Box Contos de fadas de Joseph Jacobs
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Box Contos de fadas de Joseph Jacobs - Joseph Jacobs
Esta é uma publicação Principis, selo exclusivo da Ciranda Cultural
© 2021 Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.
Traduzido do original em inglês
Celtic fairy tales
Texto
Joseph Jacobs
Tradução
Cristina Lasaitis
Preparação
Mirtes Ugeda Coscodai
Revisão
Fernanda R. Braga Simon
Produção editorial
Ciranda Cultural
Diagramação
Linea Editora
Design de capa
Ciranda Cultural
Ebook
Jarbas C. Cerino
Imagens
bc21/shutterstock.com;
Gerasimov Sergei/shutterstock.com
Yulia Buchatskaya/shutterstock.com
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
J17c Jacobs, Joseph
Contos de fadas celtas [recurso eletrônico] / Joseph Jacobs ; traduzido por Cristina Lasaitis. - Jandira, SP : Principis, 2021.
192 p. ; ePUB ; 3,1 MB. – (Clássicos da literatura mundial)
Tradução de: Celtic fairy tales
Inclui índice. ISBN: 978-65-5552-540-3 (Ebook)
1. Literatura inglesa. 2. Contos. 3. Contos de fadas. I. Lasaitis, Cristina. II. Título. III. Série.
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura inglesa : Contos 823.91
2. Literatura inglesa : Contos 821.111-3
1a edição em 2020
www.cirandacultural.com.br
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada em sistema de busca ou transmitida por qualquer meio, seja ele eletrônico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização do detentor dos direitos, e não pode circular encadernada ou encapada de maneira distinta daquela em que foi publicada, ou sem que as mesmas condições sejam impostas aos compradores subsequentes.
Diga isto três vezes, de olhos fechados:
Mothuighim boladh an Éireannaigh bhinn
bhreugaigh faoi m’fhóidín dúthaigh.
E você vai ver
O que vai ver.
Para
Alfred Nutt
Prefácio
No ano passado, ao dar aos jovens um volume de Contos de fadas ingleses, minha dificuldade havia sido conseguir compilá-los. Desta vez, ao oferecer amostras da rica fantasia folclórica dos celtas destas ilhas, meu problema tem sido selecioná-los. A Irlanda começou a coletar seus contos populares quase tão cedo quanto qualquer país da Europa, e Croker encontrou toda uma escola de sucessores em Carleton, Griffin, Kennedy, Curtin e Douglas Hyde. A Escócia tinha o grande nome de Campbell e ainda tem seguidores importantes em MacDougall, MacInnes, Carmichael, Macleod e Campbell de Tiree. O nobre País de Gales não tem um nome para figurar ao lado desses; nessa área, os Cymru mostraram menos vigor do que os Gaedhel. Talvez o Eisteddfod¹, ao oferecer prêmios pela compilação de contos populares galeses, possa corrigir essa desvantagem. Enquanto isso, o País de Gales deve se contentar em ser pouco representado entre os Contos de fadas celtas, enquanto a extinta língua da Cornualha contribuiu com apenas um conto.
Ao fazer minha seleção, tentei principalmente tornar as histórias mais peculiares. Teria sido fácil, especialmente para Kennedy, fazer um volume inteiro com Duendes de Grimm
à moda celta. Mas, às vezes, mesmo essas coisas boas podem ser excessivas; por essa razão, evitei tanto quanto possível as fórmulas
mais conhecidas da literatura de contos populares. Para fazer isso, tive de me retirar da língua inglesa pale
² dominante na Escócia e na Irlanda e estabeleci a regra de incluir apenas contos que foram obtidos de camponeses celtas que não sabiam inglês.
Tendo estabelecido a regra, imediatamente comecei a quebrá-la. Estou convencido de que o sucesso de um livro de contos de fadas depende da devida mistura do cômico com o romântico: Grimm e Asbjörnsen conheciam esse segredo, e ninguém mais. Mas o camponês celta que fala gaélico tem o prazer de contar histórias com certa tristeza: na medida em que ele foi traduzido e publicado, eu o achei, para minha surpresa, visivelmente carente de humor. Para acrescentar alívio cômico a este livro, precisei, portanto, voltar-me principalmente para o camponês irlandês que fala a língua inglesa; e que fonte mais rica eu poderia ter?
Para as histórias mais românticas, dependi do gaélico e, como sei tanto gaélico quanto saberia um político nacionalista irlandês, tive que depender de tradutores. No entanto, ao alterar, recortar e modificar os contos originais, eu me senti mais livre do que os próprios tradutores, que geralmente são demasiado literais. E fui ainda mais longe. Para que os contos sejam peculiarmente celtas, prestei mais atenção aos que podem ser encontrados em ambos os lados do Canal do Norte.
Ao recontá-los, não tive nenhum escrúpulo ao acrescentar de vez em quando um incidente escocês em uma variante irlandesa da mesma história, ou vice-versa. Nos pontos em que tradutores acenam para os folcloristas e estudiosos ingleses, estou tentando atrair crianças inglesas. Eles traduziram, e eu me dediquei a transladar. Em suma, tentei me colocar na posição de um ollamh ou sheenachie familiarizado com as duas formas do gaélico e ansioso para formular suas histórias da melhor maneira para atrair as crianças inglesas. Acredito que serei perdoado pelos estudiosos celtas pelas mudanças que tive de fazer para atender essa finalidade.
As histórias coletadas neste volume são mais longas e detalhadas do que as inglesas que reuni no Natal passado. As românticas são certamente mais românticas, e as cômicas, talvez mais cômicas, embora possa haver espaço para diferenças de opinião sobre este último ponto. Essa superioridade dos contos folclóricos celtas se deve tanto às condições em que foram coletados quanto a qualquer superioridade inata da imaginação popular. O conto popular na Inglaterra está nos últimos estágios de exaustão. Os contos folclóricos celtas foram coletados enquanto a prática de contar histórias ainda está em pleno vigor, embora haja todos os sinais de que sua vida já esteja com os dias contados. Esse é mais um motivo pelo qual eles devem ser coletados e registrados enquanto é tempo. De modo geral, o esforço dos colecionadores de folclore celta deve ser elogiado.
Embora tenha me empenhado em tornar a linguagem dos contos simples e livre de artifícios livrescos, não me atribuí a liberdade de recontá-los à maneira inglesa. Não tive escrúpulos em manter uma forma de falar celta e, aqui e acolá, incluir uma palavra celta sem uma explicação entre colchetes, uma prática a ser repudiada por todos os bons homens. Algumas palavras desconhecidas do leitor apenas acrescentam efetividade e cor local a uma narrativa, como o senhor Kipling bem sabe.
Há uma característica do folclore celta que me esforcei para representar em minha seleção, porque é quase única atualmente na Europa. Em nenhum outro lugar existe um legado tão grande e consistente de tradição oral sobre os heróis nacionais e míticos como entre os gaélicos. Apenas as canções heroicas da Rússia podem igualar-se à quantidade de conhecimento sobre os heróis do passado que ainda existe entre os camponeses de língua gaélica da Escócia e da Irlanda. E os contos e baladas irlandeses têm essa peculiaridade: alguns deles sobrevivem, e podem ser rastreados, por quase mil anos. Selecionei como um espécime dessa categoria A história de Deirdre
, coletada entre os camponeses escoceses há alguns anos, na qual pude inserir uma passagem retirada de um pergaminho irlandês do século XII. Eu poderia ter preenchido este livro com tradições orais semelhantes sobre Fin (o Fingal de Ossian
, de Macpherson). Mas a história de Fin, contada pelos camponeses gaélicos de hoje, merece um volume à parte, enquanto as aventuras do herói ultoniano, Cuchulain, poderiam facilmente preencher outro.
