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A menina que não acredita em milagres
A menina que não acredita em milagres
A menina que não acredita em milagres
E-book341 páginas8 horas

A menina que não acredita em milagres

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Sobre este e-book

Campbell tem 17 anos.
Ela não acredita em Deus.
Muito menos em milagres
Cam sabe que tem pouco tempo de vida, por isso quer viver intensamente e fazer tudo o que nunca fez, no tempo que lhe resta. Mas a mãe de Cam não aceita o fato de perder a filha, assim, ela a convence a fazer uma viagem com ela e a irmã para Promise um lugar conhecido por seus acontecimentos miraculosos.
Em Promise, Cam se depara com eventos inacreditáveis, e, também, com o primeiro amor. Lá encontra, finalmente, o que estava procurando mesmo sem saber.
Será que ela mudará de ideia em relação à probabilidade de milagres?
A Menina que não Acredita em Milagres vai fazer você rir, chorar e repensar sua conduta de vida.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de fev. de 2016
ISBN9788581638157
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    Pré-visualização do livro

    A menina que não acredita em milagres - Wendy Wunder

    SUMÁRIO

    Capa

    Sumário

    Folha de Rosto

    Folha de Créditos

    Dedicatória

    Epígrafe

    UM

    DOIS

    TRÊS

    QUATRO

    CINCO

    SEIS

    SETE

    OITO

    NOVE

    DEZ

    ONZE

    DOZE

    TREZE

    QUATORZE

    QUINZE

    DEZESSEIS

    DEZESSETE

    DEZOITO

    DEZENOVE

    VINTE

    VINTE E UM

    VINTE E DOIS

    VINTE E TRÊS

    VINTE E QUATRO

    VINTE E CINCO

    VINTE E SEIS

    VINTE E SETE

    VINTE E OITO

    VINTE E NOVE

    TRINTA

    TRINTA E UM

    TRINTA E DOIS

    TRINTA E TRÊS

    TRINTA E QUATRO

    TRINTA E CINCO

    TRINTA E SEIS

    TRINTA E SETE

    AGRADECIMENTOS

    NOTAS

    WENDY WUNDER

    Tradução

    Ana Paula Rezende Dias da Silva de Mello

    © 2011 Alloy Entertainment

    Publicado sob acordo com Rights People, Londres

    © 2016 Editora Novo Conceito

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja este eletrônico, mecânico de fotocópia, sem permissão por escrito da Editora.

    Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

    Versão digital — 2015

    Produção editorial

    Equipe Novo Conceito

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Ficção : Literatura norte-americana 813

    Rua Dr. Hugo Fortes, 1885

    Parque Industrial Lagoinha

    14095-260 – Ribeirão Preto – SP

    www.grupoeditorialnovoconceito.com.br

    Para G & C

    Há dois modos de viver a vida:

    O primeiro é como se nada fosse um milagre.

    O outro é como se tudo fosse um milagre.

    Albert Einstein

    UM

    Quando o pai de Campbell morreu, deixou para ela 1.262,56 dólares — tudo que conseguira economizar durante o trabalho de vinte e dois anos como dançarino do fogo para o programa Espírito do Aloha no Hotel Polynesian, da Disney. Coincidentemente, esse era o valor exato que seu tio obeso, Gus, estava pedindo pelo fusca de 1998 em Vapor, a única cor que valia a pena ter, se você quisesse um fusca. Cam estava de olho desde que tinha seis anos, e ele valia cada centavo. Misturava-se à névoa como um carro invisível, e, quando ela o dirigia, sentia-se invisível, invencível e solitária.

    Ela esperava que fosse assim no céu.

    Não que acreditasse em céu ou em um deus (especialmente um homem) ou em Adão e Eva, como metade dos otários que moravam na Flórida. Ela acreditava na evolução: peixes adquiriram pés, sapos adquiriram pulmões, lagartos adquiriram pelos e os macacos tinham de andar eretos para percorrer a savana. Fim da história.

    Também não acreditava na Imaculada Conceição, mas você poderia arranjar um monte de problemas se admitisse para alguém que achava que a Virgem Maria provavelmente só tinha engravidado, assim como vinte por cento das adolescentes na Flórida. Essa era uma ideia que você deveria guardar para si mesma.

