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19&20 - A pena e o pincel: o Projeto de Lei de Pedro Américo sobre a propriedade artística e literária e o diálogo entre política, dir…
A pena e o pincel: o Projeto de Lei de Pedro Américo sobre a
propriedade artística e literária e o diálogo entre política, direito,
história e arte
Madalena Zaccara[1], Valéria Augusti[2] e Marcílio Toscano Franca
Filho[3]
ZACCARA, Madalena; AUGUSTI, Valéria; FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. A pena e o
pincel: o Projeto de Lei de Pedro Américo sobre a propriedade artística e literária e o diálogo entre
política, direito, história e arte. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/criticas/pa_direito.htm>. [English]
*
*
*
Sobre leis e artes - à guisa de introdução
1.
Por muitas e distintas razões, o Estado sempre esteve bastante próximo das artes e dos
artistas, quer como mecenas, divulgador ou incentivador, quer como agente regulador,
censor ou mesmo colecionador. As relações entre arte e Estado dariam certamente uma
larga enciclopédia, que perpassaria áreas inteiras do Direito Público e do Direito
Privado, para não falar de outros extensos campos do saber ligados à Sociologia, à
Ciência Política, à Antropologia e à Estética.
2.
Tomando-se apenas a específica seara de atuação do Poder Legislativo no Brasil,
constata-se que não é de hoje que o Estado brasileiro preocupa-se em definir, regular e
proteger os interesses de autores de obras estéticas. Já na Lei de 11 de agosto de 1827,
que criou os cursos jurídicos no país, e no Código Criminal do Império (Lei de 16 de
dezembro de 1830) havia referência à regulação nas esferas cível e penal. Com efeito,
ainda se referindo a “privilégio” e não a “direito”,[4] o art. 7º da lei que instituiu as
primeiras Faculdades de Direito no Brasil (um na cidade de São Paulo e outra em
Olinda) afirmava:
3.
Art. 7.º - Os Lentes farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os
arranjarão, não existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accôrdo
com o systema jurado pela nação. Estes compendios, depois de approvados pela
Congregação, servirão interinamente; submettendo-se porém á approvação da
Assembléa Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer ás escolas, competindo
aos seus autores o privilegio exclusivo da obra, por dez annos.[5]
4.
Três anos mais tarde, o Código Criminal do Império incluiu entre os seus tipos penais
contra a propriedade o seguinte dispositivo:
5.
Art. 261. Imprimir, gravar, lithographar, ou introduzir quaesquer escriptos, ou
estampas, que tiverem sido feitos, compostos, ou traduzidos por cidadãos
brasileiros, emquanto estes viverem, e dez annos depois da sua morte, se deixarem
herdeiros.
Penas - de perda de todos os exemplares para o autor, ou traductor, ou seus
herdeiros; ou na falta delles, do seu valor, e outro tanto, e de multa igual ao
tresdobro do valor dos exemplares.
6.
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7.
8.
Se os escriptos, ou estampas pertencerem a Corporações, a prohibição de
imprimir, gravar, lithographar, ou introduzir, durará sómente por espaço de dez
anos.[6]
Conforme se pode notar, tornado independente em 1822, o Brasil já demonstrava,
desde muito jovem, uma crescente, ainda que ineficaz, preocupação em regulamentar os
direitos de autor. Bem assinala o Prof. Carlos Alberto Bittar que aquela preocupação
mantinha justa fundamentação:
9.
10.
Editados os textos citados, nos dois planos, sentia-se no seio do Legislativo, a
necessidade de regulamentação legal dos direitos autorais no âmbito civil, por
meio de diploma específico, em que se traçassem suas linhas básicas, a exemplo de
outros países, como a Bélgica e a Itália, que, em meados do século passado [séc.
XVIII], já contavam com lei própria para a matéria. Disso se conscientizou o
nosso legislador a partir da constatação de que o progresso intelectual do país
estava na dependência dessa regulamentação, como estímulo para o surgimento de
novas produções nos domínios da literatura, das artes e das ciências.[7]
É nesse ambiente que surgem não apenas os primeiros projetos de lei a regular a
matéria autoral - tais como os dos deputados Aprígio Guimarães (1856), Gavião Peixoto
(1858), do também romancista José de Alencar (1875), do senador Diogo Velho (1886),
do deputado Augusto Montenegro (7 de agosto de 1893) e de Pedro Américo de
Figueiredo e Mello (12 de julho de 1893) - mas também alguns acordos internacionais
sobre a matéria de que o Brasil toma parte – como o celebrado com Portugal em 09 de
setembro de 1889 (internalizado pelo Decreto nº 10.353, de 14 de setembro de 1889)[8]
e a convenção literária celebrada com a França em 31 de janeiro de 1891 (que não foi
recepcionada pelo parlamento brasileiro).[9]
11.
O presente artigo não tem outro objetivo senão jogar algumas luzes sobre aquele
projeto de lei subscrito pelo pintor e deputado paraibano Pedro Américo, refletindo
sobre a sua atuação, no parlamento, na seara dos direitos de autor. Esse objetivo é
justificado pela posição destacada que Pedro Américo ocupa no panorama artístico
brasileiro. Autor de quadros que compõem a própria identidade visual da nação (como
chamado O Grito do Ipiranga [Figura 1] e Tiradentes Esquartejado [Figura 2]), Pedro
Américo de Figueiredo e Mello nasceu na cidade paraibana de Areia, em 29 de abril de
1843, e veio a falecer em Florença (Itália), em 7 de outubro de 1905.
12.
Quando o naturalista francês Louis Jacques Brunet chegou à sua cidade natal, na
região húmida do Brejo paraibano, capitaneando uma expedição cientifica que fazia
pesquisas para o Museu Nacional, nela encontrou o menino conhecido por fazer retratos
com grande apuro técnico de um frade capuchinho considerado santo pelos moradores
da região. Foi graças a esses retratos que Pedro Américo se integrou à expedição por
aproximadamente 20 meses.[10] Desse encontro resultou a recomendação do jovem ao
presidente da Província da Paraíba e, por conseguinte, ao Ministro dos Negócios do
Império, que, por sua vez, o recomendou ao Imperador, tornando possível sua matrícula
na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, nos idos de 1854.
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13.
Cinco anos depois, Pedro Américo solicitava ao Imperador uma bolsa de estudos no
valor de 400 réis mensais para estudar na Europa. Tinha, a essa época, 16 anos de idade
e levava na algibeira uma carta de seu antigo professor, o importante pintor Manoel de
Araújo Porto-Alegre. Após temporada de estudos na França e na Itália, Pedro Américo
retornou ao Brasil, em 1864, a contragosto, para ministrar aulas na Academia Imperial
de Belas Artes. Não demorou muito para pedir uma licença sem vencimentos e retornar
à Europa, doutorando-se, dali a três anos, na Faculdade de Ciências da Universidade de
Bruxelas, com uma tese sobre “A Ciência e os Sistemas: Questões de História e
Filosofia Natural,”[11] sendo convidado para tornar-se professor da Universidade de
Bruxelas. Em 1869, retornou novamente ao Brasil, mas não sem deixar de pendular
ainda muitas vezes sobre o Atlântico, em direção ao Velho Continente, até a sua morte.
[12]
14.
Foi justamente num desses períodos em que deixou a Europa de que tanto gostava,
logo após a proclamação da República (1889), que Pedro Américo elegeu-se deputado
pelo Partido Republicano da província da Paraíba. É sobre essa etapa final de sua vida,
como parlamentar do regime republicano e legítimo representante das classes artísticas
no parlamento brasileiro, que o presente trabalho se debruça a partir de agora.
Pedro Américo, a República e a sua reinvenção como parlamentar
15.
A queda da monarquia brasileira em 1889 não foi uma surpresa. Em suas raízes, o país
não possuía uma verdadeira tradição monarquista e o ideal republicano sempre esteve
presente de um modo ou outro. Além disso, a monarquia brasileira foi uma exceção no
panorama da América do Sul. Por outro lado, a manutenção de características coloniais,
com base no latifúndio monocultor escravista, representava um sério obstáculo para o
progresso urbano-industrial do país. O crescimento do processo abolicionista e o seu
fortalecimento trabalharam em detrimento do regime monárquico e dos interesses da
oligarquia embasada no trabalho escravo. O antagonismo do novo (urbano-industrial e
abolicionista) ao arcaico (agroexportador e escravista), associado a outras questões
estruturais, como as restrições que a igreja e o exército passaram a fazer ao centralismo
monárquico, determinaram a passagem da Monarquia para República, por meio de um
golpe de Estado executado no dia 15 de novembro de 1889. Naquele momento, a
oligarquia tradicional, escravista, apesar de uma aparente contradição, aderiu ao golpe
uma vez que o império havia abolido a escravidão sem qualquer indenização aos
proprietários desse tipo de mão de obra.
16.
17.
Os conflitos entre os dois partidos que alternavam o poder durante o império, o Liberal
e o Conservador, também contribuíram para a queda do regime. Alguns liberais
descontentes fizeram aliança com os republicanos, ainda pouco organizados, e criaram o
Partido Republicano em 1870. A imprensa, em geral, aproveitava-se da tolerância do
imperador e de uma constituição liberal para fazer publicidade do sistema republicano.
A vitória do Brasil na Guerra do Paraguai também foi decisiva para a ascensão da
República, os militares, orgulhosos de seus feitos, queriam uma maior participação
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política. Somando-se essas múltiplas circunstâncias, tornou-se, portanto, inevitável uma
ruptura com o sistema governamental imperial. A população, entretanto, não participou
do nascimento da República. O povo não se interessava por essas mudanças. Pedro II
era bem visto por grande parte da sociedade, excetuando-se certas classes médias
(urbanas, abolicionistas, industriais e comerciais), e as transformações chegaram, como
sempre, de cima para baixo. O imperador e sua família foram banidos. Exilaram-se na
Europa, morrendo a Imperatriz Tereza Cristina em dezembro de1889, na cidade do
Porto, e o imperador em Paris, dois anos depois. Foi somente em 3 de setembro de 1920
que o decreto de banimento foi revogado pelo então presidente Epitácio Pessoa, outro
paraibano como Pedro Américo.
18.
A proclamação da República no Brasil foi, portanto, um produto das elites. Era
necessária, entretanto, uma espécie de legitimação do novo poder por meio da
popularização de seu ideário e a formação de uma imagem republicana para consumo
interno, o que se tornou a meta da Primeira República. Três correntes disputavam a
definição da natureza ideológica no novo regime: o liberalismo americano, o
jacobinismo francês e o positivismo.[13] Essas três ideologias se opuseram
intensivamente desde o início da República. Tudo terminou, porém, com a consolidação
posterior da primeira alternativa: o liberalismo.
19.
Os positivistas formaram o grupo mais ativo e mais belicoso na tentativa de tornar o
regime republicano não somente aceito pela população como também amado pelo povo
que, de início, não o desejava. Suas armas foram a literatura e os símbolos cívicos. A
falta de identidade republicana provocou a necessidade da criação de uma iconografia de
persuasão da população brasileira que tinha como objetivo principal educar a “alma” do
povo propagando valores políticos e morais que concorreriam para a afirmação do
regime em processo de solidificação. À semelhança do que se viu na Itália e na
Alemanha da primeira metade do século XIX, essa necessidade se refletiu em uma
predileção por uma temática relacionada à história do nacional com amplo uso de uma
linguagem alegórica. Entre os símbolos utilizados na educação da retina para a aceitação
da República, um dos mais importantes foi a figura de Tiradentes[14] que representava o
Cristo, o herói cívico, o mártir e o libertador, civil e militar, um símbolo da pátria e, ao
mesmo tempo, da subversão republicana. Essa iconografia projetada fez parte da batalha
para a conquista de uma imagem pelo novo sistema político.[15]
20.
Pedro Américo participou ativamente deste processo. Ele trabalhou para a república
como havia trabalhado para a monarquia. Suas concepções artísticas vão refletir também
essa mudança política brasileira. Em 1889, o golpe militar que instituiu a república
surpreendeu Pedro Américo em Florença em vias de iniciar um quadro comemorativo da
abolição da escravatura encomendado pelo governo imperial de D. Pedro II. Os
trabalhos foram, naturalmente, interrompidos. Américo necessitava, porém,
urgentemente, de se libertar de sua imagem de protegido do imperador exilado e tomar
lugar junto ao novo poder: era uma questão de sobrevivência. Sua habilidade política se
manifestou mais uma vez nessas circunstâncias e ele, que apesar de ter-se beneficiado
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enormemente sob o império sempre manteve suas ligações com os republicanos, contava
com muitos amigos estabelecidos junto ao novo governo do Marechal Deodoro da
Fonseca. Para assegurar uma posição nesse quadro de poder, era necessário agir
rapidamente e, afinal, Américo nunca fora de hesitar.
21.
Um de seus primeiros passos foi executar o quadro que havia prometido fazer
gratuitamente alguns anos antes para o antigo regime. Ele o pintou com grande rapidez.
Em abril de 1890 a secretaria do novo governo acusa a recepção da tela Voltaire abençoa
em nome de Deus e da liberdade o neto de Franklin [Figura 3].[16] 16 Um trabalho
concebido com uma temática politicamente correta para os novos tempos.
22.
Os primeiros tempos republicanos não foram favoráveis às artes de uma maneira geral.
As elites políticas brasileiras estavam ocupadas em consolidar o regime e não existia
mais o mecenato de Pedro II. Por outro lado, as classes médias brasileiras não eram
suficientemente esclarecidas ou endinheiradas para se interessar por artes visuais no
sentido de patrociná-las. Pedro Américo enfrentou essa nova realidade: ele havia
pintado, em Florença, uma série de trabalhos envolvendo uma temática voltada para a
execução de animais exóticos, frutos prováveis de anotações feitas em seus tempos de
juventude na Argélia. A partir desses trabalhos ele montou, talvez, uma das primeiras
mostras voltadas para a classe média brasileira, expondo numa loja, La Glace Elegante,
que fez às vezes de galeria de arte no Rio de Janeiro. Ninguém comprou nenhuma peça.
Somente um ladrão, digno de nota, se fosse conhecida sua identidade, fez caso da
pintura no Brasil republicano: roubou uma pequena tela.[17] Já era alguma coisa em
termos de “saída”. É com esse pano de fundo de “resfriamento” do mercado nacional de
artes que Pedro Américo ingressa na Câmara dos Deputados.
23.
Na verdade, a veia político-partidária de Pedro Américo começa a ganhar maior
expressão ainda no império, no final do século XIX, justamente depois que a reforma
eleitoral de 1881 democratizara (levemente) o voto.[18] Em abril daquele mesmo ano,
ele escreveu para seus amigos e familiares e pediu ajuda para uma possível candidatura.
[19] Mais tarde, enviou um manifesto de Florença, datado de 20 de junho de 1881,
endereçado aos chefes políticos de sua província natal. Neste documento, pedia ajuda
dos representantes do Partido Conservador para obter uma cadeira no parlamento:
24.
25.
[...] Conhecendo assim os grandes serviços que tem ahi prestado o partido
conservador a causa pública, como a justiça e equidade com que há procedido na
applicação do seu programma, é sob o glorioso lábaro de seus representantes que
desde já me colloco [...].[20]
Em 16 de julho de 1881, fez outro apelo, dessa vez destinado aos moradores da sua
cidade de Areia. Nele, apresenta sua plataforma política, discorrendo sobre o seu amor
pela cidade natal e afirmando que, enfim, poderia colaborar para o desenvolvimento da
região, pois a legislação havia mudado e permitia o acesso ao voto popular de operários
como ele:
26.
Filho estremecido da Parahyba do Norte, d´onde poderosas circunstâncias me
teem afastado, [...] eu não interromperia por certo o fio das minhas occupações
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estheticas e das minhas pesquisas scientificas, a obra a um tempo civilizadora e
deleitável que empreendi, não acudiria à voz que me convoca à arena dos
combates políticos, se em mim o sentimento patriótico não sobrelevasse as
considerações pessoais. [...] A legislação porem desse paiz em que eu tinha fixada
a minha mente como um astro de alento era um obstáculo invencível para que a
mim, simples operário do verdadeiro e do bello fosse permitido collaborar
diretamente com o estadista e o soldado no aperfeiçoamento e exortação da Pátria.
[21]
27.
Alguns meses após haver escrito aos conservadores, ele se comunicou novamente com
seus familiares afirmando que também aceitaria a oferta dos liberais para representá-los,
se isso acontecesse “ou apresente-me como candidato pelo círculo que melhor
convier.”[22] Suas ações nesse sentido demonstram, assim, enorme “pragmatismo” e
pouco apego a qualquer ideologia política.
28.
Criado em 1870, o Partido Republicano, no qual ele tinha numerosos amigos e pelo
qual seria eleito deputado durante a I República, já existia naquela época. Não se
conhece, porém, qualquer manifestação pública de Pedro Américo em relação aos
republicanos, durante o segundo reinado. Essa dubiedade comportamental resultou em
vários desentendimentos com os seus amigos. Em resposta a uma carta de Daniel Ferro
Pedro Cardoso, republicano convicto, Américo se defende das acusações em que este
lhe reprova o servilismo em relação à família imperial. O pintor refuta as acusações e
diz que no palácio real lhe acusam exatamente do contrário: ser republicano e ingrato
em relação aos favores recebidos do imperador:
29.
Você me acusava de bajulação para com a família imperial, de parecer muito
diverso do seu e dos nossos amigos de idéias adiantadíssimas [...], pintaram-me no
paço com as cores do peor republicano e ingrato. Ingrato era eu, pois para muitos
dos meus melhores conhecidos porque não amaldiçoava a monarchia, ingrato me
chamavam os monarchistas porque não rompia com meus antigos afectos.[23]
30.
De fato, Américo era uma pessoa pública que ora se declara disponível aos
conservadores, ora aos liberais, aceitava apoio dos monarquistas e republicanos e não
tomava partido público por nenhuma das facções. Não havia, assim, qualquer coerência
ideológica em seu comportamento político.
31.
De Florença, Pedro Américo redigiu um manifesto datado de 15 de fevereiro de 1890
no qual, entre críticas ao antigo regime e exaltação ao novo, propunha representar na
nova assembleia constituinte os artesãos e operários em geral:
32.
Não conheço entre os antigos directores da política da nossa pátria nenhum
homem que comprehenda a importância do artista brasileiro. Acostumados às
luctas exclusivamente partidárias, e aos sophismas da demagogia imperial
progenitora da descrença e do desanimo nacionaes, quase todos se distinguiram
pelo desdém voltado aos representantes da actividade artística, e premiaram com o
mais absoluto desprezo a maior parte daquelles de quem, muitas vezes,
dependeram os seus triumphos. [...] A proclamação do regimem democrático no
Brasil deve banir do nosso solo até os últimos vestígios desse espírito dissolutor e
immoral, a que deve o brasileiro o desânimo que o imobilizava, e esse Estado o seu
atrazo, a sua pobreza e a sua absoluta decadência [...] Acostumado às luctas do
pensamento, aos combates e a adversidade, à independência das palavras e das
ações, forte pela segurança de poder viver honestamente em qualquer parte do
mundo sem jamais ser pesado aos cofres do meu paiz, nem carecer embair a
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opinião pública para obter a glória que só esperei do meu trabalho, eu tenho pois
razão para esperar de Voz a alta distinção de vos representar no seio da próxima
Assembléia Constituinte. [...][24]
33.
Suas palavras, apesar de escritas em um momento de luta pela sobrevivência, não
passam uma imagem de lealdade. Ele não apenas se posiciona de maneira positiva em
relação ao novo regime como também nega seus vínculos anteriores com o império e o
tenta denegrir, maximizando uma independência pessoal que realmente nunca existiu,
uma vez que, desde a sua infância, dependeu das benesses do regime imperial. Após
essas medidas de emergência, Américo parte para o Brasil.
34.
Neste mesmo ano ele é eleito deputado constituinte pela sua província natal, a
Parahyba do Norte, pelo Partido Republicano, tendo o futuro presidente da república
Epitácio Pessoa como colega de bancada. Faz as malas, deixa Florença com a família e
se instala no Rio de Janeiro na Rua do Lavradio n. 69[25] para exercer suas novas
funções. Durante seu mandato apresenta alguns projetos ligados às artes e à cultura.
Entre eles, a proposta da fundação de uma Galeria Nacional de Belas Artes
(independente, artística e financeiramente, da proposta da Escola Nacional de Belas
Artes), a proposta de criação de um teatro nacional, um projeto sobre a criação de
universidades no Brasil e o tal projeto de lei sobre os direitos autorais.
35.
Mas, na verdade, Pedro Américo foi muito mais espectador que ator no cenário
político brasileiro da Primeira República. O país não o atraíra nem durante a monarquia
nem durante o novo regime, pois a cada recesso da Assembleia e, algumas vezes, em
plena atividade desta, ele fugia do Brasil e retornava a Florença. Após o casamento de
sua única filha, Carlota, com seu futuro biógrafo Cardoso de Oliveira, Pedro Américo
deixou o país, retornando somente em 1892 para ocupar temporariamente seu posto. Em
1893, findo seu mandato de deputado, nada o motivou mais a permanecer no Brasil. Não
queria viver em um lugar que ele não amava e que não lhe proporcionava maiores
possibilidades, no sentido de um mercado farto para o seu trabalho. Voltou para a Itália
definitivamente.
O deputado Pedro Américo e o Projeto de Lei sobre Direitos Autorais
36.
Numa edição de setembro de 1892, lê-se no jornal “Le Droit d'Auteur”, órgão oficial
da então Union Internationale pour la Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques,
que, em 31 de janeiro de 1891, na cidade o Rio de Janeiro, os governos de Brasil e
França assinaram uma Convenção Literária que rendeu vívidos debates:[26]
37.
[...] Le 31 janvier 1891 un projet de convention, littéraire, artistique et
scientifique, était signé, à Rio de Janeiro entre M. Bocayuva , alors ministre des
affaires étrangères du gouvernement provisoire de la République du Brésil, et M.
Blondel, notre chargé d'affaires en ce pays. Dès l'abord le projet qui protégeait les
droits de nos nationaux fut accueilli de façon favorable par la presse brésilienne, et
par la jeune école littéraire du pays, qui comprenaient, quels immenses services
notre littérature avait rendus et devait rendre encore au Brésil, et appréciaient le
dommage subi par nos auteurs, dramatiques, et par nos romanciers qui ne
retiraient aucun profit de la vulgarisation considérable de leurs oeuvres soit dans
les théâtres, soit dans lés journaux du pays. D'un autre côté, le projet de convention
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rencontra une assez vive opposition dans le vieux parti brésilien, opposition qui,
sans aucun doute, ne saura avoir une influence sérieuse dans la discussion
générale qui doit avoir lieu le mois prochain devant le Congrès, des, députés tenu à
Rio de Janeiro. Un dès, esprits les plus éclairés du Brésil, M. Alberto de Carvalho
se fit le porte-parole du parti opposé à la convention littéraire et, dans le courant
de l'année dernière, il faisait paraître un libellé intitulé Imperio et Republica
dictatorial dans lequel il entassait force arguments, cherchant à démontrer aux
membres du prochain Congrès que la ratification du traité de protection, passé
entre MM. Bocayuva et Blondel serait: non seulement une erreur, mais encore une
faute grave.[27]
38.
Segundo o jornal, todavia, aquela convenção franco-brasileira era um instrumento
importantíssimo para “consacrer l'émancipation dû prolétariat intellectuel du Brésil,
aujourd'hui sacrifié à une féodalité de, spéculateurs, de copistes, et de plagiaires - en
même temps que le développement de la littérature nationale.”[28] O acordo, porém,
não chegou a entrar em vigor em virtude de, por pequena margem de votos, ter sido
rejeitado pelo Congresso Nacional brasileiro, em votação ocorrida em 6 de julho de
1893, após longos e acirrados debates. A imprensa especializada assim noticiou o fato:
39.
40.
41.
42.
43.
Rejet du traité littéraire avec la France - Dans la séance du 6 juillet 1893, la
Chambre des députés du Brésil refusa d'approuver le traité littéraire conclu le 31
janvier 1891 entre les Gouvernements français et brésilien représentés par MM.
Blondel et Araripe. Cette décision regrettable, précédée d'une discussion longue et
animée qui occupa plusieurs séances, fut prise par 67 voix contre 59, soit à la
majorité de 8 voix ; mais comme deux députés absents au moment du vote se sont
déclarés favorables au traité, la majorité des rejetants se trouva, de fait, réduite à 6
voix. Nous regrettons beaucoup de ne pouvoir analyser ici, faute d'espace, les
brillants discours des défenseurs du traité, MM. Nilo Peçanha et José Avelino, ni
celui, très habile, de son adversaire principal, M. Augusto Montenegro, ni les deux
rapports de la minorité et de la majorité de la commission des affaires
diplomatiques et des traités, présentés par les mêmes personnages. La question
avait, d'ailleurs, été déplacée adroitement par les ennemis du traité et transformée
en un débat général sur les concessions réciproques à stipuler entre les deux
nations, et, sur ce terrain, ils faisaient valoir des griefs qui compliquaient beaucoup
la tâche des partisans de la protection internationale des droits d'auteur:
1° Ce sont uniquement les auteurs français qui tireront profit du traité;
2° La France a établi, au préjudice du Brésil, des tarifs douaniers très
rigoureux pour le café exporté de ce pays ;
3° La France maintient la circulaire prohibitive de l'émigration au Brésil, qui
constitue une véritable mesure d'exception et consacre un régime odieux.[29]
Seis dias depois da rejeição daquele tratado, em 12 de julho do mesmo ano de 1893,
Pedro Américo, na condição de deputado do Partido Republicano pela sua província
natal, tomou a palavra na tribuna, solicitando que se retomasse a discussão sobre o
direito de propriedade literária e artística, uma vez que, a seu ver, a questão teria sido
“mal discutida e incompleta”.[30] Referindo-se não somente à recusa da Convenção
Literária Brasil-França, mas também aos projetos de lei elaborados pelo romancista e
deputado José de Alencar e pelo senador Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque,
propôs um novo projeto com a finalidade de regular os direitos de propriedade no
mercado das artes.
44.
A propósito desse novo projeto, o referido jornal “Le Droit d'Auteur” assim se
manifestou:
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45.
Six jours après le rejet du traité, le 12 juillet 1893, M. Pedro Americo de
Figueiredo et seize autres députés déposèrent un projet de loi très libéral
réglementant les droits d'auteur et assimilant les étrangers aux nationaux en tout,
sauf en ce qui concerne la durée de la protection, limitée à celle du pays d'origine
de l'oeuvre. M. [Augusto] Monténégro déposa à son tour un contre-projet, très
restrictif, destiné seulement à satisfaire les nécessités du moment et tiré en grande
partie, mais avec des modifications substantielles, de la législation allemande. Le
premier projet, dû à M. Americo, auteur de livres, de tableaux, de quelques
ouvrages scientifiques, habitué à traiter avec les éditeurs et les marchands d'objets
d'art, membre du Congrès de la propriété littéraire et artistique de Paris en 1889,
est - dit l'auteur lui-même - un travail en grande partie original, inspiré par ma
propre expérience et approprié à notre pays. Ce travail mérite d'être consulté.[31]
46.
É bom recordar que, dois anos antes, em 1891, com a promulgação da primeira
Constituição Republicana (de que Pedro Américo fora um dos constituintes), os autores
tiveram garantidos alguns direitos sobre suas criações, conforme o art. 72, § 26, do texto
daquela Carta Magna: “Aos autores de obras litterarias e artisticas é garantido o direito
exclusivo de reproduzil-as pela imprensa ou por qualquer outro processo mecanico. Os
herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar.”
47.
O projeto de Pedro Américo, que procurava conferir maior concretude ao mencionado
dispositivo constitucional, contava com enxutos onze artigos e fora subscrito
inicialmente por dezesseis outros deputados: A. Fialho, Luiz Murat, Conto Cartaxo, A.
Cavalcanti, Martinho Rodrigues, J. de Serpa, J. Retumba, Nelson de Vasconcellos, B.
Carneiro, Oliveira Pinto, Antonio Olyntho, Mursa, Seabra, Manuel Coelho Bastos do
Nascimento, Homero Baptista e M. Caetano. No discurso que fez ao encaminhá-lo à
Mesa da Câmara dos Deputados, na sessão de 12 de julho de 1893, à guisa de exposição
de motivos, Pedro Américo, com o intuito de legitimar seu projeto, afirma que este não
seria apenas “uma compilação” dos projetos que já haviam sido feitos, mas sim “um
trabalho em grande parte original”, porque “inspirado em sua própria experiência na
matéria.”[32] Imodesto, Pedro Américo ocupa a tribuna para salientar:
48.
Autor de livro e de quadro, cultor da sciencia em que tambem tenho produzido
alguns opusculos, acostumado a tratar praticamente do assumpto com editores e
negociantes de objectos de arte, não podia deixar de trazer a esta casa o fructo da
minha experiencia e das minhas impressões pessoaes, para o submetter à sabia
consideração dos meus collegas, entre os quaes existem tão illustres jurisconsultos,
como brilhantes litteratos.[33]
49.
Chama atenção desde logo o fato de o projeto não estabelecer, como o fizeram alguns
de seus antecessores, qualquer tipo de distinção em termos de nacionalidade do autor, ou
seja, fosse este último brasileiro ou estrangeiro, gozariam todos de idêntica proteção
autoral, como se percebe nos arts. 1º e 2º do projeto de Pedro Américo:
50.
51.
52.
53.
54.
Dos direitos autoraes
Art.1° É garantido o direito autoral a todo o cidadão, nacional ou estrangeiro,
que produzir obra litteraria, artística ou scientifica de sua própria concepção, ou
composição.
§ 1° Este direto consiste em que somente elle pode assignar o seu nome na dita
obra, alteral-a, modifical-a, occultal-a caprichosamente, mutilal-a, ou mesmo
destruil-a.
§ 2° tal direito só é transmissível por expressa vontade próprio autor.
Dos direitos de propriedade do autor sobre suas obras
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55.
56.
57.
Art. 2º. É igualmente garantido o direito de propriedade a todo cidadão,
nacional ou estrangeiro, que produzir obra litteraria, artistica ou scientifica de sua
própria concepção ou composição.
§ 1°. Consiste este direito em que sómente o autor de uma obra litteraria,
artistica ou scientifica de sua própria concepção ou composição póde alienal-a no
todo ou em parte, expol-a, reproduzil-a ou autorisar a sua reproducção e tirar
della o genero de proveito que bem lhe parecer.
§ 2°. É um direito transmissivel como de qualquer outra propriedade.[34]
58.
À luz dos dispositivos citados acima, constata-se ainda que, inovando em relação a
projetos anteriores, Pedro Américo antecipa uma dualidade importantíssima em matéria
de direitos de autor, a saber, a referência, avant la lettre, a direitos morais (que ele chama
de “o direito autoral” no seu art. 1º.) e a direitos patrimoniais sobre a obra criada (que
ele denomina de “direitos de propriedade do autor sobre suas obras” no seu art. 2º.).
Muitas décadas depois, a atual Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera,
atualiza e consolida a legislação brasileira descobre direitos autorais, continuaria a
adotar essa divisão em seu art. 22, in verbis: “Art. 22. Pertencem ao autor os direitos
morais e patrimoniais sobre a obra que criou.” A dualidade estabelecida por Pedro
Américo nos arts. 1º. e 2º. do seu projeto resta confirmada e repetida no art. 4º.:
59.
Art. 4º. A alheiação dos direitos de propriedade litteraria, artística ou
scientifica não accarreta, salvo convenção ou consentimento expresso em contracto
especial, a alheiação dos direitos autoraes, nem a autorisação ao cessionário de
reproduzir de qualquer modo inclusive a traducção, a obra alienada.[35]
60.
Em outras palavras, ao alienar os direitos patrimoniais de sua obra, o autor não deixa
de manter uma série de outros direitos (morais), de forma que, por consequência,
mantêm certo poder sobre sua produção artística, podendo interferir, como acima citado,
no processo de reprodução ou tradução da obra alienada. Com fundamento nessa mesma
dicotomia, a transmissão a terceiros dos chamados “direitos autoraes” (como p. ex. a
alteração ou a destruição da obra) dependia de expressa vontade do autor (cf. art. 1º.,
§2º., do projeto de lei), o que não ocorre mais hoje em dia (art. 24, §1º., da Lei Lei nº
9.610/1998). Os direitos patrimoniais, porém, eram transmissíveis (e assim continuam)
como quaisquer outros direitos de propriedade (cf. art. 2º., §2º., do projeto de lei).
61.
Comparando-se o projeto de lei de Pedro Américo com o de José de Alencar, de 1875,
há discordância quanto à duração da cessão dos direitos autorais a terceiros, que para o
romancista não tem qualquer limitação enquanto que, para o pintor Pedro Américo,
deve, conforme o seu art. 3°, subsistir enquanto viver o autor, ou cessionário e
prolongar-se por “50 annos depois de morte em beneficio dos seus herdeiros, ou do
estado perpetuamente, quando estes faltarem.”[36] A atual Lei 9.610/98 fixa, em seu art.
41, que “os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de
janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei
civil.” No parágrafo único do mesmo artigo, ainda adiciona: “Aplica-se às obras
póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo.”
62.
Pedro Américo, tratando da questão dos tradutores, estabelece uma diferença
terminológica importante entre esses dois atores sociais: o autor e o tradutor. O deputado
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19&20 - A pena e o pincel: o Projeto de Lei de Pedro Américo sobre a propriedade artística e literária e o diálogo entre política, dir…
paraibano não atribui o estatuto de autor ao tradutor, mas, assim como já o fizera José
Alencar em seu projeto de 1875, prevê que o trabalho de tradução deve, também, ser
protegido de apropriações indevidas, conforme §4°, do art 4º. do Projeto de Lei de Pedro
Américo:
63.
64.
§4° O traductor ou reproductor mecânico de obra litterarias, artística ou
scientifica do domínio publico gosará dos direitos de propriedade sobre a sua
tradução ou reprodução, não podendo porém impedir que outros publiquem, ou
exponham á venda outras traducções ou reproduções do mesmo objecto.[37]
Note-se que, muito embora tradutor e autor estejam protegidos pelo projeto de lei,
diferem em seu estatuto, de forma que ao primeiro cabe o direito de alterar, mutilar ou
ocultar sua produção artística ou literária, enquanto que ao segundo cabe tão somente o
direito sobre sua cópia ou tradução, não cabendo a este último fazer por si qualquer
restrição quanto à circulação social de outras cópias ou traduções da mesma obra, a
menos que tenha negociado nesse sentido com o detentor dos direitos patrimoniais de
autor. Isso, na prática, representaria, em termos de mercado livreiro a abertura ao livre
comércio, uma vez que a mesma obra poderia sofrer inúmeras traduções, desde que
respeitados os direitos do autor. Com efeito, o §2° do art. 5º do projeto de lei de Pedro
Américo prevê que os direitos da propriedade litteraria abrangem o direito exclusivo de
fazer ou autorizar a tradução da obra.