Esforcei-me para incluir neste livro as melhores e mais típicas histórias contadas pelos principais mestres do conto popular celta, Campbell, Kennedy, Hyde e Curtin, e a elas acrescentei os melhores contos obtidos de outros lugares. Assim, espero ter reunido um volume contendo os melhores e mais conhecidos contos populares celtas. Só fui capaz de fazer isso graças à cortesia daqueles que possuíam os direitos autorais dessas histórias. Lady Wilde gentilmente me cedeu o uso de sua versão de As mulheres com chifres
; e tenho que agradecer especialmente aos senhores Macmillan pelo direito de usar as Ficções lendárias de Kennedy, e aos senhores Sampson Low & Co., pelo uso dos Contos do senhor Curtin.
Ao fazer minha seleção, e em todos os pontos de tratamento em que pesavam dúvidas, tive acesso ao amplo conhecimento de meu amigo, senhor Alfred Nutt, em todos os ramos do folclore celta. Se este livro faz um esforço para transmitir às crianças inglesas a visão, a cor, a magia e o encanto do imaginário popular celta, isso se deve em grande parte ao cuidado com que o senhor Nutt acompanhou sua produção desde o início. Em sua companhia, eu poderia me aventurar em regiões onde um não celta teria que vaguear por sua própria conta e risco.
Por último, devo mais uma vez me alegrar por ter tido o auxílio de meu amigo, o senhor J. D. Batten, para dar forma às criações da fantasia popular. Ele empregou em suas ilustrações o máximo possível da ornamentação celta; e para todos os detalhes da arqueologia celta, ele é uma autoridade. Ainda assim, tanto ele quanto eu temos nos esforçado para dar às coisas celtas a aparência que elas têm para atrair a mente inglesa, em vez de lançar mão à tarefa inútil de representá-las como devem parecer para os celtas. O destino dos celtas no Império Britânico parece ser semelhante ao dos gregos em relação aos romanos. Eles iam para a batalha, mas sempre eram derrotados
; entretanto, o cativo celta escravizou seu captor no reino da imaginação. O presente livro tenta iniciar esse agradável cativeiro a partir dos primeiros anos. Se conseguir dar um terreno comum de riqueza imaginativa aos filhos dos celtas e dos saxões dessas ilhas, poderá fazer mais por uma verdadeira união de corações do que toda a sua política.
Joseph Jacobs
¹ Trata-se de um festival com competições de música e poesia que ocorre anualmente no País de Gales. (N.T.)
² Referente aos irlandeses sob a colonização inglesa. (N.T.)
Homem ou mulher, menino ou menina que ler três vezes o que vem a seguir cairá em sono por cem anos.
Connla e a Fada Donzela
Connla do Cabelo de Fogo era filho de Conn das Cem Batalhas. Um dia, enquanto estava ao lado de seu pai no alto do Usna, ele viu uma donzela vestida com roupas estranhas vindo em sua direção.
– De onde vem, donzela? – perguntou Connla.
– Eu venho das Planícies dos Que Vivem Para Sempre – disse ela. – Ali não há morte nem pecado. Ali sempre é feriado, e nossa alegria não depende da ajuda de ninguém. Em todo o nosso prazer, não enfrentamos contendas. E, porque temos nossas casas nas colinas verdes, os homens nos chamam de Povo das Colinas.
O rei e todos os que estavam com ele se maravilharam ao ouvir uma voz quando não viam ninguém; pois, com exceção de Connla, ninguém viu a Fada Donzela.
– Com quem você está falando, meu filho? – perguntou Conn, o rei.
Então a donzela respondeu:
– Connla fala com uma jovem e bela donzela, que não espera a morte nem a velhice. Eu amo Connla, e agora o chamo para longe, para Moy Mell, a Planície do Prazer, onde Boadag é rei e não existem queixas nem tristezas desde que ele subiu ao trono. Ah, venha comigo, Connla do Cabelo de Fogo, de pele morena e avermelhada como o amanhecer. Uma coroa das fadas espera por você para adornar sua linda fronte e figura real. Venha, e nunca a sua beleza e a sua juventude hão de perecer, até o dia do terrível julgamento final.
O rei, temendo o que disse a donzela, a quem ouviu, embora não pudesse ver, chamou em voz alta seu druida, de nome Coran.
– Ah, Coran dos muitos feitiços e da hábil magia – ele disse –, eu invoco a sua ajuda. Tenho sobre mim uma tarefa muito maior que toda a minha destreza e inteligência, maior do que qualquer outra tarefa que tenha assumido desde que tomei a coroa. Uma donzela invisível nos encontrou, e por seu poder tiraria de mim meu querido, meu belo filho. Se você não ajudar, ele será tirado de seu rei por artimanhas e feitiçaria de mulher.
Então, Coran, o druida, deu um passo adiante e entoou seus feitiços em direção ao local onde a voz da donzela havia sido ouvida. E ninguém ouviu a voz dela novamente, nem Connla pôde mais vê-la. Mas, quando ela desapareceu, antes do poderoso feitiço do druida, ela jogou uma maçã para Connla.
Durante um mês inteiro, a partir desse dia, Connla não comeu nem bebeu nada, exceto aquela maçã. No entanto, conforme a comia, a maçã novamente crescia, de modo que sempre se mantinha inteira. E o tempo todo cresceu, dentro dele, um desejo e uma saudade imensa da donzela que ele tinha visto.
Quando chegou o último dia do mês, Connla ficou ao lado do rei, seu pai, na Planície de Arcomin, e novamente ele viu a donzela vir em sua direção, e mais uma vez ela falou com ele.
– É um lugar glorioso, sem dúvida, que Connla mantém entre os mortais de vida curta que esperam o dia em que vão morrer. Mas agora os imortais, o povo da vida eterna, imploram e ordenam que venha a Moy Mell, a Planície do Prazer, pois eles o conheceram, vendo-o em sua casa entre seus entes queridos.
Quando o rei Conn ouviu a voz da donzela, ele chamou seus homens em voz alta e ordenou:
– Chamem rápido o meu druida, Coran, pois vejo que ela tem novamente o poder da fala.
Então a donzela disse:
– Oh, poderoso Conn, guerreiro de uma centena de batalhas, o poder do druida não é benquisto, pois, na terra poderosa povoada pelos justos, ele é um homem de pouca honra. Quando a lei vier, ela acabará com os feitiços mágicos do druida, que vêm dos lábios do falso demônio negro.
Então, o rei Conn observou que, desde que a donzela viera, seu filho Connla não falava com ninguém que se dirigisse a ele. Conn das Cem Batalhas perguntou a Connla:
– É isso que você pensa sobre o que a mulher diz, meu filho?
– É difícil explicar, meu pai – respondeu Connla. – Amo meu próprio povo acima de todas as coisas; mas, ainda assim, um forte desejo pela donzela se apodera de mim.
