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As violetas de março
As violetas de março
As violetas de março
E-book374 páginas5 horas

As violetas de março

Nota: 3.5 de 5 estrelas

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Sobre este e-book

Emily Taylor é uma mulher jovem e escritora de sucesso, mas não gosta muito de seu próprio livro. Também tem um casamento que parece ideal, no entanto ele acabará em divórcio.

Sentindo que sua vida perdeu o propósito, Emily decide fazer as malas e passar um tempo em Bainbridge — a ilha onde morou quando menina — para tentar se reorganizar.

Enquanto busca esquecer o ex-marido e, ao mesmo tempo, arrumar material para um novo — e mais verdadeiro — livro, um antigo colega de escola e o namorado proibido da adolescência tornam-se seus companheiros frequentes.

Entretanto, o melhor parceiro de Emily será um diário da década de 1940, encontrado no fundo de uma gaveta.

Com o diário em mãos, Emily sentirá o estranhamento e a comoção causados pela leitura de uma biografia misteriosa que envolve antigos habitantes da ilha e que tem muito a ver com sua própria história.

Assim como as violetas que desabrocham fora de estação para mostrar que tudo é possível, a vida de Emily Taylor poderá tomar um rumo improvável e cheio de possibilidades.

As Violetas de Março é um romance sobre a força do amor, sobre as peças que o destino prega e sobre como podemos ser felizes mesmo quando tudo parece conspirar contra a felicidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de mar. de 2013
ISBN9788581632223
As violetas de março

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    Perfeito . Me envolvi completamente com história. Gostaria que Esther tivesse encontrado sua filha e Bee .. faltou isso ..

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As violetas de março - Sarah Jio

Sumário

Capa

Sumário

Folha de Rosto

Folha de Créditos

Dedicatória

Epígrafe

Capítulo 1

Capítulo 2

1º de março

2 de março

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

3 de março

Capítulo 6

4 de março

Capítulo 7

5 de março

Capítulo 8

6 de março

Capítulo 9

7 de março

8 de março

Capítulo 10

9 de março

Capítulo 11

Capítulo 12

10 de março

11 de março

Capítulo 13

12 de março

Capítulo 14

13 de março

14 de março

Capítulo 15

15 de março

Capítulo 16

16 de março

Capítulo 17

Capítulo 18

17 de março

19 de março

Capítulo 19

20 de março

21 de março

25 de março

30 de março

Capítulo 20

31 de março

Agradecimentos

Notas

Um antigo diário com o

poder de mudar tudo...

se você tiver coragem

de seguir seu coração

Tradução

Ronaldo Luis da Silva

Copyright © Sarah Jio, 2011

Copyright © 2013 Editora Novo Conceito

Todos os direitos reservados.

Esta é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Versão digital

Produção Editorial:

Equipe Novo Conceito

Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Jio, Sarah

As violetas de março / Sarah Jio; tradução Ronaldo Luis da Silva. -- Ribeirão Preto, SP: Novo Conceito Editora, 2013.

Título original: The violets of march

ISBN 978-85-8163-243-8

1. Ficção norte-americana I. Título.

13-00628 | CDD-813

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura norte-americana 813

Rua Dr. Hugo Fortes, 1.885 — Parque Industrial Lagoinha

14095-260 — Ribeirão Preto — SP

www.editoranovoconceito.com.br

A minhas avós, Antonieta Mitchell e Cecelia Fairchild, in memorian, que incutiram em mim o amor pela arte e pela escrita, e o fascínio pela década de 1940.

São as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no teu coração.