65.
Considerando-se aquela promessa primeira do discurso de Pedro Américo, qual seja, a
de se valer de sua experiência pessoal na elaboração do referido projeto, pode-se dizer
que a inclusão de um artigo dedicado exclusivamente aos direitos da propriedade nas
artes figurativas e plásticas, seja seu maior diferencial. Assim, o art. 7° de seu projeto de
lei estabelece que “a cessão de um objecto de arte não confere ao adquirente, salvo
ajuste em contrario, o direito de reproducção, qualquer que seja o gênero desta.”[38] De
modo a preservar o interesse público, no parágrafo §2° do mesmo artigo prevê-se,
contudo, que “si, porém, o adquirente for o Estado, o município, ou algum
estabelecimento publico, e a reproducção for julgada de evidente interesse nacional,
cessa o direito que tinha o autor de a impedir em absoluto, restando-lhe apenas o de
escolher os reproductores, e de exigir uma indemnisação pecuniária adequada.”
66.
As disposições do art. 7° e de seus sucessivos parágrafos do projeto de Pedro Américo
não se estendiam, porém, às “obras de architetura que não tiverem um caracter
evidentemente artístico, aos planos e estampas explicativas, mappas geographicos,
topographicos e outros congêneres, sem mérito especial, moveis para uso de escolas e
mais estabelecimentos públicos, e em geral ás obras anonymas feitas para auxiliar o
ensino, o trabalho, ou para satisfazer as necessidades intellectuaes sem transcendência.”
Em suma, Pedro Américo, nesse último parágrafo firma, de certa forma, dois campos
opostos no que tange à produção figurativa: um que pertenceria ao domínio da arte,
sendo constituído por obras cujo atributo principal seria a “transcendência” e outro,
pertencente a um domínio associado a finalidades “práticas”, vocacionados à
reprodutibilidade técnica, como o uso escolar ou de trabalho, supostamente destituídos
de finalidades ou qualidades propriamente artísticas.
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67.
O projeto não termina sem, antes, mencionar, nos arts. 8º. a 11, a questão do plágio e
os mecanismos de proteção contra a violação de quaisquer dos direitos autorais, punida
com multa e indenização ao autor. Particularmente interessante é o caráter protetivo do
art. 10º. que pune a depreciação proposital (mediante crítica, certamente!) de obra
artística ou literária com o fim claro ou oculto de prejudicar o autor.
68.
O projeto de Pedro Américo - e de tantos outros projetos sobre direitos autorais que o
antecederam - não chegou a prosperar. Segundo anota Carlos Alberto Bittar, essa fora a
razão do insucesso:
69.
Óbice de caráter doutrinário sempre se antepunha às diversas tentativas feitas
para dotar-se o Brasil de lei especial sobre direito autoral: o de que, como
propriedade, não poderia merecer atribuição monopolística sobre ideias, eis que
pertencentes estas ao acervo comum da humanidade. Por essa razão é que,
basicamente, não prosperaram os inúmeros projetos de lei apresentados no Brasil
para a regência da matéria desde 1856 [...][39]
70.
Apenas em 1º. de agosto de1898, cinco anos depois da propositura de Pedro Américo,
o Brasil teria a sua primeira lei de direitos autorais: a Lei nº 496, de autoria do deputado
Medeiros de Albuquerque.[40] Todavia, esta norma seria revogada em 1916, pelo então
novo Código Civil, que destinou capítulo específico sobre o tema – “Da propriedade
literária, científica e artística” –, para abordar as questões relacionadas aos direitos
autorais.
Breve Nota Conclusiva: Falar dos avanços
71.
O fim do sistema monárquico no Brasil representou também o desaparecimento do
mecenato imperial, que garantia a dinâmica de parcela do mundo das letras e artes no
Brasil. É nesse contexto, de “resfriamento” do mercado nacional de artes, que Pedro
Américo ingressa na Câmara dos Deputados, logo após a Proclamação da República.
Ainda que sua participação no Legislativo não fosse significativa, em virtude das
constantes viagens à Europa, o pintor paraibano se inseriu num importante debate sobre
a propriedade artística e literária, que preocupava artistas dos dois lados do Atlântico,
como o demonstram os esforços da França no sentido de garantir a assinatura de uma
convenção entre os dois países. Fossem brasileiros, portugueses ou franceses, o
problema da garantia de direitos sobre a produção artística em território brasileiro
preocupava a todos porque vinha se estendendo há muito, sem resultar em conquistas
significativas. Não sem razão, é justamente seis dias após a rejeição da Convenção
Literária entre Brasil e França que Pedro Américo apresenta seu projeto de lei ao
legislativo, em que se faz digna de nota a preocupação em garantir direitos idênticos a
quaisquer artistas, a despeito de sua pátria de origem e residência. Não fosse esse avanço
significativo se comparado aos projetos anteriores, o de Pedro Américo estabelecia,
como assinalado anteriormente, a distinção entre os direitos morais e patrimoniais sobre
a produção artística, de forma a garantir a interferência sobre o processo de reprodução
ou tradução da obra alienada. Para além disso, a transmissibilidade a terceiros, tema de
todo e qualquer projeto elaborado àquele século, passava a depender da expressa
vontade do autor (cf. art. 1º., §2º., do projeto de lei), o que não mais ocorre nos dias
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atuais (art. 24, §1º., da Lei Lei nº 9.610/1998). Assim sendo, pode-se afirmar que o
projeto de lei de Pedro Américo constitui peça importante para a história dos direitos
autorais no Brasil, pois ainda que, como os que o antecederam, não tenha assumido
forma de lei, trouxe para o cenário nacional elementos importantes para o avanço da
discussão sobre o tema.
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Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial. Realização: FCRB, UFF/PPGCOM e
UFF/LIHED. 8 a 11 de novembro de 2004. Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, Brasil.
_____. Definindo Privilégios: A Questão da Propriedade Literária nas Relações entre Brasil e
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UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES. Le Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union Internationale
pour la Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques. a. 7, n. 8, p. 109-120, 15 de agosto
de 1894.
_____. Le Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union Internationale pour la
Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques. a. 6, n. 3, p. 25-36, 15 de março de 1893.
_____. Le Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union Internationale pour la
Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques. a. 5, n. 9, p. 105-118, 15 de setembro de
1892.
ZACCARA, Madalena. Pedro Américo de Figueiredo e Mello, um Artista Brasileiro do
Século XIX. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2011.
______________________________
[1] Professora Associada II da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde ensina no Programa
Interinstitucional de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPE-UFPB. Graduada em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (1976) e em Direito pela Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP, 1975), mestrado (DEA) em História e Civilizações na Université Toulouse II
(1992), França, e doutorado em História da Arte, também na Université Toulouse II (1995), como bolsista
da CAPES. Pós-doutorado pela Escola de Belas Artes da Universidade de Porto, Portugal (2014).
Membro da Associação Nacional dos Pesquisadores de Artes Plásticas (ANPAP), da Federação dos ArteEducadores Brasileiros (FAEB) e do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade I2ADS (Porto,
Portugal). Lidera o grupo de pesquisa "Arte, Cultura e Memória " que se volta para a pesquisa da História
e Teoria das Artes Visuais no Brasil. Autora de vários artigos e livros.
[2] Professora Adjunta de Literatura Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Pará (UFPA). Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1990),
mestrado em Teoria Literária pela Universidade Estadual de Campinas (1998) e doutorado em Teoria e
História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (2006). Pós-Doutorado na Universite de
Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines, França (2013-2014).
[3] Professor Adjunto da UFPB, docente dos Programas de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Procurador do Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Pós-Doutor (European University Institute,
Florença, 2008, Calouste Gulbenkian Post-Doctoral Fellow), Doutor (Universidade de Coimbra, 2006) e
Mestre (UFPB, 1999) em Direito. Membro da International Association of Constitutional Law, da
International Society of Public Law, do Instituto Hispano-Luso-Americano de Derecho Internacional
(IHLADI) e Presidente do Ramo Brasileiro da International Law Association. Foi aluno (Gasthörer) da
Universidade Livre de Berlim (Alemanha), estagiário-visitante do Tribunal de Justiça das Comunidades
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Européias (Luxemburgo), consultor jurídico (Legal Advisor) da Missão da ONU em Timor-Leste
(UNOTIL) e do Banco Mundial (PFMCBP/Timor). Membro da lista de peritos do UNDP Democratic
Governance Roster of Experts in Anti-Corruption (PNUD/ONU). Líder do LABIRINT - Laboratório
Internacional de Investigações em Transjuridicidade (UFPB).
[4] BITTAR, 1989, p. 137. Tradicionalmente, direito de autor e privilégio são instituições distintas do
ponto de vista jurídico. Ao longo da história, o privilégio foi uma espécie de licença para imprimir que, na
maior parte dos casos, não pertencia sequer aos autores, que apenas vendiam seus originais a um livreiro
editor em troca de alguns exemplares ricamente ornados. A Lei de 11 de agosto de 1827, porém, confere
explicitamente aos autores (professores do recém-criado curso de direito) o tal privilégio
[5] O texto da lei pode ser consultado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-11-081827.htm
[6] O texto do Código pode ser consultado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-121830.htm
[7] BITTAR, 1989, p. 139.
[8] FERREIRA, s/d, p. 3.
[9] BITTAR, 1989, p. 139.
[10] Essas expedições necessitavam de desenhistas e pintores hábeis em retratar a flora, a fauna e a
geografia encontradas.
[11] A tese de doutorado foi publicada sob o título de "La Science et les Systèmes – Questions d’Histoire
et de Philosophie Naturelle" (1869).
[12] ZACCARA, 2011, passim.
[13] CARVALHO, 1990. p. 9.
[14] Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, (Pombal-1746 - Rio de Janeiro 1792). O movimento
denominado “Inconfidência Mineira” aconteceu em 1789, na região de Minas Gerais, principal produtora
de ouro no Brasil da época. Os revolucionários queriam isenção dos impostos, duros, pagos à coroa.
Queriam também o desenvolvimento das manufaturas e um estímulo para a produção agrícola. Isto
significava o fim do monopólio comercial de Portugal e, tecnicamente, a independência brasileira.
Tiradentes, condenado à morte, foi transformado no primeiro e maior símbolo dos ideais republicanos.
[15] CARVALHO, 1990, p. 141.
[16] Museu D. João VI. Escola Nacional de Belas Artes. Dossiê Pedro Américo. Doc. N. 139.
[17] Cf. CARDOSO DE OLIVEIRA, 1943, p. 180-181.
[18] Conhecida como Lei Saraiva, a reforma eleitoral proposta por Rui Barbosa e promulgada em janeiro
de 1881, constituiu uma das medidas mais importantes do Império naquela década. Numa tentativa de
atender aos anseios de mudança, a reforma estabeleceu o voto direto para as eleições legislativas,
acabando com a eleição em dois graus (havia um colégio eleitoral) e a distinção restritiva entre "votantes"
e "eleitores" existente até então. No primeiro grau, os "votantes", cidadãos com renda mínima estipulada
por lei e indicados a cada eleição por uma junta de qualificação, votavam naqueles que iriam, no segundo
grau, participar como "eleitores" do pleito para a escolha dos membros das assembleias legislativas. Com
a reforma, ficou estabelecido que o próprio indivíduo deveria requerer seu alistamento eleitoral, provando
o seu direito por meios de documentos exigidos na lei. Criava-se o título de eleitor e eliminava-se o
sistema de lista e nomeação dos "votantes" pela junta de qualificação, diminuindo a margem de erros e
fraudes. Mantinha-se a exigência de uma renda mínima, mas o direito ao voto era estendido aos não
católicos, aos brasileiros naturalizados e aos libertos. Articulada como instrumento de moralização do
processo eleitoral, a Lei Saraiva parece ter alcançado seus objetivos naquele momento, já que o Partido
Conservador, apesar de minoritário, elegeu uma expressiva bancada de 47 deputados. Com o passar do
tempo, porém, os antigos vícios das fraudes e pressões sobre os eleitores voltaram, enterrando as
esperanças de se consolidar a lisura eleitoral.
[19] Arquivos privados do Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do Artista. Abril de 1881.
Anotação sobre sua pretensão de ser candidato e seu pedido de ajuda à família. Datada de 19 de abril
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de1881.
[20] Arquivos privados do Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do Artista. Junho de 1881. Cópia
de carta enviada por Pedro Américo aos chefes do Partido Conservador. Escrita em Florença e datada de
20 de junho de 1881.
[21] Arquivos privados do Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Carta aos eleitores da cidade de Areia,
escrita em Roma e datada de 16 de julho de 1881.
[22] Arquivos privados do Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do artista. Setembro de 1881.
Anotação feita em 6 de setembro de 1881. Nela, Américo afirma ter recomendado aos seus familiares a
aceitar a oferta do partido liberal para apresentá-lo como candidato.
[23] Arquivos privados do Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Diário do artista. Novembro de 1883.
Resposta a Daniel Pedro Ferro Cardoso, seu amigo de infância e companheiro de estudos em Paris e na
Bélgica. Datada de 2 de novembro de 1883.
[24] Manifesto de Pedro Américo aos Artistas Brasileiros – editado e distribuido como panfleto,
deconhece-se sua reprodução em jornais de época. O diario do artista o transcrevia e ele pode ser (ou
podia) encontrado no Museu Regional de Areia (a Casa de Pedro Américo) na íntegra. Note-se que, desde
os finais do século XVIII, a tarefa legislativa era vista, essencialmente, como inferir racionalmente os
grandes princípios universais que deveriam governar a vida em sociedade, de maneira que apenas
espíritos muito elevados estariam aptos para se “comunicar com as estrelas”, segundo a bela metáfora de
Rogério Soares (SOARES, s/d, p. 436). Dessa visão de mundo resulta o sublime respeito que se
emprestava ao legislador, um homem ilustrado o bastante para, com especial devoção à verdade e rara
capacidade de pensar esclarecida e desinteressadamente, alcançar o que era a justiça e o Direito
(SOARES, s/d, p. 436-437). Apenas os melhores e mais independentes poderiam ser os legisladores – e
isso explica, por exemplo, a presença de intelectuais como Honoré de Balzac, Epitácio Pessoa ou José de
Alencar no parlamento! Desse modo estava “justificado” o voto censitário e, de maneira tautológica, a
supremacia da lei enquanto fonte do Direito, afinal, a lei procedia de um órgão que ostentava uma posição
de superioridade moral e intelectual em relação aos demais órgãos do Estado e à própria sociedade. Notese que a supremacia da lei (o legicentrismo), tal como concebida pelos revolucionários franceses de 1789,
não admitia qualquer exceção, nem sequer perante a Constituição, entendida como um documento político
carecedor de normatividade (FRANCA FILHO, 2008, p.114).
[25] Arquivos privados de Monsenhor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Lista dos deputados e seus endereços.
[26] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1892, p. 111.
[27] Na verdade, a convenção fora assinada por Tristão de Alencar Araripe, cf. a notícia posteriormente
publicada em UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES
ET ARTISTIQUES, 1893, p. 30.
[28] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1892, p. 112.
[29] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1894, p. 113. Notícias semelhantes são encontradas na Le Temps e no Le Figaro, de
Paris. No ano anterior, uma pequena nota no jornal francês Le Temps, na sua edição de 20 de setembro de
1892, já antecipava essa derrota com expressa referência a Pedro Américo: “Nous recevons une dépêche
de Rio-Janeiro disant que, pour des motifs supérieurs, le Corps législatif du Brésil ne ratifiera pas, dans la
session de cette année, la convention littéraire avec la France. M. Nilo Peçanha, rapporteur de la
commission de traités et de diplomatie de la Chambre des députés, aurait même suspendu l'élaboration de
son rapport à ce sujet. Il est à rapprocher de cette nouvelle que le Congrès brésilien a été saisi d'un projet
de fondationd'un théâtre national, signé de M. Pedro Américo et de vingt autres députés” (Le Temps, a.
42, n. 114, 20 de setembro de 1892, p. 4).
[30] ANNAES, 1893, p. 224.
[31] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1894, p. 113.
[32] ANNAES, 1893, p. 224.
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19&20 - A pena e o pincel: o Projeto de Lei de Pedro Américo sobre a propriedade artística e literária e o diálogo entre política, dir…
[33] ANNAES, 1893, p. 224. Poucos dias depois, na sessão de 18 de julho de 1893, o Deputado Pedro
Américo pede novamente a palavra para apelar à Presidência da Câmara dos Deputados que coloque o seu
projeto em votação (ANNAES, 1893, p. 300).
[34] ANNAES, 1893, p. 224.
[35] ANNAES, 1893, p. 225.
[36] ANNAES, 1893, p. 28.
[37] ANNAES, 1893, p. 225. A atual Lei nº 9.610/1998 protege explicitamente a tradução: “Art. 7º São
obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer
suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: XI - as adaptações,
traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova.”
[38] ANNAES, 1893, p. 226. Atualmente, a lei brasileira de direitos autorais regula de modo semelhante a
questão: “Art. 37. A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao adquirente
qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos
previstos nesta Lei.”
[39] BITTAR, 1989, p. 139.
[40] BITTAR, 1989, p. 139. FERREIRA, s/d, p. 3.
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19&20 - The quill and the brush: the Law Project of Pedro Américo about Artistic and Literary Property and the dialogue between P…
The quill and the brush: the Law Project of Pedro Américo
about Artistic and Literary Property and the dialogue between
Politics, History and Art
Madalena Zaccara[1], Valéria Augusti[2] e Marcílio Toscano Franca
Filho[3]
ZACCARA, Madalena; AUGUSTI, Valéria; FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. The quill and the
brush: the Law Project of Pedro Américo about Artistic and Literary Property and the dialogue
between Politics, History and Art. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/criticas/pa_direito_eng.htm>. [Português]
*
*
*
About laws and arts - an introduction
1.
For many and varied reasons, the State always has been very close to the arts and the
artists, be it as patron, promoter or supporter, be it as a regulating agent, censor or even
collector. The relationship between art and State would surely give cause to a large
encyclopedia that would include whole areas of Public and Private Law, not to mention
other extensive fields of knowledge connected to Sociology, Political Science,
Anthropology and Aesthetics.
2.
Taking only the specific field of the Legislative Power in Brazil, it is noticeable that it
isn’t just today that the Brazilian State worries about defining, regulating and protecting
the interest of aesthetic works’ authors. Already in the Law of August 11th of 1827, that
created the legal courses in the country and the Criminal Code of the Empire (Law of
December 16th 1830) there were references to the regulations in the civil and penal
spheres. As a matter of fact, still referencing a “privilege” and not a “right,”[4] the
Article 7 of the Law that instituted the first Colleges of Law in Brazil (one in the city of
São Paulo and the other in Olinda),
3.
4.
Art. 7.º - The professors will do the choice of the compendiums of their
professions or will arrange them, not existing any already made, as long as the
doctrines are in accordance to the system sworn by the nation. Those
compendiums, after approved by the Congregation will serve temporarily;
submitting iself then to the approval of the General Assembly and the Government
will print them and provide them to the schools, giving their authors the exclusive
privilege of the work for ten years.[5]
Three years later, the Criminal Code of the Empire included among its legal
descriptions against property the following device:
5.
Art. 261. Print, record, lithograph or introduce any writings or pictures that
were made, composed or translated by Brazilian citizens, for as long as they live
and ten years after their death, if they leave heirs. Penalty - loss of every exemplar
to the author or translator or their heirs; or in their absence, of their value and
another equal sum and a fine of thrice the value of the exemplars. If the writings or
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pictures belongs to a Corportation, the prohibition to print, record, lithograph or
introduce will last only for a space of ten years.[6]
6.
As it can be seen, made independent in 1822, Brazil already showed, since its youth, a
growing, albeit ineffective, worry about regulating the author’s rights. Prof. Carlos
Alberto Bittar points that that worry had just foundation:
7.
Edited the mentioned texts, in both planes, it was felt in the bosom of the
Legislative, the need to regulate legally the author’s rights in the civil scope,
through specific diploma, in which their basic lines were traced, following the
example of other countries, such as Belgium and Italy, that mid last century [18th
Century], already counted with a particular law for the topic. Of that our legislator
gained conscience through the finding that the intellectual progress of the country
was depending on this regulation, as a stimulus for the creation of new productions
in the domains of literature, art and science.[7]
8.
It is in this environment that emerges not only the first law projects to regulate the
authorial issue - such as those of the congressmen Aprígio Guimarães (1856), Gavião
Peixoto (1858), of the also novelist José de Alencar (1875), the senator Diogo Velho
(1886), the congressman Augusto Montenegro (August 7th of 1893) and of Pedro
Américo de Figueiredo e Mello (July 12th of 1893) - but also some international deals
about the topic that Brazil becomes part of - such as the one celebrated with Portugal in
September 9th of 1889 (internalized by the Decree nº 10.353, of September 14th of
1889)[8] and the literary convention celebrated with France in January 31st of 1891
(that wasn’t admitted by the Brazilian parliament.[9]
9.
The present article has no other goal than to shed some light over that law project
signed by the painter and congressman from Paraiba, reflecting over his performance, in
the parliament, in the area of copyright. This goal is justified by the prominent position
that Pedro Américo occupies in the Brazilian artistical panorama. Author of paintings
that compose the very own visual identity of the nation (such as O Grito do Ipiranga
[Figure 1] and Tiradentes Esquartejado [Figure 2]), Pedro Américo de Figueiredo e
Mello was born in the city of Areia in Paraiba, on 29th April of 1843 and passing in
Florence (Italy) in October 7th of 1905.
10.
When the French naturalist Louis Jacques Brunet arrived in his home city, in the
humid region of the Brejo of Paraiba, leading a scientifical expedition that was doing
research for the National Museum, he meet the boy known for doing portraits with great
technical accuracy of a capuchin friar deemed saint by the inhabitants of the region. It
was thanks to those portraits that Pedro Américo joined the expedition for
approximately 20 months.[10] From this meeting resulted the recommendation of the
youth to the President of the Province of Paraiba and, following this, a recommendation
to the Emperor, which made possible his enrollment in the Imperial Academy of Fine
Arts, in Rio de Janeiro, in the year of 1854.
11.
Five years later, Pedro Américo requested to the Emperor a scolarship in the ammount
of 400 réis monthly to go study in Europe. He had at that time 16 years old and carried
in his pouch a letter from his old teacher, the important painter Manoel de Araújo Porto-
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Alegre. After a season of studies in France and in Italy, Pedro Américo returned to
Brazil, in 1864, against his well, to minister classed in the Imperial Academy of Fine
Arts. It didn’t took him long to ask for an unpaid leave and return to Europe, obtaining
in three years a doctorate degree, in the Science College of the University of Brussels,
with a thesis about “Science and the Systems: Questions of History and Natural
Philosophy,”[11] being asked to become a professor in the University of Brussels. In
1869, returned again to Brazil, but not without oscillating many times still over the
Atlantic, towards the Old Continent, until his death.[12]
12.
It was precisely in one of those periods that he left the Europe he so adored, right after
the Proclamation of Republic (1889), that Pedro Américo was elected a congressmen
through the Republican Party of the Province of Paraiba. It is about this final stage of his
life, as a parliamentarian of the Republican regime and legitimate representative of the
artistical classes in the Brazilian parliament, that the present work focused from now on.
Pedro Américo, the Republic and his reinvention as a parliamentarian
13.
The fall of the Brazilian monarch in 1889 wasn’t a surprise. In its roots the country did
not had a true monarchic tradition and the republican ideal was always present in a way
or another. Besides this, the Brazilian monarchy was always an exception to the South
America panorama. On the other hand, the keeping of colonial features, based on the
slavering monoculture estate represented a serious obstacle to the urban-industrial
progress of the country. The growth of the abolitionist process and its strengthening
worked against the monarchic regimen and the interest of the oligarchy that was based
on slavery. The antagonism of the new (urban-industrial and abolitionist) with the old
(agricultural export and slavery), tied to other structural matters, such as the restrictions
that the church and the army started to do towards the monarchic centralism, determined
the passage from Monarchy to Republic, through a state coup executed on November
15th of 1889. In that moment, the traditional oligarchy, supporters of slavery, despite an
appearing contradiction, adhered to the coup, since the empire had abolished slavery
without a single restitution to the owners of this kind of labor.
14.
The conflicts between the two parties that alternated the power during the empire, the
Liberal and the Conservative, also contributed to the fall of the regimen. Some unhappy
liberals brokered an alliance with the republicans, still little organized, and created the
Republican Party in 1870. The press, in general, took advantage of the tolerance of the
emperor and a liberal constitution to make propaganda of the republican system.
15.
Brazil’s victory in the Paraguay War was also decisive to the ascension of Republic,
the military, proud of their accomplishments, wanted a bigger political participation.
Summing up all those multiple circumstances, a rupture with the imperial government
system became thus inevitable. The population, however, did not participate in the birth
of the Republic. The people had no interest for those changes. Pedro II was well seen by
great part of the society, exempting certain middle classes (urban, abolitionists,
industrials and merchants) and the transformations, as usual, arrived from top down. The
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emperor and his family were banished. They exiled themselves in Europe, the Empress
Tereza Cristina dying in December of 1889, in the city of Porto and the Emperor in
Paris, two years later. It was only in September 3rd of 1920 that the banishment decree
was revoked, by the then President Epitácio Pessoa, another citizen of Paraiba as Pedro
Américo.
16.
The proclamation of the Republic in Brazil was, therefore, a product of the elites. It
was necessary, however, a sort of legitimization o the new power through the
popularization of its ideals and the forming of a republican image to internal
consumption, which became the first goal of the First Republic. Three currents disputed
the definition of the ideological nature of the new regime: the American liberalism, the
French jacobism and the positivism.[13] Those three ideologies opposed themselves
intensively since the beginning of the Republic. All ended, however, with the posterior
consolidation of the first alternative: the liberalism.
17.
The positivists formed the most active and pugnacious groups in the attempt of turning
the republic regime not only accepted by the populace but loved by the people that, at
first, did not wish it. Their weapons were literature and civil symbols. The lack of
republican identity provoked the need of the creation of an iconography of persuasion of
the population that had as main goal educate the “soul” of the people spreading political
and moral values that would contribute to the affirmation of the regime in a
solidification process. Similarly to what was seen in Italy and Germany of the first half
of the 19th Century, this need reflected itself in favoring a thematic related to the history
of the national with large usage of an allegoric language. Between the symbols used in
the retina education to the acceptance of the Republic, one of the most important was the
figure of Tiradentes,[14] who represented the Christ, the civic hero, the martyr and the
libertarian, civil and military, a symbol of the country and, at the same time, of the
republican subversion. This projected iconography was part of the battle to the conquest
of an image by the new political system.[15]
18.
Pedro Américo participated actively of this process. He worked for the republic as he
had worked for the monarchy. His artistical conceptions will also reflect this Brazilian
political change. In 1889, the military coup that instituted the republic surprised Pedro
Américo, in Florence about to start a celebratory painting of the abolishment of the
slavery commissioned by the imperial government of D. Pedro II. The works were,
naturally, interrupted. Américo needed, however, urgently, set himself free of his image
of protégé of the exiled emperor and take side along with the new power: it was a matter
of survival. His political abilities manifested once more under those circumstances and
he, that despite the fact of having been greatly benefited under the empire had always
kept his connections with the republicans, could count on many friends established with
the new government of Marshal Deodoro da Fonseca. To secure a position in this picture
of power, it was necessary to act fast and, after all, Américo was never one to hesitate.
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19.
One of his first steps was to execute the painting that he had promised to do for free a
few years back to the old Regime. He painted it with great celerity. In April 1890, the
secretariat of the new government accuses the reception of the canvas Voltaire blesses in
the name of God and Liberty the grandson of Franklin [Figure 3].[16]. A work conceive
with a thematic politically correct to the new times
20.
The first republican times were not favorable to the arts in a general manner. The
brazilian political elites were busy consolidating the regime and the patroning of Pedro
II no longer existed. On another hand, the Brazilian middle classes were not enough
informed or wealthy to interest themselves in the visual arts in the sense of patronizing
it. Pedro Américo faced this new reality: he had painted, in Florence, a series of works
involving a thematic turned to the execution of exotic animals, probable fruit of his
young years in Algeria. From those works he set up, perhaps, one of the first exhibits
made for the Brazilian middle class, exposing in a store, La Glace Elegante, that
sometimes acted as a gallery of art in Rio de Janeiro. Nobody bought a single piece.
Only a thief, worthy of note if his identity was known, seemed to care for the painting of
the republican Brazil: he stole a small canvas.[17] It was at least something in the way
of “exit”. It is with this background of “cooling” of the national market of art that Pedro
Américo joins the Chamber of Congressmen.
21.
In truth, the political-partisanship vein of Pedro Américo started to gain more
expression still in the empire, in the end of the 19th Century, precisely after the electoral
reform of 1881 that democratized (slightly) the vote.[18] In April of that same year, he
wrote to his family and friends and asked for help to a small candidacy.[19] Later, he
sent a manifesto from Florence, dated from June 20th of 1881, addressed to the political
leaders of his home province. In this document, he asked for the help of the
representatives of the Conservative Party to get a chain in the Parliament:
22.
23.
[...] Knowing in this way the great service done by the conservative party
towards the public cause, as well as the justice and equity with what they proceeded
in the application of his program, it is under the glorious banner of your
representatives that since this moment I place myself [...].[20]
In July 16th of 1881, he made another appeal, this time destined to the inhabitants of
his city of Areia. In it, he presented his political platform, speaking of his love for his
hometown and affirming that, at last, he could collaborate to the development of the
region, since the legislation had changed and allowed for the popular vote of laborers
such as him:
24.
Shuddering child of the North Parahyba, from where powerful circumstances
has distanced me from, [...] I wouldn’t for sure cease the thread of my aesthetics
occupation and my scientifical research, the work of a civilizing and pleasurable
time that I took, I wouldn’t attend to the voice that summons me to the arena of
political disputes, if in me the patriotic feeling didn’t rise above personal
considerations. [...] The legislation, however, of this country that I had fixed in my
mind as a star of courage, was an invincible obstacle so that I,, simple laborer of
the true and the beautiful, was allowed to collaborate directly as the statesmen and
the soldier in the perfecting of exhortation of the Country.[21]
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25.
A few months after having written to the conservatives, he communicated again with
his family, affirming that he would also accept the offer of the liberals to represent them,
should that happen “or introduce me as a candidate through the circle that would be best
fitting”.[22] His actions in that regards would, thus, demonstrate great “pragmatism”
and little adhesion to any political ideology.
26.
Created in 1870, the Republican Party, in which he had numerous friends and through
which he would be elected during the First Republic, already existed at that time.
However, it is not known any public manifestation of Pedro Americo in regards to the
republicans, during the second reign. This dubious behavior resulted in several
misunderstandings with his friends. In response to a letter of Daniel Ferro Pedro
Cardoso, staunch republican, Américo defends himself from the accusations in which he
repproaches him of his servitude towards the imperial family. The painter denies the
accusations and says that in the royal palace he is accused of exactly the same: being
republican and ungrateful in regards to the favors received by
27.
28.
You accuse me of cajoling the imperial family, of looking too differently from
you and our friends of forward ideas [...], they painted me in the court with
republican and ungrateful colors. Ungrateful I was, because to some of my best
acquaintances I did not curse the monarchy, ungrateful I was called by the
monarchist for not breaking with my old affections.[23]
Indeed, Américo was a public persona that sometimes declared himself available to the
conservative, sometimes to the liberals, accepted support of the monarchists and
republicans and took no sides to any of the factions. There was, thus, any ideological
coherency in his political behavior.
29.
From Florence, Pedro Américo wrote a manifesto dated from February 15th of 1890 in
which, among critics to the old regime and praising of the new, he proposed to represent
in the new constituent assembly the artisans and laborers in general:
30.
I don’t know among the old directors of the politics of our country a single man
that understands the importance of the brazilian artist. Used to the strictly partisan
disputed and the sophisms of the imperial demagogy mother of the national
disbelief and lack of exigent, almost all have distinguished themselves by the
disdain towards the representatives of the artistical activity and reward with the
most absolute despise most of those of whom, many times, they owed their
triumphs. [...] The proclamation of the democratical regimen in Brazil must banish
from our soil even the last remnants of this immoral and dissolute spirit, to which
the Brazilian owes the dismay that paralyzes it, and this State it’s backwardness,
poverty and absolute decadence [...] Used to the disputes of thought, the combats
and adversity, the independency of the words and action, strong for the security in
living honestly in any part of the world without having ever weighted upon the
coffers of my country nor needing to deceive the public opinion to obtain the glory
that I have only waited from my labor, I have thus reason to wait from you the
highest distinction of representing you in the bosom of the next Constituent
Assembly [...][24]
31.
His words, albeit written in a moment of fight for survival, do not convey an image of
loyalty. He not only poses himself in a positive manner in regards to the new regime, but
also denies his previous ties with the empire and attempts to disparage them,
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maximizing a personal independency that never really existed, since, ever since his
childhood, he had depended upon the kindness of the imperial regime. After those
emergency measures, Americo departs to Brazil.
32.
In that same year he is elected constituent congressman through his home province,
the North Parahyba, through the Republican Party, having the future president of the
republic, Epitácio Pessoa as his bench colleague. He packed, leaves Florence with his
family and installs himself in Rio de Janeiro, in the Rua do Lavradio n. 69[25] to
perform his new functions. During his term, he presents some projects connected to arts
and culture. Among them, the proposal of the foundation of a National Gallery of Fine
Arts (independent, artistically and financially, from the proposal of the National School
of Fine Arts), the proposal of the creation of a national theater, a project about the
creation of universities in Brazil and that project of law about author’s rights.
33.
But, in truth, Pedro Américo was much more a spectator than the actor in the Brazilian
political scenario. The country never did attract him not during monarchy nor during the
new regime, because at each recess of the Assembly and, sometimes, even during its full
activity, he would flee Brazil and return to Florence. After the marriage of his only
daughter, Carlota, with his future biographer Cardoso de Oliveira, Pedro Américo left
the country, returning only in 1892, to temporarily occupy his position. In 1893, finished
his term as congressmen, nothing further motivated him to remain in Brazil. He did not
wish to live in a place that he did not love and that didn’t offer him better possibilities,
in the sense of a copious market for his work. He returned to Italy definitely.
The congressmen Pedro Américo and the Project of Law about Copyright
34.