Quando a donzela ouviu isso, ela disse:
– O oceano não é tão forte quanto as ondas do seu desejo. Venha comigo em minha barca, a canoa de cristal reluzente que desliza sempre em frente. Em breve poderemos chegar ao reino de Boadag. Vejo o sol brilhante afundar, mas, mesmo assim, por distante que esteja, podemos alcançá-lo antes do escurecer. Existe, também, outra terra digna de sua jornada, uma terra bem-aventurada para todos os que a procuram. Se quiser, podemos procurá-la e viver lá sozinhos, mas juntos na alegria.
Quando a donzela terminou de falar, Connla do Cabelo de Fogo correu para longe deles e saltou na canoa de cristal reluzente. Então o rei e toda a corte viram-no deslizar sobre o mar brilhante em direção ao sol poente. Adiante e além, até que os olhos não pudessem mais ver, Connla e a Fada Donzela seguiram seu caminho através do mar e não foram mais vistos, e nunca se soube onde a jornada os fez chegar.
Guleesh
Era uma vez um rapaz no Condado de Mayo, o nome dele era Guleesh. Havia uma magnífica fortaleza circular um pouco afastada da divisa da casa onde vivia, e ele tinha o hábito de se sentar sobre o outeiro de relva vistosa que a circundava. Certa noite, meio apoiado na cerca da casa, ele olhou para o céu e contemplou a linda lua branca acima de sua cabeça. Depois de ficar assim por algumas horas, disse a si mesmo:
– Minha maior tristeza é nunca ter saído deste lugar. Preferia estar em qualquer outra parte do mundo. Ah, quem está em melhor situação é você, lua branca, que fica aí dando voltas e mais voltas como bem queira, sem ninguém que possa lhe segurar. Eu queria ser igual a você!
As palavras mal haviam saído da boca dele quando Guleesh escutou um barulho enorme que troava como uma multidão de pessoas correndo enquanto tagarelavam, riam e brincavam. O som passou por ele como um redemoinho de vento, e ele o ouviu entrar na fortaleza circular.
– Caramba! – exclamou ele. – São todos alegres demais! Vou segui-los.
O que havia ali diante dele não era nada menos que uma hoste feérica³, embora Guleesh não soubesse disso a princípio. Ele a seguiu para dentro da fortaleza. Foi ali que ouviu o fulparnee e o folpornee, o rap-lay-hoota e o roolya-boolya⁴, e cada um daqueles seres gritou o mais alto que podia: Meu cavalo, meu arreio e minha sela! Meu cavalo, meu arreio e minha sela!
– Caramba! – entusiasmou-se Guleesh. – Rapaz, isso não parece mau. Vou imitá-los. – E ele gritou tão alto quanto os demais: – Meu cavalo, meu arreio e minha sela! Meu cavalo, meu arreio e minha sela!
Nesse mesmo instante, surgiu diante dele um belo cavalo com arreios de ouro e sela de prata. Ele subiu e, uma vez em cima da montaria, viu claramente que a fortaleza estava cheia de cavalos e de gente pequena montando neles. Uma dessas pessoas se dirigiu a ele:
– Você vem conosco esta noite, Guleesh?
– Com certeza – o rapaz respondeu.
– Se tem certeza, venha – convidou o homenzinho.
E todos eles saíram juntos, cavalgando como o vento, mais rápido que o cavalo mais ágil que você já viu em uma caçada, mais rápido que uma raposa e os cães de caça no seu rastro.
O vento frio de inverno à frente deles, eles o sobrepujaram; e o vento frio de inverno atrás deles não foi capaz de alcançá-los. Não pararam nem se detiveram em sua corrida, a não ser quando chegaram à beira-mar. Então, todos gritaram:
– Eia, para o alto! Para o alto!
E nesse mesmo instante estavam suspensos no ar. Antes que Guleesh tivesse tempo de se pensar onde estava, já corriam em terra firme de novo, cavalgando como o vento.
Por fim eles pararam, e um dos homens perguntou a Guleesh:
– Guleesh, você sabe onde está agora?
– Não faço ideia – respondeu o rapaz.
– Você está na França, Guleesh – disse o homem. – A filha do rei da França vai se casar esta noite. Ela é a mulher mais bonita que o sol já viu, e precisamos fazer o possível para trazê-la conosco. Se ao menos pudéssemos carregá-la… Você deve vir conosco para trazê-la no lombo do seu cavalo quando a levarmos embora, pois para nós é proibido que ela se sente às nossas costas. Você é de carne e osso, portanto ela poderá se segurar em você para não cair do cavalo. Isso o deixa contente, Guleesh? Fará o que estamos mandando?
– E por que não? – perguntou Guleesh. – Isso me contenta, com certeza, e qualquer coisa que você me pedir para fazer, farei sem titubear.
Eles desceram dos cavalos, um homem disse uma palavra que Guleesh não entendeu, e nesse mesmo instante foram erguidos no ar e Guleesh se viu com seus companheiros já dentro do palácio. Uma grande festa acontecia lá, e não havia nobre ou cavalheiro daquele reino que estivesse ausente; vestiam-se todos com sedas e cetim, cobriam-se de ouro e prata. A noite estava tão clara quanto o dia, com tantas lamparinas e velas acesas, e Guleesh fechou os olhos ante a claridade. Quando os abriu novamente e os deixou olhar adiante, ele pensou que nunca tinha visto algo tão magnífico quanto tudo o que havia ali. Encontrou uma centena de mesas espalhadas, todas repletas de comida e bebida: carnes, bolos e guloseimas, vinho, cerveja e todas as bebidas que um homem já viu. Havia músicos nas duas extremidades do salão e tocavam a música mais doce que o ouvido humano já escutou; no meio do recinto, moças e belos rapazes dançavam e giravam em giros tão rápidos e com tanta leveza que Guleesh quase ficou tonto de olhar para eles. Havia convidados fazendo brincadeiras, e outros contando piadas e rindo. Não acontecia uma festa como essa na França havia vinte anos, pois o velho rei não tinha outros filhos além de sua única filha, que nesta noite se casaria com o filho de outro rei. A festa se desenrolava havia três dias, e na terceira noite ela se casaria; e foi por isso que nesta noite a hoste dos duendes veio para cá, na esperança de conseguir carregar a jovem filha do rei consigo. Guleesh e seus companheiros estavam juntos na dianteira do salão, onde havia um belo altar decorado e, atrás dele, dois bispos esperavam para realizar o casamento da jovem assim que a hora chegasse. Nesse momento ninguém podia ver os duendes, porque, assim que entraram no salão, pronunciaram uma palavra mágica que os tornara invisíveis. Era como se não estivessem ali.
– Diga-me qual delas é a filha do rei – pediu Guleesh, acostumando-se com o barulho e a luminosidade.
– Não consegue vê-la ali, afastada de você? – perguntou o homenzinho com quem ele estava falando.
Guleesh olhou para onde o homenzinho apontava com o dedo, e lá ele viu a mulher mais adorável que poderia existir no ápice do universo. No rosto dela competiam a rosa e o copo-de-leite, e era impossível dizer qual dos dois vencia. Ela tinha braços e mãos como ramos de visco, e sua boca era vermelha como um morango maduro; os pés dela eram tão pequenos e leves como suas mãos delicadas; sua figura era delgada e esguia, e seus cabelos pendiam do alto da cabeça como volutas de ouro. O vestido e os complementos eram tecidos em ouro e prata, e a pedra brilhante no anel em sua mão cintilava como o sol.