— De Águas de Março, de Antonio Carlos Jobim

Capítulo 1

— C reio que é isso — disse Joel, inclinando-se para a porta do nosso apartamento. Seus olhos percorriam o local como se ele estivesse tentando memorizar cada detalhe do imóvel de dois andares do começo do século em Nova York, que compramos juntos havia cinco anos e reformamos, em tempos mais felizes. Era maravilhoso: a entrada com seu arco delicado, a velha cornija da lareira que havíamos encontrado em uma loja de antiguidades em Connecticut e levado para casa como se fosse um tesouro, e a riqueza das paredes da sala de jantar. Havíamos realmente penado na escolha da cor da pintura, mas, finalmente, decidimo-nos por um vermelho-marrocos, um tom que era ao mesmo tempo melancólico e chocante, um pouco como nosso casamento. Depois de aplicado às paredes, revelou-se muito laranja. Eu pensava que era, simplesmente, a cor ideal.

Nossos olhares se encontraram por um segundo, mas rapidamente voltei-me para o aplicador de fitas em minhas mãos e, mecanicamente, cortei um último pedaço de fita adesiva e o colei apressadamente na derradeira caixa de pertences de Joel, que ele viera retirar naquela manhã.

— Espere — eu disse, lembrando-me de ter visto de relance uma capa de couro azul na caixa agora fechada. Olhei para ele acusadoramente. — Você pegou meu exemplar de Years of Grace?

Eu havia lido o romance em nossa lua de mel no Taiti seis anos antes, embora não fosse a memória de nossa viagem que eu quisesse resgatar por meio daquelas páginas desgastadas. Lembrando-me daqueles dias, nunca poderei saber como o vencedor do Prêmio Pulitzer de 1931, da falecida Margaret Ayer Barnes, acabou em uma pilha de livros de cortesia empoeirados no lobby do resort, mas quando o tirei do caixote e o abri sobre sua frágil lombada, senti meu coração se contrair em uma profunda familiaridade, a qual eu não podia explicar. A comovente história contada em suas páginas, de amor, perda e aceitação, de paixões secretas e do peso dos pensamentos privados, mudou para sempre a maneira como eu via minha própria escrita. Essa obra pode, inclusive, ter sido a razão pela qual parei de escrever. Joel nunca a havia lido, e eu estava feliz com isso. Era muito íntima para compartilhar. Para mim, era como as páginas de meu diário jamais escrito.

Joel observou enquanto eu arrancava a fita e abria a caixa, vasculhando até encontrar o antigo romance. Quando o achei, deixei escapar um suspiro cansado.

— Desculpe — ele disse, sem jeito. — Não percebi que você...

Ele não percebia um monte de coisas sobre mim. Agarrei o livro com força, depois assenti e tornei a lacrar a caixa.

— Creio que é tudo — falei, levantando-me.

Ele relanceou o olhar para mim com cautela, e o encarei de volta. Por mais algumas horas, pelo menos até que eu assinasse os papéis do divórcio no final da tarde, ele ainda seria meu marido. No entanto, era difícil fitar aqueles olhos castanho-escuros, sabendo que o homem com o qual havia me casado estava me deixando por outra pessoa. Como chegamos até ali?

A cena de nosso rompimento passava em minha mente como um filme trágico, da mesma forma que havia passado um milhão de vezes desde que estávamos separados. Ela começava em uma manhã chuvosa de segunda-feira, em novembro. Eu estava fazendo ovos mexidos refogados com pimenta Tabasco, sua favorita, quando ele me contou sobre Stephanie. A maneira como ela o fazia rir. A maneira como ela o entendia. A maneira como eles se conectaram. Imaginei duas peças de Lego se conectando, e estremeci. É engraçado, quando me recordo daquela manhã, posso sentir o cheiro de ovos queimados e de pimenta Tabasco. Se soubesse que aquele seria o cheiro do fim do meu casamento, teria feito panquecas.

Olhei mais uma vez para o rosto de Joel. Seus olhos estavam tristes e inseguros. Eu sabia que, se eu me levantasse e me atirasse em seus braços, ele poderia me abraçar com o amor de um marido arrependido que não iria me deixar, não iria acabar com nosso casamento. Mas não, disse a mim mesma. O dano já havia sido feito. Nosso destino fora decidido.

