo a construir novos conhecimentos. Professor e
aluno trabalham de acordo com a proposta ou visão de educação
dessa vertente. O objetivo educacional, aqui, não é a transmis-
são de verdades, informações, modelos a serem copiados pelos
108 Pisicologia Educacional

alunos, e sim que o aluno aprenda por si próprio, sendo autôno-


mo intelectualmente para usar os recursos em novas situações.
O aluno será avaliado não por meio de instrumentos como tes-
tes, provas e notas cuja função seja apenas classificatória, mas de
instrumentos como observação contínua, elaborações e apre-
sentações, portfólios etc. que permitam verificar se ele fez aqui-
sições adequadas ao seu desenvolvimento e às suas condições,
como se deu o processo, cujo objetivo inclui poder diagnosticar
dificuldades (do aluno, do professor, das condições) para poste-
rior reorganização da situação ensino/aprendizagem.

5.2 A Contribuição da Teoria Histórico-Cultural


Os estudos de Vygotsky foram iniciados com a seguinte pergun-
ta: “Como o homem cria a cultura?”. A resposta ele foi buscar na
Psicologia e propôs como resultado uma teoria do desenvolvimen-
to intelectual, sustentando que todo conhecimento é construído
e desenvolvido por meio das relações sociais. Para esse teórico, o
homem, ao nascer, é um ser biológico que a vivência em sociedade
torna humano. Desde o nascimento, o homem vive rodeado por
seus pares, e dentro dessas relações sociais é que ele desenvolve as
funções superiores da mente; deste modo o homem é o resulta-
do do seu meio sociocultural. Vygotsky não dividiu o desenvolvi-
Lev Vygotsky (1896–1934)
mento em fases ou estágios, como o fizeram Freud e Piaget, mas nasceu na Rússia. Membro de
o definiu como um processo unitário e global, em que duas linhas uma família judia, estudou
com preceptores: artes,
confluem e se inter-relacionam. Para Vygotsky, a criança nasce do- literatura, línguas e, por fim,
tada de funções psicológicas primárias ou elementares: reflexos Psicologia. Foi professor e
morreu prematuramente aos
e atenção involuntária que, no entanto, podem ser modificados 37 anos com tuberculose.
com a convivência em sociedade. Enquanto o desenvolvimento Buscou no materialismo
natural produz funções com formas primárias ou elementares, o dialético a compreensão para
o desenvolvimento psicológico
desenvolvimento cultural permite a transformação dos processos do homem dentro da cultura.
elementares em superiores, o que representa um nível qualitativa-
mente diferente do funcionamento psicológico, como ocorre, por
exemplo, com a aquisição da fala após o segundo ano de vida.
Vygotsky colocou em destaque o papel dos signos e símbolos
os quais servem de mediação às ações e são construtos sociais
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 109

(OLIVEIRA, 1993). Para ele, a linguagem é o sistema simbólico


mais relevante para a aprendizagem (WOOLFOLK, 2000). Deriva-
-se de Vygotsky a seguinte conclusão: se os processos psicológicos
Signo
superiores típicos da espécie humana se constituem como tal graças
Signo Uma definição mais à mediação semiótica – a mediação com a ajuda do uso de signos –
geral de signo pode ser: e se esses signos são de natureza e origem histórica e cultural, logo,
algo que está no lugar de
algo para alguém. Há uma os processos psicológicos superiores serão processos de nature-
diversidade de signos: sinais, za e origem histórica e cultural, necessariamente. De acordo com
símbolos, ícones etc.
suas observações e com as leis a que chegou, os conhecimentos, tais
Símbolo
como a língua que se aprende e que se acaba falando, conhecimen-
Símbolo Símbolos são tos esses que vão contribuir para os processos de desenvolvimento,
signos em que não há uma vêm do grupo ao qual se pertence e assim se originam sempre entre
relação de semelhança ou de
contiguidade, mas sim uma pessoas, portanto eles são interpessoais, isto é, têm sua raiz inicial-
relação convencional entre mente no plano da relação com os outros e depois, à medida que
representante e representado.
Os emblemas, as insígnias e vai se dando o desenvolvimento, podem surgir no sujeito conforme
os estigmas são símbolos. ele se aproprie deles no plano individual, ou seja, podem torna-se
intrapessoal. Por exemplo, o caso do bebê que é capaz de “conver-
sar” com a sua mãe, já que ela lhe marca os turnos para falar. As
Ela mostra que o palavras que a mãe usa são as da sua sociedade e do seu grupo, e o
conhecimento já está
disponível no grupo social, por bebê pode vir a conhecer seu significado em função do diálogo que
exemplo, o que é uma faca, a mãe inicia. Aí está o que se chama de Lei da Dupla Formação.
como pode ser construída,
usada etc., portanto, é O aprendizado cultural transforma essas funções básicas em
interpessoal, e quando
alguém adentra esse grupo, funções psicológicas superiores: consciência, planejamento, entre
uma criança, por exemplo, outras. Essa evolução ocorre por meio da elaboração das informa-
pode se apropriar desse
conhecimento, que neste caso
ções recebidas do meio social. Para Vygotsky, a língua falada tem
se torna intrapessoal. um papel fundamental no processo de evolução mental do indi-
víduo, pois essa forma de linguagem pode ser usada para nossa
comunicação, tanto para informar ao outro como para simboli-
zar mentalmente (comunicação com nós mesmos). É por meio da
linguagem falada que dialogamos com alguém, assim, ele entende
que todo conhecimento é intermediado, alguém está sempre en-
sinando algo a outra pessoa, e o aprendizado é contínuo, não é
possível aprender sozinho, pois a ambiência sociocultural em que
vivemos já é fonte de aprendizagem.
É oportuno salientar dois conceitos fundamentais utilizados
por Vygotsky:
110 Pisicologia Educacional

• internalização ou apropriação – é o processo de reconstru-


ção interna pelo sujeito de um conhecimento ou conceito que já
estava colocado no mundo objetivo. Por exemplo, a linguagem que
já era falada por nossa família até antes de nascermos, e por meio
do convívio social é aprendida, ou seja, é internalizada e seu co-
nhecimento passa a ser do sujeito. Assim, o que era interpessoal
(do grupo) passa a ser também intrapessoal (meu, nosso), ou seja,
interno à pessoa; e
• zona de desenvolvimento proximal - ZDP – aquilo que
o sujeito realiza sozinho é seu desenvolvimento real. O que o
indivíduo só sabe realizar com a colaboração de outros, ou in-
clusive imitando, é seu desenvolvimento potencial; se ele o faz
com ajuda é porque esse desenvolvimento está prestes a aconte-
cer. Assim, a diferença entre o desenvolvimento potencial e o
desenvolvimento real é o que se chama de zona de desenvolvi-
mento proximal ou ZDP.
O conceito de ZDP é útil para explicar o processo de desenvolvi-
mento e aquisição do conhecimento e corresponde à distância entre:
1) o desenvolvimento potencial, ou seja, as possibilidades de desen-
volvimento; e 2) o desenvolvimento real. Por exemplo, se uma crian-
ça conhece os números de 0 até 9 (esse é o seu conhecimento real),
ela poderá aprender as dezenas (seu desenvolvimento potencial) des-
de que acompanhada e supervisionada por alguém que domine o
conhecimento e faça a mediação entre o que a criança já conhece e o
que poderá conhecer. O mediador pode ser um adulto, um livro ou
uma outra criança que já tenha o domínio do conteúdo a ser ensina-
do. Quando isto ocorre de fato, resulta numa aprendizagem que é
uma apropriação do referido conhecimento pelo sujeito, o que leva à
socialização do saber. Portanto, o desenvolvimento potencial é aqui-
lo que a criança ainda não domina sozinha, mas que em colaboração
ou com auxílio de alguém se torna capaz de realizar. Não basta que
alguém tenha mais conhecimento sobre determinada questão ou seja
mais “competente” para garantir que esse processo ocorra. Outros
aspectos do contexto interferem (cognitivos, sociais etc.) e, especial-
mente, os afetivos. Por exemplo, nas interações entre crianças, muitas
vezes aquelas menos “competentes” podem ser as “líderes” entre seus
pares. Isto certamente é válido nas interações adulto/criança.
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 111

As zonas de desenvolvimento proximais permitem novos


avanços do indivíduo até níveis superiores de desenvolvimento.
O traço principal da educação e do ensino é que pode produzir a
ZDP, ponto onde pode ocorrer a internalização. À medida que o
sujeito “incorpora” os conhecimentos da sociedade (pela aprendi-
zagem), ele se desenvolve. Ao se tomar em consideração a ZDP, o
que fica em foco é o “sistema social” em que as pessoas realizam
aprendizagens: como ocorrem ajustes recíprocos entre os sujeitos
envolvidos nas interações para que a aprendizagem ocorra. Um
exemplo pode ser o sistema criado pela atividade e reciprocidade
do professor e de seus alunos. E a ZDP, assim entendida, não per-
tence ao sujeito (aluno), nem ao ensino, mas pode ser entendida
como um campo interpsicológico (criado entre os envolvidos),
como uma “confrontação ativa e cooperativa” sobre os conheci-
mentos acerca de certa situação (ZANELLA, 2007, p. 112-113).
Vygotsky desenvolveu o conceito de ZDP por volta de 1931, de
acordo com Valsiner (1991 apud ZANELLA, 2007, p. 98), diante
de questões no seu trabalho como professor. Ele trabalhava com
crianças com necessidades especiais, para quem a colaboração é
particularmente importante nas atividades que realiza, sejam as es-
colares ou as demais atividades. Seu interesse pelo desenvolvimen-
to cognitivo surgiu neste seu trabalho (PAPALIA; OLDS, 2000). A
propósito: a expressão pessoa deficiente não é mais usada, pois ela
sugere que algo lhe falta, e, portanto, que essa falta está na pessoa.
Além disto, muitas vezes essa denominação está associada à visão
de culpa e castigo, sendo esse “castigo” tomado muitas vezes como
“ordem divina”. O uso desse termo, além de não ajudar no traba-
lho de educação e prevenção, contribui para reforçar preconceitos,
mantendo isoladas e segregadas as pessoas que mais precisam de
uma rede de apoio social. O termo PNE é usado para indicar que
se trata de Pessoa com Necessidades Especiais, o que indica que
Veja sugestões de leitura sobre
ela não tem algo que lhe é intrínseco, portanto não é uma pro-
o tema inclusão priedade sua. Outro termo que pode ser usado é PHD, indicando
Pessoas com Histórico de Deficiência.
Essa perspectiva do trabalho colaborativo, no qual o sujeito que
sabe “mais” auxilia os outros do grupo, dá dicas, às vezes, funcio-
nando como um monitor, pode ser fundamental também para o
112 Pisicologia Educacional

trabalho em salas onde há muitos alunos ou também grande hete-


rogeneidade entre os alunos.
No Brasil o pensamento de Vygotsky é chamado de histórico-
-cultural, sócio-histórico ou também sóciocultural. É interes-
sante observar que na Abordagem Histórico-cultural, assim como
no construtivismo piagetiano, o erro tem um papel fundamental
na aprendizagem, isto porque não se espera que a criança ou o
jovem acerte tudo ao tentar solucionar um problema. O erro faz

Uma diferença marcante entre Vygotsky e Piaget se refere à


relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Enquanto para
Piaget o ensino e a aprendizagem devem ser adequados ao está-
gio em que o sujeito está, para Vygotsky é o aprendizado que pro-
voca o desenvolvimento, ou seja, a relação deve ser inversa, pois
a aprendizagem estimula e ativa na criança um grupo de proces-
sos de desenvolvimento dentro do âmbito das relações com os
outros. De acordo com a Lei da Dupla Formação, pode ao final
ser transformado em desenvolvimento efetivo e real. Isto ocorre
pelo fato de o processo de desenvolvimento não coincidir com o
da aprendizagem, mas ocorrer depois dela. Aprender, em última
instância, é apropriar-se da cultura, e somente por meio da edu-
cação, que é um processo social, é que o ser humano evolui para
os processos mentais superiores. Essa concepção fica fácil de en-
tender quando se leva em consideração o papel que tem a ZDP.

parte do processo de aprendizagem e, para Vygotsky, com a me-


diação é possível levar o indivíduo ao conhecimento necessário
para a resolução do problema. Outros pontos valorizados nas duas
correntes são: o trabalho em grupo – para os dois autores o grupo
é uma condição que favorece o processo de ensino/aprendizagem
– bem como o papel do brinquedo para o desenvolvimento.
Outro aspecto interessante de se tratar é a relação entre concei-
tos espontâneos e conceitos científicos. Assim, podemos lembrar
que as pessoas não são espaços vazios – as tábulas rasas – mas
elas constroem conhecimentos para lidar com o dia-a-dia e as coi-
sas da vida. Ao se observar as pessoas em suas interações com o
meio ambiente e com as outras pessoas, verifica-se que constroem
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 113

conceitos (mediações) como gravidade, peso, tamanho... e que


muitos desses são espontâneos. É preciso reconhecer que as pes-
soas tenham consigo esses conceitos, já que elas lidam com a força
da gravidade no dia-a-dia, andam por aí sem cair...
A teoria histórico-cultural foi proposta por Vygotsky em cola-
boração com seus companheiros A. N. Leontiev e A. R. Luria; seus
colaboradores e discípulos mais próximos L. I. Boznovich, A. V.
Zaparozhets, D. B. Elkonin, R. E. Levina, N. G. Morosova, L.
S. Slavina, entre outros. Ela tem sido adotada como resultado da

Os conceitos espontâneos são bastante distintos dos con-


ceitos científicos: estes resultam de um trabalho sistemático e
representam conhecimentos a que a humanidade chegou após
muitos anos de trabalho! Assim, na sala de aula o professor deve
trabalhar para ensinar conceitos científicos. Porém, deve ter
como ponto de partida o reconhecimento de que o aluno já tem
um conceito (o espontâneo), bem como deve entender que o
novo conceito (o conceito científico) é apenas o começo de uma
aprendizagem: essa só se consolida como tal quando ele for ca-
paz de colocar em prática o novo conceito, ou seja, de aplicá-lo.

legislação nas escolas do Brasil e requer conhecimento adequado


do pensamento desse autor para que, ao ser aplicada, possa levar a
resultados condizentes à teoria.

Resumo
Para Piaget, a adaptação nos humanos é realizada pela inteli-
gência, ou seja, pela capacidade de construir conhecimentos, o que
ocorre à medida que o organismo se desenvolve e interage com o
seu meio ambiente. Buscando entender como acontece essa cons-
trução do conhecimento, ele elaborou uma teoria, a epistemologia
genética. De acordo com ela, as estruturas mentais ou esquemas
vão se construindo ao longo do desenvolvimento ou ontogênese.
Isto se dá através de etapas ou estágios, que são quatro: período
sensório-motor (entre 0 e 2 anos); período pré-operacional (de
114 Pisicologia Educacional

2 a 7 anos); período de operações concretas (de 7 a 12 anos); e


período de operações formais (a partir de 11 anos) – onde surge
o raciocínio abstrato. Uma vez que o conhecimento é desafiado
pelas questões que o sujeito enfrenta, ele busca as soluções, ou seja,
a equilibração, que pode se dar por dois mecanismos: assimila-
ção ou acomodação. Dentro da perspectiva piagetiana é impor-
tante averiguar em que momento de desenvolvimento se encontra
o aluno como condição para decidir sobre que conteúdos dispo-
nibilizar para sua aprendizagem. Assim, umas das principais con-
tribuições dessa abordagem é levar o educador a essa observação
do educando e de suas formas de raciocínio. Apostando no sujeito
ativo construtor do conhecimento, o papel do professor passa de
instrutor para o de coordenador do grupo de vários alunos, que
organiza as atividades de modo a criar desafios que instiguem a
construção do conhecimento, evitando a monotonia.
Já Vygotsky conclui que os processos psicológicos superiores
típicos da espécie humana se constituem como tal graças à me-
diação semiótica – a mediação com a ajuda do uso de signos. Es-
ses signos são de natureza e origem social e cultural, e, portanto
os processos psicológicos superiores são processos de nature-
za e origem social e cultural. De acordo com essa lei das teses
de Vygotsky, os processos de desenvolvimento humano de ordem
social e cultural originam-se sempre entre pessoas, têm sua raiz
inicialmente no plano da relação com os outros, portanto sua ori-
gem é interpessoal, e mais tarde surgem no plano estritamente
individual ou intrapessoal. Essa evolução ocorre por meio da ela-
boração das informações recebidas do meio social. Para Vygotsky,
a linguagem tem um papel fundamental no processo de evolução
mental do indivíduo, pois, se utilizamos a linguagem para nos
comunicarmos e para informar ao outro nas relações interpesso-
ais e também para simbolizar mentalmente e intrapsiquicamente,
ela é um poderoso instrumento de desenvolvimento. O conceito
de ZDP ou zona de desenvolvimento proximal que Vygotsky de-
senvolveu corresponde à distância entre: 1) o desenvolvimento
potencial, ou seja, as possibilidades de desenvolvimento de cer-
tas habilidades; e 2) o desenvolvimento delas já concretizado ou
real. O trabalho pedagógico deve ser realizado nas ZDPs: onde,
com apoio de outrem (professor, monitor etc.), é possível avanços
Contribuições sobre desenvolvimento e aprendizagem 115

do aprendiz para níveis novos e superiores de desenvolvimento.


O conceito de ZDP surgiu no trabalho de Vygotsky como pro-
fessor. De acordo com sua concepção no tocante à relação entre
aprendizagem e desenvolvimento, é a aprendizagem que precede o
processo de desenvolvimento: à medida que o aprendiz é instado a
aprender, isto o leva a desenvolver suas estruturas. O erro faz parte
do processo de aprendizagem, e com mediação é possível levar o
indivíduo a chegar ao conhecimento necessário para a resolução
do problema. Outro aspecto interessante é a relação entre con-
ceitos espontâneos e conceitos científicos: estes representam o
conhecimento produzido pela humanidade após trabalho sistemá-
tico, em contraposição àqueles espontâneos ou de senso comum.
Para que o estudante se aproprie deles por meio do trabalho peda-
gógico na escola, é importante a construção desse conhecimento,
e ele só é efetivo quando o sujeito é capaz de aplicar o novo con-
ceito de que se apropriou. A Abordagem Sociocultural exige que o
educador faça uma leitura dos aspectos sociais que estão presentes
no contexto de ensino/aprendizagem, aos quais nem sempre está
atento, tais como a que grupos sociais pertencem esses meus alu-
nos? Quais conhecimentos e linguagem trazem consigo em razão
de pertencerem a esses grupos? Ao lado dessa leitura do contexto
social, é preciso que atente aos aspectos do desenvolvimento in-
dividual e grupal: quais habilidades já se desenvolveram e quais
estão quase desenvolvidas (ou seja, como é a ZDP?) para propor
estratégias adequadas às aprendizagens efetivas.

Referências
OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento.
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c a p í t u lo 6
Desenvolvimento: o ciclo de vida
e seus períodos. Um pouco sobre
terceira infância, adolescência
e idade adulta
Neste capítulo, vamos estudar o conceito de ciclo vital, os
principais períodos em que se divide, destacando entre esses,
terceira infância, adolescência e idade adulta, além de suas
implicações para o processo de aprendizagem.
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 121

Vamos identificar aqui as características que servem para diferenciar os pe-


ríodos em que se divide o ciclo vital humano, bem como destacar nele três
períodos de maior interesse neste momento, a saber: terceira infância, ado-
lescência e idade adulta, com vistas a integrar conhecimentos e teorias acer-
ca deles e também pensar como os aspectos do desenvolvimento podem
afetar as interações sociais e, em particular, as atividades escolares.

6.1 O ciclo vital


Como disciplina científica, a Psicologia do Desenvolvimento
tem cerca de 100 anos. Mas suas preocupações são antigas: entre
os clássicos que dela trataram podemos falar de Platão (428−374
a.C.), para quem a criança já nascia com os seus talentos, passando
por Locke (1630−1704), que valorizava, acima de tudo, a expe-
riência na constituição do sujeito e propunha que o ser humano
podia ser considerado como uma tábula rasa, ou ainda Rousseau
(1712−1778), para quem o homem era bom por natureza, e, por
isto, sujeito a ser corrompido pela sociedade. Durante séculos, as
crianças foram consideradas como adultos menores, mais frágeis
e menos inteligentes. Com Rosseau começa a mudar esse pensa-
mento. Nos séculos XVII e XVIII movimentos culturais e religio-
sos como o Iluminismo e a Reforma Protestante propiciaram o
surgimento de estudos sobre o desenvolvimento da infância e atri-
buíram um papel importante à educação das crianças. No século
XIX o avanço fundamental foi liberar as crianças dos trabalhos
122 Pisicologia Educacional

pesados. Já no século XX estabelece-se definitivamente a concep-


ção da infância como período claramente diferenciado e, sobretu-
do, surge o conceito de adolescência.
Até o final dos anos 70 do século XX, os dois modelos explica-
tivos mais influentes na Psicologia eram o inatista e o empirista,
com forte predominância do primeiro, às vezes chamado de orga-
nicista. No final da década de 70, reagindo contra certas limitações
desses modelos, um grupo de estudiosos interacionistas formula
uma proposta conhecida pelo nome de Modelo do Ciclo Vital
(lifespan) ou também de desenvolvimento durante toda a vida.
Diziam que a Psicologia do Desenvolvimento (ou Evolutiva) tra-
dicional havia se ocupado somente do desenvolvimento de crian-
ças, esquecendo-se de que os processos de mudança psicológica
ocorrem em qualquer momento do ciclo vital, desde a concep-
ção até a morte. A partir dessa perspectiva, outros períodos do
desenvolvimento receberam mais atenção do que até então, como
o pré-natal, a adolescência, a idade adulta, e também o processo
de envelhecimento, que se tornaram visíveis bem como as inúme-
ras mudanças que aí ocorrem.
Existem mudanças que marcam cada período do ciclo vital e,
assim, servem para distinguir infância de adolescência ou essa
da idade adulta. Mas, se por um lado, algumas dessas mudanças
acontecem com as pessoas desde o surgimento da espécie huma-
na, por outro lado, os recursos disponíveis para estudá-las tam-
bém mudaram, ou seja, os avanços tecnológicos permitiram um
conhecimento melhor e mais detalhado dos fenômenos, e, conco-
mitante a isto, o entendimento que a sociedade faz deles também
tem mudado. Assim, como você leu acima, é só a partir de certo
momento da história que a infância foi reconhecida como uma
etapa do desenvolvimento humano; processo semelhante ocorreu
com a adolescência em meados do século XX e mais recentemente
em relação à idade adulta.
Certas mudanças representam pontos de transição importan-
tes no desenvolvimento e dão lugar a novas formas de compor-
tamento, criando pontos no desenvolvimento em que a interação
da maturação biológica e das mudanças comportamentais é tal
que implica numa reorganização do funcionamento da criança.
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 123