Os olhos de Guleesh ficaram ofuscados por toda a beleza e graciosidade que havia nela; porém, quando olhou novamente, ele notou que ela chorara, pois havia vestígios de lágrimas em seus olhos.
– Não pode ser que haja tanta tristeza nela – disse Guleesh –, quando todos ao seu redor estão animados e alegres.
– Ela está triste – disse o homenzinho – porque vai se casar contra a sua própria vontade, e ela não ama o futuro marido. O rei ia entregá-la ao jovem prometido três anos atrás, quando ela tinha apenas quinze anos, mas ela disse que era muito jovem e pediu que ele esperasse. O rei lhe concedeu um ano e, quando esse ano acabou, ele deu-lhe a graça de outro ano, e depois mais um. No entanto, não lhe deu mais uma semana nem um dia sequer. Esta noite ela completa dezoito anos e é hora de ela se casar. Mas, para falar a verdade – o homenzinho torceu a boca de um jeito estranho e feio –, ela não se casará com nenhum filho de rei se eu puder evitar.
Guleesh sentiu muita pena da bela jovem quando soube disso e ficou com o coração partido ao pensar que ela seria obrigada a se casar com um homem de quem não gostava, ou, o que podia ser pior, ganharia um duende desagradável como marido. Ele não disse uma palavra, embora estivesse amaldiçoando o azar de estar ali para ajudar as pessoas que iam raptar a moça de sua casa e de seu pai.
Ele começou a pensar, então, no que fazer para salvá-la, mas não conseguia pensar em uma boa ideia.
– Ah! Se ao menos eu pudesse lhe dar alguma ajuda ou alívio – disse Guleesh –, não me importaria de viver ou morrer; mas não vejo nada que eu possa fazer por ela.
Ele a observava quando o filho do rei se aproximou da moça e pediu um beijo, mas ela virou a cabeça na outra direção. Guleesh sentiu uma compaixão redobrada quando viu o rapaz pegá-la pela mão branca e macia e puxá-la para dançar. Enquanto dançavam, deram uma volta perto de Guleesh, e ele pôde ver claramente que ainda havia lágrimas nos olhos dela.
Quando a dança acabou, o velho rei, que era o pai dela, e a rainha, sua mãe, aproximaram-se dos noivos e disseram que estava na hora da cerimônia, que o bispo estava pronto e era hora de colocar a aliança de casamento e dá-la ao marido. O rei pegou o jovem pela mão e a rainha levou sua filha, e eles subiram juntos ao altar, com os nobres e o povo a segui-los.
Quando estavam a três metros do altar, o pequeno duende esticou o pé diante da moça, e ela caiu. Antes que ela pudesse se levantar, ele atirou sobre ela algo que tinha nas mãos e pronunciou algumas palavras; naquele momento a donzela desapareceu do meio deles. Ninguém podia vê-la, pois a magia a tornara invisível. O homenzinho a agarrou e a levantou atrás de Guleesh. Nem o rei nem ninguém mais os viu, mas o duende caminhou com eles pelo vestíbulo, até que chegaram à porta.
Valha-nos, Nossa Senhora! A comoção, a confusão, os gritos, o espanto, a procura e a balbúrdia foram instaurados quando a moça desapareceu diante dos olhos de todos, sem que ninguém visse nem soubesse como isso aconteceu. Eles saíram pela porta do palácio, sem serem parados ou impedidos, pois ninguém os viu, e…
– Meu cavalo, meu arreio e minha sela! – gritou cada um dos homens.
– Meu cavalo, meu arreio e minha sela! – gritou Guleesh, e em um instante o cavalo estava pronto e arreado diante dele.
– Agora, monte, Guleesh – disse o homenzinho –, e coloque a moça atrás de você. Vamos, pois o amanhecer se aproxima.
Guleesh ajudou-a a montar no cavalo e saltou diante dela, bradando:
– Avante, cavalo! – ordenou ele, e seu cavalo, assim como os outros, debandou em uma corrida veloz até chegar ao mar.
– Eia, para o alto! – gritou cada um dos homens.
– Para o alto! – exclamou Guleesh, e em um instante o cavalo se ergueu, mergulhou nas nuvens e desceu em Erin.
Mas não se detiveram, continuaram correndo a galope até alcançar a casa de Guleesh e a fortaleza circular. E, quando chegaram lá, Guleesh se virou, pegou a jovem nos braços e saltou do cavalo.
– Em nome de Deus eu clamo e a consagro para mim! – exclamou ele.
E naquele mesmo lugar, enquanto as palavras saíam de sua boca, o cavalo caiu e se tornou tão somente o suporte de um arado, do qual haviam feito um cavalo; e todos os outros cavalos que os duendes possuíam tinham sido transformados da mesma forma. Alguns deles estavam montados em uma velha vassoura, outros em uma vara quebrada, e ainda outros em galhos de tasneira ou de cicuta.
Os homenzinhos gritaram em uníssono quando ouviram o que Guleesh havia dito:
– Oh! Guleesh, seu palhaço, seu ladrão, que nada de bom cruze o seu caminho! Por que você pregou essa peça em nós?
Eles já não tinham nenhum poder para levar a moça depois que Guleesh a consagrara para si.
– Oh! Guleesh, que decepção você nos causou, ainda mais depois que fomos tão gentis com você! De que serve agora nossa viagem à França? Mas deixe estar, seu traidor, pois você ainda vai nos pagar por isso. Acredite, você vai se arrepender!
– Ele não conseguirá nada que preste desta moça – disse o homenzinho que estivera conversando com ele no salão do palácio; e, enquanto dizia isso, ele se aproximou dela e lhe desferiu um forte tapa na lateral da cabeça. – Agora – disse ele – ela não vai mais falar. Agora, Guleesh, de que adianta ela ser sua se estiver muda? É hora de irmos embora. Mas você se lembrará de nós, Guleesh!
Quando ele disse isso, estendeu as duas mãos e, antes que Guleesh pudesse responder, o homenzinho e seus camaradas foram para dentro da fortaleza e para longe de sua vista. Guleesh não os viu mais.
Ele voltou-se para a moça e disse:
– Graças a Deus, eles se foram. Você não acha melhor ficar comigo do que com eles?
Ela não respondeu.
Ela ainda está triste e traumatizada
, pensou Guleesh dentro de sua própria mente, e ele falou com ela de novo:
– Receio que você deva passar esta noite na casa do meu pai, senhora, e, se houver algo que eu possa fazer por você, diga-me, e serei seu servo.
A linda jovem permaneceu em silêncio, mas havia lágrimas em seus olhos, e seu rosto ficou ora branco, ora vermelho, uma cor se sobrepondo à outra.
– Senhora – disse Guleesh –, diga-me o que gostaria que eu fizesse. Nunca pertenci a esse bando de duendes que a arrebataram. Sou filho de um fazendeiro honesto e fui com eles sem saber de nada. Se eu puder ajudá-la a voltar para o seu pai, eu o farei, e peço para que você ordene a mim agora o que desejar.
Ele olhou para o rosto dela e viu os lábios se mover como se ela fosse falar, mas não ouviu nenhuma palavra.