— Adeus, Joel — eu disse a ele. Meu coração podia desejar que ele se demorasse, mas meu cérebro entendia melhor. Ele precisava ir.

Joel parecia magoado.

— Emily, eu...

Ele estava procurando perdão? Uma segunda chance? Eu não sabia. Ergui a mão para impedi-lo de continuar.

— Adeus — repeti, reunindo toda minha força.

Ele concordou solenemente com a cabeça, e em seguida virou-se para a porta. Cerrei os olhos e ouvi quando ele a fechou silenciosamente atrás de si. Trancou-a pelo lado de fora, um gesto ao qual meu coração se agarrou. Ele ainda se preocupa... Com a minha segurança, pelo menos. Balancei a cabeça e me lembrei de que devia trocar as fechaduras, então ouvi seus passos irem se tornando mais silenciosos, até que foram completamente engolidos pelo barulho da rua.

Meu telefone tocou, algum tempo depois, e quando me levantei para atendê-lo, percebi que estava sentada no chão, absorta em Years of Grace desde que Joel saíra. Havia se passado um minuto? Uma hora?

— Você vem? — Era Annabelle, minha melhor amiga. — Você me prometeu que não iria assinar os papéis do divórcio sozinha.

Desorientada, olhei para o relógio.

— Desculpe, Annie — respondi, procurando desajeitadamente minhas chaves e o temido envelope pardo em minha bolsa. Deveria ter ido encontrá-la no restaurante quarenta e cinco minutos atrás.

— Estou indo.

— Ótimo — disse ela. — Vou pedir uma bebida.

O Calumet, nosso local favorito para almoço, ficava a quatro quadras do meu apartamento, e quando lá cheguei, dez minutos depois, Annabelle me cumprimentou com um abraço.

— Está com fome? — perguntou-me depois que nos sentamos.

Suspirei.

— Não.

Annabelle franziu a testa.

— Carboidratos — disse ela, passando-me a cesta de pão. — Você precisa de carboidratos. Agora, onde estão os documentos? Vamos acabar com isso.

Tirei o envelope da bolsa e coloquei-o sobre a mesa, fitando-o com o tipo de cuidado que se reserva para dinamite.

— É tudo culpa sua — ponderou Annabelle, com um ligeiro sorriso.

Lancei-lhe um olhar sombrio.

— O que você quer dizer com minha culpa?

— Não se deve casar com homens que têm esse nome, Joel — ela enfatizou, com aquele tom de reprovação na voz. — Ninguém se casa com um Joel. Namora-se com eles, permite-se que lhe paguem uma bebida e lhe comprem joias da Tiffany, mas não se deve casar com eles.

Annabelle estava trabalhando em seu doutorado em antropologia social. Em seus dois anos de pesquisa, analisou dados de casamentos e de divórcios de uma forma não convencional. De acordo com seus resultados, a taxa de sucesso de um casamento poderia ser prevista com precisão pelo nome do homem.

Case-se com um Eli e é provável que você desfrute da felicidade conjugal por cerca de 12,3 anos. Brad? 6,4. Steves terminam depois de apenas quatro. E, tanto quanto Annabelle entendia, nunca — jamais — alguém devia se casar com um Preston.

— Então, de novo, o que os dados dizem sobre Joel?

— Sete vírgula dois anos — respondeu em tom de informação indiscutível.

Concordei com a cabeça. Estávamos casados havia seis anos e duas semanas.

— Você precisa encontrar um Trent — continuou ela.

Fiz uma expressão de descontentamento.

— Odeio o nome Trent.

— Ok, então um Edward ou um Bill, ou... não, um Bruce — disse ela. — Esses são os nomes com longevidade conjugal.

— Certo — respondi sarcasticamente. — Talvez você devesse me levar para comprar um marido em uma casa de repouso.

