Quando a Goretti ficou grávida aos 36 anos, o seu filho único, já com 12, ficou delirante. Queria uma irmã. Todos, familiares e amigos, esperavam uma menina.
A Goretti disse: “Se for menina, há-de chamar-se Papoila, Maria Papoila, se você aceitar ser madrinha.”
Eu concordei. Se fosse menina…
Fez-se a amniocentese e os médicos confirmaram que era uma menina. A Goretti delirou!
A Papoilinha nasceu. A mãe da Papoilinha fala muito, sempre sem parar, ao ponto de se atrapalhar e de atrapalhar os outros. É boa rapariga, mas não pára de falar.
A Papoilinha, sempre que tentava articular um “gugu-gaga”, era interrompida pela mãe, que imaginava verbalizar o que a criança queria dizer. A Papoilinha foi crescendo (muito depressa, digo eu) e foi aprendendo a falar nos intervalos da mãe.
“Olá, estás boa?”
“Papoilinha, diz assim: estou e tu? E a tua mãe? E o teu pai?”
E a menina repetia as palavras exactas da mãe, como um papagaio.
Era impossível conversar com a menina. Fazíamos uma pergunta, ela tentava articular uma resposta e logo a mãe debitava aquilo que achava ser a resposta ideal da pequena.
“Está lá? Parabéns! Já fazes 5 anos! A madrinha vai aí ver-te no fim-de-semana, está bem? Recebeste muitos presentes, hoje?”
“Papoilinha diz à madrinha que recebeste o presente dela e que gostaste muito. Pergunta à madrinha se está boa. Pergunta à madrinha se o marido está bom.”
E a menina a tentar debitar as palavras exactas e pela mesma ordem.
A Papoilinha disse uma vez uma coisa engraçada saída da sua capacidade humana de conversar: quando um dia alguém lhe chamou Papoila, ela respondeu que Papoila era a madrinha e que ela era a Papoilinha.
Esperança!, pensei eu.
A Papoilinha frequenta o jardim escola. Será que lá, longe da Goretti, pode expressar-se naturalmente ou será que aquela cabeça está demasiado formatada com as palavras da mãe? Como madrinha da menina, já alertei delicadamente a mamã para que a deixe conversar à vontade. Não adianta, eu disse e ela não ouviu. Quando se fala muito não se tem tempo para ouvir.
A Papoilinha vai em Setembro para a escola. Espero que nunca venha a ter problemas de personalidade, porque muitas vezes acho que ela ainda não teve oportunidade de começar a formar a sua, livremente, como todos nós. Espero também, que apesar de tudo, consiga articular respostas e compreender perguntas. Se tiver dificuldades, acho que a madrinha tem obrigação de ir contar à professora que durante mais de 6 anos, a menina foi um papagaio…