Raio de Sol
De Kim Holden
4.5/5
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Sobre este e-book
"Faça épico", costuma dizer Kate Sedgwick quando quer estimular alguém a dar o melhor de si. Nascida numa família-problema, com direito a mortes e abandono, a garota de dezoito anos sempre buscou fazer a diferença. Em vez de passar os dias lamentando os infortúnios da vida, como tantos fariam em seu lugar, sempre vê as coisas pelo lado positivo – não é por outro motivo que Gus, seu melhor amigo, a chama de Raio de Sol.
E é por isso que, quando passa na faculdade e se muda da ensolarada San Diego, na Califórnia, para a fria cidade de Grant, em Minnesota, ela leva consigo apenas boas lembranças e perspectivas. O que ela não espera é que será surpreendida pelo amor – único aspecto da vida em relação ao qual nunca quis ser otimista – ao conhecer Keller Banks, um rapaz que parece corresponder aos seus sentimentos. Acontece que tanto ele quanto ela têm um segredo. E segredos, às vezes, podem mudar tudo.
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Raio de Sol - Kim Holden
Segunda-feira, 22 de agosto
(Kate)
— E aí, bunda mole?
— Ah, você sabe, acabei de dirigir por umas trinta horas seguidas e perdi a noção de tudo. Não durmo há uns dois, três dias. Tomei mais de vinte Red Bulls e mais de cinquenta litros de café. Acho que está tudo igual, então.
Ele ri.
— Cara, acho que você tem sangue de caminhoneiro nas veias.
— Pra você é Senhora Caminhoneira.
Ele ri de novo.
— Incrível! Acho que vou ter que aposentar Raio de Sol e começar a te chamar de Senhora Caminhoneira.
A conversa vem sendo boa, natural, como eu torcia para que fosse. Depois do jeito como Gus e eu nos separamos em San Diego, alguns dias atrás, eu não sabia o que esperar desse telefonema.
Mas aí veio o silêncio constrangedor.
Nunca tivemos momentos de silêncio constrangedor antes. Não nos dezenove anos em que o conheço.
— Então. Minnesota, hein?
— É.
— Você está na casa da Maddie?
— Estou.
— E como está indo? — pergunta Gus.
— Está indo. — Deus, as coisas não estão melhorando. Ele parece quase entediado, mas consigo sentir que está nervoso à beça. Eu me pergunto por que ainda não o ouvi acender um cigarro. E, de repente, ouço o estalo do isqueiro e o som familiar da primeira e longa tragada. — Você devia…
Ele me interrompe.
— Acho melhor eu deixar você em paz, Raio de Sol. Acabei de chegar na casa de Robbie, todo mundo já está aqui para uma reunião da banda, e estou atrasado, como sempre. Estão me esperando.
Fico decepcionada, mas sei que as vidas das outras pessoas não podem parar nem entrar em modo de espera só porque Kate quer. Então, dou meu melhor sorriso e respondo:
— Tá. Claro. Você vai estar em casa amanhã à noite? Vou te ligar.
— Estou pensando em surfar amanhã depois do trabalho, mas à noite devo estar em casa. — A respiração dele está equilibrada, mas sei que é porque ele está se concentrando demais no cigarro, sugando a calma para dentro do corpo com a fumaça e a nicotina.
— Tudo bem. Eu te amo, Gus.
Sempre dizemos eu te amo um para o outro. Sempre dissemos. Ele cresceu ouvindo isso da mãe a cada quinze minutos, e ela queria mesmo expressar isso. Era natural. Eu cresci sem ouvir isso da minha mãe. Nunca, e era bem o que ela queria expressar. Era natural para ela. Ela queria expressar indiferença. Eu sentia isso todos os dias. Nos ossos. Acho que é por isso que sempre amei ouvir eu te amo de Gus e da mãe dele, Audrey. Seria estranho terminar uma conversa com eles sem dizer isso.
— Também te amo, Raio de Sol.
— Tchau.
— Tchau.
Estou na casa da minha tia Maddie, meia-irmã bem mais nova da minha mãe. A meia-irmã bem mais nova que minha mãe só soube que existia no enterro do meu avô (pai das duas) três anos atrás. Meu avô não participou de boa parte da vida da minha mãe. Ele foi embora quando ela tinha uns dez anos. Simplesmente desapareceu, ao que parece tinha outra família e tudo, depois voltou para a vida dela, alguns anos antes de morrer. Eu o vi algumas vezes e gostei dele. Não podia julgá-lo pelo que fez. Não sei como a vida dele era. De qualquer modo, Maddie aparece no enterro e minha mãe tem um ataque de raiva quando ela anuncia que é sua meia-irmã. Minha mãe esperou muito tempo para ter minha irmã, Grace, e eu. Talvez esperar
não seja a palavra certa. Grace foi um acidente e eu fui uma tentativa fraca de segurar um homem que não a queria e não nos queria. Ela tinha 39 anos quando Grace nasceu e 40 quando eu cheguei. Maddie só tem 27 anos, é oito anos mais velha do que eu, o que quer dizer que minha mãe era 32 anos mais velha do que Maddie. É, pode fazer as contas; meu avô era um coroa cheio de tesão. Mas, como falei, não cabe a mim julgar.