Annabelle é alta, magra e bonita — bonita como Julia Roberts, com seu longos cabelos escuros ondulados, pele de porcelana e intensos olhos escuros. Aos 33 anos, ela nunca havia se casado. A razão, ela dizia, era o jazz. Ela não conseguia encontrar um homem que gostasse de Miles Davis e Herbie Hancock tanto quanto ela.

Ela acenou para o garçom.

— Queremos mais dois, por favor.

Ele levou meu copo de martíni, deixando um anel de água no envelope.

— Está na hora — disse ela, suavemente.

Minha mão tremia um pouco enquanto colocava a mão dentro do envelope e retirava um maço de papéis de quase dois centímetros de espessura. A assistente do meu advogado havia sinalizado três páginas com notas rosa fluorescente de assine aqui.

Peguei uma caneta em minha bolsa e senti um nó na garganta enquanto assinava meu nome na primeira página, e na seguinte, e depois na próxima. Emily Wilson, com um y alongado e um n pronunciado. Era exatamente a mesma forma como assinava desde a quinta série. Então datei, 28 de fevereiro de 2005, o dia em que nosso casamento foi enterrado.

— Boa menina — comemorou Annabelle, empurrando um martíni para perto de mim. — E agora, você vai escrever sobre Joel?

Como sou escritora, Annabelle, da mesma forma que todo mundo que eu conhecia, acreditava que escrever sobre minha relação com Joel em um romance não muito velado seria a melhor vingança.

— Você poderia construir toda uma história em torno dele, apenas mudando um pouco o nome — ela continuou. — Talvez chamá-lo de Joe, e fazê-lo parecer um completo idiota. — Deu uma mordida e quase engasgou com o sanduíche, rindo, antes de dizer: — Não, um idiota com disfunção erétil.

O único problema era que, mesmo se eu quisesse escrever um romance vingativo sobre Joel, o que eu não queria, seria um livro terrível. Qualquer coisa que colocasse no papel, se eu pudesse colocar qualquer coisa no papel, seria falho, sem criatividade. Sei disso porque havia acordado todos os dias nos últimos oito anos, sentado à minha mesa e fitado fixamente a tela em branco. Algumas vezes, eu conseguia redigir uma grande linha, ou mesmo páginas inteiras, mas, então, emperrava. E uma vez que havia congelado, não havia fusão do gelo.

Minha terapeuta, Bonnie, chamava aquilo de bloqueio clínico (e terminal) de escritor. Minha musa havia ficado doente, e seu prognóstico não parecia bom.

Oito anos antes, escrevi um romance que figurou entre os mais vendidos. Oito anos atrás, eu estava no topo do mundo. Eu era magra — não que estivesse gorda nesse momento (bem, ok, somente as coxas, sim, talvez um pouco) — e meu livro figurava na lista dos mais vendidos do The New York Times. E se houvesse alguma coisa como lista das melhores vidas do The New York Times, eu estaria nela, também.

Depois que Chamando Ali Larson foi publicado, minha agente me incentivou a escrever uma sequência. Os leitores queriam uma continuação, ela me disse então. E minha editora já havia oferecido dobrar o meu adiantamento para um segundo livro. Mas, por mais que eu tentasse, não tinha mais nada para escrever, nada mais a dizer. E, finalmente, minha agente parou de ligar. Os editores pararam de perguntar. Os leitores pararam de se importar. A única evidência de que minha vida anterior não tinha sido apenas uma invenção eram os cheques de direitos autorais que vinham pelo correio de vez em quando, e uma carta ocasional que recebia de um leitor um pouco perturbado chamado Lester McCain, que se dizia apaixonado por Ali, a personagem principal do meu livro.