E toda mudança biocomportamental envolve mudanças no re-


lacionamento entre as crianças e seus mundos sociais, assim,
Cole e Cole (2004, p. 60) usam o termo mudanças biosociocom-
portamentais para indicar esses pontos de transição importan-
tes em que há convergência de mudanças biológicas, sociais e
comportamentais, dando origem a formas novas de comporta-
mento, distintas das anteriores e também à passagem para um
novo período ou etapa no ciclo vital.
As mudanças que cabem à Psicologia estudar na área de de-
senvolvimento não começam no nascimento do sujeito. Elas co-
meçam bem antes, ao longo de sua gestação, portanto bem antes
do parto. Por exemplo, a mãe/pai/família já tem um “projeto” de
filho/a, uma intenção, um sentimento; eles tomam atitudes e agem
também nesse período. Tomar o início do desenvolvimento como
sendo o momento do nascimento implica em ignorar a experi-
ência intrauterina e que “em um sentido muito concreto diante
do que se sabe hoje sobre o desenvolvimento do feto, o próprio
útero é um ambiente sociocultural” (CARVALHO, 2004, p. 11). É
de valor para a compreensão do desenvolvimento, entender que
“a gestação humana se completa fora do útero, no ambiente só-
cio cultural pós-nascimento” (Ibidem, p. 11), tendo em vista que o
ser humano nasce imaturo em vários aspectos, à exceção de suas
competências interacionais. Essa “gestação extrauterina” propor-
cionaria muitos ganhos numa espécie sociocultural como a huma-
na (Ibidem, p. 11). Dessas observações pode-se chegar à fórmula
sintética: o desenvolvimento humano inicia-se na concepção e vai
até a morte do sujeito.
É importante lembrar que o início do desenvolvimento ocor-
re também no início da gestação – até porque muitas medidas de
preservação da saúde de novo cidadão devem começar aí. Isto in-
clui exames pré-natais (toxoplasmose, sífilis, Rh, além de alimen-
tação da gestante, vacinação, evitação da exposição a raios X, a
doenças infecciosas etc.) e igualmente um bom acompanhamento
psicossocial, como pode ser o acompanhamento das adolescentes
grávidas, de gestantes pobres etc., buscando desenvolver suas ex-
pectativas, inclusive. Por outro lado, o parto em si é algo muito im-
portante, e as mudanças que ocorrem a partir do nascimento são
124 Pisicologia Educacional

sem dúvida notáveis, da mesma forma que os cuidados dispensa-


dos ao neonato são fundamentais. Sobre o desenvolvimento fetal
é interessante lembrar que há uma área de conhecimento que lida
com esse tema e que os recursos tecnológicos atuais nos facilitam
obter novos conhecimentos sobre ele e acompanhá-lo.
Para uma melhor descrição das mudanças que constituem o
processo de desenvolvimento, vários aspectos podem ser desta-
cados (o que foi apresentado no Capítulo 4), tais como o desen-
volvimento físico, cognitivo e psicossocial. Esses tópicos devem
nos ajudar a descrever de modo mais completo as alterações pelas
quais passam os seres humanos ao longo do seu desenvolvimen-
to. De forma semelhante, destacam-se os diferentes momentos
de desenvolvimento para ampliar seu estudo. Esses momentos
formam períodos do ciclo vital, o que ajuda a dar o devido des-
taque a um conjunto de mudanças. Os conjuntos de mudanças
permitem “fechar” cada um dos períodos no ciclo. A divisão
apontada por Papalia e Olds (2000, p. 27) em oito períodos é
apresentada no Quadro 6.1, em que esses se encontram caracte-
rizados de modo sintético.
Esses períodos são: 1. pré-natal; 2. primeira infância (ou o
bebê): de zero a 2,5−3 anos; 3. segunda infância (ou o pré-escolar):
de 2,5−3 anos a 6 anos; 4. terceira infância (ou o escolar): de 6 a
12 anos; 5. adolescência: 12 (?) a 20 anos (?); 6. jovem adulto: de
20 a 40 anos; 7. meia-idade: 40 a 65 anos; 8. terceira idade: mais
de 65 anos. É possível dividir o ciclo de vida humano em períodos
porque existem mudanças que são bastante observáveis e marcan-
tes, e também porque na maioria das sociedades ocidentais cada
período tem acontecimentos e preocupações característicos.
Essas divisões podem ser aproximadas e um tanto arbitrárias –
especialmente quando não existem critérios bem definidos, sejam
físicos ou sociais, para indicar a transição de um para outro perío-
do, o que pode acontecer particularmente na idade adulta. Por ou-
tro lado, é interessante ter uma visão das principais características
de cada um desses períodos, ao pensar como atuar na sala de aula
e nos ajustes necessários para lidar com os alunos, mas também
para nos compreendermos, para compreendermos outras pessoas
à nossa volta e igualmente as questões do nosso tempo: o aumento
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 125

das pessoas de terceira idade na nossa sociedade é uma realida-


de; como trabalhar para a qualidade de suas vidas é outra dessas
questões. Em razão do pouco tempo disponível neste momento
– estamos trabalhando na formação de professores para o Ensino
Fundamental de 5ª a 8ª série e também para o Ensino Médio, va-
mos nos ater a apresentar uma súmula sobre a terceira infância ou
fase escolar – de 6 a 12 anos, sobre a adolescência e a idade adulta,
fazendo um recorte do que nos interessa no presente curso.
Embora possa haver diferenças entre os teóricos sobre os dife-
rentes fatores do desenvolvimento, é preciso considerar a influên-
cia que as teorias do desenvolvimento tiveram e têm para a educa-
ção em geral bem como para a educação escolar, e também que a
educação deve ser considerada como um dos fatores explicativos
básicos das mudanças psicológicas que as pessoas experimentam,
pois as práticas educativas têm a função primordial de contribuir
com o desenvolvimento do ser humano.

Quadro 6.1 - Principais aspectos do desenvolvimento nos oito períodos do ciclo de vida
Período/Faixa Etária Principais Aspectos do Desenvolvimento
Pré-Natal Formação da estrutura e dos órgãos corporais básicos.
Da concepção até o O crescimento físico é o mais rápido de todos os períodos.
nascimento Grande vulnerabilidade às influências ambientais.
O recém-nascido é dependente, porém competente; todos os sentidos
funcionam ao nascimento.
O crescimento físico e o desenvolvimento das habilidades motoras são rápidos.
Primeira Infância ou A capacidade de aprender e a de lembrar estão presentes mesmo nas primeiras
Bebê: do nascimento semanas de vida.
até 2,5 a 3 anos A compreensão e a fala se desenvolvem rapidamente; a autoconsciência se
desenvolve no segundo ano.
O apego aos pais e a outros se forma aproximadamente no final do primeiro
ano de vida; o interesse por outras crianças aumenta.
Força e habilidades motoras simples e complexas aumentam.
A imaturidade cognitiva leva a muitas idéias ilógicas acerca do mundo; há
comportamento “egocêntrico”, mas a compreensão da perspectiva dos outros
Segunda Infância ou aumenta.
Pré-Escolar: de 2,5−3 As brincadeiras, a criatividade e a imaginação tornam-se mais elaboradas; jogos
a 6 anos sociodramáticos.
Independência, autocontrole e cuidado próprio aumentam; a família ainda
é o núcleo da vida, embora a relação com outras crianças comece a se tornar
importante.
126 Pisicologia Educacional

O crescimento físico diminui; a força e as habilidades físicas se aperfeiçoam.


As crianças passam a pensar com lógica, embora predominantemente
concreta; o egocentrismo diminui.
Terceira Infância ou
Memória e habilidade de linguagem aumentam; ganhos cognitivos melhoram
Escolar: de 6 aos 12
a capacidade de tirar proveito da educação formal.
anos
A auto-imagem se desenvolve, afetando a auto-estima; o amigos assumem
importância fundamental; grupos de pares; jogos com regras.

Mudanças físicas são rápidas e profundas: atinge-se a maturidade reprodutiva;


há um estirão abrupto de crescimento.
A capacidade de pensar abstratamente e usar o pensamento científico se
Adolescência: de 12 desenvolve; a curiosidade chega ao seu ápice; o egocentrismo adolescente
aos 20 anos persiste em alguns comportamentos.
A busca de identidade torna-se fundamental; os grupos de amigos ajudam a
desenvolver e a testar a auto-imagem; as relações sociais passam a ser mediadas
pela sexualidade; o relacionamento com os pais e a escola pode ser bom!
A saúde física atinge o máximo, depois decai ligeiramente.
• As habilidades cognitivas assumem maior complexidade.
Jovem Adulto: de 20
• Escolhas profissionais são feitas; o adulto toma suas decisões sobre sua vida.
a 40 anos
• Decisões sobre relacionamentos íntimos são tomadas: a maioria das pessoas se
casa; a maioria tem filhos.
Ocorre a deterioração da saúde física e o declínio da resistência e da perícia;
ocorre a menopausa e a andropausa.
A sabedoria e a capacidade de resolução de problemas práticos são
acentuadas; a capacidade de resolver novos problemas declina.
O senso de identidade continua a se desenvolver; há dupla responsabilidade:
Meia-Idade: de 40 a
de cuidar dos filhos e de pais idosos, o que pode causar estresse; a partida dos
65 anos
filhos tipicamente deixa o ninho vazio.
Sucessos na carreira atingem o máximo; para outros, ocorre um esgotamento
profissional.
Busca do sentido da vida assume importância fundamental; para alguns, pode
ocorrer a crise da meia-idade.
A maioria das pessoas é saudável e ativa, embora a saúde e a capacidade física
declinem um pouco.
A saúde vai depender também de atividades físicas, alimentação, convívio
social, saneamento básico etc.
O tempo de reação fica mais lento: isto afeta muitos aspectos do
funcionamento.
Terceira Idade:
A maioria é mentalmente ativa. A inteligência e a memória podem se deteriorar
de 65 anos em diante
em algumas áreas, mas a maioria das pessoas encontra modos de compensação.
A aposentadoria pode criar mais tempo para o lazer, mas pode diminuir a renda
e causar o isolamento social. As pessoas precisam enfrentar perdas em muitas
áreas (perda de suas próprias faculdades, perda de afetos) e a iminência da
própria morte.
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 127

6.2 De 6 a 12 anos: terceira infância


ou período escolar
Entre 5 e 7 anos a criança torna-se capaz de realizar ativida-
des e tarefas sem a supervisão de um adulto, bem como de buscar
instrução deliberadamente. Essas mudanças contribuem para que
a instrução sistêmica possa ser efetiva (COLE; COLE, 2004). Do
ponto de vista da Psicanálise, a terceira infância corresponde ao
período de latência, que é relativamente “calmo” em comparação
aos conflitos das fases anteriores ou da vindoura, a adolescência.
No limite inferior do período, lá pelos 6 anos, há tendência à se-
gregação por sexo: meninos brincam com meninos e meninas
com meninas, o que vai mudando até o fim do período, quando
o interesse pelo sexo oposto começa a crescer. É o período mais
sadio, do ponto de vista fisiológico, e de grande vitalidade, muita
atividade motora, resistência à fadiga, sono tranquilo e excelente
apetite, com grande capacidade de recuperação orgânica e bastan-
te autonomia para resolver seus problemas imediatos sem muito
auxílio do adulto. Apesar da saúde e da curiosidade pelo mundo,
neste período a criança apresenta grande instabilidade emocional:
os afetos vão de um polo ao outro rapidamente.
Seis ou sete anos corresponde à idade em que há o ingresso na
escola (ou saída da pré-escola), o que terá grande importância
para o processo de socialização, e também em que as crianças
são introduzidas à alfabetização e à escrita, processos bastan-
te complexos. Quando a iniciação escolar é bem-sucedida, ela
abre as portas para uma boa vida escolar. Do contrário, aí pode
se iniciar o insucesso ou o fracasso escolar (repetência, evasão,
atraso). Compare a taxa de repetência e evasão da 1ª série com
as demais séries do Ensino Fundamental e verá que nesta série
ela é maior. A entrada na escola pode significar dificuldades para
a criança, questionamentos à sua identidade em função da mu-
dança de ambiente (físico e social), visto que ela está vindo de
uma fase bastante autocentrada (ou egocêntrica, nas palavras de
Piaget). À medida que a criança adentra a escola, ela aumenta
sua independência em relação à família.
128 Pisicologia Educacional

Na visão de Piaget, a criança antes dos 6-7 anos está na fase pré-
operatória, não realiza as operações concretas (menos ainda as
formais), logo não tem a conservação de substância, de volume...
Nem a reversibilidade de pensamento. A partir dos 6-7 anos, do-
minaria as operações concretas: passa a trabalhar de modo mais
amplo que na fase anterior, mas seu processamento se dá apenas
na presença dos objetos concretos, visto que sua capacidade de
abstração seria limitada. Ainda de acordo com a teoria de Piaget, a
partir dos 11 ou 12 anos, ou seja, no fim desse período aqui consi-
derado, o sujeito entraria no período das operações formais, pas-
sando ao raciocínio semelhante ao do adulto, processando sobre
eventos ausentes, ou seja, é capaz de abstrair, construindo hipóte-
ses a partir de elementos que lhe sejam fornecidos.

6.3 Adolescência: dos 12 em diante... até os... 20?


Ela é desencadeada por um fenômeno físico: a puberdade. A Puberdade
Momento do
puberdade se inicia ao redor dos 11 anos nas meninas e aos 14 nos
desenvolvimento biológico
meninos. O crescimento físico ocorre de zero até em torno dos 20 em que aparecem
anos, portanto, durante a primeira infância, através da segunda, os caracteres sexuais
secundários, como seios
terceira e adolescência, até a entrada na idade adulta. Ele se dá por (mamas), barba etc. e
picos e patamares, durante ele, períodos de crescimento seguem- inicia-se o funcionamento
dos ovários e dos testículos;
-se a períodos com pouco ou nenhum crescimento. No entanto, à ocorre a menarca e o
época da adolescência, esse crescimento físico é muito mais abrup- aparecimento dos pelos
pubianos etc.
to, ocorrendo um espigão. Durante a infância o crescimento ocor-
re à razão de 4 a 6 cm por ano, sendo de 4 a 5 mm por mês. Na Esta mudança física marcante
contribui também para a
adolescência, essa mudança é abrupta: se ganha de 20 a 30 cm e até
“metamorfose” que ocorre na
30 kg, entre ossos e músculos, ou seja, 20% da estatura e 50% do adolescência.
peso final, em apenas 2 anos! Além disto, durante a infância a taxa
de crescimento do corpo é constante, e ele se dá de modo homogê-
neo, o que não ocorre na adolescência, pois esse é desigual: as per-
nas e o tronco crescem mais que o resto, e cada parte tem um rit-
mo próprio e com um gradiente decrescente da periferia (pés e
mãos; pernas e antebraços) para o centro (coxas e braços; por últi-
mo a cabeça), e assim o sujeito pode ficar bastante desproporcio-
nal, o que contribui para que se desequilibre, viva esbarrando em
tudo etc. Ao mesmo tempo que isto ocorre, o conhecimento que
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 129

ele tem sobre seu corpo é diferente de como ele é de fato, de quem
ele é naquele momento. O mapa do corpo do adolescente não
Sua representação muda tão rápido quanto o próprio corpo. Nosso corpo está repre-
no córtex cerebral.
sentado no córtex do cérebro, em duas regiões: o córtex motor,
que responde pelos movimentos; e o córtex sensorial, que respon-
de pela percepção das sensações. O hábito de ficar horas em frente
ao espelho que muitos adolescentes têm talvez seja um reflexo des-
sas alterações vividas e, quem sabe, uma forma de ajudar a ajustar
a autoimagem ao que se é de fato?

As descobertas das neurociências indicam que mais do que uma


questão de hormônios (sexuais) a adolescência é um período de
grandes mudanças no cérebro e pode ser considerada como o pe-
ríodo de transição do cérebro de criança para o cérebro de adulto
(HERCULANO-HOUZEL, 2005). Ele cresce de tamanho no iní-
cio da adolescência, porém algumas estruturas aumentam e outras
encolhem. Para apontar de modo sintético as mudanças do corpo,
pudemos falar sobre o embotamento – estruturas envolvidas com
os comportamentos motivados e o sistema de recompensas (como
o núcleo acumbente) perdem células. Isto faz com que surja um
130 Pisicologia Educacional

desinteresse por aquilo de que se gostava (os brinquedos de crian- Será por isto que é preciso
ça) e diminua a sensibilidade a estímulos. ouvir música tão alta?

Trocando em miúdos, surge o tédio. E também são favorecidas


as mudanças de humor, tornando-o suscetível a estas mudanças e
inclusive à depressão; o sistema de recompensa (onde se aprendeu
o que era reforço positivo ou negativo, a punição...) muda – mudam
gostos, desejos, interesses; há um aumento da impulsividade (pri-
meiro se age, depois se pensa no fato); concomitante à maior impul-
sividade, a pessoa se torna mais sujeita a riscos. Comportamentos
motivados implicam na antecipação de sensações de recompensas,
ou seja, em expectativas que resultaram das experiências passadas,
e com o embotamento é possível que apenas estímulos mais fortes
e poderosos tornem-se capazes de mobilizar o sujeito.
A mielinização (formação de capa de mielina) das fibras nervosas
nas várias regiões do cérebro torna a condução dos impulsos ner- Fibras nervosas sem a bainha
vosos muito mais eficiente. Há maior mielinização das fibras ner- de mielina (amielínicas)
conduzem impulsos com
vosas dos lobos cerebrais, o que leva a uma melhora nas habilidades a velocidade de 2m por s,
cognitivas, na memória de trabalho, na compreensão da linguagem ou seja, 7km/h; nas fibras
nervosas com a bainha
e da leitura. Os núcleos que participam da aprendizagem de sequ- de mielina (mielínicas), a
ências motoras sofrem cortes drásticos, e as habilidades motoras velocidade pode subir para
100m por s, ou seja, 360km/h,
cristalizam – isto ajuda a entender por que os grandes atletas e os e assim um sinal pode
grandes talentos em geral se fazem até a pré-adolescência. As sinap- atravessar o cérebro
em 0,002s.
ses formam-se durante toda a infância até o início da adolescência.
Isto é uma informação mais recente posto que até algum tempo se
considerava que essas eram formadas apenas até 3−4 anos, que era
considerado o período crítico para o desenvolvimento das habili-
dades de alguém. Essas descobertas confirmam que os adolescentes
são bastante susceptíveis às influências educativas da família e da
escola. Ao fim do processo amadurecem as regiões pré-frontais do
cérebro, o que permite o raciocínio abstrato e o aprendizado social,
originando o jovem adulto responsável – que é capaz de antecipar
as consequências de seu comportamento – e empático – consegue
inferir e prever as emoções dos outros e agir segundo suas previ-
sões – e que se insere de modo adequado na sociedade.
As mudanças físicas da adolescência são marcantes e têm
uma grande repercussão psicossocial. Muitos psicólogos, como
Bock, Furtado e Teixeira (1999), Ozela (2002) e outros, destacam
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 131

a adolescência como um fenômeno sociocultural, ocorrendo de


diferentes formas em diferentes lugares e/ou núcleos sociais e
familiares. Na nossa cultura a adolescência é marcada pelo re-
lacionamento com grupos de colegas e de amigos, e pela identi-
ficação entre os membros de um grupo. Essa identificação pode
ser percebida na “tendência à uniformização”, que leva a hábi-
tos, costumes e comportamentos semelhantes dos jovens. Essa
fase pode ser encarada como período de preparação do jovem
para ingressar no universo do adulto, em que este experimenta
papéis e realiza sua escolha profissional.

A adolescência, como fase do desenvolvimento, só foi “descoberta” no sécu-


lo XX (PAPALIA; OLDS, 2000). Anteriormente as crianças viviam as mesmas
mudanças corporais que os nossos adolescentes, mas, em geral, ingressa-
vam direto no mundo adulto por meio do aprendizado do trabalho e das
responsabilidades que assumiam. É só se lembrar de que até o final da dé-
cada de 50 um jovem de 18 anos era considerado um homem adulto e tran-
quilamente se casava e assumia o casamento. Se hoje um jovem de 18 anos
decidir se casar, dependendo do meio cultural onde vive, será um transtor-
no para a família e para o próprio jovem, uma vez que ele já não está prepa-
rado psicológica e socialmente para a vida de casado.
Nas culturas ocidentais, em virtude da própria organização social e das exi-
gências do mercado de trabalho, o adolescente (principalmente na classe
média) não é visto, e não se percebe, como preparado para o mundo “adulto”.
Já o adolescente que teve a sua origem e o seu desenvolvimento em classes
mais populares adentra o universo adulto por meio do trabalho, porque mui-
tas vezes lhe é exigido somente o preparo físico, e aos 15 o homem pode estar
biologicamente pronto para tal. Em culturas como as indígenas, não há ado-
lescência, pois essa é “resolvida” pelos “ritos de passagem”: os jovens passam
por provas que comprovam sua força e coragem e a partir daí ganham o di-
reito de ingressar no universo dos adultos. Culturas (tidas como mais simples)
muitas vezes lidam melhor que a nossa com essa fase, porque a solução não é
individual ou de cada família, mas do grupo: é comum nos rituais passagem
ocorrerem provas de coragem como colocar a mão dentro de uma luva com
tocandiras – formiga muito venenosa cuja picada é muito dolorida − realiza-
das durante um festival. Para as moças, há uma festa de apresentação à tribo
após ficarem reclusas durante a menarca, a primeira menstruação.