Então tenho essa tia que eu não sabia que existia e mal conheço, exceto por uma visita que ela fez, quando ficou conosco na casa da minha mãe em San Diego por uma semana. Isso foi dois anos atrás. Então, quando soube que fui aceita (e ganhei uma bolsa de estudos) na Grant, uma faculdade pequena em uma cidadezinha com o mesmo nome perto de Minneapolis, liguei para Maddie e perguntei se podia dormir na casa dela durante uma semana antes de me mudar para o alojamento e as aulas começarem. Ela hesitou, como se eu estivesse pedindo a porcaria de um rim, mas acabou concordando. E agora estou aqui num quarto da casa dela e só faz uma hora, mas já me sinto como uma hóspede que ficou mais tempo do que era bem-vinda.
Desfaço minha mala e coloco a escova de dentes, a pasta, o xampu, o condicionador e a lâmina para depilação no enorme banheiro de hóspedes. Maddie tem um apartamento bem legal. Não sei nada sobre o custo de vida aqui em Minneapolis, mas parece caro. É muito chique. Sei que algumas pessoas adoram coisas chiques e respeito isso, mas acho supervalorizado. Faz com que eu deseje o simples. O chique esconde muito, enquanto o simples mostra tudo sem tentar justificar. Isso me faz pensar no apartamento que eu tinha em San Diego e no quanto sinto falta dele. Era uma garagem que aluguei do antigo jardineiro da minha mãe, o sr. Yamashita, que adaptou um pequeno banheiro lá dentro para poder alugar o espaço. A cozinha se resumia a um frigobar, um micro-ondas e uma chapa quente, mas sem pia. Os pratos tinham que ser lavados no banheiro. Era pequeno e apertado e escuro, a não ser que você abrisse a porta da garagem, mas eu adorava. Era simples. Era meu lar. Minha irmã Grace e eu fomos morar lá um ano atrás. Estávamos procurando um lugar para ficar, e o sr. Yamashita, um velhinho doce, nos fez uma proposta de aluguel ridiculamente barata que não pude recusar. Grace e eu dividíamos uma cama de casal e tínhamos uma mesa de carteado com duas cadeiras que servia de sala de jantar, ambiente de trabalho e mesa de jogos. Não tínhamos muito espaço, mas era aconchegante. Ficava a um quarteirão do mar, mas em um terreno de esquina que tinha vista direta para a água. Todas as noites, depois do jantar e de Grace tomar banho, nós abríamos a porta da garagem, nos sentávamos na beira da cama e víamos o sol se pôr no mar. E, quando o sol começava a mergulhar na água e o laranja se espalhava pelo horizonte, Grace segurava minha mão, levantava nossos dedos entrelaçados no ar e gritava: Hora do show!
Eu gritava a mesma coisa, concordando. Ela segurava minha mão com as duas mãos dela, apertando com força até ficar escuro como breu. A escuridão despertava uma salva de palmas alegres dela. Eu também aplaudia. Ela dizia:
— Foi o melhor de todos, você não acha?
Eu concordava, e sempre estava falando sério. Em seguida, fechava a porta, colocava as pernas de Grace para cima da cama e ela ficava deitada. Eu a cobria, beijava sua testa e dizia:
— Boa noite, Gracie. Eu te amo. Durma bem.
E ela respondia:
— Você também. E eu também te amo, Kate. — E me beijava na testa. Sinto tanta falta disso.
Depois de arrumar tudo para minha estada temporária, saio e tento conversar com Maddie, mas ela está ao telefone, então faço sinal para a cozinha, como se pedisse permissão para comer alguma coisa. Ela concorda com a cabeça distraidamente enquanto ri acanhada para o telefone. Deve ser um cara do outro lado. As mulheres só riem assim quando falam com alguém com quem estão fazendo sexo. Ou com quem estão tentando fazer sexo.
A cachorrinha dela, Princess, me segue aonde eu vou. Não sei de que raça ela é, mas, se você piscar, não vai vê-la, de tão pequena que é. É simpática e gostei dela, mas preciso ficar me lembrando de prestar atenção por onde piso para não pisar errado e esmagá-la como uma formiga.
Entro na cozinha, arrastando os pés porque erguê-los, a esta altura, é trabalho demais. Abro a despensa de Maddie e encontro uma caixa de macarrão instantâneo com queijo, acompanhada de uma lata de sopa de legumes com carne e uma barra de proteína tão dura que tenho certeza de que venceu antes da virada do século.