– Não é possível que você esteja muda! – exclamou Guleesh. – Não a ouvi falar com o filho do rei no palácio esta noite? Será que aquele diabo realmente a tornou muda, quando lhe bateu com a mão nojenta no rosto?
A jovem ergueu a mão branca e colocou o dedo na língua, para mostrar a ele que havia perdido a voz e o poder da fala. As lágrimas escorreram de seus olhos como riachos, e os olhos de Guleesh também se umedeceram, pois, por mais rude que ele aparentasse ser, na verdade era um homem bom, tinha o coração mole e não suportava ver a jovem naquela situação infeliz.
Ele começou a pensar sobre o que deveria fazer, porque não queria levá-la para a casa de seu pai, pois sabia muito bem que a família não acreditaria que ele estivera na França e trouxera consigo a filha do rei. Guleesh temia que zombassem da jovem ou a insultassem.
Enquanto hesitava e não se decidia sobre o que deveria fazer, lembrou-se, por acaso, do padre.
– Glória a Deus, agora sei o que fazer! Vou levá-la para a casa do padre. Ele não se recusará a hospedar uma moça e cuidar dela.
Guleesh voltou-se novamente para a jovem e disse-lhe que não queria levá-la para a casa do pai, mas que havia um bondoso padre, muito amigo dele, que cuidaria bem dela se ela quisesse ficar em sua casa; mas, se houvesse qualquer outro lugar aonde ela preferisse ir, Guleesh assegurou que a levaria até lá.
Ela abaixou a cabeça para mostrar a ele que estava agradecida, e deu a entender que estava pronta para segui-lo a qualquer lugar que ele fosse.
– Vamos então à casa do padre – disse ele. – Ele me deve um favor e fará tudo o que eu pedir.
De acordo com o plano, foram juntos até a casa do padre, e o sol estava prestes a raiar quando chegaram à porta. Guleesh bateu forte, e, apesar de ser ainda muito cedo, o padre se levantou e abriu a porta. Espantou-se ao ver Guleesh em companhia da moça, pois tinha certeza de que iam querer se casar.
– Guleesh, Guleesh, será que você não pode fazer a bondade de esperar até as dez horas ou talvez meio-dia? Não! Você e sua namorada têm de vir logo a esta hora da manhã atrás de um casamento! Deve saber que não posso casar vocês neste momento, ou, em todo caso, não posso casá-los legalmente. Mas espere aí! – interrompeu-se o padre, de repente, ao olhar mais uma vez para a jovem. – Em nome de Deus, quem é esta que está com você? Como você a conheceu?
– Padre – disse Guleesh –, você pode me casar ou casar quem quer que seja, como preferir; mas não é em busca de casamento que vim até você. Vim para lhe pedir que, por favor, hospede esta moça em sua casa.
O padre olhou para Guleesh como se ele tivesse dez cabeças, tão surpreso ele estava. Contudo, sem fazer mais perguntas, ele pediu que entrassem. Assim que adentraram, o padre fechou a porta e os conduziu à sala, onde se sentaram.
– Agora, Guleesh – disse ele –, diga-me quem essa jovem é de verdade, e se você realmente está fora de si ou se está apenas brincando comigo.
– Não estou mentindo nem zombando do senhor – explicou Guleesh. – Eu trouxe esta moça do palácio do rei da França, e ela é a filha do rei.
Então Guleesh começou a contar toda a história ao padre, que ficou tão surpreso que às vezes não conseguia deixar de exclamar e de bater palmas.
Quando Guleesh contou o que viu e que achou que a garota não estava satisfeita com o casamento que aconteceria no palácio antes que ele e os duendes se separassem, surgiu um rubor vermelho na face da moça, e ele teve certeza de que ela preferia estar onde estava, na situação precária em que se encontrava, a ser esposa de um homem que ela detestava. Quando Guleesh disse que ficaria muito grato ao padre se a mantivesse em sua casa, o homem gentilmente disse que faria como Guleesh quisesse, mas que não sabia o que deveriam fazer com ela, porque eles não tinham meios para mandá-la de volta ao pai.
Guleesh respondeu que compartilhava dessa preocupação e que não via nada a fazer a não ser manter segredo até que eles descobrissem uma solução melhor. Então, combinaram que o padre diria que a moça era filha de seu irmão, que viera de outro condado para visitá-lo, e ele diria a todos que ela era muda e faria o possível para manter todos longe dela. Contaram à jovem o que pretendiam fazer, e com o olhar ela lhes mostrou que se sentia grata.
Guleesh então foi para casa e, quando seus familiares lhe perguntaram onde ele tinha estado, ele disse que havia dormido à beira do fosso e que passara a noite ali.
Os vizinhos do padre ficaram muito surpresos com a jovem que chegara tão repentinamente à sua casa, sem ninguém saber de onde ela era nem o que viera fazer ali. Havia quem dissesse que as coisas estavam um pouco diferentes do que deveriam, outros diziam que Guleesh já não era o mesmo homem, e que, portanto, havia uma história grande ali, pelo modo como ele se dirigia todos os dias à casa do sacerdote, e como o padre tinha tanta afeição por ele e o respeitava. Essas pequenas mudanças de atitude as pessoas não conseguiam entender de forma alguma.
De fato, isso era verdade, pois raramente se passava um dia sem que Guleesh fosse à casa do padre para conversar com ele e, sempre que ia, esperava encontrar a jovem novamente e tinha permissão para falar com ela. Porém, que lástima! Ela continuava muda, sem alívio nem cura. Uma vez que ela não tinha outro meio de falar, entabulava-se uma espécie de conversa entre os dois, gesticulando com as mãos e os dedos, piscando os olhos, abrindo e fechando a boca, rindo ou sorrindo, e fazendo mil outros sinais, de modo que não demorou muito para que pudessem se comunicar e se entender muito bem. Guleesh estava sempre pensando em como faria para mandá-la de volta para o pai, mas não havia ninguém para acompanhá-la, e ele próprio não sabia que caminho seguir, pois nunca tinha saído de seu próprio país antes da noite em que a trouxera consigo. Tampouco sabia o padre, mas, quando Guleesh lhe pediu, ele escreveu três ou quatro cartas ao rei da França e as entregou a mercadores, que costumavam ir de um lugar para outro através do mar. Entretanto, todas as cartas se extraviaram, e nenhuma chegou às mãos do rei.
Durante muitos meses, as coisas prosseguiram desse jeito, e a cada dia Guleesh se via mais apaixonando pela jovem. Estava claro para Guleesh e para o padre que a moça gostava dele também. Por fim, o rapaz passou a temer enormemente que o rei descobrisse onde estava a filha e a tomasse de volta, e rogou ao sacerdote que não escrevesse mais, que deixasse o assunto nas mãos de Deus.
Passou-se um ano, e então, um dia, Guleesh se viu deitado sozinho no gramado no último dia do último mês do outono, e mais uma vez ele relembrou tudo o que havia acontecido desde a noite em que atravessara o mar com os duendes. De repente, lembrou-se de que havia sido em uma noite de novembro que ele se encontrava escorado na cerca da casa quando o redemoinho chegara trazendo os duendes… Ele disse a si mesmo:
– Hoje é uma noite de novembro, então vou ficar exatamente no mesmo lugar onde estive no ano passado e ver se o povo mágico volta a aparecer. Talvez eu consiga ver ou ouvir alguma coisa útil e que possa fazer com que Maria volte a falar.
