Reflexos do passado
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Sobre este e-book
Em um dos momentos mais intensos da sua vida, Cecília decide permanecer em São Paulo e enfrentar os desafios da maternidade longe da família. Contudo, a distância física ganha um novo nome quando um vírus surge para prendê-la em casa. Preocupada com a saúde do filho, ela passa os dias lutando contra a ansiedade, o medo e a solidão. Mas tudo muda no dia em que o destino a presenteia com palavras, fotos e memórias repletas de fé. Ao olhar para o passado, Cecília descobrirá quantas lutas foram travadas para que as mulheres da sua família sobrevivessem. E, inspirada por tamanha força, desafiará o presente ao dar vida à esperança.
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Reflexos do passado - Paola Aleksandra
recompensadora.
1.
Cecília, São Paulo, abril de 2020, 32 semanas
Faz um mês que não leio sites de notícias ou assisto à TV, buscando de todas as maneiras possíveis manter a sanidade em meio ao caos criado pela Covid-19. Mas meu vizinho de sessenta anos não pensa da mesma maneira e passa o dia todo com a televisão ligada – não que eu o culpe por querer manter-se informado, só queria ter um pouco mais de controle sobre as informações que chegam até mim. Se eu pudesse, preferiria não saber que o Brasil acabou de ultrapassar a China e que contabiliza mais de dez mil mortes por coronavírus.
Quando escolhi alugar um apartamento na Zona Sul, recém-reformado e todo mobiliado com peças brancas e modernas, estava mais preocupada com o custo-benefício de morar perto da faculdade do que com as paredes finas do prédio. Na época, o que eu queria mesmo era experimentar a liberdade de morar longe dos meus pais. Depois de viver vinte anos em uma cidadezinha no interior de Goiás, vir para São Paulo sozinha era meu sonho. Por isso, não pensei nas desvantagens de morar em um prédio de vinte andares e seis apartamentos por piso. Na verdade, durante os últimos oito anos nunca vi sequer um aspecto negativo no lugar que aprendi a chamar de lar. Mas quando se é obrigada a passar vinte e quatro horas por dia trancada em uma área de quarenta e dois metros quadrados, fica fácil listar tudo o que gostaria que fosse diferente. Por exemplo, o volume da televisão do meu vizinho.
Ainda não acredito que ultrapassamos a marca de dez mil mortes. Para mim, é impossível quantificar tamanha perda. A voz da apresentadora do Bom Dia Brasil ecoa do apartamento ao lado e, enquanto ela lista as estatísticas da curva de ascensão do vírus, me pego pensando nas famílias atingidas, nas relações interrompidas de forma abrupta e nas milhares de vidas que ainda serão roubadas. Não quero pensar no amanhã e no cenário assustador que ele nos reserva, então uso as mãos para tampar as orelhas, em uma tentativa infantil de abafar o som da TV. Em alguns dias, fugir da realidade me parece a única chance de sobreviver à solidão e ao medo constantes, mas, neste instante, nem isso sou capaz de controlar.
No Brasil, os casos fora do grupo de risco estão aumentando, principalmente entre crianças e adolescentes, o que causa preocupação na população...
Tento evitar, mas as malditas palavras me alcançam na varanda. Por recomendações médicas, e para fingir que não estou presa em casa há exatos dois meses, eu passo todas as manhãs no chão da sacada do apartamento, espremendo o corpo em manobras surpreendentes para aproveitar os parcos raios de sol que cobrem o pequeno espaço. Mesmo sabendo que o mundo lá fora está tomado de dor e medo, uma parte de mim se sente segura nesse minúsculo refúgio. Ou ao menos era assim que eu me sentia até hoje.
Camila Silva está no Hospital e Maternidade Santa Joana e traz notícias do recém-nascido que foi internado em estado grave na UTI neonatal nessa madrugada, após testar positivo para o novo coronavírus. Mais três bebês foram avaliados, dois deles não testaram positivo e o terceiro, que foi infectado, recebeu alta por estar assintomático.
Anos atrás, eu inventei de fazer um tratamento estético que consistia em receber centenas de agulhadas por toda a extensão das minhas estrias – as pequenas agulhas entravam na pele, giravam até inflamar o tecido e finalizavam o procedimento com a liberação de um gás que até hoje não sei para que servia. Lembro de suar frio ao sentir o choque de dor percorrer todo o meu corpo. E é exatamente assim que me sinto ao ouvir as palavras da âncora do jornal, só que dessa vez as ferroadas de dor me consomem com uma intensidade infinitamente maior.
Em exatos dois meses minha vida mudará por completo, mas o que deveria ser um momento de alegria e renascimento poderá se tornar um pesadelo. Por causa do coronavírus, quando a hora chegar precisarei entrar no hospital sozinha. Estou longe dos meus pais, do meu melhor amigo, da minha irmã e da minha cunhada, então o único amparo que terei é o que vem de