Encontro uma panela e coloco para ferver a água para cozinhar o macarrão com queijo, tentando não ouvir a conversa de Maddie no aposento ao lado. Eu cantarolo baixinho, desejando estar com meu iPod, mas está no quarto, que fica a uns vinte passos, e tenho medo de que, se fizer esse esforço, a visão daquela cama esplêndida e atraente acabe me seduzindo. E preciso muito comer. A última vez que comi foi vários estados atrás, no Nebraska, acho.
Maddie desliga o telefone assim que jogo o macarrão na água e estou abrindo o pacote de queijo em pó. Ela entra na cozinha.
— Está com fome, Maddie?
Ela dá de ombros.
— Sei lá.
Nós comemos em silêncio, exceto pela reclamação dela sobre a quantidade de gordura no macarrão e o gosto horrível. Mas reparo que ela raspa a metade dela e praticamente lambe o prato. Eu achei delicioso; não dá para errar um macarrão com queijo.
Esperei até o final da refeição que ela fizesse o papel de anfitriã e iniciasse uma conversa ou até um papo mais trivial. Como nada acontece, entendo o silêncio como um sinal.
— E então, Maddie, você mora aqui há muito tempo? É um apartamento incrível.
— Estou aqui há pouco mais de um ano. É legal. — Ela parece entediada, como se falar desse trabalho demais.
— Legal? Caramba, é demais. Um arranha-céu nos arredores da cidade. O bairro pareceu bem legal quando cheguei, cheio de restaurantes e lojas. Seu prédio tem estacionamento, segurança, academia e piscina. Você está com tudo, Maddie.
Ela dá de ombros.
— Está bom por enquanto. Estou procurando outro apartamento. Em um bairro melhor. Com mais serviços. Mais metros quadrados. Mas assinei um aluguel de seis meses do qual acho que não consigo escapar. — Ao falar isso, ela faz beicinho.
Eu concordo com a cabeça. Está bom por enquanto
? Jesus, estou tentando não fazer julgamentos aqui, mas, quanto mais tempo fico perto dela, mais algo parece estranho. É da natureza humana preencher os espaços, e a lista de coisas a preencher é longa, algumas boas, outras ruins. Tenho a sensação de que Maddie é viciada em objetos, dinheiro, coisas materiais. Chegou ao ponto de estar sempre querendo mais e não se dar conta de que deveria ficar agradecida pelo que tem. É triste. A ganância é como aquela história infantil sobre a aranha e a mosca. A ambição, o dinheiro, os excessos, tudo isso é a aranha. E Maddie parece ser uma mosca e tanto. Tento desviá-la para longe do lado negativo.
— E como vai o trabalho? Você é advogada, né?
Faz tanto tempo desde a única visita dela, dois anos atrás, que estou revirando minha mente exausta em busca de lembranças.
— Sou. Na Rosenstein & Barclay. No centro de Minneapolis.
— Legal. — Acho que vou ter que seguir com isso. — Você deve viver ocupada com o trabalho, mas tem algum hobby? O que gosta de fazer no tempo livre?
Ao ouvir isso, ela se alegra, como se eu finalmente tivesse tocado em um assunto interessante.
— Gosto de fazer compras, fazer as unhas e o cabelo, me bronzear algumas vezes por semana. — Ela me olha de cima a baixo enquanto prossegue em sua lista. Claramente, percebeu que não temos nada em comum ao observar meu cabelo preso em um coque bagunçado no alto da cabeça, minhas unhas roídas até o sabugo e minha calça de moletom e camiseta da Manchester Orchestra, puída de tanto usar e lavar. Sou bronzeada, mas não é de bronzeamento artificial, é só de andar ao ar livre, e tenho certeza de que ela sabe disso. — Ah, e tenho que malhar todos os dias de manhã. — A ênfase que ela coloca em tenho é meio perturbadora.
— Então você malha na academia do prédio? Dei uma olhada quando cheguei. Parece legal. Pensei em correr em uma das esteiras amanhã.
Ela ofega como se eu tivesse acabado de pedir que mordesse um sanduíche de merda.
— Ah, Deus, não. Aquele lugar é horrível. Eu malho em uma academia particular perto do escritório: The Minneapolis Club.
Claro, eu tenho vontade de dizer, mas só concordo com a cabeça até a vontade passar.
— Ah, parece incrível, Maddie. — Empurro a cadeira e pego os pratos. — Acho que vou dormir agora. Obrigada pelo macarrão com queijo. Vou fazer umas compras amanhã, mas estou exausta agora.
— Você pode trazer iogurte desnatado de mirtilo? — pergunta ela quando estou colocando meus pratos e a panela na máquina de lavar louça. Uma máquina de lavar louça de verdade.
Estou tão apaixonada pela máquina de lavar louça que quase não a escuto. Luto contra a vontade de me ajoelhar e beijá-la, adorá-la.
— Claro. Ei, você tem cafeteira? A minha não sobreviveu à mudança e sou meio viciada em café.
Consigo ouvir seu humf!
vindo de outro aposento e tenho a impressão clara de que a insultei de alguma maneira. Quando passo por ela a caminho do quarto, onde planejo entrar em coma por umas 17 ou 18 horas, ela está balançando a cabeça e me olhando como se eu tivesse três olhos.