    Porque outras pessoas precisavam de milagres. Outras pessoas acreditavam em mágica. A mágica era para quem podia arcar com a estadia de sete dias no Park Hopper e de oito noites no Grand Floridian. A mágica, Cam soube depois de uma vida inteira trabalhando para o Mickey Mouse, era um privilégio e não um direito.

    Ela inspirou o purificador de ar com óleo de pluméria do carro. Era um poderoso afrodisíaco havaiano, mas como ninguém andava de carro com ela, apenas servia para fazê-la apaixonar-se pelo próprio veículo. Que era macho. Ela o chamava de Cumulus.

    Naquele exato momento, Cumulus estava estacionado no nível Zebra do estacionamento do Children’s Hospital. Cam costumava estacionar no nível Coala; ela preferia o mural de árvores de eucalipto e os tons cinzentos desbotados e suaves às listras vivas em preto e branco no Zebra. Mas quando chegara, duas horas atrás, não havia mais vagas disponíveis.

    Se fosse perspicaz o suficiente, consideraria aquilo um sinal. Essa consulta não ia dar certo. Eles haviam chegado ao ponto em que as coisas eram pretas e brancas. Os bons tempos do cinza tinham acabado.

    Uma família de quatro pessoas desceu do elevador do estacionamento. A mãe tentava segurar a mão de um garotinho saudável de quatro anos que pulava enlouquecido e todo bobo com os tênis do Homem-Aranha com luzes vermelhas piscando nas laterais. Uma menininha doente, careca, de dois anos, em um vestido cor-de-rosa, dormia no ombro do pai, que caminhava, aturdido, até o SUV da família, e talvez estivesse se perguntando como sua vida se transformara nisso.

    Cam conhecia a sensação. Ela tinha de fazer alguma coisa: comer sem parar e vomitar, encher a cara, fumar um cigarro, qualquer coisa, para se livrar daquela sensação. Suas mãos tremiam quando ela abriu o porta-luvas e remexeu para ver se a mãe escondera algum cigarro por ali. Seus dedos sentiram a ponta de alguma coisa.

    O que é que temos aqui?, perguntou-se enquanto tirava o pequeno quadrado de papel de caderno do porta-luvas. Ele estalou quando ela o desdobrou. Primeiro, a letra não parecia ser dela. O lápis pressionara com força as letras no papel. Os os eram redondos e cheios e as consoantes erguiam-se orgulhosas e eretas, como se o autor soubesse que ela tinha todo o tempo do mundo. Nos últimos poucos meses, a letra de Cam se tornara a confusão enfraquecida e torta de uma velha.

    LISTA DO FLAMINGO

    Perder a virgindade numa festa com birita.

    Deixar um babaca partir meu coração.

    Andar por aí infeliz, apática, fazendo beicinho, e dormir durante todo o sábado.

    Me meter numa saia justa com o namorado da minha melhor amiga.

    Ser despedida de um emprego de verão.

    Puxar o rabo de uma vaca.

    Acabar com os sonhos da minha irmã caçula.

    Bancar a stalker inocente.

    Beber cerveja.

    Passar a noite fora de casa.

    Tentar roubar algo numa loja.

    Cam olhou para a folha de papel de caderno. Ela não via a lista há quase um ano, desde que a escreveu na cama de cima do beliche, na cabana 12 do Acampamento Shady Hill para Turbinar a Autoestima de Adolescentes, bem no fundo da floresta a oeste da Carolina do Norte. O folheto prometera ajudar as garotas a encontrar a força interior e ajudar as meninas sem graça a se transformarem no centro da festa!, o que fez Cam estremecer, no início. Mas ela queria passar o tempo com Lily, sua melhor amiga, longe de um hospital, e era melhor que tornar-se conselheira no acampamento dos doentes onde o mar de carecas, os carrinhos hospitalares, que faziam as rondas com os vidros de comprimidos batendo um contra o outro, e a ocasional visita de uma celebridade popular eram uma lembrança constante e deprimente da própria doença. Em Shady Hill, elas eram apenas participantes comuns, os Flamingos. Cada cabana tinha de escolher uma ave e decidiram escolher uma que era menos provável de ser encontrada na floresta. Uma ave que não se misturaria aos arredores. Como elas.

    Cam fechou os olhos e recostou a cabeça no encosto do Cumulus. Ela praticamente podia ouvir a voz de Lily:

    ... Então, você guarda a lista e para de pensar nela e aos poucos... um dia, o simples ato de escrever coisas vai fazê-las acontecer.

