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Ficha de leitura acerca de Ricoeur.doc

2004

Paper on Ricoeur's La métaphore vive.

FICHA DE LEITURA Posição do problema Qual é, segundo Paul Ricoeur, neste ensaio, o lugar da metáfora? Comentário ao problema Muito embora Aristóteles comece por elaborar a sua reflexão acerca do problema do estatuto da retórica, abalada pela forte crítica platónica dados os seus desvios face à busca incondicional da verdade isenta de ambiguidades e adversa ao pseudo Ricoeur, Paul, La métaphore vive, .16. pseudo : mundo da mentira, a questão da metáfora serve de pivot neste primeiro estudo de La métaphore vive, pois trata-se de um recurso discursivo simultaneamente retórico e poético. Retórico, pois, segundo Ricoeur “o paradoxo histórico do problema da metáfora é que nos chega através de uma disciplina « morta», a retórica”. “Não nos condenarão”, pergunta, “a fazer renascer a retórica das cinzas?” Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.13. Poético. A definição de metáfora é comum à Retórica e à Poética. É dada na Poética nos seguintes termos: “ A metáfora é a transposição para uma coisa de um nome que nela designa uma outra, transposição ou do género à espécie, ou da espécie ao género, ou da espécie à espécie, ou segundo a analogia.” Aristóteles, Poética, 1457 b 6-9 apud. Ricoeur, Paul, La métaphore vive, nota 3 p.19. Segundo Nietzsche, citado por Ricoeur a retórica é Republicana. Tinha toda a pujança na Sicília, onde, diz-se, surgiu. Houve retórica, diz Ricoeur, porque houve eloquência, eloquência pública. A retórica foi o fruto de uma demiurgia espontânea. Existem situações em que a palavra determina a escolha, situações públicas em que a arte de bem dizer “ É sempre possível que a arte de dizer bem se liberte da preocupação de dizer a verdade” Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.15. Por isso Platão condenou a retórica afirmando que Tísias e Górgias tinham descoberto que o verosímil vale mais que o verdadeiro Fédro, 267 b Górgias, 449 a-458 c Cfr. Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.13 faz a diferença, situações em que é a palavra que conduz à decisão. A retórica é, assim, tão velha como a filosofia. Diz-se que Empédocles a inventou5 5 Corax, aluno de Empédocles foi, pensa-se, o primeiro autor de um tratado didáctico da arte – technê – oratória, seguido por Tísias de Siracusa. Vide Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.14. Foi, relativamente à filosofia, a sua maior inimiga e a sua mais velha aliada. Pode sempre acontecer que a arte de dizer bem não coincida com dizer-se a verdade. Sempre houve uma relação equívoca entre o discurso e o poder. A filosofia não pode extirpar este equívoco. Contudo, comenta Ricoeur, a retórica em Aristóteles já é uma disciplina “domesticada”, “suturada” à filosofia6 6 Cfr. Ricoeur, Paul, La méthaphore vive.,p.; a genialidade de Aristóteles consiste, segundo Ricoeur, em criar um lugar para a retórica atribuindo-lhe o estatuto de um sistema de prova do segundo grau, em casos ou circunstâncias em que não seja exigível o tipo de constringência ou necessidade que presidem à geometria e à filosofia primeira. Caberá a Aristóteles o mérito de tentar estabelecer o laço entre o conceito lógico do verosímil (to eikos, Aristóteles, Retórica, II,24, a, 10402 a 17 – 20)/provável e o conceito retórico da persuasão. O verosímil é: aquilo que se produz mais frequentemente estando, relativamente à coisa em relação à qual é verosímil, na mesma relação em que o universal está para o particular. (Aristóteles, Retórica, 1357 a 34-35). Este é o domínio do contingente, o âmbito das assembleias e dos tribunais onde se deliberam e decidem coisas humanas. O propósito da retórica aristotélica consistirá em distinguir “ o persuasivo verdadeiro” do persuasivo “aparente” Aristóteles, Retórica, 1355 b 15; assim como a dialéctica distingue o silogismo “verdadeiro” do silogismo “aparente”. Posição Filosófica A metáfora pertence aos processos da lexis1 1 Cfr.Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.19. A metáfora é um dos processos da lexis2 2 Ricoeur, Paul, La métaphore vive,p.45. Segundo Paul Ricoeur, estamos postos perante uma teoria propriamente retórica da lexis e, consequentemente, da metáfora, sendo a metáfora um dos processos da lexis3 3 Cfr. Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p. 45. Segundo Ricoeur, na leitura que faz de Aristóteles, a teoria da lexis poética é, contudo, mais avançada do que a teoria do discurso público (retórica). Na Poética a lexis é uma parte da tragédia, i e., do poema4 4 Ricoeur, Paul, La métaphore vive. A lexis retórica encontra-se ligada aos processos de instrução (didaskalia)5 5 eurêsis: processo de descoberta de argumentos pelo orador, Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.45Cfr. ainda op.cit.p.46 O vocábulo lexis, é um vocábulo de tradução difícil; traduzi-lo por elocução? Estilo? Discurso? Consiste, segundo D. W. Lucas no processo de: “combinar as palavras em sequências inteligíveis.6 6 D. W. Lucas, Aristotle’s Poetics, Oxford Clarendon Press, 1968. 50 b 13 apud., Ricoeur Paul, La métaphore vive, p. O lugar da metáfora é, pois, na lexis. Para definir a metáfora, Aristóteles socorre-se de uma metáfora tirada da ordem do movimento: phora – deslocamento; deslocamento segundo o lugar (Aristóteles, Física, III, 1, 201 a 15; Física V, 2, 225 a 32 b 2). Desenvolvimento e defesa da posição filosófica Todavia, paradoxalmente, “ não há qualquer lugar não metafórico de onde posssamos olhar a metáfora como um jogo a desenrolar sob o olhar”, uma vez que, como insiste Derrida, citado por Paul Ricoeur, a definição da metáfora é recursiva7 7 Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.52.De acordo com Paul Ricoeur, Aristóteles mostra mais um interesse pelos processos do que pelas classes. Mas podemos perguntar: que significa: “ transpor o sentido das palavras”? ( Paul Ricoeur, La métaphore vive,p.24)Trata-se de um ganho semântico que se realiza dentro de pólos lógicos: géneros, espécies, jogos de relação, proporcionalidade ou igualdade de relação. Por outro lado, a metáfora constitui “ uma violação desta ordem e deste jogo ( Paul Ricoeur, La métaphore vive,p.31) O plano da lexis abarca todo o campo da expressão. O próprio (idion) pertence a uma teoria da predicação e não a uma teoria da metáfora. O próprio consiste num predicado coextensivo, mas não essencial, não correspondendo, consequentemente, à definição: por exemplo, ler é próprio do homem; no entanto não se define o homem pela sua capacidade de ler. A hipótese extrema de Paul Ricoeur consistirá então em perguntar se a metafórica que se dá no interior da linguagem não será eventualmente aquela que está na sua origem. Aristóteles diz que há mais coisas do que o número de palavras.8 8 «  coisas » serão aqui, creio, « dizíveis”. Ora, sendo estes em número ilimitado e os nomes e discursos em número limitado, o fenómeno que se seguirá como corolário será o da polissemia: usos “estranhos” das palavras, i.e., metafóricos. Ricoeur, Paul, La métaphore vive,p.29. O ensaio de Paul Ricoeur vai, contudo, no sentido de mostrar uma transição entre uma teoria explícita da metáfora enquanto substantivo (onoma) que é aquela que é exposta por Aristóteles, a uma teoria, claramente melhor, segundo a perspectiva de Ricoeur (e, em seu entender, viabilizável pela leitura dos próprios textos de Aristóteles) da metáfora/discurso. É esta última que se propõe explorar, argumentando que