Uma das questões que o adolescente enfrenta é a de construir


a sua nova identidade. E nessa empreitada os jovens fazem uso
de vários recursos, como a participação em diferentes grupos so-
ciais, a eleição de ídolos e ícones que lhes proporcionem a revisão
132 Pisicologia Educacional

de valores. Esse período da vida de um indivíduo pode ser muito


interessante se o jovem souber vivê-lo e se possuir uma autoesti-
ma suficientemente forte para superar as mudanças corporais e a
dificuldade que enfrenta, tal como fazer uma escolha profissional
adequada. Para isto é importante contar com o apoio dos familia-
res e amigos. Outra questão importante para o adolescente é sua
relação com a escola. É na escola que o adolescente vai ter o espaço
social adequado para encontrar o seu grupo de referência, expe-
rimentar a sedução afetiva e sexual, colocar seus valores à prova,
identificar-se com pessoas que ele admira e também vivenciar os
últimos dias de sua infância por meio das travessuras com os pro-
fessores e os colegas.
Os psicólogos que “descobriram” a adolescência, como é o caso
de Stanley Hall, que foi pioneiro a tratar desse tema, assim como
os da teoria psicanalítica, consideravam a adolescência um período Granville Stanley Hall
(1844−1924). Psicólogo dos
de conflitos exacerbados e de luto, pois o jovem “perde” o corpo
EUA, criador da psicologia
e o lugar da criança. Hoje se reconhece esse período como sendo da criança e fundador da
sobretudo de muita criatividade – existem trabalhos que mostram Associação Americana de
Psicologia. Sua formação em
que a curiosidade atinge um pico exatamente aos 13 anos – bem Psicologia incluiu um
como de possibilidades, desde que o jovem tenha oportunidades de estágio com Wundt.
diálogo! Muitos têm preconceito com relação aos jovens, tratando-
-os como “aborrecentes”, o que corrobora com as ideias antigas (ou
ultrapassadas) e cria expectativas negativas que dificultam mais
ainda a maneira de lidar com nossos filhos, alunos, amigos etc.
Considerando-se ainda a teoria de Piaget, ela propõe que a par- A curiosidade ou ainda a
tir dos 11 ou 12 anos o jovem teria atingido o seu desenvolvimento busca de novidades é uma
pleno em termos de raciocínio e, assim, seria capaz de realizar as característica forte nos hu-
manos que está relacionada
operações formais, com capacidade de abstração, de lidar com fa- inclusive à sua sobrevivên-
tos ausentes (potencial que a Neurociência confirma). Alguns co- cia. Ela aumenta muito nes-
mentários parecem importantes. Uma forma de entender as des- te período, chegando a seu
cobertas de Piaget é que elas se referem ao desenvolvimento do ponto máximo, e ela pode
ser fonte de muito prazer,
raciocínio lógico-matemático. Afora outros questionamentos que
mas também pode levar a
sua teoria possa receber, investigações mostram que essa plenitude situações de risco.
do raciocínio ou o estágio das operações formais não ocorre de
forma tão automática e universal quanto sugerido pelo autor. As-
sim, pesquisas posteriores a ele indicam que os limites cronológi-
cos são diferentes do proposto e que um número significativo de
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 133

sujeitos adolescentes não atinge plenamente esse estágio. Alguns


trabalhos com estudantes universitários, por exemplo, mostraram
que apenas 20% a 25% desses atingiam esse estágio. Essa caracte-
rística não criava dificuldades particulares para eles, a menos que
estivessem cursando áreas que exigiam diretamente o uso desse
raciocínio (MARCHAND, 2001).
Outra questão que atinge os adolescentes e provoca muitos con-
flitos é a escolha de uma profissão, sejam os escolarizados, que pre-
tendem ingressar no ensino superior, sejam os que vão ingressar
diretamente no mercado de trabalho. De 19 a 21 anos o jovem
pode passar a assumir a responsabilidade primária sobre si mesmo
e envolver-se com o início de uma nova geração. Esses dois pontos
parecem ser aqueles que levam à passagem para o período seguin-
te: a idade adulta (COLE; COLE, 2004).

6.4 A idade adulta


Talvez a característica mais marcante da idade adulta seja a
autonomia: um sujeito que se pensa adulto decide por conta pró-
pria a sua vida. Portanto, do ponto de vista cognitivo, de dis-
cernimento, o sujeito já atingiu um estágio de maturidade que
lhe permite arcar com as decisões e as consequências delas. Isto
sugere que, além da maturidade intelectual, o sujeito seja social-
mente independente, isto é, trabalhe e arque com sua própria
existência. Até que ponto isto é verdade? Aqui podemos lembrar
que há uma crise de emprego – no contexto social atual a tec-
nologia expulsa muitas pessoas do mercado; geralmente são os
jovens que nem começam a trabalhar os mais atingidos, pois são
a mão-de-obra menos qualificada, especialmente aqueles que
abandonaram a escola. E podemos lembrar até a adultecência
– tendência dos jovens adultos de permanecer no núcleo fami-
liar original, sem constituir uma nova família e muitas vezes não
assumindo muitas responsabilidades. Esse termo faz referência a
esses adultos “irresponsáveis”: em decorrência da valorização do
aspecto jovem pela sociedade, ninguém mais quer envelhecer e
ser um velho, e assim fica-se na adultecência.
134 Pisicologia Educacional

Considerando-se que o principal significado de estar adulto seja


o autogerenciamento e a autonomia, isto é possível porque o sujeito
desenvolveu plenamente suas capacidades físicas, cognitivas e afe-
tivas, podendo estar relacionado com as outras pessoas de modo
coordenado – diferentemente da criança ou do jovem que depende
dos mais velhos para garantir sua educação e sobrevivência. Esse
aspecto da identidade, de quem sou eu, deve servir de referência
para as relações pedagógicas, especialmente quando tratamos dos
alunos adultos. A forma de organizar as atividades deve ter isso
como referencial. O adulto é alguém que detém conhecimentos,
ainda que estes não sejam os saberes escolares, a língua padrão ou
a matemática formal. Reconhecer isto deve ser a primeira medida.
Considerando-se novamente a teoria de Piaget sobre os es-
tágios cognitivos, coloca-se hoje a possibilidade do desenvolvi-
mento de operações pós-formais. Os psicólogos que trabalham
nessa área propõem a existência do estágio da sabedoria ou ain-
da o raciocínio dialético: este capacitaria o sujeito a lidar com as
contradições que se apresentam na vida, indo além do raciocínio
formal (MARCHAND, 2001).
A idade adulta não é homogênea. Ela pode ser subdividida em
adulto jovem, meia-idade e terceira idade. Para entender melhor a
vida do adulto, reveja o Quadro 6.1, suas próprias observações em
relação às pessoas com quem convive e veja algumas das sugestões
de leituras abaixo.

Resumo
Como disciplina científica, a Psicologia do Desenvolvimento
tem em torno de 100 anos. No século XIX o avanço fundamen-
tal foi liberar as crianças dos trabalhos pesados. Já no século XX
estabelece-se definitivamente a concepção da infância como pe-
ríodo claramente diferenciado, e, sobretudo surge o conceito de
adolescência. No século XX, até o final dos anos 70 do século
XX, os dois modelos explicativos mais influentes na Psicologia
eram o inatista e o empirista. Reagindo contra limitações des-
ses modelos, surge a proposta do Modelo do Ciclo Vital ou de
Desenvolvimento: o ciclo de vida e seus períodos 135

desenvolvimento durante toda a vida de que os processos de


mudança psicológica ocorrem em qualquer momento do ciclo
vital, desde o nascimento até a morte. Ocorrem mudanças nos
sujeitos humanos que marcam as passagens ao longo do ciclo vital
e, assim, servem para distinguir períodos dentro do ciclo, tais
como infância da adolescência ou esta da idade adulta. A partir
de certo momento da história, essas mudanças ganham destaques
como resultado das concepções filosóficas, do desenvolvimento
dos instrumentos de investigação etc., permitindo inclusive que
se tornem objeto de estudo da Psicologia. As mudanças que ca-
bem à Psicologia estudar na área de desenvolvimento começam
antes do nascimento, e assim medidas de preservação da saúde
física e psicológica devem começar pelo menos desde a gravidez.
Geralmente as mudanças em cada fase do ciclo são marcantes,
sejam físicas ou sociais, o que permite dividir o ciclo vital em oito
períodos: pré-natal, 1ª, 2ª e 3ª infância, adolescência, adulto jo-
vem, de meia-idade e de 3ª idade. É interessante ter uma visão do
que ocorre em cada um desses períodos.
Ao entrar na escola, a criança aumenta sua independência em
relação à família. É uma fase de boa saúde se comparada com a 1ª
infância, de grande atividade motora e cognitiva. De acordo com a
teoria de Piaget, as crianças entram no período das operações con-
cretas (em torno dos 7 anos) e, ao fim dele, no período das opera-
ções formais e do raciocínio abstrato (em torno dos 11−12 anos).
Adolescência: os psicólogos que “descobriram” a adolescência no
século XX, como Stanley Hall, destacaram os conflitos dentro des-
sa fase. Mesmo que não haja unanimidade entre eles sobre seu sig-
nificado, hoje a Psicologia dá destaque a aspectos positivos do pe-
ríodo, como a grande capacidade criativa. O crescimento físico e a
puberdade desencadeiam a adolescência, porém suas repercussões
são psicológicas e sociais. Do ponto de vista psicológico podemos
destacar, entre outras coisas, a identificação com o grupo de cole-
gas e amigos da mesma idade (não mais com a família), de crise de
identidade (como não ser mais criança/filho, não ser ainda inde-
pendente e não reconhecer seu próprio corpo). Do ponto de vista
social essa fase pode ser encarada como preparação do jovem para
ingressar no universo do adulto, em que este experimenta papéis
136 Pisicologia Educacional

e realiza sua escolha profissional. Em sociedades tradicionais os


rituais de passagem resolviam muitas dessas questões. Talvez, a
maior característica da idade adulta seja a autonomia. Um sujeito
que se pensa adulto decide por conta própria a sua vida. Ao lado
disto, em decorrência da valorização do aspecto jovem pela socie-
dade, ninguém mais quer envelhecer e ser um velho, e assim pode
aparecer a adultecência. Os psicólogos que trabalham nessa área
propõem a existência do estágio da sabedoria ou, ainda, o raciocí-
nio dialético, que capacitaria o sujeito a lidar com as contradições,
indo além do raciocínio formal. A idade adulta não é homogênea,
mas pode ser subdividida em adulto jovem, meia-idade e terceira
idade. Embora possa haver diferenças entre os teóricos sobre o pa-
pel dos diferentes fatores no desenvolvimento, é preciso conside-
rar a influência que as teorias do desenvolvimento tiveram e têm
para a educação, bem como para a educação escolar. A educação
deve ser considerada como um dos fatores explicativos básicos das
mudanças psicológicas: as práticas educativas têm a função pri-
mordial de contribuir com o desenvolvimento do ser humano.

Referências
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Sugestão de leitura
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MOURA, M. L. S.; RIBAS, A. F. P. Bebês: ciência para conhecer,
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MUSSEN, P. H.; CONGER, J. J.; KAGAN, J.; HUSTON, C. A.
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2000.
REVISTA MENTE&CÉREBRO. A mente do bebê. São Paulo:
Duetto, n. 3-4, out./nov. 2006. ______. O olhar adolescente. São
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ROGOFF, B. A natureza cultural do desenvolvimento humano.
Porto Alegre: ArtMed, 2005.
c a p í t u lo 7
Aprendizagem em foco: sua
importância. Algumas de suas
múltiplas formas. Aprendizagens
por associação e a visão
behaviorista
Neste capítulo, trataremos dos processos de aprendizagem,
ressaltando sua importância na sobrevivência e nas relações
humanas, e de como isto extrapola o espaço da escola. E tam-
bém, ocorrendo numa variedade de contextos, as formas de
aprendizagem podem variar. Identificaremos algumas dessas
formas de aprendizagem, como empatia, imitação, habitua-
ção, aprendizagem social, condicionamentos respondente e
operante. Retomando o fio da história da Psicologia, aponta-
mos a contribuição do behaviorismo para o seu estudo.
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 141

Em geral, pensamos em aprendizagem e logo nos ocorre a lembrança da


escola. No entanto, nem sempre houve escola como local de aprendiza-
gem nas sociedades humanas, como você viu no capítulo sobre o início da
Psicologia Educacional, e principalmente a aprendizagem ocorre no dia-a-
-dia das pessoas em qualquer local onde estejam. De acordo com Sylva e
Lunt, “mais aprendizagem se dá fora que dentro da escola” (1994, p. 161),
e talvez também essas aprendizagens que ocorrem fora da escola sejam as
mais importantes. O que lhe parece?

7.1 Vários tipos de aprendizagem ocorrem


nas interações sociais
Outra consideração importante é dizer que os psicólogos quan-
do tratam da aprendizagem a consideram algo díspar dos pedago-
gos, pois a consideram como um processo geral que ocorre com
outros animais, além do homem, ressaltando assim sua importân-
cia na sobrevivência e igualmente ampliando seu contexto para
além do contexto escolar.
Sobre o fenômeno da aprendizagem, há que reiterar o que disse-
mos anteriormente: várias teorias tratam dela, mas nenhuma delas
sozinha consegue explicar completamente esse fenômeno. Assim,
é preciso lidar com algumas dessas teorias na busca de uma visão
mais abrangente. Para ter claro o que está sendo entendido como
aprendizagem, podemos reafirmar o dito anteriormente, dizendo
que aprendizagem é uma mudança de comportamento, a aquisição
142 Pisicologia Educacional

de conhecimento e de novas habilidades (com certa duração) e re-


sultante das experiências a que o sujeito foi exposto. Quer adote-
mos essa definição bastante usada, quer adotemos uma outra mais
complexa, em qualquer dos casos o que definimos sob o rótulo
de aprendizagem é um fenômeno que resulta de passarmos por
circunstâncias, situações ou experiências, ou seja, acontece como
produto de influências ambientais determinadas.
Por meio das interações sociais aprendemos o que é importan-
te para a nossa sobrevivência: conhecimentos, valores, atitudes, a
falar a língua do nosso grupo etc. Desde muito cedo, aprendemos
pelas interações a identificar emoções nos outros e também pela
empatia, que é a capacidade de perceber (ou imaginar) e compre-
De acordo com Aglioti e
ender estados mentais e intenções de outrem, podemos nos iden-
Avenanti (2007, p. 52) pode
tificar com elas. Essa capacidade humana parece ser uma condição ser de dois tipos: cognitiva
importante para que a cooperação possa se desenvolver. – relacionada à capacidade
de adotar e compreender a
Em certas situações é fácil observar que um gesto de uma pes- perspectiva psicológica das
outras pessoas; e afetiva –
soa logo é seguido por outras pessoas, como se houvesse um con- que se refere à habilidade
tágio social. Um bom exemplo é o do bocejo: num grupo, alguém de experimentar reações
emocionais por meio da
boceja, logo, logo, muitos estão bocejando... Daí o nome contágio. observação das
Pensa-se que esses contágios podem contribuir para os entrosa- experiências alheias.
mentos do grupo. Esse fenômeno é considerado uma forma de
aprendizagem e também como uma modalidade inconsciente e
primitiva de empatia, que é comum em animais sociais e que não
exige a compreensão exata do que o outro está experimentando.
Sabe-se, por exemplo, que o recém-nascido já nasce com a
capacidade de reagir à face humana, podendo assim copiar ex-
pressões do rosto de pessoas que estejam dentro de seu campo
visual. Informações a esse respeito foram colhidas (não só pe-
los pais) por várias observações e experimentos, o que não foi
suficiente, até recentemente, para que não causassem bastan-
te polêmicas. Num desses experimentos realizados em 1977, o
autor, o psicólogo desenvolvimentista, Meltzoff, “pôs a língua”
para um recém-nascido e viu seu gesto ser imitado, ou seja, “co-
piado”. Recém-nascidos com até 1 hora de vida já apresentam a
capacidade de realizar essa imitação, que pode ser de outros mo-
vimentos também, como esticar o lábio ou abrir a boca (MOU-
RA; RIBAS, 2005). Na aprendizagem por imitação, alguém pode
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 143

replicar exatamente os gestos de outra pessoa e atingir os mes-


mos resultados finais aproximadamente da mesma forma. Essa
é uma forma de aprendizagem bastante adaptativa que pode ser
rápida e também pode facilitar a ocorrência de outras formas
de aprendizagens. Para alguns estudiosos como o neurocientista
Marco Iacoboni, da Universidade da Califórnia, a imitação é “um
mecanismo-chave para o aprendizado porque ajuda a evitar o
desperdício de tempo com tentativas e erros” (LEAL, 2007, p. 1).
A capacidade de compreender os estados mentais alheios pela
empatia ou mesmo de repetir exatamente um gesto observado
pela imitação resultaria de um mecanismo de ressonância inter-
na que permite simular, ou seja, repetir mentalmente aspectos
emocionais, perceptivos e motores das pessoas que observamos.
Essa simulação interna possibilita que nos coloquemos virtual-
mente no lugar do outro. Essa pode ser igualmente a base para a
troca de papéis apresentada pelo Psicodrama como uma etapa do
desenvolvimento emocional e também técnica de trabalho das
relações humanas.
Na Psicanálise o conceito de identificação, cuja ocorrência e
intensidade oscilam ao longo do desenvolvimento, é interessante
para descrever alguns fenômenos, tais como: crianças, durante a
primeira e segunda infância, assumem papéis sexuais ao desenvol-
verem brincadeiras em que copiam um dos genitores; adolescentes
vestem-se de forma semelhante à dos amigos ou de seus ídolos; ou
também, alunos na relação com os professores que admiram. Nos
exemplos apontados desse mecanismo de defesa, estamos de fato
tratando de situações de aprendizagem.
Nossa compreensão sobre essas formas de aprendizagem tornou-
-se melhor a partir da descoberta de que existem neurônios-espelho,
“as células que aprendem”. Eles foram descobertos na universidade
de Parma, na Itália, em 1996, durante um experimento em que um
macaco tinha suas atividades cerebrais monitoradas. Pode-se desco-
brir aí que no cérebro desse animal havia um tipo especial de célu-
las, os “neurônios-espelho”, pois esses disparam quando o animal vê
ou ouve uma ação, e na ocasião ocorreu quando um dos pesquisa-
dores esticou a mão para comer. Posteriormente, descobriu-se que
os seres humanos têm neurônios-espelho muito mais perspicazes,
144 Pisicologia Educacional

flexíveis e evoluídos do que os encontrados nos macacos, pois têm


múltiplos sistemas de neurônios-espelho especializados em execu-
tar e compreender não apenas as ações dos outros, mas também as
suas intenções, contribuindo assim, para as habilidades sociais so-
fisticadas nos seres humanos. Os neurônios-espelho acham-se es-
palhados nas partes fundamentais do cérebro − córtex pré-motor,
centros da linguagem, empatia e dor − e disparam no momento em
que realizamos uma ação, mas também quando observamos alguém
realizar essa ação (LEAL, 2007). Albert Bandura nasceu
no Canadá. Recebeu seu grau
Na aprendizagem por observação, também chamada apren- de Bacharel em Psicologia na
dizagem vicária, o sujeito que emite um comportamento funcio- Universidade da Columbia
Britânica em 1949. Foi
na como um modelo para os outros e não há reprodução do presidente da APA, American
comportamento ponto a ponto, como na imitação. A Teoria da Psychological Association, em
1973 e recebeu prêmio dessa
Aprendizagem Social trata da aprendizagem por observação e associação por suas con-
foi defendida por Bandura. tribuições científicas em 1980.

Essa teoria destaca que o status desse modelo assim como as


consequências que seu comportamento tem contribuem para au-
mentar ou diminuir as chances de que o modelo seja seguido. Os
modelos podem ser os adultos, as crianças ou os jovens da mes-
ma idade, ou seja, seus coetâneos, o personagem do filme, da no- Para saber um pouco
mais sobre este tipo de
vela etc. Ela aceita vários princípios da teoria behaviorista, mas
aprendizagem, consulte
destaca outros aspectos, tais como atitude, crenças etc., ou seja, DAVIS, C., nas sugestões
as influências sociais na aprendizagem. Essa teoria pode ser situ- de leituras.

ada como uma articulação entre o behaviorismo e o cognitivismo


(GAONAC’H; GOLDER, 1995).

7.2 Outras formas comuns de aprendizagem


Até aqui falamos de alguns tipos de aprendizagem como a fa-
cilitação social, a empatia e a imitação. Existem outras formas de
aprender que são relativamente simples e comuns e desde o início
da vida, como é o caso da habituação, ou seja, ocorre quando algo Habituação
A habituação ocorre quando
deixa de ser novidade para nós e deixamos de prestar atenção nele. a resposta a um estímulo
Essa forma de aprendizagem permite “economizar” respostas para específico diminui ou deixa
de ocorrer como resultado
estímulos que não são relevantes e assim que o organismo se man- da exposição repetida
tenha atento a aspectos do ambiente que são relevantes para sua ao estímulo.
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 145

sobrevivência. Ela está presente desde o recém-nascido e pode ser


evitada na sala de aula com aulas dinâmicas nas quais as novidades
estejam presentes.
Muitas aprendizagens acontecem de forma espontânea, como,
por exemplo, no bebê ficar de pé, reconhecer a mãe, aprender
a língua do seu grupo etc. Muitos psicólogos concordam com a
necessidade humana de maestria (mestria) ou domínio, ser mo-
tivadora de muitos esforços para aprender. Essa necessidade e mo-
tivação (intrínsecas ao sujeito) sugerem que é a satisfação em si,
de realizar a atividade, que leva alguém a realizá-la e a aprender
a realizá-la. Ainda que ela esteja presente em grande intensidade
durante a infância, desde o recém-nascido, a aprendizagem para o
domínio pode ser mantida mesmo na escola, quando o estudante
aprende pela satisfação própria ao adquirir o conhecimento. Por
outro lado, nem todas as aprendizagens resultam da mestria. Al-
gumas delas dependem de consequências externas para o sujeito,
como recompensas ou punições.
Thorndike colocava um gato faminto dentro de uma gaiola e
Edward Lee Thorndike um pouco de comida fora da gaiola à vista do gato, e esse devia
(1874−1949), cientista
achar uma solução para sair ou encontrar a comida. Ele observou
dos EUA, interessou-se por
aprendizagem depois de ser que os gatos emitiam vários comportamentos na tentativa de esca-
aluno de Wiilliam James. par da prisão: arranhavam, espremiam o corpo por meio de qual-
Seus resultados, bem como os
de Pavlov, serviram de base quer abertura, colocavam as patas em qualquer abertura na
para Watson desenvolver tentativa instintiva de fugir da gaiola sem prestar atenção à comi-
seu Manifesto. Trabalhou
com peixes, aves e gatos em da. Thorndike concluiu que os animais, inclusive o homem, resol-
situações de aprendizagem, vem os seus problemas pela aprendizagem por tentativas ou
chegando então à
Lei do Efeito.
ensaio-e-erro. Assim, ele propôs a Lei do Efeito: as consequências
resultantes dos comportamentos são determinantes para que se
repitam ou não, como o fato de obter comida após abrir a porta da
gaiola fazia com que o animal voltasse a abri-la. Ele mediu o tempo
que o animal ficava dentro da gaiola; inicialmente os animais fica-
vam de 8 a 10 minutos tentando sair a todo custo (emitindo com-
portamentos), até que encontravam a saída. O tempo que o gato
demorava para sair diminuía a cada nova vez que o animal era
colocado na gaiola: a cada tentativa havia uma melhora no desem-
penho. Assim ele chegou à Lei do Efeito. Veja Figuras 7.1 e 7.2.
146 Pisicologia Educacional

Essa forma de aprendizagem é muito im-


portante para os animais em geral e o homem
em particular. A exploração e também a curio-
sidade por si sós já contribuem para que se
busque conhecer as coisas. Ao lado disso as
consequências positivas que nossas ações têm,
ou seja, pela Lei do Efeito, podem nos manter
como pessoas que buscam ativamente o co-
nhecimento; se formos felizes nisso, além da
satisfação de descobertas interessantes, pode-
mos receber reconhecimento do nosso grupo
social. Já as consequências negativas podem
acontecer se colocarmos o nariz num frasco de Figura 7.1 – Gaiola de teste de Thorndike
amoníaco ou quando o professor dá uma nota
baixa porque você fez uma pesquisa por conta própria... As desco-
bertas de Thorndike sobre o controle do comportamento por suas
consequências foram retomadas por Skinner, esse controle passou
a ser chamado de condicionamento operante ou instrumental.