In an edition of September 1892, it is read in the newspaper “Le Droit d'Auteur”, the
official organization of the then Union Internationale pour la Protection des Oeuvres
Littéraires et Artistiques, that in January 31rst of 1891, in the city of Rio de Janeiro, the
governments of Brazil and France signed a Literary Convention that yielded vivid
debate:[26]
35.
[...] Le 31 janvier 1891 un projet de convention, littéraire, artistique et
scientifique, était signé, à Rio de Janeiro entre M. Bocayuva , alors ministre des
affaires étrangères du gouvernement provisoire de la République du Brésil, et M.
Blondel, notre chargé d'affaires en ce pays. Dès l'abord le projet qui protégeait les
droits de nos nationaux fut accueilli de façon favorable par la presse brésilienne, et
par la jeune école littéraire du pays, qui comprenaient, quels immenses services
notre littérature avait rendus et devait rendre encore au Brésil, et appréciaient le
dommage subi par nos auteurs, dramatiques, et par nos romanciers qui ne
retiraient aucun profit de la vulgarisation considérable de leurs oeuvres soit dans
les théâtres, soit dans lés journaux du pays. D'un autre côté, le projet de convention
rencontra une assez vive opposition dans le vieux parti brésilien, opposition qui,
sans aucun doute, ne saura avoir une influence sérieuse dans la discussion
générale qui doit avoir lieu le mois prochain devant le Congrès, des, députés tenu à
Rio de Janeiro. Un dès, esprits les plus éclairés du Brésil, M. Alberto de Carvalho
se fit le porte-parole du parti opposé à la convention littéraire et, dans le courant
de l'année dernière, il faisait paraître un libellé intitulé Imperio et Republica
dictatorial dans lequel il entassait force arguments, cherchant à démontrer aux
membres du prochain Congrès que la ratification du traité de protection, passé
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entre MM. Bocayuva et Blondel serait: non seulement une erreur, mais encore une
faute grave.[27]
36.
According to the newspaper, however, that convention french-brazilian was an
instrument of great importance to “consacrer l'émancipation dû prolétariat intellectuel
du Brésil, aujourd'hui sacrifiéà une féodalité de, spéculateurs, de copistes, et de
plagiaires - en même temps que le développement de la littérature nationale.”[28] The
deal, however, did not came in effect, due to, by a narrow margin of votes, having been
rejected by the Brazilian National Congress, in a vote that took place in July 6th of
1893, after long and strained debates. The specialized press thus reported the fact:
37.
38.
39.
40.
41.
Rejet du traité littéraire avec la France - Dans la séance du 6 juillet 1893, la
Chambre des députés du Brésil refusa d'approuver le traité littéraire conclu le 31
janvier 1891 entre les Gouvernements français et brésilien représentés par MM.
Blondel et Araripe. Cette décision regrettable, précédée d'une discussion longue et
animée qui occupa plusieurs séances, fut prise par 67 voix contre 59, soit à la
majorité de 8 voix ; mais comme deux députés absents au moment du vote se sont
déclarés favorables au traité, la majorité des rejetants se trouva, de fait, réduite à 6
voix. Nous regrettons beaucoup de ne pouvoir analyser ici, faute d'espace, les
brillants discours des défenseurs du traité, MM. Nilo Peçanha et José Avelino, ni
celui, très habile, de son adversaire principal, M. Augusto Montenegro, ni les deux
rapports de la minorité et de la majorité de la commission des affaires
diplomatiques et des traités, présentés par les mêmes personnages. La question
avait, d'ailleurs, été déplacée adroitement par les ennemis du traité et transformée
en un débat général sur les concessions réciproques à stipuler entre les deux
nations, et, sur ce terrain, ils faisaient valoir des griefs qui compliquaient beaucoup
la tâche des partisans de la protection internationale des droits d'auteur:
1° Ce sont uniquement les auteurs français qui tireront profit du traité;
2° La France a établi, au préjudice du Brésil, des tarifs douaniers très
rigoureux pour le café exporté de ce pays ;
3° La France maintient la circulaire prohibitive de l'émigration au Brésil, qui
constitue une véritable mesure d'exception et consacre un régime odieux.[29]
Six days after the rejecting of that treatise, in July 12th of same year of 1983, Pedro
Américo, in his condition as congressmen of the Republican Party through his home
province, took the stand, requesting that the discussion about the rights to literary and
artistical property was resumed, since, in his view, the question would have been
“discussed poorly and incompletely”.[30] Referring not only to the refusal of the
Literary Convention of Brazil-France, but also to the projects of law elaborated by the
novelist and congressman José de Alencar and by the senator Diogo Velho Cavalcanti de
Albuquerque, he proposed a new project with the goal of regulating the rights of
property in the art market.
42.
In regards of this new project, the aforementioned newspaper, “Le Droit d'Auteur”,
thus manifested:
43.
Six jours après le rejet du traité, le 12 juillet 1893, M. Pedro Americo de
Figueiredo et seize autres députés déposèrent un projet de loi très libéral
réglementant les droits d'auteur et assimilant les étrangers aux nationaux en tout,
sauf en ce qui concerne la durée de la protection, limitée à celle du pays d'origine
de l'oeuvre. M. [Augusto] Monténégro déposa à son tour un contre-projet, très
restrictif, destiné seulement à satisfaire les nécessités du moment et tiré en grande
partie, mais avec des modifications substantielles, de la législation allemande. Le
premier projet, dû à M. Americo, auteur de livres, de tableaux, de quelques
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ouvrages scientifiques, habitué à traiter avec les éditeurs et les marchands d'objets
d'art, membre du Congrès de la propriété littéraire et artistique de Paris en 1889,
est - dit l'auteur lui-même - un travail en grande partie original, inspiré par ma
propre expérience et approprié à notre pays. Ce travail mérite d'être consulté.[31]
44.
It is well to remember that two years before, in 1891, with the proclamation of the first
Republican Constitution (to which Pedro Américo was one of the constituents), the
authors had some rights guaranteed about their creations, according to the article 72, §
26, of the text of that Magna Charter: “To the authors of literary and artistical works it is
guaranteed exclusive rights of reproducing it by press or any other mechanical process.
The heirs of the authors will benefit from this right through the time that the law
determines.”
45.
The project of Pedro Américo, that seeked to grant higher concreteness to the
aforementioned constitutional device, counted with streamlined eleven articles and was
signed initially by sixteen other congressmen: A. Fialho, Luiz Murat, Conto Cartaxo, A.
Cavalcanti, Martinho Rodrigues, J. de Serpa, J. Retumba, Nelson de Vasconcellos, B.
Carneiro, Oliveira Pinto,Antonio Olyntho, Mursa, Seabra, Manuel Coelho Bastos do
Nascimento, Homero Baptista and M. Caetano. In the speech he made when forwarding
to the Desk of the Congress Chamber in the session of July 12th of 1893, under the
guise of reason exposal, Pedro Américo, with the intent of legitimizing his project,
affirms that this is wouldn’t be just “a compilation” of the projects that were done
before, but rather “a work in great part original”, because it was “inspired in his own
experience in the matter”.[32] Immodest, Pedro Américo takes the stand to stress:
46.
Author of book and painting, cultivator of the science in which I have also
produced some brochures, used to treat practically about the subject with editors
and brokers of works of art, I couldn’t stop to bring forward in this house the fruit
of my experience and my personal impressions, to submit it to the wise
consideration of my peers, among which exists so illustrious jurists, as well as
brilliant literati.[33]
47.
It is noticeable right at first the fact that the project does not establish, as some of its
antecessors did, any sort of distinction in regards of the nationality of the author, which
means that were the latter Brazilian or foreigner, they would all benefit from the
copyright protection, as can be seen in the articles 1 and 2 of the project of Pedro Am
48.
49.
50.
51.
52.
53.
54.
Of the copyright
Art.1° It is guaranteed the copyright to all citizen, national or foreigner, that
produces works of literature, art or science by his own conception or
composition.
§ 1° This right consists in that only he can sign his name in the aforementioned
work, alter it, modify it, hide it whimsically, damage it or even destroy
it.
§ 2° Such rights are only transmissible by the author’s own express
Of the rights of property of the author regarding his
works
Art. 2º. It is likewise guaranteed the right of property to all citizen, national or
foreigner, that produces work of literature, art or science by his own conception or
composition.
§ 1°. Such rights consists that only the author of a work of literature, art or
science of his own conception or composition can alienate it in its part or its sum,
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55.
expose it, reproduce it or authorize its reproduction and take from it whatever sort
of advantages he wishes.
§ 2°. It is a right transmissible like that of any other property.[34]
56.
In the light of the above aforementioned instruments, it can be observed also that,
innovating in regards to the past projects, Pedro Américo anticipates a rather important
duality in the matter of copyright, that is, the reference, avant la lettre, to moral rights
(which he calls the “copyright in his first article) and the ownership rights towards the
created work (which he calls of “rights of property of the author regarding his works” in
his second article). Many decades later, the current Law nº 9610 of February 19th of
1998, that alters, updates and consolidates the Brazilian legislation about copyright,
would continue to use this division in its art. 22, in verbis “Art. 22. It belongs to the
author the moral and patrimonial rights regarding the work he created”. The duality
established by Pedro Américo in the arts. 1 and 2 of his project remains confirmed and
repeated in the art. 4º:
57.
Art. 4º. The forwarding of the literary, artistical or scientifical property rights
does not leads, unless there is an express convention or accordance in a special
contract, to the forwarding of the copyright nor the authorization to the assignee of
reproducing in whatever manner, including translation, the alienated work.[35]
58.
In other words, when alienating the patrimonial rights of his work, the author does not
cease to maintain a series of other rights (moral), in a way that, by consequence, he
keeps certain power over his artistical production, being allowed to interfere, as
mentioned above, in the process of reproduction or translation of the alienated work.
Based on this same dichotomy, the transmission to a third party of the so called
“copyright” (such as the alteration or destruction of the work) relied in the express will
of the author (according art. 1º., §2º., of the project of law), which no longer exists today
(art. 24, §1º., of the Law nº 9.610/1998). The patrimonial rights, however, were
transmissible (and thus remain) such as any other property rights (according to art. 2º.,
§2º., of the project of law).
59.
Comparing the project of Pedro Américo with the one from José de Alencar, from
1874, there is a disagreement regarding the duration of the cession of rights to third
parties that, for the novelist, has no limitation, while for the painter Pedro Américo, it
should, according to his art. 3, remain for as long as lives the author or assignee and
prolong itself for “50 years after his death in benefit to his heirs, or the state on a
permanent basis, should those not exist.”[36] The current Law 9.610/98 defines, in his
Art. 41, that “the patrimonial rights of the author remains for seventy years, counted
from January 1rst of the subsequent year of his passing, abided the order of succession
of the civil law”. In the unique paragraph of the same article, it adds: “It is applied to the
post-mortem works the deadline of protection that the caput of this article references”.
60.
Pedro Américo, approaching the matter of the translators, establishes an important
terminological difference between those two social actors: the author and the translator.
The congressman from Paraiba does not gives the title of author to the translator, but,
just as it was done previously by José de Alencar in his 1875 project, he dictates that the
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translation work should, also, be protected of undue misappropriation, according to the
§4°, of the art 4º. of the Project of Law of Pedro Américo:
61.
§4° The translator or mechanical reproducer of literary, artistical or
scientifical works will benefit from the rights of property regarding his translation
or reproduction, not being able, however, o prevent that others publish or expose to
sale other translations or reproductions of the same object.[37]
62.
Observe that, although the translator and the author are protected by the project of law,
they hold differences in their statute, in such way that to the first it is given the right to
alter, damage or hide his artistical or literary production, while the second receives only
the right regarding his copy or translation, not being allowed to the latter to restrict by
his own accordance the social circulation of other copies or translations of the same
work, unless he has thus negotiated with the owner of the patrimonial copyrights. In
practice, that represents, in terms of bookselling market, the opening of the free
commerce, since the same work could suffer countless translations, as long as the
copyright is respected. In effect, the §2° of the art. 5º of the project of law of Pedro
Americo addresses that the rights of literary property encompasses the exclusive right of
do or authorize the translation of the work.
63.
Considering that promise from the first speech of Pedro Américo, which was, of
bringing his personal experience in the elaboration of the aforementioned project, it can
be said that the inclusion of an article dedicated exclusively to the rights of property in
the figurative and plastic arts is its major differential. Thus, the art. 7° of his project of
law establishes that the “cession of a work of art does not grant its acquirer, save from
contrary adjustment, the right of reproduction, whatever be its form”[38] To preserve the
public interest, in the paragraph §2° of the same article it is written, however, that “if,
however, the acquirer is the State, county or some public establishment and the
reproduction is deemed to be of blatant national interest, the right of the author to fully
forbid it ceases to exist, leaving the author only that of choosing the reproducers and
demand a proper monetary restitution”
64.
The provisions of the art. 7 and his successive paragraphs from the project of Pedro
Américo did not extend itself, however to the “works of architecture that does not have a
blatant artistical purpose, to the explanatory plans and pictures, geographical,
topographical and other such similar maps, without special merit, furniture to the usage
of schools and other public establishments and in general the anonymous works done to
assist the teaching, labor or to satisfy intellectual needs without transcendence”. In sum,
Pedro Américo, in this last paragraph, establishes, in a certain way, two opposing fields
in regards to the figurative production: one that would belong to the domain of art,
whose core attribute would be “transcendence” and another, part of a domain tied to
“practical” destination, aimed to the technical reproduction, such as the educational or
labor usage, supposedly lacking finality or quality properly artistical.
65.
The project does not finishes without, first, mentioning in the arts. 8º. through 11, the
matter of plagiarism and the mechanisms of protection against the violation of any of the
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copyrights, punished with fines and monetary restitutions to the author. Particularly
interesting is the protective trait of the art. 10 that punishes the intentional debasement
(by means of critic, certainly!) of artistical or literary work with the clear or hidden
purpose of damaging the author.
66.
The project of Pedro Américo - and of the other many projects about copyright that
came before - did not came to pass. According to what writes Carlos Alberto Bittar, this
was the reason of the lack of success:
67.
Obstacles of doctrinaire aspect always opposed itself to the many attempts
made to endow Brazil of special law about copyright: the one that, as property, it
could not deserve monopolistic attribution about ideas, since those belonged to the
common collection of humanity. Due to this reason is that, basically, none of the
countless projects of law presented in Brazil to the regency of the topic have not
succeeded, since 1856 [...][39]
68.
Only in August 1898, five years after the proposal of Pedro Américo, would Brazil
have its first law of copyright: the Law 496, whose authoring was the congressman.[40]
However, this norm would be revoked in 1916, by the then new Civil Code, that
destined a specific chapter about the theme - “Of the literary, scientifical and artistical
property” -, to approach the questions related to the author’s rights.
Brief Conclusion Note: Talk of the advancements
69.
The end of the monarchic system in Brazil represented also the vanishing of the
imperial patronage that guaranteed the dynamic of part of the world of art and letters in
Brazil. It is in this context, of “cooling” of the national market of arts, that Pedro
Américo joins the Chamber of Congressman, right after the Proclamation of the
Republic. Even with his participation in the Legislative lacking meaning, due to the
constant trips to Europe, the painter from Paraiba inserted himself in an important
debate about literary and artistical property, that worried artists from both sides of the
Atlantic, as can be seen by the efforts of France in the sense of ensuring the signing of a
convention between both countries. Be it Brazilian, Portuguese or French, the problem
of the guarantee of rights about the artistical production in Brazilian soil worried many
because it was overextending itself, without resulting in significant conquests. Not
without reason, it is precisely six days after the rejection of the Literary Convention
between Brazil and Europe that Pedro Américo presents his project of law to the
legislative, in which is worth to mention the worry in ensuring identical rights to any
artist, despite country of origin or residency. Were this not already a significant advance
if compared to other projects, the one from Pedro Américo established, as mentioned
before, the distinction between moral and patrimonial rights about the artistical
production, in order to guarantee the interference in the process of reproduction or
translation of the alienated work. Beyond that, the possibility of transmission to third
parties, theme of any and all project elaborated in that century, would start to depend on
the express will of the author (according to art. 1º., §2º., of the project of law), which no
longer exists nowadays (art. 24, §1º., of the Law nº 9.610/1998). Thus, it can be stated
that the project of law of Pedro Américo constitutes important piece to the history of the
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copyright in Brazil, even if, as the ones that preceded it, it didn’t take the form of law, it
brought to the national scenery important elements to the advancement of the discussion
in the theme.
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UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES. Le Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union Internationale
pour la Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques. a. 7, n. 8, p. 109-120, 15 de agosto
de 1894.
_____. Le Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union Internationale pour la
Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques. a. 6, n. 3, p. 25-36, 15 de março de 1893.
_____. Le Droit d'Auteur: Organe Officiel du Bureau de l'Union Internationale pour la
Protection des Oeuvres Littéraires et Artistiques. a. 5, n. 9, p. 105-118, 15 de setembro de
1892.
ZACCARA, Madalena. Pedro Américo de Figueiredo e Mello, um Artista Brasileiro do
Século XIX. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2011.
______________________________
[1] Professor at the Federal University of Pernambuco (UFPE), where she teaches at the Interinstitutional
Program of Post-Graduation in Visual Arts. Graduated in Architecture and Urbanism by the Federal
University of Pernambuco (1976) and in Law by the Catholic University of Pernambuco (UNICAP, 1975),
Masters (DEA) in History and Civilizations at the Université Toulouse II (1992), France, and doctorate in
History of Art, also at the Université Toulouse II (1995), through the CAPES scholarship. Post-Doctorate
by the School of Fine Arts of the University of Oporto, Portugal (2014). Member of the National
Association of Researchers in Plastic Arts (ANPAP), of the Federation of Brazilian Educators of Art
(FAEB) and the Institute of Investigation in Art, Design and Society I2ADS (Porto, Portugal). Leader of
the research group “Art, Culture and Memory”. Author of several articles and books
[2] Professor of Brazilian Literature at the Post-Graduation Program of the Federal University of Pará
(UFPA). Graduated in Social Sciences through the University of Campinas (1990), Masters in Literary
Theory at the State University of Campinas (1998) e doctorate in Theory and Literary History at the State
University of Campinas (2006). Post-Doctorate in the Universite de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines,
France (2013-2014)
[3] Post-doctor (European University Institute, Florence, 2008, Calouste Gulbenkian Post-Doctoral
Fellow), Ph.D. (University of Coimbra, 2006, FCT fellowship), and Master of Laws (UFPB, 1999).
Professor at the Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Law School and Prosecutor at the Prosecution
Office at the Audit Court of Paraíba, Brazil. Member of the International Association of Constitutional
Law, member of the International Society of Public Law, member of the Instituto Hispano-LusoAmericano de Derecho Internacional (IHLADI) and President of the Brazilian Branch of the International
Law Association. Former student (Gasthörer) at the Free University of Berlin (Germany), visiting trainee
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at the Court of Justice of the European Communities (Luxembourg), Legal Advisor of the UN Mission in
Timor-Leste (UNOTIL) and the World Bank (PFMCBP/Timor). Coordinator of LABIRINT —
International Laboratory of Investigations into Transjuridicity (UFPB). The Portuguese version of this text
was published in Brazil in 2011. The current version brings minor modifications, carried out after some
insightful feedback. English translation by Caio Martino (Universidade Federal da Paraíba)
[4] BITTAR, 1989, p. 137. Traditionally, copyright and privilege are distinct institutions from the legal
standpoint. Throughout the history, privilege was a sort of license to print that, for most part, did not even
belong to the authors, that only sold their originals to an editing bookseller in exchange of some copies
richly decorated. The Law of August 11th of 1872, however, explicitly grans the authors (professors of the
newly founded Law course) the mentioned privilege
[5] The text of the law can be consulted in: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-11-081827.htm
[6] The text of the Code can be consulted in: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-121830.htm
[7] BITTAR, 1989, p. 139
[8] FERREIRA, s/d, p. 3
[9] BITTAR, 1989, p. 139
[10] Those expeditions needed skilled designers and painters to picture the explored flora, fauna and
geography
[11] The doctorate thesis was published under the title "La Science et les Systèmes - Questions d’Histoire
et de Philosophie Naturelle" (1869)
[12] ZACCARA, 2011, passim
[13] CARVALHO, 1990. p. 9
[14] Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, (Pombal-1746 - Rio de Janeiro 1792). The movement
named “Inconfidência Mineira” happened in 1789, in the region of Minas Gerais, main producer of gold
in Brazil at the time. The revolutionary wanted exemption from the taxes, steep, paid to the Crown. They
also wanted the development of the manufactures and an incentive to the agricultural production. That
would mean the ending of the commercial monopoly of Portugal and, technically, the Brazilian
independency. Tiradentes, condemned to death, was transformed into the first and greatest symbol of the
republican ideals
[15] CARVALHO, 1990, p. 141
[16] Museum D. João VI. National School of Fine Arts. Dossier Pedro Américo. Doc. N. 139
[17] Cf. CARDOSO DE OLIVEIRA, 1943, p. 180-181
[18] Known as Lei Saraiva, the electoral reform proposed by Rui Barbosa and publicized in January of
1881, constituted one of the most important measures of the Empire at that decade. In an attempt to fulfill
the desires of change, the reform established the direct vote for the legislative elections, ending the
elections in two degrees (there was an electoral college) and the restrictive distinction between “voters”
and “electorates” that existed until then. In the first degree, the “voters”, citizens with the minimum wage
stipulated by law and indicated at each election by a qualification group, voted in those that would, on the
second degree, participate as “electorates” of the ballot to the choice of members of legislative assemblies.
With the reform, it was established that the individual itself would need to require his electoral
enrollment, proving his right through documents demanded in the law. It was thus created the elector title
and eliminated the system of list and the naming of “voters” by the qualification group, minimizing the
margin for errors and frauds. The minimum wage requirement was kept, but the right to vote was
extended to the non-catholics, the naturalized Brazilian and the freeman. Articulated as an instrument of
moralization of the electoral process, the Saraiva Law seemed to have reached their goals at that moment,
since the Conservative Party, albeit minor, elected an expressive bench of 47 congressmen. With the
passing of time, however, the old vices of fraud and the pressure over voters returned, burring the hopes of
consolidating the electoral candor
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[19] Private Archives of Monsignor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Artist Journal. April of 1881. Note about
his intention to be a candidate and his request to help to his family. Dated by April 19th of 1881
[20] Private Archives of Monsignor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Artist Journal. June of 1881. Copy of the
letter sent by Pedro Américo to the chief of the Conservative Party. Written in Florence and dated by June
20th of 1881
[21] Private Archives of Monsignor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Letter to the voters of the city f Areia,
written in Rome and dated by July 16th of 1881
[22] Private Archives of Monsignor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Artist Journal. September 1881. Note
made in September 6th of 1881. In it, Américo states having recommended his family to accept the offer
of the Liberal Party to introduce him as a candidate
[23] Private Archives of Monsignor Rui Vieira. Areia. Paraíba. Artist Journal. November of 1883. Answer
to Daniel Pedro Ferro Cardoso, his childhood friend and study companion in Paris and Belgium. Dated by
November 2nd of 1883
[24] Manifest of Pedro Américo to the Brazilian Artists - edited and distributed as a pamphlet, whose
reproduction in the local papers at the time is unknown. The journal of the artist transcribed it and it can
be (or could be) found in the Regional Museum of Areia (the House of Pedro Américo) in full. It is of
note that, since the late 19th century, the legislative work was seen, essentially, as inferring rationally the
great universal principles that should govern life in society, therefore only very elevated spirits were apt to
“communicate with the stars”, according to the beautiful metaphor of Rogério Soares (SOARES, s/d, p.
436). Of this vision of the world, resulted the sublime respect that was lent to the legislator, a man
knowledgeable enough to, with especial devotion to the truth and rare capacity of enlightened and
unbiased thought, reach what was the justice and the Law (SOARES, s/d, p. 436-437). Only the best and
the most independent could be legislators - and that would explain, for instance, the presence of scholars
such as Honoré de Balzac, Epitácio Pessoa or José de Alencar in the parliament! In this fashion, it was
“justified” the censual vote and, in a tautological manner, the supremacy of the law as source of the Law,
after all, the law came from a body that sported a position of moral and intellectual superiority in regards
to the other agencies of the State and society itself. Note that the supremacy of the law (the juricentrism),
as conceived by the French revolutionaries of 1789, did not admit any exception, not even when facing
the Constitution, understood then as a political document that lacked normativity (FRANCA FILHO,
2008, p.114).
[25] Private Archives of Monsignor Rui Vieira. Areia. Paraíba. List of the congressment and their
addresses
[26] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1892, p. 111
[27] In truth the convention was signed by Tristão de Alencar Araripe, check the news published
afterwards in UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES
ET ARTISTIQUES, 1893, p. 30
[28] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1892, p. 112
[29] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1894, p. 113. Similar news are found in Le Temps and in Le Figaro, of Paris. In the
previous year, a small note in the French newspaper Le Temps, in his edition of September 20th of 1892,
already anticipated this failure with express mention about Pedro Américo: “Nous recevons une dépêche
de Rio-Janeiro disant que, pour desmotifs supérieurs, le Corps législatif du Brésil ne ratifiera pas, dans la
session de cette année, la convention littéraire avec la France. M. Nilo Peçanha, rapporteur de la
commission de traités et de diplomatie de la Chambre des députés, aurait même suspendu l'élaboration de
son rapport à ce sujet. Il est à rapprocher de cette nouvelle que le Congrès brésilien a été saisi d'un projet
de fondation d'un théâtre national, signé de M. Pedro Américo et de vingt autres députés” (Le Temps, a.
42, n. 114, September 20th of 1892, p. 4)
[30] ANNAES, 1893, p. 224
[31] UNION INTERNATIONALE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES LITTERAIRES ET
ARTISTIQUES, 1894, p. 113
http://www.dezenovevinte.net/criticas/pa_direito_eng.htm
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19&20 - The quill and the brush: the Law Project of Pedro Américo about Artistic and Literary Property and the dialogue between P…
[32] ANNAES, 1893, p. 224
[33] ANNAES, 1893, p. 224. Few days after, in the session of July 18th of 1893, the Congressman Pedro
Américo again requests the stand to appeal to the Presidency of the Chamber of Congressmen to put his
project to vote (ANNAES, 1893, p. 300)
[34] ANNAES, 1893, p. 224
[35] ANNAES, 1893, p. 225
[36] ANNAES, 1893, p. 28
[37] ANNAES, 1893, p. 225. The current Law nº 9.610/1998 protects explicitly the translation “Art. 7º It
is considered works intellectually protected the creations of the spirit, expressed by any means or exposed
in any support, tangible or intangible, known or that can be invented in the future, such as: XI - the
adaptations, translations and other transformations of original works, introduced as a new intellectual
creation”.
[38] ANNAES, 1893, p. 226. Currently, the Brazilian law of copyright regulates in a similar fashion the
subject “Art. 37. The acquisition of the original of a work or exemplar, does not grant the purchaser any of
the patrimonial rights of the author, save contrary convention between the parties and the cases set in this
Law”.
[39] BITTAR, 1989, p. 139
[40] BITTAR, 1989, p. 139. FERREIRA, s/d, p. 3
http://www.dezenovevinte.net/criticas/pa_direito_eng.htm
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19&20 - O desafio de conservar a memória projetual e construtiva do campus Seropédica da UFRRJ, por Claudio Antonio S. Lima …
O desafio de conservar a memória projetual e construtiva do
campus Seropédica da UFRRJ
Claudio Antonio S. Lima Carlos
CARLOS, Claudio Antonio S. Lima. O desafio de conservar a memória projetual e construtiva do
campus Seropédica da UFRRJ. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/caslc_ufrrj.htm>.
*
*
*
Introdução
1.
O presente trabalho relata os esforços empreendidos por professores e alunos da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) na tarefa de resgatar, divulgar e
conservar preventivamente o acervo de plantas relacionadas à construção do conjunto
arquitetônico-paisagístico do Campus Seropédica, ocorrida no período 1938-1947
[Figura 1]. O citado processo inclui inúmeras dificuldades enfrentadas que remetem a
reflexões que confrontam a extrema importância da memória documental com o crônico
e generalizado descaso das instituições públicas com relação à tarefa de conservá-la. O
estado de conservação extremamente precário do acervo trabalhado revela, de maneira
dramática, uma omissão institucional, de décadas, na tarefa de conservação de sua
própria memória.
2.
A existência deste importante acervo foi constatada em 2007, graças ao mapeamento de
danos das fachadas e interiores dos pavilhões protegidos pelo tombamento estadual,
desenvolvido como atividade curricular da disciplina de Projeto de Conservação e
Restauração do Patrimônio Cultural Edificado, do curso de arquitetura e urbanismo da
UFRRJ.[1] A atividade incluiu, previamente, uma pesquisa histórica e documental
acerca das edificações objeto do mapeamento de danos, o que direcionou os alunos ao
arquivo de plantas localizado no prédio da Prefeitura Universitária da UFRRJ. Na
ocasião, foi possível constatar a extrema relevância do acervo, bem como seu precário
estado de conservação e guarda [Figura 2].
3.
Mais tarde, o referido acervo foi tema de projeto de iniciação científica, denominado
“Descobrindo o campus da UFRRJ por intermédio de seu acervo documental”,
desenvolvido pelo autor, no período 2009-2011. A referida pesquisa detectou diversos
originais assinados por Mário Whately, Eugênio de Proença Sigaud, Ângelo Murgel,
dentre outros arquitetos, que foram elaborados com técnicas tradicionais de desenho
com a utilização de nanquim, grafite e técnica mista sobre papel manteiga ou vegetal.
Em 2014, o autor iniciou o desenvolvimento de outra pesquisa de iniciação científica
denominada “Técnicas retrospectivas de desenho e representação gráfica”, com o
objetivo de levantar, estudar e mapear as técnicas utilizadas na confecção das plantas.
As pesquisas realizadas ao longo dos anos de 2009 e 2015 possibilitaram a elaboração
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de artigos apresentados em eventos internacionais, despertando grande interesse dos
participantes.[2]
4.
Em 2013, com o apoio do Centro de Memória da UFRRJ e de professores dos cursos de
Arquitetura e Urbanismo e Belas Artes, foi elaborado um projeto de conservação
preventiva e digitalização da referida documentação que foi contemplado com recursos
concedidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ). A iniciativa viabilizou a conservação preventiva de mais de 300 plantas - até
o presente momento -, além de incluir a compra de equipamentos que viabilizarão
futuramente a montagem de um laboratório especializado na conservação de papel,
especialmente as plantas arquitetônicas do campus Seropédica. Uma vez estabelecido,
este laboratório será um instrumento importante no processo de conservação e
divulgação da memória do campus, fornecendo, inclusive, subsídios históricos
importantes para a conservação da sua arquitetura e paisagismo.[3]
5.
Em face do exposto, o presente trabalho será estruturado em quatro partes. A primeira
se destinará a abordar alguns aspectos teóricos e legais acerca da importância da análise
e conservação de documentos, especialmente aqueles relacionados à arquitetura. Na
segunda parte, são abordados brevemente alguns dados históricos e característicos do
conjunto arquitetônico do campus Seropédica, com destaque para as edificações
protegidas pelo tombamento. Na terceira parte, são apresentadas as atividades do
projeto, objeto do presente trabalho, e seus respectivos resultados. Na quarta parte, são
descritos os meios e procedimentos técnicos utilizados pela iniciativa de conservação
preventiva e digitalização do acervo de plantas, bem como os resultados até agora
obtidos e as principais dificuldades encontradas pela equipe, para sua viabilização. Por
fim, são apresentados os resultados e expectativas futuras criadas pela iniciativa de
conservação objeto do presente trabalho.
A importância da conservação preventiva de documentos
6.
Para Le Goff (2003, p. 419), o conceito de memória é referência crucial e possui a
“propriedade de conservar certas informações” que nos remetem “em primeiro lugar a
um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões
ou informações passadas, ou que ele representa como passadas.” Maurice Halbwachs
não considera a memória apenas como um atributo da condição humana, tampouco
como algo que é construído a partir do seu vínculo com o passado, mas sim como
resultado de “representações coletivas construídas no presente” que têm como função
manter a sociedade coerente e unida. Para Halbwachs a memória tem apenas um
adjetivo: coletiva (SANTOS, 2003, p.21). Le Goff (2003, p.525) afirma que a memória
coletiva possui a sua forma científica, a história, que se aplica em dois tipos de
materiais: os documentos e os monumentos.
7.
O termo latino “documentun” deriva de “docere”, que significa ensinar e assume o
sentido de papel justificativo - domínio policial - e também, a partir da virada do século
XIX para o XX, para a corrente positivista, de fundamento do fato histórico, prova
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histórica (LE GOFF, 2003, p. 526). Ocorre que, em 1929, segundo Le Goff (2003, p.
530), os fundadores da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, pioneiros de
uma história nova, ampliaram a noção e o sentido de documento que passou a abranger
aqueles escritos, ilustrados, transmitidos pelo som, imagens, desenhos ou qualquer outra
maneira. Estes vinculam a sua existência a da própria história, ou seja, “não há história
sem documentos” (LE GOFF, 2003, p.531)
8.
Quando se trata de arquitetura, a documentação histórica é uma relevante fonte de
conhecimentos e informações que permitem, dentre outras coisas, a reconstituição
precisa das intenções e sentimentos dos seus respectivos idealizadores (empreendedores
e arquitetos). Segundo o dicionário Hoauiss (2001), projetar possui diversos
significados, desde atirar, arremessar à distância, até fazer um projeto, planejar. O termo
relaciona-se com algo que lançamos ou vislumbramos a frente. No caso do projeto
arquitetônico, há uma nítida revelação de uma intenção futura, ou seja, o projeto permite
a visualização prévia e em escala reduzida, do edifício que se pretende construir. A
análise dos projetos originais de uma edificação nos fornece uma concreta possibilidade
de perceber o que se pretendeu no passado e, por comparação, identificar o que
realmente foi realizado, executado e de que forma foi apropriado no presente. A
identificação, a catalogação, a análise e a divulgação de documentação escrita e
iconográfica relacionada à arquitetura tornam-se ações fundamentais para uma melhor
compreensão de sua importância e trajetória. Trata-se da conservação de um dos pontos
que compõem o extenso mosaico de referências materiais que contribuem para a
construção e a manutenção da memória coletiva de grupos humanos, tendo em vista que
as arquiteturas, especialmente as de uso público, são locais de convivência e vivências
coletivas. Além da própria edificação, este mosaico é composto por relatos, lembranças
e, sobretudo, pela documentação escrita e iconográfica, tais como, desenhos, projetos,
imagens, textos etc. Myriam S. dos Santos (2003, p.19) confirma esse pensamento
quando afirma que os objetos e os documentos são capazes de reproduzir parte do que
foi vivenciado no passado.