Esse era o nome com o qual Guleesh e o padre chamavam a filha do rei, uma vez que não conheciam seu nome correto.
Guleesh contou ao padre o seu intento, e ele lhe deu a bênção. Desse modo, quando a noite caía, Guleesh caminhou até a velha fortaleza, onde ficou apoiado com o cotovelo em uma grande rocha cinzenta, à espera da meia-noite. A lua subiu lentamente, como um botão de fogo atrás dele; após um dia de grande calor, uma névoa branca pairou através do frescor da noite sobre os campos de relva e as charnecas. A noite estava calma como um lago quando não há um sopro de vento para mover uma onda, e não havia som algum a ser ouvido a não ser o burburinho dos insetos que passavam de vez em quando, ou o grasnar rouco e súbito dos gansos selvagens quando rumavam de um lago para outro, poucos metros acima da cabeça dele; ou o assobio agudo das tarambolas verdes e amarelas, subindo e descendo, descendo e subindo, como costumam fazer em uma noite calma. Miríades de estrelas brilhantes cintilavam sobre a cabeça dele, e havia um pouco de geada, que deixou a relva sob seus pés branca e crepitante.
Guleesh permaneceu ali por uma, duas, três horas, e a geada aumentou muito, de modo que ele ouvia as folhas se quebrarem sob os pés cada vez que ele se movia. Por fim, pensava consigo mesmo que os duendes não viriam naquela noite e que seria bom voltar outro dia, quando ouviu um som distante, vindo em sua direção, e de imediato ele ficou em alerta. O som aumentou, e no início era como o bater das ondas em uma costa pedregosa; depois, como a queda de uma grande cachoeira e, por fim, como uma forte tempestade na copa das árvores; então, um redemoinho precipitou sobre a fortaleza, e os duendes estavam nele.
Tudo passou por Guleesh tão de repente que ele perdeu o fôlego, mas imediatamente voltou a si e apurou o ouvido para escutar o que eles diziam. Mal haviam se reunido dentro da fortaleza circular, todos começaram a gritar e berrar e falar entre si. Cada um deles gritou:
– Meu cavalo, meu arreio e minha sela! Meu cavalo, meu arreio e minha sela!
Guleesh tomou coragem e gritou tão alto quanto qualquer um deles:
– Meu cavalo, meu arreio e minha sela! Meu cavalo, meu arreio e minha sela!
Mas, antes que as palavras acabassem de sair de sua boca, outro homem gritou:
–Ora! Guleesh, meu garoto, você está aqui conosco de novo? Como está se saindo com sua mulher? Não adianta você chamar o seu cavalo esta noite. Eu lhe garanto, você não vai nos pregar peças de novo. Que belo truque que você nos pregou no ano passado!
– Foi mesmo – disse outro homem –, mas ele não vai fazer isso de novo.
– Não é esse mesmo rapaz que um ano atrás levou consigo uma mulher que nunca lhe disse nada?! – perguntou o terceiro homem.
– Talvez ele goste de olhar para ela – falou outra voz.
– E se o bobalhão soubesse que há uma erva crescendo perto de sua porta que, se ele ferver e der a ela, ela ficará curada? – disse outra voz.
– Isso é verdade.
– Ele é um tolo.
– Não perca seu tempo com ele; vamos embora.
– Vamos deixar o velhinho onde está.
E com isso eles se ergueram no ar e se foram como uma barafunda alegre pelo mesmo caminho por onde vieram; deixaram o pobre Guleesh parado no mesmo lugar onde o encontraram, com olhos fixos na direção deles, em espanto.
Ele não demorou muito para voltar para casa e ficou pensando em tudo o que vira e ouvira e se perguntando se havia realmente uma erva à sua porta que traria de volta a voz para a filha do rei.
– Não é provável que fossem me contar isso por generosidade – disse Guleesh consigo. – Mas talvez o duende tenha se descuidado quando deixou as palavras escaparem de sua boca. Vou procurar essa erva assim que o sol nascer, se é que existe alguma erva crescendo ao lado da casa, além dos cardos e azedinhas.
E naquela noite, por mais cansado que estivesse, não pregou os olhos até que o sol nascesse de manhã. Então, ele se levantou e rapidamente saiu para vasculhar bem a relva ao redor da casa, tentando encontrar alguma erva que não reconhecesse. De fato, não demorou muito até observar uma erva grande e desconhecida que crescia bem perto da parede da casa.
Ele a observou de perto e viu que tinha sete pequenos ramos saindo do caule, e, em cada ramo, sete folhas que produziam uma seiva branca.
– É muito espantoso que eu nunca tenha notado essa erva antes! – admirou-se Guleesh. – Se existe poder nas plantas, então tem mesmo de estar em uma erva tão esquisita quanto esta.
Ele sacou a faca, cortou a planta e levou-a para sua casa; arrancou as folhas e cortou o talo, de onde saiu uma seiva espessa e branca, como a que se extrai da serralha quando se corta uma folha, exceto que esta seiva era mais parecida com óleo.
Ele a despejou em uma caneca com um pouco de água e pôs no fogo até que fervesse; então, pegou um copo, encheu até a metade com o suco resultante e o experimentou. Ocorreu-lhe que talvez aquela fosse uma erva venenosa e que os duendes podiam estar tentando um truque para fazê-lo se matar ou matar a moça por acidente. Ele colocou a xícara sobre a mesa, colocou algumas gotas na ponta do dedo e pôs na boca. Não era amargo; na verdade, tinha um sabor doce e agradável. Então, com mais ousadia, Guleesh bebeu daquele preparado; e de gole em gole só parou quando já tinha bebido metade da xícara. Em seguida, ele adormeceu e só acordou ao anoitecer, quando sentiu uma fome e uma sede muito grandes.
Ele bebeu e comeu. Deitou-se, pois sabia que tinha de esperar até o dia amanhecer; mas decidiu que, assim que acordasse pela manhã, iria até a filha do rei e lhe daria um gole do preparado com a erva. Assim que ele se levantou pela manhã, foi até a casa do padre com a bebida na mão e nunca havia se sentido tão valente, confiante, animado e leve como naquele dia. Ele tinha certeza de que fora a bebida que o deixara tão bem-disposto.
Quando entrou na casa, encontrou o sacerdote e a jovem, e eles contaram que tinham estranhando muito o fato de Guleesh não os visitar havia dois dias. Guleesh lhes contou as novidades e disse que estava certo de que aquela erva possuía grande poder e que não faria mal à moça, pois ele mesmo a havia experimentado e lhe caíra muito bem. Então, ele fez com que a moça a provasse e jurou que a bebida não lhe faria mal.
A moça bebeu metade da xícara que Guleesh lhe entregou, em seguida caiu na cama e teve um sono tão pesado que não despertou até o dia seguinte. Guleesh e o sacerdote ficaram sentados a noite inteira ao lado dela, entre a esperança e o desespero, aguardando que acordasse; tinham a expectativa de salvá-la e o medo de envenená-la.
Quando o sol estava no ponto mais alto do céu, ela finalmente acordou. Esfregou os olhos e agiu como uma pessoa que não sabia onde estava. A moça ficou surpresa quando viu Guleesh e o padre no quarto, e se sentou na cama enquanto se esforçava para organizar os pensamentos.