7.3 A contribuição da visão behaviorista A corrente empirista, que


marcou a filosofia europeia
Tomando aprendizagem como produto de influências ambien- do século XVIII, diz que o
ser humano ao nascer deve
tais, é fácil entender que a corrente empirista – que valoriza a ex- aprender tudo, desde as
periência, a empiria – em Psicologia tenha se dedicado a estudar capacidades sensoriais mais
elementares, aos componentes
com muito afinco a aprendizagem e que esta tenha se tornado seu adaptativos mais complexos:
fenômeno central. A Behaviorista ou Comportamentalista, às ve- tudo é aprendido sob efeito da
estimulação ambiental, via o
zes também chamada simplesmente de Teoria da Aprendizagem, sujeito humano como
é uma corrente que se define por ser ambientalista e empirista. uma tábula rasa.
Coerentemente com esse pensamento, a aprendizagem torna-
-se para ele o fenômeno central da teoria e da Psicologia. Outras
influências como o momento do ciclo de vida, as características
hereditárias da espécie etc. não são colocadas em pauta. O Beha-
viorismo surgiu no começo do século XX, a partir do “Manifesto
Behaviorista” proclamado em 1913 por Watson, postula que se
pode explicar o comportamento em geral descrevendo a relação Reveja este tópico
no Capítulo 2.
entre os estímulos – características do ambiente – e as respostas
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 147

– características do comportamento. Deu-se um papel capital ao


Sucesso
ambiente e, portanto, às aquisições determinadas pelas proprie-
dades desse ambiente.
Apesar de essa teoria nos parecer muito simplificadora da reali-
dade e dos fenômenos psicológicos, ela conquistou corações e
mentes e foi hegemônica nos meios acadêmicos durante um bom
tempo: em torno de 1915 até lá por 1950−60! Além de usar a
Tentativas
aprendizagem como explicação dos fenômenos psicológicos, essa
Figura 7.2 – Curva de era entendida principalmente como resultante de associação de
aprendizagem hipotética eventos, por isto é chamada também de associacionismo.
A aprendizagem por associação, enfatizada nessa teoria, é uma
das formas mais comuns de aprender e vem sendo estudada des-
de a Antiguidade Clássica. Sua versão moderna, mais sofisticada,
agora sob o olhar da Ciência, remete ao fenômeno dos condicio-
namentos. Existem duas formas de condicionamento: o condi-
cionamento respondente (também chamado de clássico, de Pavlov
ou tipo I) e o condicionamento operante ou instrumental (tam-
bém chamado de tipo II ou de Skinner).

7.4 Pavlov e o condicionamento respondente


Pavlov estudava a salivação de animais (cães) em laboratório
Ivan Petrovich Pavlov (1849– quando descobriu que seus animais experimentais passavam a sa-
1936), fisiologista russo que
livar antes mesmo de receberem a comida à medida que eram
descobriu o condicionamento
respondente, também submetidos ao experimento, e que isto se desenvolvia apenas com
conhecido como os sons dos passos do tratador! O esperado era que os cães sali-
condicionamento de Pavlov.
Ele recebeu o prêmio Nobel de vassem apenas quando tivessem alimentos na boca. Diante dessa
Fisiologia em 1904. resposta inesperada, Pavlov decidiu estudar melhor o que estava
acontecendo e, para isto, trabalhando no laboratório, colocou um
tubo de coleta para ter maior controle da quantidade de saliva
produzida pelo alimento (uma mistura de carne e biscoito), ou
seja, diante do estímulo incondicionado. Acompanhe pela Figu-
ra 7.3. No início do experimento, os cães ouviam a sineta, um
estímulo neutro, que não tinha nada a ver com a resposta e não
salivavam. A seguir o alimento (estímulo incondicionado) era
apresentado e, ao mesmo tempo que isto ocorria, era produzido o
148 Pisicologia Educacional

estímulo neutro, no caso o som de uma sineta. A saliva aumenta-


va muito quando o alimento era posto na boca dos animais, isto
é, a resposta reflexa, de salivar, acontecia na presença do alimen-
to. No entanto, o experimento de Pavlov consistiu em inovar e
apresentar os dois estímulos ao mesmo tempo, ou seja, empare-
lhar alimento (o estímulo incondicionado) e a sineta (estímulo
neutro) para os cães e também realizar várias repetições do pro-
cedimento de forma a garantir sua aprendizagem (DAVIDOFF,
2004). O passo seguinte foi retirar a comida e apresentar somente
a sineta aos animais para ver se eles salivavam e o quanto saliva-
vam. Ao final do experimento, os animais salivavam apenas ao
som da sineta (na ausência do alimento).

Figura 7.3 – Experimento no qual Pavlov estudou o condicionamento reflexo

A essa aprendizagem foi dado o nome de condicionamento


respondente ou reflexo. Por que condicionamento? Porque a sineta
só estimulava a resposta de salivar se a condição associada à co-
mida ocorresse; e respondente ou reflexo porque as respostas e os
comportamentos que podem ser aprendidos são aqueles que já te-
mos no rol das respostas automáticas e involuntárias que defen-
dem nossa sobrevivência. Elas podem ocorrer na presença de uma
ameaça e de outros estímulos, como o salivar na presença da comi-
da, o reflexo patelar – sua perna salta quando o médico bate nela
com um martelinho testando os seus reflexos durante o exame
para carteira de motorista, a aceleração dos batimentos cardíacos
quando explodem um trovão perto de você, bem como em outras
situações semelhantes. Sua representação é:
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 149

Si (estímulo produz Ri (resposta


incondicionado) incondicionada)

associando

Sn (estímulo Rc (resposta
neutro) condicionada)

Figura 7.4 – Caracterização do condicionamento reflexo

Por meio da associação ou do condicionamento uma resposta


que foi aprendida em uma dada situação pode ser transferida de
uma situação para outra: um certo pavor que ocorre ao som de
uma trovoada pode ser transferido para a simples visão de um re-
lâmpago. Ao ver o relâmpago você pode se apavorar porque apren-
deu a ter medo do trovão e passa a apresentar esse medo diante do
raio, já que aprendeu que esse normalmente precede à trovoada.
De modo geral essas associações ou condicionamentos ocor-
rem à revelia da nossa consciência: dois eventos que acontecem
no mundo real “se juntam” em seu significado e, independente-
mente de você tomar consciência de que está “juntando” ou apren-
dendo essa associação, ela acontece. Digamos assim: a parte do
cérebro que aprende assim não nos pergunta se queremos ou não
aprender – ela aprende o que aconteceu e pronto!
Tais são os riscos desse tipo de aprendizagem a que estamos su-
jeitos pelo simples fato de estarmos vivos: se por um lado essa

É importante saber que muito do que aprendemos é deli-


berado, resultado de nossos esforços e decisões. Porém, nem
tudo se passa desta forma, pois muitas aprendizagens ocor-
rem à revelia deles. Alguns desses aprendizados, inclusive,
podem afetar nossa saúde mental, originando medos e fo-
bias. Ainda que você como professor possa não usar os con-
dicionamentos como instrumentos didáticos, é importante
conhecer sua contribuição na vida das pessoas. O psicólogo
muitas vezes é chamado para ajudar na “dessensibilização”
em relação ao estímulos que desencadeiam essas reações, e
isto consiste basicamente em “desaprender” essas associações.
150 Pisicologia Educacional

aprendizagem pode ser fundamental para nossa sobrevivência


– uma única queimadura pode nos levar a nem chegar mais perto
da chama (um condicionamento reflexo importante), por outro
lado podemos estar aprendendo “bobagens”, no caso de supersti-
ções, como quando alguém relata sobre gatos pretos e sexta-feira
13, ou mesmo vivermos sob o domínio do medo, por exemplo, se
um acontecimento muito negativo ocorreu no nosso primeiro dia
de aula (gerando um condicionamento reflexo), isto pode nos le-
var a ter horror de frequentar a escola!

Para uma criança que está iniciando a vida escolar, o estudo


de matemática é um estímulo neutro (Sn). Ocorre durante a
aula de o professor gritar (Si), fazendo que a criança, como res-
posta, tenha os batimentos cardíacos acelerados e a sensação de
mal-estar (Ri). O acontecimento, repetindo-se em muitas au-
las, acaba criando uma associação de matemática com os gritos
do professor (Rc) e transforma o estímulo neutro em um estí-
mulo condicionado: aulas de matemática provocam mal-estar.

O que são respostas reflexas? São aquelas atividades que também


não necessitam da nossa decisão consciente para ocorrer. Um bom
exemplo relaciona-se aos batimentos cardíacos – serão acelerados
à medida que corro ou que levo um susto; retardados se me acalmo
com uma música suave, com relaxamento etc. As respostas refle-
xas ocorrem no nosso corpo por meio de músculos involuntários,
como é o caso do músculo cardíaco, e de glândulas endócrinas,
como as que produzem adrenalina, acetilcolina etc. Essas respostas
reflexas podem ser motoras, glandulares ou emocionais.
Para poder acompanhar um pouco mais do ponto de vista his-
tórico, é interessante dizer que Thorndike descobriu de forma in-
dependente as mesmas leis que Pavlov, embora não tenha recebido
os créditos por essa descoberta. As descobertas de Pavlov, por sua
vez, ocorreram independentemente do desenvolvimento da Psico-
logia Behaviorista, mas foram usadas para reforçar seu poder de
explicação como teoria.
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 151

7.5 Condicionamento instrumental


ou operante
O condicionamento operante ocorre quando as consequências
que se seguem a um comportamento (instrumental ou operante)
aumentam ou reduzem a probabilidade de que esse seja realizado.
Comportamentos, ações e gestos realizados por meio da muscu-
latura voluntária e que repercutem no ambiente recebem o nome
de resposta instrumental ou operante exatamente pela qualidade
de alterar o ambiente. Quando uma criança faz a lição de casa e se
diverte ao fazê-la e ao aprender, quando recebe parabéns toda vez
que isto ocorre ou outras coisas boas que lhe aconteçam ao fazer
essa lição... ou seja, consequências positivas que receba aumentam
a probabilidade de que ela continue fazendo os deveres de casa:
podemos falar que estamos diante de uma aprendizagem do tipo
condicionamento operante.
Skinner foi o psicólogo dos EUA que continuou o trabalho de
Burrhus Frederic Skinner Thorndike retomando a Lei do Efeito: a consequência que se segue
(1904−1990) nasceu na
a um comportamento operante é de fundamental importância. Ele
Pensilvânia, EUA. Graduou-
se em Literatura Inglesa e introduziu a noção de estímulo reforçador ou reforço, ou seja,
Línguas Românicas em 1926. quando um determinado comportamento é emitido, ele produz
Depois de formado, Skinner
decidiu-se pelo curso de uma consequência: quando essa consequência altera a probabili-
pós-graduação em Psicologia dade de um comportamento ocorrer, ele é chamado de reforço ou
Experimental na Harvard
University. Ali obteve os títulos reforçador. Um exemplo: você apaga a luz da sala (apagar a luz é o
de Master e Ph.D. Foi eminente comportamento ou sua resposta), como consequência seus olhos
psicólogo, o fundador
da Análise Experimental
descansam (o estímulo produzido por sua resposta foi a penum-
do Comportamento e do bra), o que é ótimo após um dia de trabalho! Ou então, você apaga
Behaviorismo Radical
a luz da sala e como consequência dessa resposta sua, surge a escu-
ridão total (foi produzida por sua resposta) e que apavora você! O
estímulo produzido é chamado de reforçador positivo quando ele
aumenta as chances de o comportamento ocorrer novamente, no
exemplo, o descanso dos olhos é o reforçador positivo; e é chama-
do de reforçador negativo quando aumenta as chances das res-
postas que impedem o evento de ocorrer novamente, no exemplo,
a escuridão assustadora, que nos leva a não apagar o interruptor.
Nos exemplos apontados, produzir a penumbra após um dia
152 Pisicologia Educacional

cansativo tende a se repetir (reforçador positivo), enquanto pro-


duzir a escuridão total tende a ser evitada (reforçador negativo).
Skinner, que defendia o rigor científico, trabalhava preferencial-
mente em laboratório e fez grande parte dos seus experimentos
com animais. Usava uma gaiola, depois popularizada como caixa
de Skinner (ver Figura 7.5), especialmente preparada para treinar
os animais, com comandos controlados pelo experimentador e
dispondo de um pequeno bebedouro, bem como de uma barra
para liberar a água. Ele colocava ali o sujeito experimental, que fi-
cava em privação de água por algumas horas de modo a criar um
pouco de sede, condição para que a água oferecida pudesse se tor-
nar um estímulo reforçador.
A caixa de Skinner é um aparelho mais sim-
ples e com maior controle do que o usado por
Thorndike, facilitando lidar com a quantifi-
cação, uma das exigências para construir co-
nhecimentos científicos. Quando introduzido
na caixa de Skinner, inicialmente o rato emi-
te vários comportamentos, tais como cheirar,
coçar-se e andar. O experimentador libera a
água para o sujeito por meio de um comando
e seleciona comportamentos que sejam mais
próximos do seu objetivo: o rato pressionar a
barra do bebedouro para beber água usando
exigências gradativas, tais como: 1º) o sujei-
to se aproximar da barra; 2º) o sujeito coloca
Figura 7.5 – Caixa de Skinner para estudar
as patas na barra; e 3º) o sujeito ao pressio- condicionamento operante
nar a barra etc. ia liberando o reforço (água).
Após várias repetições, o animal aprendia que, se pressionasse a
barra com as patas, receberia água. Essa situação em que se vai
de uma exigência menor para uma exigência maior, de um com-
portamento mais distante em direção ao comportamento-alvo, é
um processo de aprendizagem chamado de modelagem. Veja no
esquema abaixo uma representação simplificada do condiciona-
mento operante ou instrumental.
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 153

Descrito de modo atualizado, como aparece em Mattana (2004),


dizemos que para estudar o comportamento seguindo essa abor-
dagem é preciso entender a relação entre o que o organismo faz a
situação que antecede (e acompanha) esse comportamento e a si-
tuação que se segue a ele.

SITUAÇÃO AÇÃO CONSEQUÊNCIA

O que ocorre antes


Aquilo que o O que acontece depois da
ou junto á ação do
organismo faz ação do organismo
organismo

Outro fato importante é que por meio do uso do reforço é pos-


sível ensinar comportamentos ou extingui-los. Por exemplo: para
ensinar um cachorro a sentar é preciso que o comportamento de
“sentar” seja reforçado, isto é, toda vez que o cachorro sentar lhe
é dado o reforço (ração); depois de algum tempo ele vai sentar
ao nosso comando. Esse é o princípio de treinamento de animais
domésticos, de circos e outros. Muitas vezes você se diverte com
animais fazendo “acrobacias” em propagandas. Agora você já sabe
como foi possível que aprendessem. No caso de ser retirado o re-
forço (ração), o comportamento de sentar do cão poderá deixar de
ocorrer, ou seja, entrará em extinção. Podemos aproveitar outras
situações para falar da extinção. Considerando que um compor-
tamento se instala em função das consequências que lhe seguem,
como desligar um interruptor da luz na hora de dormir, e se a par-
tir de certo momento esse comportamento não faz mais a luz apa-
gar (por exemplo, o interruptor não funciona mais e a gente nem
sabe o porquê): apertar o interruptor pode entrar em extinção –
deixamos de emitir esse comportamento inútil porque não pro-
duz as consequências buscadas. Entre outras aprendizagens que
são importantes para o organismo no seu meio, estão também a
154 Pisicologia Educacional

discriminação e a generalização. Por exemplo, podemos apren-


der a discriminar a situação correta para atravessar uma rua: só
atravessar se o sinal verde de pedestres está aceso; neste caso, não
atravessamos a rua em nenhuma outra cor acesa e realizamos
uma boa aprendizagem de discriminação: o comportamento ou
resposta só ocorre na presença de certo(s) estímulo(s). Em outras
ocasiões pode ser importante aprender a generalizar: responder a
um conjunto (ou gama) de estímulos semelhantes (parecidos, mas
não idênticos) de modo semelhante. Por exemplo, quando vemos
nuvens baixas e escuras e/ou ventania e/ou raios e/ou trovões e/ou
outros sinais de chuva, podemos responder com a procura de abri-
go da chuva que se aproxima! Na nossa compreensão, esse conjun-
to de sinais funciona como indicação de precipitação.
Às vezes as pessoas pensam em punição: usar um estímulo muito
negativo que cause dor ou desconforto aplicado logo após certos
comportamentos considerados indesejáveis em determinados lu-
gares e/ou em certos momentos ou por certos grupos sociais. No
entanto, o que determina se há um reforço ou punição é a consequ-
ência para o organismo, até porque o que é bom, agradável e desejá-
vel para alguém pode não ser para outrem, e isto é fruto também de
suas histórias de vida e experiências. No extremo, podemos lembrar
que até existem pessoas masoquistas: sentem prazer com estímulos
desagradáveis e dolorosos. Muitas vezes o que era para ser uma
punição vira um reforço positivo, como pode ocorrer quando o
professor manda o adolescente da 5ª série sentar, sair da sala, ficar
de castigo após um comportamento inadequado. Esse aluno atrai
a atenção da sala! O que pode ser mais interessante para ele? Nes-
te caso também não há garantia de que o problema seja resolvido
pelo professor. Com essa tentativa de punir o aluno pode ser que

Portanto, ao emitir um determinado comportamento, fique


sempre atento às consequências que se seguem a ele, sobretudo
se for na sala de aula. Além de não resolver os problemas dos
alunos que perturbam a sala, a resposta do professor pode servir
apenas como uma válvula de escape para descarregar sua raiva
e frustração com essa e outras situações. Quando a punição é
efetiva, pune mesmo: causa uma dor (física ou emocional) a al-
guém. O uso da punição é questionável sob o ponto de vista ético!
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 155

daí resulte um reforço para o seu comportamento inadequado. E os


desdobramentos da situação podem ser até piores...
Há muitas maneiras de reforçar os comportamentos, de acordo
com o modo de organizar as consequências a ele. Essa organização
é chamada de esquema de reforço: por exemplo, se todas as res-
postas vão ser reforçadas, temos o reforço contínuo; se nem todas
as respostas vão ser reforçadas (algumas são, outras não), temos o
reforço intermitente; alterando-se o número de respostas que são
exigidas do sujeito para receber o reforço, pode-se estabelecer um
número constante de respostas antes da emissão do reforço, e neste
caso há reforço com razão fixa; caso esse número não seja constan-
te, temos reforço com razão variável. Outro aspecto a considerar
é o tempo que “damos” ao sujeito até ele responder: podemos esta-
belecer que o reforço só será liberado após um certo tempo e esse
tempo pode ser constante, ou seja, reforço com intervalo fixo ou
não; e neste caso temos intervalo variável. Essa organização é im-
portante para definir o padrão de respostas que o sujeito vai dar.
Do ponto de vista didático, a caixa de Skinner é um instrumento
importante para entender como isto se passa. No entanto, nas con-
dições de trabalho do ser humano encontramos muitas situações
semelhantes a essa organização, como a existência de comissões
em função de vendas realizadas, os períodos das avaliações escola-
res etc. Reflita sobre isto e discuta com os seus colegas.
Como dissemos anteriormente, de modo geral essas associa-
ções ou condicionamentos ocorrem à revelia da nossa consci-
ência. Ainda assim, talvez seja mais fácil identificar situações em
que ocorrem condicionamentos operantes no nosso dia-a-dia do
que os condicionamentos respondentes. Identificar essas situações
cria a possibilidade de não sermos submetidos à revelia da nossa
decisão a esses controles, ou seja, cria a possibilidade de existir um
contracontrole. Em contrapartida, no dia-a-dia, os dois tipos de
condicionamento podem estar ocorrendo lado a lado. Além de ser
um experimentador rigoroso, Skinner escreveu um livro de lite-
ratura, Walden Two, em que propõe uma sociedade utópica que
educa seus membros usando reforços positivos em vez de puni-
ções, ao contrário daquilo que faz a sociedade concreta em que vi-
vemos. Fica como sugestão para as férias e para outras discussões.
156 Pisicologia Educacional

Na perspectiva comportamentalista ou behaviorista, o homem


é um produto do meio em que vive e está sujeito às contingências
desse meio. Ao nascer o homem ingressa em um mundo já cons-
truído e que possui padrões de comportamentos aceitáveis; caso
os indivíduos emitam comportamentos indesejáveis, esses pode-
rão ser modificados se as condições do meio forem modificadas,
e cabe à escola e à sociedade ensinar os comportamentos adequa-
dos. A Educação se fundamenta na transmissão do conhecimento
e de comportamentos adequados e éticos para se viver em socieda-
de, e tem por finalidade promover mudanças nos indivíduos por
meio do reforço com o objetivo último de que os próprios indiví-
duos sejam dispensadores de reforços. A escola aqui é vista como
uma agência de controle social e está diretamente ligada a outras
agências de controle social, como governo, igreja, política e eco-
nomia. Nessa abordagem, o professor é um usuário das tecnolo-
gias de ensino: planeja aulas e controla os estímulos reforçadores,
reforçando somente quando os alunos emitirem comportamentos
adequados com o objetivo de que eles tenham um desempenho
máximo. Assim, a ênfase é dada à produção individual dos alunos
e no programa planejado pelo professor, que avalia o discente no
processo de aprendizagem e dá o feedback prontamente às suas
ações. O tempo entre a ação do sujeito e o resultado dela é um
dos elementos para definir um estímulo como reforçador ou não;
assim, provas e avaliações realizadas devem ser corrigidas rapida-
mente e os resultados logo conhecidos pelos alunos.
A escola pode se servir de conceitos trazidos pela corrente
behaviorista, destacando-se que devemos dar sempre preferência
a criar ambientes agradáveis de ensino, e isto inclui usar sempre
que possível o elogio (ou reforço positivo) para os comportamen-
tos adequados (em vez de chamar a atenção para os inadequados).
Se essa orientação não parece garantir como lidar com conceitos
complexos ou com muitas formas de ensino/aprendizagem, ela
pode ser bastante útil para modelar certos procedimentos. Caso
você precise treinar um padrão motor complexo como aquele exi-
gido para escovar os dentes, talvez um discurso sobre a saúde e a
higiene não seja tão efetivo quanto você ir passo a passo com o
sujeito, ensinando cada um dos gestos exigidos, usando a modela-
gem e dando reforço a cada padrão novo conseguido!
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 157

Situações como a do exemplo acima existem na sala de aula


com as pessoas ditas “normais”, podem ser mais comuns ainda no
caso dos sujeitos que têm necessidades especiais. Pense uma situa-
ção em sala “normal” em que esse sistema pode ser a diferença de
qualidade! Pense um exemplo em sala com a “situação especial”.
O rigor com a organização do ambiente, e de como se lida com
TOC
Transtorno Obsessivo-
ele, contribui muito também com as situações do cotidiano ou em
Compulsivo ou também casos de tratamento terapêutico com certos tipos de problemas,
DOC − Distúrbio Obsessivo como crianças autistas, pessoas com TOC e outros problemas, em
Compulsivo. Ocorre quando o
sujeito fica sob o controle de que um tratamento cognitivo pode ser complicado. Às vezes as
determinados estímulos, não condições do sujeito podem ser tais que dificultam interpretações
consegue pensar em outra
coisa – é isto que dá o caráter muito complexas exigidas em algumas terapias cognitivas (pois
obsessivo; e não consegue tratam de reinterpretação e ressignificação de eventos da experi-
parar de agir em relação a
esses estímulos – o que dá o
ência do sujeito), como no caso de algumas dessas pessoas com
caráter compulsivo. déficits cognitivos.
A força dessa corrente advém da atenção dada ao ambiente (ex-
terno) bem como ao rigor da sua organização. Assim, psicólogos
orientados nessa corrente têm tido sucesso em lidar com pacien-
tes refratários a procedimentos orientados por outras correntes, e
alguns distúrbios podem ilustrar isto. Você viu o filme O aviador,
Autismo concorrente ao Oscar em 2005? Ou Melhor é impossível, com Jack
Alteração cerebral que afeta Nickolson? Os personagens principais de cada um desses filmes são
a capacidade da pessoa de
se comunicar, estabelecer os sujeitos que sofrem de TOC. Tratamentos complexos muitas vezes
relacionamentos e responder podem ser inviáveis, e em vez disso vale mais organizar o ambiente
apropriadamente ao
ambiente. Algumas crianças
de modo a tornar sua vida a melhor possível, a mais produtiva e mais
autistas apresentam feliz. Para pessoas com autismo, pessoas portadoras de deficiência
inteligência e fala intactas, mental ou de outros distúrbios, a organização do ambiente e a ma-
outras apresentam
retardo mental, mutismo nutenção de uma rotina são fundamentais e necessárias. A Aborda-
ou importantes atrasos gem Comportamentalista pode ser bastante adequada nesses casos,
no desenvolvimento da
linguagem. Algumas exatamente pela atenção que dá às contingências do ambiente. Ao
parecem fechadas e lado das medidas de organização da rotina e do ambiente, cabíveis
distantes, outras presas a
comportamentos restritos e
a cada caso, o psicólogo deve estar atento também ao envolvimento
padrões rígidos. dos demais membros da comunidade nessa tarefa.
A teoria behaviorista radical – que exclui variáveis interve-
nientes entre o estímulo (do ambiente) e a resposta (do sujeito)
– deixou de ser muito popular. Por outro lado, alguns psicólo-
gos oriundos dessa corrente integraram-se a outras correntes
158 Pisicologia Educacional

da Psicologia, especialmente com cognitivismo, constituindo a


corrente comportamental-cognitivista. No entanto, muitas das
descobertas realizadas por psicólogos da corrente behaviorista
continuam validadas e ainda podem ser utilizadas em diversas
áreas, não só a educação.