    Durante o verão, Lily ficara obcecada com a ideia de tirar sarro dos livros de autoajuda que encontrara na seção de autoestima da biblioteca do acampamento. Enquanto as outras garotas folheavam escondidas as páginas amareladas de Ação depois das aulas e Universidade do amor que a prima de alguém escondera debaixo do revestimento do piso da biblioteca, Lily lera sobre afirmações. Elas passaram uma tarde diante do espelho do banheiro rachado e pintado de pátina dizendo, em tom de brincadeira, ao próprio reflexo que elas eram belas, poderosas e merecedoras. Lily lera sobre as visualizações e elas riram ao fechar os olhos e imaginar um arco-íris de luz purificando seus órgãos doentes. Então surgiu a lista.

    — Lil — começou Cam, mas Lily estava empolgada e torcia uma mecha da parte verde do cabelo com o dedo, enquanto resumia em voz alta.

    — Você não pode digitar nem mandar uma mensagem de texto com ela. Tem de ser escrita com sua letra sobre o papel, como antigamente. E não pode mostrar para ninguém mais, ou não vai se tornar realidade.

    — Que isso, Lily. Você não acredita, acredita? Escreva e vai acontecer?

    — Claro que não. Mas a gente deveria escrever. Só pra dar umas risadas. Tome — disse ela e jogou para Cam o lápis laranja gigante, de quase um metro, que comprou na loja de lembranças Davis Caverns na última viagem com todo o acampamento. — Comece a escrever. Uma lista com tudo que você quer que aconteça antes de você morrer.

    Cam fez desenhos na margem superior do caderno.

    — Como vamos chamá-la? — perguntou a Lily, que já estava rabiscando furiosamente. — Lista de coisas a fazer antes de bater as botas é tão antiquado.

    — Que tal outra expressão pra bater as botas? Meter o pé na cova? Vamos chamá-la de Lista do Pé na Cova — disse Lily sem erguer os olhos.

    — De jeito nenhum — disse Cam.

    — Não sei, Campbell. — Lily suspirou. — Chame apenas de Lista do Flamingo, então.

    — Isso não é irrelev...

    — Só escreva.

    Cam suspirou, escreveu Lista do Flamingo em grandes letras maiúsculas e então pensou no que incluir. Deveria ser realista, decidiu. Do que ela realmente sentia falta já que ser doente era o seu normal? Por isso, ela veio para o Shady Hill em vez de ir ao acampamento de câncer, embora as cabanas tivessem cheiro de mofo. Cam queria uma vida que estava com mofo. Metaforicamente falando. Por isso, começou a fazer uma lista de todas as coisas normais das quais poderia sentir falta, se não chegasse ao final da adolescência. Como Perder a virgindade numa festa com birita, escreveu. Ou Andar por aí infeliz, apática, fazendo beicinho, e dormir durante todo o sábado...

    — Como é que você acha que vai ser? — interrompeu Lily. Ela tinha terminado a lista e sentou-se no beliche, hesitante, mastigando a ponta da caneta.

    — Como é que vai ser o quê, Lily? — perguntou Cam. Lily podia dar um salto para o meio de uma conversa, esquecendo que Cam não necessariamente habitava o cérebro dela para saber qual era o começo. — O último ano? As olimpíadas de inverno? O baile de formatura? Sexo? O jantar de hoje?

    — A morte — respondeu Lily.

    — A morte. — Cam fez uma pausa. — Bem, acho que vai ter o túnel e a luz branca, e aquela história de olhar pra baixo e ver o próprio corpo...

    — Eu não sabia que você acreditava na vida após a morte — disse Lily.

    — Não acredito — respondeu Cam. — A tal experiência de proximidade da morte é um acontecimento neurológico. Um grande sonho causado por quantidades imensas de hormônios liberados pela glândula pituitária. É tudo causado pela dimetiltriptamina. Não por Deus.

    — Oh — disse Lily, decepcionada. Ela olhou pela janela.

    — Bem, como você acha que vai ser?

    — Acho que vai ficar escuro, no início. Tem de ficar escuro quando o seu corpo desliga. Depois uma ponte de arco-íris brilhante vai se formar através da escuridão, e estrelas vão piscar ao redor e iluminar seu caminho até o Mundo Espiritual.