9.
No caso específico das entidades públicas, os arquivos assumem grande importância no
processo de perpetuação das respectivas memórias, representando verdadeiros
repositórios que testemunham fatos vividos no passado. Os conjuntos de documentos
neles guardados, independente de suporte, inequivocamente, são frutos de acumulação
proveniente de atividades dessas entidades ocorridas em diversas épocas e sob diferentes
contextos culturais e políticos. Após terem cumprido a sua função original (instrumentos
de trabalho), transformam-se em evidências do passado, guardando a memória de fatos,
intenções concretizadas ou não (ANGELO, 2009, p.92).
10.
Em nível mundial, a importância da memória documental foi primeiramente destacada
em 1931, na Carta de Atenas. O documento materializou consenso de ideias e conceitos
entre nações participantes da Sociedade das Nações sobre a conservação do patrimônio
cultural. Seu texto enfatizou no subitem “c”, do item VII (A Conservação dos
Monumentos e a Colaboração Internacional) a utilidade de uma “documentação
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internacional” sobre monumentos. Dentre outros pontos, recomendou a importância da
publicação de documentos relacionados aos monumentos, bem como a iniciativa de cada
Estado membro de constituir arquivos “onde serão reunidos todos os documentos
relativos a seus monumentos históricos” (CURY, 2004, p.16).
11.
A preocupação com a guarda e a publicação de documentos acerca de bens culturais foi
reafirmada, em 1956, no documento conclusivo da 9ª Sessão da Conferência Geral da
Unesco, ocorrida em Nova Delhi acerca do patrimônio arqueológico. Em 1964, a Carta
de Veneza (Carta Internacional sobre conservação e restauração de monumentos e
sítios), redigida após o II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos
Monumentos Históricos, recomendou que toda a documentação gerada a partir de
intervenções de conservação em bens culturais deveria ser publicada e/ou
disponibilizada em arquivos de órgãos públicos, de forma a ser acessível aos
pesquisadores atuantes na área. No Brasil, a Constituição Federal, estabeleceu, em 1988,
a obrigatoriedade de órgãos públicos, no tocante ao patrimônio cultural e na forma da
lei, na viabilização de meios de gestão da documentação governamental, bem como as
providências cabíveis para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
12.
A importância da guarda e da conservação de documentação primária, especialmente
aquela relacionada à arquitetura, também é comprovada por meio da existência, em
diversas cidades brasileiras, de edificações projetadas e construídas especialmente para
esse fim. Pode-se citar como exemplo, na cidade do Rio de Janeiro, dentre outras, o caso
do Arquivo Geral da Cidade (AGCRJ) que guarda conjunto documental de cerca de
50.000 processos de licença de obras, que contam parte da evolução urbana da cidade,
desde 1792. Segundo Ingrid Beck (2002, p.33), o acervo do AGCRJ “possui grande
valor informativo, seja para fins de pesquisa acadêmica, seja para teses de graduação e
pós-graduação (Engenharia, Arquitetura, História, Jornalismo etc.)”.
13.
No caso do acervo de plantas relacionadas à memória projetual do campus Seropédica
da UFRRJ, observa-se uma infinidade de intenções não concretizadas - não executadas ou diversificadas. Estas informações permitem constatar os ambiciosos objetivos do
Estado Novo de Getúlio Vargas no intuito de criar um centro acadêmico de excelência
nas ciências agrárias, capaz de proporcionar autonomia aos produtores brasileiros do
setor. O apuro dos detalhes arquitetônicos e do mobiliário especialmente projetado para
os interiores transmite requinte e apuro formal ao conjunto. Por outro lado, também nos
permite comparar criticamente soluções projetadas com as executadas, bem como as
apropriações contemporâneas dos espaços projetados no passado.
Breve histórico do campus Seropédica
14.
O processo que viabilizou a construção do campus Seropédica da UFRRJ foi iniciado
em março de 1934, quando as Escolas Nacionais de Agronomia e Nacional de
Veterinária tiveram o regulamento comum aprovado e tornaram-se estabelecimentospadrão para o ensino agronômico do país. A partir daí um conjunto de medidas legais
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resultaria na criação da Universidade Rural, em 1944, que se instalou definitivamente no
campus Seropédica em 1948 [Figura 3].
15.
Segundo registros históricos relacionados ao processo de construção do campus
Seropédica, o engenheiro-arquiteto Ângelo Alberto Murgel (1907-1978) supervisionou
todos os projetos de arquitetura dos pavilhões que foram executados pela empresa
paulista Mário Whately Engenheiros Civis, Architectos e Industriaes em estilo
neocolonial, conforme exigência do governo federal. Murgel liderou uma grande equipe
de colaboradores que, no período 1938-1947, desenvolveu o projeto do campus e
acompanhou a construção do conjunto de edificações que seria erguido num terreno
situado em área anteriormente pertencente ao Ministério da Agricultura, sendo,
originalmente, parte integrante da Fazenda Nacional de Santa Cruz.[4] O projeto
paisagístico, em estilo inglês, ficou a cargo de Reynaldo Dierberger que deu ares rurais
ao lugar, criando lagos e pequenas colinas artificiais, utilizando-se preferencialmente de
flora nativa [Figura 4].
16.
Segundo dados obtidos nos arquivos da Prefeitura Universitária da UFRRJ, Murgel
assinou como autor apenas alguns dos projetos, dentre eles o da Escola de Agronomia.
As demais plantas e desenhos levantados apresentam carimbos assinados por Mário
Whately, Engenheiros Civis, Architectos e Industriaes e diversos colaboradores, com
destaque para a contribuição do arquiteto e artista plástico Eugênio de Proença Sigaud
(E. P. Sigaud) que assinou diversos estudos, croquis e detalhamentos de ornatos de
interiores e de mobiliário.
17.
A assinatura de Ângelo Alberto Murgel foi identificada apenas nas pranchas do projeto
da Escola Agrotécnica Ildefonso Simões Lopes (atual Colégio Técnico da Universidade
Rural -CTUR) e do Instituto de Agronomia, além de diversas revisões de outros
desenhos. Foi ainda possível identificar a participação da Empresa Laubisch & Hirth,
que empregou o “designer” de móvel Joaquim Tenreiro, no período 1933-1943. Este
fato possibilita inferir que, pelo seu período de atuação na empresa, é muito provável
que tenha projetado mobiliário e interiores de alguns pavilhões da UFRRJ, o que amplia
o interesse de preservação deste mobiliário, pouco considerado ao longo dos anos.
18.
Conforme anteriormente comentado, o governo federal recomendou, na construção do
campus, a adoção de elementos que caracterizassem um típico “ambiente rural”
compatível com as atividades desenvolvidas ligadas à agropecuária. Para tal, a
monumentalidade dos prédios deveria ser associada a sua tendência estilística,
obrigatoriamente em neocolonial. A relação entre a tradição das atividades
agropecuárias e a tradição arquitetônica brasileira conduziu à opção pelo estilo
artificialmente construído, no início do século XX, a partir de exemplares de
arquiteturas tradicionais civis (rurais e urbanas) e religiosas surgidas no período colonial
brasileiro, precisamente no século XVIII.
19.
Cabe ressaltar que a tendência estilística à época já era questionada e considerada
ultrapassada por muitos dos principais arquitetos que a seguiam, como, por exemplo,
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Lúcio Costa, que liderou uma equipe de arquitetos que elaboraram o projeto do prédio
do Ministério da Educação e Saúde (MES, 1937-1943), no Centro do Rio de Janeiro.
Outro evento importante que se destaca no contexto arquitetônico do Rio de Janeiro é a
construção da cidade universitária da UFRJ, iniciada em 1949, cujo plano geral foi
elaborado por Jorge Machado Moreira e equipe (CZAJKOWSKI, org, 1999, p. 130). A
proximidade cronológica entre os dois eventos possibilita inferir que o “Brasil rural”,
ligado às tradições conservadoras, era esteticamente identificado com o estilo
neocolonial, enquanto o “Brasil urbano” já incorporava o moderno. O fato transmite ao
conjunto arquitetônico-paisagístico do campus da UFRRJ um caráter documental dos
mais importantes para a compreensão de parte do contexto arquitetônico brasileiro
referente ao século XX.
Aspectos administrativos e estruturais do Campus da UFRRJ relacionados ao
projeto
20.
Em novembro de 2013, foram iniciadas as atividades do projeto com uma reunião entre
os professores membros da equipe e bolsistas dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e
Belas Artes que estabeleceu as prioridades de compra de materiais de consumo e
equipamentos; espaço necessário para as atividades, definição da equipe e captação e
identificação das plantas objeto da pesquisa.[5]
21.
Com relação aos espaços necessários para as atividades do projeto, a equipe vislumbrou
a necessidade de cessão de uma ou mais salas pela administração superior, com área,
segurança e instalações prediais (elétrica e hidráulica) suficientes para abrigar os
equipamentos e as atividades técnicas relacionadas ao projeto de pesquisa. No entanto,
mediante as dificuldades e a lentidão nos processos administrativos internos de obtenção
desse almejado espaço, decidiu-se pela imediata utilização do pequeno espaço do Centro
de Memória da UFRRJ (CM/UFRRJ) para, mesmo que precariamente, alocar
equipamentos, materiais de consumo e a realização de reuniões e treinamento da equipe.
O projeto também ocupou imediatamente duas salas, sem uso, localizadas no segundo
pavimento da Prefeitura Universitária do Campus Seropédica (PU/UFRRJ), onde se
encontram as mapotecas com o acervo a ser conservado. A solução visou não prejudicar
o andamento do projeto, porém não afastou a continuidade das negociações junto à
administração superior, de um espaço no novo prédio da nova biblioteca do campus,
recentemente construído. O local é considerado pela equipe como ideal para não apenas
abrigar o laboratório de restauração de documentos, mas também todo o acervo de
plantas objeto das intervenções de conservação e digitalização que atualmente está
precariamente guardado no prédio da Prefeitura Universitária (PU) do Campus
Seropédica [Figura 5].
22.
Cabe também destacar que a UFRRJ, especialmente o campus Seropédica, lugar da
pesquisa, passa por uma grave crise originada pelo acúmulo de problemas
administrativos e estruturais acumulados nos seus mais de sessenta anos de existência.
Os anos de 2013 e 2014 caracterizaram-se pelo agravamento da citada crise, sendo
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marcados por greves (de funcionários, alunos e professores), ocupação da Reitoria por
alunos e ações de reestruturação administrativa. Em 2015, o panorama se manteve
inalterado contando ainda com outra greve de funcionários que se estendeu de maio até
outubro. Adiciona-se ao quadro, a contenção de despesas estabelecidas pelo governo
federal este ano, que refletiu diretamente sobre as Universidades Federais.
23.
Sob esse contexto, a partir de 10 de março de 2014, iniciaram-se tratativas que visaram
à obtenção de um espaço adequado e um maior apoio ao projeto, por parte da
administração superior da UFRRJ, tendo em vista suas proposições e metas
estabelecidas, bem como os problemas encontrados pela equipe para o seu pleno
desenvolvimento.
24.
Com relação ao espaço para as atividades de conservação das plantas históricas, foi
solicitada, como solução alternativa, à administração superior à cessão de uma das salas
do prédio da PU/UFRRJ, o que foi atendido e legitimado. A citada sala guarda uma
mapoteca de grande porte, sem uso e em excelente estado de conservação que está sendo
utilizada para a guarda das plantas higienizadas e conservadas preventivamente. O
equipamento foi identificado pelos pesquisadores, em março de 2014, encontrando-se
instalado no andar térreo do prédio da PU/UFRRJ, em sala cujas instalações elétricas
carecem de reparos e que, guarda uma série de móveis inservíveis em seu interior. Em
função disso, foi solicitada a sua desocupação e a realização das obras necessárias na
rede elétrica, fatos que ainda não ocorreram.
25.
No mesmo dia em que a citada sala foi concedida à pesquisa, os integrantes da equipe
elaboraram novo layout para a transformação de uso da sala da mapoteca metálica em
espaço para pequeno laboratório de análise, conservação e guarda do acervo das plantas
históricas referentes à construção do campus da Universidade. As obras ainda não foram
realizadas e, perante a crise orçamentária atual, não têm previsão de início. Os
equipamentos até agora comprados encontram-se parte localizados no Centro de
Memória, no Pavilhão Central (P1), e parte no local da mapoteca original em madeira
por questões técnicas que buscam a separação entre as plantas higienizadas e não
higienizadas. É importante destacar que as instalações elétricas do P1 encontram-se
sobrecarregadas, inviabilizando a plena utilização dos equipamentos adquiridos, dos
quais muitos ainda nem foram ligados.
26.
Após reivindicação da equipe do projeto à administração superior, obteve-se, em 2015,
um cargo administrativo terceirizado que será ocupado por um especialista em
restauração de papel que gerenciará o futuro laboratório e dará continuidade aos
trabalhos de conservação, cadastro e digitalização do acervo. Espera-se que o
laboratório, assim como o acervo de plantas, tenham um local definitivo até 2017.
Acredita-se que importante passo foi dado para sua consolidação na estrutura
administrativa da Universidade.
A conservação preventiva do acervo
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27.
A teoria da conservação do patrimônio cultural indica sempre a conservação preventiva
como ação primordial no sentido de evitar-se a restauração. Segundo o Dicionário de
Terminologia Arquivística (1996, p.18, 61), a conservação é o “conjunto de
procedimentos e medidas destinadas a assegurar a proteção física dos arquivos contra
agentes de destruição”, e preservação é “função arquivística destinada a assegurar as
atividades de acondicionamento, armazenamento, conservação e restauração de
documentos”.
28.
Mediante essas premissas, as iniciativas do projeto priorizaram a conservação
preventiva das plantas do acervo e a retirada gradativa dos originais da mapoteca de
madeira, onde estão suspensas por “orelhas de papel” grampeadas aos originais, bem
como do ambiente no qual se encontram que se apresentavam com goteiras e muita
poeira, em sala prédio da Prefeitura Universitária (PU) [Figura 2].[6]
29.
É possível observar que, apesar de seu precário estado de conservação e guarda, o
conjunto de documentos ainda demonstra o extremo apuro formal e riqueza de
detalhamentos de ornamentos e interiores do conjunto arquitetônico que abriga os
diversos institutos da UFRRJ. Neste universo, como referido, destacam-se os projetos de
interiores e mobiliário executados pela empresa Laubisch & Hirth que empregou
Joaquim Tenreiro no período 1933-1943 e detalhes feitos em várias escalas, inclusive a
1/1, por E. P. Sigaud [Figura 6].
30.
As ações de conservação preventiva do acervo se restringiram basicamente ao controle
do ambiente interno e à higienização (remoção de sujidades), retirada de grampos
metálicos, “orelhas”, fitas adesivas e outros elementos que promoviam a deterioração
dos originais, a maior parte em papel manteiga e vegetal. Essas etapas foram executadas
na própria sala da Prefeitura Universitária, situada no segundo pavimento, onde está
localizada a mapoteca original em madeira. Para facilitar os trabalhos, a mesa de
higienização adquirida com recursos da FAPERJ foi transferida para o local [Figura 7].
Desta forma, foram seguidos os seguintes passos:
• registro fotográfico do carimbo da planta, possibilitando a visualização do seu
número original de registro, autoria, data de execução e tema;
• registro fotográfico da planta inteira mostrando o original em suas reais proporções
e estado de conservação;
• registro fotográfico das patologias detectadas.
31.
Após essas etapas, providenciou-se a análise minuciosa de toda a planta (exame
organoléptico), para em seguida preencher-se a ficha de registro especialmente criada
para o projeto [Figura 8]. Terminado o preenchimento da ficha, iniciaram-se as medidas
básicas de conservação curativa, tais como, higienização - feita com trincha - e remoção
de grampos e orelhas de papelão [Figura 9]. As plantas higienizadas foram transferidas
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para a mapoteca em aço localizada na sala no primeiro andar do prédio da PU/UFRRJ,
após a mesma ter sido rigorosamente limpa.
32.
A documentação foi acondicionada por número de registro na prateleira. Com a compra
do papel de pH neutro, iniciou-se a elaboração de pastas de acondicionamento
individual, levando em conta o tamanho da planta. Os citados trabalhos foram
executados nas dependências do Centro de Memória/UFRRJ.
33.
Outra atividade desenvolvida foi o controle climático do laboratório e da sala da
mapoteca. Utilizou-se o aparelho denominado termo higrômetro para medir a
temperatura mínima, máxima e a umidade relativa (UR) para atestar se a plantas não
sofreriam um choque de diferença climática (umidade e luminosidade), o que
prejudicaria a sua conservação. O importante é construir-se um ambiente estável para a
guarda das plantas e, para tal, mediu-se a temperatura duas vezes ao dia.
34.
Uma vez higienizados e livres de elementos agravantes do seu estado de conservação,
as plantas foram acondicionadas em “pastas em cruz”, feitas com papel “filiset” neutro
acompanhada de uma base protetora embaixo e acima para que a obra não entre em
contato com outros documentos [Figura 10]. O papel escolhido é um papel, “acid free”,
por não ser fabricado pelo processo convencional de colagem ácida. Este papel tem
longa durabilidade por ser resistente a fungos e proliferação de bactérias, sendo ideal
para restauração ou recuperação de documentos. Seu objetivo é manter características
intrínsecas do documento, como sua originalidade e autenticidade. Nas plantas
arquitetônicas muito grandes foi necessário unir dois ou mais papeis “acid-free” com
cola CMC (Carboxil-metil-celulose).
35.
Feitos os devidos trabalhos de conservação preventiva, efetuaram-se os registros
fotográficos e o cadastramento de cada original, por intermédio de fichas especialmente
elaboradas para o projeto, que apresentam dados relacionados às ações de conservação
preventiva executadas, análise do estado de conservação, características do original
(suporte, dimensões, técnica utilizada) etc .
36.
As plantas higienizadas e envelopadas primeiramente foram guardadas na citada
mapoteca metálica sem uso. Porém, este ano, em função de obras de conservação no
citado prédio (atualização das instalações elétricas), elas foram transferidas para as
dependências do Centro de Memória onde estão guardadas, provisoriamente, em
mapotecas horizontais em aço. Atualmente, o projeto conseguiu higienizar e cadastrar
cerca de mais de 350 originais relacionados à memória projetual e construtiva do
Campus Seropédica da UFRRJ. Intenciona-se, futuramente, inseri-los no tombamento
estadual do campus (2001) como bens móveis, fato que gerará responsabilidade legal da
administração superior, de conservá-los, garantindo a sua existência e transmissão às
gerações futuras.
A Digitalização do acervo
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19&20 - O desafio de conservar a memória projetual e construtiva do campus Seropédica da UFRRJ, por Claudio Antonio S. Lima …
37.
Em função das dificuldades encontradas, no que diz respeito ao espaço para
equipamentos, bem como o estado precário das plantas, optou-se por fotografar os
originais com o auxílio de câmera profissional acoplada a um suporte criado pelo
Professor Delson de Lima Filho, integrante da equipe do projeto, especialmente para
este fim [Figura 11]. Por meio de suave sucção, o original é planificado em uma base
oca de MDF possibilitando a execução da fotografia com luz indireta. As fotos recebem
tratamento digital e, em médio prazo, pretende-se disponibilizar parte do acervo em
arquivo com extensão PDF.
38.
Há também a possibilidade de disponibilização das informações relacionadas ao acervo
no Sistema de Gerenciamento de Acervos Museológicos - SISGAM, do Estado do Rio
de Janeiro, por intermédio do cadastramento do Centro de Memória da UFRRJ. Os
contatos entre membros da equipe do projeto e da Secretaria Estadual de Cultura foram
iniciados no dia 5 de agosto de 2015. As iniciativas incluem um acordo de cooperação
técnica com a Escola de Museologia da UFF, com vistas à obtenção de bolsistas para a
correta catalogação do acervo conforme normas estabelecidas pelo sistema, bem como a
disponibilização em rede para consulta das fichas cadastrais das plantas. Espera-se em
curto médio prazo, disponibilizar e divulgar o acervo de plantas da UFRRJ para
pesquisadores em geral.
39.
Pretende-se, ao longo de 2016, conservar preventivamente e digitalizar todo o conteúdo
da mapoteca original em madeira, para no ano de 2017, empreender esforços no sentido
de iniciar os trabalhos de restauração do acervo. Para o mesmo ano, a equipe também
pretende propor ao Conselho Estadual de Tombamento (CET) a inclusão do acervo
conservado preventivamente, no tombamento estadual da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (1998-2001).
Considerações Finais
40.
A experiência do projeto de conservação preventiva do acervo de plantas relacionadas à
construção do campus da UFRRJ revela de maneira clara, o crônico desinteresse das
administrações dos órgãos públicos pela preservação e divulgação da sua própria
memória.
41.
O precário estado de conservação e a guarda inadequada do acervo de plantas históricas
revelam, de maneira inequívoca, décadas de abandono e descaso por parte das
sucessivas administrações da UFRRJ. Por outro lado, é alvissareiro constatar que, a
partir da iniciativa de conservação preventiva empreendida por docentes dos cursos de
Arquitetura e Belas Artes pode-se despertar o grande interesse dos discentes envolvidos
no projeto que se dedicaram e se dedicam diariamente às árduas tarefas de salvamento e
conservação preventiva da preciosa documentação. Lamentavelmente, o interesse de
docentes e discentes pela conservação do acervo histórico contrasta com a
desarticulação administrativa da Universidade e a sua excessiva lentidão no atendimento
das demandas inerentes ao relevante projeto.
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42.
O estado avançado de degradação e a forma como tão valioso acervo se encontrava e
ainda se encontra, em parte, acondicionado, não deixam dúvidas sobre a sua plena e
inevitável perda em curto prazo de tempo, caso as iniciativas não houvessem sido
tomadas. Com ele, se perderia além de informações preciosas, um acervo de plantas de
rara beleza e importância para a história recente da arquitetura brasileira, que
apresentam técnicas de desenho e representação gráfica atualmente pouco utilizadas ou
até mesmo perdidas. A experiência proporcionou aos professores e, principalmente, aos
alunos envolvidos, acessar um universo de nossa arquitetura em grande parte
desconhecido, enriquecendo certamente suas formações profissionais.
43.
Apesar das extremas dificuldades encontradas pela equipe, foi possível cumprir os
objetivos propostos pelo projeto de pesquisa, o que garante boas perspectivas futuras de
continuidade dos trabalhos de pesquisa, exploração e divulgação do acervo de plantas
que testemunham a projetação e construção do Campus Seropédica da UFRRJ.
Bibliografia
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Conselheiros: Manual de atuação dos agentes do Patrimônio Cultural /organização Marcos
Paulo de Souza Miranda, Guilherme Maciel Araújo e Jorge Abdo Askar. Belo Horizonte: IEDS,
2009, PP. 91-96.
BECK, Ingrid. Manual de conservação de documentos. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
1985
CURY, Isabelle. Cartas Patrimoniais. Iphan, Rio de Janeiro; 3ª edição, 2004.
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Urbanismo - CAU, 1999.
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Arquivistas Brasileiros - Núcleo Regional de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1996.
HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Centauro, 2004.
KESSEL, Carlos. Arquitetura neocolonial no Brasil. Entre o pastiche e a modernidade. Rio
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LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Editora Unicamp, 2003.
LIMA CARLOS, Claudio A. Descobrindo o Campus da UFRRJ Através do seu Patrimônio
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RUMBELAPAGER, Maria de Lourdes. Arquitetura Neocolonial. Seropédica, RJ: EDUR,
2005.
REVISTA ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v.12, n.2, p. 254-272, jul./dez, 2007.
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SANTOS, Myriam Sepúlveda dos. Memória Coletiva e Teoria Social. São Paulo: Annablume,
2003.
______________________________
[1] O tombamento estadual ocorreu de forma provisória, em 1998, e definitivamente em 2001. O objeto
inicial do pedido feito por técnicos da Universidade foi o painel de azulejos da artista plástica portuguesa
Maria Helena Vieira da Silva, localizado no espaço do antigo salão do restaurante de alunos e atual sala de
estudos. Ao visitarem o campus da UFRRJ, técnicos do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
decidiram incluir na proposta de proteção o parque paisagístico, além do pavilhão Central, prédios dos
Institutos de Química e Biologia; residência do Reitor e prédio sede da Embrapa.
[2] II e III colóquio Ibero Americano de Paisagem cultural, patrimônio e projeto (2011 e 2014) e IV
Seminário Ibero Americano de Arquitetura e Documentação (2015).
[3] A equipe do projeto contou com os pesquisadores: Claudio Antonio Santos Lima Carlos
(DAU/IT/UFRRJ, Coordenador, Ana Paula Ribeiro de Araujo (Professora Dra. Arquiteta
DAU/IT/UFRRJ), Arthur Gomes Valle (Professor Dr. em Artes Visuais, DArtes/ICHS/UFRRJ), Delson de
Lima Filho (DAU/IT/UFRRJ), Fábio Pereira Cerdeira (Professor Dr. em Ciência da Arte,
Dartes/ICHS/UFRRJ), Júlio César Ribeiro Sampaio (Professor Dr. Arquiteto, DAU/IT/UFRRJ), Lucília
Augusta Lino de Paula (Profa. Dra. em Educação, DTPE/IE/UFRRJ); e dos estudantes: Bianca Pacheco
Trindade - Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Clayton Oliveira - Graduanda em Belas Artes
(ICHS/UFRRJ), Diogo Gomes da Fonseca, Ellen Bento Alves, Jéssica Cristina Gonçalves Gomes Graduanda em Belas Artes (ICHS/UFRRJ), Lorynne Duarte – Graduanda em Arquitetura e Urbanismo,
Mariana Von Seehausen - Graduanda em Belas Artes (ICHS/UFRRJ), Priscila Marcondes da Silva Graduanda em Belas Artes (ICHS/UFRRJ), Wallace Marcel - Graduanda em Belas Artes (ICHS/UFRRJ).
[4] Atual quilometro 07 da BR-465, originalmente, situada no distrito de Seropédica, integrante do
município de Itaguaí. Desde 1995, o citado distrito é um município do Estado do Rio de Janeiro.
[5] Participam e participaram como bolsistas do projeto Jéssica Cristina Gonçalves Gomes (Belas Artes,
formada em 2014), Clayton Cristian Lima de Oliveira (Belas Artes, formado em 2015), Priscila
Marcondes (Belas Artes, formada em 2015), Mariana Von Seehausen (Belas Artes); Raphaela Sigiliano,
Bianca Pacheco Trindade e Loriynne Duarte (Arquitetura Urbanismo).
[6] Em fins de 2014, foram realizadas obras de recuperação do telhado da PU/UFRRJ que eliminaram o
problema.
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19&20 - Arte, oficio e industria. La institucionalización de las artes decorativas y aplicadas en la historia del arte argentino a princip…
Arte, oficio e industria. La institucionalización de las artes
decorativas y aplicadas en la historia del arte argentino a
principios del siglo XX *
Larisa Mantovani
MANTOVANI, Larisa. Arte, oficio e industria. La institucionalización de las artes decorativas y
aplicadas en la historia del arte argentino a principios del siglo XX. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n.
1,
jan./jun.
2016.
Disponível
em:
<http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_argentina.htm>.
*
1.
*
*
En el marco del estudio de las artes en Argentina a principios del siglo XX, la
renovación disciplinar de la historia del arte que ha incorporado nuevos enfoques ha
posibilitado repensar el objeto artístico. Los problemas abordados han tenido por
protagonistas esencialmente a la pintura o la escultura[1]; eventualmente las artes
gráficas también han recibido atención al momento realizar estudios sobre diferentes
períodos.[2] Sin embargo, las artes decorativas y aplicadas, que también han formado
parte del proceso de consolidación de las instituciones en el sistema artístico y de los
debates en torno a la creación de un arte nacional, sólo han recibido una atención
parcial.[3] Este trabajo consiste en una primera lectura sobre la creación de sociedades
dedicadas a las artes decorativas y aplicadas, espacios de exhibición propios y escuelas
especializadas que aún no han sido incorporadas de modo sistemático dentro de las
discusiones de la historia del arte. En líneas generales, es posible plantear que entre los
objetivos de estas artes se encontraron la posibilidad de brindar una mayor accesibilidad
a públicos más amplios a través de obras de bajos costos y, en algunos casos, la
fabricación de objetos en consonancia con el crecimiento de las industrias. El lugar que
debía ocupar el artista o artesano en relación con la máquina también fue tema de
discusiones. A pesar de que las diferentes asociaciones y movimientos tuvieron variadas
respuestas para estos problemas y que las búsquedas no siempre se transformaron en
logros, resulta claro que el debate por estas artes fue foco de atención.
2.
Como ha propuesto Larry Shiner, la distinción entre las artes se intensificó en la medida
en que se consolidó el sistema de las Bellas Artes en occidente hacia el siglo XVIII;[4]
no obstante, esta división no ha anulado los vínculos entre ellas. Claire Jones ha
sugerido que el estudio de las artes de manera compartimentada ha dificultado el análisis
de relaciones intensas y productivas, como aquellas entre escultores e industriales.[5] El
lugar del artista y su labor ha suscitado amplias diferencias en el terreno artístico y de
los oficios, problemas que pueden ser leídos a la luz de las investigaciones de Andrew
Abbot, quien sostuvo que aquellas profesiones orientadas al manejo de una técnica se
encuentran en una posición subordinada en relación con las que controlan un
conocimiento abstracto.[6] En sintonía con esto, Raymond Williams ha destacado la
diferenciación entre el trabajo artístico y aquel que es manual o artesanal,[7] siendo
posible pensar que las artes decorativas y aplicadas fueron relegadas a una categoría
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menor en el terreno artístico en relación a las Bellas Artes. A la vez, “decorativas” y
“aplicadas” se distinguen entre sí a partir de su modo de producción: las primeras
forman parte de un proceso más bien artesanal y manual, mientras que las “aplicadas” a
la industria o industriales conllevan un desarrollo técnico mayor en relación con la
máquina. Gracias a la circulación de artistas y obras por ambas esferas, las instituciones
que albergaron la enseñanza de ambas y la frecuentación de espacios para exposiciones
compartidos, se generaron intercambios pero también tensiones. Para el desarrollo del
presente trabajo proponemos, entonces, los siguientes interrogantes: ¿de qué manera las
artes decorativas y aplicadas se han insertado dentro del campo artístico en Argentina
durante su consolidación en las primeras décadas del siglo XX? ¿Qué aspectos han
caracterizado a las artes decorativas y aplicadas en Buenos Aires en las primeras
décadas del siglo XX? ¿Qué lugar han ocupado dentro de las discusiones sobre arte
nacional, presentes hacia ese momento?
Conformación de las artes decorativas y aplicadas en la modernidad europea y
estadounidense
3.
Junto con los profundos cambios en la concepción de las artes que trajo la era moderna,
la segunda revolución industrial que afectó a Europa generó que la rama de las artes que
se dedicaba a los objetos manufacturados y utilitarios comenzara a interesarse aún más
por los avances de la técnica. El proceso de producción, los artistas o artesanos y el
objeto artístico en sí mismo fueron ejes de discusión fundamentales dentro de las artes
utilitarias. Movimientos y asociaciones como el de Arts & Crafts, la secesión vienesa, la
Deutsche Werkbund, la escuela de la Bauhaus, el grupo De Stijl, entre otros, se ocuparon
de estos problemas desde sus orígenes y tuvieron repercusiones en el ámbito Argentino.
4.
Las ideas de Arts & Crafts se iniciaron en Inglaterra en la década de 1880 con William
Morris como uno de sus mayores representantes. Su principal objetivo era impulsar el
desarrollo de la producción artesanal, presentándose como una resistencia ante el
creciente avance de la mecánica. Edward Palmer Thompson recopiló los discursos de
Morris adentrándose en su pensamiento y dejando entrever en sus ideas un proceso de
constante formación, en busca de un sustento teórico que en su primera etapa se valía de
los postulados de John Ruskin en Las siete lámparas de la arquitectura pero que
posteriormente profundizó en teorías vinculadas al marxismo y socialismo. Morris se
encargó de profundizar el rol que debían cumplir los artistas y obreros en este
movimiento; para él la destreza de un pueblo se mostraba en la arquitectura y las artes
decorativas. No obstante, era consciente de que el obrero del siglo XIX no era un artista
y su deseo era revertir esta situación.[8] Paradójicamente, la mano de obra artesanal
fomentada por este movimiento condujo a la producción de obras con costos excesivos,
inaccesibles para las clases más bajas.
5.
En abierta oposición a esta propuesta, la Deutsche Werkbund fundada en 1907 en
Alemania ofreció una nueva mirada frente al pasado romántico y artesanal que se estaba
defendiendo desde Inglaterra. Fomentar el vínculo entre el arte y la industria era
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fundamental para los arquitectos y artistas que la conformaron, las artes aplicadas
debían expandirse hacia todos los ámbitos “Desde el almohadón del sofá a la
planificación urbana.”[9] La asociación se estableció en una escala nacional hacia 1914
para alcanzar una mayor actividad bajo la república de Weimar. Su desarrollo se produjo
por momentos en paralelo al de la escuela de la Bauhaus (1919), en la cual se buscaba
romper con la pintura tradicional y académica avanzando sobre una reforma artística,
buscando el mismo estatus para las artes aplicadas y Bellas Artes.[10] A diferencia de la
Bauhaus que fue cerrada hacia 1933, la Deutsche Werkbund en 1934 dejó de ser privada
y fue incorporada a la estructura del estado nacionalsocialista. De acuerdo con Adolf
Loos,[11] las actividades de esta última eran superfluas, el artista aplicado era una
“monstruosidad” y si había objetos de uso diario estéticamente satisfactorios se debía a
que cumplían perfectamente su función y no porque estuvieran artísticamente diseñados.
[12]
6.
7.
8.
Mientras tanto, en Estados Unidos los arquitectos Louis Sullivan y su discípulo Frank
Lloyd Wright se interesaron por las artes aplicadas desde una perspectiva que sostenía
que el ornamento era un lujo y, por esta razón, innecesario. Lloyd Wright escribió en
1901 el ensayo “The Art and Craft of the Machine”. El autor planteaba que era en la
máquina donde yacía el “único futuro” del arte y la artesanía:
La máquina, por su magnífico corte y capacidad de dar forma, suavidad y
repetición, ha hecho posible utilizarla sin desecho, de modo que los pobres tanto
como los ricos pueden disfrutar hoy de bellos tratamientos de superficies limpias y
fuertes[13]
Para expresar claramente su función, todos los agregados decorativos debían evitarse,
siendo de particular importancia que la función del objeto estuviera expresada
claramente para poder incorporarla a la producción en máquina.[14] No obstante, el
problema que se había iniciado con el movimiento Arts & Crafts perduró por muchos
años y las aspiraciones a que estas manufacturas tuvieran mayor circulación se vieron
reducidas por sus verdaderas posibilidades. Como señala Maria Bodil Damm para el
caso estadounidense, fue recién hacia principios de 1955 que una silla ensamblada
producida por Wright pudo salir a la venta para un público más amplio y ya no
únicamente para quienes la solicitaran a medida.[15]
9.
