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A Moreninha
A Moreninha
A Moreninha
E-book225 páginas5 horas

A Moreninha

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Sobre este e-book

Neste romance inaugural do Romantismo no Brasil, Joaquim Manuel de Macedo retrata os costumes da sociedade carioca do século XX. Publicada originalmente em 1844, A Moreninha narra o cotidiano de três jovens amigos – Augusto, Filipe e Leopoldo – que fazem uma aposta durante um feriado em uma pequena ilha. Augusto, considerado volúvel e inconstante, maravilhado por todas as moças, escreveria um romance caso conseguisse se apaixonar até o fim da viagem. Durante sua estadia, conhece D. Carolina, a quem chamam de Moreninha, por quem se encanta, mas não se deixa envolver para não quebrar uma promessa de fidelidade feita a uma menina de quem pouco se lembra. Mas a jovem vai envolvê-lo, e o feriado na ilha trará muitas surpresas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de ago. de 2016
ISBN9788577995288

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    A Moreninha - Joaquim Manuel de Macedo

    2012.

    Duas palavras

    Eis aí vão algumas páginas escritas, às quais me atrevi dar o nome de romance. Não foi ele movido por nenhuma dessas três poderosas inspirações que tantas vezes soem aparar as penas dos autores: glória, amor e interesse. Deste último estou eu bem a coberto com meus vinte e três anos, que não é na juventude que pode ele dirigir o homem; da glória, só se andasse ela caída de suas alturas, rojando asas quebradas, me lembraria eu, tão pela terra que rastejo, de pretender ir apanhá-la. A respeito do amor não falemos, pois se me estivesse o buliçoso a fazer cócegas no coração, bem sabia eu que mais proveitoso me seria gastar meia dúzia de semanas aprendendo numa sala de dança, do que velar trinta noites garatujando o que por aí vai. Este pequeno romance deve sua existência somente aos dias de desenfado e folga que passei no belo Itaboraí, durante as férias do ano passado. Longe do bulício da corte e quase em ócio, a minha imaginação assentou lá consigo que bom ensejo era esse de fazer travessuras e em resultado delas saiu – A MORENINHA.

    Dir-me-ão que o ser a minha imaginação traquinas não é um motivo plausível para vir eu maçar a paciência dos leitores com uma composição balda de merecimento e cheia de irregularidades e defeitos; mas o que querem? quem escreve olha a sua obra como seu filho e todo mundo sabe que o pai acha sempre graça e bondades na querida prole.

    Do que vem dito concluir-se-á que a Moreninha é minha filha, e exatamente assim penso eu. Pode ser que me acusem por não tê-la conservado debaixo de minhas vistas mais tempo, para corrigir suas imperfeições; e mostrá-la depois digna do amor dos leitores: esse era o meu primeiro intento. A Moreninha não é a única filha que possuo: tem três irmãos que pretendo educar com esmero; o mesmo faria a ela; porém, esta menina saiu tão travessa, tão impertinente, que não pude mais sofreá-la no seu berço de carteira e, para ver-me livre dela, venho depositá-la nas mãos do público, de cuja benignidade e paciência tenho ouvido grandes elogios.

    Eu, pois, conto que, não esquecendo a fama antiga, o público a receba e lhe perdoe seus senões, maus modos e leviandades. É uma criança que terá, quando muito, seis meses de idade; merece a compaixão que por ela imploro; mas, se lhe notarem graves defeitos de educação, que provenham da ignorância do pai, rogo que não os deixem passar por alto; acusem-nos, que daí tirarei eu muito proveito, criando e educando melhor os irmãozinhos que a Moreninha tem cá.

    E tu, filha minha, vai com a bênção paterna e queira o céu que ditosa sejas; nem por seres traquinas te estimo menos, e, como prova, vou, em despedida, dar-te um precioso conselho; – recebe, filha, com gratidão, a crítica do homem instruído; não chores se com a unha marcarem o lugar em que tiveres mais notável senão, e quando te disserem que por este erro ou aquela falta não és boa menina, jamais te arrepies, antes agradece e anima-te sempre com as palavras do velho poeta:

    "Deixa-te repreender de quem bem te ama,

    Que, ou te aproveita ou quer aproveitar-te."