esta teoria que designa como implícita se pode desprender ou depreender da abordagem aristotélica da metáfora, não atendendo à sua definição expressa, mas atendendo ao modo como Aristóteles lida com a própria noção de metáfora na Retórica, na Poética e na Metafísica. A arte de falar bem está, na filosofia, vinculada ao amor pela verdade. Aristóteles, se bem que não hostil à retórica ao modo platónico, procura ainda assim, como ficou expresso acima, estabelecer o limite ou fronteira entre o persuasivo verdadeiro e o persuasivo aparente (Retórica,1355 b 15). Cfr. Ricoeur, Paul, La métaphore vive, p.16 Entre poesia e prosa, justificando e fundando esta dualidade, temos uma dualidade de função e de intenção. A prosa, no âmbito do discurso público, - retórica – prova – persuasão2 2 Cfr. Idem ,Ibid, p.18 ( trato comum ou conjunto), é respeitante a decisões, escolhas, ao louvor, ao elogio, à censura, à acusação, à defesa. To eikon, cujo carácter discursivo é notório3 3 Cfr. Idem .Ibid. P.31/32 parece, segundo Ricoeur, ignorado por Aristóteles na Poética, admitindo o mesmo Aristóteles (Retórica, III, 4, 1406 b 24) o seu carácter poético. Ricoeur ressalva que, na Poética, Aristóteles faz outro uso do mesmo conceito. Na Retórica Aristóteles aproxima a metáfora da comparação:uma teoria da prova. Livro I da Retórica: a comparação está ligada à teoria da lexis e é inserida no âmbito da metáfora, sendo que a metáfora por analogia tende a identificar-se com o eikôn.. Não é a prova que concerne a Poética. À poesia cabe a mimesis das acções humanas; não lhe compete, na interpretação dada por Ricoeur, provar o que quer que seja: tendo um projecto mimético, tem como função a composição de uma representação essencial das acções humanas, representar a realidade por meio da ficção.4 4 Idem., Ibid,.p.19 Na tragédia a função da poesia consiste em mostrar actos humanos enaltecidos, paradigmáticos, modelares ou nobres, mostrar a verdade por meio do muthos trágico: o cerne do ser-se homem.5 5 Idem, Ibid., p. A mimesis aristotélica, de acordo com Paul Ricoeur, está afastada da concepção da metafísica platónica da imitação de arquétipos de um mundo inteligível; é, antes, tributária da metafísica de Aristóteles criando aquilo mesmo que imita, i.e., convertendo a potência em acto Isto acontece, em Aristóteles, embora implicitamente, a nível do discurso, nomeadamente a nível da metáfora. O poema trágico imita a natureza (physis), compondo e criando como ela. É neste sentido que é, de acordo com a metafísica de Aristóteles, o real em acto. Daí o valor que Paul Ricoeur entende atribuir-lhe afirmando que, cito: “a expressão viva é o que diz a existência viva.” Idem, Ibid., p.61 De acordo com Paul Ricoeur, a arte de falar bem está delimitada por cima por parte da filosofia e, lateralmente, por parte, por exemplo, da poesia. Cfr. Idem, Ibid.p.18Tanto na Poética, como na Retórica a metáfora é incluída por Aristóteles na rubrica da lexis, tendo, como aliás ficou dito, uma função poética e uma função retórica, todavia, acerca da noção de eikon há um desenvolvimento, na Retórica que não apresenta paralelo com aquele que acerca do mesmo conceito se apresenta na Poética. Cfr. Idem., Ibid.,p.19, nota 1,que é menos desenvolvido e diferente. Ao ligar a lexis à Poética Aristóteles começa por afastar os modos de elocução - a ordem, a oração (prece), a narração, a ameaça, a pergunta, a resposta (aquilo que Austin viria a designar como “actos ilocutórios” _ e que são, na terminologia de Aristóteles, ta skêmata tes lexêos, centrando-se, em vez disso, nas partes ou elementos constitutivos/constituintes da elocução - mérê - que,sendo ainda factos do discurso, relevam de uma segmentação deste mesmo. Cfr., Idem., Ibid., p.20Segundo Ricoeur a