En el marco del desarrollo de las industrias, las artes decorativas y aplicadas
encontraron en las Exposiciones Universales y Exposiciones Internacionales un lugar
fundamental para ser mostradas como medida del progreso de las naciones. Este fue el
caso de tensiones generadas, por ejemplo, entre Francia e Italia a partir de que esta
última hubiera organizado la Prima Esposizione Internazionale d'Arte Decorativa
Moderna en Turín en 1902. Tanto en esta última como en la Exposición Universal de
Milán de 1906 hubo una cláusula especificando que “en todas las ramas de la industria
aquellas en que el arte se pueda aplicar en formas variadas, sólo las obras originales
serán admitidas y se excluirán las imitaciones serviles de estilos del pasado”,[16]
dejando en evidencia que estilos como el Art Nouveau estaban quedando caducos y
exigían una renovación. Unos años más tarde Francia recuperaría su lugar a través de las
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exposiciones de 1925 y 1937, llamadas Exposition Internationale des Arts Décoratifs et
Industriels Modernes y Arts et Techniques dans la Vie Moderne.
10.
La exposición de 1925, realizada poco tiempo después de la Primera Guerra Mundial,
excluyó a Alemania por razones políticas y económicas.[17] En consecuencia, la
Bauhaus no tuvo posibilidad de presentar sus diseños a un público internacional.
Asimismo, los Estados Unidos no tuvieron un pabellón propio, aunque establecieron una
comisión para visitar la exhibición.[18] Estos hechos podrían tomarse como indicador
de que la circulación y el conocimiento sobre lo que se producía entre los diferentes
países en este área no estaba claramente articulado a nivel global. El estilo Art Decó que
desarrolló Francia en este momento impuso una nueva moda. En relación con las obras,
el Journal Illustrée de esta exposición contenía un artículo que se iniciaba de este modo:
“El arte decorativo moderno, esencialmente conservador y retrógrada, ignora o parece
ignorar a la clientela popular. Omite sus necesidades. Produce para los ricos”.[19] Estos
grandes despliegues, mayormente llevados a cabo en el hemisferio norte, funcionaron
como un modo de mostrarse al mundo a través del cual cada nación buscaba destacarse.
A su vez, en consonancia con el avance de la industrialización desde el siglo XVIII, el
interés por las artes vinculadas a la industria se incrementó. Entre las condiciones y
cualidades con las que debían cumplir las artes decorativas y aplicadas se encontraban la
accesibilidad, la posibilidad de producción y circulación masivas. Dado que esto
difícilmente se logró, se transformó en uno de los mayores motivos de crítica hacia estas
artes.
Las instituciones de artes decorativas y aplicadas en Argentina
11.
A principios del siglo XX en Argentina las Bellas Artes se encontraban en un proceso
de consolidación de sus instituciones, del que también participaron las artes decorativas
y aplicadas. La Sociedad Estímulo de Bellas Artes creada en 1876 formó una Academia
que fue nacionalizada en 1905, el Museo Nacional de Bellas Artes se constituyó a partir
de 1896 y el Salón Nacional comenzó a tener continuidad anual desde 1911.
12.
En consonancia con los adelantos que se buscaba mostrar en las Exposiciones
Universales, en Argentina podemos rastrear los primeros atisbos en la Exposición
Nacional de Córdoba llevada a cabo en 1871, en la cual artes y artesanías convivieron
con la maquinaria industrial buscando mostrar cómo se avanzaba por la senda del
progreso. Como señalan Diana Wechsler y Marta Penhos, la Exposición Internacional de
Bellas Artes del Centenario (1910) fue el espacio más cercano a un salón nacional en un
momento previo a su existencia.[20] En esta exposición,[21] de gran envergadura, hubo
problemas de espacio desde sus comienzos. A causa de ellos y de la gran concurrencia,
fue necesario restringir la admisión de obras priorizándose la exhibición de “arte puro”,
ante lo cual las secciones extranjeras de Arquitectura, Arte Decorativo y Artes Gráficas
fueron eliminadas. No obstante, sí se aceptaron artes aplicadas a la industria “con el solo
objeto de que puedan adornarse los salones asignados a los diferentes Estados”.[22]
Aquí podemos ver que oficialmente se establecía una diferencia clara entre las artes
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decorativas y aplicadas: estas últimas eran relevantes en tanto se vinculaban a la
industria y por eso colaboraban en la representación de los Estados que mostraban su
crecimiento. A pesar de que este aviso había sido dado con suficiente antelación, no
impidió que naciones como Austria, Italia, Alemania o Francia enviaran igualmente sus
piezas. El caso de Francia fue particularmente llamativo ya que se construyó un
Pabellón de Arte Decorativo francés en el barrio porteño de Palermo producto de esta
situación y que contó con amplia repercusión en la prensa local gracias a la venta de
obras.
13.
Entre estos diferentes espacios de exhibición, la presencia de artistas era permeable de
un ámbito a otro: quienes se dedicaban a la pintura y escultura, eventualmente podían
realizar cerámicas, mosaico o muebles.[23] Como ha señalado María Isabel Baldasarre,
las artes decorativas funcionaron en muchas ocasiones como una ocupación
complementaria frente a la dificultad de dedicarse tiempo completo a las artes mayores.
[24] El Salón Nacional, de fundamental importancia para el desarrollo institucional de
las artes en la Argentina, tenía en sus principios un espacio dedicado a las artes
decorativas, con obras que eran consideradas dentro de “Proyectos de Arquitectura y
obras de Arte Decorativo”. Las artes decorativas recibían la menor recompensa y
contaban con un único premio que se declaró desierto los primeros años.[25] Luego de
la creación de la Sociedad Nacional de Arte Decorativo, esta sección logró desprenderse
y crear un lugar propio hacia 1918, desapareciendo definitivamente del Salón Nacional.
Con un nuevo Salón Nacional de Artes Decorativas (SNAD) se lograba un mayor grado
de legitimación de estas producciones. Las obras admitidas para la exhibición en este
salón eran diversas:
14.
15.
16.
17.
18.
19.
a) Pinturas al óleo, acuarela, pastel, gouache, temple, etc.
b) Dibujos
c) Grabados al buril y al aguafuerte y litografías
d) Esculturas en yeso, mármol, bronce, madera, marfil, barro cocido y
cera
e) Tejidos, bordados, tapices, encajes, cueros, cristalería, orfebrería, joyas
y muebles de arte, cerámicas, papeles pintados y proyectos en general
aunque cada uno de ellos sea presentado en varias láminas o piezas.
Vitraux, ferronería, ebanistería, floricultura, jardinería, mosaicos y
mayólicas.[26]
Es únicamente en el punto “e” en donde se percibe la amplia variedad que reunía esta
esfera de producción pero a la vez su particularidad, dado que todas estas propuestas
pueden asociarse más fácilmente a lo entendido por artes decorativas (o aplicadas). Los
primeros cuatro apartados, en cambio, no están claramente definidos, difícilmente la
pintura al óleo podía entenderse como arte decorativo solamente a partir de su técnica.
Además, casi al mismo tiempo en que crecía este espacio, se llevaba a cabo el Salón de
Acuarelistas, Pastelistas y Grabadores en donde dibujos, litografías y acuarelas eran
también admitidos. De este modo, vemos que el jurado del SNAD podía aceptar obras
que no necesariamente eran entendidas como “decorativas” y que podían circular
fácilmente por otros espacios de legitimación que se encontraban disponibles hacia este
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momento. Este hecho permite plantear que la especificidad de las obras de arte
decorativo no estaba claramente delineada.
20.
A partir de la segunda mitad de la década de 1920 el SNAD dejó de funcionar con
continuidad,[27] al mismo tiempo que surgió un nuevo espacio: las Exposiciones
Comunales de Artes Aplicadas e Industriales a cargo de la Municipalidad de la ciudad
de Buenos Aires.[28] En estos eventos la admisión de obras comprendía piezas que
también podrían entenderse como desprendidas de las artes plásticas de modo más
directo, como “pintura decorativa” o “escultura decorativa”.[29] Las restantes secciones
coinciden en su mayoría con industrias registradas en el país tales como “Vestido y
tocador”, “Muebles, rodados y anexos”, “Artísticas y de ornato”, “Artes Gráficas” y
“Fibras, hilos y tejidos”.[30] Aquí el foco estaba puesto en dar cuenta de los cruces entre
arte e industria en vistas a destacar el progreso de ambos en conjunto. Hacia este
momento personalidades como la del Ingeniero Alejandro Bunge[31] abogaban por el
estímulo a la creación de escuelas industriales o de oficios anexas a fábricas.[32] En la
segunda exposición (1925) el Arquitecto Martín Noel[33] dictó una conferencia en
donde remarcó la importancia del porvenir artístico asociado a la técnica:
21.
22.
Pues queda, a mi ver, demostrado, en las salas de la Exposición Comunal, que la
varia producción de las artes decorativas o aplicadas, constituyen no sólo una
esmerada expresión de su progreso, sino también un positivo valor de práctica
enseñanza para el perfeccionamiento y orientación del porvenir artístico de
nuestro país […] Tal asemeja confirmarlo el sonado éxito alcanzado por la
Exposición de Artes Decorativas de la capital Francesa. La Parisina urbe, aun
sumida en el caos de la post-guerra, ha pensado que la mejor manera de señalar
ante el mundo el prestigio de su bella tradición, era el hacerlo mediante una
muestra Universal, en la cual primara el sabio consorcio del arte, puesto a servicio
de sus más urgentes aplicaciones prácticas.[34]
Las artes decorativas y aplicadas continuaban siendo medida del progreso en relación a
la técnica y la industria: el porvenir artístico del país iría en consonancia con su
crecimiento. La muestra de París realizada en ese mismo año no se perdía de vista, en el
ámbito internacional esta exhibición fue una novedad y en la Argentina repercutía de
igual manera.
23.
Además de las exhibiciones, las instituciones para la formación de artistas en artes
decorativas y aplicadas creadas en estos años también ocuparon un lugar importante en
todo el país y a nivel regional. Pueden mencionarse las escuelas de artes y oficios de
Tucumán y Catamarca, el proyecto para fundar una escuela de artes aplicadas en
Rosario, la Escuela Profesional Nº5 de Artes Decorativas y Aplicadas a la Industria
Femenina en Buenos Aires, entre otras. En Chile y Uruguay también existieron escuelas
de artes decorativas hacia este mismo momento, resultando significativa la Escuela
Nacional de Artes y oficios dirigida por Pedro Figari en Montevideo entre 1915 y 1917
24.
El caso de la Academia Nacional de Bellas Artes y Escuela de Artes Decorativas e
Industriales resulta fundamental dada la relevancia que tuvo la institución. En 1899 el
plan de estudios presentaba cursos generales que luego de tres años permitían el acceso
a la especialización en “Dibujo, Pintura, Escultura, Arquitectura y Artes Aplicadas”.[35]
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Con la asunción del pintor Pío Collivadino como su director en 1908 se realizó una
reforma del plan de estudios que generó numerosas huelgas y protestas desarrolladas por
los estudiantes con motivo de las grandes cantidades de alumnos reprobados. En esta
modificación se incorporaban “clases de ornamentación decorativa” y “clases de plástica
ornamental” que incluían tres niveles y un curso superior.[36] En las primeras se
destacaba el aprendizaje de técnicas tales como acuarela, temple y óleo, con un curso
superior orientado a las artes gráficas; en las segundas el relieve y la escultura recibían
una mayor atención. Ambas tenían historia del arte e historia de las artes decorativas
como asignaturas. En relación con las otras clases propuestas en el plan eran las únicas
que fomentaban “el estudio de la flora y de la fauna del natural”. Esto nos puede dar una
idea más amplia de las técnicas pero también de lo representado. En las siguientes
imágenes [Figura 1, Figura 2, Figura 3, Figura 4, Figura 5 y Figura 6] pueden
visualizarse los estudiantes que, tanto hombres como mujeres, se formaban en estas
áreas.
25.
El cambio de plan conllevó una enseñanza más estricta también por razones
reglamentarias. Los alumnos ya no podían entrar luego de las siete y media de la tarde,
hecho que dificultaba el acceso al estudio, especialmente para los trabajadores:
26.
27.
¡Qué inteligente medida disciplinaria! Cinco meses y medio de estudios
perdidos y todavía no dejan entrar a los que van un minuto más tarde. ¡Qué
absurdo error! […]
Tengan en cuenta las autoridades directivas que muchos obreron [sic]
dejan de trabajar á las 7 de la noche y 30 minutos no es tiempo suficiente
para cenar é ir a la Academia, y tengan en cuenta también, que los obreros
forman la masa principal de los estudiantes y trabajan porque tienen deseo
de progresar. No les cierren las puertas.[37]
28.
De acuerdo con Laura Malosetti Costa, los cambios impuestos por Collivadino podían
tener por intención suprimir el estudio de las Bellas Artes para las que, según el artista,
se debía tener un “talento natural”. Este estímulo a las artes aplicadas a partir de la
incorporación de nuevos talleres y en detrimento de las Bellas Artes como “pasatiempo
elegante” permitían entrever la posición del director sobre el destino que debía tener la
formación en bellas artes o en oficios.[38]
29.
A lo largo de los años y a pesar de que el salón de artes decorativas se sostenía con poca
regularidad, los reclamos para la creación de un museo de artes decorativas continuaron
vigentes. La previamente mencionada exhibición de París de 1937 Arts et Techniques
dans la Vie Moderne recibió desde Buenos Aires un aporte de la Escuela Profesional
Nº5 de Artes Decorativas y Aplicadas a la Industria Femenina, la cual (se esperaba)
“confirmará también la necesidad del Museo y apoyará la necesaria frecuencia del Salón
[de artes decorativas]”.[39] Sin salón y sin un museo especializado, la posibilidad de
participar en exhibiciones internacionales por parte de estudiantes y profesionales
argentinos podría otorgar una mayor visibilidad y certeza sobre la importancia de
fomentar estas artes.
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30.
El armado de la colección del actual Museo Nacional de Arte Decorativo (MNAD) fue
de origen privado, perteneció a la familia Errázuriz y trascendió a un estatus público
siendo ampliada sucesivamente con el ingreso de nuevas donaciones. La instalación de
“Museos de Arte Decorativo” que tendieran a “poner de manifiesto los elementos de
carácter nacional” era una de las obligaciones de la Dirección Nacional de Bellas Artes
creada en 1931.[40] El establecimiento del MNAD no tuvo lugar sino hasta 1937,
momento en que Ignacio Pirovano, coleccionista y promotor del arte moderno, se hizo
cargo de la dirección del museo.[41] Talía Bermejo ha indagado en la actuación de
Pirovano al frente del MNAD a través del boletín oficial, sosteniendo que su propuesta
fomentaba la idea de un “museo moderno”, otorgando espacios a los artistas argentinos
contemporáneos e impulsando adquisiciones y donaciones privadas. Según la autora,
este acento en el coleccionismo privado dejaría entrever “deficiencias del Estado en
cuanto a las políticas oficiales de adquisición de obras”.[42] A partir de este momento,
el director del MNAD estaba a cargo de la Comisión Asesora del Salón Nacional de
Artistas Decoradores,[43] de modo que museo y salón quedarían conectados
garantizando el primero la continuidad del segundo.[44]
Discusiones estéticas en torno al artista decorador
31.
Las artes decorativas y aplicadas eran producidas no sólo por artistas sino también por
artesanos y obreros. En publicaciones como el Boletín del MNAD éstos aparecían
constantemente referidos, remarcando que las exposiciones abarcarían a todos por igual
“desde el coleccionista adinerado hasta el obrero estudioso”.[45] El obrero que se
dedicaba a estas artes no era como cualquier industrial, ocupaba un lugar intermedio
entre el artista y el trabajador que desarrollaba una tarea mecánica: “El alfarero, el
artesano que, enamorado de su trabajo, crea una forma o desata su fantasía en una
guarda es un obrero inspirado…”[46] Puede pensarse que este tipo de trabajo requería
una aptitud específica que no se correspondía exactamente con la de la actividad
artística pero que sin embargo podía tener elementos en común. Al manejo de una
técnica se le sumaba la creación artística que estaba más corrientemente asociada a las
Bellas Artes. Aunque esta rama de las artes atrajo tanto a hombres como mujeres, éstas
han recibido especial atención en términos historiográficos; entre otras cuestiones,
debido a que la formación en oficios, la profesionalización de la mujer y la obtención de
un trabajo remunerado podían lograrse por la vía artesanal.[47] Por ejemplo, en las
restantes conferencias de las Exposiciones Comunales no se había omitido este aspecto.
Tener un taller propio podía posibilitar tanto el desarrollo profesional como garantizar la
permanencia en el hogar:
32.
Debo también hacer resaltar muy complacido y con toda lealtad, la labor
ejecutada por la experta mano de la mujer, que ha llamado una vez más la atención
sobre sí, por sus admirables y delicados encajes, sus vistosos tejidos, los perfectos
repujados, e infinidad de labores ejecutadas con gran cariño, dignos del mejor
elogio, si se tiene en cuenta que la mayoría de ellos han sido realizados muchas
veces con escasos elementos, y lo que es más elocuente, sin desatender por ello la
misión sagrada de la mujer en el hogar.[48]
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33.
Ya a fines del siglo XIX el concepto de “artes femeninas” aunaba una cantidad de
características que expandían el límite de lo entendido por artes decorativas y aplicadas
y que, como sostiene Georgina Gluzman, ponía en discusión las jerarquías artísticas.[49]
Sin embargo, no hay que dejar de lado, como ha señalado Marcelo Nusenovich, que
tanto la mujer trabajadora como aquella que disponía de ratos de ocio podían desarrollar
este tipo de actividades: “Se establecía una distinción entre dos tipos de mujer: la obrera y la
de mundo. Obviamente, la segunda disponía de una opulencia que no poseía la primera. Su
cometido social, el ocio, no era menos importante sin embargo que el trabajo de sus humildes
compañeras de género.[50] En este sentido, el aspecto de género permeaba la lectura sobre
el oficio en las artes decorativas y aplicadas y debe ser considerado también a la luz de
problemas de índole social.
34.
Hay un aspecto de las artes decorativas que resulta particularmente característico de la
región latinoamericana y se encuentra vinculado al problema de lo nativo en las artes. A
principios del siglo XX, la búsqueda de una definición de lo nacional se manifestaba de
diferentes formas en las artes y en las letras. Muchos artistas decoradores hicieron uso
de piezas de culturas prehispánicas para crear reformulaciones que giraban en torno a la
búsqueda de una producción estética nacional, americana o universal. Mientras tanto, la
pintura y la escultura abordaron lo nativo a través de la representación del paisaje y los
tipos regionales, que fueron considerados como los temas propios de un arte de esencia
nacional.[51] En los primeros salones nacionales el “nativismo” se hacía presente
también en las artes decorativas. Las llamadas “artes precolombinas” fueron vinculadas
con la categoría de artes decorativas a partir de sus cualidades técnicas y el desarrollo
estilístico de sus motivos; los artistas del período se apropiaron de ellas y las reutilizaron
generalmente desde esa dimensión. El llamado “estilo calchaquí” obtuvo cierta
predominancia a causa de las investigaciones arqueológicas que se realizaron en el
noroeste argentino hacia este momento.[52] Marta Penhos y María Alba Bovisio han
problematizado las categorías bajo las cuales fue definido el ahora llamado arte
precolombino como “arte menor” o “decorativo”, permitiendo mostrar un precedente
para la circunscripción de las obras de estilo prehispánico que imitan estas piezas y se
ubican en el mismo lugar del campo artístico. En estas propuestas se utilizaron, en
muchos casos de manera indistinta los elementos de cualquier cultura prehispánica, casi
siempre ubicadas temporalmente en un pasado lejano.[53] En esta línea, hubo un
proyecto de Ricardo Rojas para la fundación de una Escuela de Artes Indígenas en la
Universidad de Tucumán que da cuenta de la importancia que tenía esta propuesta
artística para la conformación de un arte autóctono y característico de la región, en
donde se aspiraba a crear un instituto de artes decorativas antes que una escuela de
Bellas Artes. Rojas dictó tres conferencias en dicha universidad, fue en la tercera de
ellas en donde desarrolló el tema “Un ideal estético para la Universidad de Tucumán”
haciendo énfasis en el aporte que podrían brindar las artes decorativas en el arte
argentino y americano. A diferencia de las artes de producción individual “como la
música, la poesía o la pintura” que eran esencialmente “bellas”, las artes cuya “esencia”
era ser “útiles” eran de creación colectiva.[54] Rojas sostenía que
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35.
Las aplicaciones industriales vendrán por sí solas con su ganancia por premio,
cuando el problema teórico haya sido resuelto por la Universidad de Tucumán. Y
ese problema teórico consiste no tanto en la substancia prima y la técnica para
fabricar los objetos, cuanto en la forma unitaria de estos mismos objetos y en el
sistema de sus atributos decorativos.[55]
36.
En este sentido, como ha destacado Pablo Fasce, Tucumán jugaba un rol “estratégico”
en esta propuesta dado que la utilización de repertorios de las culturas precolombinas
del noroeste argentino fortalecía un cruce entre modernidad e identidad.[56]
Conclusiones
37.
Desde mediados de la década del ’30 pero más especialmente hacia 1940 se produjeron
algunos cambios que hacen necesario repensar a las artes decorativas y aplicadas en
relación a como habían sido entendidas hasta el momento en el terreno local. El ahora
llamado Salón Nacional de Artistas Decoradores se reiniciaba con una primera edición
en 1936. El segundo de ellos contó con un catálogo en el cual se elaboró un recorrido
histórico con las principales tendencias en las artes decorativas europeas cuyo inicio
ubicado en la Prehistoria probablemente apuntaba a legitimar estas producciones desde
un pasado remoto. En él también destacaban las dificultades con las que se habían
encontrado los organizadores dado que “a la ausencia de una tradición estético
normativa se añade la falta de una habilidad técnica, observada en nuestros artesanos y
en nuestros obreros”.[57] Se denunciaba aquí una falta de formación específica pero
también se desconocía el desarrollo histórico de estas artes a nivel nacional desde
principios del siglo XX. Asimismo, la instalación del museo MNAD que ampliaba el
registro institucional y otorgaba un nuevo marco de legitimación para estas
producciones no contó con obras de artistas decoradores locales.[58] Ya sin Collivadino
como director, la Escuela de Artes Decorativas e Industriales se convirtió en la
Academia Nacional de Bellas Artes “Prilidiano Pueyrredón” a causa de que su
denominación no se adecuaba “a la especificidad definida en el título”.[59] Tanto esto
como su articulación con la Escuela Superior de Bellas Artes de la Nación Ernesto de la
Cárcova hacia 1940 son parte de una nueva etapa en la enseñanza artística.
38.
Se ha tomado especial consideración en relación al aspecto institucional:
establecimientos educativos, sociedades, salones y exhibiciones jugaron un rol
primordial. A partir de la incorporación de las artes decorativas y aplicadas en las
discusiones en torno a la consolidación del campo artístico en Argentina se ha
demostrado cómo estas obras, asociadas a una categoría artística menor, también
ocuparon un lugar dentro de las búsquedas del arte nacional ya fuese a partir del
discurso que se fomentaba desde las artes industriales, el lugar que ocupaban los
artesanos u obreros (hombres y mujeres) en su producción, o en relación al aspecto
estilístico. De acuerdo con los planteos de Andrew Abbot y Raymond Williams, puede
decirse que el artista decorador debía manejar una técnica específica, como también lo
hacen los artistas, pero el resultado tanto en función de la circulación de su producto
como de su lugar en el ámbito artístico presenta un matiz que lo acerca mucho más a un
artesano o trabajador manual antes que a un artista en el sentido más académico del
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término, entendido en los parámetros de aquellos tiempos como un “genio” que produce
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______________________________
* Agradezco al Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de San Martín y a la
Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) por haberme otorgado una beca de investigación en
Alemania gracias a la cual gran parte de este trabajo fue llevado a cabo.
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[1] Cfr. BALDASARRE, María Isabel. Los dueños del arte: Coleccionismo y consumo cultural en
Buenos Aires. Buenos Aires: Edhasa, 2006. MALOSETTI COSTA, Laura. Los primeros modernos:
Arte y sociedad en Buenos Aires a fines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
2001. WECHSLER, Diana. Papeles en conflicto: Arte y crítica entre la vanguardia y la tradición.
Buenos Aires (1920-1930). Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras,
2003.
[2] DOLINKO, Silvia. Arte plural: el grabado entre la tradición y la experimentación 1955-1973.
Buenos Aires: Edhasa, 2012; MALOSETTI COSTA, Laura y GENÉ, Marcela (comps.). Impresiones
porteñas: Imagen y palabra en la historia cultural de Buenos Aires. Buenos Aires: Edhasa, 2009;
SZIR, Sandra. Infancia y cultura visual: Los periódicos ilustrados para niños (1880-1910). Buenos
Aires: Miño y Dávila, 2006.
[3] Cfr. María Alba Bovisio desde una mirada antropológica ha indagado en la distinción entre artes y
artesanías y su lugar dentro y fuera del campo artístico. BOVISIO, María Alba. Algo más sobre una
vieja cuestión: “Arte” ¿vs? “Artesanías”. Buenos Aires: FIAAR, 2002.
[4] En el mundo del arte, las llamadas “Bellas Artes” comenzaron ser consideradas dentro de las
actividades intelectuales o abstractas, buscaron separarse de los gremios proyectando transformarse en un
“arte liberal”, su labor quedó ligada al ejercicio mental y disociada del esfuerzo corporal. Fue así como la
actividad manual se estableció en un segundo plano. Esta distinción iniciada a partir del Renacimiento
produjo un recorrido en paralelo entre las artes plásticas y otras disciplinas dentro del campo artístico.
SHINER, Larry. La invención del arte. Una historia cultural. Barcelona: Paidós, 2004. Segunda parte:
“El arte dividido”.
[5] Claire Jones ha sugerido que la división entre artes decorativas y la escultura en particular, ha opacado
una relación intensa y productiva que no ha sido investigada por la historia del arte. Apelando a una falsa
separación entre arte e industria, la autora ha buscado restituir a la historia de la escultura la importancia
de la relación entre el escultor y el manufacturero. JONES, Claire. Sculptors and Design Reform in
France, 1848 to 1895: Sculpture and the Decorative Arts. Surrey: Ashgate, 2014.
[6] De acuerdo con Andrew Abbot las profesiones se desarrollan en función de sus interrelaciones, las
cuales estarían determinadas por el modo en que controlan su conocimiento y habilidades. Este control se
adquiriría por dos modos, uno de ellos pone el foco en la técnica y está asociado a las ocupaciones
artesanales; el otro estaría vinculado al control de un conocimiento abstracto del cual surgiría la actividad
práctica. ABBOT, Andrew. The system of professions: An essay on the Division of Expert Labor.
Chicago and London: The University of Chicago Press, 1988. Introduction, p. 9.
[7] Como señala Raymond Williams, las distinciones entre “artesano”, “trabajador manual” y “artista” han
mostrado intentos de diferenciación entre las producciones, generando contrastes entre lo “meramente
utilitario” y lo “artístico”. Estas distinciones colaboraron en la separación entre la llamada producción
cultural y una más general ligada a todas las otras producciones, resaltando que el lugar de una y otra
estaría definido por el mercado. WILLIAMS, Raymond. Sociología de la cultura [1981]. Buenos Aires:
Paidós, 1994, p. 41-42.
[8] THOMPSON, Dorothy. Obra esencial. Barcelona: Crítica, 2001. Cap. “La Anti-Scrape” y “El río de
fuego”. P. 238. E. P. Thompson realizó un estudio muy completo sobre William Morris en donde
desmenuzó sus discursos y sus implicancias: a quiénes estaban destinados, quiénes asistían y sus
repercusiones. En las presentaciones de Morris había muy pocos obreros; los clientes se habían apropiado
de la firma de modo que eran inevitablemente los receptores de sus ideas. Su labor en sus talleres de
tapicería y textiles le había proporcionado conocimiento sobre las diferencias entre el sistema doméstico y
fabril. En función de esta cercanía y de las ideas que comienza a desarrollar hacia este momento,
Thompson comienza a advertir una gran diferencia con sus compañeros Thomas Carlyle, John Ruskin o
Matthew Arnold, quienes también consideraban la importancia de los obreros pero los rescataban como
un ejército que debía luchar defendiendo los ideales de la cultura bajo su propio mando. Morris partió de
estas ideas pero las modificó progresivamente hasta llegar, en términos de Thompson, a una concepción
revolucionaria. El historiador incluso destacó algunas conferencias en donde Morris trasladaba sus
principios en términos de los ingresos y sobre las actividades que debía llevar a cabo la clase obrera.
[9] CAMPBELL, Joan. The German Werkbund. New Jersey: University Press Princeton, 1978, p. 3. La
traducción es nuestra.
[10] Algo similar puede plantearse respecto de la Escuela de Artes Aplicadas (Kunstgewerbeschule) de
Viena en la cual también apuntaron a la posibilidad de producir diseños industriales de alta calidad y a
precios asequibles.
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[11] Arquitecto austríaco (1870-1933), innovador en la teoría del funcionalismo. En 1908 escribió un
ensayo titulado Ornamento y delito, allí proclamaba dar prioridad a la función de los objetos, sometiendo
su diseño a este principio.
[12] CAMPBELL, Joan. Op cit., p. 29-30.
[13] LLOYD WRIGHT, Frank (1901) “The Art and Craft of the Machine”. Acceso libre. Art
Humanities: Primary Source Reading 50, Chicago, Columbia College Disponible en:
<http://www.learn.columbia.edu/courses/arch20/pdf/art_hum_reading_50.pdf>, Acceso el 13 de mayo,
10:00 a.m. La traducción es nuestra.
[14] BODIL DAMM, Maria. Between Industrial Design and Fine Art. Highlights on the Winkler
Collection. BAUMERICH, Andreas, BOLDIL DAMM, Maria y HESSE, Petra. Art + Design in
dialogue: The design department with the Winkler Collection. Köln: Museum Für Angewandte Kunst
Köln, 2012. P. 95.
[15] Ibíd., p. 86.
[16] Pas de subventions aux arts décoratifs français modernes. AA.VV. Le livre des expositions
universelles, 1851-1989. Paris: Union centrale des arts décoratifs, 1983, p. 126. La traducción es nuestra.
[17] BRUNHAMMER, Yvonne. 1925. París: Les Presses de la Conaissance, 1976, p. 10.
[18] Sobre este último tema se puede consultar: FRIEDMAN, Marilyn F. “The United States and the 1925
Paris Exposition: Opportunity Lost and Found”. Acceso restringido. Studies in the Decorative Arts,
nº13, Fall-Winter, 2005-2006. University of Chicago Press, Bard Graduate Center, p. 94-119. Disponible
en: <http://www.jstor.org/stable/40663213> Acceso el 13 de mayo, 10:00 a.m.
[19] WALDEMAR, George. L’art decoratif méconnaît les exigences de la vie moderne. AA.VV. Le livre
des expositions universelles, 1851-1989. Paris: Union centrale des arts décoratifs, 1983. La traducción es
nuestra.
[20] PENHOS, Marta y WECHSLER, Diana (coords.). Tras los pasos de la norma. Salones nacionales
de Bellas Artes (1911-1989). Buenos Aires: Ediciones del Jilguero, 1999, p. 7.
[21] Sobre los detalles de esta exhibición, ver: MUÑOZ, Miguel Ángel. Obertura 1910: la Exposición
Internacional de Arte del Centenario. PENHOS, Marta y WECHSLER, Diana (coords.). Tras los pasos
de la norma. Salones nacionales de Bellas Artes (1911-1989). Buenos Aires: Ediciones del Jilguero,
1999.
[22] Memoria de la Exposición Internacional de Arte del Centenario. Buenos Aires: Imp. Europea de M.
A. Rosas, 1911, p. 16.
[23] Por ejemplo, en el marco de un estudio sobre Emilio Pettoruti, Diana Wechsler estudió la doble
presentación del artista. Analizó, por un lado, las repercusiones de su exhibición en Witcomb en 1924 y,
por otro, recogió el dato de las primeras presentaciones del artista en el Salón Nacional en la sección de
“artes decorativas” hacia 1916, valorando este espacio pero dando cuenta de las pocas repercusiones en la
crítica sobre estas obras. WECHSLER, Diana. Buenos Aires, 1924: trayectoria pública de la doble
presentación de Emilio Pettoruti. VI Jornadas de Teoría e Historia de las Artes: El arte entre lo
público y lo privado. Buenos Aires: Centro Argentino de Investigadores de Arte, 1995, p. 231-240.
[24] BALDASARRE, María Isabel. Representación y autorrepresentación en el arte argentino: retratos de
artistas en la primera mitad del siglo XX. Acceso libre. Anales del Instituto de Investigaciones
Estéticas, nº XXXIV, ago. 2012, p. 171-203. Disponible en:
<http://www.analesiie.unam.mx/index.php/analesiie/article/view/2330/2286>. Acceso el 13 de mayo,
10:00 a.m.
[25] Padrón general del Salón Nacional. Archivo Palais de Glace, p. 1-4.
[26] Estatutos y Reglamento de la Sociedad Nacional de “Arte Decorativo”. Buenos Aires, Imp. Busnelli
y Caldelas, 1917, p. 11.
[27] No se han encontrado hasta el momento referencias en donde se explique el por qué de esta situación.
No obstante, copiosas fuentes sí señalaban la importancia de continuarlo, hecho que permite pensar en una
falta de fondos.
http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_argentina.htm
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[28] Estos eventos se desarrollaron específicamente en la Ciudad de Buenos Aires y para sus habitantes.
Sin embargo, son incorporados en este trabajo porque habilitan a la reflexión en torno a una de las
posibilidades que existieron en un contexto en el que el Salón Nacional de Artes Decorativas se
encontraba momentáneamente interrumpido.