— Por que eu teria uma cafeteira? Tem um Starbucks aqui do lado.
— Ah, certo, claro. — Acho que é assim que advogados conseguem energia. Balanço a cabeça e penso que preciso me lembrar de comprar uma cafeteira quando for ao mercado. — Boa noite, Maddie.
— Boa noite? Você não vai mesmo para a cama, vai? São 17h. — Ela está com as mãos nos quadris. — Achei que podíamos sair para beber.
— Vou ter que deixar para outro dia, minha querida. Mas amanhã à noite seria ótimo. Porque, sabe, no meu mundo, a boa noite devia ter sido a de ontem à noite, mas pulei isso porque estava eletrizada de tanta cafeína, então vou ter que cumprir aquela boa noite e a boa noite de hoje simultaneamente. Agora. Vejo você amanhã.
Terça-feira, 23 de agosto
(Kate)
Acordo às 10h37, e até que estou me sentindo bem nesta manhã. Botar o sono em dia é uma coisa que só tive o luxo de apreciar recentemente. O conceito me é estranho desde, sei lá, toda a minha vida.
Maddie deve estar no trabalho, então pego meu laptop e pesquiso um mercado próximo. Tem um que dá para ir a pé. Pego o elevador até a academia e corro por trinta minutos, depois tomo banho, pego a carteira e o celular e saio para ir ao mercado. Quando saio do prédio, me vejo atraída pelo Starbucks vizinho como uma mariposa é atraída pela luz. Não gosto de cafés metidos a chiques. Gosto de lugares pequenos e simples. Mas já passei pela porta e minhas veias estão praticamente latejando. Peço um café preto grande, o que sei que os irrita porque eu devia usar a linguagem pretensiosa deles, mas tem séculos que não entro em cafés comerciais e estou desesperada por cafeína. Não tenho tempo de ler o cardápio gigantesco de bebidas cheias de frescura só para acertar o jargão do jeito que eles gostam.
Ouço a ladainha tradicional de perguntas.
— Leite, soja ou creme sem lactose?
— Não, obrigada.
— Alguma dose de algum sabor?
— Não, só preto mesmo. — Estou me balançando de ansiedade. E, quando ela me entrega o café, o que tenho vontade de dizer é vem pra mamãe
, mas o que digo de verdade é: — Muito obrigada. — E dou uma ênfase especial ao muito.
Encontro o mercado e compro o que consigo carregar até o apartamento. Por força do destino, vejo uma cafeteira pequena de duas xícaras que compro por quinze dólares na liquidação. No caminho de volta, seguro o saco de compras com uma das mãos e a cafeteira com a outra como se fosse a porra do Santo Graal.
Decido limpar o apartamento de Maddie. Imagino que ela trabalha muito, porque está tudo sujo demais. Não sou a pessoa mais limpinha do mundo, mas concluo que é o mínimo que posso fazer para ajudar. Passo o aspirador e limpo a cozinha e os banheiros até umas 17h, quando ela volta para casa.
Às 17h15, ela anuncia que está morrendo de fome porque não comeu nada o dia todo e eu tenho que experimentar o japonês na rua dela. Não sou muito fã de sushi, o que sei que é um sacrilégio entre algumas pessoas, e também sou vegetariana. Isso já reduz minhas opções, e quando acrescentamos o fato de que não gosto de arroz, não sobra muita coisa para escolher. Claro que não quero ser grosseira, porque sou a hóspede, então digo:
— Parece ótimo, vamos.
O restaurante está lotado, mas ela conhece o maître pelo nome e conseguimos uma mesa rapidamente.
— Você vem muito aqui? — pergunto, impressionada com o atendimento rápido.
— Não, só umas duas vezes por semana.
Eu concordo com a cabeça. Estou ficando acostumada a só assentir para superar meus choques com o estilo de vida dela. Acho que não deveria estar chocada, pois minha mãe sempre viveu assim, e elas são irmãs, afinal. Talvez gostar de luxo seja algo genético, sei lá. Mas eu e Grace não puxamos isso, se for esse o caso.
Quando começo a ler o cardápio em busca de alguma coisa que dê para comer, percebo que Maddie está pedindo martínis. Eu arregalo os olhos, mas os olhos dela já estão grudados no cardápio.
— De que você gosta?
Eu me inclino sobre a mesa e sussurro:
— Maddie, eu só tenho dezenove anos. Não posso beber, cara.
Não que eu não beba, mas não estou a fim. E não trouxe minha identidade falsa para o caso de o garçom resolver pedir quando voltar.
Ela faz um sinal com a mão para eu deixar pra lá.
— Venho aqui o tempo todo.
Isso é algum tipo de explicação? Dou de ombros e levanto as sobrancelhas.
— Tudo bem. — Vou oferecer a bebida a ela quando chegar. Algo me diz que ela não vai recusar.