consequência, em termos de uma teoria da metáfora, de uma análise desta ordem, a saber, das partes ou constituintes da elocução, em confronto com a análise que versa sobre os modos de elocução, é a de que o elemento que ressalta como o elemento comum é o substantivo ou nome (onoma) um segmento de discurso que selará, na sua expressão para séculos a sorte da metáfora. Idem., Ibid., p.20 Ricoeur adverte: “resta saber”, especula, “se, com base nos exemplos e sob a sua forçosidade, uma teoria virtual da metáfora –discurso não fará romper com a teoria explícita da metáfora-substantivo” Idem., Ibid., p.20Creio, aliás, já ter referido isto mesmo. O substantivo (nome) será pois o nó entre a lexis retórica e a lexis poética ( pelo menos, de uma forma explícita).Eventualmente, a noção de logos seria útil no sentido da realização da transposição, já que o logos não é apenas um som complexo” como o nome/substantivo e como o verbo, mas ainda uma “ significação complexa” pois, acerca do logos, é dito: “ som complexo dotado de significado, do qual várias partes fazem sentido por elas mesmas”( Aristóteles, Da interpretação, parágrafo dois 1457 a 14-18) apud. Ricoeur Paul, Ibid., p.21. O substantivo é” um som vocal dotado de uma significação convencional, sem referência ao tempo, da qual nenhuma parte tomada separadamente possui significado”. ( Aristóteles, Da interpretação, 16 a 19-20) apud., Ricoeur Paul, Ibid., p.21. Resumindo: que é, então a metáfora, de acordo com a leitura que Ricoeur faz de Aristóteles? 1º. é: qualquer coisa que sucede/acontece ao nome/palavra/substantivo; 2º é definida em termos de movimento – phora – uma alteração segundo o lugar ( Aristóteles, Física, III, 1, 201 a 15; V 2, 225 a 32 b 2); 3º é uma transposição/ transferência, acontecendo que o uso corrente dasc palavras anuncia uma teoria geral dos deslocamentos Cfr., Idem, Ibid, ps.,24, 25, 26. A epiphora é qualquer coisa que afecta o nó semântico não apenas do substantivo (onoma) mas que designa a alteração de significado quer do nome; do verbo; quer de toda e qualquer entidade linguística enquanto tal. Cfr. Idem Ibid., pp.24, 25. A diferença específica da metáfora entre todos os deslocamentos resulta, não apenas em oposição a kurios ( comum, corrente), mas da sua composição com epiphora; opõe-se a kurios; compõe-se com epiphora ,i.e.,o sentido deslocado vem de outro sítio, vem de um domínio de origem.145 b 6.(Cfr. La métaphore vive, p.27) A ideia de allotrios implica, ou melhor, compreende, estas duas outras, a saber:a de afastar; a de tomar de...Para Paul Ricoeur, que o termo metafórico seja tomado (Vide, Aristóteles, Poética, definição de metáfora. “transferir para uma coisa um nome que nela designa uma outra.”145b 6-9) de um domínio estranho, não implica que seja substituto de uma palavra corrente que poderia ocupar esse lugar; ao cometer esse deslize semântico, sugere ainda Ricoeur, Aristóteles dará razão aos críticos modernos da teoria retórica da metáfora. Cfr. Idem ,Ibid., p.28 . Tratar-se-ia, assim de uma substituição. Ora, segundo Ricoeur, uma teoria puramente substitutiva da metáfora que lhe confere um valor, por assim dizer, decorativo, descura o seu valor ou função heurística que é, de acordo com Ricoeur, essencial. Há muitos exemplos de substituição, seja de Homero acerca de Ulisses: “Ulisses realizou milhares de excelentes actos.” Em vez de (anti) “muitos” . Em Aristóteles, é-nos dito por Paul Ricoeur, não aparece a oposição entre sentido próprio e figurado. A metáfora opera, pois, recapitulando, um intermédio de desconstrução entre descrição e redescrição. Foi, de acordo com Ricoeur, na retórica que a noção de metáfora se confinou à figura da quarta espécie, a única que faz expressamente referência à semelhança/analogia/proporção Idem., Ibid., p.32: “a idade madura está para a vida como o crepúsculo para o dia.”