No dia 10 de novembro de 2014,
Deus chamou a minha mãe ao paraíso.
Mãe,
dona Irene ou, simplesmente, passarinho – as três palavras que eu utilizava
quando me dirigia a ela. Exemplo de filha, irmã, esposa, mãe, avó e bisavó.
Exemplo de mulher cristã. Num mundo de valores diluídos, a minha mãe foi uma
sólida fortaleza dos valores cristãos.
Ela
pôde usar com dignidade as palavras do apóstolo Paulo: “Combati o bom combate,
terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça,
que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também
a todos os que amam a sua vinda” (II Tm. 4:7,8).
Confesso
que não encontro palavras, elas fogem apressadas reconhecendo a insuficiência
das letras perante a dor. Então empresto o trecho que li para ela quando lhe
entreguei o exemplar do meu livro “Náufragos da Fé”, onde comento a morte dos
meus dois filhos e irmã:
“A
principal mensagem de Jó 42, é que no final Deus corrigirá todas as injustiças.
Algumas tristezas como a morte dos filhos de Jó, a morte dos meus filhos, da
minha irmã, não são recuperadas nesta vida. Palavras de consolo não arrancam a
dor que encontra solo fértil no coração. Mas no fim esta dor será absorvida
pelo Criador do universo. Terei meus filhos e irmã de volta. E, se eu não
acreditasse nisso, que eles estão neste momento, alegremente sorrindo, pulando
e explorando novos mundos, adorando e gozando do privilégio de conviver face a
face com o Criador deste fantástico universo - e que recepcionaram com alegria
minha tia que sofria do mal de Alzenheimer, certamente já fizeram diversos passeios
juntos e saborearam a culinária celeste, que não fica a dever a queijadinha e o
doce de leite que ela fazia na fazenda – então eu não creria em coisa alguma e
teria abandonado a fé cristã. [...]
A esperança cristã afirma que a tragédia da perda dos meus filhos e da minha
irmã não é apenas uma fatalidade. Não é simplesmente o problema de um defeito
genético, um pedaço de DNA estragado no caso deles, e não foi apenas um erro
médico que ceifou a vida dela.
A
esperança cristã afirma que estes acontecimentos fazem parte de uma trágica
história; mas não pertence à tragédia a última palavra. A esperança cristã
afirma que o DNA deteriorado e o erro médico não prevalecerão. Que um dia
estaremos caminhando juntos novamente, sentaremos a mesma mesa como convidados
especiais do grande e eterno Criador. [...] A esperança cristã diz que raiará o dia em que a efêmera vida de duas crianças
e de uma jovem senhora, no planeta terra, brilhará pelos tempos com uma glória
que não somos capazes de imaginar em nossos mais desvairados sonhos”.
Conforta-me
saber que “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” (Sl.
116:15).
Ela
voou. O céu está em festa. Aqui, a sua silhueta está desenhada na cama, na sua cadeira da sala de jantar ou da varanda, em cada milímetro da
casa, em seus objetos e pertences.
A
minha mãe dizia que a casa onde morava com meu pai era uma grande árvore, e
todo dia, ao final da tarde, os pássaros – filhos, netos, bisnetos, nora,
genros -, ali se reuniam. Sim. Ali é o nosso barulhento ninho.
O
ninho perdeu o pássaro mãe. Mas o ninho coração dos familiares está cheio dos
frutos que ela generosamente nos deu, alimentos que nos sustentarão até o dia
no qual a abraçaremos novamente na presença de Deus.
Voa
passarinho, Voa! Um dia voaremos juntos, eternamente!
*** *** ***
“E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros
para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para
edificação do corpo de Cristo” (Ef. 4:11-12). Escrevo estas linhas para que
familiares e amigos conheçam alguns detalhes da minha mãe, Irene, a amiga de
Deus. A intimidade dela com Deus era algo especial. São experiências que devem
ser compartilhadas “para edificação do corpo de Cristo”:
1-
Quando Enaide, minha irmã, faleceu, a minha mãe
ficou inconsolável. Chorava dia e noite, clamando para que Deus aliviasse a sua
dor. Deus atendeu o seu pedido de uma forma especial: Numa bela noite, no quintal da casa, ela ouviu uma voz que dizia: “Não
chores mais. Ela está bem”. E simultaneamente começou a ouvir cânticos que nem
mesmo a melhor orquestra terrestre poderia executar. Cânticos celestiais.
Para estudiosos, como James Hutton, a música ocupa uma
posição singular “pois é a única arte praticada no céu e pelas criaturas sem
pecado original”. Neste caso, “O ouvido humano não pode ouvir tal música, seja
devido ao pecado original ou simplesmente por ser um órgão sujeito ao tempo e à
morte. O que Campanella chama de molino
vivo do eu abafa todos os sons celestiais. Em certos estados de êxtase,
entretanto, alguns ouvidos puderam ouvir tal música”.
Um coral de anjos “dava uma canja” naquela noite
em Jaciara. Aquela experiência espiritual estancou a fonte de lágrimas. Daquele
dia em diante, apenas ocasionalmente, como é natural, as lembranças ainda
provocavam lágrimas.
2-
Ela sonhou que meu filho nasceria com uma síndrome
raríssima, do mesmo jeito que ela teve um filho (meu irmão) que morreu ainda
bebê. Ela me chamou, quando minha esposa estava grávida, e disse: "Filho, Deus me mostrou que o seu filho nascerá assim..." e narrou o que viu. E assim
aconteceu.
3- Na
sexta-feira da semana passada, a minha irmã Eliude dormiu com ela. Na madrugada,
ela a chamou dizendo: “Você está ouvindo essa música linda?”. A minha irmã
aguçou a audição, mas não conseguia escutar nada. A minha mãe continuou: “Coisa
mais linda”. E, levantando o dedo indicador, reiterou: “Ouça”.
Não tenho dúvidas que,
mais uma vez, Deus afastou as cortinas permitindo que ela ouvisse a orquestra angelical.
O céu se aproximava.
Dona Irene, mãe, passarinho, se foi no dia 10 de novembro de 2014. Estivemos
do seu lado até o último suspiro e, como disse a minha tia Odilza: “Ela morreu
como um passarinho”. Em silêncio, com a paz fixada em seu semblante. O anjo do
Senhor afastou a cortina, o Céu chegou e ela enfim pode ver e ouvir a orquestra
celestial que tanto a encantava. Seus olhos agora contemplam a glória de Deus.