[29] Aunque no se especifica qué implicaba esto, suponemos a partir de la enseñanza que se otorgaba en
la Academia que el término decorativo estaba asociado a una temática específica. En el artículo n°2 de la
ordenanza para su creación, se especificaba que “Los trabajos que podrán enviarse al salón serán los
comprendidos en las artes decorativas”. El subrayado es nuestro. Acto seguido en la página siguiente una
enmienda corregía esto y aclaraba: “Los trabajos que podrán figurar en ella serán los comprendidos en las
siguientes veinte secciones: a) Pintura decorativa, b) Escultura decorativa, c) Ebanistería y mobiliario, d)
Tallado en madera y marfil, e) Herrería forjada y metales calados, f) Decoración de conjunto de interiores,
g) Vitreaux, h) Mosaicos, cerámicas y cristales, i) Escenografía, j) Mobiliario económico y de jardín, k)
Fotografía artística, l) Orfebrería, joyería y esmaltes, m) Dibujo industrial y proyectos en perspectiva de
interiores, n) Grabado, litografía, tipografía e ilustraciones, o) Estampados y repujados, p) Tejidos,
bordados y encajes, q) Juguetes, r) Industria del vestido (vestidos de señora, trajes de teatro, sombreros,
adornos y accesorios), s) Fundición artística y medallas, t) Alfarería artística (decorada a cocción o a
sistema Gaudi).” Exposición de artes aplicadas e industriales 1925-1926. Guía- Catálogo. Buenos Aires:
Taller Gráfico A. Calandria y Cía, 1926, p. 9.
[30] Tercer Censo Nacional. Tomo VII, Censo de las industrias. Buenos Aires: Talleres Gráficos de L. J.
Rosso y Cía, 1917. P. 313-320. Disponible en:
<http://www.deie.mendoza.gov.ar/tematicas/censos/censos_digitalizados/Censos%20Digitalizados/017%20%201914-%20Tercer%20Censo%20Nacional.%20Tomo%207-%20Industria/PDF/1914%20tomo7%20%201ra%20parte.pdf> Acceso el 13 de mayo, 10:00 a.m. Estos datos corresponden al censo de 1914, el
cuarto censo nacional será recién en 1947.
[31] Alejandro Bunge (1880- 1943) fue un ingeniero especialmente interesado en la economía, director de
la revista Economía Argentina y de la división de estadísticas del Departamento Nacional del Trabajo,
entre otras actividades. Para más información sobre Alejandro Bunge Cfr. GONZÁLEZ BOLLO, Hernán.
La teodicea estadística de Alejandro E. Bunge (1880-1943). Buenos Aires: Imago Mundi - Fundación
Universidad Católica Argentina, 2012.
[32] BELINI, Claudio. La industria como problema y como solución. Ideas, debates y propuestas durante
las entreguerras, 1918-1943. TATO, María Inés y CASTRO, Martín (comps.) Del Centenario al
peronismo. Dimensiones de la vida política argentina. Buenos Aires: Imago Mundi, 2010, p. 202.
[33] Martín Noel (1888-1963) fue arquitecto interesado en el arte hispanoamericano. Diseñó, entre otros,
el edificio que alberga al Museo Isaac Fernandez Blanco en Buenos Aires. También fue Presidente de la
Nacional Comisión de Bellas Artes en Argentina.
[34] MUNICIPALIDAD DE LA CIUDAD DE BUENOS AIRES. Memoria de la Exposición Comunal
de Artes Aplicadas e Industriales 1925-1926. Buenos Aires, S. A. Imprenta Lamb & Cia. LTD, 1928, p.
41
[35] MALOSETTI COSTA, Laura Op. Cit., 2001, p. 102.
[36] Academia Nacional de Bellas Artes. Athinae. Buenos Aires: febrero 1910. Año III, núm. 18, p. 1617.
[37] La Academia N. de Bellas Artes. Athinae. Buenos Aires: julio de 1909. Año II, núm. 11, p. 16
[38] MALOSETTI COSTA, Laura. Collivadino. Buenos Aires, El Ateneo, 2006. Cap. “La Academia”.
[39] Salón de artes decorativas. Arte y Decoración. Buenos Aires: Año II, nº2, 1936, p. 62. Consultado
en Fundación Espigas.
[40] Decreto de la creación de la Dirección Nacional de Bellas Artes, Ministerio de Justicia e Instrucción
Pública de la Nación Argentina, 1931. Archivo Palais de Glace.
[41] Sobre este tema se puede consultar: BERMEJO, Talía. Ignacio Pirovano y el Coleccionismo de
vanguardia. Acceso libre. Revista Estudios Curatoriales, Año 1 nº1, Primavera 2012. Disponible en <
http://untref.edu.ar/rec/num1_dossier_4.php>. Acceso el 13 de mayo, 10:00 a.m.; GARCÍA, María
Amalia. Diseñando el progreso. Ignacio Pirovano en la difusión y promoción del diseño industrial. IV
Jornadas del Instituto de Teoría e Historia del Arte Julio Payró: Imágenes-Palabras-Sonidos.
http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_argentina.htm
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Prácticas y Reflexiones. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 2000, p.469-484 y RABOSSI,
Cecilia. Pirovano y el MAMba en diálogo. El imaginario de Ignacio Pirovano. Buenos Aires: Museo de
Arte Moderno, 2010.
[42] BERMEJO, Talía. La puesta en escena de un diálogo posible: tapices de la Escuela de París,
porcelanas de Sèvres y arte moderno en el Museo Nacional de Arte Decorativo (1946-1956). HERRERA,
María José (dir.). Exposiciones de Arte Argentino y Latinoamericano: El rol de los museos y los
espacios culturales en la interpretación y la difusión del arte. Buenos Aires: Arte x Arte, 2013, p. 312.
[43] COMISIÓN NACIONAL DE CULTURA. Reglamentación de los premios en el Salón Nacional
Artistas Decoradores. Buenos Aires, 1940.
[44] Cristina Rossi ha trabajado la activa participación de Pirovano en la organización del Salón de
Artistas Decoradores como también la presencia de Ernesto B. Rodríguez en diversas publicaciones del
mencionado Boletín, quien a su vez realizó varias disertaciones en torno a la situación de las artes
decorativas hacia ese momento y que merece un trabajo de análisis específico. ROSSI, Cristina. Ignacio
Pirovano y Ernesto B. Rodríguez, entre la tradición y la innovación. IX Jornadas del Instituto de Teoría
e Historia del Arte Julio E. Payró. El arte de dos siglos: balance y futuros desafíos. Buenos Aires:
Universidad de Buenos Aires, 2010, p. 401-416.
[45] Fragmento del diario La Nación en: Exposición de Tapices de los siglos XV a XVIII. Boletín del
Museo Nacional de Arte Decorativo. Buenos Aires: Año I núm 2, 1947, p. 5.
[46] MUÑIZ, Eduardo J. Situación de la artesanía en nuestro país. Boletín del Museo Nacional de Arte
Decorativo. Buenos Aires: Año I núm 1, 1946, p. 2. El resaltado es nuestro. Queda pendiente un estudio
más profundo que considere los debates en torno a la figura del artista como obrero o “trabajador” y que
puede rastrearse por lo menos desde las discusiones en torno a la reforma del plan de estudios de la
Academia en el Centenario de mayo y el lugar que ocupaban los artistas de distintas disciplinas durante
las huelgas, en un lugar intermedio entre el artista y el obrero industrial o incluso antes, a partir de las
diferencias establecidas entre el obrero tejedor y la bordadora en la Exposición Nacional de 1871
trabajadas por NUSENOVICH, Marcelo. Arte y experiencia en Córdoba en la segunda mitad del XIX.
Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba, 2015. p. 450. Para el caso de los artistas de teatro puede
consultarse: GONZÁLEZ VELASCO, Carolina. Gente de teatro: ocio y espectáculos en la Buenos Aires
de los años veinte. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012. Cap. 3: “Identidades, conflictos gremiales y
experiencias políticas en el mundo del teatro”.
[47] Julia Ariza ha investigado en profundidad las escuelas de formación profesional para mujeres entre
fines del siglo XIX y principios del siglo XX considerando a las artes decorativas y aplicadas dentro de las
posibilidades ofertadas como asignaturas, contrastando a los alumnos de la Academia en relación a las
restantes escuelas y reflexionando sobre su situación de clase. ARIZA, Julia. Del caballete al telar: La
Academia Nacional de Bellas Artes, las escuelas profesionales y los debates en torno de la formación
artística femenina en la Argentina de la primera mitad del siglo XX. Acceso libre. Artelogie, Paris, nº5,
oct., 2013. Disponible en: <http://cral.in2p3.fr/artelogie/IMG/article_PDF/article_a242.pdf.> Acceso el 13
de mayo, 10:00 a.m. Sobre este tema también puede consultarse: GLUZMAN, Georgina. El trabajo
recompensado: mujeres, artes y movimientos femeninos en la Buenos Aires de entresiglos. Acceso libre.
Artelogie, Paris, n° 5, oct., 2013. Disponible en:
<http://cral.in2p3.fr/artelogie/IMG/article_PDF/article_a265.pdf>. Acceso el 13 de mayo, 10:00 a.m. y
SCOCCO, Graciela. Un espacio permitido. Educación artística y participación activa de la mujer en las
artes decorativas y aplicadas. SAAVEDRA, Maria Inés. Buenos Aires, artes plásticas, artistas y espacio
público. Buenos Aires: Vestales, 2008, p. 207-247.
[48] MUNICIPALIDAD DE LA CIUDAD DE BUENOS AIRES. Demostración a las autoridades
comunales. Memoria de la Exposición Comunal de Artes Aplicadas e Industriales 1925-1926. Buenos
Aires, S. A. Imprenta Lamb & Cia. LTD, 1928, p. 43
[49] GLUZMAN, Georgina. Op. cit., p. 6.
[50] NUSENOVICH, Marcelo. Op. cit,, p. 451-452.
[51] PENHOS, Marta. Nativos en el Salón. Artes Plásticas e identidad en la primera mitad del siglo XX.
PENHOS, Marta y WECHSLER, Diana (coords.). Tras los pasos de la norma. Salones nacionales de
Bellas Artes (1911-1989). Buenos Aires: Ediciones del Jilguero, 1999.
[52] Diferentes aspectos de este problema han sido abordados en: RADOVANOVIC, Elisa. Nuevas
perspectivas en las artes aplicadas argentinas, 1905-1915. AAVV. Las artes en torno al centenario.
http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_argentina.htm
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Estado de la cuestión (1905-1915). Buenos Aires: Academia Nacional de Bellas Artes, 2010, p. 127-141.
Ramón Gutiérrez y Rodrigo Gutiérrez Viñuales indagaron en la utilización de fuentes de otras culturas
para la producción artística, especialmente arquitectónica. En este marco, lo americano precolombino fue
una referencia más en estas reutilizaciones. También estudiaron la presencia de la corriente indigenista y
de sus posibles interacciones entre distintos países de Latinoamérica (México, Perú, Brasil, Argentina e
intercambios con el continente Europeo), proponiendo que la reivindicación de las culturas indígenas y la
búsqueda por promover una estética nacional y “americana” surgió como propuesta en varios puntos de
América Latina. GUTIÉRREZ, Ramón y Rodrigo GUTIÉRREZ VIÑUALES (2000). Fuentes
prehispánicas para la conformación de un arte nuevo en América. Arte prehispánico: creación,
desarrollo y persistencia. Buenos Aires: Academia Nacional de Bellas Artes, 2000, p. 49-67;
GUTIÉRREZ VIÑUALES, Rodrigo. La infancia entre la educación y el arte. Algunas experiencias
pioneras en latinoamérica (1900-1930). Acceso libre. Artigrama, Zaragoza, nº 17, 2002, 127-147.
Disponible en: <http://www.unizar.es/artigrama/pdf/17/2monografico/06.pdf>. Acceso el 13 de mayo,
10:00 a.m.
[53] PENHOS, Marta y BOVISIO, María Alba. La invención del “arte indígena” en la Argentina.
PENHOS, Marta y BOVISIO, María Alba (coords.). Arte indígena: categorías, prácticas, objetos,
Córdoba, Encuentro Grupo editor/Facultad de Humanidades, Universidad Nacional de Catamarca,
Colección Con-textos Humanos 3, 2009. Ver también BOVISIO, María Alba. Universalismo y
americanismo en el Silabario de la Decoración Americana de Ricardo Rojas. Terceras Jornadas de
Estudios e Investigaciones: Instituto de Teoría e Historia del Arte "Julio E. Payró". Buenos Aires:
Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 2000. CD rom. Asimismo, Andrea Pegoraro
analizó en profundidad el rol de Clemente Onelli desde la arqueología, la “Exposición Americana de Arte
Retrospectivo” en 1922 y su conferencia en la Facultad de Filosofía y Letras, en donde rescató que Onelli
no llamaba a la recuperación de “todos” los motivos indígenas; la búsqueda de un valor estético debía
dirigirse hacia los indígenas del pasado y no a los contemporáneos. PEGORARO, Andrea. Las
colecciones del Museo Etnográfico de la Universidad de Buenos Aires: un episodio en la historia del
americanismo en la Argentina 1890- 1927. Tesis doctoral. Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras.
Universidad de Buenos Aires, 2009, p. 386.
[54] ROJAS, Ricardo. La Universidad de Tucumán: Tres conferencias. Buenos Aires: Librería argentina
de Enrique García, 1915, p. 109-112.
[55] Ibíd., p. 116.
[56] FASCE, Pablo. La construcción de un campo de las artes plásticas en el contexto de la Generación
del Centenario. Ponencia en X Jornadas La Generación del Centenario y su proyección en el noroeste
argentino: desde el Centenario hacia una historia integral del NOA 1900-1950. Tucumán, Centro
Cultural Alberto Rougés, 8 y 9 de octubre de 2015, p. 11.
[57] DIRECCIÓN NACIONAL DE BELLAS ARTES. II Salón de Artistas Decoradores. Buenos Aires, p.
5
[58] En el catálogo del museo presentaba en su mayoría obras europeas, coloniales y en menor medida
piezas prehispánicas que provenían del Museo Etnográfico de la Universidad de Buenos Aires y del
Museo de Ciencias Naturales Bernardino Rivadavia. MUSEO NACIONAL DE ARTE DECORATIVO.
Catálogo. Buenos Aires: Comisión Nacional de Cultura, 1947.
[59] Decreto N° 58641, del 30 de marzo, denominando Academia Nacional de Bellas Artes “Prilidiano
Pueyrredón” a la Escuela de Artes Decorativas de la Capital, y aprobando el nuevo plan de estudios de la
misma. Biblioteca Nacional de Maestros. Buenos Aires. Disponible en:
<http://www.bnm.me.gov.ar/giga1/normas/13677.pdf> Acceso el 13 de mayo, 10:00 a.m.
http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_argentina.htm
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Um Mefistófeles afro-brasileiro? Considerações sobre uma
extinta imagem de “Exu” do Museu da Polícia Civil do Estado
do Rio de Janeiro *
Arthur Valle
VALLE, Arthur. Um Mefistófeles afro-brasileiro? Considerações sobre uma extinta imagem de
“Exu” do Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1,
jan./jun. 2016. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/exu.htm> [English]
*
1.
*
*
O ponto de partida do presente texto é uma obra de arte que não mais existe. Trata-se de
uma impressionante imagem de “Exu” que pertencia ao Museu da Polícia Civil do
Estado do Rio de Janeiro [Figura 1a e Figura 1b]. Exu é o orixá mensageiro do povo
iorubá, sem a participação do qual “não existe movimento, mudança ou reprodução,
nem trocas mercantis, nem fecundação biológica.”[1] Todavia, a iconografia do “Exu”
do Museu da Polícia se afasta das tradições iorubás, aproximando-se, antes, de
representações do Diabo cristão, mais precisamente da sua moderna encarnação como
Mefistófeles.[2] Como um orixá de origem africana pôde assumir uma aparência tão
europeizada? A resposta para essa questão deve ser buscada no processo de sincretismo
que se iniciou na época dos primeiros contatos europeus com o culto a Exu na África:
desde então, esse orixá, por seu caráter contraditório e irascível, foi grosseiramente
identificado com o Diabo.[3] Analisando a aparência da imagem em questão, bem como
a maneira como ela foi adquirida e exibida no Museu da Polícia, discutiremos a
capacidade de reinvenção das culturas de origem africana no Brasil, mas também como
estas mesmas culturas foram marginalizadas pelo racismo que estruturou a sociedade
brasileira durante sua história colonial e pós-colonial.
2.
O “Exu” do Museu da Polícia foi discutido de forma pioneira em alguns estudos da
antropóloga Yvonne Maggie,[4] que são ilustrados por fotografias tiradas em fins dos
anos 1970 pelo fotógrafo Luiz Alphonsus. Essas fotos provavelmente são os últimos
vestígios existentes da imagem, que foi destruída em um incêndio ocorrido em 1989,
quando o acervo do Museu da Polícia estava instalado na Rua Frei Caneca 162, no
centro do Rio de Janeiro.[5] Consequentemente, o presente texto se situa dentro do
marco metodológico da Cripto-História da Arte, como definida pelo historiador de arte
Victor Serrão. A Cripto-História da Arte é uma vertente da história da arte ”atenta no
papel que as obras já desaparecidas na voragem dos séculos possam ter assumido em
determinadas circunstâncias [...] Não se trata de um edifício conceptual a erigir à
margem da História da Arte, antes de uma vertente que lhe é complementar e
insubstituível.”[6] Nesse sentido e de modo mais específico, o presente texto se encontra
embasado em uma análise iconológica, que, como destaca Serrão, se interliga e
complementa a Cripto-História da Arte.[7]
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3.
Além de ser um excelente objeto de estudo para verificar o potencial da Cripto-História
da Arte, cremos que o “Exu” do Museu da Polícia merece atenção por duas outras
razões. Em primeiro lugar, o estudo dessa imagem lança luz sobre a arte e a cultura
visual usadas pelas religiões afro-brasileiras nas primeiras décadas da República no
Brasil - um vasto campo de investigação que ainda aguarda a devida atenção por parte
dos historiadores de arte.[8] Em segundo lugar, o estudo do “Exu” exige uma
abordagem interdisciplinar de cuja falta a história da arte no Brasil de fins do século
XIX e início do XX ainda se ressente:[9] com efeito, a imagem em questão levanta
problemas que só podem ser tratados se aplicarmos métodos de várias disciplinas além
da história da arte, como os estudos jurídicos, os estudos de religião, a antropologia, a
etnografia e os estudos literários.
4.
Uma análise do “Exu” deve partir de uma discussão do contexto museográfico em que
ele estava inserido quando foi destruído, ou seja, a coleção do Museu da Polícia Civil do
Rio de Janeiro. O núcleo dessa coleção[10] é formado por objetos apreendidos no
começo do século XX pela polícia, que tinha a incumbência de perseguir aquilo que era
então chamado baixo espiritismo[11] - termo que, com frequência, foi encarado como
sinônimo de práticas religiosas afro-brasileiras. Essa violenta repressão parece, a
princípio, contradizer a primeira Constituição republicana, promulgada em 24 de
fevereiro de 1891, que, diferente das legislações dos períodos colonial e imperial,[12]
estabelecia uma rigorosa separação entre estado e religião e teoricamente assegurava
ampla liberdade de culto.[13] É necessário recordar, porém, que o primeiro código penal
republicano, promulgado em 11 de outubro de 1890 - ou seja, ainda antes da
Constituição de 1891 - ratificava a imposição de valores culturais que potencialmente
restringiam as práticas religiosas não-católicas. Nesse sentido, são particularmente
significativos os artigos do código que puniam, como “crimes contra a saúde pública,” o
exercício ilegal da medicina (Art. 156),[14] o espiritismo, a magia, os sortilégios (Art.
157)[15] e o curandeirismo (Art. 158).[16] Pesquisando julgamentos de curandeirismo e
charlatanismo no Brasil entre 1900 e 1990, a antropóloga do direito Ana Lúcia
Schritzmeyer demonstrou que esses “crimes” foram usualmente associados a práticas
religiosas afro-brasileiras.[17]
5.
Diversos objetos ligados a tais práticas, apreendidos em batidas policiais, foram
incorporados ao Museu da Polícia Civil, que, junto com a Escola de Polícia, foi criado
em 1912 com a finalidade de auxiliar nas aulas práticas para a formação de novos
policiais. Em 1940, os objetos religiosos afro-brasileiros do Museu da Polícia foram
listados no inventário do “Museu de Magia Negra da seção de Tóxicos, Entorpecentes e
Mistificações da Primeira Delegacia Auxiliar da Polícia Civil do Distrito Federal.¨[18]
Segundo Cyro Advincula da Silva, atual diretor do Museu da Polícia, foi o
reconhecimento do valor histórico, etnográfico e religioso do “Museu de Magia Negra”
que “fundament[ou] o pedido de preservação e tombamento feito pelo Delegado Silvio
Terra ao recém criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN).”[19] Com efeito, o processo de tombamento do acervo do “Museu de Magia
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Negra” é a primeira inscrição no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico do SPHAN, datada de 5 de maio de 1938.[20]
6.
Em 1945, os objetos religiosos afro-brasileiros do Museu da Polícia foram incorporados
ao Museu do Departamento Federal de Segurança Pública.[21] Em 1972, junto com
outros itens apreendidos pela polícia durante o chamado Estado Novo, o museu foi
instalado no referido prédio na Rua Frei Caneca. Foi nesse local que, em fins dos anos
1970, o “Exu” foi fotografado por Luiz Alphonsus, no âmbito de uma pesquisa
financiada pela FUNARTE e conduzida por Yvonne Maggie, Márcia Contins e Patrícia
Monte-Mór. Uma das fotos de Luiz Alphonsus tirada na ocasião [Figura 2] deixa
entrever a instalação dos objetos do Museu da Polícia, que o sociólogo Alexandre
Fernandes Corrêa recentemente qualificou como “assombrosa,” retomando a descrição
feita por Maggie, Contins e Monte-Mór:
Entrar no Museu da Polícia é uma experiência extremamente angustiante.
A sensação é de estar em um filme de terror ou tendo uma visão surrealista.
A sala, mal iluminada, e as peças empoeiradas concorrem para essa
sensação. Os objetos mais diversos se confundem: Exu com estoques,
tóxicos com fetos, objetos rituais com armas, bandeiras nazistas com fotos
de crimes famosos na imprensa.[22]
7.
8.
Em um de seus estudos, Corrêa apresenta um diagrama da instalação das peças no
prédio na Rua Frei Caneca [Figura 3]:[23] em meio a itens muito heterogêneos objetos usados em falsificação, tráfico de drogas e jogo do bicho; um manequim; armas
de fogo; bandeiras nazistas etc. -, a coleção de objetos religiosos afro-brasileiros do
Museu da Polícia, segundo Maggie, “esta[va] disposta como num terreiro, as imagens dos
exus separadas das dos outros orixás, os atabaques separados das imagens e os trabalhos para
fechar caminhos em estante separada dos trabalhos para abrir caminhos.”[24]
9.
Na primeira foto de Alphonsus que mostra o “Exu” de corpo inteiro nesse espaço expositivo
[Figura 1a], o personagem tem a cabeça curvada em direção ao peito e está envolto por um
manto negro, aparentemente de veludo, tendo uma corda em torno do pescoço. Ele é mostrado
através de um dramático contre-plongée e é iluminado por uma fonte de luz localizada à sua
esquerda, que projeta na parede e no teto sombras medonhas, dignas de um filme expressionista
alemão dos anos 1920. É difícil estimar o tamanho da imagem apenas a partir dessa foto, mas a
sua descrição no inventário do “Museu de Magia Negra” de 1940 informa que ela era uma
“estatueta,” o que nos leva a crer que tivesse dimensões reduzidas.
10. Dentro de uma caixa de vidro colocada sobre um pedestal, o “Exu” era exibido como que
encarcerado[25] - de modo bem adequado, poder-se-ia dizer, para um objeto que foi confiscado
pela polícia. Essa forma de exibição é usualmente imposta a objetos tidos como maléficos,
capazes de, por sua agência própria, causar dano às pessoas que os possuem e/ou com eles
entram em contato. O exemplo talvez mais conhecido é o da boneca de pano Annabelle [Figura
4], hoje preservada no Warren's Occult Museum em Connecticut, USA,[26] que se tornou
célebre como personagem de filmes recentes.[27] Annabelle se encontra encarcerada em uma
caixa de madeira em forma de casa, em torno da qual vemos cartazes com dizeres como
“WARNING, POSITEVELY DO NOT OPEN,” alertando para a suposta ameaça que a boneca
representa.
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11. Uma mensagem semelhante era vinculada pela instalação do “Exu” no prédio da Rua Frei
Caneca. Ao fundo da foto que estamos analisando, é possível ver bandeiras e flâmulas nazistas;
além disso, na extrema direita da foto, podem ser vistas as afiadas pontas de um tridente - um
atributo usual de “Exu” no Brasil, mas também do Diabo na iconografia cristã. De maneira
deliberada, a constelação desses elementos em volta do “Exu” enfatizava a sua natureza
supostamente maléfica. Como recorda Maggie, quando realizava sua investigação no Museu da
Polícia “não faltaram informantes para dizer que [objetos como o “Exu” eram] perigosos,
estavam carregados, pesados e era arriscado desvendar sua origem.”[28] Tais advertências
derivavam, em última análise, da crença em que “os objetos carregam o feitiço, ou seja, o
próprio objeto tem o poder de produzir o mal pretendido pelo feiticeiro. É bom não tocar neles,
pois podem provocar danos incalculáveis.”[29] Porém, mesmo encarcerado em sua caixa de
vidro, o poder do “Exu” não havia se extinguido: em fins dos anos 1970, “as pessoas iam ao
museu fazer a sua ‘fezinha’ e depositavam moedas e flores ao pé das imagens. Para os
visitantes do Museu aquelas imagens [...] ganhavam ainda mais poder e força por ter
pertencido a poderosos feiticeiros.”[30]
12. A segunda foto tirada por Luis Alphonsus do “Exu” nos mostra um close-up de sua cabeça
[Figura 1b]. Embora a policromia da imagem apresentasse então sinais de desgaste, é
possível afirmar que o “Exu” do Museu da Polícia era caucasiano e tinha olhos azuis,
aparentemente feitos de contas de vidro. Ele possuía um nariz aquilino, bigodes, uma
barba bifurcada negra e esboçava um sorriso sarcástico; um capuz negro cobria a sua
cabeça, atrás da qual é possível ver uma protuberância vermelha - muito provavelmente
uma pena. Nessa foto, é também possível ver melhor a corda que envolvia o pescoço da
imagem.
13.
Em nossa opinião, seria difícil estabelecer uma relação entre o aspecto da imagem do Museu
da Polícia e a suposta aparência de um orixá de origem africana. Isso nos reconduz aos
problemas levantados pelo “Exu,” o que torna importante que passemos a apresentar
agora a iconografia do Exu iorubá, a fim de melhor entender o quanto o “Exu” do
Museu da Polícia dele se afasta. Além disso, cremos que essa apresentação é aqui
relevante porque, fora do círculo dos especialistas, a iconografia do Exu iorubá
permanece pouco discutida no Brasil.
14.
O acesso à mitologia iorubá é, todavia, em grande medida indireto. Ela se baseava na
tradição oral e somente a partir do século XIX começou a ser compilada em forma
escrita; na maioria das vezes, isso foi feito por europeus e americanos, não somente na
África, mas também em locais afetados pela diáspora, como Brasil e Cuba.[31] Em
2001, o sociólogo Reginaldo Prandi publicou uma das maiores coletâneas de mitos
sobre Exu até hoje reunida, que conta com apenas trinta itens. Nessa coletânea, alguns
objetos são diretamente associados ao orixá, o principal sendo seu ogó, um poderoso
porrete,[32] usualmente de madeira e com duas cabaças, evocando a anatomia do pênis.
Nos mitos, outros atributos associados a Exu são: o ecodidé (pena vermelha de
papagaio),[33] um símbolo de respeito que levou Olorum[34] a promover Exu à posição
de mensageiro e decano dos orixás; um boné pontudo, de um lado branco e do outro
vermelho, com o qual Exu provoca a discórdia entre dois amigos;[35] uma panela, que
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se transforma na cabeça (ori) de Exu;[36] um gorro branco de babalaô, que Exu usa
quando cura Olofim;[37] uma faca, com a qual Exu fere a mão de todos os habitantes de
uma cidade, a fim de ajudar seu amigo Orunmilá;[38] além disso, inhame, uma cabra e
cocos também aparecem associados a Exu.
15.
No que diz respeito às esculturas relacionadas a Exu produzidas pelos iorubás, um bom
ponto de partida continua sendo o estudo de Joan Wescott sobre as imagens relacionadas
a Exu-Elegba.[39] Alguns atributos - como o porrete, as cabaças e a faca - são os
mesmos referidos nos mitos sobre Exu, mas diversos outros aparecem nas esculturas,
como búzios, moedas, espelhos, pentes, colheres, apitos e cachimbos [Figura 5].
Todavia, o traço distintivo e mais proeminente das esculturas iorubá relacionadas a Exu
é o seu penteado em forma de rabo de cavalo, que se projeta a partir do topo de sua
cabeça [Figura 6 e Figura 7] e por vezes adquire a forma de um pênis [Figura 8].
Wescott oferece interpretações para todos esses atributos,[40] justificando a maioria
deles como símbolos das qualidades fálicas de Exú, de sua “energia instintiva, força
masculina e potencialidade”[41] - interpretação que, cumpre dizer, foi questionada como
redutiva por estudos mais recentes.[42] Para o presente texto, todavia, o que importa
constatar é que nenhum dos atributos listados por Wescott é evidente nas fotos do “Exu”
do Museu da Polícia. O mesmo se dá com os atributos listados nos mitos: apenas a
protuberância vermelha sobre a cabeça do “Exu” poderia ser relacionada ao ecodidé.
16.
Mas essa protuberância vermelha poderia também ser explicada sem referência à
iconografia iorubá. Nesse sentido, é necessário reafirmar o quanto a imagem do “Exu”
do Museu da Polícia se aproxima da iconografia cristã, em particular da do Diabo. Essa
aproximação já estava claramente referida na ficha de identificação que acompanhava o
“Exu” quando ele estava exposto na Rua Frei Caneca e que continha os seguintes
dizeres: “Essa representação de Exu é típica da influência do Cristianismo nos cultos
afro-brasileiros. Todavia, a assimilação é algo oblíqua. Enquanto o Satã do Cristianismo
é descrito como uma entidade indesejável, que foi expulsa do Paraíso, nos cultos afrobrasileiros Exu é descrito como uma espécie de embaixador da humanidade junto à corte
dos orixás.”[43]
17.
A imagem de “Exu” do Museu da Polícia é, portanto, fruto de um processo sincrético
que começou a tomar forma ainda no século XIX, nos escritos de viajantes europeus
(em especial de religiosos cristãos) que entraram em contato com o culto de Exu na
África. Em 1857, por exemplo, o pastor estadunidense Thomas J. Bowen afirmou:
“Além de seus outros ídolos, normalmente chamados de demônios pelos ingleses
instalados na costa, os iorubás veneram o próprio Satã, sob o nome de Exu, que parece
significar ‘o excluído,’ de shu, que significa expulsar.”[44] Em seu livro de 1885, o
abade Pierre Bouche apresentou uma ideia similar: “Os negros reconhecem os poderes
de possessão de Satã; pois eles o chamam usualmente Elegbara,[45] que quer dizer
aquele que se apodera de nós.”[46] No primeiro livro europeu a tratar sistematicamente
da religião iorubá, o padre francês R. P. Baudin também apresentou uma interpretação
muito negativa de Exu.[47] A gravura que acompanha o trecho do livro dedicado ao
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orixá é particularmente emblemática [Figura 9]: nela vemos um homem sacrificando
uma ave a Exu, que é representado por uma estatueta com chifres dentro de uma
casinhola; na legenda da gravura, pode-se ler: “ELEGBA O ESPÍRITO MALÉFICO
OU O DEMÔNIO.”
18.
No Brasil do começo do século XX, Raimundo Nina Rodrigues[48] e João do Rio[49]
também identificaram Exu com o Diabo cristão. Tal identificação atingiria a sua mais
completa realização com o sincretismo religioso verificado em locais afetados pela
diáspora africana, como o Brasil. Vale a pena sintetizar aqui a tese de Prandi sobre esse
sincretismo e suas consequências para a demonização de Exu:
19.
20.
21.
22.
O sincretismo não é, como se pensa, uma simples tábua de correspondência entre
orixás e santos católicos [...] O sincretismo representa a captura da religião dos
orixás dentro de um modelo que pressupõe, antes de mais nada, a existência de
dois pólos antagônicos que presidem todas as ações humanas: o bem e o mal; de
um lado a virtude, do outro o pecado. Essa concepção, que é judaico-cristã, não
existia na África. [...]
O lado do bem, digamos, foi assim preenchido pelos orixás, exceto Exu,
ganhando Oxalá, o orixá criador da humanidade, o papel de Jesus Cristo, o deus
Filho, mantendo-se Oxalá no topo da hierarquia, posição que já ocupava na África
[...]
Foi sem dúvida o processo de cristianização de Oxalá e outros orixás que
empurrou Exu para o domínio do inferno católico, como um contraponto requerido
pelo molde sincrético. Pois, ao se ajustar a religião dos orixás ao modelo da
religião cristã, faltava evidentemente preencher o lado satânico do esquema deusdiabo, bem-mal, salvação-perdição, céu-inferno, e quem melhor que Exu para o
papel do demônio?[50]
A identificação de Exu com o “senhor dos infernos” cristão alcançou seu ápice no
primeiro quartel do século XX,[51] em modalidades de culto como “macumba,
quimbanda e umbanda [que] representam um sistema unificado e coerente que se
articula em torno do que [o sociólogo David J. Hess] chama um ‘dinamismo
sincrético’.”[52] Até onde pudemos apurar, foi no contexto desses cultos sincréticos,
especialmente em cidades como o Rio de Janeiro, que atributos iconográficos como
chifres, tridente, rabo e cascos passaram a ser associados de maneira explícita a Exu
[Figura 10a e 10b]. Esses atributos permanecem até os dias de hoje caracterizando boa
parte das imagens de culto do orixá usadas no Brasil, como se pode comprovar
facilmente na visita a lojas de artigos religiosos afro-brasileiros, cuja predileção por
exibir estátuas de Exu em suas entradas possui uma dimensão ritualística [Figura 11a e
11b].[53]
23.