. Para Ricoeur importaria saber se a identidade ou semelhança esgota essa semelhança e se a transposição ou transferência não assenta também sobre a semelhança. Idem., Ibid., p.30 Uma das funções da metáfora, que lhe é atribuída por Aristóteles, é a de preencher uma lacuna semântica. Cfr., Idem, Ibid., p.29 Num certo número de casos/instâncias de analogia não existe nome que substitua o que, todavia, não impede o estabelecimento da relação de analogia. Cfr. Idem, Ibid., p.30 Anti: “em vez de” indica, em diversos casos, casos em que não se trata de pobreza de vocabulário, que é a própria classificação que surge desfeita. Na Poética, insiste-se, na óptica de Paul Ricoeur, mais no ganho semântico ligado à transferência dos nomes, do que aos custos lógicos da operação de transferência. Não é, pois, de pôr a tónica na palavra, ou na palavra única, mas em ambos os termos ou pares de relações implicadas pela operação de transferência. Cfr. Idem., Ibid., p.31 Devemos, continua, entender bem que a metáfora dá ou traz uma informação ao re-descrever a realidade, nisto consistindo a sua função heurística. Tal função só se torna clara quando, além de ser reconhecido o carácter de enunciado da metáfora, consideramos essencialmente a sua pertença à ordem do discurso e da obra. Cfr. Idem., Ibid., p.32. A metáfora, como faz notar Gadamer, citado por Ricoeur, engendra uma nova ordem através do deslocamento assentando, todavia, obviamente, sobre a linguagem que é o seu pressuposto ou que está subjacente ou suposta e, na ausência da qual seria inimaginável, na prática impossível, o afastamento em que, como vimos, consiste a metáfora: metaforizar bem consiste em servir-se de maneira conveniente dos processos da lexis. É aquele ou aquela que usa a metáfora que pode ser capaz ou incapaz de ensinar. Cfr., Idem., Ibid., pp.32,33 Ideia de transgressão categorial: para afectar uma única palavra, a metáfora desloca uma rede de palavras por meio de uma atribuição aberrante ( paradoxal=desviante) .O deslocamento é um desvio. O desvio ameaça a classificação produzindo sentido. Cfr. Idem., Ibid.,, p.31 Na Retórica Aristóteles aproxima a metáfora da comparação, aproveitando o valor instrutivo da metáfora. Cfr. Idem., Ibid.,p.32. A ordem procederá, pergunta Ricoeur, da constituição metafórica dos campos semânticos? Campos semânticos esses a partir dos quais há géneros e espécies. Crf.Idem., Ibid., p.33 A dinâmica da metáfora consiste em detectar semelhanças. Idem., Ibid., p.34 Não estará o semelhante nos quatro tipos de metáfora como princípio positivo face ao qual a transgressão categorial era o princípio negativo? Cfr. IDEM., ibidem,pp34 Aquilo que estabelece um paralelo entre a metáfora e a comparação é, afirma Paul Ricoeur, o carácter discursivo de ambas: “ como um leão, lançou-se”. A comparação explicita esta aproximação entre o “tirar de” (emprunt) e o afastamento (écart). Cfr., IDEM, ibidem, pp35 Livro I da Retórica: uma teoria da prova; a) pelo exemplo:1) histórico; 2) fictício, ainda: pela comparação ( eikôn). Sob a designação de eikôn a outra parte do Livro I da Retórica liga-se à teoria da lexis. A comparação é uma metáfora desenvolvida. Colhe-se a identidade na diferença entre os dois termos, sendo a colisão semântica dotada de um carácter instrutivo e dinâmico.