    1

    Aposta imprudente

    — Bravo! – exclamou Filipe, entrando e despindo a casaca, que pendurou em um cabide velho. – Bravo!... interessante cena! mas certo que desonrosa fora para casa de um estudante de medicina e já no sexto ano, a não valer-lhe o adágio antigo: – o hábito não faz o monge.

    – Temos discurso!... atenção!... ordem!... – gritaram a um tempo três vozes.

    – Coisa célebre! – acrescentou Leopoldo. – Filipe sempre se torna orador depois do jantar...

    – E dá-lhe para fazer epigramas – disse Fabrício.

    – Naturalmente – acudiu Leopoldo, que, por dono da casa, maior quinhão houvera no cumprimento do recém-chegado; – naturalmente, Bocage, quando tomava carraspana, descompunha os médicos.

    C’est trop fort! – bocejou Augusto, espreguiçando-se no canapé em que se achava deitado.

    – Como quiserem – continuou Filipe, pondo-se em hábitos menores; – mas, por minha vida, que a carraspana de hoje ainda me concede apreciar devidamente aqui o meu amigo Fabrício, que talvez acaba de chegar de alguma visita diplomática, vestido com esmero e alinho, porém, tendo a cabeça encapuzada com a vermelha e velha carapuça do Leopoldo; este, ali escondido dentro do seu robe de chambre cor de burro quando foge, e sentado em uma cadeira tão desconjuntada que, para não cair com ela, põe em ação todas as leis de equilíbrio, que estudou em Pouillet; acolá, enfim, o meu romântico Augusto, em ceroulas, com as fraldas à mostra, estirado em um canapé em tão bom uso, que ainda agora mesmo fez com que Leopoldo se lembrasse de Bocage. Oh! VV. SS. tomam café!... Ali o senhor descansa a xícara azul em um pires de porcelana... aquele tem uma chávena com belos lavores dourados, mas o pires é cor-de-rosa... aquele outro nem porcelana, nem lavores, nem cor azul ou de rosa, nem xícara... nem pires... aquilo é uma tigela num prato...

    – Carraspana!... carraspana!... – gritaram os três.

    – O’ moleque! – prosseguiu Filipe, voltando-se para o corredor – traze-me café, ainda que seja no púcaro em que o coas; pois creio que a não ser a falta de louças, já teu senhor mo teria oferecido.

    – Carraspana!... carraspana!...

    – Sim – continuou ele – eu vejo que vocês...

    – Carraspana!... carraspana!...

    – Não sei de nós quem mostra...

    – Carraspana!... carraspana!...

    Seguiram-se alguns momentos de silêncio; ficaram os quatro estudantes assim a modo de moças quando jogam o siso. Filipe não falava, por conhecer o propósito em que estavam os três de lhe não deixar concluir uma só proposição, e estes, porque esperavam vê-lo abrir a boca para gritar-lhe: carraspana!...

    Enfim, foi ainda Filipe o primeiro que falou, exclamando de repente:

    – Paz! paz!...

    – Ah! já?... – disse Leopoldo, que era o mais influído.

    – Filipe é como o galego – disse um outro; – perderia tudo para não guardar silêncio uma hora.

    – Está bem, o passado, passado; protesto não falar mais nunca na carapuça, nem nas cadeiras, nem no canapé, nem na louça do Leopoldo... Estão no caso... sim...

    – Hein?... olha a carraspana...

    – Basta! vamos a negócio mais sério. Onde vão vocês passar o dia de Sant’Ana?

    – Por quê?... temos patuscada?... – acudiu Leopoldo.

    – Minha avó chama-se Ana.

    – Ergo!...

    – Estou habilitado para convidá-los a vir passar a véspera e dia de Sant’Ana conosco, na ilha de...

    – Eu vou – disse prontamente Leopoldo.

    – E dois – acudiu logo Fabrício.

    Augusto só guardou silêncio.

    – E tu, Augusto?... – perguntou Filipe.

    – Eu?... eu não conheço tua avó.

    – Ora, sou seu criado; também eu não a conheço – disse Fabrício.

    – Nem eu – acrescentou Leopoldo.

    – Não conhecem a avó; mas conhecem o neto – disse Filipe.

    – E demais – tomou Fabrício –, palavra de honra que nenhum de nós tomará o trabalho de lá ir por causa da velha.

