25 de nov. de 2008

Fantasia

Durante o dia, Lena se veste do que ela gostaria de ser. Usa seu melhor sorriso no rosto. Enfeita-se com palavras doces. Enquanto trabalha, encontra conhecidos na rua, almoça no restaurante movimentado, age como se estivesse pronta. Mas, quando o sol cumpre sua obrigação, Lena se sente satisfeita e pára de representar. Deixa de ser o que o mundo a tornou.
Em casa, o sorriso mantido a todo custo se desfaz e dá lugar a uma aparência sem retoques, uma boca linear. Sente-se confiante para se livrar das palavras e gestos afetuosos. Lena se entrega a seus pensamentos e gestos calculados.
Ela não é má ou dissimulada. Apenas não quer que as pessoas saibam que ela não sabe lidar com sua história, com o que a vida lhe reservou.
Ao brilho pálido da lua, na solidão de sua própria companhia, Lena é somente o que conhece de si mesma. E conhece tão pouco.
Não faz idéia do que é capaz de enfrentar por amor. Não sabe o que é capaz de fazer para defender um amigo. Não consegue deixar a emoção leva-la sem se questionar se está certa ou se arriscando demais.
Mas o sol, ainda que entre as nuvens, nunca deixa de aparecer. E aos seus primeiros raios, Lena se enche de coragem de novo. É Hora de brincar de viver.

Sabrina Davanzo


11 de nov. de 2008

O Cata-Vento


Em um pequeno vilarejo, no alto de uma torre, vivia um cata-vento. Imponente, colorido, cheio de energia e solitário. Ficava lá no alto sem uma viva alma para apreciá-lo. O vento, seu únicos companheiro, passava manso, fazia-lhe cócegas e lhe contava que em outros lugares havia cata-ventos enormes que as pessoas apontavam, visitavam e ficavam felizes em vê-los girar a todo vapor. O cata-vento do pequeno vilarejo olhava o corre-corre, a vida lá em baixo e se perguntava por que ninguém era capaz de lhe dirigir nem mesmo um olhar. Com o passar dos anos, já não tinha mais vontade de brincar com a brisa nem lutar contra o vento forte. Olhava ao seu redor e não via mais que velhos telhados encardidos. Percebia que o sol, de quem se considerava próximo, desbotava suas cores e o deixava mais abatido. Vivia pensando no quanto era desnecessária sua existência. Foi então que um dia uma leve corrente de ar que passava por ali tocou suas hélices e lhe contou que os céus reservavam para aqueles lados uma imensa tempestade. Furacões e ventos que assoviavam alto arrasariam com todas as coisas, árvores, crianças e alegria daquele lugar. O pequeno cata-vento viu nessa confidência sua chance de conquistar o carinho das pessoas. Sentiu que poderia ser útil e quem sabe até importante. Afinal, salvaria a pequena cidade. Durante três dias o cata-vento girou com todas as suas forças, sem parar um segundo, para anunciar a chegada do inevitável. Mesmo sem vento algum, se agitava. As pessoas que olhavam para o alto da torre achavam que ele havia ficado louco. Não entendiam como e por que ele girava sem parar nos últimos dias, mesmo quando o ar estava mais parado que uma carroça sem bois. Exausto, o cata-vento acabou desistindo. Deixou-se abater e ficou a espera do pior. Nenhum morador, visitante, criança ou idoso esperava pelo vendaval que chegou em uma madrugada. Zunindo a melodia da morte, arrancou tudo o que viu pela frente. Não sobrou nada. Nem a pressa dos que passavam todos os dias pelo cata-vento e não o notavam foi perdoada. Ele também foi levado. Com as rajadas, desprendeu-se do alto da torre e foi arrastado pelo céu afora. Teve medo, mas pela primeira vez na vida sentia-se em paz. Não queria mais consideração, nem carinho. Desejava apenas se perder em sua insignificância. Acabou caindo em uma outra cidade. Por lá, todos já sabiam do furacão. Olhavam-no maravilhados por pensar que ele havia sido trazido pelo vento. Era um sobrevivente. Talvez o único. O povo dali, que não era dado a acreditar em coincidências, entendeu aquilo como um presente divino e tratou de colocá-lo no alto da torre da capela. Ninguém fazia idéia da sua bravura nos dias que antecederam a tragédia. Ninguém poderia imaginar o cata-vento esgotando todas as suas energias para prevenir uma vila ingrata. Em sua nova casa, tornou-se uma relíquia, símbolo dos que resistem bravamente às adversidades. Todos o apontavam, admiravam, elogiavam. Finalmente, ele conseguiu o queria. Sentia-se feliz. Guardava para si o velho ensinamento: cada qual, ao seu momento, tem sua importância na vida do outro.