    Cam esboçou um sorriso.

    — Mundo Espiritual? Espera aí, deixa eu consultar meu filtro dos sonhos...

    — Paraíso — disse Lily. — Eu acredito que existe um paraíso.

    Cam abriu os olhos e fitou o estacionamento subterrâneo de aspecto sombrio. Talvez seja hora de começar a riscar alguns desses itens, pensou, e voltou a percorrer a lista com os olhos. Como o último item parecia ser a única tarefa totalmente em seu poder neste momento, começaria por ele.

    Telefonou para Lily.

    — O que eu deveria roubar, Químio-sabe?

    — O quê? — A voz de Lily estava rouca e lenta, como se ela tivesse acabado de acordar.

    — Está na lista.

    — Que lista? — Cam podia ouvir os lençóis roçando, e a cama guinchava enquanto Lily se erguia até ficar em posição ereta.

    — Lembra-se da lista do acampamento de verão?

    — Por que roubar está na sua Lista do Flamingo? — perguntou Lily, exasperada. — De qualquer forma, você não tem de forçar, Campbell. Você tem de deixar as coisas acontecerem.

    — Estou sentindo necessidade de apressar as coisas um pouquinho — disse Cam. Ela encostou a testa no volante e girou a cabeça ao longo do semicírculo superior.

    — Pegue um hidratante labial Burt’s Bees. O meu acabou — admitiu Lily. Cam quase conseguia vê-la estreitando os olhos enquanto examinava os lábios ressecados no espelho.

    — E o que mais? — perguntou Cam.

    — Um flamingo de plástico da Family Dollar — sugeriu Lily. — Iguais àqueles de enfeitar o gramado.

    — Vai ser um desafio.

    Cam ergueu a cabeça do volante e fez um carinho no carro.

    — Para a Whole Foods, Cumulus — falou, e eles partiram.

    DOIS

    Cam adorava o cheiro da Whole Foods: uma mistura de sândalo, patchouli, lavanda, terra, alho e cecê. Era um dos poucos lugares na Flórida onde ela não parecia suspeita, vestindo o casaco preto e justo com capuz e o jeans justo preto desbotado e todo esfarrapado que ela conseguia vestir apenas porque o câncer transformara seu corpo metade samoano em manequim 32.

    A Whole Foods acolhia pessoas como ela. Gente esquisita com um toque dos nativos para eles. Era aqui que as pessoas tentavam entrar em contato com os nativos. Os autênticos. E onde elas fingiam ser mais tolerantes. Por isso, Cam cheirava uma embalagem de desodorante enquanto enfiava alguns hidratantes labiais Burt’s Bees na bolsa de lona verde envernizada com uma colagem de adesivos de carros cortados. O adesivo que ficava por cima dizia: IMAGINE... e o restante eram slogans como TIBETE LIVRE, CASAMENTO PARA TODOS, SERES HUMANOS NÃO SÃO ILEGAIS, PAZ NO ORIENTE MÉDIO, A REGRA DE OURO, ASSISTÊNCIA MÉDICA É DIREITO DO SER HUMANO E ONDE ESTÁ MEU VOTO? (em solidariedade ao povo do Irã, que teve a eleição fraudada por um ditador mau).

    Ela era a única pessoa no condado de Osceola, na Flórida, que se importava com coisas como eleições fraudadas, liberdade, direitos humanos... O restante das pessoas estava ocupado demais procriando, o que começava cedo por aqui. Três casais tinham ficado noivos no baile do último ano do colégio.

    Cam não fora ao baile porque provavelmente havia regras sobre namorar no carro, mas se ela estivesse ali teria desejado pomaika’i, boa sorte em havaiano, aos casais felizes. Eles iam precisar de sorte. Na verdade, de um milagre. Sem ele, os casais terminariam divorciados e tentando criar três filhos com doze dólares por hora, aumentando a população de moradores-do-estacionamento-de-trailers, motoristas-de-latas-velhas, que-faziam-compras-na-loja-de-um-e-noventa-e-nove, com-diabetes-por-comer-comida-enlatada e que moravam no feliz estado da luz do sol.

    Mas talvez fosse diferente para eles. Cam esperava que sim. Talvez eles fossem diferentes.