Resumo
Uma maneira simples de definir aprendizagem é: a aquisição
de conhecimento, de habilidades motoras e mudanças de com-
portamento e que resulta da exposição a circunstâncias, situações
ou experiências. Portanto, acontece como produto de determina-
das influências ambientais. Sobre o fenômeno da aprendizagem,
reitera-se que várias teorias buscam explicá-lo e nenhuma delas
obtém êxito completo na compreensão do que se passa. Assim, te-
mos lidado com algumas dessas teorias na busca de uma visão mais
abrangente. O empirismo coloca a aprendizagem como o fenômeno
central, pensando o sujeito humano como uma tábula rasa. Na Psi-
cologia essa posição é defendida pelo Behaviorismo. Para essa teo-
ria, nascida no começo do século XX, ao estudar aprendizagem já
se está estudando desenvolvimento. Ela postula que se pode expli-
car comportamento descrevendo a relação entre as características
do ambiente, que são os estímulos, e as respostas, que são caracte-
rísticas do comportamento. Todas as atividades humanas tornam-
-se, assim, zonas de aprendizagem potencial ligadas fortemente às
propriedades dos estímulos que as suscitam. A aprendizagem por
associação, que é uma das formas mais comuns de aprender, já ha-
via sido apontada por Aristóteles. Sua versão moderna, sob o olhar
da Ciência, remete ao fenômeno dos condicionamentos. Existem
duas formas de condicionamento: 1) respondente − também cha-
mado de reflexo, simples, clássico, de Pavlov, ou ainda tipo I. A
apresentação dos dois estímulos ao mesmo tempo, a saber, o estí-
mulo incondicionado (estimula a resposta reflexa: motora, glan-
dular ou emocional), concomitante ao estímulo neutro, faz com
que este fique contaminado das propriedades do primeiro e provo-
que a resposta; 2) operante − também chamado de instrumental,
de Skinner ou tipo II. Um comportamento operante é realizado por
Aprendizagem: sua importância. Aprendizagem por assoc. e a visão behaviorista 159

meio da musculatura voluntária e altera as condições existentes


no meio ambiente. O condicionamento operante ocorre quando
as consequências que se seguem a esse comportamento aumen-
tam ou reduzem a probabilidade de que ele seja realizado. Isso quer
dizer que o organismo aprende a emitir ou evitar o comportamento
tendo em vista as consequências a ele. O papel da imitação no de-
senvolvimento já é bem conhecido. Albert Bandura, psicólogo que
estuda a aprendizagem social, destaca também o papel da apren-
dizagem por observação, em que um modelo serve de referência
a outras pessoas do grupo social.

Referências
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160 Pisicologia Educacional

Sugestão de leitura
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CURITIBA. Artigos. Disponível em: <http://iacc.psc.br/content/
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PFROMM NETO, S. Psicologia da Aprendizagem e do Ensino.
São Paulo: EPU/Edusp, 1990.
c a p í t u lo 8
Aprendizagem nas Abordagens
Cognitivistas e na Teoria do
Processamento de Informação
Neste capítulo, trataremos das abordagens cognitivistas, as
quais têm como característica comum colocar o conhecimen-
to como fenômeno fundamental para a ocorrência da apren-
dizagem. Serão apontadas as contribuições da Gestalt, da
Teoria de Aprendizagem Verbal Significativa de Ausubel, do
método da descoberta de Bruner, bem como buscaremos rela-
cionar entre si os autores estudados. Trataremos também da
Teoria do Processamento de Informação e suas contribuições
para o processo de aprendizagem, que considera a entrada
da informação através dos sentidos, mediada por fenômenos
como a atenção, bem como pelos conhecimentos anteriores
(incluindo atitudes e valores), como ela é processada e pode
levar ao armazenamento (memória) do conhecimento e à
possibilidade da sua recuperação.
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 163

Levando em consideração que o termo cognição significa “ato


de conhecer”, que cognitivista refere-se à “produção de conheci-
mento” ou “à dinâmica mental da aquisição do conhecimento”, as
correntes cognitivistas compartilham o interesse pelo conheci-
mento e, de alguma forma, usam-no para explicar os fenômenos
psicológicos. Essa abordagem se constitui de diferentes explica-
ções e teorias que, por compartilharem esse interesse, levam em
conta não apenas os fenômenos diretamente observáveis, mas
também outros, não diretamente observáveis, tais como interesse,
expectativa, conhecimento anterior etc. Nessa abordagem, a ênfa-
se é dada aos processos mentais pelos quais o indivíduo entra em
contato com o objeto do conhecimento que está no meio ambiente
e o apreende de forma a organizá-lo mentalmente.
A perspectiva cognitivista pode ser considerada ao mesmo tem-
po antiga e nova. Antiga porque as discussões sobre a natureza do
conhecimento, sobre o valor da razão e os conteúdos da mente
remontam pelo menos aos filósofos gregos. Entre 1800 e até pou-
cas décadas atrás, e inclusive enquanto o behaviorismo era hege-
mônico, essas questões foram deixadas de lado (WOOLFOLK,
2000). As discussões a respeito da natureza do conhecimento, bem
como sobre o valor da razão e os conteúdos da mente foram re-
tomadas com as pesquisas sobre habilidades complexas (atenção,
concentração etc.), durante a Segunda Guerra, assim como com as
pesquisas sobre o desenvolvimento da linguagem, a partir da re-
volução da informática e de outras evidências que se acumularam
mostrando que as pessoas fazem mais do que responder a estímu-
los, reforços e punições. Ao contrário, as pessoas:
164 Pisicologia Educacional

•• planejam suas ações;


•• organizam informações, e cada pessoa pode fazê-lo a seu modo;
•• aprendem conceitos (abordado por Ausubel, 1963); e Howard Gardner é um
psicólogo cognitivo e
•• resolvem problemas (abordado por Bruner, Goodnow e Aus- educacional dos EUA,
tin, 1956). conhecido especialmente por
sua teoria das Inteligências
A partir das décadas de 70 e 80 surgiu especial interesse sobre Múltiplas, a saber: a lógico-
como as pessoas processam, armazenam e recuperam as infor- matemática, linguística,
interpessoal, intrapessoal,
mações e sobre o funcionamento da memória (WOOLFOLK, corporal-cinestésica, musical,
2000), assuntos tratados especialmente pela Teoria do Processa- espacial e naturalista. Essas
inteligências, que ocorrem
mento de Informação (a seguir). Mais recentemente, outro as- de modo diferenciado
sunto que centralizou a discussão foi a inteligência, sobre o qual nos alunos, devem ser
valorizadas e podem servir
podemos citar como exemplo a proposta das inteligências múlti- como instrumento para a
plas de Howard Gardner. aprendizagem escolar.

Os teóricos cognitivistas pensam que a aprendizagem é o resul-


tado de tentar entender o mundo para o qual as pessoas usam os
instrumentos mentais disponíveis (o que já conhecem, suas expec-
tativas, sentimentos e interações com os outros) que, junto com o
ambiente, influenciam o que e como se aprende. Para entender a
aprendizagem complexa, que inclui a aprendizagem que ocorre na
escola, é preciso levar em conta o sujeito do conhecimento, quem
atribui significados e elabora, constrói e reconstrói o conhecimento.
Dentro da corrente behaviorista (ou associacionista) a apren-
dizagem é entendida com base nos elementos da situação e no
estabelecimento de associação entre eles. Para a Gestalt, uma das
correntes cognitivistas (tratada no capítulo inicial), ao contrário,
os elementos em si não são pertinentes: o que importa é o estabe-
lecimento de relações entre eles, ou seja, a estruturação da situ-
ação pelo sujeito. Em algumas situações não há como explicar os
dados sem considerar a atividade mental do sujeito (GAONAC’H;
GOLDER, 1995), como ocorre, por exemplo, no efeito Restorff,
em que se verifica que é a relação entre os elementos que permite a
alguns desses se destacar em relação aos demais; dito de outra for-
ma: em determinado contexto, o que pode tornar-se uma figura (o
que é significante para nós) depende de relações possíveis aí. Veja
o que é esse efeito por meio do experimento a seguir.
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 165

Após 10 minutos, pede-se ao sujeito que lembre o


Efeito Von Restorff que puder:
Apresentam-se por escrito três listas, compre-
• no caso da lista 1, a lembrança do nome é de
endendo cada uma delas 10 elementos para
40% aproximadamente;
lembrar:
• para as listas 2 e 3, a lembrança do elemento
• a lista 1 é uma lista heterogênea: um nome,
isolado (nome na lista 2 ou sílaba na lista 3) é
uma sílaba, uma cor, uma letra etc.;
de 70%; e
• a lista 2 é composta de um nome e 9 sílabas; e
• para os outros elementos dessas listas a lem-
• a lista 3 é composta de uma sílaba e 9 nomes; brança é de 22% somente.

Para a Gestalt, o tipo de aprendizagem em destaque é o insight,


que é uma compreensão direta da situação resultante de uma orga-
nização interna da percepção. Ela também é chamada de “estalo”
por ser uma compreensão súbita do problema e difere de outras
formas de aprendizagem como o ensaio-e-erro por exigir uma
abordagem nova e inusitada do problema. Um bom exemplo dela
é o “heureca” de Arquimedes, que lhe custou pular sem roupa e aos
gritos da banheira ao descobrir a Lei do Empuxo! De acordo com a
Gestalt, além da aprendizagem em si, o registro dela pela memória
também depende da forma do material a ser apreendido.

8.1 Ausubel: a aprendizagem


verbal significativa
Ausubel propôs inicialmente sua teoria nos anos 60, procuran-
David Paul Ausubel nasceu do entender a aprendizagem não só como mudança do comporta-
em 1918 em Nova York, depois
que sua família imigrou para mento, observável, mas como algo mais amplo, um processo de
os EUA. Apesar de enfrentar os modificação do conhecimento, destacando assim a importância
problemas de ser pobre, sua
formação acadêmica deu-se
que os processos mentais têm nesse desenvolvimento. Sua propos-
na Universidade de Nova York. ta trata da aprendizagem escolar e do ensino, pertence aos marcos
Como psicólogo apoiou-se
da concepção cognitivista do psiquismo humano e é compatível
nos conceitos de Carl Rogers
(EUA, 1902 - 1987) sobre o com os princípios construtivistas.
poder da autonomia humana,
bem como de assimilação/ A aprendizagem memorística ou “decoreba” se caracteriza pela
acomodação em Piaget para falta de significado para o sujeito e geralmente é conseguida pela re-
lidar com aprendizagem.
petição. A aprendizagem significativa pode se dar tanto por descober-
ta, mas também por recepção ativa. Ela é o oposto da aprendizagem
166 Pisicologia Educacional

memorística e, de acordo com a teoria de Ausubel e seus colaborado-


res (Novack e outros), tem três vantagens essenciais em relação a essa:
•• primeira − o conhecimento que se adquire de maneira signifi-
cativa é retido e lembrado por mais tempo. Aqui também pode
ocorrer a repetição, porém como há uma aprendizagem num
contexto significativo para o aluno, essa repetição pode ocorrer
até de forma espontânea. Um exemplo pode ser uma criança
que, ao fazer uma pipa, aprende o que é um losango;
•• segunda − aumenta a capacidade de aprender outros conteúdos
relacionados; esses materiais são aprendidos de uma maneira
mais fácil (até mesmo se a informação original for esquecida); e
•• terceira – no caso de o conteúdo ser esquecido, sua aprendiza-
gem seguinte, ou seja, a reaprendizagem é facilitada.
Três condições básicas são necessárias para que possa haver um
processo de aprendizagem significativo, de acordo com o autor:
1. significatividade lógica do novo material que é preciso apren-
der. Isto remete à estrutura interna desse material, que não deve
ser nem arbitrária, nem confusa, de modo a facilitar que se es-
tabeleçam relações substanciais com os conhecimentos prévios
do aluno. Remete também ao professor e à maneira como apre-
senta o material, os recursos que usa etc. Questões sobre esse
tópico também são tratadas pela Teoria do Processamento de
Informação (capítulo seguinte);
2. significatividade psicológica: para que a aprendizagem seja
possível, o aluno deve dispor de uma estrutura cognitiva de
conhecimentos prévios pertinentes e ativados de modo que
possa relacioná-los com o material a ser aprendido. Além des-
se aspecto inicial, outros se apresentam: como o professor lida
com o conteúdo e se facilita ao aluno ativar seus esquemas de
conhecimentos pertinentes. Aqui, questões afetivas, relacionais
e psicossociais se colocam; e
3. atitude do aluno: ele deve ter uma disposição favorável para
aprender de maneira significativa, isto é, para relacionar o
que aprende com o que já sabe. Ela pode variar em função das
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 167

disciplinas, dos conteúdos tratados, do poder motivador do


professor, da organização da escola etc.

8.1.2 Organizadores prévios e hierarquias conceituais


Os organizadores prévios são materiais introdutórios que se
O uso de organizadores apresentam antes do material novo a ser aprendido para criar e/
prévios remete diretamente
ou mobilizar os inclusores pertinentes e que têm duas caracterís-
à necessidade de dispor
de inclusores que sejam ticas básicas:
pertinentes e estejam
ativados para haver uma 1. por um lado, apresentam um nível de generalidade (e por isto
aprendizagem significativa. de abstração maior) que o material em si;
2. por outro lado, são formulados em termos familiares para o aluno.
A principal função de um organizador prévio é diminuir a dife-
rença (que às vezes é um “abismo”) entre o que o aluno já sabe e o
que necessita saber. Essa proposta implica em organizar o ensino
de acordo com uma sequência descendente: partindo-se dos con-
ceitos mais gerais e mais inclusivos do conteúdo a ser ensinado,
passando pelos conceitos intermediários, até chegar aos mais es-
pecíficos. Portanto, tais princípios implicam um processo continu-
ado de “subir e descer” pela “escala” da hierarquia conceitual. Essa
é uma proposta de aprendizagem dedutiva, que vai do geral para o
específico, ou ainda da regra ou do princípio para os exemplos, por
isto às vezes chamada de método de regra-exemplo. As ideias de
Ausubel se apresentam muito adequadas ao ensino de conceitos,
tais como o que é relevo, fração, força, simbiose etc., e coincidem
com as propostas de outros autores de inspiração cognitivista que se
preocuparam em dar sequência e organizar os conteúdos de ensino.
Os mapas conceituais (ou esquemas) são representações hie-
rárquicas das relações entre conceitos relativos a uma área ou
domínio particular. Podem ser usados, entre outras coisas, para
explorar os conhecimentos prévios dos alunos, contrastar os co-
nhecimentos em dois momentos distintos do processo de apren-
dizagem, extrair o significado de um trabalho de campo ou um
material escrito etc. Como elaboração dos conteúdos tratados, eles
podem contribuir com a sua compreensão para facilitar a comuni-
cação do material e também sua posterior recuperação.
168 Pisicologia Educacional

8.1.3 A aprendizagem significativa como


uma assimilação cognitiva
Segundo Ausubel, a aprendizagem significativa ocorre por meio
de processamento central e implica na interação entre a estrutura
cognitiva prévia do aluno e o material ou conteúdo de aprendizagem
(COLL et al., 2000), o que leva a uma alteração recíproca tanto
dessa estrutura cognitiva prévia como também do material que
está sendo aprendido. Sua teoria salienta três noções básicas para
caracterizar esse processo:
•• conceito inclusor – conceito(s) ou ideia(s) que existe(m) previa-
mente na estrutura cognitiva e serve(m) de ponto de apoio para
as novas idéias ou conceitos que são objeto de aprendizagem;
•• inclusão obliteradora – é o processo de interação entre o ma-
terial de aprendizagem e os conceitos inclusores durante o
qual ambos se modificam. O material a ser aprendido não o
é “tal e qual”, mas como resultado dos inclusores ativados no
processo; e
•• assimilação – é o resultado dos processos de inclusão oblite-
radora; é uma autêntica assimilação entre os velhos significa-
dos e os novos. E o termo tem um sentido semelhante ao
usado por Piaget.
Os processos de inclusão e assimilação permitem explicar a po-
tencialidade da aprendizagem significativa do ponto de vista da
lembrança, como também a realização de novas aprendizagens ou
aprendizagens posteriores. Veja a Figura 8.1 para ilustrar o processo.

Figura 8.1 − Aprendizagem como assimilação cognitiva


Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 169

8.2 Bruner: aprendizagem por


descoberta e o andaime
A aprendizagem por descoberta, que é uma das propostas de
Bruner, a questão é: por que transmitir um conhecimento aos alu-
Jerome Seymour Bruner, nos? Ou seja, por que, em vez de uma recepção passiva, como pode
psicólogo dos EUA, nasceu em
acontecer numa palestra ou aula expositiva, não se usa a aprendi-
Nova York em 1915. Graduou-
se em Harvard, doutorou-se zagem ativa e por descoberta: uma situação-problema é colocada
em 1941, voltando a Harvard, e, por meio da reflexão, realização de experimentos, levantamento
onde lecionou de 1945 até
1972. Teve uma grande de hipóteses etc. os estudantes com a orientação do professor po-
influência na Psicologia dem construir o conhecimento.
Educacional com a sua
Teoria da Instrução. Bruner e seus colegas são os autores do paradigma do andaime
(proposto em 1976), que dá a ideia dos limites onde/como se deve
trabalhar o conteúdo. Essa metáfora afirma a importância de existir
apoio para que ocorra a aprendizagem: seja o professor, o colega, as
estratégias propostas; enfim, existem condições necessárias e sem
as quais não se dá a aprendizagem. E também é preciso verificar a
adequação dessas: veja na Figura 8.2 que existe apenas uma situa-
ção adequada ao uso do andaime. Se o apoio estiver colocado abai-
xo da parede que se constroi, não servirá para nada, como ocorre
em A. Em C, a situação se inverte: o andaime está acima da cons-
trução, ou seja, se estivermos fazendo exigências aquém ou além
das possibilidades dos aprendizes, bem como dispondo as condi-
ções de modo inadequado para atendê-las, não há como construir
o conhecimento. Por fim, em B, há uma relação adequada entre o
apoio e a tarefa a fazer. Essa metáfora mostra o caráter necessário
e transitório da ajuda no processo ensino/aprendizagem.

A B C
Figura 8.2 − A metáfora do andaime mostra que é necessário apoio para a aprendizagem
e que as condições propostas como instrumentos podem ser ou não adequadas levando-
se em conta o momento da construção. Em A, o apoio está abaixo; em B o apoio está
adequado à ação, e em C está acima do ponto necessário.
170 Pisicologia Educacional

8.3 Bruner e Vygotsky: relações possíveis


A proposta do andaime está em sintonia com a ideia de Vygotsky
de ZDP, que indica o que ensinar e em que momento se deve ensi-
nar: aquilo que já é de domínio da criança/sujeito não há por que
ensinar; o que está muito além de sua capacidade também não,
mas aquilo que está começando a aflorar e que ela ainda não é ca-
paz de fazer sozinha, é por aí que devemos trabalhar. Existem ou-
tros pontos de concordância entre a visão de Jerome Bruner e a de
Vygotsky: ao contrário do que propõe Piaget, ambos desconside-
ram a existência de estágios de desenvolvimento; ambos não veem
o momento do desenvolvimento em que se acha o sujeito como
um impedimento para a aprendizagem. Assim, Bruner defende
que se pode ensinar qualquer coisa a alguém, desde que se tenha
a linguagem apropriada para tal – outro ponto de concordância
entre Bruner e Vygotsky é, então, a importância da linguagem.
Na Figura 8.3 (a partir de COLL et al., 2000, p. 183) vários am-
bientes de ensino são considerados usando-se a ideia do andaime
como referência. Como Bruner enfatiza, o processo de construção
do conhecimento defende que o ensino (não tradicional) deve ser
feito pelo método das descobertas: sob orientação do professor,
que organiza as condições e dá o problema a tratar, os alunos de-
vem (re)construir o conhecimento. Exemplo: como se dá a evapo-
ração? Em campo, por meio de experimentos, reflexão, etc.,
pode-se chegar ao conhecimento sobre o fenômeno.

Figura 8.3 − Ambientes de ensino vistos por meio da metáfora do andaime: do ensino mais
“apoiado”, à esquerda, ao mais autônomo, à direita
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 171

Situada Para encerrar essa parte, gostaríamos de falar de maneira bem


Termo usado para descrever
breve de outra forma de aprendizagem. Talvez você possa poste-
aprendizagens associadas à
situação em que ocorrem, riormente rever o assunto de acordo com o seu interesse: a aprendi-
usado como sinônimo de zagem de contexto ou situada. No caso da aprendizagem situada:
aprendizagem localizada,
de contexto ou ainda a ênfase é na construção social do conhecimento, que se dá por
contextualizada. Este conceito internalização de conhecimentos existentes em um determinado
foi desenvolvido a partir
da ênfase de Vygotsky no grupo social, processo esse mediado por símbolos, especialmente
papel do grupo social na pela linguagem. Ela é inerentemente social e incrustada num am-
aprendizagem e foi atualizado
por autores que trabalham
biente cultural particular. A aprendizagem situada leva em conta
nessa linha, tais como J. Lave o que se passa no cotidiano, no qual as pessoas aprendem com os
e E. Wenger, em 1991. colegas em interações e trocas entre as pessoas do dia-a-dia, nas
quais aquele que sabe mais dá a dica para o que sabe menos. O co-
nhecimento circula dentro de uma comunidade. O termo situada
aqui se refere também à ideia de que o que é aprendido é especí-
fico àquela situação (e assim pode não ser transferido para outras
situações). Além disto, Vygotsky propõe a idéia da zona de desen-
volvimento proximal como ponto crítico em que a aprendizagem
deve ocorrer, como você viu anteriormente.

