terça-feira, 30 de maio de 2017

Elementos primordiais do desejo



Água
Tinhas sede e não bebias. Mas, caminhavas descalço sobre a terra molhada.
A fonte secara-te na boca.
A fonte irrigara-te um desejo do corpo, um desejo de fomentares o crescimento dos teus actos, quando teorizavas os factos, de uma Era desconhecida.
Mas tinhas sede e não bebias da única fonte que brotava a céu aberto sobre a terra seca, árida e agreste, mutilada pelo teu corpo.
Um corpo que escolhia um copo vazio.
Um corpo que não sabia como encher a terra, nem mesmo quando a pisava, nem mesmo quando a escolhia para ser um resguardo das escoriações do corpo que bebia de um copo vazio, mas a transbordar de todos os elementos primordiais do desejo.

Terra
Desejavas que a terra se movesse à volta do teu corpo, mas, não sabias como descansar o corpo à volta dela.
Sabias de um caminho certo e corrias mundos, mas também vivias nos submundos que trancavam o teu próprio desejo a escorrer-se pelo corpo aberto da terra.
O inverso de um corpo vazio, como um copo fechado à fonte primordial do desejo, do Ser único a beber da única fonte que conhece.
Conhecias os prazeres da carne, como se fosses o corpo da terra, irrigado pela fonte primordial de um desejo fora do corpo, que descia quase sempre quando o céu se abria. Porém, no espaço aberto do céu, havia sombras do teu corpo ainda à espera do único desejo
– ser uno com o Todo, cuja fonte não mata só a sede dos desejos dos corpos, antes os purifica.

Fogo
Tinhas dentro do peito a chama que sempre ardeu na floresta virgem dos teus sonhos. Tinhas. mas não conhecias a dança dos elementos dentro e fora do corpo. Floresciam primaveras e não sentias, nem vias o avolumar das pétalas lilases, o crescimento verde dos caules, o esvoaçar dos pólens amarelos pelos teus olhos.
Não sabias acender o lume na lareira funda, porque a lenha não tinha tido tempo para secar, não tinha tido tempo de se resguardar de um inverno longo nos galhos quebrados das árvores. Só as folhas, as folhas que caíram no outono, ainda sabiam como se transformar em pétalas de todas as cores, de modo que a chama se acendesse em todas as fronteiras fechadas.

Ar
Depois das estações, todos os corpos são como um único copo a transbordar pelos olhos da primavera.
Não sabias da nascente que corria pelas raízes fundas da terra.
Não conhecias a aridez da terra que teu corpo consumia.
Não conhecias a chama que percorria a floresta virgem dos teus sonhos,
Sabias, porém, de um corpo que se fortalecia, como se fosse o corpo de deus a caminhar por ti acima.
E do céu chegavam pétalas douradas, como se o se sol se derramasse em chamas pelos corpos adormecidos.

ONIX/DM

quarta-feira, 24 de maio de 2017

O ponto exacto

Conhecem a lógica de um pensamento. Geometricamente, os traços que os definem, são-no por força dos cálculos errados com que se desenharam os olhos à volta do corpo.
Decoraram todas as ideologias, pelas quais se regem as várias partes designadas por ordenações da mente, mas não sabem exatamente do ponto onde plantaram a única semente, que os faz igualarem-se na dor e no Amor. 

Dolores Marques

Existir...ou....

Não existe maior solidão, do que suportar o peso da solidão do outro, quando sem pensar, não sente, e se deixa abater sobre um sentimento de ódio, vingança e revolta, cujos actos contracenam num cenário ilusório, onde se encontra a sua própria inexistência.
A verdadeira arte do pensar está em saber que se existe ainda que o pensamento seja uma fraude.

Dolores Marques

Tempo de memórias

Nada do que me resta me resta.
No final do caminho serão todos os momentos isentos de quaisquer semelhanças com o que fui. Tampouco saberei se os ganhos e perdas nesta vida me prendem de algum modo a algum momento ainda por viver.
No futuro estão as condições impostas por um passado, que eu nunca soube se o era, ou se porventura me limitava a caminhar por ali, sem querer saber o que se passava dentro do tempo.
E que tempo de memórias se arrastam ainda com os meus passos…que tempo este meu, de nem querer saber onde me escondi, quando o tempo sabotou todo este meu crer em tudo o que nunca vi, mas senti.

Dolores Marques

Sentidos

Nunca foi um prazer ler um livro meu.
Nunca o foi porque também nunca foi um sonho meu, escrever sobre os diversos sentidos, para que fossem lidos pelos despertos sentidos.
Por isso não escrevo o “belo”, ainda que digite as palavras que desenham as cores do Amor.
Por isso não escrevo o que quero! Escrevo o que terá que fazer algum sentido no mundo supostamente de cor rosa, para que se lembrem dos espinhos ali consentidos.
Por isso escrevo o que é inacessível ao encanto dos olhos…
Escrevo sim o mundo da discórdia, da ilusão, da razão e da não razão, do inconsciente mundo dos sentimentos vazios, da volúpia escondida entre os dedos
Escrevo os submundos!
Escrevo o que sem sentido, vai fazendo sentido na dimensão onde já todos os sentidos se organizam para a não escrita com as pontas dos dedos, mas com o despertar da consciência, sentida.
Escrevo os mundos desconhecidos, os de antes, e os após as orgias dos sentidos todos!
Os versos magros, os poemas gordos, os dias marcados para a chegada do maior evento onde não serão mais necessárias palavras para definir o verdadeiro sentido da vida editada em qualquer livro de memórias.