Os dois homens estavam muito ansiosos para saber se ela falaria ou não, e, depois de alguns minutos de silêncio, o padre se dirigiu a ela:
– Dormiu bem, Maria?
E ela respondeu:
– Dormi, sim, obrigada.
Assim que a ouviu falar, Guleesh soltou um grito de alegria, correu até ela, caiu de joelhos e disse:
– Mil graças a Deus, que lhe devolveu o dom de falar. Senhora do meu coração, fale comigo mais uma vez!
A moça respondeu que sabia que ele havia preparado aquela bebida e dado a ela, que estava grata de coração por toda a gentileza que ele demonstrara desde o dia em que ela chegara à Irlanda e que ele podia ter certeza de que ela nunca se esqueceria disso. Guleesh não cabia em si de tanta satisfação e prazer. Em seguida, trouxeram comida, e a jovem comeu com bastante apetite e estava alegre e descontraída, não parava de tagarelar com o padre enquanto comia.
Depois disso, Guleesh foi para casa, espreguiçou-se na cama e adormeceu novamente, pois o poder da erva ainda não havia acabado, e ele passou mais um dia e uma noite dormindo. Quando acordou, voltou para a casa do padre e descobriu que a jovem estava no mesmo estado e que dormia praticamente desde o momento em que ele havia saído. Ele e o padre entraram no quarto dela e permaneceram ali observando até que ela acordasse pela segunda vez e se pusesse a conversar novamente, o que deixou Guleesh muitíssimo contente. Mais uma vez o padre serviu a comida, e eles comeram juntos à mesa. Guleesh continuou vindo à casa do sacerdote todos os dias, e a amizade entre ele e a filha do rei crescia, pois ela não tinha ninguém mais para conversar além de Guleesh e do padre e demonstrava gostar mais da companhia de Guleesh.
Então, eles noivaram e fizeram um belíssimo casamento, e, se eu estivesse lá para testemunhar, não estaria aqui agora para narrar. No entanto, um passarinho me contou que não houve atribulação nem preocupação, doença nem tristeza, infortúnio nem azar que tenha atravessado a vida deles até a hora de sua morte, e que possamos ter todos nós a mesma sorte!
³ Também conhecida como Sluagh Sidhe no folclore irlandês, escocês, galês e da Ilha de Man. Trata-se de uma revoada de seres mágicos capaz de carregar pessoas no ar; é também causadora de redemoinhos e de mau tempo. (N.T.)
⁴ Segundo Kate Douglas Wiggin, esses são ruídos indicativos do convívio alegre, travesso e ímpar das criaturas feéricas. (N.T.)
O campo do leprechaum
No dia de Nossa Senhora da Colheita, que todos sabem ser um dos melhores feriados do ano, Tom Fitzpatrick estava dando um passeio ao longo do lado ensolarado de uma cerca viva quando, de repente, ouviu uma espécie de estalido soar perto dele na sebe.
– Caramba – disse Tom –, não é nada comum ouvir sabiás cantando no fim da estação!
Então Tom se aproximou na ponta dos pés para descobrir a origem daquele barulho e para saber se seu palpite estava certo. O ruído parou; mas, quando Tom olhou atentamente através dos arbustos, ele viu no canto da cerca um jarro marrom, que devia ter um galão e meio de bebida alcoólica. Ali, um velhinho bem pequenininho usando um pequeno chapéu tricorne mosqueado e um aventalzinho de couro que cobria a frente do corpo puxou um banquinho de madeira e subiu nele, mergulhou uma caneca no jarro e a retirou cheia de bebida; em seguida, ele se sentou ao pé do jarro e começou a trabalhar, pregando o calcanhar de um sapato de couro feito sob medida para ele.
– Ora, por todos os poderes! – exclamou Tom consigo. – Sempre ouvi falar dos leprechauns e, para dizer a verdade, nunca acreditei que existissem, mas sem sombra de dúvida aqui está um deles. Se eu agir com cautela, serei um homem feito! Dizem que nunca se deve tirar os olhos deles, senão escapam.
Tom se aproximou um pouco mais, com os olhos fixos no homenzinho, do modo como um gato faz com um rato. Então, quando estava bem perto, Tom o cumprimentou:
– Deus abençoe o seu trabalho, vizinho!
O homenzinho levantou a cabeça e falou:
– Meu sincero obrigado.
– Estou surpreso que esteja trabalhando no feriado! – exclamou Tom.
– Isso é problema meu, não seu – foi a resposta.
– Bem, você faria a gentileza de me contar o que tem aí dentro do jarro? – perguntou Tom.
– Conto, com muito prazer – disse ele. – É uma boa cerveja.
– Cerveja! – exclamou Tom. – Pelo fogo e o trovão! Onde você conseguiu essa cerveja?
– Onde eu consegui a cerveja? Ué, fui eu que fiz. Vamos ver se adivinha do que é feita.
– Mas só o diabo pode saber! – reclamou Tom. – Aposto que é de malte. Do que mais seria?
– Então errou. É cerveja de urzes.
– De urzes! – Tom desatou a rir. – Você me acha tão idiota a ponto de acreditar nisso?
– Acredite se quiser – disse o leprechaum. – Mas é verdade. Você nunca ouviu falar dos dinamarqueses?
– O que têm os dinamarqueses? – perguntou Tom.
– Ora, tudo o que se sabe é que, quando eles estiveram por aqui, nos ensinaram a fazer cerveja de urzes, e o segredo está na minha família desde então.
– E você vai me deixar experimentar essa cerveja? – perguntou Tom.
– Vou lhe dizer uma coisa, meu jovem, você faria melhor indo cuidar da propriedade de seu pai do que incomodando pessoas pacatas e decentes com suas perguntas tolas. Pois, veja bem, enquanto você está perdendo seu tempo aqui, suas vacas invadiram a plantação de aveia e estão pisoteando o milharal.
Tom ficou tão surpreso com isso que esteve a ponto de dar meia-volta e correr, mas se conteve. Temendo que isso pudesse acontecer de novo, ele agarrou o leprechaum com a mão, no entanto o movimento brusco derrubou o jarro e derramou toda a cerveja, de modo que ele perdeu a chance de prová-la para saber de que tipo era. Então jurou ao leprechaum que o mataria se não mostrasse onde estava o dinheiro. Tom parecia tão perverso e obstinado que o homenzinho ficou bastante assustado. O leprechaum falou:
– Venha comigo para os campos adiante que eu lhe mostrarei um pote de ouro lá.
Assim eles foram. Tom segurou o leprechaum com firmeza e nunca tirou os olhos de cima dele, embora tivessem que atravessar sebes, valas e um trecho tortuoso de brejo, até que finalmente chegaram a um grande campo coberto de tasneiras, e o leprechaum apontou para uma moita e disse:
– Cave debaixo dessa tasneira e você obterá um grande pote cheio de moedas de ouro.
Em sua pressa, Tom não pensara em trazer uma pá consigo, então decidiu correr para casa e buscar uma. Mas, para que pudesse reconhecer o lugar exato, tirou uma liga de suas meias vermelhas e amarrou ao redor da tasneira. Então, disse ao leprechaum:
– Prometa que não vai tirar essa liga daí.
