Olhos de Mariana
De Fred Elboni
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Olhos de Mariana - Fred Elboni
Capítulo 1
– Seu Jair, o senhor tem certeza de que isso vai dar certo?
– Vai sim, Mariana! Artista tem que arriscar! Confia em mim...
– Ah, mas será que a gente vai conseguir combinar seu estilo com o meu? Será que não vai ser uma confusão no fim?
– A gente precisa ser flexível, precisa saber se adaptar. Você vai ver que dá certo sim. É exatamente por termos esses estilos diferentes que o resultado final fica interessante! Ah, acabou o amarelo-ouro... Mas eu acho que tenho mais. Você pode ver naquele armário do corredor, por favor?
– Naquele com a porta quebrada?
– É, acho que está no canto de baixo, à direita, com as outras tintas... perto de onde eu guardo os pinceis chatos velhos...
Eu já andava pela casa-ateliê de pintura do seu Jair, abrindo portas e armários com tanta familiaridade, que até parecia que eu morava lá. E naqueles últimos dias eu praticamente estava morando mesmo, depois que ele propôs que começássemos um projeto meio maluco de pintar um quadro gigante a quatro mãos, com um continuando os traços e pinceladas do outro. Claro que eu topei. Como eu não aceitaria, vindo dele? Aquele senhorzinho de cabelos brancos, pele enrugada, mas mãos ainda incrivelmente firmes para seus mais de 70 anos tinha se tornado meu amigo, meu mentor, e até meu confidente...
– Acheeeeiii!! – gritei, para que ele tivesse certeza de que o nosso trabalho não ia parar por falta de amarelo-ouro.
Minha ligação com seu Jair começou de uma maneira muito improvável. Na verdade, tudo se iniciou com a minha ligação com a arte mesmo, muitos anos antes, quando eu era criança. Fui apresentada à pintura pela minha tia Silvia, que me mostrou esse mundo e me fez me apaixonar por ele. Se fosse por conta dos meus pais, eu nunca iria nem saber qual era a sensação de deslizar um pincel mergulhado em tinta sobre uma tela.
Em dias de chuva, ou naqueles em que minha mãe não tinha muita paciência com minha inquietação, que me fazia ficar bagunçando pela casa, ela me deixava no apartamento da tia Silvia, e eu amava! Íamos ao mercado, comprávamos coisas gostosas para comer, e ficávamos a tarde inteira pintando quadros ou pedaços de pano. Na verdade, ela pintava. Eu só tentava rabiscar as telas que sobravam. A tia Silvia tinha esse dom incompreendido pela nossa família e gostava de pintar todas as coisas que via pela frente. E eu fui pelo mesmo caminho.
Desde muito pequena, eu já era arteira
, no duplo sentido da palavra. Pintava, desenhava, rabiscava paredes, e todas as minhas bagunças envolviam tintas, pincéis, canetinhas e, quando não tinha essas ferramentas
mais potentes, eu me divertia horas com giz de cera ou lápis de cor mesmo. Pintar sempre foi muito gostoso e desenhar para mim representa até hoje uma conexão profunda comigo mesma, e com tudo o que há de mais genuíno no meu ser. Mesmo que no início poucos conseguissem entender o que realmente havia por trás dos meus traços e tenham me incentivado a seguir na carreira. Por isso, sou muito grata primeiro à minha tia Silvia, que sempre me entendeu por sua alma de artista, e depois ao seu Jair, meu querido vizinho.
– Mariana, é incrível como você faz olhos bem! Você é ótima com esboços, mas quando você põe as tintas, eles ganham uma dimensão, uma luz, uma expressão que tem uma força e uma magia impressionantes!
– Obrigada, seu Jair. Eu sempre gostei de pintar olhos, porque eles são difíceis! Eu sempre fui muito intrigada com eles, sabe? Eles têm uma textura nada fácil de reproduzir, e cada pessoa tem sua personalidade que passa por eles, que se expressa no olhar, e que eu fico querendo captar e transmitir nas minhas pinturas. Parece que existe uma magia nos olhos que a gente não consegue alcançar.
– Verdade Mariana! Mas eu acho que você consegue captar muito bem sim! Os olhos que você pinta são mágicos! – ele me falou com um sorriso nos lábios. E nos olhos.
Antes de eu conhecer seu Jair, ele era apenas o artista
que morava em uma casinha meio esquisita perto da minha, daquelas pelas quais a gente passa e se pergunta Nossa, quem mora aqui?
. Era uma casa um pouco tenebrosa, com um jardim malcuidado, com a pintura da fachada toda descascando, e o número que mal aparecia por estar tampado pelos arbustos sem cortar. Mas sempre que passava pela frente, avistava pela vidraça sem cortina aquele senhor misturando as tintas e aplicando concentradamente na tela, que eu não conseguia enxergar, e ficava morrendo de curiosidade para saber qual desenho estava se formando. Eu ficava imaginando mil histórias na minha cabeça sobre aquele homem, aquela casa e aqueles quadros. E pensava