    Ela enfiou um pouco de raiz de calêndula no bolso do moletom. Nem sabia o que era, mas adorava o som daquilo: raiz de ca-lên-du-la. Ela engoliu um pouco no caminho até a porta.

    — Com licença? — falou uma voz atrás dela.

    Cam deu um pulo. Será que ela já estava encrencada?

    Ela deu meia-volta e se deparou com a típica freguesa da Whole Foods: cinquenta anos, cabelo grisalho preso num coque frouxo, olhos azuis, sem maquiagem, calças largas, sapatos da Clarks, sacola de compras de algodão orgânico. Cada vez mais ex-professores universitários e funcionários do serviço social estavam chegando até essas partes porque isso era tudo que podiam pagar com a aposentadoria.

    — Sim? — disse Cam, remexendo no vidro de raiz de calêndula em seu bolso.

    — Quem corta seu cabelo?

    — Hum. Meu cabelo?

    — Isso. É um corte lindo.

    O cabelo cacheado de Cam estava curto. Ela passava a velha máquina de cortar cabelo do pai no ajuste de um centímetro.

    — Eu mesma corto — disse ela.

    — Bem, fica ótimo em você. Você tem um belo rosto — disse a típica freguesa da Whole Foods enquanto colocava algumas cápsulas de fibra na cesta da frente do carrinho.

    — Obrigada — disse Cam e esperou que a senhora virasse a esquina antes de enfiar uma caixa minúscula de tampões cem por cento naturais e sem cloro na bainha dobrada da calça.

    Ela já tinha ouvido isso antes.

    — Um rosto tão bonito. — Céus, como odiava isso. Na fase pré-câncer, era o código para: Que tristeza. Ela é tão gorda. Agora era o código para: Que desperdício. Uma lésbica tão bonita.

    O que deixava a mãe de Cam arrasada era o fato de que ela não havia deixado o cabelo crescer depois da químio. A mãe achava que cabelo longo era poderoso. Além disso, sem o cabelo longo, Cam nunca conseguiria dançar no Aloha. Sem o cabelo longo, ela estava relegada à cozinha nos fundos do hotel, onde passava horas separando ingredientes, fazendo barcos de abacaxi para o arroz polinésio.

    — Sempre tem a Perry. — Era o que Cam dizia à mãe. — Ela poderia dançar com você um dia.

    — Agh! — A mãe de Cam jogava as mãos para o alto em sinal de aversão. Como dançarina de hula (que, na verdade, era uma ítala-americana de Nova Jersey), suas mãos eram muito expressivas. Alicia conhecera o pai de Cam em Nova York quando eles tinham vinte e poucos anos, dançando em alguns clubes e coros na Broadway. Ela passou a frequentar as aulas de dança polinésia apenas para passar mais tempo com ele e então acabou adotando aquilo como um estilo de vida.

    Perry, a meia-irmã de Cam, de onze anos, nunca poderia dançar no Aloha. Ela foi o resultado de uma noite de amor pós-divórcio que a mãe tivera com um membro do elenco de Norway, no Epcot. Tinha cabelo louro platinado e andava com passos pesados, feito um viking.

    — Perry é muitas coisas — dizia a mãe —, mas não é uma dançarina.

    A mãe de Cam queria que ela dançasse menos por causa de um legado e mais porque a dança tinha poderes de cura. Ao menos, para o espírito. E Cam dançava — estava em seu sangue —, mas ela fazia isso sozinha, em casa, na frente do espelho Spikork, da Ikea.

    Tyler, um integrante da equipe da Whole Foods, escaneou o código de barras das balinhas de menta pelas quais ela decidira pagar.

    — Você é o caixa — murmurou Cam, fitando o crachá verde com as letras brancas baratas.

    — O quê?

    — Você consegue perceber a sacanagem deles, né? Você não é um integrante da equipe. Eles não se importam se você é uma pessoa.

    — Está bem. Tanto faz.

    — A Disney foi a primeira a usar esse truque. Chamavam os funcionários de integrantes do elenco, assim, o pobre do cara que torcia os balões de animais pensa que ele é um astro da Disney.

    Tyler apenas resmungou.

    — Se você tem de usar um crachá, você é um funcionário — prosseguiu ela.

    — Sei que você pegou o negócio para os lábios — disse ele, devolvendo as balinhas de menta para Cam. Ele tinha dedos fortes, ossudos, cabelo negro bagunçado e olhos castanhos com uma mancha dourada adorável no olho esquerdo.