Dolores Marques

"Eus"

Os vários “eus” quando alheados de si mesmos cumprem a sentença do verdadeiro EU fragmentado. 
Nas várias encenações, todos comunicam entre si, porém nem todos sobrevivem à catástrofe do “não eu”.
No cenário desfeito, há a decadência em série de uma sequência de imagens desfocadas, mas com o propósito de alcançarem juntos a dimensão do Ser Uno. 
Os vários “eus” gozam então a plenitude do "não ser", quando finalmente São.

Dolores Marques

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Imagens


Quando se está numa digestão antiga, tudo se dissipa numa sequência imprópria de imagens com vultos sobrepostos.
A melhor digestão é com o estômago vazio, a mente limpa e o coração em batimentos regulares.
O tempo a romper os abismos da loucura!!!
Loucos são todos os segundos que não encontram as horas certas para uma loucura desenfreada pelo círculo fechado de um relógio.
A loucura vibra no coração e não em mentes carregadas de flagelos.
Perfilar tudo!
Não deixar que a luz se intrometa em lugares fora de tempo, para não se ficar às escuras.
Iniciar o voo livre nas asas de uma borboleta, antes que a teoria do caos se abata sobre ela.


ONIX/DM

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Era um ritual antigo!


Era um ritual antigo!

Um ritual que me fazia acomodar o corpo
sempre que a Alma se demorava 
no tempo da Primavera

E a Primavera era sempre Primavera
eu é que não o sabia 
quando o Inverno descia 
aos sobressaltos 
arrastando um Outono 
do dourado tempo dos fenos

Era um Ritual de todos os tempos!
Um Ritual que cabia inteiro 
nos meus olhos de menina 
a desenharem novas estações
no encorpado sonho das nuvens

E o corpo era sempre um corpo
eu é que não o sabia
porque me confundia com o Ritual 
da última Estrela 
no lugar mais fundo da noite
onde sempre te imaginava

Éramos a dança dos elementos
um ritual de todos os tempos

Dolores Marques

Tudo é poesia

Quando na lura
se escondem os sentimentos
tudo é sentido no canto escuro
dos olhos

Agora que chegaram todos
lá do fundo
e os mundos arrumados
na viagem incompleta

Agora que te sinto vida
no corpo de um livro amarelecido
e os mundos inacabados
no tempo do Sol
acabado de me chegar às mãos

Quando os olhos deixam os fundos
tudo é natural e belo
como se tivéssemos acabado de nascer
uns para os outros

Agora que todos
descansarão as palavras
até que surja um novo movimento
a renascer no seu corpo poético
tudo é Poesia nos olhos abertos
ao inacessível mundo 
dos prantos encobertos

Dolores Marques.
Foto na Serra do Montemuro.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Árvore da Vida

Não me coloco em posição alguma que me deixe com a sensação de estar um passo à frente ou um passo atrás. Sou simplesmente Eu, com um caminho a percorrer somente com os meus curtos passos.
A cópia de mim incita-me neste longo e árduo trajecto. Guia-me por certo, por lugares de há muito, esquecidos. 
Estranho este modo inverso à minha pele, mas vou sem medo….vou!

É talvez o sonho do outro lado. 

A margem que sempre me colocou à margem do tempo, não é senão um ponto de encontro dos muitos que não conheço, mas que sei da sua existência quando os sonho e me levam, como se eu deixasse de ser cópia de mim, e passasse a ser originalmente o meu verdadeiro Eu, no sentido mãos lato do tempo, o qual, deixa nesse preciso instante de o ser. 

E eu como sempre, escondo os olhos, invento um novo corpo, e abandono-me ao sonho que sempre me falou em sonhos outros, de um fado do outro lado do mundo. 

Do outro lado, a visão ainda que desfocada sabe de um corpo abandonado, mas nunca ao acaso pela ordem do tempo. 
Do outro lado, o corpo resguarda-se numa dimensão inexistente nos olhos, até porque a terceira visão não precisa da ocupação do tempo, sequer dos espaços. Simplesmente é a origem de tudo o que jaz esquecido no corpo:
- as funções
- as disfunções
- as teorias escritas com a pena de um anjo nos livros
- a leitura às avessas do mesmo livro, onde todos escrevemos em tempos, o acordo entre os vários momentos vividos e os ainda por viver, através do pensamento.
- o prazer por nos sabermos a Amar, mesmo sem conhecermos essa poderosa força do Universo.
- o prazer por nos sabermos a aceitar os prazeres do corpo, sem sabermos em que parte do nosso Eu, tem origem esse mesmo prazer.
- os orgasmos todos em vida e na morte, quando nos sabemos a ascender a mundos.
- os costumes de um certo movimento que se avizinha sempre que dormimos.
- as raízes que nos cingem ao mundo terreno, dentro de uma certa categoria de árvores da vida.
…e tudo o que sabemos existir mas cujo medo nos faz esconder-nos até do nosso pensamento, invertido nos espaços e no tempo.
 E por isso a dúvida de quem somos, dentro de uma certa liberdade ainda às vésperas do Tudo, neste imenso TODO!

ÔNIX (pseudónimo de Dolores Marques)