Sabrina Davanzo


10 de nov. de 2008

Novo Céu


Para Larissa, Sabrina, Thaís, Marcel, Marcelo, Thiago, Robson, Lucas, Jonathan, Neuza, Tancredo, Leandro e todos os outros:

Olhar que não retrata o que vê. Olhos que não expressam brilho, medo, dúvida. Apenas se perdem infinitamente atravessando a própria imagem diante deles.
Mãos finas e frágeis. Um simples toque parece ser capaz de rasga-las, arrancar-lhes a pele.
Mãos que não exprimem força nem direção. Buscam o vazio, se agarram ao que está por perto sem nenhuma consciência.
Força sem medida, desajeitada. Força que assusta em meio a tanta desconexão.
Curiosidade inocente, bestial. Pureza.
Sorrisos, risadas, gargalhadas dispersas em salas sem graça alguma.
Pés que nunca caminharam, nunca tocaram o chão, não experimentaram a liberdade de ir e vir.
Faces cizudas, rostos disformes. Feiúra que esconde a beleza presente na infância.
Não há traços de pai e mãe. Somente marcas de quem carrega dentro de si toda uma existência emudecida. Uma vida velada por gritos guturais, choro, letargia.
Não há ânsia, vontade, desejo. Não existem sonhos, nem esperança.
Existe a dura realidade de uma pequena falha em uma máquina tão divinamente perfeita: o corpo.
Não procuram motivos. Não questionam o destino. Não exigem uma reposta.
Vivem todos juntos sem jamais conhecerem uns aos outros.
Tudo é tão limpo e cheira vida estagnada, guardada no fundo de um guarda-roupa sem nunca ter sido usada.
Lágrimas, sono dentro de um bercinho vez ou outra decorado com brinquedos que naquele contexto parecem tristes e tão sem gestos quanto o próprio companheiro.
Placas identificam alguns que não possuem identidade. Impossível reconhecer seus defeitos e qualidades.
Tudo parece triste e vazio mas ao mesmo tempo inspira uma enorme felicidade de ser o que se é.
Lição de vida e resignação. Espelho para nossas próprias falhas, para nossas reclamações sem sentido, para nossa preguiça sem motivo.
Para todos eles, um Novo Céu habitado por anjos vestidos de branco que lutam diariamente para manter viva a faísca do existir que palidamente anima cada um que está ali.


Sabrina Davanzo


9 de nov. de 2008

Pequena felicidade



Tem dias que ela sente uma felicidade que não sabe explicar. É uma alegriazinha que invade seu coração, seu sorriso, amortece seu corpinho pequeno. Tudo ao redor se torna sereno, ganha uma tonalidade diferente, até o ar.
Quem dera essa felicidade durasse a vida toda. São só uns instantinhos. O bastante para que ela se interesse pelo mundo e suas cores.
Ela nunca sabe quando essa felicidade vai chegar. Mas também não a espera. Ocupa-se com sua vida simples e deixa que a emoção a surpreenda. Ela acha mais seguro assim, pois não corre o risco de se machucar.
Quando acontece, ela se enche toda. Pensa na família, nos amigos, no amor. Compartilha, ainda que por pensamento, com todos os que fazem parte dela esse sentimento.
Essa felicidadezinha é intensa. Mas não se demora. É o tempo de dar um sorriso, um suspiro.

É o tempo de se sentir mais perto do que chamam de céu.

Sabrina Davanzo






6 de nov. de 2008

Presente



Um dia gostaria de presentear meus amigos com o mundo.Alguns iriam pensar: “nossa, mas esse mundo tão desse jeito, tão daquela forma...”Mas sim. Daria-lhes o mundo.Nenhum deles, nem o mais ousado, seria capaz de visitar cada canto do mundo. Portanto, seria um presente bem grande.
E ainda que visitasse, jamais conheceria todas as possibilidades que cada canto pode oferecer. Então, seria como um presente infinito.
Oferecendo o mundo aos meus amigos eu lhes daria mais de um bilhão de sorrisos. logo, meu presente não permitiria a solidão.O mundo aos amigos. É como se presenteando com o mundo eu lhes desse a vida.Um mundo para viver. Infinitas estrelas, milhões e milhões de galáxias, planetas e mares.Seria um belo presente, feito por Deus.Queria dar o mundo aos meus amigos.