— Voltando à comida. O que parece bom? — Ela parece quase bêbada só de olhar o cardápio. Como se estivesse ficando alta.
— Hã, tá, é que sou vegetariana. Que tipo de opções tenho aqui? — Meus olhos percorrem furiosamente o cardápio em busca de alguma coisa que diga legumes e verduras.
Mais uma vez, ela faz um sinal com a mão para eu deixar pra lá enquanto o garçom volta com as nossas bebidas.
— Vou pedir para nós duas.
A comida chega, e fico perplexa quando o garçom acaba de botar tudo na mesa. Vários pratos compridos lotados de rolinhos coloridos, peixe rosa e branco e montes de wasabi ocupam a mesa toda.
— Maddie, acho que houve algum engano. É muita comida.
— Não, é tudo nosso.
Eu franzo a testa.
— Mas tem seis pratos aqui, e nós só somos duas.
Ela dá de ombros e olha para mim como se eu estivesse falando japonês.
— Sushi não enche muito a barriga. Além do mais, é legal ter variedade. Experimente um pouco de tudo.
Eu concordo com a cabeça pelo que deve ser a centésima vez.
— Hum, tá. Então me mostre o que não tem carne aqui, Maddie, porque é tudo igual para mim.
Ela ri como se eu tivesse dito uma coisa infantil.
— Acho que você vai estar em segurança com esses dois pratos aqui.
— Você acha ou sabe? Porque são meus intestinos em risco aqui. — Sinto que tenho que ser direta para ser compreendida.
Ela franze o nariz.
— Kate, isso é nojento.
— Me desculpe. Só estou explicando. Este corpo vai saber, e a rejeição é bem rápida quando chega ao ponto sem volta.
O nariz dela ainda está enrrugado.
— Coma desses dois pratos e você vai ficar bem.
Estou confiando uns trinta por cento no conselho dela, e infelizmente tudo na mesa tem cheiro de peixe porque tem uma porrada de peixe na minha frente. Decido acreditar nela. Dou uma mordida e sinto um gosto esquisito, mas não consigo saber o que pode ser arroz e o que pode ser peixe. De qualquer forma, tenho que lutar contra ânsias de vômito a cada mordida. Como três peças, tomando água entre cada mordida.
Maddie toma os dois martínis e come uma quantidade impressionante de comida, depois recusa a oferta de levar para casa o que ainda está na mesa. Se aquelas coisas não tivessem gosto de cu, eu teria conseguido sobreviver do que ela jogou fora por uns dois dias.
Quando a conta chega, ela estica a mão para a bolsa e depois bate delicadamente na testa. Ela tem um talento para a dramaticidade.
— Ah, meu Deus, devo ter esquecido a carteira no apartamento. — Ela vira o olhar de gazela para mim, e fica óbvio que não vamos dividir a conta.
— Tudo bem, eu pago — digo. Afinal, eu sou hóspede dela. É o mínimo que posso fazer por ela me deixar dormir na casa dela por alguns dias.
Ela empurra a conta por cima da mesa e eu quase me mijo, porque o total é 173 dólares! Só tenho cinquenta dólares na carteira, então pego meu único cartão de crédito. O que reservo para emergências, o que quer dizer que tento nunca usar. Parece que estou entregando meu primogênito quando entrego o cartão para o garçom. Sou controlada com meu dinheiro, não por ser avarenta, mas porque tenho contas a pagar todos os meses. E sou responsável. Sempre separo um pouco de dinheiro para diversão ou para ajudar alguém, mas acabei gastando toda essa cota em um jantar. Tudo bem, digo para mim mesma, e, quando o garçom volta, já estou resignada de que foi uma experiência de aprendizagem e uma coisa sobre a qual vou rir mais tarde.
Maddie pede licença para ir ao banheiro enquanto estou assinando o recibo do cartão de crédito. Quando volta, minha barriga começa a borbulhar. É um rugido baixo e de mau presságio, que fala de um momento no futuro próximo em que vai me fazer pagar pelo que acabei de dar a ela.
Corremos para o apartamento, e consigo chegar ao banheiro meio segundo antes de cagar na calça. O ápice da minha experiência com sushi é furioso e explosivo.
Depois que sou minuciosamente punida pelo meu cólon, decido relaxar no quarto e ler um pouco. Por volta das 21h30, começo a olhar para o relógio a cada cinco minutos. Às 22h, estou andando pelo quarto. Às 22h30, já quase gastei uma parte do tapete e minha mão está suada de tanto que aperto o celular. Estou olhando para ele há uns quinze minutos. Ainda está cedo na Califórnia. Repito para mim mesma que ele deve estar na praia. Mas e se estiver em casa me evitando porque a conversa da noite anterior foi tão desconfortável? Ah, merda, ligue para ele e acabe logo com isso, senão você vai se consumir. Passo pela lista de contatos e clico no nome dele. O rosto aparece na tela, com o cabelo comprido de um milhão de tons de louro por causa do sol caído em cima de um olho. Ele está rindo, mas o olho que está visível parece piscar para mim. Olho para essa foto por alguns segundos toda vez que ligo para ele, antes de levar o aparelho ao ouvido, porque parece que ele está me cumprimentando do jeito bobão dele antes mesmo de ouvi-lo atender. Dou um sorriso, o que me relaxa. O celular toca quatro vezes, e estou esperando a entrada da caixa postal depois do quinto toque. Mas aí ele atende.
