Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito (Trecho)
Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito (Trecho)
Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito (Trecho)
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— Vamos!
— Calma, não estou com pressa de chegar a lugar
nenhum!
— Seu irmão vai se molhar!
— Não tem o menor risco de que isso aconteça. Ele é
etéreo, um andróide. I may be paranoid, but no android.
Começou a gritar os versos do Radiohead, imitando a
vozinha fina de Thom Yorke. Cumprindo o que eu imaginara,
assumiu a regência da orquestra, pondo para tocar um CD da
banda inglesa no volume mais alto. Ligou o carro, partiu e
freou junto do irmão.
— Passageiro, estamos de partida para o inferno!
Davi entrou em silêncio, sentou-se, e quando olhei
para trás ele jogava no brinquedo eletrônico, ausente do nosso
mundo. Ismael cantarolava “Paranoid Android”, batendo as
mãos no volante. Quando repetia os versos ambition makes you
look pretty ugly, kicking squealing gucci little piggy, olhava para
mim como se eu fosse o pai Natan. Temi pela minha sanida-
de. Conhecia a letra de “Paranoid Android”, desde o tempo
em que estudei em Londres. Nela também se repetia o pânico,
o vômito, o pânico, o vômito.
— É preciso muito tempo pra se gostar de um lugar.
Eu nunca me acostumei à Noruega. Dizem que ela é melhor
do que isso aqui. Eu não acho. O sertão a gente traz nos olhos,
no sangue, nos cromossomos. É uma doença sem cura.
Ao inferno.