É dito na Retórica que é precisa sagacidade para perceber o semelhante, mesmo nas coisas que estão afastadas Vide Ricoeur, ibidem,pp.40. Por que motivo, questiona Ricoeur, diz Aristóteles que o eikôn tem: “um carácter poético” (III,4, 1406 b 24) ignorando-o, todavia, na Poética? O único uso do termo eikôn na Poética não tem nada que ver com a comparação 1448 b10, 15. IDEM, ibidem, pp39 Este é um problema que Ricoeur coloca. Para Paul Ricoeur, segundo Aristóteles a metáfora é uma comparação implícita uma relação a dois termos como aquela que conduz à metáfora proporcional: “ o escudo é a taça do deus da guerra.” Cfr., IDEM., ibidem,pp36 Ricoeur cita Aristóteles: “ a maior parte das palavras boas fazem-se por metáfora e extraem-se de uma ilusão em que tínhamos lançado o auditor: torna-se para ele mais manifesto que ele compreende quando passado estado de espírito oposto àquele em que estava. O espírito, então, parece dizer - sim, era isso (era verdade), mas eu tinha-me enganado - do mesmo modo, os enigmas bem escondidos são agradáveis pelo mesmo motivo, pois que nos ensinam alguma coisa e possuem a forma de metáfora. Aristóteles, Retórica., III,apud. Ricoeur, Paul, ibidem,pp39 - To eikôn (comparação): De Aquiles: “ como um leão, lançou-se” - “o leão(Aquiles) lançou-se” - ver duas coisas numa só. O eikon: “diz-se sempre a partir de dois ( dois termos, obviamente), como a metáfora por analogia Cfr. IDEM., ibidem, pp36.”Aproximação dos termos:1) surpreende; 2) causa perplexidade; 3) detecta/descobre um parentesco. Seis vezes é marcada por Aristóteles a subordinação da comparação à metáfora. Cfr. Idem., Ibid., p.35 Na Rétorica a comparação está ligada à teoria da lexis e é inserida por Aristóteles, afirma Paul Ricoeur, no âmbito da metáfora; a metáfora por analogia tende a identificar-se com o eikôn. Cfr., Idem., Ibid.,p.36 Só a partir de Quintiliano é invertida, segundo Paul Ricoeur, a relação: comparação/metáfora, passando a segunda a estar subordinada à primeira. Aristóteles coloca a retórica no âmbito da lógica, ao conferir-lhe o estatuto de uma teoria da prova, e, daí não realiza um corte entre a primeira e a totalidade da filosofia. É certo que a põe no plano das verdades de opinião. Ele distingue-a da dialéctica.. A retórica antes de mais a situações concretas da vida ( no caso, da vida da pólis). A ênfase recai sobre o carácter público e dialogal do discurso. Porém, Ricoeur afirmara atrás que a retórica não se dá num vazio de opinião mas num plenum de saber - se bem que este seja: o das opiniões mais prováveis, admitidas pelo maior número, ideias admitidas. Cfr., Idem., Ibid.,pp.41, 42,43.o Para Aristóteles, de acordo com Ricoeur, a retórica é uma technê. O estatuto da retórica como technê ( técnica específica do persuasivo enquanto tal) opera uma ligação entre os dois conceitos a saber, o da persuasão e o da verosimilhança. Existem tantas technai quantas as actividades criativas; uma technê é, em Aristóteles superior a uma rotina ou prática empírica pois, apesar de dizer respeito a uma produção, é um método contendo, como tal, um elemento especulativo, viz., uma investigação teórica sobre os meios aplicados à produção em causa; sendo uma técnica da prova, a retórica alia-se à dialéctica. Para Ricoeur, aqui está a genialidade de Aristóteles, quanto à matéria da reabilitação da retórica. A dialéctica aristotélica: será, assim, a teoria geral da argumentação na ordem do verosímil; a prova aparece como um género de demonstração; a demonstração retórica é o entimema, sendo este “um silogismo de uma certa espécie ( I, 1, 1355 a 3-5). Vide Idem., Ibid.,p.42 A parecença entre a retórica e a dialéctica é tratarem de verdades de opinião aceites pelo maior número ( de pessoas, evidentemente). Idem., Ibid., p. 42, nota 2 Diferem, pois a retórica aplica-se a situações concretas: a deliberação de uma assembleia; o julgamento num tribunal; o exercício público do elogio ou da censura. Uma retórica apoiada na arte da prova estará atenta a qualquer situação em que seja preciso chegar a um juízo ( krisis) –I, 1,1354 b 5 . Enquanto disciplina argumentativa, a retórica está