Ele está ofegando, como se estivesse sem ar.
— Quartel de bombeiros do Gus, você bota o fogo, a gente apaga.
— Ei, onde está o fogo, cara?
Ele respira fundo algumas vezes.
— Me desculpe, eu estava botando a prancha no carro e ouvi o celular tocando, mas a porcaria da porta da picape estava trancada e…
— Achei que as trancas estivessem quebradas.
— Estavam. Agora não estão, ao que parece. Porra, não sei o que está acontecendo. O sistema elétrico está surtado.
— Pode ser uma boa ideia comprar uma picape nova — respondo, mas só porque sei que isso vai gerar um debate.
— Por que eu quereria isso? — Ele finge estar ofendido. Fazemos isso pelo menos uma vez por semana.
— Ah, não sei, talvez porque sua picape seja de 1989. Ou porque tem quase 500 mil quilômetros rodados. Ou porque tem sempre alguma coisa quebrada. — Eu ficaria arrasada se ele se livrasse dela. Amo a picape dele, principalmente porque é uma merda. Mas ele é tão protetor que é divertido provocá-lo.
— Cara, eu só estou domando a picape. Ela tem personalidade. — A defesa dele é espetacular.
Dou uma gargalhada.
— Eu sei. Adoro sua picape e a personalidade domada dela. — Nessa hora, paro com a brincadeira. — Como estavam as ondas hoje?
— Uma porcaria. A praia estava lotada, e acho que todos os turistas e os irmãos deles escolheram esta noite para alugar uma prancha e tentar conquistar as ondas. Estava um caos. Por que as pessoas pensam que só por assistirem a um filme de surfe de vez em quando estão qualificadas a alugar uma prancha e tentar nos matar no mar? Montar num touro selvagem me pareceu bem divertido aos seis anos quando vi um cara fazendo isso em um rodeio, mas eu não pularia em um. Existe uma etiqueta, sabe? Existem regras.
— É.
— Enfim. Como está Minnesota no segundo dia?
— Ah, comi sushi com Maddie hoje.
— Sushi? Você odeia sushi. — Ele fala com conhecimento. Adoro saber que tem alguém que sabe tudo sobre mim.
— É, o sushi também não gosta muito de mim. Acho que Maddie se confundiu um pouco entre o que tinha peixe e o que não tinha.
— Cara, a caganeira de carne? — Ele parece preocupado, mas pela voz dá para perceber que também está se divertindo. Gus também não come carne há anos e sabe que até um pedacinho pode bagunçar o sistema digestório de uma forma muito violenta.
— É. Foi horrível.
— Ah, que droga. Que pena. — Mas ele está dando aquela gargalhada que sobe do fundo da barriga, que eu amo.
— Só é divertido porque não foi você que quase cagou na calça na frente de uma tia que mal conhece. — Também estou rindo, aliviada por termos uma conversa normal hoje, e não como a de ontem.
Ele ri ainda mais, mas respira fundo para se controlar.
— Me desculpe, Raio de Sol. Ah, eu precisava disso hoje.
Ficamos em silêncio depois que as últimas risadinhas residuais escapam dele. E, com o silêncio, o nervosismo surge em mim de novo.
— Gus. — Tento disfarçar, mas minha voz me trai.
— O quê? — A pergunta sai longa e exausta, como se ele soubesse o que viria.
— Podemos ser sinceros por um minuto? Aconteceu. Não podemos mais ignorar o elefante branco na sala. Temos que falar sobre isso.
Ele expira alto.
— Concordo.
Segue-se uma pausa que nenhum de nós dois quer encerrar, até que Gus fala:
— Escuta, sei que estávamos bêbados e isso é um grande clichê, mas aconteceu. Eu não tinha nenhum plano grandioso de fazer você encher a cara e fazer o que eu quisesse com você.
Ele está sendo cavalheiro? Porque precisamos falar mesmo sobre isso.
— Eu não estava bêbada. Tinha tomado duas taças de vinho em umas quatro horas. E sei que você não tomou muito mais do que eu. Você está com raiva de mim? Não quero que as coisas fiquem esquisitas entre nós. Eu também não planejei isso, sabe?
— É, eu sei. — A voz dele soa sincera de novo.
Ficamos em silêncio por mais um tempo.
— Ainda está aí? — pergunto.
— Estou.
— E o que vai acontecer agora? Porque acho que não existe um manual para nos ajudar com isso. — Minha voz está calma, mas minhas entranhas estão dando um nó, coisa que odeio. Normalmente, não deixo as coisas me incomodarem. Não consigo. Não me sinto assim há alguns meses.