Porém, o “Exu” do Museu da Polícia também se distancia dessa tipologia mais
conhecida de representações do Diabo. Ele certamente recorda figurações atuais do
chamado “Exu Capa Preta” [Figura 12a e 12b], mas sobretudo um outro tipo de
representação do Diabo, mais moderna e refinada: o Diabo como Mefistófeles. Em um
de seus livros sobre o “Príncipe das Trevas,” o historiador Jeffrey Burton Russell
reproduziu a fotografia de uma estátua oitocentista de Mefistófeles, feita de bronze e
marfim [Figura 13] (possivelmente, se trata de uma versão de uma conhecida escultura
de Mefistófeles criada pelo francês Jacques-Louis Gautier em meados do século XIX
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19&20 - Um Mefistófeles afro-brasileiro? Considerações sobre uma extinta imagem de “Exu” do Museu da Polícia Civil do Estado …
[Figura 14]): são notáveis as afinidades com o “Exu” do Museu da Polícia, como o
“capuz de erudito, barba bifurcada e sorriso sinistro.”[54] Além disso, o Mefistófeles
reproduzido no livro de Russel usa uma longa pena na cabeça, o que reforça a hipótese
de que a protuberância análoga visível no “Exu” seja também uma pena.
24.
Não por acaso, o “Exu” era referido no inventário do “Museu de Magia Negra” de 1940
como “uma estatueta representando Mefistófeles (Eixú) [sic], entidade máxima da linha
de malei.”[55] Como é bem sabido, Mefistófeles é um personagem da lenda de Fausto,
um erudito que vende sua alma ao senhor do inferno em troca de sabedoria e prazer.
Segundo Russell, o nome Mefistófeles é “uma invenção puramente moderna, de origem
incerta,”[56] e aparece pela primeira vez em um livro dedicado a Fausto publicado por
um autor anônimo alemão em 1587.[57] Todavia, o protótipo de Mefistófeles que
predominará na literatura europeia dos séculos seguintes pode ser encontrado ainda
antes, no personagem Panurge dos livros protagonizados por Gargantua e Pantagruel,
publicados por François Rabelais entre c. 1532 e 1564. Sem dúvida, uma representação
de Mefistófeles análoga à de Panurge - “alto, charmoso, elegante e de descendência
nobre, embora traços de sua origem demoníaca se revelem em sua palidez, suas
imperfeições e sua grande idade”[58] - foi a favorecida na cultura europeia moderna.
25.
Desde o século XIX, diversas obras de arte europeias dão prova da grande difusão dessa
versão mefistofélica do Diabo, que no Brasil foi igualmente muito popular. Sabemos,
por exemplo, que circulavam no Brasil cópias do Mefistófeles de Gautier.[59] Em 1883,
o pintor Francisco Aurélio de Figueiredo e Mello expôs um “Mefistófeles de riso
sardônico e olhar de serpente”[59] na galeria carioca Glace Elégante. Mefistófeles era
presença frequente também nos periódicos ilustrados do Rio de Janeiro. Um deles, que
circulou em meados dos anos 1870, era, inclusive, intitulado Mephistopheles e trazia o
personagem em destaque, em diversas de suas capas [Figura 15].[61] Em outro
importante periódico dos anos 1870, O Besouro, o artista português Raphael Bordallo
Pinheiro “inúmeras vezes evoc[ou] [em suas caricaturas] os personagens Fausto, o sábio
erudito, e o demônio Mefistófeles. Na pele de Fausto, o caricaturista colocou o
Imperador D. Pedro II e na de Mefistófeles o ministro do tesouro Gaspar da Silveira
Martins” [Figura 16].[62]
26.
Seja vinculado à literatura ou criticando a política imperial, Mefistófeles era, portanto,
figura bem conhecida das elites intelectuais brasileiras desde o século XIX. É
perfeitamente compreensível, portanto, a sua adoção em contextos religiosos afrobrasileiros que, com seus Exus identificados com o Diabo, “exerc[iam] fascinação até
sobre os membros considerados mais ‘evoluídos’ das classes burguesas, que sempre
constituíram a clientela dos cultos afro-brasileiros. Na verdade, no Rio de Janeiro do fim
do século XIX o satanismo já era largamente difundido, como mostram as reportagens
de João do Rio publicadas pela primeira vez em 1904.”[63] Com efeito, o “Exu” do
Museu da Polícia bem poderia fazer parte da ambientação da Missa Negra descrita por
João do Rio, com um requinte decadentista comparável ao dos escritos de Joris-Karl
Huysmans.[64]
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27.
À guisa de considerações finais, podemos afirmar que a metamorfose de Exu em
Mefistófeles discutida nesse texto é um fenômeno ambivalente. Por um lado, ela é um
exemplo importante da capacidade de reconfiguração das culturas africanas
transplantadas para o Brasil, pois foi justamente no contexto de cultos sincréticos que
Exu manteve um de seus traços essenciais: a sua incessante capacidade de transformar a
si mesmo. Até os dias atuais, como sintetiza a antropóloga Stefania Capone, é
precisamente no seio desses cultos que “o deus da África ocidental, o deus dos iorubás e
dos fon (em seu aspecto de Legba)[65], encontr[ou] espaço para existir e para se
transformar - o que constitui um de seus traços característicos.”[66] Ao assumir a
aparência de Mefistófeles - uma versão refinada do Diabo cristão, bem conhecida pelas
elites brasileiras do início do século XX -, Exu demonstrou mais uma vez sua astúcia,
esperteza e capacidade de manipular o destino.
28.
Por outro lado, cremos que tal metamorfose deve ser compreendida como um sintoma
da imposição de valores culturais de origem europeia à custa de outros, de origem
africana. Sob essa ótica, o sincretismo que deu origem ao “Exu” da Polícia Civil se
revela, ele próprio, como um fenômeno ambivalente: simultaneamente, o sincretismo é
um processo que potencializa a reinvenção de tradições, mas que também pode
contribuir para a sua fragmentação e diluição. Isso ocorre especialmente em contextos
marcados pela dominação colonial e pelo racismo, como é o caso da sociedade brasileira
que durante toda a sua história literalmente criminalizou vários aspectos das culturas
afro-brasileiras. A maioria dos fatos relacionados ao “Exu” remete, com efeito, a
dominação e racismo: desde sua transformação em versão moderna do Diabo cristão,
passando por sua captura pela polícia, até o modo aviltante como ele foi exposto ao
público, antes de ser destruído.
29.
O “Exu” foi destruído, mas - cumpre frisar - não esquecido: através dos registros
documentais e fotográficos remanescentes, bem como dos estudos elaborados nas
últimas décadas, a sua agência permanece em certa medida latente. Com base nisso, o
presente texto pretendeu justamente contribuir para uma reconsideração da posição que
obras como o “Exu” do Museu da Polícia ocupam no cânone da história da arte no
Brasil. Estamos convictos de que a análise dessa imagem é hoje relevante e mesmo
urgente, pois permanecem sem solução os dilemas da sociedade brasileira que ajudaram
a moldar não somente o “Exu,” como também muitas outras obras ligadas à afrodescendência no Brasil.
______________________________
* Agradeço ao Prof. Dr. Roberto Conduru pela cuidadosa revisão do texto e pelas diversas sugestões.
[1] PRANDI, R. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 21. Para mais
informações sobre Exu, ver: LOPES, N.. Exu. In: ____. Enciclopédia brasileira da diáspora africana
[recurso eletrônico]. 4ª. ed. São Paulo: Selo Negro, 2011, pos. 10198-10228; SILVA, V. G. da. Exu: o
guardião da casa do futuro. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.
[2] RUSSELL, J. B.. Mephistopheles: The Devil in the Modern World. Ithaca, NY: Cornell, 1986;
RUSSELL, J. B.. The Prince of Darkness: Radical Evil and the Power of Good in History. Kindle
edition. Ithaca, London: Cornell University Press, 1988, especialmente os capítulos 11-16.
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[3] Pierre Verger assim sintetiza esse processo de identificação: “Exu é um orixá ou e̩bọra de múltiplos e
contraditórios aspectos, o que torna difícil defini-lo de maneira coerente. De caráter irascível, ele gosta de
suscitar dissensões e disputas, de provocar acidentes e calamidades públicas e privadas. É astucioso,
grosseiro, vaidoso, indecente, a tal ponto que os primeiros missionários, assustados com suas
características, compararam-no ao Diabo, dele fazendo o símbolo de tudo o que é maldade, perversidade,
abjeção, ódio, em oposição à bondade, à pureza, à elevação e ao amor de Deus.” VERGER, P. F.. Orixás
deuses iorubás na África e no Novo Mundo. 6ª. ed. Salvador: Corrupio, 2002, p. 76.
[4] MAGGIE, Y. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1992, n. p. (documentário fotográfico); MAGGIE, Y.. O arsenal da macumba. Revista de
História da Biblioteca Nacional, ano 1, n. 6, dez. 2005, p. 39; MAGGIE, Y.; RAFAEL, U. N.. Sorcery
objects under institutional tutelage: magic and power in ethnographic collections. Vibrant, v. 10, n. 1,
2013, p. 305-306. Nesses estudos, a imagem que aqui discutiremos é designada como “Exu Sete-Capas.”
Sem propriamente discordar de tal designação, optamos por não adotá-la aqui porque na documentação
remanescente, como veremos, a imagem é referida apenas como “Exu” ou “Mefistófeles (Exu).”
[5] CORRÊA, A. F.. O Museu Mefistofélico e a distabuzação da magia: análise do tombamento do
primeiro patrimônio etnográfico do Brasil. São Luís/MA: EDUFMA, 2009, p. 191.
[6] SERRÃO, V. Sobre o conceito de Cripto-História da Arte. In: ___. A Cripto-História da Arte.
Análise de Obras de Arte Inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 11, 13.
[7] Ibidem, p. 13.
[8] Uma exceção notável é Roberto Conduru e sua extensa produção sobre esse campo, que inclui livros
como: CONDURU, R.. Arte Afro-Brasileira. Belo Horizonte: C/Arte, 2007; CONDURU, R.. Pérolas
negras - primeiros fios. Experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de
Janeiro: Eduerj, 2013.
[9] CARDOSO, R.. Histories of nineteenth-century Brazilian art: a critical review of bibliography, 20002012. Perspective, 2 | 2013, p. 320-321. Disponível em: <https://perspective.revues.org/3891>. Acesso
em 1 jun. 2016.
[10] A coleção de objetos religiosos afro-brasileiros do Museu da Polícia se encontra hoje na reserva
técnica do prédio da Polícia Civil na Rua da Relação 42, acondicionada em 52 caixas. Agradeço ao Dr.
Cyro Advincula da Silva por essa informação.
[11] MAGGIE, RAFAEL, op. cit., p. 278.
[12] Cfr. em especial as chamadas Ordenações Filipinas e a Constituição Politica do Imperio do Brazil
(de 25 de março de 1824).
[13] Como reza o seu § 3º de seu Art. 71: “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer
pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições
do direito comum.”. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de
1891). Disponível em: <http://goo.gl/Dj8kTE>. Acesso em 1 mar. 2016.
[14] “CAPITULO III DOS CRIMES CONTRA A SAUDE PUBLICA. Art. 156. Exercer a medicina em
qualquer dos seus ramos, a arte dentaria ou a pharmacia; praticar a homeopathia, a dosimetria, o
hypnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos: Penas - de prisão
cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a 500$000. Paragrapho unico. Pelos abusos commettidos no
exercicio ilegal da medicina em geral, os seus autores soffrerão, além das penas estabelecidas, as que
forem impostas aos crimes a que derem causa.” DECRETO Nº 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890
Promulga o Codigo Penal. Disponível em: <http://goo.gl/pOaDu8>. Acesso em 1 mar. 2016.
[15] “CAPITULO III DOS CRIMES CONTRA A SAUDE PUBLICA. [...] Art. 157 Praticar o
espiritismo, a magia e seus sortilegios, usar de talismans e cartomancias para despertar sentimentos de
odio ou amor, inculcar cura de molestias curaveis ou incuraveis, emfim, para fascinar e subjugar a
credulidade publica: Penas - de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a 500$000”. Idem.
[16] “CAPITULO III DOS CRIMES CONTRA A SAUDE PUBLICA. [...] Art. 158. Ministrar, ou
simplesmente prescrever, como meio curativo para uso interno ou externo, e sob qualquer fórma
preparada, substancia de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o officio do
denominado curandeiro: Penas - de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a 500$000.”
Idem.
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[17] SCHRITZMEYER, A. L. P. . Sortilégio de Saberes: curandeiros e juízes nos tribunais brasileiros
(1900-1990). São Paulo: IBCCRIM, 2004.
[18] MAGGIE, Medo do feitiço..., p. 277-279; CORRÊA, op. cit., p. 171-174.
[19] Relicário multicor. A coleção de cultos afro-brasileiros do Museu da Polícia Civil do Estado do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro Cultural Municipal José Bonifácio; Museu da Polícia Civil do RJ;
Instituto de Artes da UERJ, 2008, p. 3.
[20] A coleção do “Museu de Magia Negra” está registrada sob o n. 0035-T-38. Cfr. Livro dos Bens
Culturais Inscritos nos Livros do Tombo. Rio de Janeiro, 2013, p. 120.
[21] MAGGIE, op. cit., p. 261.
[22] CORRÊA, op. cit., p. 150.
[23] Ibidem, p. 182.
[24] MAGGIE, op. cit., p. 262.
[25] BUONO, A.. Encarcerado: Crime e Visualidade no Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de
Janeiro. In: Caderno de Resumos do XXXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, Rio
de Janeiro, 2013 - Territórios da Arte. Uberlândia: UFU, 2014, p. 236-237.
[26] O site oficial do museu, dirigido pelos investigadores Ed e Lorraine Warren, está disponível em:
<http://www.warrens.net/Occult-Museum-Tours.html>. Acesso em 1 mar. 2016. Nesse site, é também
possível ler uma versão da história de Annabelle; cfr.: <http://www.warrens.net/Annabelle.html>. Acesso
em 1 mar. 2016
[27] The Conjuring (2013), dirigido por James Wan; Annabelle (2014), dirigido por John R. Leonetti.
[28] MAGGIE, op. cit., p. 261
[29] Ibidem, p. 264.
[30] MAGGIE, O arsenal da macumba, p. 39.
[31] PRANDI, op. cit., p. 26-30.
[32] Ibidem, p. 41, 66.
[33] Ibidem, p. 42. O ecodidé é também atributo de outros orixás, nomeadamente Oxalá. Cfr., por
exemplo: SANTOS, D. M. dos. Por que Oxalá usa ekodidé. Salvador: Fundação Cultural do Estado da
Bahia; Cavaleiro da Lua, 1966.
[34] Olorum, “literalmente, Dono do Céu; nome pelo qual é denominado preferencialmente no Brasil o
Deus Supremo” (Ibidem, p. 568).
[35] Ibidem, p. 50
[36] Ibidem, p. 48.
[37] Ibidem, p. 53. Olofim é “a denominação pela qual o Deus Supremo (Olodumare, Olorum) é chamado
em Cuba” (Idem, p. 568).
[38] Ibidem, p. 69. “Orunmilá ou Ifá é o conhecedor do destino dos homens, o que detém o saber do
oráculo, o que ensina a resolver toda sorte de problema e aflição” (Ibidem, p.23).
[39] WESCOTT, J. The Sculpture and Myths of Eshu-Elegba, the Yoruba Trickster. Definition and
Interpretation in Yoruba Iconography. Africa: Journal of the International African Institute, Vol. 32,
No. 4 (Oct., 1962), p. 336-354.
[40] Ibidem, p. 349.
[41] Ibidem, p. 348, tradução livre.
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[42] Cfr. por exemplo: PARSONS, S. W.. Interpreting Projections, Projecting Interpretations: A
Reconsideration of the “Phallus” in Esu Iconography. African Arts, Vol. 32, No. 2 (Summer, 1999), p.
36-45, p. 90-91
[43] MAGGIE, RAFAEL, op. cit., p. 305, tradução livre. Essa ficha foi elaborada por “um dos diretores
do museu, membro de uma comunidade de umbanda e que, nos anos 1960, se especializou na decoração
de altares para terreiros. O diretor do museu frequentemente cita livros de renomados antropólogos que
estudaram essas crenças [como Arthur Ramos, Edson Carneiro e Roger Bastide]” (Ibidem, p. 303,
tradução livre).
[44] BOWEN, T. J.. Central Africa. Adventures and missionary labors in several countries in the
interior of Africa, from 1849 to 1856. Charleston: Southern Baptist Publication Society, 1857, p. 317,
tradução livre.
[45] “ELEGBARA. No Brasil, um dos títulos de Exu; o mesmo que o cubano Eleguá.” LOPES, op. cit,
pos. 9599.
[46] BOUCHE, P.. Sept ans en Afrique Occidentale. La Côte des Esclaves et le Dahomey. Paris:
Librairie Plon, 1885, p. 120, tradução livre.
[47] BAUDIN, R. P.. Fétichisme e féticheurs. Lyon: Séminaire des Missions africaines, 1884, p. 49-53.
[48] RODRIGUES, R. N.. O Animismo Fetichista dos Negros Bahianos. Salvador, Reis & Comp.,
1900. Reedição: São Paulo, Civilização Brasileira, 1935, p. 40, tradução livre.
[49] RIO, J. do. As religiões no Rio. 4ª. ed.. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2015, p. 19 e 48.
[50] PRANDI, R.. Exu, de mensageiro a diabo: sincretismo católico e demonização do orixá Exu. Revista
Usp, São Paulo, n. 50, 2001, p. 51.
[51] Ibidem, p. 52
[52] CAPONE, S.. A busca da África no candomblé: tradição e poder no Brasil. Rio de Janeiro:
Contra Capa Livraria / Pallas, 2004, p. 22. Para uma discussão sobre macumba, quimbanda e umbanda,
ver : Os espíritos das trevas: Exu e Pombagira na umbanda. Ibidem, p. 89-118.
[53] Como lembra o historiador da arte Tadeu Mourão, “As esculturas de Exu e Pombajira estão sempre
entre os acessos aos espaços sagrados, estabelecendo os limites da ordem e do caos, fazendo mediações e
impedindo o acesso do mal” (MOURÃO, T. M. de S.. Encruzilhadas da cultura: imagens de Exus e
Pombajiras na Umbanda. Rio de Janeiro, 2010. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Artes/UERJ, p.
80). Nos terreiros de umbanda, por exemplo, “é quase unânime a concepção religiosa que afirma que os
Exus e as Pombajiras são os guardiões das tendas Umbandistas. A localização de suas representações no
espaço do terreiro corresponde à sua função mítica que, de certa maneira, dialoga com a função atribuída
à representação do orixá Èsù. Na África, os nagô depositavam as imagens de Èsù nas encruzilhadas, nos
centros comerciais, nas portas das casas e dos locais de culto para que os maus espíritos fossem afastados
e pudesse, dessa maneira, manter a ordem social equilibrada, sem grandes desajustes” (Ibidem, p. 58,
grifo nosso).
[54] RUSSELL, The Prince of Darkness…, pos. 3686, tradução livre.
[55] MAGGIE, op. cit., p. 277; CORRÊA, op. cit., p. 172. “Malei” designaria aqui uma das sete “linhas”
da quimbanda.
[56] RUSSELL, op. cit., pos. 3686, tradução livre.
[57] Historia von D. Johann Fausten (ed. Johann Spies). Frankfurt am Main, 1587
[58] RUSSELL, op. cit., pos. 2925, tradução livre.
[59] Cfr.: PRESTES, W.. Linha de Fogo. O Malho, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 1411, 28 set. 1929, p.
38-39.
[60] FERREIRA, F.. Belas Artes: Estudos e Apreciações. 2 ed. Porto Alegre, RS: Zouk, 2012, p. 144.
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[61] Mephistopheles foi publicado entre 1874 e 1875 e contava com ilustrações de Cândido Aragonez de
Faria, que posteriormente fez carreira de sucesso na França.
[62] SILVA, R. J. da. Quando a caricatura se explica: um exemplo português no Brasil oitocentista. In:
VALLE, A.; DAZZI, C.; PORTELLA, I.. (Org.). Oitocentos - Tomo III: intercâmbios culturais entre
Brasil e Portugal. 2ª. ed. CEFET: Rio de Janeiro, 2014 , p. 462-463 (cfr. link).
[63] CAPONE, op. cit., p. 95-96.
[64] RIO, op. cit., p. 180-191.
[65] “LEGBÁ. Entidade dos cultos de origem jeje, correspondente, em alguns aspectos, ao Exu nagô.”
LOPES, op. cit, pos. 14731.
[66] CAPONE, op. cit., p. 47.
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An Afro-Brazilian Mephistopheles? Considerations on an
“Eshu” sculpture of the Rio de Janeiro Civil Police Museum
Arthur Valle
VALLE, Arthur. An Afro-Brazilian Mephistopheles? Considerations on an “Eshu” sculpture of the
Rio de Janeiro Civil Police Museum. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Available at:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/exu_eng.htm> [Português]
*
1.
*
*
The starting point of the present paper is a work of art that no longer exists. It is a
striking sculpture of “Eshu” [Figure 1a and Figure 1b] that belonged to the Rio de
Janeiro Civil Police Museum (henceforth, Police Museum). Eshu is the Messenger
Orisha of the Yoruba people, without whom “there is neither movement, transformation
or reproduction, nor commercial exchanges or biologic fecundation.”[1] However, the
iconography of the Police Museum’s “Eshu” is very different from that found in Yoruba
tradition; rather, it is much closer to depictions of the Christian Devil, especially in his
modern incarnation as Mephistopheles.[2] How could an African Orisha acquire such
an Europeanized appearance? The answer for this question must be sought in the
process of syncretism that began with the first European contacts with Yoruba people in
Africa: since then, the contradictory and irascible Eshu has been identified with the
Devil.[3] By analyzing the sculpture’s appearance, as well as how it was acquired and
displayed in the Police Museum, we will discuss how African cultures reinvented
themselves in Brazil, but also how these same cultures were criminalized by the racism
that structured Brazilian society throughout its Colonial and Postcolonial history.
2.
The Police Museum’s “Eshu” was discussed by anthropologist Yvonne Maggie in some
of her studies,[4] which are illustrated by photographs taken by Luiz Alphonsus in the
late1970s. These photographs are probably the last remaining vestiges of the sculpture,
since it was destroyed in a fire in 1989, when the Police Museum’s collection was
installed on Frei Caneca Street, in downtown Rio de Janeiro.[5] Consequently, this
paper situates itself within the theoretical and methodological framework of Crypto-Art
History, as outlined by Portuguese art historian Victor Serrão. Crypto-Art History is an
Art History trend “attentive to the role that works of art lost in the maelstrom of
centuries played in specific circumstances […] It is not a conceptual framework at the
margins of Art History, but one of its complementary and irreplaceable components.”[6]
More specifically, this paper is based on an iconological approach, which, as Serrão
stresses, interconnects with and complements Crypto-Art History.[7]
3.
Besides being an excellent object to verify the potential of Crypto-Art History, the
Police Museum’s “Exu” deserves attention for at least two other important reasons.
First, a study of the “Eshu” sheds light on the visual culture employed by Afro-Brazilian
religions during the early decades of the Brazilian Republic - this is a huge field of
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investigation that still needs more attention from Brazilian art historians.[8] Second, the
analysis of the “Eshu” requires an interdisciplinary approach still lacking in the
Brazilian art historiography of the nineteenth and early twentieth century:[9] indeed, the
sculpture brings up problems that can only be addressed if we apply methods of various
disciplines besides art history, such as legal, religious and literary studies; anthropology;
and ethnography.
4.
An analysis of the “Eshu” must consider the museological context where it was
installed when it was destroyed, i. e., the collection of the Police Museum. Most of this
collection[10] consists of cult objects seized in the early twentieth century by the
Police, who had the task of persecuting what was then called baixo espiritismo (literally,
low spiritism)[11] - a term that was often seen as synonym of Afro-Brazilian religious
practices. This violent repression seems to be at odds with the first Brazilian Republican
Constitution, enacted on February 24, 1891, which - unlike Brazilian Colonial and
Imperial laws[12] - established a strict divide between State and Religion, in theory
ensuring, thus, complete freedom of worship.[13] It should be remembered, however,
that the first Republican Criminal Code, enacted on October 11, 1890 endorsed the
repression of non-Catholic religious practices. In this sense, the Criminal Code articles
defining “crimes against public health” such as the illegal practice of medicine (Art.
156),[14] spiritism, magic, spell (Art. 157),[15] and faith healing (Art. 158) are
particularly noteworthy.[16] The legal anthropologist Ana Lúcia Schritzmeyer, who
investigated trials of faith healing and charlatanism in Brazil, demonstrated that between
1900 and 1990 such crimes were usually associated with Afro-Brazilian religions.[17]
5.
Several objects connected to such practices and seized by the Police originated the
Police Museum collection. In 1912, the museum was created, along with the Escola de
Polícia (Police Academy), to assist in the practical classes to instruct future police
officers. In 1940, the Police Museum’s Afro-Brazilian religious objects were cataloged
in the inventory of the so-called “Black Magic Museum,” related to the Narcotic, Drugs
and Mystification Section of the Rio de Janeiro Civil Police.[18] According to Cyro
Advincula da Silva, current director of the Police Museum, it was the recognition of the
historical, ethnographic and religious importance of the “Black Magic Museum” that
“formed the basis for the claim for its preservation made by the Police Commissioner
Silvio Terra to the recently founded National Service of Historic and Artistic
Heritage.”[19] In fact, the “Black Magic Museum’s Collection” is the first inscription in
the book of Archaeological, Ethnographic and Landscape Heritage of the National
Service, dated May 5, 1938.[20]
6.
In 1945, the Afro-Brazilian religious objects of the Police Museum were incorporated
into the Museum of the Federal Department of Public Security.[21] In 1972, along with
other items seized by the Police during the so-called Estado Novo (literally, New State),
the Police Museum’s collection was installed in the aforementioned building on Frei
Caneca Street. It was in this building that, in the late 1970s, the “Eshu” was
photographed by Luiz Alphonsus during an investigation sponsored by FUNARTE and
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led by Yvonne Maggie, Márcia Contins and Patrícia Monte-Mór. One of Alphonsus’
photos shows the exhibition design of the Police Museum’s collection [Figure 2], which
the sociologist Alexandre Fernandes Corrêa qualified as “spooky,” quoting its
description made by Maggie, Contins and Monte- Mór:
7.
To enter in the Police Museum is an extremely anguished experience. The feeling
is similar to that of being inside a horror movie or having a surreal hallucination.
The room, dimly lit, and the dusty items contribute to this feeling. The most diverse
objects are mingled: Eshu and knives, drugs and fetuses, rite artifacts and
weapons, Nazi flags and press photos of notorious crimes.[22]
8.
In one of his studies, Corrêa presents a map of the exhibition [Figure 3]:[23] along with
heterogeneous items - objects for forgery and drug trade, firearms, a mannequin, and so
on - the Afro-Brazilian religious objects were arranged as in a terreiro (Afro-Brazilian
temple),[24] with the Eshus’ images separated from the images of other Orishas, the
atabaques (hand drums) separated from the images and the offerings to the Orishas,
according to their functions, enclosed in different shelves.[25]
9.
In the first photo by Alphonsus showing the “Eshu” in the Police Museum [Figure 1a],
the character has his head bent toward his chest and his body is enveloped by a black
cloak, bearing a rope around his neck. It is shown in a dramatic low-angle shot and
illuminated by a light source located on its left, projecting dreadful shadows, worthy of
a 1920s German Expressionist movie. It is difficult to estimate the size of the sculpture
only from this remaining photo; however, its description in the 1940 inventory tells us
that it was a “statuette,” implying that it was not very large.
10.
Within a glass box placed on a pedestal, the “Eshu” was exhibited as if it was
incarcerated[26] - quite properly, one could argue, for an object that was seized by the
Police. This kind of display is commonly imposed over other objects seen as evil: its
intention is to avoid the potential harm that these objects could cause to people who
come in contact with them. The most famous example is perhaps the rag doll Annabelle
[Figure 4], today preserved in the Warren's Occult Museum in Connecticut, USA,[27]
which starred in some recent movies.[28] Annabelle is enclosed in a house-shaped
wooden box, around which can be read signs such as “WARNING, POSITEVELY DO
NOT OPEN,” admonishing against the threat represented by the doll.
11.
A similar message was conveyed by the exhibition of the “Eshu” on Frei Caneca Street.
On the background of the photo, it is possible to identify Nazi flags and banners; in the
far right, there is a sharp trident - a typical attribute of “Eshu” in Brazil, but also of the
Devil in Christian iconography. In a deliberate manner, these elements around the
“Eshu” seem to emphasize its supposed evilness. As Maggie recalls, while she was
researching in the Police Museum, “some informants affirmed that [objects such as the
“Eshu”] were dangerous, loaded with evil and that it was risky to unravel their
origins.”[29] Such warnings derived from the belief that “the objects can carry the spell,
i. e., the objects themselves are capable of doing the evil intended by the sorcerer. It is
advised not to touch them, because they could cause great harm.”[30] However, despite
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being incarcerated in its glass box, the power of the Police Museum’s “Eshu” could not
be contained: in the late 1970s, “people went to the museum to worship the images,
dropping coins and flowers at their feet. For the museum’s visitors, those images [...]
were even more powerful because they belonged to mighty sorcerers.”[31]
12.
The second photo of the “Eshu” taken by Luis Alphonsus shows a close-up of its head
[Figure 1b]. Although the polychrome paint of the Police Museum’s “Eshu” exhibited
signs of damage, it is possible to affirm that it was Caucasian and had blue eyes,
apparently made of glass beads. “Eshu” had an aquiline nose, a forked beard and a
sinister smirk; a black hood covered his head, behind which is possible to see the red
protuberance - probably a feather. In this second photo, the rope around the neck of the
sculpture is more evident.
13.
In our opinion, it would be very difficult to establish any connection between the
appearance of the Police Museum’s “Eshu” and that of an African Orisha. This leads us
back to the iconographic problems posed by the sculpture; therefore, it is important now
to present the iconography of the Yoruba Eshu, in order to verify how divergent it is
from the Police Museum’s “Eshu.” In addition, this presentation is relevant here because
the iconography of the Yoruba Eshu is rarely discussed in Brazil outside the circle of
experts.
14.
The access to Yoruba mythology is, however, difficult and mostly indirect, because it
was based on oral tradition. Only in the nineteenth century it began to be compiled in
written form, mainly by Europeans and North Americans in diverse locations
throughout the diaspora, such as Brazil and Cuba.[32] One of the largest collection of
Eshu myths was published by the sociologist Reginaldo Prandi in 2001 and has only
thirty items. In this collection, some objects are directly associated with the Orisha. The
main one is his ogó, a mighty club,[33] usually made of wood and with two calabashes,
mimicking the penis anatomy. According to the myths, other attributes associated with
Eshu are: the ecodidé, a red parrot feather,[34] a symbol of respect that prompts
Olorun[35] to promote Eshu to the position of messenger and dean of the Orishas; a
pointed hat, white on one side and red on the other, with which Eshu triggers a fight
between two friends;[36] a pot, which becomes Eshu’s head (ori);[37] a white bonnet of
Babalaô (Afro-Brazilian priest), which Eshu uses while healing Olofi;[38] a knife, with
which Eshu hurts the hands of the inhabitants of an entire city, in order to help his friend
Orunmila.[39] Additional objects such as yams, a goat, and coconuts are also associated
with the Orisha.
15.
Regarding Eshu sculptures produced by the Yoruba in Africa, a starting point is the
classic study by Joan Wescott on Eshu-Elegba images.[40] Some attributes of these
sculptures - such as clubs, calabashes, and knives - are the same as the ones found in
Eshu myths; but cowries, coins, mirrors, combs, spoons, whistles, and pipes also appear
[Figure 5]. The most distinctive and prominent attribute of the Yoruba Eshu sculptures
is, however, a long-tailed hair-dress [Figure 6 and Figure 7], which projects itself from
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the top of the Orisha’s head and often acquires a phallic form [Figure 8]. Wescott
interprets these attributes as symbols of Eshu’s phallic qualities, of his “instinctual
energy, masculine strength, and potentiality”[41] - an interpretation that was criticized as
reductive in more recent studies.[42] However, what is important to highlight here is
that none of the attributes documented by Wescott is evident in the Police Museum’s
“Eshu.” The same occurs with the attributes referred to in the myths: only the red
protuberance over the sculpture’s head could be associated with the ecodidé.
16.
But this red protuberance could also be explained without reference to Yoruba
iconography. In this sense, it is important to remember how the Police Museum’s
“Eshu” is related to Christian iconography, especially that of the Devil. This relationship
was clearly stated in the sign accompanying the “Eshu” when it was exhibited in Frei
Caneca Street: “This representation of Eshu is typical of the influence of Christianity in
the Afro-Brazilian cults. However, the match is somewhat oblique. While the Satan of
Christianity is depicted as an undesirable entity cast out from paradise, Eshu in the AfroBrazilian cults is depicted as a kind of ambassador of men to the court of the
Orishas.”[43]
17.
The Police Museum’s Eshu sculpture is, therefore, a result of a syncretic process that
began to take shape in the nineteenth century through the writings of European travelers
who came in contact with the Eshu cult in Africa. In 1857, for example, the American
Baptist missionary Thomas J. Bowen stated: “In addition to all their other idols, usually
called devils by the Englishmen on the coast, the Yorubas worship Satan himself, under
the name of Eshu, which appears to mean ‘the ejected’ from shu, to cast out.”[44] In his
1885 book, the abbot Pierre Bouche presented a similar idea: “the blacks acknowledge
Satan’s power of possession; they usually call him Elegbara,[45] meaning the one who
takes control of us.” [46] In the first European book to systematically deal with Yoruba
religion, the French priest R. P. Baudin also presented a very negative interpretation of
Eshu.[47] The engraving that accompanies the passage on the Orisha is particularly
emphatic [Figure 9]: it shows a man sacrificing a bird to Eshu, represented by a
statuette with horns inside a little house, and the caption reads: “ELEGBA THE EVIL
SPIRIT OR THE DEVIL.”
18.
In early twentieth century Brazil, Raimundo Nina Rodrigues[48] and João do Rio[49]
also identified Eshu with the Christian Devil. This identification culminates in the
syncretic religions that appeared throughout the diaspora. It is worth summarizing
Prandi’s thesis on this syncretism and its consequences for the demonization of Eshu:
19.
20.
Syncretism is not, as it is commonly thought, a mere table of correspondence
between Orishas and Catholic Saints [...] Syncretism is the seizing of the Orisha
religion within a model that presupposes, above all, the existence of two
antagonistic poles, governing all human actions: good and evil; virtue on the one
hand, sin on the other. This is a Judeo-Christian concept that did not exist in Africa.
[...]
The good side, so to speak, was filled by the Orishas, with the exception of Eshu;
Oxalá,[50] the creator of mankind, assumed the role of Jesus Christ, the son of
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21.
22.
God, keeping his position in the top of the Orishas’ hierarchy, a position already
occupied in Africa [...]