voltada para o auditório Cfr., Idem., Ibid., p.43, em suma, mantém-se numa dimensão intersubjectiva, na dimensão dialógica do uso público do discurso. O grau de verosimilhança é equacionado tripartidamente: 1º. matéria em discussão; 2º locutor; 3º auditório. Não se trata de uma técnica vazia e formal. Liga-se aos conteúdos, às opiniões mais prováveis. Possui um alcance eminentemente intersubjectivo. Ricoeur dá-nos a definição aristotélica da retórica: “ faculdade de descobrir especulativamente aquilo que, em cada caso, pode ser adequado à persuasão.” Retórica, 1355 b 25-26 e1356 a 19-20 ; trata-se de uma disciplina teórica de tema indeterminado aferida pelo critério (neutro) do pithanon, i. e., do persuasivo enquanto tal. cfr., Idem., ibidem., p.44 Além da descoberta de argumentos pelo orador ( eurêsis) compete-lhe: “ apresentá-los devidamente”. Aristóteles, Retórica, III, 1,1403 b 15-18. apud., Idem.,ibidem., pp.45,46. Aquilo que não parece forte a Ricoeur no argumento de Aristóteles é a ligação entre peisteis (as provas) e a lexis. À lexis Aristóteles opõe as próprias coisas –ta pragmata Aristóteles, Retórica, III, 1, 1403 b 19-20. apud., Idem.,iIbidem., p.46. A lexis seria uma espécie de manifestação do pensamento ligada a qualquer empreendimento cuja finalidade fosse a da instrução. Reitera-se: “ quando, como em geometria, aquilo que importa é exclusivamente a prova, não é da lexis que nos ocupamos; porém quando a relação face ao auditório passa para primeiro plano, é assim (subentenda-se, pela lexis) que ensinamos. Cfr., Idem., Ibid., p.46. Entra em cena um compromisso difícil de gerir entre a lógica e a violência; é uma prova que joga com a persuasão; um discurso em que não está em jogo apenas o quê mas o como. Quando a persuasão se liberta da preocupação relativa à prova, é possível que o desejo de seduzir e agradar passem para primeiro plano. Será um problema de uso (khrêsthai); prepontôs khrêsthai: bem metaforizar, i.e., servir-se convenientemente dos processos da lexis. Cfr. Idem., Ibid., p.33 Que o desejo de seduzir e agradar passem para primeiro plano é uma possibilidade inscrita desde o início no projecto retórico; resurge no próprio cerne do tratado de Aristóteles como inevitável. Diz Aristóteleles que, efectivamente, “ o estilo pode”, cito, “atraiçoar o pensamento”. Retórica, III, 1, 1404 a 1819. apud Ricoeur, ibidem,pp47 As qualidades( Ricoeur designa-as como:virtudes) da lexis retórica ( Vide Retórica III), nomeadamente, da metáfora inserida num contexto retórica são: ser clara: é clara a expressão que mostra;( Retórica, III, 2,1 ) não ser fria, ser dotada de calor; ( Retórica, III, 3,1) possuir amplitude;( Retórica,III, 6,1) ser adequada, conveniente; ( Retórica, III, 7,1 ) mas, principalmente: ter “palavras boas”( Retórica, III, 10,1 ) Aristóleles considera desajustado utilizar palavras demasiado poéticas em prosa; em tal contexto, em seu entender, elas não conduzem à persuasão (apithana). Cfr. IDEM, ibidem, pp.48 Enquanto que, em Platão, a definição se encontra no culminar do processo dialéctico, tal não sucede em Aristóteles. Encontramo-la, em Aristóteles, no início do processo científico; se as palavras têm mais do que um sentido, o seu uso, na ciência, admite apenas um. É a divisão das ciências que define este uso normativo e, tanto a retórica como a poética são technai, implicam a produção, neste caso uma mimesis i.e.: produzir (alguma coisa). IDEM., ibidem, pp.54.