    – Augusto, minha avó é a velha mais patusca do Rio de Janeiro.

    – Sim?... que idade tem?

    – Sessenta anos.

    – Está fresquinha ainda... Ora... se um de nós a enfeitiça e se faz avô de Filipe!...

    – E ela, que possui talvez seus duzentos mil cruzados, não é assim, Filipe? Olha, se é assim, e tua avó se lembrasse de querer casar comigo – disse Fabrício –, juro que mais depressa daria o meu recebo a vós aos cobres da velha, do que a qualquer das nossas toma-larguras da moda.

    – Por quem são!... deixem minha avó e tratemos da patuscada. Então tu vais, Augusto?

    – Não.

    – É uma bonita ilha.

    – Não duvido.

    – Reuniremos uma sociedade pouco numerosa, mas bem escolhida.

    – Melhor para vocês.

    – No domingo, à noite, teremos um baile.

    – Estimo que se divirtam.

    – Minhas primas vão.

    – Não as conheço.

    – São bonitas.

    – Que me importa?... Deixa-me. Vocês sabem o meu fraco e caem-me logo com ele: moças!... moças!... Confesso que dou o cavaco por elas, mas as moças me têm posto velho.

    – É porque ele não conhece tuas primas – disse Fabrício.

    – Ora... o que poderão ser senão demoninhas, como são todas as outras moças bonitas?

    – Então tuas primas são gentis?... – perguntou Leopoldo a Filipe.

    – A mais velha – respondeu este – tem dezessete anos, chama-se Joana, tem cabelos negros, belos olhos da mesma cor, e é pálida.

    – Hein?... – exclamou Augusto, pondo-se de um pulo duas braças longe do canapé onde estava deitado – então ela é pálida?...

    – A mais moça tem um ano de menos: loura, de olhos azuis, faces cor-de-rosa... seio de alabastro... dentes...

    – Como se chama?

    – Joaquina.

    – Ai, meus pecados!... – disse Augusto.

    – Vejam como Augusto já está enternecido...

    – Mas, Filipe, tu já me disseste que tinhas uma irmã.

    – Sim, é uma moreninha de quatorze anos.

    – Moreninha? diabo!... – exclamou outra vez Augusto, dando novo pulo.

    – Está sabido... Augusto não relaxa a patuscada.

    – É que este ano já tenho pagodeado meu quantum satis, e, assim como vocês, também eu quero andar em dia com alguns senhores com quem nos é muito preciso estar de contas justas no mês de novembro.

    – Mas a pálida?... a loura?... a moreninha?...

    – Que interessante terceto! – exclamou com tom teatral Augusto; – que coleção de belos tipos!... uma jovem de dezessete anos, pálida... romântica e, portanto, sublime; uma outra, loura... de olhos azuis... faces cor-de-rosa... e... não sei que mais: enfim, clássica e por isso bela. Por último uma terceira de quatorze anos... moreninha, que, ou seja romântica ou clássica, prosaica ou poética, ingênua ou misteriosa, há de, por força, ser interessante, travessa e engraçada; e por consequência qualquer das três, ou todas ao mesmo tempo, muito capazes de fazer de minha alma peteca, de meu coração pitorra!... Está tratado... não há remédio... Filipe, vou visitar tua avó. Sim, é melhor passar os dois dias estudando alegremente nesses três interessantes volumes da grande obra da natureza, do que gastar as horas, por exemplo, sobre um célebre Velpeau, que só ele faz por sua conta e risco mais citações em cada página do que todos os meirinhos reunidos fizeram, fazem e hão de fazer pelo mundo.

    – Bela consequência! É raciocínio o teu que faria inveja a um caloiro – disse Fabrício.

    – Bem raciocinado... não tem dúvida – acudiu Filipe; – então, conto contigo, Augusto?

    – Dou-te palavra... e mesmo porque eu devo visitar tua avó.

    – Sim... já sei... isso dirás tu a ela.

    – Mas vocês não têm reparado que Fabrício tornou-se amuado e pensativo, desde que se falou nas primas de Filipe?...

    – Disseram-me que ele anda enrabichado com minha prima Joaninha.

    – A pálida?... pois eu já me vou dispondo a fazer meu pé-de-alferes com a loura.

    – E tu, Augusto, quererás porventura requestar minha irmã?...

    – É possível.

