APRENDENDO COM ADAM SMITH
Iraci del Nero da Costa
São Paulo, abril de 1999
"People of the same trade seldom meet together,
even for merriment and diversion, but the
conversation ends in a conspiracy against the
public, or in some contrivance to raise prices."
RIQUEZA DAS NAÇÕES
Adam Smith
A meu ver, nem todos os economistas e demais cientistas sociais
reconhecemos, em sua plenitude, as consequências metodológicas e práticas que
a arguta observação acima reproduzida pode trazer para a compreensão dos
processos econômicos e sociais que informam o desenvolvimento do capitalismo.
Da perspectiva teórica, a inferência maior a se tirar do ensinamento de Adam
Smith parece ser a de que o desejável arrojo dos empresários empreendedores e
sua disposição competitiva não devem ser entendidos como pressupostos que
estariam a orientá-los, pois, na verdade, tanto a capacidade inovadora como a
concorrência são
resultados da ação efetiva dos agentes econômicos e não
predicados inatos dos empresários capitalistas. Tal ação, ademais, deriva, em
grande medida, não da vontade ou predileção daqueles agentes, mas, sim, de
condições com as quais eles se defrontam como algo que lhes é dado, imposto
pelas circunstâncias que dão forma à produção e ao consumo.
Assim, o ambiente econômico em que se gerou o capitalismo moderno nos
países avançados da Europa Ocidental, principalmente na Inglaterra e Holanda,
traria em seu próprio seio os acicates indispensáveis e as condições propícias ao
estabelecimento da concorrência e da inovação.
Entre tais elementos reputamos da mais alta importância o fato de o
capitalismo haver-se desenvolvido não só a partir de grandes concentrações de
capital, mas, ao contrário, sobretudo com base em um grande número de pequenos
empreendimentos dos quais, grande parte, devia sua gênese à iniciativa de
artesãos que pertenciam a corporações de ofícios feudais ou que com elas
estavam a se digladiar. Tem-se, pois, um sem-número de capitalistas de pequeno
porte a se defrontarem na conquista dos mercados locais.
De outra parte -- e aqui vai outro elemento "salutar" a atuar no sentido de
afirmar a concorrência e a inovação --, como sabido, o conjunto de bens
produzidos no âmbito deste "capitalismo nascente" estava composto, em grande
parte, por artigos de largo consumo, de uso cotidiano, sem maiores sofisticações
e de baixo valor unitário. Pequenos ganhos de produtividade calcados em
mudanças simples efetuadas sobre uma base técnica ainda não muito sofisticada
poderiam significar, portanto, uma ampliação rápida dos lucros.
Temos, pois, uma quantidade expressiva de produtores mais ou menos
homogêneos, produzindo -- com base em técnicas passíveis de inovações mais ou
menos simples que poderiam implicar um rápido crescimento de ganhos -- bens
não sofisticados e de uso diário para um mercado amplo e em expansão. Pode-se
desenhar condições mais propícias para o estabelecimento de uma acirrada
concorrência e uma célere busca por ganhos de produtividade lastreados em
mudanças técnicas ou meros arranjos gerenciais?
A esta fonte emanante de capital industrial juntou-se o processo mediante o
qual o capital comercial, "assaltando" e dominando o mundo da produção, viu-se
engolfado por este último e transitou para a forma capital industrial acabando por
ser subsumido por esta forma superior de capital. O ganho baseado na pura
alienação das mercadorias e na exploração dos polos intermediados pela ação do
comerciante deixou de ser uma forma autônoma e preponderante de lucro e
subordina-se, agora como remuneração de uma parte alíquota do capital total, à
taxa de mais-valia determinada no processo de produção no qual se faz uso
produtivo da mercadoria força de trabalho. Este processo culminará, como
sabemos, com a subsunção real do trabalho no capital, vale dizer, com a superação
da manufatura -- na qual se dava, apenas, a subsunção formal do trabalho no
capital, uma vez que o ritmo da produção era determinado pelo trabalhador direto -e a emergência da indústria fabril na qual se utiliza em larga escala a maquinaria
que incorpora em si os "conhecimentos e habilidades" do antigo artesão
determinando, portanto, como expressão direta do capital, o próprio ritmo da
atividade produtiva. Conhecem, pois, as aludidas nações avançadas da Europa
Ocidental o amadurecimento do capitalismo e o surgimento do que Marx chamou
de modo produção especificamente capitalista. A informá-lo está, entre outras
características, a renhida luta -- que favorece a concorrência -- com vistas à
ampliação da mais-valia relativa.
Destarte, em tudo e por tudo, a concorrência e a introdução de novas
técnicas definem-se como uma conseqüência da ação efetiva dos agentes
econômicos enquanto elementos isolados que se defrontam com um mundo
econômico que lhes é dado; ademais, tanto a concorrência como a inovação
vinculam-se, como evidenciado acima, ao próprio processo de amadurecimento do
modo de produção capitalista não aparecendo, portanto, como pressupostos de tal
sistema econômico nem como um predicado inerente aos capitalistas. De outra
parte, como frisado por Adam Smith os lucros poderão ver-se aumentados
justamente se se conseguir manipular preços de sorte a elevá-los afastando a
concorrência.
Afastá-la
representa
o
objetivo
dos
eventuais
conciliábulos
denunciados por Adam Smith, negá-la é o verdadeiro desejo dos capitalistas.
Como se nota, a consideração das implicações teóricas deduzidas das
sugestivas palavras de Adam Smith leva-nos a uma situação que exige a
intervenção institucional no sentido de se evitar que o acalentado desejo dos
capitalistas possa vir a se materializar mediante acordos escusos com vistas ao
estabelecimento de cartéis, oligopólios ou monopólios. Somos, assim, levados a
pensar nas conseqüências práticas das palavras do velho mestre.
Do ponto de vista prático, vale dizer, em termos político-institucionais, a
decorrência mais saliente do aludido ensinamento estaria a indicar que a geração e
manutenção de um "clima" propício ao exercício daquelas qualidades prende-se à
necessária atuação política e correlata ação legislativa no sentido de erigir-se um
arcabouço institucional e legal que opere de sorte a estimular e induzir, tanto
quanto possível e respeitado o direito de propriedade, a concorrência e a ânsia pela
inovação técnica e gerencial.
Para aferirmos a relevância aumentada que a institucionalização de práticas
moldadas segundo a perspectiva acima anotada ganha no caso do Brasil basta
lembrarmos a estrutura socioeconômica herdada de nosso passado colonial. Como
sabido, ela está profundamente marcada por mecanismos econômicos próprios do
mercantilismo e decisivamente comprometida com políticas de corte cartorialista e
clientelista que visam a subordinar o Estado aos interesses de grupos particulares
e a possibilitar a apropriação privada dos bens e recursos públicos.