-. não apresentando as conotações negativas de cópia degradada da cópia (interpretação platónica estandardizada).Também, para Aristóteles, interpreta-se comummente que estas ciências são inferiores quer quanto às ciências teóricas - o que resulta praticamente indiscutível; quer quanto às ciências práticas que, sendo ainda produção, não são produção de algo exterior ou externo que se desliga integralmente do próprio produtor. Na tragédia – definida como imitação dos homens agindo ( 1448 a 1 e ainda a 29 e trata-se de acções dos homens superiores - é o muthos que é a mimesis; mito singular, aponta Ricoeur, que compõe e constrói aquilo que imita. IDEM, ibidem,pp.55 Entretanto, Ricoeur lê a Poética no sentido de procurar aí as condições da lexis. Dentre elas, considera como condição mais próxima o próprio poema trágico tomado como um todo. Cita então Aristóteles: “ [ ... ] necessariamente há, em toda a tragédia, seis partes constitutivas (merê) que fazem que seja assim ou de outro modo: estas são a fábula (muthos), as personagens (êthê), a elocução (lexis), o pensamento (dianoia), o espectáculo (opsis) e o canto (mélopoia)” - 1450 a 7-9 -. A lexis poética consiste no “conjunto dos versos” - 1449 b 39. Tal como a palavra era uma parte da lexis, esta é uma parte da tragédia, i.e., do poema trágico. - 1447 a 13. Cfr. IDEM, ibidem, pp51 O pensamento é o que diz uma personagem para argumentar a sua acção; está, para a acção, como a retórica e a política estão para o discurso. Entre o muthos e a tragédia há não uma relação de meios a fim, mas uma relação essencial. Existe proximidade entre o muthos do poema trágico e a lexis, onde se inscreve a metáfora. O traço fundamental do muthos: arranjo; encadeamento; ordem: do espectáculo; coerência da personagem e, finalmente, encadeamento dos versos; discursividade do carácter e dos pensamentos. A lexis procede dia tês onomasias hermêneian = interpretação linguística. Nos termos de Ricoeur,  «interprétation langagière » IDEM, ibidem,pp.52O traço fundamental do mito é a sua urdidura, trama, enredo; a discursividade da acção passa pelo encadeamento dos pensamentos, ainda: pelo arranjo/composição dos versos. Segundo Derrida, citado por Ricoeur, sem a diferença entre dianoia e lexis não haveria espaço para a tragédia. IDEM, ibidem, pp.53. Nota 1. A lexis, ao articular-se com o muthos, torna-se uma parte da tragédia: “ qual seria a obra própria da personagem que fala se o seu pensamento fosse manifesto e não resultasse da sua linguagem”? - 1456 b 8 -. Então a lexis, reafirma-se, será: exteriorização e explicitação da ordem interna do muthos. Aristóteles, segundo Paul Ricoeur, serve-se do conceito de imitação mas não o define, se entendermos apenas definição como definição por género próximo e diferença específica; Ricoeur salvaguarda que tal conceito é, contudo, perfeitamente definido por enumeração das suas espécies. Assim, temos mimesis como: poesia épica; tragédia; comédia; poesia ditirâmbica e ainda composições para flauta e lira. IDEM, ibidem,pp.54-55 O muthos trágico põe, então, a metáfora, já não a nível do substantivo, mas do poema na íntegra, tendo aqui a imitação que enaltece um alcance global comparável ao que possui a persuasão na retórica. “ uma imitação que enaltece” –1448 a 17-18; 1448 b 24-27; 1449 a 31- 33 1449 b 9 apud., IDEM, ibidem,pp. A tese de Ricoeur é a seguinte, a saber, a metáfora liga a plenitude semântica à plenitude natural “ l’art imite la nature” - a arte imita a natureza. Em quê? No sentido teleológico da filosofia aristotélica: “ c’est de la nature que l’art tire d’avoir un fin”. Cfr. IDEM, ibidem, pp 59 Comentário Já vimos que aqui imitação não tem a conotação pejorativa que usualmente se lhe dá. Trata-se, na leitura que Ricoeur faz de Aristóteles, de uma estranha imitação que cria aquilo mesmo que imita; é dotada de um dinamismo interno nela marcado pelo artesão de fábulas. Talvez dinamismo interno se aplique com maior propriedade à natureza (phusis), pois essa desenvolve-se por si mesma no sentido de consumação de finalidades. PAGE 1