    – E de qual gostarás mais, da pálida, da loura ou da moreninha?...

    – Creio que gostarei, principalmente, de todas.

    – Ei-lo aí com a sua mania.

    – Augusto é incorrigível.

    – Não, é romântico.

    – Nem uma coisa nem outra... é um grandíssimo velhaco.

    – Não diz o que sente.

    – Não sente o que diz.

    – Faz mais do que isso, pois diz o que não sente.

    – O que quiserem... Serei incorrigível, romântico ou velhaco, não digo o que sinto, não sinto o que digo, ou mesmo digo o que não sinto; sou, enfim, mau e perigoso e vocês inocentes e anjinhos. Todavia, eu a ninguém escondo os sentimentos que ainda há pouco mostrei, e em toda a parte confesso que sou volúvel, inconstante e incapaz de amar três dias um mesmo objeto; verdade seja que nada há mais fácil do que me ouvirem um eu vos amo, mas também a nenhuma pedi ainda que me desse fé; pelo contrário, digo a todas o como sou e, se, apesar de tal, sua vaidade é tanta que se suponham inesquecíveis, a culpa, certo, que não é minha. Eis o que faço. E vós, meus caros amigos, que blasonais de firmeza de rochedo, vós jurais amor eterno cem vezes por ano a cem diversas belezas... vós sois tanto ou ainda mais inconstantes que eu!... mas entre nós há sempre uma grande diferença: – vós enganais e eu desengano; eu digo a verdade e vós, meus senhores, mentis...

    – Está romântico!... está romântico!... – exclamaram os três, rindo às gargalhadas.

    – A alma que Deus me deu – continuou Augusto – é sensível demais para reter por muito tempo uma mesma impressão. Sou inconstante, mas sou feliz na minha inconstância, porque, apaixonando-me tantas vezes não chego nunca a amar uma vez...

    – Oh!... oh!... que horror!... que horror!...

    – Sim! esse sentimento que voto às vezes a dez jovens num só dia, às vezes, numa mesma hora, não é amor, certamente. Por minha vida, interessantes senhores, meus pensamentos nunca têm dama, porque sempre têm damas; eu nunca amei... eu não amo ainda... eu não amarei jamais...

    – Ah!... ah!... ah!... e como ele diz aquilo!

    – Ou, se querem, precisarei melhor o meu programa sentimental; lá vai: afirmo, meus senhores, que meu pensamento nunca se ocupou, não se ocupa, nem se há de ocupar de uma mesma moça quinze dias.

    – E eu afirmo que segunda-feira voltarás da ilha de... loucamente apaixonado de alguma de minhas primas.

    – Pode bem suceder que de ambas.

    – E que todo o resto do ano letivo passarás pela rua de... duas e três vezes por dia, somente com o fim de vê-la.

    – Assevero que não.

    – Assevero que sim.

    – Quem?... eu?... eu mesmo passar duas e três vezes por dia por uma só rua, por causa de uma moça?... e para quê?... para vê-la lançar-me olhos de ternura, ou sorrir-se brandamente quando eu para ela olhar, e depois fazer-me caretas ao lhe dar as costas?... para que ela chame as vizinhas que lhe devem ajudar a chamar-me tolo, pateta, basbaque e namorador?... Não, minhas belas senhoras da moda! eu vos conheço... amante apaixonado quando vos vejo, esqueço-me de vós duas horas depois de deixar-vos. Fora disto só queimarei o incenso da ironia no altar de vossa vaidade; fingirei obedecer a vossos caprichos e somente zombarei deles. Ah!... muitas vezes, alguma de vós, quando me ouve dizer: sois encantadora, está dizendo consigo: ele me adora, enquanto eu digo também comigo: que vaidosa!

    – Que vaidoso!... te digo eu – exclamou Filipe.

    – Ora, esta não é má!... Então vocês querem governar o meu coração?...

    – Não; porém, eu torno a afirmar que tu amarás uma de minhas primas todo o tempo que for da vontade dela.

    – Que mimos de amor que são as primas deste senhor!...

    – Eu te mostrarei.

    – Juro que não.

    – Aposto que sim.

    – Aposto que não.

    – Papel e tinta, escreva-se a aposta.

    – Mas tu me dás muita vantagem e eu rejeitaria a menor. Tens

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