    — Mas você não sabe sobre a raiz de calêndula. Nem sobre os absorventes íntimos — disse ela. Nem sobre a esponja marinha natural que ela enfiara no sutiã. — Tenha um bom dia.

    Enquanto caminhava lentamente até a porta, imaginou o momento em que Rolf, de A noviça rebelde, encontra toda a família atrás do túmulo, na abadia, e hesita, decidindo se ama ou não Liesl, antes de tocar aquele apito nazista veadinho. Será que Tyler, o integrante da equipe da Whole Foods, amava-a ou será que ia tocar o apito?

    Ele a amava.

    Ela estava livre, caminhando pelos Alpes no estacionamento rumo àquela Suíça neutra e adorada que era o seu carro. Soltou um suspiro e agradeceu, por um segundo, o fato de estar nos Alpes. Morar na Flórida era como morar no sol. E ela podia mesmo ver o calor gasoso subindo do asfalto.

    Cam arranjou o saco da Whole Foods como uma natureza-morta no painel do carro e mandou uma foto para Lily. Ela riscou Tentar roubar algo numa loja da Lista do Flamingo e enfiou o papel de volta no porta-luvas. Em seguida, o telefone soou com o toque de Lily, I Believe in Miracles, dos Ramones. Ela tinha escolhido a música porque suspeitava que, talvez, Lily acreditasse em milagres. De um modo despretensioso e um pouco irônico.

    — Bom trabalho, Bola Branca, não pensei que você tinha isso dentro de você — falou, quando Cam atendeu.

    — O que isso quer dizer?

    — Nada. Você sabe como você é.

    — Como eu sou? — perguntou Cam, abrindo o potinho de Burt’s Bees e passando a meleca nos lábios contraídos.

    — Você sabe, essa coisa de você ser brutalmente sincera e verdadeira, e estar sempre certa, mesmo quando está de saco cheio e cansada de sempre estar certa, porque você sabe que isso te faz parecer irritante. Pensei que isso ia ficar no seu caminho.

    — Tive umas notícias ruins hoje, Lil.

    — Já tivemos notícias ruins antes.

    Cam estava em silêncio. Ela arrancou a ventosa da boneca de hula do painel do carro e a balançou para a frente e para trás, para que as pálpebras abrissem e fechassem.

    — Não tem importância — prosseguiu Lily. Houve uma pausa. Ninguém disse nada. E então: — Nada tem importância, a não ser pegar aquele flamingo.

    — Tá — concordou Cam, e desligou. Ela inspirou um pouco, o que a animou por um instante. Mas, depois, soltou o ar e sentiu que tudo dentro dela, o estômago, o plexo solar, a garganta, estava sendo remexido por um par de punhos cruéis que a estrangulavam.

    Cam passou pelas tendas de lojas de rua em rosa e azul-turquesa até encontrar a que tinha uma Family Dollar. Ninguém vestido de preto comprava na Family Dollar. Essa era a regra. Ela não ia se misturar.

    Ela enfeitou o chapéu de palha velho da avó com a fita amarela para ter um pouco de cor. E pôs os grandes óculos de sol vermelhos. Por sorte, enquanto estava cruzando o estacionamento, conseguiu pegar uma sacola plástica da Family Dollar que estava girando num tornado em miniatura.

    Foi até a liquidação na calçada e fingiu examinar as ofertas made in China de plástico com tinta de cobre. As pernas dos flamingos estavam enfiadas numa grande caixa de papelão do lado de fora da loja, onde eles encostavam-se uns nos outros e fitavam, com olhos pretos pintados com spray, as tochas tiki, as piscinas infantis, as boias de braço e os copos plásticos de margarita que estavam pela metade do preço para o verão.

    Cam examinou um com atenção, como se precisasse inspecionar a qualidade de um flamingo de plástico. Então primeiro enfiou a cabeça na sacola da Family Dollar, sufocando-o, e saiu, voltando até o carro. Ela estava procurando a chave quando alguém bateu em seu ombro.

    — Você vai pagar pelo flamingo?

    Meleca, pensou Cam, mas, antes que pudesse dizer Que flamingo?, sentiu uma coisa acontecer. Parecia medo, só que mais forte. Ela podia perceber uma brisa fria;

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