— Você se arrependeu? — Ele soa quase tímido.
Eu solto o ar que estava prendendo nos pulmões, e um pouco do nervosismo vai embora junto.
— Você está me perguntando isso mesmo? Gus. Você me conhece. Esse é praticamente meu lema: sem arrependimentos. Arrependimentos só servem para imaginarmos alternativas e sentirmos raiva e tristeza, e não posso me dar ao luxo de nada disso.
— É.
Ficamos em silêncio por mais um bom tempo, e espero que ele fale mais, mas Gus sempre fica quieto quando está pensando, então dou tempo a ele.
Quando não consigo mais aguentar, pergunto:
— Você se arrepende?
Ele bufa, e não consigo saber se é de exasperação ou outra coisa. Mas, quando as palavras chegam, sei que ele está achando graça.
— Raio de Sol, sou um cara de vinte anos, porra. Foi sexo. O que você acha?
Ele tem razão, mas quero respostas. Não mais perguntas.
— Mas foi sexo comigo.
— Espere um segundo. — Escuto o estalo do isqueiro e uma inspiração funda quando ele dá a primeira tragada no cigarro.
— Você devia parar — comento delicadamente, para irritar. É um hábito chamar a atenção dele por causa do cigarro, e, apesar de não poder vê-lo nem sentir o cheiro de tabaco no ar, eu tenho que falar.
Ele traga de novo, e o ouço soprar a fumaça.
— Eu sei, não comece agora. — A voz dele parece tão triste de repente. Então paro e deixo que ele termine o cigarro, porque fumar sempre o acalma, um pouco como tocar violino fazia comigo. Então, permito o vício dele.
— Me desculpe — diz ele. — Não sei, era você, mas era… Quer dizer, o que aconteceu alguns dias atrás foi… Sei lá…
Não digo nada porque sei que ele está lidando com a situação. Escolher as palavras certas é importante para ele. Ele é compositor e é emotivo e quer se expressar direito. Gus sempre foi assim. É um comunicador. Não fala por falar. Então eu espero. Sempre fui bem paciente.
— Posso falar com você por um segundo como homem? Como se você não estivesse aí, tipo, envolvida no que aconteceu? — É o Gus calmo, racional e sincero do outro lado da linha agora. O meu Gus.
— Você sempre pode falar comigo, mas, se isso ajudar, tudo bem. Vá em frente.
— Aquela noite foi, sei lá, incrível pra caralho. — A voz dele está animada agora, do jeito que fica quando ele acaba de tocar uma música nova para mim pela primeira vez ou do jeito que fica quando acaba de pegar uma onda enorme que o leva até a areia. — Sei que soa brega à beça, mas você balançou meu mundo. — Ele está certo, soa brega à beça. Mas é Gus, e sei que veio da parte mais sincera e pura dele, porque ele não fica com vergonha de falar assim na minha frente. A voz dele baixa alguns tons, e ele continua. — Já estive com muitas garotas, muitas garotas, mas aquela noite foi diferente. Não foi uma coisa qualquer. Teve uma… sei lá… ligação. Nunca tive isso antes. Eu queria mais. — Ele suspira e baixa a voz. — E aí acabou, e você foi embora da cidade.
— Gus — digo, tentando consolá-lo. Consolar nós dois. Porque eu também senti tudo isso.
Eu o escuto acender outro cigarro.
— Eu sei, eu sei — diz ele.
Eu espero, porque a essa altura não sei onde essa conversa vai dar. Só sei que a pessoa do outro lado da linha e a amizade dele são tudo para mim. Ele é meu melhor amigo. Sempre foi. É tudo o que tenho.
— Raio de Sol, não vou mentir. Isso está acabando com a minha cabeça. Eu sei que não podemos ficar juntos. Porra, nem sei se eu ia querer isso. Você sabe que não curto relacionamentos. Sem querer ofender. Não falo como insulto. Nem um pouco. É só que… cara, você é minha melhor amiga desde… sempre. Já fizemos de tudo juntos. Já passamos por umas merdas muito sérias juntos. E aí, bam! Você se muda para 1.600 quilômetros de distância, e eu vou pra Deus sabe onde com esse contrato de gravação, e aí a gente faz sexo… e é o melhor sexo que já fiz. E é com você, minha melhor amiga. E sinto que tem… sei lá, que tem… uma finalidade nisso. Quase como uma despedida. Mas não posso perder você. Eu preciso da minha melhor amiga.
Mal sabe ele o quanto acerta na mosca. Às vezes, acho que ele lê meus pensamentos.
— Caramba, Gus, quando você ficou tão filosófico assim?
Falo como um elogio, como concordância, mas ele interpreta errado. Odeio telefones. Preciso de interação física quando converso. Preciso ver a outra pessoa e que a outra pessoa me veja. Preciso de linguagem corporal e dicas não verbais.