Ainda me lembro da euforia que senti quando Joel se aproximou de mim em minha festa de lançamento do livro no Madison Park Hotel. Ele estava em algum coquetel em uma sala adjacente quando me viu em pé à porta. Eu estava usando um vestido de Betsey Johnson, que em 1997 era a última palavra em moda: um modelo exclusivo preto sem alças no qual gastei uma quantidade embaraçosa de dinheiro. Mas, ah, sim, valeu a pena cada centavo. Ele ainda estava em meu armário, mas, de repente, tive o desejo de ir para casa e queimá-lo.

— Você está maravilhosa — ele havia dito, corajosamente, antes mesmo de se apresentar. Recordo-me de como me senti quando o ouvi pronunciar aquelas palavras. Aquela poderia ser sua frase de efeito registrada, e, sejamos realistas, provavelmente era. Mas aquilo me fez sentir valer um milhão de dólares. Isso era tão Joel.

Poucos meses antes, a revista GQ havia feito um grande apanhado dos homens solteiros mais elegíveis da América — não, não a lista que a cada dois anos sempre aponta George Clooney; mas aquela que listou um surfista em San Diego, um dentista na Pensilvânia, um professor em Detroit, e, sim, um advogado em Nova York, Joel. Ele havia aparecido entre os 10 Mais. E, de alguma forma, eu o havia fisgado.

E o perdi.

Annabelle estava gesticulando diante de mim.

— Terra chamando Emily — disse ela.

— Desculpe — respondi, tremendo um pouco. — Não, não escreverei sobre Joel. — Balancei a cabeça e guardei os papéis de volta no envelope, e, em seguida, coloquei-o em minha bolsa. — Se for escrever qualquer coisa de novo, será diferente de qualquer história que já tentei criar.

Annabelle me lançou um olhar confuso.

— E sobre a continuação de seu último livro? Você não vai finalizá-la?

— Não mais — respondi, dobrando um guardanapo de papel ao meio e depois ao meio novamente.

— Por que não?

Suspirei.

— Não posso mais fazer isso. Não posso me forçar a produzir oitenta e cinco mil palavras medíocres, mesmo que isso signifique uma publicação. Mesmo que isso signifique milhares de leitores com meu livro em mãos, de férias na praia. Não, se eu escrever alguma coisa novamente... se escrever... será algo diferente.

Annabelle me observou como se quisesse se levantar e me aplaudir.

— Olhe para você — comentou, sorrindo. — Está fazendo um grande avanço!

— Não, não estou — retruquei teimosamente.

— Claro que está — ela rebateu. — Vamos analisar isso um pouco mais. — Entrelaçou as mãos. — Você disse que gostaria de escrever algo diferente, mas o que acredito que quis dizer é que seu coração não estava em seu último livro.

— Certo, você pode dizer isso, sim — concordei, dando de ombros.

Annabelle recuperou uma azeitona de seu copo de martíni e a colocou na boca.

— Por que não escreve sobre algo com que você realmente se importa? — indagou um momento depois. — Como um lugar ou uma pessoa que a inspirou.

Balancei a cabeça.

— Não é isso o que todo escritor tenta fazer?

— Sim — ela disse, enxotando o garçom com um olhar de nós estamos bem, e não, não gostaríamos de pedir a conta ainda, então voltou-se para mim com uma expressão inquiridora. — Mas você realmente tentou? Quero dizer, seu livro foi fantástico, realmente foi, mas havia algo nele que fosse, bem, você?

Ela estava certa. Era uma história muito boa. Havia se tornado um best-seller, pelo amor de Deus. Então, por que eu não conseguia sentir orgulho dele? Por que não me sentia ligada a ele?

— Eu a conheço há muito tempo — continuou Annabelle — e sei que não foi uma história que surgiu de sua vida, de suas experiências.

Não foi. Mas sobre o que em minha vida eu poderia escrever? Pensei em meus pais e meus avós, e depois balancei a cabeça.