8.4 A aprendizagem na Teoria do


Processamento de Informação
Um modelo usado para entender a aprendizagem é o de um
computador, em que se leva em conta a informação, com suas en-
tradas (input) e saídas (output). Para alguns autores, isto é apenas
uma metáfora, para outros é mais que metáfora, como é o caso
daqueles que trabalham com a inteligência artificial. A Teoria ou
Modelo do Processamento de Informação é bastante adequada
para explicar os fatos conhecidos relacionados à memória – fenô-
meno que está imbricado com o da aprendizagem.
Como ponto de partida, podemos lembrar que o organismo está
imerso num mar de estímulos, por isto é preciso selecionar aque-
les estímulos aos quais prestar atenção: alguns deles podem entrar,
outros não, de modo que podemos responder de forma diferente
aos diversos estímulos presentes no ambiente. Selecionar os estí-
mulos relevantes implica em conferir esse turbilhão de impulsos
172 Pisicologia Educacional

que atingem nossos receptores sensoriais – olhos, ouvidos, tato


etc. – em relação a nossos conhecimentos anteriores (alguns co- Percepção
É o processo pelo qual
nhecimentos da espécie, outros de ordem pessoal; identificar as
associamos significado à
circunstâncias nas quais estamos envolvidos; o que sabemos sobre informação bruta recebida
elas, em que estado está nosso corpo etc). Assim, a percepção (in- pelos órgãos dos sentidos.

terna e externa) e a atenção são dois fenômenos importantes com Atenção


É o processo pelo qual
os quais se inicia o processamento das informações, que pode, in-
o cérebro seleciona os
clusive, levar à aprendizagem. Aproveitando para recuperar alguns estímulos sensoriais
fatos e questões da Psicologia, podemos lembrar que: que vai ignorar e os
que vai transmitir para
•• vários conhecimentos e leis sobre percepção foram desenvolvi- níveis superiores de
processamento. O aspecto
dos pelos teóricos da Gestalt; e a destacar é o de seleção:
até certo ponto, pode-se
•• ao colocarmos percepção e atenção como início de um ciclo de escolher ao que
aprendizagem e de seu registro (ou memória), podemos nos prestar atenção.
perguntar sobre o papel desses processos na sala de aula: será
importante ganhar a atenção dos alunos? Garantir alguma for-
ma de interesse pelo assunto tratado? Relacionar os assuntos
tratados às experiências anteriores? Essas questões nos auxi-
liam a examinar a relação entre ensino/aprendizagem e esses
outros fenômenos psicológicos.
Os estímulos que entram são registrados em uma memória Sete itens quaisquer, sem nexo
muito “frágil” ou lábil, com muita capacidade de processamento entre eles: se for acrescentado
à lista um novo, o primeiro da
(em relação à quantidade de informação), mas cuja duração é lista é “apagado” e assim por
muito breve: em torno de um a três segundos, chamada de me- diante ao se acrescentarem
novos itens. Ao estabelecer
mória sensorial. A seguir essas informações passam para um nexo entre os itens, há uma
sistema mais potente, chamado de memória de curto prazo mudança de qualidade –
não mais “decoreba” – e a
(MCP) ou memória de trabalho – é a que está ativada e em ação, capacidade de armazenar
mas ainda assim bastante limitada: ela processa até sete itens e informação muda e se amplia.
dura em torno de 5 a 20 segundos; por exemplo, durante quanto
tempo você retém um número de telefone que usou agora para
perguntar um preço na farmácia?
Uma informação é relevante? Sim, quando ela envolve sua segu-
rança física ou emocional, sua aprovação escolar, as coisas que
você ama de paixão etc. As informações relevantes passam da me-
mória de curto prazo (MCP) para um sistema mais protegido, cha-
mado de memória permanente ou de longo prazo (MLP) cuja
capacidade e duração em termos de tempo parecem ser ilimitadas,
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 173

Figura 8.4 − A informação percebida é codificada na memória sensorial (breve), de onde pode ir para a memória de trabalho
para uso posterior. Pode ser processada até a memória permanente e, sendo ativada, retornará à memória de trabalho. Esses
processos de controle executivo guiam o fluxo de informação.

A consolidação da memória ao contrário daquela memória (MCP) cuja capacidade e duração


implica síntese proteica e
ocorre especialmente durante são muito limitadas (5 a 20 segundos). Veja na figura 8.4 uma ideia
o período de sono. Distúrbios geral desse processamento chamado de controle executivo. Para
do sono afetam a saúde em
geral, mas a memória é um
que o material seja passado para a memória permanente, é neces-
dos aspectos mais afetados. sário algum tempo e certo trabalho. O acesso às informações des-
sa memória nem sempre é tão imediato como àquelas da memória
de trabalho, que é a que está em ação.
Um exemplo de situação para conferir como funcionam as me-
mórias pode ser uma conversação. Num diálogo, você fala (ouve,
interpreta, responde) e está usando a memória de trabalho; quan-
do você ouve uma palavra pouco usual, cujo significado não está
Sistema Límbico muito claro, há uma pesquisa na memória permanente que pos-
Conjunto de estruturas muito sibilita recuperar o significado e atualizar isto para você. As estru-
importante para as emoções
e reações emocionais. turas do Sistema Nervoso Central que trabalham nos processos de
Entre elas, o hipocampo é memória incluem o sistema límbico, e dentro desse, é o hipocam-
particularmente importante
para a memória e
po quem trabalha como “mediador”, transferindo material entre
o aprendizado. as memórias de trabalho e a permanente. Sobre esse processamen-
to veja a Figura 8.5. O estudo da memória vem de longa data: Eb-
binghaus, em 1885, já formulara princípios de seu funcionamento.
Antes dele, Aristóteles já deu também contribuições para o seu
entendimento. Atualmente muitos pesquisadores continuam de-
senvolvendo pesquisas sobre o tema. Esse é um assunto que tem
implicações diretas com:
174 Pisicologia Educacional

•• a sala de aula, o assunto tratado, a maneira de lidar com o conte-


údo etc. Como podemos facilitar a (aprendizagem e) retenção?
•• outros aspectos psicológicos relacionados à nossa identidade
– quem somos – e ao nosso autoconceito, entre outros. Vamos
nos ater aqui aos aspectos mais básicos e ligados à aprendiza-
gem em sala de aula.
O nexo ou sentido facilita
Costuma-se classificar a memória de longo prazo em três catego- armazenar e também
rias: semântica, episódica e processual. O que caracteriza a memó- recordar/lembrar; quando
guardamos o sentido ou
ria semântica é que ela é estruturada sobre significados. Por exemplo, aspecto geral dos fatos,
você precisava saber de memória a tabela periódica ou os planetas do poupamo-nos de
registrar cada um dos
sistema solar. Para reter as informações, pode-se inventar uma “his- pequenos detalhes,
tória”, dando sentido ao conteúdo. Com esse nexo entre cada nome, “economizando” recursos.
é possível reter as informações mais facilmente. A memória semânti-
ca pode ser armazenada como uma proposição (ou afirmação), uma
rede de proposições, uma imagem ou ainda como esquemas que
combinam imagens e proposições. Proponha outros exemplos de atu-
ação da memória semântica com situações da sala de aula e fora dela.
Em relação à memória episódica, ela registra cada evento ou
fenômeno com seus detalhes. Lembrando-se do seu aniversário de
12 anos: quem estava, a cara de cada um, o que ocorreu naquele
dia passo a passo, você está recorrendo à memória episódica. Aqui
você pode comparar entre si esses dois tipos de memória: 1) em
relação à facilidade de armazenamento e depois, de recuperação,
qual das duas apresenta melhor desempenho? 2) em termos de
“energia” e recursos, qual delas é mais exigente?
Enquanto isto, a memória processual refere-se ao que se faz, às
ações e habilidades: escovar os dentes; pegar o lápis para escrever; es-
crever; fatorar uma equação, andar de bicicleta etc. Essa memória re-
presenta regras de condição–ação, que são chamadas produções. Em
geral, no caso dessas habilidades não temos consciência de como as
realizamos: muitas vezes realizamos uma série de atividades, sabemos
realizá-las, mas teríamos dificuldade em descrever como o fazemos,
e só ao agir e fazer algo é que podemos descobrir ou demonstrar isto.
É possível que a maior parte das informações seja armazenada
como proposição (WOLKFOLK, 2000). O armazenamento e a re-
cuperação da informação são processos que interessam em especial
à sala de aula. Como explorar melhor a capacidade de aprender e de
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 175

guardar? Já se sabe que a forma como se aprende afeta esses dois


fenômenos. De modo geral, pode-se dizer que, quanto mais ativo o
processo de aprendizagem, quanto mais ativa a participação do
aprendiz, maior e melhor a recuperação das informações.

Figura 8.5 − A informação pode ser mantida ativada na memória de trabalho ou transferida para a memória de longo prazo, e sofre
interferência na sua entrada ou declínio, como ocorre inclusive pela falta de uso

Três estratégias, entre outras, que interferem na aprendizagem


para ampliá-la, aumentando a retenção do conteúdo, podem ser:
contexto; elaboração; e organização. O contexto refere-se a aspec-
Os mapas conceituais sobre tos do ambiente físico e emocional que “contaminam” o material,
os quais falamos no capítulo facilitando (ou não) o seu registro. A elaboração do material im-
anterior são um exemplo de
estratégia para melhorar a
plica em atribuir significado a ele, conferindo sua relevância em
retenção do conteúdo. relação aos conhecimentos anteriores; a organização implica em
lidar com o material de modo a apontar relações, prioridades etc.
Existem problemas sérios relacionados à incapacidade de reali-
zar o armazenamento das informações, ou seja, à falta de memó-
ria ou amnésia. Ela pode ser resultante de acidentes, doenças ou
ainda de “traumas” psicológicos; e também pode ser passageira ou
permanente, relacionada aos fatos do passado (amnésia retrógra-
da) ou aos fatos que acontecem após o evento causador (amnésia
anterógrada). A aprendizagem não é um fenômeno simples, como
você já pode ver. Além disto, ela se embrica com outros fenôme-
nos que a antecedem (como a atenção) e que a seguem (como a
176 Pisicologia Educacional

memória), o que nem sempre é identificado por quem se coloca


no papel de professor. Por outro lado, a memória é importante
não só para que a aprendizagem chegue a bom termo. A memória
é vital à nossa percepção de identidade, à noção de quem somos,
logo, para saber de onde viemos e para onde vamos...

8.5 A importância dos conhecimentos anteriores


A Abordagem Cognitivista sugere que o conhecimento que o in-
divíduo já traz é um dos elementos mais importantes para a situa-
ção de aprendizagem; o que já se sabe determina grande parte
daquilo a que se presta atenção, o que se percebe, o que se aprende,
o que se lembra e o que se esquece. Por causa da importância do
conhecimento, fala-se também de metacognição – o conhecimento
do conhecer, ou seja, o conhecimento das estratégias, do que usar
para chegar ao conhecimento, do que cada pessoa sabe sobre como
aprende. E também, o que já sabemos em grande parte determina
ao que prestamos atenção e pode orientar novas aprendizagens: “é
um andaime que apoia a construção de toda a futura aprendiza-
gem” (ALEXANDER, 1996, p. 31 apud WOOLFOLK, 2000, p. 220).

Um estudo interessante mostra isto. Alunos do Ensino Mé-


dio, identificados como bons e maus leitores, foram testados
sobre seus conhecimentos de futebol que não estavam relacio-
nados à capacidade de ler. Identificam-se quatro grupos:
4. bons leitores/alto conhecimento de futebol;
5. bons leitores/baixo conhecimento de futebol;
6. maus leitores/alto conhecimento de futebol; e
7. maus leitores/baixo conhecimento de futebol.
Então todos leram um texto descrevendo um jogo de futebol e
foram testados de inúmeras maneiras para verificar entendimento
e lembrança da leitura. Os maus leitores que tinham conhecimen-
to sobre futebol (grupo 3) saíram-se igual aos bons leitores com
conhecimento de futebol (grupo 1) e melhor do que todos os bons
leitores que não conheciam futebol (grupo 2). Os maus leitores
sem conhecimento de futebol (grupo 4) saíram-se muito pior!
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 177

Aproveitando que estamos falando sobre conhecimento, é inte-


ressante dizer que, de acordo com o seu grau de abrangência, eles
podem ser: conhecimentos gerais (como ler, procurar uma pessoa)
ou específicos (como calcular logaritmo ou redigir uma dissertação).
De acordo com o grau de consciência que temos deles (ou me-
taconhecimento), podemos falar em conhecimento:
Declarativo
O que pode ser dito,
•• declarativo − Aquele que você sabe e sabe que sabe e que pode
expresso, explícito. ser explícito em alguma forma de linguagem;
Processual •• processual − É aquele que você sabe e não sabe que sabe. Por
Refere-se aos proce- exemplo, você escreve? Como você escreve? Como cortar uma
ssamentos – mentais e
físicos – ao como atuamos e fatia de queijo bem fininha? Pode descrever como é isto? Por
do qual muito fica implícito outro lado, você pode saber executar, saber como responder
e não é conhecido de
modo expresso; o que não à situação, pode demonstrar algo (mesmo que não saiba falar
é declarado (ou não se muito sobre como está agindo ou como achou a solução...),
consegue declarar).
pois falar é diferente de fazer; e
•• condicional é saber “quando e por quê”, ou seja, quando aplicar
um procedimento ou outro. No Quadro 8.1 podemos conferir
como é possível relacionar esses dois critérios para analisar os
conhecimentos.

8.6 Qualificando os conteúdos de ensino


Os conteúdos e os temas tratados durante o processo de ensi-
no/ aprendizagem apresentam qualidades diferentes que os dis-
tinguem entre si e são relevantes. É importante conhecê-las pelas
consequências que essas características projetam, inclusive, nos
procedimentos exigidos para buscar o ensino/aprendizagem.
Assim a própria atividade de ensino deve ser diferenciada em
função do tipo de conhecimento que se busca desenvolver. Os
conhecimentos com os quais você e seus alunos lidam, por sua vez,
podem ser caracterizados como:
1. fatos: quem descobriu...? Quantas vezes o Sol é maior que a
Terra? Etc.;
2. conceitos e princípios: noções abstratas, genéricas, como rele-
vo, porcentagem, célula, gravidade, funções químicas etc.;
178 Pisicologia Educacional

Quadro 8.1 − Tipos de conhecimento


Conhecimento Geral Conhecimento Específico
Declarativo

• a definição de hipotenusa
• horário de biblioteca
• as linhas do poema Ou isto ou
• regras de gramática
aquilo, de Cecília Meireles

Processual
• como resolver uma equação de
• como usar o computador redução
• como fotografar • como modelar um vaso no trono
do oleiro
Condicional
• quando usar a fórmula para
• quando passar os olhos calcular volume
• quando ler e quando anotar • quando correr para a rede num
jogo de tênis

3. procedimentos ou processos: como construir um avião de pa-


pel, como medir a área, testar o pH etc.; e
4. atitudes e valores: forma de portar-se e responder em relação
ao ambiente e aos outros.
Ao tratar das atividades de avaliação, que é uma parte intrín-
seca ao processo de ensino/aprendizagem, você verá que essas
devem ser diferenciadas também em função do tipo de conteúdo
com que se está lidando. Para avaliar os procedimentos que o estu-
dante deve ter aprendido, é preciso criar uma situação em que eles
possam ser apresentados (ou exigidos), coisa que as perguntas de
prova tipo questionário não permitem avaliar.
A avaliação é um processo extremamente relevante. Devemos
Com certeza ela será
aproveitar aqui para lembrar que a avaliação é uma etapa dos pro- também abordada em
cessos de ensino/aprendizagem. No instante em se planeja algum outras disciplinas,
inclusive na Didática.
ensino, nesse planejamento deve-se deixar explicitada a avaliação:
ela é um instrumento que visa verificar se o processo foi efetivo,
que mudanças fazer em vista dos resultados atingidos, bem como
itens que são necessários para a reformulação da atuação do pro-
fessor, dos estudantes, entre outros aspectos a considerar. Assim,
para uma avaliação rigorosa do processo, é válido fazer uma linha
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 179

Você percebe que os conteúdos ensinados podem ser dis-


tribuídos entre os tópicos apontados acima? Você consegue
propor atividades para ensinar cada um dos tipos de conteúdo
acima listados? É possível ensinar um procedimento com uma
palestra, ou outras atividades são mais favoráveis a esse ensino
do que uma palestra? Como é possível ensinar efetivamente?
E, quanto a valores, você deixa de ter os seus valores durante
sua atuação? Consegue ser isento em relação a eles? Como fica
o ensino de valores enquanto se ensina determinado conceito?

de base: antes da sua atuação e da introdução do novo assunto,


é importante aplicar um instrumento de sondagem que pode ser
um teste ou prova para verificar os conhecimentos anteriores dos
alunos. Os efeitos da atuação do professor após as situações de en-
sino/aprendizagem podem ser mais bem percebidos no contraste
entre os resultados obtidos ao fim do processo contrapostos aos
do início, ou seja, à linha de base. Essa proposta é enfatizada pela
Abordagem Behaviorista, mas pode ser bastante interessante e até
mesmo combinada com propostas de outras correntes que desta-
cam a importância dos conhecimentos anteriores como condição
para aquisição de novos conhecimentos, como você viu acima.
Por outro lado, como instrumento de reflexão e avaliação do
processo de ensino/aprendizagem olhar de modo mais amplo os
conteúdos tratados sob esse referencial pode ser importante tam-
bém. Estamos trabalhando de forma deliberada e explícita com
todos os diferentes conteúdos? Ou em vez disto apenas com fa-
tos? Todos os professores têm o domínio de que estão lidando com
o ensino de procedimentos além de fatos? E também de atitudes
e valores? Sabem que ensinam valores e atitudes mesmo quando
eles não estão no plano de aula? Como os diferentes conteúdos es-
tão distribuídos nas atividades de ensino? Como as estratégias de
ensino (e de avaliação) estão ajustadas a lidar com cada conteúdo?
Também podemos dizer que, quanto mais conservador (tradi-
cional) o ensino, mais ele contempla o item fatos, mais centrado ele
é na informação e menos na formação, menor clareza tem o profes-
sor em relação aos outros itens com que lida, certo? É aí que entra
a idéia do aluno como tábula rasa. Para que isto não ocorra, você
180 Pisicologia Educacional

precisa lidar com os conceitos (e as formas de conhecimento) que


os alunos já possuem: em geral não são tão organizados como os
do professor, podem ser inconscientes, mas eles existem. Os alunos
quando chegam à sala de aula já têm um conceito de gravidade, for-
ça, fração, simbiose etc., que provém, por exemplo, do senso comum,
mas ele está lá. Além disso, muitas vezes esses conhecimentos tra-
zidos, essas crenças do senso comum estão em contradição com a
informação que você quer passar. Assim, você precisa conquistar o
aluno, até para que ele ouça você e consiga reformular sua forma de
pensar. Recupere as colocações da Psicanálise, de Perrenoud sobre o
trabalho docente, de Ausubel sobre a inclusão obliteradora e/ou de
Vygotsky sobre os conceitos espontâneos versus conceitos científicos...
Saber isto ajuda você a entender por que o processo ensino/apren-
dizagem é tão complexo? E, antes de prosseguir, procure relacio-
nar os tópicos sobre ensino/ aprendizagem tratados nesta unidade
com a Tabela 2.2 que você viu no Capítulo 2 para ilustrar fenômenos
psicológicos, a qual aborda funções (outros fenômenos psicológicos
envolvidos) da aprendizagem.
As propostas examinadas nesses dois últimos capítulos levam
a uma mudança de ênfase. Colocando-se o foco no sujeito que
aprende. Ao invés do enfoque tradicional e usual em que o foco é
colocado num processo unilateral, no qual alguém ensina, muda-
se também o foco da discussão: passa-se a considerar igualmente o
sujeito que aprende ao lado do que busca ensinar, e assim a “inte-
ração” – algo bem mais complexo – em vez de ensino em si, dando
atenção ao processo de ensino/aprendizagem como termos in-
dissociáveis. Quando partem do pressuposto de que o indivíduo
obtém o conhecimento ao interagir com o objeto a ser conhecido
e valorizam a construção ativa do significado pelo sujeito, tornam-
-se abordagens construtivistas.
As perspectivas construtivistas baseiam-se na pesquisa dos
psicólogos da Gestalt, de Piaget, Vygotsky, Bruner, bem como na
filosofia educacional de Dewey para apontar algumas das raízes
intelectuais. Não há, no entanto, uma teoria construtivista fecha-
da, e esses autores compartilham algumas ideias e divergem sobre
outras, por isto alguns apontam três tipos de construtivismo:
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 181

•• endógeno: dá ênfase à transformação e à reorganização das es-


truturas cognitivas internas do sujeito, e o novo conhecimento é
abstraído do velho conhecimento, como o faz a teoria de Piaget;
•• exógeno: dá peso aos agentes externos no processo de cons-
trução do conhecimento; enfatiza como os indivíduos recons-
troem a realidade externa, a representação “correta” de uma
realidade externa, exemplo, a Teoria do Processamento de Infor-
mação, que será abordada no próximo capítulo; e, finalmente,
•• dialético: com maior ênfase na interação, o conhecimento se
dá por interação de fatores internos (cognitivos) e externos
(ambientais, sociais etc) como na proposta de Vygotsky.
Nessas leituras que realizou até aqui você pôde entrar em con-
tato com fenômenos e conceitos importantes da Psicologia que
podem servir para lidar com o processo de desenvolvimento e
ensino/aprendizagem. Cabe a você daqui em diante se apropriar
devidamente das teorias abordadas, desenvolver essa introdução
teórica que recebeu e, junto com a reflexão e a discussão do que
ocorre na realidade (bem complexa), procurar orientar as sua
ações de modo a obter bons resultados em sua intervenções. Su-
cesso neste seu trabalho!