E o leprechaum jurou imediatamente que não tocaria nela.
– Suponho – o leprechaum falou de um jeito muito civilizado – que você não precisa mais dos meus préstimos.
– Não – respondeu Tom –, você pode ir embora agora, se quiser. Vá com Deus e que a sorte o acompanhe para onde for!
– Bem, adeus, Tom Fitzpatrick – disse o leprechaum –, e desejo que o dinheiro lhe seja muito útil quando você o encontrar.
Tom correu como se sua vida dependesse disso, voltou para casa, pegou uma pá, e então saiu com ela e correu o mais rápido que pôde de volta ao campo de tasneiras. Entretanto, quando ele chegou lá, vejam só! Não havia nem uma tasneira sequer ostentando uma liga vermelha como aquela que ele havia amarrado; e cavar o campo de tasneiras inteiro seria um disparate, pois o campo tinha mais de quarenta acres irlandeses⁵. Então Tom voltou para casa com a pá no ombro, um pouco mais desanimado, e foram raivosas e numerosas as maldições que ele rogou sobre o leprechaum toda vez que se lembrava de como ele havia lhe dado essa bela rasteira.
⁵ Quarenta acres irlandeses equivalem a quase 107 mil metros quadrados. (N.T.)
As mulheres com chifres
Uma mulher rica sentou-se tarde da noite cardando e preparando a lã, enquanto toda a sua família e os servos dormiam. De repente, alguém bateu à porta e ouviu-se uma voz gritar:
– Abra! Abra!
– Quem está aí? – perguntou a dona da casa.
– Eu sou a Bruxa de um Chifre – foi a resposta.
A patroa, ao imaginar que era um de seus vizinhos que viera pedir ajuda, abriu a porta e uma mulher entrou, trazendo na mão um par de cardadores de lã e um chifre na testa, como se ali ele tivesse crescido. Ela se sentou perto do fogareiro em silêncio e começou a cardar a lã com violenta pressa. De repente, ela fez uma pausa e disse em voz alta:
– Onde estão as mulheres? Quanta demora!
Em seguida, uma segunda batida soou na porta, e, do mesmo modo como acontecera antes, uma voz bradou:
– Abra! Abra!
A patroa sentiu-se obrigada a levantar-se e atender ao chamado, e imediatamente entrou uma segunda bruxa com dois chifres na testa, trazendo consigo uma roca para fiar lã.
– Dê-me um lugar – pediu ela. – Eu sou a Bruxa dos Dois Chifres. – E ela começou a girar sua roca tão rápido quanto um raio.
Assim, as batidas continuaram, cada uma com seu chamado. Uma a uma as bruxas entraram, até que finalmente doze mulheres estavam sentadas em volta do fogo; a primeira com um chifre, a última com doze chifres.
Elas cardaram os fios, giraram suas rocas de fiar, enrolaram e teceram, todas cantando em uníssono uma canção antiga, mas nem uma palavra dirigiram à dona da casa. Estranhas de ouvir e assustadoras de olhar eram aquelas doze mulheres, com seus chifres e suas rocas. A patroa sentiu-se à beira da morte e tentou levantar-se para pedir ajuda, mas não conseguia se mexer, nem proferir sequer uma palavra ou grito, pois o feitiço das bruxas havia recaído sobre ela.
Então, uma delas a chamou em irlandês e disse:
– Levante-se, mulher, e faça um bolo para nós.
Imediatamente, a mulher procurou um balde para tirar água do poço, a fim de preparar a refeição e assar o bolo, mas não encontrou nenhum.
Então as bruxas lhe disseram:
– Pegue uma peneira e coloque água nela.
A mulher pegou a peneira e foi até o poço, mas os furos da peneira não permitiam guardar a água, de modo que não seria possível fazer o bolo. Com isso, a mulher sentou-se na borda do poço e chorou.
Uma voz se aproximou dela e disse:
– Pegue argila amarela e musgo, misture-os e forre a peneira, e então ela vai segurar a água.
A mulher fez isso, e a peneira segurou a água para o bolo. A voz falou novamente:
– Volte e, quando alcançar a face norte da casa, grite três vezes: A montanha das mulheres fenianas e o céu acima dela estão pegando fogo!
Foi exatamente isso que a dona da casa fez.
Quando as bruxas lá dentro ouviram o chamado, um grande e terrível grito saiu de seus lábios, e elas avançaram com bramidos e lamúrias selvagens; fugiram para Slievenamon, onde ficava sua morada principal. O Espírito do Poço então ordenou à dona da casa que entrasse e a protegesse contra os feitiços das bruxas para o caso de elas voltarem.
Para frustrar seus feitiços, primeiro ela aspergiu a água com que havia lavado os pés de seu filho, a água do lava-pés, do lado de fora da soleira da porta; em segundo lugar, ela pegou o bolo que, na sua ausência, as bruxas tinham feito de farinha misturada com o sangue tirado da família adormecida, a mulher partiu o bolo em pedacinhos e colocou um pouco na boca de cada familiar adormecido, e eles se recuperaram; ela também pegou o pano que as bruxas tinham tecido e colocou-o metade dentro e metade fora do baú com o cadeado; por último, fechou a porta com uma grande viga mestra presa nos batentes, para que as bruxas não pudessem entrar. Tendo feito isso, esperou.
Não demorou muito para as bruxas voltarem, e elas se enfureceram e clamaram por vingança.
– Abra! Abra! – elas gritaram. – Abra, água do lava-pés!
– Não posso – disse a água do lava-pés. – Estou espalhada no chão e meu caminho é na direção do lago.
– Abra, abra, madeira das árvores e viga! – elas gritaram para a porta.
– Não posso – disse a porta –, porque a viga está presa nos batentes e não tenho forças para me mover.
– Abra, abra, bolo que fizemos misturado com sangue! – elas gritaram novamente.
– Não posso – disse o bolo –, porque estou quebrado em pedaços e machucado, e meu sangue está nos lábios das crianças adormecidas.
Então as bruxas correram pelo ar com grandes rugidos e voaram de volta para Slievenamon, proferindo maldições estranhas sobre o Espírito do Poço, que determinara a sua ruína. A mulher e a casa, no entanto, ficaram em paz, e um manto que uma das bruxas deixou cair durante sua fuga foi pendurado na parede pela patroa em memória daquela noite. Esse manto vem sendo mantido de geração em geração pela mesma família por quinhentos anos.
Conall Garra-Amarela
Conall Garra-Amarela era um morador de Erin, um homem robusto, que tinha três filhos. Naquela época, havia um rei para cada quinta parte de Erin. Um dia, os filhos do rei que vivia mais perto de Conall e os próprios filhos de Conall envolveram-se em uma briga. Os filhos de Conall levaram a melhor e mataram o filho mais velho do rei. O rei enviou uma mensagem para que Conall fosse vê-lo.
– Oh, Conall! O que fez seus filhos atacar os meus até que meu filho mais velho fosse morto? Sei que o ameaçar com vingança não me fará melhor, então vou propor algo a você e, se você fizer o que digo, não me vingarei. Se você e seus filhos conseguirem para mim o cavalo marrom do rei de Lochlann, preservarei a vida de seus filhos.
– Bem – disse Conall –, se eu atender o desejo do rei, então meus filhos não precisarão temer por suas vidas.