— Esse é o problema — confessei. — Outros escritores têm muito em que se basear, mães ruins, abuso, infâncias cheias de aventuras... Minha vida tem sido tão água com açúcar. Nenhuma morte. Nenhum trauma. Nem mesmo um animal de estimação morto. O gato de mamãe, Oscar, tem vinte e dois anos de idade. Não há nada que justifique contar uma história, acredite em mim; eu já pensei sobre isso.

— Não creio que você esteja se dando crédito suficiente — ela considerou. — Deve haver alguma coisa. Alguma faísca.

Dessa vez, permiti que minha mente vagasse, e quando ela o fez, pensei imediatamente em minha tia-avó Bee, tia de minha mãe, sua casa em Bainbridge Island, no Estado de Washington. Eu sentia falta dela tanto quanto sentia da ilha. Como havia deixado passar tantos anos desde minha última visita? Bee, que tinha 85 anos mas parecia prestes a completar 29, nunca tivera filhos, por isso minha irmã e eu, por definição, tornarmo-nos suas netas substitutas. Ela nos enviava cartões de aniversário com notas de cinquenta dólares dentro deles, presentes de Natal que eram realmente legais e doces do Dia dos Namorados, e quando íamos visitá-la nos verões, saindo de nossa casa em Portland, no Oregon, ela colocava chocolates debaixo de nossos travesseiros furtivamente, antes que nossa mãe pudesse gritar: Não, elas acabaram de escovar os dentes!.

Bee era pouco convencional, de fato. No entanto, havia também algo um pouco desajustado nela. O modo como ela falava demais. Ou então falava muito pouco. O modo como ela era ao mesmo tempo acolhedora e petulante, generosa e egoísta. E, além disso, havia seus segredos. Eu a amava por tê-los.

Minha mãe sempre dissera que, quando as pessoas vivem sozinhas durante a maior parte de sua vida, tornam-se imunes aos próprios caprichos. Eu não tinha certeza se concordava com sua teoria ou não, em parte porque eu mesma temia levar uma vida de solteirona. Contentei-me em observar alguns indícios.

Se pensava em Bee, imediatamente podia imaginá-la à mesa da cozinha em Bainbridge Island. Em todos os dias em que a vi, ela tomou o mesmo café da manhã: torrada de pão caseiro com manteiga e creme de mel. Ela cortava o pão torrado marrom-dourado em quatro pequenos quadrados, e os colocava em um guardanapo de papel que havia dobrado ao meio. Uma porção generosa de manteiga amolecida era passada em cada pedaço, tão grossa como a cobertura de um cupcake, e cada pedaço era, então, coberto por um bocado de creme de mel. Quando era criança, eu a observei fazendo isso centenas de vezes, e, agora, quando estou doente, torrada de pão caseiro com manteiga e mel soa como remédio.

Bee não é uma mulher bonita. Ela é mais alta que a maioria dos homens, com um rosto que, de alguma forma, é muito grande, ombros muito largos, dentes muito grandes. No entanto, as fotos em preto e branco de sua juventude revelavam uma centelha de algo, certa beleza que todas as mulheres possuem em seus 20 anos.

Eu adorava uma foto dela naquela idade em especial, que estava em um quadro coberto de conchinhas pendurado na parede do corredor da minha casa de infância, quase em um lugar de honra, uma vez que era preciso subir em um banquinho para vê-la claramente. A velha foto, delineada com conchas, mostrava uma Bee que eu nunca havia conhecido. Sentada junto a um grupo de amigos em uma toalha de praia, ela parecia despreocupada e sorria sedutoramente. Outra mulher se inclinava para se aproximar dela, sussurrando em seu ouvido. Um segredo. Bee segurava o colar de pérolas que lhe adornava o pescoço e olhava para a câmera de uma forma que eu nunca a havia testemunhado olhar para o tio Bill. Gostaria de saber quem estava por trás da lente naquele dia, há tantos anos.

— O que ela disse? — perguntei para minha mãe certo dia, quando criança, olhando para a fotografia.