Resumo
Vimos neste capítulo que a Abordagem Cognitivista é antiga
visto que as discussões sobre a natureza do conhecimento, sobre
o valor da razão e os conteúdos da mente remontam pelo menos
aos filósofos gregos. Ela procura entender a aprendizagem como
um processo de modificação do conhecimento, em vez de mudan-
ça só do comportamento (em um sentido externo e observável),
e reconhecer a importância que os processos mentais têm nesse
desenvolvimento. A teoria de Ausubel, da aprendizagem signifi-
cativa, considera que o ponto de partida é o conhecimento que o
aluno já tem: nisto se constituem os inclusores. Os organizadores
prévios são materiais introdutórios que se apresentam antes do
novo material de aprendizagem para criar e/ou mobilizar os inclu-
sores pertinentes e que, por um lado, devem apresentar um nível
182 Pisicologia Educacional

de generalidade e abstração maior que o material em si, por outro,


são formulados em termos familiares para o aluno. Já na aprendi-
zagem situada a ênfase é na construção social do conhecimento
(Vygotsky) por internalização de conhecimentos existentes em
um determinado grupo social, processo mediado por símbolos,
especialmente pela linguagem. O conceito de andaime (Bruner)
mostra que é necessário apoio para a aprendizagem: as condições
propostas como instrumentos para que ela ocorra podem ser ou
não adequadas levando-se em conta o momento da construção, o
que revela o duplo caráter da ajuda no processo ensino/aprendiza-
gem: de um lado, necessário e, de outro, transitório.
Colocando a percepção e a atenção como início do ciclo de apren-
dizagem e ao fim o registro ou a memória, podemos usar a Teoria
do Processamento de Informação para explicar a aprendizagem: a)
os estímulos que entram são registrados em uma memória muito
“frágil”, cuja duração é muito breve, chamada de memória senso-
rial; b) a seguir atua a memória de trabalho ou de curto prazo, cuja
duração é maior; c) por fim, atua a memória permanente ou de
longo prazo que está mais protegida. Essa por sua vez se divide em
três categorias: semântica, episódica e processual. Várias ações po-
dem maximizar a aprendizagem, seu armazenamento e recupera-
ção. O modelo usado inicialmente para entender a aprendizagem
é o de um computador, com suas entradas (input) e saídas (output)
de informação. A Teoria do Processamento de Informação é muito
adequada para dar conta dos fatos conhecidos relacionados à me-
mória – fenômeno que se imbrica com a aprendizagem.
Os conhecimentos e os interesses que o sujeito tem, podem ser
uma mediação para a aprendizagem de novos conteúdos bem como
para a metacognição: o que sei sobre como aprendo. Por outro lado,
os conteúdos que são tratados durante o processo de ensino/apren-
dizagem se distinguem entre fatos, conceitos, procedimentos, atitu-
des e valores, levando à atividade de ensino e ao modo de avaliação,
que devem ser diferenciados em função do tipo de conhecimento
que se busca desenvolver. Na relação entre o que se busca ensinar e o
que é aprendido de fato, é possível usar esses dois termos como eixos
para estudar o que acontece dentro desse campo: uma chave para a
aprendizagem efetiva é a nossa relação com os alunos.
Aprendizagem nas Abordagens Cognitivistas 183

Referências
COLL SALVADOR, C. J. et al. Psicologia do Ensino. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
GAONAC’H, D.; GOLDER, C. Profession Enseignant. Paris:
Hachette, 1995.
WOOLFOLK, A. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2000.

Sugestão de leitura
ARMSTRONG, T.; GARDNER, H. Inteligências múltiplas na
sala de aula. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.
COLL, C. et al. Os conteúdos na reforma. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.
COLL, C. et al. Construtivismo em sala de aula. São Paulo:
Ática, 2004.
MEIRIEU, Philippe. Aprender... sim, mas como? Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São
Paulo: EPU, 1986.
REVISTA MENTE&CÉREBRO. Segredos da memória. São
Paulo: Duetto, n. 162, 2006.
c a p í t u lo 9
Sucesso ou fracasso escolar: a
Psicologia pode contribuir
para o sucesso?
O objetivo deste capítulo é estudar um pouco sobre o su-
cesso e o fracasso escolar no sistema educacional brasileiro e
suas razões, bem como de que forma a Psicologia pode con-
tribuir para reverter esse quadro.
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 187

Um terço dos estudantes brasileiros da 1ª série do ensino funda-


mental, em 2003, foi reprovado ou abandonou o sistema escolar.
Reiniciaram seus estudos, novamente, na primeira etapa, em 2004.
Essa é uma das principais medidas do fracasso escolar no Brasil.

O número é alarmante tanto pela sua dimensão, quanto pela


exclusão social provocada. A reprovação representa um enor-
me custo para o Estado e para a sociedade. Custos econômicos
e humanos. O fracasso, anunciado por uma reprovação ou pelo
abandono, é uma porta de entrada para a exclusão social. De
forma simbólica os estudantes estão sendo informados da sua
inaptidão para o aprendizado (ARAÚJO, Carlos Henrique; LU-
ZIO, Nildo. Fracassados aos sete anos? Disponível em: <http://
www.inep.gov.br/imprensa/artigos/artigo_02_05.htm>).

9.1 Sucesso ou fracasso escolar?


O que pode ser considerado como fracasso ou insucesso na esco-
la? Podemos incluir nesse conceito todos aqueles eventos que ocor-
rem em contraposição aos objetivos declarados da escola de levar o
Para ter acesso aos dados conhecimento à população e construir sujeitos capazes de usar esse
atualizados das estatísticas
referentes a essa questão, você conhecimento em benefício próprio e da comunidade. Por meio de
pode consultar o site do INEP, pesquisas realizadas por instituições como o INEP, o IBGE e outros
endereço: http://portal.inep.
gov.br/ e do IBGE: http://www.
órgãos competentes, pode-se constatar que em nosso país há um
ibge.gov.br/home/ alto grau de fracasso escolar e que isto é uma das características do
nosso sistema educacional, como você já deve ter percebido. Entre
os fenômenos que compõem o fracasso escolar temos:
188 Pisicologia Educacional

•• repetência;
•• evasão;
•• atraso escolar;
•• analfabetismo;
•• analfabetismo funcional;
•• analfabetismo científico; e
•• analfabetismo matemático etc.
Além desses eventos, pode-se incluir os maus e bons resultados
em provas e exames de avaliação nacionais, internacionais etc.,
como SAEB, SAEM, ENEM, Programa Internacional de Avaliação
de Alunos (Pisa), entre outros. Olhando mais de perto cada um
desses eventos, podemos iniciar indagando o que leva à repetên-
cia e à evasão escolar?
Vendo as estatísticas (INEP, IBGE etc), pode-se verificar que re-
petência e evasão escolar se distribuem desigualmente pelas regi-
ões brasileiras (mais no Norte e Nordeste do que no Sul, Sudeste
etc.) e também desigualmente ao longo da vida escolar: é maior
especialmente nas 1as em que há um choque maior entre a cultu-
ra dos estudantes e da escola, e/ou 5a série, em que há um novo
choque cultural, agora entre a própria cultura escolar do Ensino
Fundamental (EF) de 1ª à 4ª, série ou Fundamental Menor, e o
Fundamental Maior – de 5ª à 8ª séries. Os índices de repetência
e evasão nas 1a e 5a séries são críticas no Ensino Fundamental e
maiores do que nas demais séries. Você é capaz de dizer por quais
razões essas séries são as mais críticas? Por essas estatísticas pode-
mos inferir o que se passa no Ensino Médio? Confira esses índices
com os dados do último Censo escolar.
Para esclarecer o fenômeno da repetência, Rosa Torres (2000)
trata dos fatores que são internos à escola (parte do microcosmo),
bem como dos externos a ela, incluindo aí as características do sis-
tema educacional, da organização social e/ou comunidade, ou seja,
do macrocosmo, e aponta que, embora a repetência ocorra pratica-
mente em qualquer escola do mundo, nos estudos realizados, paí-
ses não desenvolvidos e pobres têm taxas maiores de repetência, e
essa é maior nas populações carentes (como as rurais em relação às
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 189

urbanas). Isto pode ser visto no Quadro 9.1. Entre as camadas so-
ciais populares pouco escolarizadas há maior incidência de repe-
tência – é a questão do círculo vicioso: pais analfabetos ou pouco
escolarizados, pais que não valorizam a escola, que não podem aju-
dar seus filhos em seus afazeres escolares, que preterem a escola em
relação aos outros afazeres necessários à sobrevivência, todos con-
tribuem para maior repetência. Isto aliado ao fato de que os profes-
sores dessas regiões também são geralmente despreparados para
lidar com essas populações e também são os piores classificados
que se sujeitam a trabalhar com elas e a percorrer maiores distân-
cias em relação aos centros urbanos. Raramente há alguém dessa
população que consegue romper esse ciclo vicioso e escolarizar-se
ou assumir um papel de membro atuante na comunidade.

Quadro 9.1 − Mapa da repetência escolar


Maior repetência associada a Menor repetência associada a
Países em desenvolvimento Países industrializados
Áreas rurais Áreas urbanas
Meninas/Meninos: não se observa um padrão consistente
Rede de ensino público Rede de ensino privado
Graus inferiores do sistema escolar Graus superiores do sistema escolar
Populações indígenas e contextos Populações não indígenas e
bilíngues e/ou multilíngues contextos monolíngues
Alunos de famílias de Alunos de famílias de
baixa renda rendas média e alta
Pais (e, sobretudo, mães)
Pais (e, sobretudo, mães) analfabetos
alfabetizados e com níveis
ou com baixos níveis educativos
educativos superiores
Participação em progamas de
Ausência de atenção na Educação
desenvolvimento infantil ou
Infantil (ou de má qualidade)
Educação Infantil (de boa qualidade)

Os grupos mais excluídos são constituídos por indígenas, ne-


gros e outros, que, já estando socialmente excluídos, ficam cada
vez mais presos a essa condição.
Mudanças para reduzir a repetência podem incluir alterações
também dentro do sistema escolar. Uma delas que tem sido tenta-
da é o sistema de ciclos, em que o aluno passa por etapas do ciclo
190 Pisicologia Educacional

sem que seja retido. Mas também devem-se incluir outras ações,
como discutir e entender melhor sobre os processos de avaliação,
concluindo por estabelecer-se como padrão que:
1. as regras das avaliações sejam claras e conhecidas pelos sujeitos
envolvidos;
2. tenham uma periodicidade adequada;
3. haja garantia de sistemas de recuperação e de dependência;
4. todos os elementos envolvidos no processo de ensino/aprendi-
zagem, e não só os alunos, sejam avaliados; e
5. seu papel formativo e diagnóstico seja predominante em rela-
ção ao classificatório e excludente, entre outras características.
As repetências contribuem para produzir dois fenômenos no-
vos entre aqueles que estamos examinando: a evasão e o atraso
escolar. Pensando então um pouco sobre a evasão: o aluno que é
reprovado pode ser desestimulado a continuar na escola. Princi-
palmente quando ocorre multirepetência – o mesmo aluno é re-
provado várias vezes na mesma série ou em diferentes séries. Com
a repetência ele pode ter o atraso escolar: sua idade é maior que
a idade média da série cursada. Essa defasagem de idade atua so-
bre o sujeito na escola, empurrando-o também para fora dela: sua
adaptação ao grupo fica difícil, seus interesses e motivações muitas
vezes ficam muito distintos dos colegas, como ocorre com um jo-
vem de 15 anos na segunda série, por exemplo.
O que discutimos sobre repetência já nos ajuda a entender a eva-
são: a repetência contribui para a evasão; ambas têm causas comuns,
como as pressões do sistema social geral, os aspectos internos à es-
cola, as relações de sala de aula etc. O aluno que não tem material
para fazer a tarefa ou preparar a prova; ou que está sem uniforme
(muitas vezes a diretora que manda embora); aquele aluno cuja
família precisa que ele trabalhe, oque geralmente faz com que ele
passe para o período noturno − em que quase sempre ocorre o pior
atendimento escolar ou há o abandono de imediato a escola. Sobre
a menina que engravida, temos o número ou as estatísticas de ado-
lescentes grávidas no nosso País? De quantas abandonam a escola?
Assim, o aluno recebe o diploma de reprovado e/ou evadido, e esses
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 191

podem estar acompanhados por outros diplomas, como “analfa-


beto”, “semi-analfabeto”, “excluído” e também de inabilitado para
muitos trabalhos, levando ao desemprego etc. Assim, o fracasso es-
colar pode ser fonte de outras dificuldades para quem o encontra,
Auto-Estima pois ele pode repercutir sobre sua auto-estima e inserção social.
Valor que cada pessoa
dá às suas próprias O analfabetismo é outro fenômeno perverso da organização
características, capacidade social brasileira e do seu sistema educacional e que serve como
e comportamentos.
parâmetro do fracasso escolar. Um grande número de pessoas no
Analfabeto nosso País não é capaz de ler, menos ainda de escrever. Somos um
Derivado de alfa e beta, as dos países com maior número absoluto de analfabetos das Amé-
duas primeiras letras do
alfabeto grego, refere-se à ricas e, proporcionalmente, na taxa de analfabetismo. São 13 mi-
pessoa que não sabe ler e lhões de analfabetos, como você pode conferir nas estatísticas (ver
escrever, não conhece ou
não domina as letras; por
IBGE ou INEP) mais recentes. O analfabetismo tem uma longa
extensão, refere-se a quem história no nosso País e resulta da falta de escolas em muitos locais,
não domina determinada da falta de condições para que todos possam frequentar a escola e
área do conhecimento.
aí permanecer, da falta de metodologias adequadas às diversas po-
pulações de diferentes regiões, como pode ser exemplificado pelo
costume de se usarem cartilhas para “decorar” as palavras e letras,
nas quais “Eva viu a uva” é usada lá onde ninguém conhece ne-
nhuma Eva, e talvez, nunca tenha visto uva, porque nem TV tem,
portanto, essa “decoreba” não faz nenhum sentido para o estudan-
te... Isto acontece mesmo no país que é pátria de Paulo Freire com
Implica necessariamente
no desenvolvimento da
o seu método revolucionário, capaz de levar à alfabetização ou ao
capacidade de ler e escrever. letramento (para certos autores) em apenas 60 dias adultos que
viveram 60 anos nas trevas sem as letras!
Uma outra forma de lembrar aqui a importância da alfabetiza-
ção como iniciação à vida escolar e à cidadania é dizer que mui-
tos tipos de informações (além da linguagem em si) atingem o ser
humano desde o útero, depois do nascimento e ao longo do seu
desenvolvimento até seu ingresso na escola... Assim, considerando
uma criança dentro do seu grupo social, como são as relações nes-
se grupo, quem fornece cuidados à criança comida, colo, banho...
quem fala com ela, etc. No caso específico da linguagem oral,
havendo condições, essa se desenvolve e é, comparativamente à
escrita, “espontânea”, posto que seja fundamental às trocas de in-
formações e interações humanas, e assim ela é aprendida “natural-
mente”, no contexto do grupo, ao contrário da linguagem escrita,
192 Pisicologia Educacional

já que comparativamente não é tão essencial à comunicação e


mesmo à sobrevivência − existiram até civilizações que não a pos-
suíram – e não é também espontânea, exigindo inclusive trabalho
persistente para um resultado efetivo.
A facilidade na aquisição (aprendizagem) da língua materna está
em parte relacionada ao seu papel na comunicação, que é explícito e
patente, além do fato de que ela é adquirida espontaneamente, den-
tro da convivência com o grupo a que o sujeito pertence. O mesmo
não é verdade para a língua escrita, que não é aprendida esponta-
neamente, nem seu papel como instrumento de comunicação é pa-
tente e menos ainda imprescindível. A aprendizagem da linguagem
escrita se dá geralmente na escola para uma criança que está no
Veja dados como estes em
início do seu ciclo vital − em torno de 6−7 anos − e que, em geral,
jornais publicados, como a
até então era alguém eficiente em suas comunicações, tanto as ver- Folha de São Paulo em 8
bais como as não verbais. A aprendizagem da escrita é especialmen- de setembro de 2005.

te difícil quando esse aprendiz pertence a um grupo que não sabe


nada sobre escrita, que não pertence a essa cultura letrada, e assim
a escrita chega como uma imposição, o que é o caso de uma parte
Ocorre o analfabetismo
importante da população brasileira: aprender a ler vira um suplício. matemático quando o
sujeito não consegue realizar
É preciso alfabetizar as grandes massas da população para operações básicas com
vencer o analfabetismo absoluto! Mas é também preciso que as números como ler o preço
de um produto, anotar um
pessoas aprendam efetivamente a ler e escrever, inclusive para número de telefone
não serem analfabetos funcionais − aqueles oficialmente alfabe- ou de ônibus.
tizados, mas de fato são incapazes de ler e entender o que lêem.
De acordo com as pesquisas atuais, apenas 25% dos brasileiros A alfabetização científica
implica a aquisição de
entre 15 e 64 anos dominam a leitura e a escrita e assim podem
vários conhecimentos gerais
ser considerados de fato alfabetizados! O complementar disto, relacionados à natureza, aos
75%, são os analfabetos, seja total ou funcionalmente! resultados e à relevância do
empreendimento científico.
Além das questões que agravam o trabalho da escola de que já
falamos, este é um bom momento para falar um pouco sobre como Alfabetização tecnológica
a alfabetização pode ser a porta de acesso a um mundo novo, à Definida como o
desenvolvimento da
cultura e aos recursos da língua escrita. Pudemos pensar na alfa- capacidade de utilização,
betização da língua escrita, mas também na alfabetização mate- de maneira inteligente e
crítica, de meios tecnológicos,
mática e também na alfabetização científica ou alfabetização bem como de uma postura
tecnológica. Elas se colocam como um momento de possibilidade crítica com relação à própria
tecnologia; apresenta ligações
de entrada ao uso dos recursos do conhecimento acumulado pela intrínsecas com o conceito de
humanidade. Essa possibilidade cabe à escola para o conjunto da alfabetização tecnológica.
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 193

população. E assim torna-se ou não a mediadora do sucesso/fra-


casso no sistema escolar e também do sucesso/fracasso social.
É importante que as alternativas de soluções possíveis para as
questões enfrentadas no sistema educacional sejam sobejamente
discutidas entre os envolvidos. Em primeiro lugar, entre os pró-
prios professores, de modo que não sejam autoritárias, decididas
apenas pela secretária ou diretora, mas também sejam discutidas
entre a comunidade em geral e, especialmente, entre alunos e pais.
Entre as propostas na busca de reverter o fracasso em sucesso es-
colar, pode-se incluir investimento na formação inicial e na forma-
ção continuada de professores, formação de professores de modo
integrado com a prática, melhores salários, melhora de toda a es-
trutura da escola, desde a estrutura física à funcional, adequação
dos currículos aos interesses da comunidade... passando por bol-
sas para crianças/famílias mais pobres, como a bolsa-escola. Você
pode completar essa lista de soluções? Conhece alguma experiência
com sucesso nesse campo?

9.2 Situando a “sala de aula”


O que causa o fracasso escolar? Para buscar respostas de modo
mais econômico a essa questão, vamos fazer o exercício de olhar
uma escola e situá-la. Tomando como exemplo para exercício um
colégio bem pequeno com o seu lado “interno” e “externo”. Do lado
interno podemos iniciar sua descrição observando os itens como
alunos, funcionários, professores e a direção da escola e apontan-
do respostas para as questões levantadas sobre fracasso/ sucesso
escolar. Mais tarde vamos olhar para o seu externo, colocando a
escola sob esse jogo de influências em que está: do lado de fora, de-
vemos apontar o sistema educacional do País (que historicamente
foi estabelecido dentro de uma cultura e organização política) me-
diado pela política estadual e também a municipal, até chegar ao
lado interno, aos sujeitos concretos que se relacionam no dia-a-dia
para compor cada dia letivo concreto.
No exercício proposto de iniciar olhando o lado interno, per-
cebe-se o aluno nos vários contextos que o envolvem, com os
194 Pisicologia Educacional

quais interage, recebe e dá contribuições, como propõe a Teoria


Ecológica (Capítulo 4) e representada na Figura 4.2. Tomando-se
esse sujeito como ponto de partida e como centro, há que con-
siderar quem é o aluno, do que gosta, o que conhece, quais suas
expectativas, seus interesses, como foi sua infância, em que fase
de desenvolvimento se encontra, quais estratégias usa para apren-
der, é portador de necessidades especiais? Ainda levando em conta
essa mesma Figura 4.2, logo a seguir é preciso olhar como é seu
grupo de sala de aula, quem são seus colegas? A classe é heterogê-
nea, em que aspectos e em que grau? E também qual a orientação
pedagógica da escola, o grau de integração do professor com essa
orientação, além dessa professora, o corpo docente, como conjun-
to, trabalha sob a mesma orientação? Como é organizada a sala
de aula – prioriza conteúdos, ou seja, a informação em relação à
formação dos sujeitos cidadãos? Motiva os alunos? Incentiva a au-
tonomia? Uma foto “dessa sala de aula” é uma “boneca russa”. Ao
fazer um “instantâneo” (flash) dessa situação, a foto faz uma repre-
sentação do ponto de vista da sua situação espacial, mas deve dar
conta do sistema dinâmico de interações recíprocas. Para lembrar
um pouco dessas interações complexas, você pode reler a Tabela
2.2, em que se falou das funções que são necessárias para haver
aprendizagem, bem como de que elas podem ser iniciadas pelo
professor ou pelo aluno, contanto que ocorram.
O aluno, a sala de aula, a escola, o quarteirão, o bairro... a ci-
dade, o País, o sistema escolar, econômico, político... tudo isto se
apresenta como se fosse uma boneca russa. Talvez essa imagem Boneca russa
Brinquedo constituído
possa ajudar a pensar como aspectos próximos ao aluno (do mi-
de bonecas numa ordem
crossistema) até os mais distantes (desde o macrossistema até o crescente de tamanhos que
exossistema) podem afetar seu sucesso ou fracasso na escola. são encaixadas uma
dentro da outra.
É importante reafirmar as influências recíprocas do sujeito so-
bre o sistema (micro, macro, exo e cronossitema), ou do macro-
cosmo, e apontar que, embora a repetência ocorra praticamente
em qualquer escola do mundo, nos estudos realizados, países não
desenvolvidos e pobres têm taxas maiores de repetência, e essa
é maior nas populações carentes (como as rurais em relação às
urbanas). Isto pode ser visto no Quadro 9.1, bem como as influ-
ências do sistema sobre o sujeito. Assim, o que o professor e/ou a
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 195

escola fazem ou deixam de fazer faz toda a diferença! Esse cami-


nho pelo qual iniciamos (pelo lado interno) dos contextos impli-
cados nas situações de ensino/aprendizagem talvez possa ajudar
a desativar discursos e falas com que nos deparamos frequente-
mente que desqualificam a relevância das ações concretizadas no
cotidiano, as tentativas para organizar e melhorar os ambientes
de ensino/ aprendizagem, a relação professor/aluno ou outras
ações que não sejam realizadas no macrossitema: como se assim
tornassem-se irrelevantes, indiferentes, ineficazes... esforços des-
qualificados e não mudassem nada.