E Gus também, obviamente. Ele parece irritado, apesar de ter acabado de expressar seus sentimentos.
— Raio de Sol, não tire sarro. Porra, estou tentando ser sincero aqui.
— Não estou tirando sarro, falei sério mesmo. — Eu devo soar desesperada. Odeio estar do lado errado de uma incompreensão. — Droga, queria poder ver você agora. Precisamos muito nos falar pelo Skype ou alguma coisa do tipo, porque essa porra de celular não vai dar certo. — Agora eu bufo, e não tem problema, porque nós nos conhecemos tão bem que conseguimos nos comunicar por bufadas e suspiros e grunhidos e passar mensagens e emoções que a maioria das pessoas não consegue usando palavras. Adoro isso na nossa amizade. — Tudo o que você falou é exatamente o que sinto. Eu mantenho o que disse antes; não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós. Eu te amo. Você sabe disso. E sempre vou amar. Também não posso te perder. Preciso de um melhor amigo mais do que qualquer outra pessoa no planeta nesse momento, então você está ensinando o padre a rezar missa. Você está falando com Kate Sedgwick, a solitária escolhida por Deus.
— Não diga isso — interrompe ele.
Ele está certo.
— Eu sei, desculpe. É que, apesar de nossas vidas estarem indo em direções opostas agora… eu quero saber, eu preciso saber que você está a uma ligação de distância. Se eu precisar reclamar de um exame…
Ele me interrompe.
— Você nunca reclama, Raio de Sol. E, mesmo que reclamasse, você nunca precisou reclamar de exames porque sempre foi a melhor aluna, sua maluca.
Dou uma risada porque ele sempre pegou no meu pé por causa das notas, principalmente depois que me formei no ensino médio com mérito. Mas sempre sentiu orgulho de mim porque melhores amigos são assim. O que ele não sabe é que eu não estava falando de exames escolares. Mas deixo pra lá e continuo.
— E quando precisar que você procure um restaurante vegetariano pra mim porque meu celular é pré-histórico sem internet e não sei andar por Minnesota… e não quero ter caganeira de carne de novo…
Ele me interrompe mais uma vez.
— Meu Deus, isso é colocar o carro na frente dos bois, você não acha? E por acaso existem restaurantes vegetarianos em Minnesota? Não existe alguma lei contra isso? Aí é o Meio-Oeste, afinal. Imagino que eles comam carne no café, no almoço e no jantar, né?
— Ou se simplesmente precisar ouvir sua voz, porque você é meu amigo e minha família e meu passado… e eu.
Ele volta a ser o Gus calmo.
— Estou sempre aqui. Você vai fazer coisas incríveis, Raio de Sol. Vai ser a melhor professora que o mundo já conheceu.
Não vibro com elogios nem com encorajamento, mas meu coração incha quando ele diz isso. Eu sempre quis ser professora de crianças com necessidades especiais.
— Eu aceito ser só professora, que tal? E você vai ser o maior astro do rock que o mundo já viu.
Gus também não vibra com elogios e encorajamento.
— E eu aceito só fazer shows que paguem as contas, que tal? Acho que não consigo trabalhar naquela porra de sala de correspondência nem por mais seis meses.
Só que adoro fazer elogios, não do tipo puxa-saco que só quer que a pessoa se sinta bem, mas do tipo genuíno, direto, dito de coração.
— Você tem tanto talento que vai ser superfamoso, Gustov Hawthorne. Só não deixe o ego fugir do controle, tá?
Eu estava brincando sobre o ego dele, mas ele responde com sinceridade.
— É para isso que você serve, Raio de Sol. Para continuar me lembrando de que sou só o Gus… e de que não sou tão incrível quanto os filhos da mãe mentirosos dizem que sou.
— Combinado. — Mas, como não consigo me segurar, acrescento: — Mas você é incrível.
Ele precisa saber. É o músico mais talentoso que já vi, e já vi muitos músicos. Antes, a música era a minha vida. Gus e eu estudamos em uma escola particular de ensino fundamental e médio em San Diego dedicada à música, chamada The Academy. (Ficava no fim da rua onde morávamos, então eu fui abençoada pela proximidade e por um pouco de talento. Gus não precisava da proximidade.) Gus tocava violão, piano e cantava. Eu tocava violino. As pessoas iam de todo o país estudar na Academy. Havia alguns alunos com um talento bizarro, mas Gus sempre se destacava. Ele me impressionava. E toca com a banda Rook há dois anos. Ele compõe todas as músicas e letras. Eles tocam quase todos os fins de semana pelo sul da Califórnia, mas, alguns meses atrás, um executivo de uma gravadora indie de sucesso estava em um dos shows deles em Los Angeles e assinou um contrato com a banda na hora. Eles terminaram de gravar o primeiro álbum duas semanas atrás. Gus não gosta de ter seu som rotulado em um gênero, mas eles fazem rock alternativo com guitarras pesadas. A