Sabrina Davanzo


4 de nov. de 2008

Na ponta dos pés



Às vezes a gente precisa se pendurar na pontinha do pé para chegar mais alto. Chegar naturalmente, sem a ajuda do salto.
Uns centímetros a mais é capaz de nos livrar da derrota, de mudar um destino. Não importa se o pé dói, a gente acostuma. Não importa se o desequilíbrio ameaça, mais cedo ou mais tarde a gente encontra o ponto.
É levantando o pé que se pega a fruta, que se enxerga na multidão. É na pontinha do pé os passos mais lindos do ballet, é com esse esforço que se alcança um abraço maior que a gente. Na euforia, é levantando o pé para o ar que a gente se exalta.
Quem cala tem os pés plantados no chão. O peso não deixa a gente se arriscar e quem não arrisca não sabe o que é chegar ao alto. Acaba trocando os pés pelas mãos. Usa o tato para caminhar entre o desconhecido.
Foi impulsionando os pés que muita gente caminhou por onde não imaginava, alcançou o que procurava.
Que Deus me permita ter pés que eu mesma possa guiar e não que eles sejam simplesmente levados. Não quero manter meu calcanhar grudado à textura confortável do sapato, maldita acomodação.
Aquele que busca o óbvio se garante, mas não vive. Quero ter a força necessária para caminhar na ponta dos pés, lá em cima, onde aos mãos não alcançam, onde os olhos não enxergam, onde só o momento da chegada revela o que existe. Não quero temer a insegurança. Ela faz parte da vida, ao contrário do pé no chão, que denota o significado de uma mera existência.

Sabrina Davanzo

3 de nov. de 2008

Ansiedade

Se ela sofria de ansiedade nunca soube. O fato é que sentia “um não sei o que” que nada resolvia. Dormir, não conseguia. Ler, não concentrava. Sair, só piorava.
Tinha as mãos suadas e o fôlego apertado na garganta. Sensação de palpitação. Doía a cabeça, tremia os nervos, amargava a saliva. Tudo por querer saber como as coisas aconteceriam. Tinha pressa. Era vital saber antecipadamente. Tentava desviar o pensamento, assistir à novela, falar de amenidades, mas o olhar era sempre estatelado como se a qualquer instante fosse vislumbrar uma faísca do futuro. De tanto querer saber, tornou-se repetitiva. O tempo todo comentava, sem medir o tom de voz: “ai! Não vejo a hora!” , “ai! Como vai ser?!” Não conseguia mais comer. Alguma coisa revirava suas víceras, nauseava constantemente. Não tinha a menor consideração com qualquer outra coisa: família, amigos, muito menos para a vida. Na verdade, nem viu seus dias passarem. O Espírito inquieto parecia não caber mais dentro do corpo de tanta impaciência. Morreu de infarto. O Coração fraco não agüentou a pressão. No laudo médico, a causa para a falha do órgão foi registrada. Está lá: morreu por não saber esperar.

Sabrina Davanzo


2 de nov. de 2008

Esse seu voar



Em plena quarta-feira à tarde, dei de cara com ele caminhando pelo meu corredor. Fiquei observando de longe quase sem respirar, pois tinha medo de assustá-lo com minha presença. Reparei nos seus passinhos ligeiros, cabecinha movendo de um lado para o outro, atento a qualquer movimento ao seu redor. Não me notou. Seguiu em frente.
A uma certa altura, levantou vôo baixinho (a conta de economizar alguns passos) e pousou na cabeceira de minha cama. Corri de leve pelo corredor, evitando fazer barulho e me escondi entre a porta. Pela fresta, pude ver que ele ficou imóvel, só a cabeça movia como se estivesse esperando por alguma coisa que estava prestes a chegar, talvez até atrasada. Eu, de onde estava, reuni toda minha coragem e me coloquei a sua frente, no meio do quarto. Ele me encarou num misto de espanto e admiração. Olhou profundamente em meus olhos, levantou vôo e saiu pela janela. Tive certeza de que ele estava ali a me esperar. Eu que tinha tanto para descobrir… Queria saber sobre a altura do vôo… Será que cada um tem sua forma de voar? Será que voar é um merecimento? E se for, quanto tempo se deve esperar? Não tive tempo. Aquele minúsculo passarinho esteve ali, em frações de segundos, só para me olhar.

Sabrina Davanzo