Por outro lado, será que todo aluno se adapta a qualquer turma
ou grupo de colegas? E também a qualquer sala de aula? E o aluno
se dá bem em todas as disciplinas? Ou se relaciona bem com todos
os professores? E o sucesso ocorre independentemente de qual seja
a metodologia de ensino em uso?
Nas considerações sobre as possibilidades de sucesso/fracas-
so escolar há que considerar esses aspectos da ambiência da(s)
pessoa(s) do aluno(s). Não só o(s) aluno(s) em si, mas a relação
entre ele(s) e o seu entorno, que incluem desde aspectos físicos –
as condições de espaço, conforto térmico, iluminação, tamanho
das carteiras, número de alunos na sala − até quanto o professor
falta ao trabalho, como organiza a lição de casa, enfim... Cada um
desses aspectos que compõem essa ambiência são também trata-
dos pela Psicologia. Sobre alguns deles já pudemos aqui neste tex-
to abrir janelas para que você fique atento a suas contribuições.
Vamos aproveitar para ver outros aspectos.
Levando em conta pesquisas que relacionam as orientações pe-
dagógicas e as metodologias decorrentes utilizadas pelos professo-
res e o sucesso/fracasso escolar, podemos contribuir com alguns
relatos de modo a situar o problema. Em O fracasso escolar e a
busca de soluções alternativas, Mamede-Neves (1993) relata um
trabalho realizado com alunos repetentes de primeira série dividi-
dos em grupos em que cada um deles foi submetido a procedi-
mentos e atividades por diferentes orientações psicopedagógicas, a
saber: a) grupo A − privilegiando a autonomia na construção de
identidade e criatividade; b) grupo B − privilegiando a atividade
196 Pisicologia Educacional

psicomotora e a construção do pensamento matemático; c) grupo


C − privilegiando a construção da lectoescrita. As atividades fo- Lectoescrita
Aprendizagem da leitura
ram realizadas em horário extra-classe, num projeto de extensão
e da escrita, o que é algo
escolar dos alunos, mostrando que as orientações e as atividades mais abrangente do que o
dos grupos A e B foram mais efetivas em ampliar o desenvolvi- sugerido por “alfabetização”.

mento e o desempenho dos sujeitos do que no caso do grupo C,


que teve por objetivo principal a lectoescrita.

O ponto de partida do professor para organizar os conte-


údos a serem ensinados e decidir sobre estratégias que usará
para chegar aos objetivos propostos etc. é conhecer os estu-
dantes com que está trabalhando, reconhecendo suas identi-
dades, seus interesses, conhecimentos anteriores etc. Na sala
de aula há o individual aliado ao grupal: é preciso reconhe-
cer interesses e identidades particulares, mas de alguma forma
lida-se com o “grupo”, que é uma resultante dos interesses das
pessoas que o compõem. Wallon (1975) já chamava a atenção
para o conflito que vive o docente entre seguir trabalhando
com as individualidades e lidar com os interesses do grupo.
Na sala de aula com vários alunos não há como seguir pre-
cisamente as inclinações de cada um deles exclusivamente...
É importante coligir interesses para trabalhar com o grupo.

Outro exemplo que pode indicar os efeitos da metodologia de


ensino sobre a aprendizagem pode ser colhido nos relatos do li-
vro Na vida dez, na escola zero de Terezinha Carraher, Carraher e
Schliemann (1988), em que se compara o desempenho em ativida-
des de matemática: a) quando os sujeitos aprendem formalmente
um conteúdo – o que ocorre frequentemente na escola, local em
que esse conteúdo é descontextualizado e onde se “decora” os al-
goritmos; e b) quando os sujeitos aprendem na vida – na feira,
trabalhando, etc., onde crianças e jovens aprendem a fazer contas,
dar troco etc. de modo efetivo. O procedimento de contextualizar
os problemas matemáticos propostos pelas pesquisadoras favorece
seu entendimento e sua correta solução, enquanto que descontex-
tualizados eles não recebem soluções adequadas. Questões que são
relevantes para serem respondidas por você que está estudando
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 197

para ser professor ou mesmo que já está na sala de aula: será que
isto só ocorre na Matemática? Os conteúdos que são tratados no
ensino são questões que se relacionam ao que os alunos vivem?
Parte-se da experiência de vida dos alunos, da realidade local e/
ou das questões prementes da região para tratar dos conteúdos es-
pecíficos de cada disciplina? Os conteúdos escolares têm alguma
Resultam do uso do método
descritivo, portanto, sem ressonância para a vida dos alunos?
intervenção sobre o fenômeno
estudado. A etnografia foi Autores que tratam das características da escola e de como é
usada inicialmente pela gerado o fracasso escolar no Brasil mostram uma gama de as-
Antropologia para descrever
culturas de diversos povos. pectos importantes. Por meio de estudos etnográficos, pode-se
ver como é o dia-a-dia da escola e a atuação do professor, como
esse desconsidera os conhecimentos anteriores do aluno, usa o
tempo em sala de aula mais para instaurar a “disciplina” do que
propriamente lidar com os conhecimentos que são necessários
ao aluno, a existência de muitos preconceitos interferindo na
relação dos professores com os alunos. Entre esses, Dorneles
(1987), por exemplo, tomando uma escola fundamental para
observar, descreve como a metodologia dominante é a da cópia
da lousa, da fala única – a de professora − e como a experiên-
cia dos alunos não é um ponto de partida, resultando em que
a lição principal que resulta na escola é especialmente sobre
controle social. Algo semelhante é observado e descrito por Lia
Freitas (1991), que mostra como a escola atua no sentido de
reprovar e excluir grande parte dos alunos que pertencem às
classes menos favorecidas, de modo que a escola acaba por pro-
duzir, em vez do conhecimento e da promoção social daqueles
que a frequentam, a sua exclusão, e neste sentido então a igno-
rância é produzida na escola quando essa dá o diploma de exclu-
ído a uma porcentagem considerável de crianças e jovens. Para
a autora, a escola, para dar o diploma de “aprovado, promovido,
diplomado e assim incluído”, necessariamente e ao mesmo tem-
po, está dando o de “reprovado, rebaixado, excluído”: essa é a
lógica da avaliação classificatória (quantitativa). Ao lado desses
aspectos que destacam a forma de funcionamento interno da
escola, as autoras (todos nós) também destacam: o desprestígio
social do professor, os baixos salários que recebem, o desca-
so em relação à estrutura da escola e a materiais didáticos, de
198 Pisicologia Educacional

modo geral o baixo investimento em educação (e saúde), entre


outros aspectos. Essas constatações deslocam nosso olhar em
direção centrífuga: do microssistema em que olhávamos em di-
reção ao horizonte às zonas mais amplas de influência a outros
aspectos do social a tratar (como faremos adiante).
Ainda dentro do ambiente escolar também é fácil observarem-
-se os efeitos das previsões de professores (o pessoal na escola,
além dos familiares) sobre o futuro de uma criança. Por meio da
nota que essa alcança nas avaliações, a perspectiva que se coloca
é que de o aluno nota dez vai ser um líder, gerente no mercado
de trabalho, e os outros alunos, os que têm as notas ruins, irão Experimento realizado por
psicólogos (Rosenthal e
ocupar cargos menores quando estiverem à procura de emprego. Jacobson, em 1968) que
A própria expectativa do professor, é ela em si, um instrumento mostrou como a expectativa
positiva ou negativa
para a sua realização. Veja por exemplo o experimento da pro- dos professores gera o
fecia auto-realizadora, levado a cabo em uma escola onde alu- resultado previsto.
nos fracos foram apresentados a professores vindos de fora como
sendo alunos excelentes. Passado algum tempo após o início da
vida nessa escola, verificou-se que essa turma era, de fato, a me-
lhor. As expectativas dos professores (de pais, dos colegas e dos
demais integrantes da equipe escolar) servem como mediação
para atitudes e ações que as transformam em realidade.

9.3 A questão do fracasso escolar


no contexto social
O preconceito é outro elemento de fundamental importân-
cia a ser pensado no que se refere ao fracasso escolar, pois per-
meia as relações humanas do sistema de ensino. O preconceito
pode ser encarado como um juízo de valor falso construído
pelo desconhecimento ou por pressão de uma estrutura histó-
rica, sendo às vezes reforçado por algumas teorias científicas de
determinados momentos históricos. Isto leva a que o aluno seja
discriminado por suas ações, modo de vestir e de falar e até his-
tória de vida (como ser adotado, alcoolismo na família), e esses
fatores passam a justificar a dificuldade e o fracasso do educan-
do e desviam atenção dos educadores dos reais problemas do
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 199

ensino e da escola. A segunda forma de preconceito ocorreu,


por exemplo, em virtude de teorias racistas veiculadas no final
do século XIX que buscaram explicar o atual estado de coisas
dizendo que a união racial entre negros e índios resultou num
povo descompromissado e preguiçoso, e com as teorias da eu-
genia que defendiam ser o povo ariano superior física e inte-
lectualmente e também e das teorias de carência cultural que
pregavam que se o meio cultural não oferece subsídio para o
estudante, assim esse não consegue aprender. Por meio dessas
teorias a culpa pelo fracasso escolar é do aluno ou ainda passa à
família e ao ambiente onde vive (PATTO, 1996). É isto o que faz
a Teoria do Dom, teoria que explica que aqueles que atingem
o sucesso já traziam em si as condições para isto, ou seja, suas
capacidades, seus dons; enquanto os que atingem o fracasso aí
chegam for falta de dons e capacidade. Ela é um modo de pen-
sar a escola e a educação e de interpretar seus resultados muito
frequente e fortemente presente no nosso meio. No entanto ela
está apoiada em concepções difíceis de defender (que são em
última instância inatistas) até à luz do conhecimento científico
de que se dispõe. Por outro lado, como trabalhar e militar na
educação se por convicção não acreditamos no seu poder, no
seu papel de construção dos sujeitos? Essa descrença pode ser
uma das consequências de se adotar a ideologia do dom.
Um dos problemas que vivemos no Brasil é a enorme distância
social que existe entre os grupos: do ponto de vista econômico, de
um lado, há uma imensa parte da população que é muito pobre e
uma ínfima fatia da população que se apropria da maior parte da
riqueza do País, a própria classe média está se reduzindo e forne-
cendo quadros para a maioria pobre; o gradiente de escolaridade
tem uma distribuição semelhante à descrita sobre a situação eco-
nômica. Além do grande número de analfabetos, o grau de escola-
ridade médio no País é igualmente muito baixo. Seria ingenuidade
achar que melhorar a escolaridade por si só possa resolver todas as
questões sociais, e também seria ingenuidade negar a importância
de conhecimentos tradicionais da população. No entanto, no es-
tágio de organização social em que nos encontramos, o papel da
escola como veículo de conhecimento é inquestionável. Algumas
200 Pisicologia Educacional

pesquisas realizadas no País mostram como a escolaridade se re-


laciona ao rendimento econômico de modo que aos anos de estu-
do correspondem acréscimos no salário recebido. Pode-se dizer
que entramos num círculo vicioso: sem frequentar a escola não
há como se conquistar um emprego razoável; sem emprego não
dá para manter os filhos na escola... E como está a escola disponível
para a população mais pobre? Ou seja, a escola pública? Abando-
nada, praticamente. Seus professores são mal preparados, ela não
tem recursos, exatamente onde há mais obstáculos a vencer... O
que ocorre é que a escola e o ensino têm reproduzido as desigual-
dades sociais da sociedade no seu interior.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu desenvolveu dois con- Que na sua origem aponta
para um dos fatores da
ceitos novos, habitus e campo, e reinventou um já estabeleci- produção, junto com mão-de-
do, o de capital, que desdobrou em capital econômico, capital obra e ferramentas.
social e capital cultural.

• Habitus - Modo de agir por meio de automatismos, sem decisão


consciente. Foi tratado no Capítulo 2 sobre a atuação do professor.
• Campo - Influências num sistema de relações sociais.
• Capital econômico - O capital propriamente dito, ou seja, o
dinheiro.
• Capital social - Indica como as relações sociais mantidas na socie-
dade servem de instrumento para garantir prestígio ao sujeito e as-
sim colaboram (ou não) para sua sobrevivência, sua inserção na so-
ciedade etc.
• Capital cultural - Corresponde a “quanta cultura” que alguém de-
tém. Considerando-se que em diferentes estratos sociais a cultura Pierre Bourdieu
também é diferente, que a cultura do grupo dominante é privilegia- (1930−2002) – sociólogo
da quando comparada àquela dos demais grupos e é ela que é toma- francês, foi um dos sociólogos
da como referencial (ela é “a cultura”), portanto, os dominados dis- mais importantes da segunda
metade do século XX.
põem de “menos” capital cultural: recebem um patrimônio cultural
Centrou suas investigações
“menor” dentro da família do que o dos grupos mais ricos em relação na sociologia da cultura,
a esse conteúdo cultural. da educação e dos estilos
de vida (Os herdeiros,
em colaboração com J. C.
Passeron, 1964; A reprodução.
Magda Soares (1994) aplica o conceito de capital cultural à Elementos para uma teoria
do sistema de ensino, 1970)
questão da linguagem na escola, onde, de um lado, existe a nor- bem como a linguagem como
ma culta ou norma padrão, que é a “língua” falada pelos estra- elemento socializador (Homo
academicus, 1984; Linguagem
tos dominantes, indispensável para se auferir prestígio social,
e poder simbólico, 1987)
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 201

mas também para realizar uma boa entrevista de trabalho, es-


crever uma carta solicitando um emprego, passar no vestibu-
lar... de outro, existem as “línguas” populares (talvez dialetos,
segundo a autora), que servem muito bem a um dos fins que
cumpre: a comunicação entre as pessoas. Apesar disto, não ser-
vem de modo tão adequado quanto desejável para conquistar
aquela vaga no mercado de trabalho, para garantir o diploma
de aprovado etc. Essas desigualdades da linguagem podem ser-
vir como indicadoras dos diversos capitais culturais de vários
grupos e estratos sociais. Ao compreender a escola dessa forma,
com essas desigualdades, o professor pode assumir com maior
zelo seu papel: em vez de discriminar o estudante pela lingua-
gem que usa, de reduzir sua auto-estima, de trabalhar contra
sua identidade cultural quando desqualifica a sua fala cotidia-
na, a fala do seu grupo social – eficiente instrumento de comu-
nicação, ainda que não siga a norma culta –, pode se dedicar
com mais responsabilidade a lhe ensinar os segredos da norma
culta enquanto valoriza por seu valor comunicativo a forma de
linguagem usual no grupo de seus alunos.
Outro autor que traz uma contribuição interessante para en-
tender a situação da escola é Michel Foucault. Em seus trabalhos
mostra como a sociedade de classes se serve de suas instituições
para instalar suas normas de funcionamento, as quais levam à
existência de dominantes e subordinados. Esse tema é tratado par-
Michel Foucalt ticularmente em Microfísica do poder. A escola é uma das institui-
Filósofo francês (1926−1984). ções que desempenha esse papel.
Estudou filosofia na École
Normale Supérieure de Paris Áurea Guimarães (1988), ao levantar a depredação presente em
e exerceu a docência nas
escolas da região de Campinas, no Estado de São Paulo, recorre a
universidades de Clermont-
Ferrand e Vincennes, e no Foucault para dar conta de como a população pode destruir o que
Collège de France (1970). aparentemente deveria preservar: a escola. Na pesquisa empírica que
Escreveu os livros: As palavras
e as coisas (1966); Vigiar realizou, Guimarães relaciona o grau de depredação à forma de dis-
e punir (1975); História da tribuição do poder no interior da escola: escolas onde há uma direção
sexualidade. Outros ensaios
de Foucault são: Loucura muito autoritária ou então, ao contrário, muito frouxa são as mais
e civilização (1960); A depredadas; enquanto naquelas em que as decisões são mais com-
arqueologia do saber (1969)
e os dois primeiros volumes
partilhadas não há depredação ou ela é menor. Uma direção muito
da História da sexualidade − autoritária, que não deixa espaço à participação e à contestação de
Introdução (1976) e suas decisões, gera o clima propício à contestação violenta, enquanto
O uso do prazer (1984).
202 Pisicologia Educacional

que as direções mais democráticas, em que decisões são comparti-


lhadas, levam a co-responsabilidade e contribuem para a cidadania.

9.4 A contribuição da Psicologia para o


sucesso escolar: possibilidades e limites
De acordo com Coll et al. (2000), à Psicologia Educacional com-
pete pelo menos três dimensões, a saber: uma teórica, contribuir
para entender os fenômenos educativos; outra tecnológica, a de
colaborar com a elaboração de procedimentos, estratégias e pla-
nejamentos; e, por fim, técnica, colaborando para práticas educa-
tivas mais eficazes, mais satisfatórias e enriquecedoras para todas
as pessoas que estão envolvidas nos processos.
A LDB, Lei n. 9.394/9, que rege nosso sistema educativo, cria es-
paços para a interface Psicologia/Educação no interior do trabalho
pedagógico escolar, no trabalho da escola com os pais e também em
muitos outros contextos educativos da sociedade (DELPRETTE,
2003), havendo, assim, muito trabalho para o psicólogo educacio-
nal/escolar. Porém, ainda de acordo com essa autora, a legislação
cria esses espaços, mas ela não garante a atuação do psicólogo (ao
contrário, parece priorizar, em termos de orçamento, o trabalho de
outros especialistas). Em função da aplicação da mesma LDB, cabe
destacar a contribuição desse profissional na elaboração de plane-
jamentos, das avaliações, na formação e na educação continuada
de professores. Guzzo (2003) destaca que experiências interna-
cionais, mas também brasileiras e pouco divulgadas mostram o
quanto é possível fazer nas escolas quando um olhar técnico do
psicólogo está presente, acompanhando o trabalho do professor
para crescimento cognitivo dos estudantes, mas não só esse, como
também para o desenvolvimento de competências sociais e afetivas
e sua inserção no grupo social de origem. Para isto se concretizar é
fundamental que esse profissional entenda o sistema educacional
em suas dimensões sociais e políticas; estude o sucesso escolar e as
formas de implementá-lo; entenda e saiba desenvolver programas
preventivos envolvendo pais e professores; seja capaz de priorizar
o atendimento coletivo ao individual, pois a escola é um espaço de
desenvolvimento social, e o psicólogo tem aí um importante papel.
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 203

Em síntese: por que fazer esse apanhado sobre o fracasso es-


colar? Juntar essas informações pode nos deixar mais pessimis-
tas e descrentes ou podem de alguma forma contribuir para uma
melhor percepção do problema? Para uma avaliação melhor das
ações necessárias para a sua reversão e dos recursos disponíveis
para chegar ao que seria o sucesso escolar? Propomos que a segun-
da alternativa seja o resultado das presentes considerações, aliadas
às reflexões e às discussões em classe.
Pelo que foi apresentado, vemos que as soluções para o fracasso
escolar perpassam questões políticas e éticas sobre as quais cada
um de nós, como cidadão, deve decidir. Ao lado disto, uma das
questões que devemos procurar responder é como a Psicologia em
geral, e a Psicologia Educacional, em especial, podem colaborar
nas tomadas de decisões. Entre elas, estão as questões: Qual é a
nossa própria concepção de homem? Como a educação modifica
a autopercepção e/ou a do professor no processo de ensino/apren-
dizagem e de desenvolvimento?
A Psicologia Educacional, ao procurar esclarecer essas questões,
coloca-se ao lado do licenciando e do licenciado para o entendi-
mento da complexidade, das relações e das mediações nos proces-
sos de ensino que ocorrem na escola, bem como outras instâncias
sociais. Para transformar em prática social o ideal de “educação
para todos”, é preciso que a escola seja tratada como “um problema
a ser estudado”, em vez de ser o aluno, o sujeito que a frequenta, “o
problema” ou o principal inculpado pelo fracasso!
A sala de aula reflete a sociedade. A Psicologia em geral, a Psi-
cologia Escolar e a Educacional, em particular, devem colaborar
para transformar o foco limitado das dificuldades de aprendiza-
gem para uma proposta de trabalho coletivo, com orientação pre-
ventiva, contribuindo para a redução de riscos sociais que atingem
a população. O psicólogo escolar/educacional deve ser um agente
diretamente envolvido no dia-a-dia com a educação, seja em si-
tuações não sistematizadas, onde deve tornar-se promotor de so-
luções no ensino, na aprendizagem em questões pessoais, sociais
e institucionais e comunitárias, participando da solução de con-
flitos e de problemas de comunicação, na avaliação permanente,
na educação de Pessoas com Necessidades Especiais – PNE e/ou
204 Pisicologia Educacional

superdotadas, no relacionamento interativo entre comunidade/es-


cola, família e crianças, nas atividades psicopedagógicas, nos gru-
pos de estudo, nos relacionamentos interpessoais na sala de aula,
na instituição escolar. A Psicologia Educacional deve contribuir
para estabelecer estratégias que minimizem o fracasso, participan-
do da rotina escolar de modo integrado com toda a escola.

Resumo
O que pode ser considerado como fracasso ou insucesso na
escola? Todos os eventos que ocorrem em contraposição aos ob-
jetivos declarados da escola de levar o conhecimento à população
e construir sujeitos capazes de usar esse conhecimento em benefí-
cio próprio e da comunidade, incluindo: repetência, evasão, atra-
so escolar, analfabetismo, analfabetismo funcional, analfabetismo
científico e matemático, maus resultados em provas e exames de
avaliação nacionais, internacionais etc., que se distribuem desi-
gualmente pelas regiões e também desigualmente ao longo da vida
escolar. Na busca para esclarecer esse fenômeno, aponta-se para
fatores internos à escola (parte do microcosmo), bem como dos
externos a ela, como as características do sistema educacional, da
organização social e/ou comunidade, ou seja, do macrocosmo. As-
sim, mudanças para reduzir o fracasso podem incluir alterações
nas relações dentro de sala de aula, dentro da escola, do sistema
escolar e, além deste, na sociedade. As possibilidades de solução
exigem que todas as questões enfrentadas sejam discutidas por
todos os envolvidos, professores, alunos, comunidade escolar. As
propostas capazes de reverter o fracasso em sucesso escolar devem
incluir investimento na formação inicial e na formação continu-
ada de professores, formação de professores de modo integrado
com a prática, melhores salários, melhora de toda a estrutura da
escola desde a estrutura física à funcional, adequação dos currí-
culos aos interesses da comunidade, bolsas para crianças/famílias
mais pobres, como a bolsa-escola etc. O psicólogo escolar/educa-
cional deve ser um agente diretamente envolvido no dia-a-dia com
a educação e participando dentro da escola com os demais agentes
para favorecer o sucesso escolar.
Sucesso ou fracasso escolar: a Psicologia pode contribuir para o sucesso? 205

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A Psicologia recebe este nome a partir de psique, termo

simbolo é Ψ. Como área de conhecimento se constitui bem


depois dos gregos, e passa a ser reconhecida como um em-
preendimento cientifico com o laboratório de Wundt em
1879. As questões a que se propõe responder vêm de seu
passado remoto, e deitam suas raízes nas indagações que
o ser humano faz a cerca de si próprio e de seus semelhan-
tes, sobre seu passado, presente e futuro. Já como área de
conheciment, a Psicologia se diferencia em várias escolas
psicológicas, cada qual se outorgando o direito de falar em
seu nome, o que permanece assim até meados do século
XX, quando esta autonomia de cada escola começa a ruir.
Constituída a Psicologia como ciência, cabe-lhe uma con-
tribuição nas questões relacionadas à educação, contri-
buindo assim, para que nas décadas iniciais do século XX,
se desenvolva a Psicologia Educacional, para quem, entre
outros processos psicológicos que ocorrem, interessa em
especial, o desenvolvimento humano e a aprendizagem.
Como disciplina-ponte entre as outras não psicológicas, a
ela cabe contribuir para o aprimoramento do processo de
ensino-aprendizagem seja ele no ambiente escolar ou nos
demais ambientes.

Psicologia Educacional

ISBN 978-85-61485-14-6

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