Mamãe não tirou os olhos da roupa para lavar com a qual estava digladiando no corredor.

— Quem disse o quê?

Apontei para a mulher ao lado de Bee.

— A mulher bonita sussurrando no ouvido da tia Bee.

Mamãe imediatamente se empertigou e caminhou até mim. Estendeu a mão e tirou o pó sobre o vidro do quadro com a borda de sua camisola.

— Nós nunca saberemos — respondeu, seu lamento palpável enquanto encarava a foto.

O tio falecido de minha mãe, Bill, foi um belo herói da Segunda Guerra Mundial. Todo mundo dizia que ele havia se casado com Bee pelo dinheiro dela, mas é uma teoria que não se sustentava, em minha opinião. Eu havia visto a forma como ele a beijava, a maneira como ele passava os braços em volta da cintura dela nos verões de minha infância. Ele a amava, não havia dúvida.

Mesmo assim, eu sabia, pelo modo que minha mãe sempre falava, que ela não aprovava o relacionamento, que ela acreditava que Bill poderia ter feito algo melhor para si mesmo. Bee, em sua opinião, era muito pouco convencional, muito grosseira, muito ousada, muito tudo.

Ainda assim, continuávamos a ir visitar Bee, verão após verão. Mesmo depois que o tio Bill morreu, quando eu tinha 9 anos. O lugar era uma espécie de paraíso, com as gaivotas sobrevoando nossas cabeças, os jardins espalhados, o cheiro de Puget Sound[1], a grande cozinha com suas janelas voltadas para a água cinzenta, o zumbido assombroso das ondas rebentando na praia. Minha irmã e eu adorávamos, e apesar dos sentimentos de minha mãe a respeito de Bee, sei que ela também amava aquele lugar. Ele exercia um efeito tranquilizante em todas nós.

Annabelle me lançou um olhar astuto.

— Você tem uma história aí bem guardada, não é?

Suspirei.

— Talvez — disse, sem me comprometer.

— Por que você não faz uma viagem? — ela sugeriu. — Você precisa ficar longe, para limpar sua cabeça por um tempo.

Franzi o nariz com a ideia.

— Para onde eu iria?

— Para algum lugar longe daqui.

Ela estava certa. A Big Apple é um amigo de fachada. A cidade a ama quando você está voando alto e a chuta quando você está para baixo.

— Você vem comigo? — Imaginei nós duas em uma praia tropical, tomando coquetéis com guarda-chuvinhas.

Annabelle balançou a cabeça.

— Não.

— Por que não? — Senti-me como um filhotinho assustado e perdido que só queria que alguém colocasse a coleira nele e lhe mostrasse para onde ir, o que fazer, como deveria agir.

— Não posso ir com você, porque você precisa fazer isso sozinha. — Suas palavras me abalaram. Ela me fitou diretamente nos olhos, como se eu precisasse absorver cada palavra do que ela estava prestes a me dizer. — Emmy, seu casamento acabou e, bem, acontece que você não derramou uma única lágrima.

No caminho de volta para meu apartamento, pensei sobre o que Annabelle havia dito, e meus pensamentos, mais uma vez, voltaram-se para minha tia Bee. Como deixei passar tantos anos sem visitá-la?

Ouvi um som agudo e estridente acima de minha cabeça, o som inconfundível de metal contra metal, e olhei para o alto. Um cata-vento de cobre em formato de pato, coberto por uma rica pátina cinza-esverdeada, postava-se atento no telhado de um café nas proximidades. Ele girou ruidosamente.

Meu coração bateu forte quando captei a visão familiar. Onde havia visto aquilo antes? Então a lembrança me atingiu. A pintura. A pintura de Bee. Até aquele momento, eu havia me esquecido da tela de cinco por sete centímetros que ela me dera quando eu era criança. Ela costumava pintar, e lembro-me de ter me sentido

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