Certainly, it was the process of Christianization of Oxalá and other Orishas that
pushed Eshu to the domain of Catholic Hell, as a counterpoint required by
syncretism. When the Orisha religion was adjusted to the Christian model, the
satanic part of the scheme God-Devil / Redemption-Damnation / Heaven-Hell was
clearly missing: and who was better than Eshu to play the Devil’s role? [51]
Eshu’s identification with the “Lord of Hell” reached its apex in the early twentieth
century,[52] within modalities of cult such as “macumba, quimbanda and umbanda
[that] represent an unified and coherent system articulated around what [sociologist
David J. Hess] calls a ‘syncretic dynamic’.”[53] From our understanding, it was in the
context of these syncretic cults, especially in large cities such as Rio de Janeiro, that
iconographic attributes such as the trident, horns, tail, and hooves began to be explicitly
associated with Eshu [Figure 10a and 10b]. Up to the present day, these attributes still
characterize most Eshu’s images worshiped in Brazil. This can be easily verified visiting
any Afro-Brazilian religious shop, where the exhibition of Eshu sculptures at the
entrance has a ritualistic meaning [Figure 11a and 11b].[54]
23.
However, the Police Museum’s “Eshu” diverges from these well-known representations
of the Devil. Certainly, it recalls current images of the so-called “Black Cape Eshu”
[Figure 12a and 12b], but above all another type of Devil’s depiction, one more modern
and refined: the Devil as Mephistopheles. In one of his books on the “Prince of
Darkness,” the historian Jeffrey Burton Russell reproduces a photography of a
nineteenth century sculpture of Mephistopheles, made of bronze and ivory [Figure 13]
(probably, it is a version of a well-known sculpture of Mephistopheles created by the
French artist Jacques-Louis Gautier in the mid-nineteenth century [Figure 14]). The
similarities with the Police Museum’s “Eshu” such as the “scholar’s cap, forked beard
and sinister smirk,”[55] are remarkable. In addition, the Mephistopheles shown in
Russel’s book has a long feather on his head - reinforcing, thus, the hypothesis that the
similar protuberance on the “Eshu”’s head was also a feather.
24.
Not by chance, the “Eshu” is referred in the inventory of the “Black Magic Museum” as
“a statuette representing Mephistopheles (Eshu), the highest entity of the Malei
lineage.”[56] Mephistopheles is a character of the legend of Faust, a scholar that sells
his soul to the Devil in exchange for wisdom and pleasure. According to Russell, the
name Mephistopheles is a “modern invention of uncertain origins”[57] and first appears
in a book on Faust published by a German anonymous writer in 1587.[58] However, the
prototype of Mephistopheles that predominated in the European literature of the
following centuries can be found even earlier, as the character Panurge who firstly
appears in the books protagonized by Gargantua and Pantagruel, published by François
Rabelais between c. 1532 and 1564. Undoubtedly, the most common depiction of
Mephistopheles found in European modern culture is very similar to that of Panurge “tall, handsome, elegant, and of noble lineage, though traces of his demonic origins
appear in his pallor, his blemishes, and his great age.”[59]
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25.
Several European works of art of the nineteenth and early twentieth centuries bear
witness to the huge spread of this Mephistophelean version of the Devil, which was very
popular also in Brazil. It is known, for example, that copies of Gautier’s Mephistopheles
could be found in Brazil.[60] In 1883, the painter Francisco Aurélio de Figueiredo e
Mello exhibited a “Mephistopheles with sardonic smirk and serpent eyes”[61] in the art
gallery Glace Elégante, in downtown Rio de Janeiro. Moreover, the Devil frequently
appeared in illustrated magazines published in Rio. One of them, which circulated in
mid-1870s, was even entitled Mephistopheles and featured the character in many of its
covers [Figure 15].[62] In another important magazine of the 1870s, O Besouro
(literally, The Beetle), the Portuguese artist Raphael Bordallo Pinheiro “countless times
evoked [...] Faust, the knowledgeable scholar, and Mephistopheles, in his caricatures.
The caricaturist assigned the role of Faust to the Emperor Pedro II and the role of
Mephistopheles to the Minister of Treasury Gaspar da Silveira Martins” [Figure 16].
[63]
26.
While connected to literature or criticizing Imperial politics, Mephistopheles was a
well-known character among the Brazilian elite of the late nineteenth century. Therefore,
it is perfectly comprehensible his appropriation by Afro-Brazilian religions that, “with
their eshus associated with the devil, [...] held a fascination for even the most ‘evolved’
segments of the bourgeoisie. In Rio de Janeiro in the late nineteenth century, Satanism
was fairly widespread, as João do Rio’s report shows.”[64] Indeed, the Police museum’s
“Eshu” could be part of the Black Mass that João do Rio described in 1904, with a
decadent refinement comparable to that of Joris-Karl Huysmans’ writings.[65]
27.
In conclusion, it is possible to assert that the metamorphosis of Eshu in Mephistopheles
discussed in this paper is an ambivalent phenomenon. On the one hand, it is an
important example of the adaptation of African religions in Brazil, because it was
precisely in the syncretic cults that Eshu preserved one of his main characteristics: his
incessant ability to transform himself. Up to the present day, as social anthropologist
Stefania Capone synthetizes, it is “at the heart of the[se] cults [...] that the god of West
Africa, the god of the Yoruba and of the Fon (under his Legba aspect),[66] finds a space
to exist and transform himself - one of his characteristic traits.”[67] Assuming the
appearance of Mephistopheles - a refined version of the Devil, famous among Brazilian
elites of the early twentieth century -, Eshu has once again demonstrated his cunning,
guile and ability to manipulate the fate.
28.
On the other hand, this metamorphosis needs to be understood as a symptom of the
imposition of European values at the expense of African values. In this light, the
syncretism that gave birth to the Police Museum’s “Eshu” is in itself ambivalent,
marked by the racism that structured Brazilian society throughout its history and
literally criminalized Afro-Brazilian cultures. Many of the facts related to the “Eshu”
recall, indeed, domination and racism: from its depiction as the Christian Devil, through
its seizing by the police, to the degrading way in which it was exhibited to the public,
before its destruction.
http://www.dezenovevinte.net/obras/exu_eng.htm
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19&20 - An Afro-Brazilian Mephistopheles? Considerations on an “Eshu” sculpture of the Rio de Janeiro Civil Police Museum, by A…
29.
The “Eshu” was destroyed, but not forgotten: through the remaining documents and
photographs, as well as the studies conducted during the last decades, his agency is
partially latent. Considering this, the present paper strived to contribute to a
reconsideration of the position occupied by artworks such as the “Eshu” into the canon
of Brazilian art history. We believe that the analysis of this sculpture is relevant and
even urgent today, because Brazilian social problems that gave shape to the “Eshu” and
many other Afro-Brazilian artworks remain still unsolved.
English version by Arthur Valle and Kelly Tavares
______________________________
[1] PRANDI, R. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 21. For more
information on Eshu, see: LOPES, N.. Exu. In: ____. Enciclopédia brasileira da diáspora africana
[recurso eletrônico]. 4ª. ed. São Paulo: Selo Negro, 2011, pos. 10198-10228; SILVA, V. G. da. Exu: o
guardião da casa do futuro. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.
[2] RUSSELL, J. B.. Mephistopheles: The Devil in the Modern World. Ithaca, NY: Cornell, 1986;
RUSSELL, J. B.. The Prince of Darkness: Radical Evil and the Power of Good in History. Ithaca,
London: Cornell University Press, 1988, especially chapters 11-16.
[3] Pierre Verger sums up this process of identification as follows: “Eshu is an Orisha or Ebora with
multiple and contradictory aspects, making it difficult to define him in any coherent way. He is irascible
and likes to provoke dissensions and disputes, to cause accidents and public or private calamities. He is so
cunning, rude, vain and indecent that the first Christian missionaries, frightened by his characteristics,
compared Eshu with the Devil, making him the symbol of evil, perversity, abjection, and hatred, in
opposition to God’s kindness, purity, elevation, and love.” VERGER, P. F.. Orixás deuses iorubás na
África e no Novo Mundo. 6ª. ed. Salvador: Corrupio, 2002, p. 76.
[4] MAGGIE, Y. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1992, n. p. (Documentário fotográfico); MAGGIE, Y.. O arsenal da macumba. Revista de
História da Biblioteca Nacional, ano 1, n. 6, dez. 2005, p. 39; MAGGIE, Y.; RAFAEL, U. N.. Sorcery
objects under institutional tutelage: magic and power in ethnographic collections. Vibrant, v. 10, n. 1,
2013, p. 305-306.
[5] CORRÊA, A. F.. O Museu Mefistofélico e a distabuzação da magia: análise do tombamento do
primeiro patrimônio etnográfico do Brasil. São Luís/MA: EDUFMA, 2009, p. 191.
[6] SERRÃO, V. “Sobre o conceito de Cripto-História da Arte.” In: ___. A Cripto-História da Arte.
Análise de Obras de Arte Inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 11, 13.
[7] Ibidem, p. 13
[8] A noteworthy exception is Roberto Conduru and his extensive production in the field, which includes
books such as: CONDURU, R.. Arte Afro-Brasileira. Belo Horizonte: C/Arte, 2007; CONDURU, R..
Pérolas negras - primeiros fios. Experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil.
Rio de Janeiro: Eduerj, 2013,
[9] CARDOSO, R.. Histories of nineteenth-century Brazilian art: a critical review of bibliography, 20002012. Perspective, 2 | 2013, p. 320-321. Available at: <https://perspective.revues.org/3891>. Accessed
July 1, 2016.
[10] The collection of Afro-Brazilian religious objects of the Police Museum is preserved in the technical
reserve of the Civil Police building on 42 Relação Street, in downtown Rio de Janeiro. I would like to
acknowledge Dr. Cyro Advincula da Silva for this information.
[11] MAGGIE, RAFAEL, op. cit., 278.
[12] In particular, see the so-called Ordenações Filipinas and the Imperial Political Constitution of Brazil
(enacted on March 25, 1824).
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[13] As defined in the Art. 71 of the 1891 Constitution: “All individuals and religious groups may
publically and freely practice their cults, associating themselves for this purpose and acquiring assets,
subject to the provisions of common law .” Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(de 24 de fevereiro de 1891). Available at: <http://goo.gl/Dj8kTE>. Accessed March 1, 2016.
[14] “CHAPTER III ON CRIMES AGAINST PUBLIC HEALTH. Art. 156. To exercise medicine in any
of its branches, or dentistry or pharmacy; to practice homeopathy, dosimetry, hypnotism, or animal
magnetism, without being qualified to do so under the laws and regulations: Penalties - one to six months
prison and a fine of 100 to 500$000.” DECRETO Nº 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890 Promulga o
Codigo Penal. Available at: <http://goo.gl/pOaDu8>. Accessed March 1, 2016.
[15] “CHAPTER III ON CRIMES AGAINST PUBLIC HEALTH. [...] Art. 157 To practice spiritism,
magic and its spells, to use talismans and fortune-teller cards to stir feelings of hatred or love, to inculcate
cure of curable or incurable diseases, in short, to fascinate and subjugate public belief. Penalties - one to
six months prison and a fine of 100 to 500$000.”. Idem.
[16] “CHAPTER III ON CRIMES AGAINST PUBLIC HEALTH. [...] Art. 158. To minister, or simply
prescribe, as a means of cure for internal or external use in any prepared form, a substance from any of the
kingdoms of nature, thus acting as a faith healer. Penalties - one to six months prison and a fine of 100 to
500$000..” Idem.
[17] SCHRITZMEYER, A. L. P. . Sortilégio de Saberes: curandeiros e juízes nos tribunais brasileiros
(1900-1990). São Paulo: IBCCRIM, 2004.
[18] MAGGIE, Medo do feitiço..., p. 277-279; CORRÊA, op. cit., p. 171-174.
[19] Relicário multicor. A coleção de cultos afro-brasileiros do Museu da Polícia Civil do Estado do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro Cultural Municipal José Bonifácio; Museu da Polícia Civil do RJ;
Instituto de Artes da UERJ, 2008, p. 3. Today, the National Service of Historic and Artistic Heritage is
called National Institute of Historic and Artistic Heritage.
[20] The “Black Magic Museum’s Collection” is registered under n. 0035-T-38; See Livro dos Bens
Culturais Inscritos nos Livros do Tombo. Rio de Janeiro, 2013, p. 120.
[21] MAGGIE, op. cit., p. 261.
[22] CORRÊA, op. cit., p. 150.
[23] Ibidem, p. 182.
[24] In Afro-Brazian religions, terreiro (from the Latin, terrarium) is the place where the cult is
performed and offerings are made to the Orishas.
[25] MAGGIE, op. cit., p. 262.
[26] BUONO, A.. Encarcerado: Crime e Visualidade no Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de
Janeiro. In: Caderno de Resumos do XXXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, Rio
de Janeiro, 2013 - Territórios da Arte. Uberlândia: UFU, 2014, p. 236-237.
[27] This museum is directed by investigators Ed and Lorraine Warren and its official website is available
at: <http://www.warrens.net/Occult-Museum-Tours.html>. Accessed on March 1, 2016. In this website, a
version of Annabelle’s history can be read. See.: <http://www.warrens.net/Annabelle.html>. Accessed on
March 1, 2016.
[28] The Conjuring (2013), directed by por James Wan; Annabelle (2014), directed by John R. Leonetti.
[29] MAGGIE, op. cit., p. 261
[30] Ibidem, p. 264.
[31] MAGGIE, O arsenal da macumba, p. 39.
[32] PRANDI, op. cit., p. 26-30.
[33] Ibidem, p. 41, 66.
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[34] Ibidem, p. 42. The ecodidé is also associated with other Orishas, specially Oxalá. See: SANTOS, D.
M. dos. Por que Oxalá usa ekodidé. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia; Cavaleiro da Lua,
1966.
[35] Olorun, “literally, Lord of the Sky; it is the name by which the Supreme God is known, especially in
Brazil” (Ibidem, p. 568).
[36] Ibidem, p. 50
[37] Ibidem, p. 48.
[38] Ibidem, p. 53. Olofi “is the denomination of the Supreme God (Olodumare, Olorun) in Cuba.” (Idem,
p. 568).
[39] Ibidem, p. 69. Orunmila “is the Orisha who knows the fate of men, holds the wisdom of the oracle
[Ifá], and teaches how to solve all sorts of problem and affliction” (Ibidem, p.23).
[40] WESCOTT, J. The Sculpture and Myths of Eshu-Elegba, the Yoruba Trickster. Definition and
Interpretation in Yoruba Iconography. Africa: Journal of the International African Institute, Vol. 32,
No. 4 (Oct., 1962), pp. 336-354
[41] Ibidem, p. 349.
[42] See, for example: PARSONS, S. W.. Interpreting Projections, Projecting Interpretations: A
Reconsideration of the “Phallus” in Esu Iconography. African Arts, Vol. 32, No. 2 (Summer, 1999), p.
36-45, p. 90-91
[43] MAGGIE, RAFAEL, op. cit., p. 305. According to Maggie, this sign was written by “one of the
museum directors, a member of an Umbanda community who specialized in decorating altars for terreiros
in the 1960s. The museum director often quotes from books by renowned anthropologists who have
studied these belief” (Ibidem, p. 303), such as Arthur Ramos, Edson Carneiro and Roger Bastide.
[44] BOWEN, T. J. Central Africa. Adventures and missionary labors in several countries in the
interior of Africa, from 1849 to 1856. Charleston: Southern Baptist Publication Society, 1857, p. 317.
[45] “ELEGBARA. In Brazill, is one of the names of Eshu; it is analogous to the Cuban name Eleguá.”
LOPES, op. cit, pos. 9599
[46] BOUCHE, Pierre. Sept ans en Afrique Occidentale. La Côte des Esclaves et le Dahomey. Paris:
Librairie Plon, 1885, p. 120.
[47] BAUDIN, R. P. Fétichisme e féticheurs. Lyon: Séminaire des Missions africaines, 1884, p. 49-53.
[48] RODRIGUES, Raimundo Nina. O Animismo Fetichista dos Negros Bahianos. Salvador, Reis &
Comp., 1900. Reedição: São Paulo, Civilização Brasileira, 1935, p. 40.
[49] RIO, João do. As religiões no Rio. 4. edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2015, p. 19, 48.
[50] Oxalá, also known as Obatala, is the lord of the sky and creator of mankind.
[51] PRANDI, Reginaldo. Exu, de mensageiro a diabo: sincretismo católico e demonização do orixá Exu.
Revista Usp, São Paulo, n. 50, 2001, p. 51.
[52] Ibidem, p. 52
[53] CAPONE, S.. Searching for Africa in Brazil: Power and Tradition in Candomblé. Kindle
Edition. Durham and London: Duke University, 2010, p. 8, pos. 297. For a discussion on macumba,
quimbanda and umbanda, see: “The Spirits of Darkness: Exu and Pombagira in Umbanda.” Ibidem, p. 89118.
[54] MOURÃO, T. M. de S.. Encruzilhadas da cultura: imagens de Exus e Pombajiras na Umbanda.
Rio de Janeiro, 2010. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Artes/UERJ, p. 80, 85.
[55] RUSSELL, The Prince of Darkness…, pos. 3686.
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[56] MAGGIE, op. cit., p. 277; CORRÊA, op. cit., p. 172. Probably,
of the so-called “lines” of quimbanda.
the term “Malei” refers here to one
[57] RUSSELL, op. cit., pos. 2925.
[58] Historia von D. Johann Fausten (ed. Johann Spies). Frankfurt am Main in 1587
[59] RUSSELL, op. cit., pos. 2913.
[60] See: PRESTES, W.. Linha de Fogo. O Malho, Rio de Janeiro, year XXVIII, n. 1411, 28 set. 1929, p.
38-39.
[61] FERREIRA, F.. Belas Artes: Estudos e Apreciações. 2 ed. Porto Alegre, RS: Zouk, 2012, p. 144.
[62] Mephistopheles was published between 1874 and 1875 and it was illustrated by Cândido Aragonez
de Faria, who later on would have a sucessful career in France..
[63] SILVA, R. J.. Quando a caricatura se explica: um exemplo português no Brasil oitocentista. In:
VALLE, A.; DAZZI, C.; PORTELLA, I.. (Org.). Oitocentos - Tomo III: intercâmbios culturais entre
Brasil e Portugal. 2 ed. CEFET: Rio de Janeiro, 2014 , p. 462-463 (see link).
[64] CAPONE, p. 74, pos. 1329..
[65] RIO, op. cit., 180-191.
[66] “LEGBÁ. Entity worshiped in cults of the Jeje people, in some aspects is equivalent to the Eshu of
the Nago people.” LOPES, op. cit, pos. 14731
[67] CAPONE, op. cit., 47.
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19&20 -Jardins de Roberto Burle Marx em um sítio histórico: uma perfeita integração do antigo com o moderno, por Joelmir Marqu…
Jardins de Roberto Burle Marx em um sítio histórico: uma
perfeita integração do antigo com o moderno
Joelmir Marques da Silva [1]
SILVA, Joelmir Marques da. Jardins de Roberto Burle Marx em um sítio histórico: uma perfeita
integração do antigo com o moderno. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível
em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/rbm_jardimpe.htm>.
*
*
*
Introdução
1.
Ao aceitar o convite do governador de Pernambuco Carlos de Lima Cavalcanti (19351937), Roberto Burle Marx assume o cargo de Diretor do Setor de Parques e Jardins da
então Diretoria de Arquitetura e Urbanismo em 1935, que tinha por diretor o arquiteto
Luiz Nunes, e elabora um plano de aformoseamento, também chamado de “plano de
jardins uniformizado” (DIARIO DA TARDE, 1935, p.6) que tinha por objetivo tornar o
Recife uma cidade apta a figurar como um centro de civilização mediante um novo
aspecto urbanístico, e dá às praças, largos e parques do Recife um caráter autóctone,
integrando-os a paisagem local. Nas palavras do paisagista no artigo “A vida na cidade:
a reforma dos jardins públicos do Recife,” publicada em 22 de maio de 1935 no Diario
da Tarde:
2.
3.
O nosso paiz possue evidentemente uma flora riquíssima e, desse modo, não
nos será difficil encontrarmos em qualquer cidade elementos que solucionem essa
necessidade. Até então, não tem sido assim o que, entre nós se tem feito nesse
sentido. As ruas arborizadas quasi que exclusivamente com fícus benjamim, além
de resolver mal os problemas de arborização urbana, deixam uma impressão de
pobreza de nossa flora, o que não é verdadeiro [...] a variedade immensa de
plantas que nos offerecem nossas matas magnificas [...] urge que se comece, desde
já, a semear, nos nossos parques e jardins, a alma brasileira.
Naquele momento, os jardins do Recife estavam em situação de abandono por parte
tanto do poder público como da população e, diante de tal situação, reivindicações por
melhorias nesses espaços públicos tornaram-se constantes. Os artigos “A vida na cidade:
Praças e jardins” (DIARIO DE PERNAMBUCO, 12 mai. 1936) e “A vida na cidade: a
reforma dos jardins publicos do Recife” (DIARIO DATARDE, 22 mai. 1935) retratam
bem a situação em que estavam alguns de nossos jardins:
4.
[...] Os jardins do Recife, como é sabido, são geralmente abandonados pela
população. Urge que se lhes dê feição nova, moderna, interessante, capaz de
attrahir os recifenses. A remodelação do parque Amorim, que irá perder aquelle
monótono aspecto de floresta erma e resequida pelo sol. [...] varresse da nossa
vista, [...], a feiúra da praça Coração de Jesus e o mattagal cerrado do parque do
Entroncamento (DIARIO DE TARDE, 1935, p.6).
5.
[...] reformar algumas de nossas velhas e tristes praças e mesmo de criar
novas, com jardins que não semelhem capoeirões (DIARIO DE PERNAMBUCO,
1936, p. 6).
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6.
Uma das grandes preocupações de Burle Marx ao projetar os jardins no Recife era dar
à população um amplo serviço de ajardinamento público, onde, pelo menos houvesse ar
puro e relativa liberdade para passeios e repouso, uma vez que, o Recife era uma cidade
pobre e com a maioria da população morando em casas estreitas, sem ar, sem luz e sem
conforto (MARX, 1987). Burle Marx empregou nos jardins uma condição racional,
regional e moderna levando em conta a higiene, a educação e a arte como princípios e
deu a cidade, como bem ressaltou Joaquim Cardo (DIARIO DA TARDE, 1937), um
caráter próprio e incomparável e que certamente nunca teve anteriormente.
7.
Referindo-se ao Recife, Burle Marx relata que a cada passo descobria o encontro de
uma cidade ainda com características coloniais, onde a erudição arquitetônica sentia-se
em cada esquina. “Cidade de contrastes, cheia de mocambos, mas com grandes casas
que também me impressionavam profundamente, semeadas numa paisagem dominada
pelas mangueiras e jaqueiras, entremeadas de coqueiros” (MARX in MIRANDA, 1992,
p. 72). Ele ainda expõe:
8.
9.
[...] minha experiência no Recife foi fundamental para o rumo que,
posteriormente, tomou minha atividade profissional. Hoje, depois de 50 anos,
sinto que essas experiências foram válidas e determinaram minha maneira de
construir jardins. Sobretudo elas ensinaram-me o valor de observar, de ver. [...]
não tenho dúvidas que em Pernambuco começou tudo (MARX in MIRANDA,
1992, p. 70-73; Grifos nossos).
A diversidade de espécies vegetais usada por Burle Marx em seus projetos
paisagísticos no Recife é tratada por Odilon Ribeiro Coutinho no Seminário de
Tropicologia na Fundação Joaquim Nabuco, em 1985, como sendo “a forma de devolver
o civilizado ao seu meio natural, às árvores, aos matos, de restaurar a virgindade
primitiva no civilizado” (MIRANDA, 1992, p.84). Nessa perspectiva, a arquiteta Janete
Costa, grande amiga de Burle Marx, relata que o paisagista ao projetar seus jardins
“estabelece diálogos com a paisagem, criando um pano de fundo para os jardins como se
dissesse: isto, aqui, eu estou fazendo, a natureza está ali. Mas o que ocorre é a ligação do
jardim com a paisagem local” (MIRANDA, 1992, p.73).
10.
Diante do exposto nos parágrafos anteriores, é lícito afirmar que Burle Marx concebeu
os projetos paisagísticos dos jardins nos mesmos princípios da Carta de Florença
(1981), ou seja, como monumentos vivos nos quais a vegetação é o principal elemento
de uma composição artística, ecológica e educativa.
11.
O botânico-paisagista francês Arnaud Maurières, ao tratar de Burle Marx inserido na
história da paisagem moderna, afirma: “o que é verdadeiramente importante na obra de
Burle Marx é que ele foi o único capaz de traduzir o movimento moderno artístico no
campo da paisagem. Se devemos atualmente buscar uma referência de jardim moderno,
é no Brasil que nos cumpre buscá-la” (in LEENHARDT, 2006, p. 89 e 90).
12.
Do conjunto de dezesseis jardins públicos de Burle Marx, seis foram selecionados
como mais representativos, inventariados pela equipe Laboratório da Paisagem da
Universidade Federal de Pernambuco e solicitado o tombamento no ano de 2008 ao
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Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio
cultural nacional. São eles: a Praça de Casa Forte, a Praça Euclides da Cunha, a Praça do
Derby, a Praça da República e o Jardim do Palácio do Campo das Princesas, a Praça
Salgado Filho e a Praça Faria Neves, referidos nos ‘Processo n.º 1.563-T-2008’ e
‘Processo n.º 01498.000892/2008-22’.
13.
Contudo, é em 20 de novembro de 2014 - ou seja, seis anos e cinco meses depois da
solicitação de tombamento - que o IPHAN oficializa o tombamento em razão do elevado
valor histórico, artístico e paisagístico a ser inscrito no Livro do Tombo Histórico, no
Livro do Tombo de Belas Artes e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico.
14.
A oficialização do tombamento dos jardins de Burle Marx nos leva a reflexão de que
eles são capazes de falar muitas e diversas linguagens, desde diferentes pontos de vista.
A cultura a qual muitos estão acostumando é a de contemplar o jardim como um lugar
onde se cultivam plantas, sejam elas bonitas ou não; como um lugar de sombra e
frescura; como uma base de discussão de problemas ecológicos. Mas, um jardim é algo
muito mais rico e profundo: ele é o reflexo da cultura e tradição de um povo e de uma
sociedade que o produziu. Nas palavras de Carmen Añón Feliú, o jardim é a “sínteses de
estilo, obra maestra de um gênio creador, el jardín há sido y es, a través de la história,
uma reserva de arte y de beleza” (1996, s/p).
Praça da República e Jardim do Palácio do Campo das Princesas
15.
A Praça da República e o Jardim do palácio do Campo das Princesas sempre foram
entendidos como um conjunto, que podemos também chamar de unidade de paisagem.
Contudo, antes de adentrar no nosso principal objeto - o projeto paisagístico de Burle
Marx para esse conjunto -, se faz necessário recuar um pouco na história, por ser este
um sítio de grandes acontecimentos históricos, o que nos leva ao período de ocupação
holandês do Recife como ponto de partida.
16.
Na administração do Conde Johann Moritz von Nassau-Siegn (Maurício de Nassau),
foram construídos, onde hoje se encontram a Praça da República e o Jardim do Palácio
do Campo das Princesas, o Palácio e Jardim de Vrijburg. Também, denominado também
Parque de Vrijburg, Parque de Nassau e Horto Zoo-Botânico, é considerado o primeiro
jardim botânico em colônia americana. As obras do Palácio e do jardim foram iniciadas
em 1639 e concluídas em julho de 1642. A área do jardim era banhada pelos rios
Capibaribe e Beberibe em sua confluência [Figura 1 e Figura 2].
17.
Nassau fez-se acompanhar de uma missão artística e científica que se incumbiu de
investigar inúmeros aspectos da natureza e da sociedade dessa parte do Novo Mundo em
função do projeto do jardim. Dedicando parte de seu tempo às atividades de construir e
plantar, Nassau melhorou as condições do lugar, legislou sobre a agricultura de
subsistência, sobre a proteção das matas e edificou sítios. Assim, o jardim incluiu-se
dentro de várias ações urbanísticas, arquitetônicas, científicas e artísticas (SILVA, 2009).
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18.
O fascínio dos holandeses pela diversidade florística local é evidenciado pela
organização do Herbarium vivum brasiliensis por Georg Marcgrave, médico, botânico,
engenheiro e astrônomo, autor da Historia Naturalis Brasiliae, quando da sua estada em
Pernambuco. Junto com Marcgrave, Guilherme William Piso, naturalista e médico
particular de Maurício de Nassau, dedicou-se aos estudos das plantas medicinais e
publicou seus achados em De Medicina Brasiliensis. Contribuições importantes também
foram dadas pelas pinturas de Frans Post, Albert Eckhout e Zacarias Wagener que
retrataram as paisagens brasileiras e, em especial, as pernambucanas. Essas pinturas nos
trazem um verdadeiro entendimento de quão rica e diversificada são a nossa flora e
fauna.
19.
20.
O jardim, também denominado de horto, possibilitou a observação minuciosa da fauna
e da flora tornando-se um local de coleta de informações que, posteriormente, foram
incorporados às coleções científicas na Europa. Nos escritos de Piso e de Marcgrave,
encontram-se descrições de experimentos e dissecações de animais. Assim, o horto,
seguindo o modelo do Anfiteatro de Anatomia e do Horto Botânico de Leyden, foi palco
de experiências científicas (GESTEIRA, 2004).
Com a volta de Maurício de Nassau para a Holanda, em 1644, o local passou a ser
utilizado como quartel, durante as lutas contra os holandeses, ficando praticamente
destruído na época da chamada Restauração Pernambucana, em 1654. Em 1769,
encontrando-se bastante arruinado, foi demolido por ordem do então governador da
província, José César de Meneses (1774/1787).
21.
Com a demolição do Palácio de Friburgo, o jardim desaparece e surge um grande
vazio, restando na área o Convento dos Franciscanos, que, com o passar do tempo, foi
chamado de Praça do Palácio Velho, e em seguida Campo do Erário, por consequência
da construção do edifício do Erário Régio. Com o correr dos anos, o sítio passou a se
chamar, em menção dos lideres republicanos enforcados, Campo da Honra e/ou Praça
dos Mártires.
22.
Em 1840, inicia-se a obra do Palácio da Presidência da Província, por ocasião da
demolição do edifício do Erário Régio, que é concluído em 1843 e, segundo Cavalcanti
(1977), reparado em 1893 [Figura 3]. Com o Palácio erguido o sítio passa a se chamar
de Campo, Pátio ou Praça do Palácio (SILVA, 2010), bem como Pátio do Palácio Novo.
Porém, a chegada do Imperador Dom Pedro II com a Família Imperial ao Recife em
22de novembro de1859, por motivo de comemorações dos seus 34 anos e hospedandose todos no palácio, marcou a sociedade da época. Em homenagem a esse feito, a
municipalidade resolveu denominar o sítio de Campo das Princesas.
23.
Seguindo com o processo de remodelação, em 1841 foi aprovado pelo presidente da
província de Pernambuco, Francisco do Rego Barros (1837-1844), o orçamento para a
construção do Teatro Santa Isabel [Figura 4], projeto de Louis-Léger Vauthier, cujas
obras iniciaram em abril do mesmo ano e foi inaugurado em 18 de maio de 1850. Em
1852, foi criada a Biblioteca Pública Provincial [Figura 5], que, de 1875 a 1930, ficou
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instalada no Palacete da Câmara Municipal. Anos mais tarde, foram construídos os
prédios da Escola de Engenharia - mas que funcionou como sede do Tesouro Estadual e
do Liceu de Artes e Ofícios -, que teve suas obras iniciadas em 1871 e concluídas em
1880 (SILVA, 2010); além disso, já existia na área o Quartel da Força Policial.
24.
Até então, a história do Campo das Princesas girou em torno das ações de construção
de edifícios memoráveis por sua arquitetura. É só em 1871 que as ações da Assembleia
Legislativa da Província, tendo como presidente da província Diogo Velho Cavalcanti de
Albuquerque (1870-1871), são direcionadas para a criação de um espaço ajardinado.
Segundo Arrais (2004) em 1871 foi expedido pela Repartição de Obras Públicas ao
governo provincial um orçamento para a compra de um gradil, quatro portões em ferro,
oito bancos de dois tipos e ornatos (quatro figuras com lampiões globulares; quatro
estátuas representando a Justiça, a Fidelidade, a Amazona e a Concórdia; e quatro
estátuas representando o Inverno, o Estio, a Primavera e o Verão).
25.
Oficialmente em 1º de março de 1872, João José de Oliveira Junqueira informava na
Assembleia Legislativa o andamento do ajardinamento do Campo das Princesas (SILVA,
2010). Em 20 de abril de 1872 chega ao Recife o restante do mobiliário que iria compor
o jardim. Tal fato mereceu uma nota publicada no Jornal do Recife de 24 de abril de
1872, onde consta: “Para o Jardim do Campo das Princesas trouxe a barca francesa Saint
André, chegada no sabbado, mas uma estatua e todos os lampeões. Só falta agora chegar
o gradeamento que vem de Inglaterra.” As estatuas referem-se às divindades da
mitologia, que ao todo foram oito, a saber: Ceres, Diana, Diana de Gabies (Flora), Juno,
Minerva, Níobe, Vesta e Têmis, até hoje presentes no jardim. Conforme Silva (2010), o
jardim é oficialmente entregue à população em 20 de outubro de 1872, porém restando
ainda fazer alguns melhoramentos, que foram realizados no início de 1873.
26.
Tomando por base as fotografias de época [Figura 6a e 6b, Figura 7], pode-se ver que
as edificações do entorno foram importante para a definição do traçado do jardim, em
forma de cruz, e que foi demarcado por aleias de Roystonea oleracea (Palmeiraimperial), tendo ao centro um coreto e dessa forma a praça ficou dividida em quatro
partes. Cada parte da praça possuía uma grande quantidade de canteiros e tabuleiros de
forma irregular, alguns delimitados por um pequeno gradil, e que foram constituídos por
espécies arbustivas, herbáceas, arbóreas e palmeiras. Algumas dessas espécies são:
Araucaria columnaris (pinheiro), Licania tomentosa (oiti), Epipremnum pinnatum
(jiboia), Livistona Chinensis (palmeira-leque-da-china), Dypsis lutescens (areca), Ficus
benjamina (fícus-benjamina), Delonix regia (flamboyant), Paspalum notatum (gramapapuã), Adansonia digitata (Baobá), Sysygium malaccense (jambeiro), Sabal palmetto
(palmeira-sabal), Casuarina equisetifolia (casuarina), Mangifera indica (mangueira),
syzygium jambolanum (azeitoneira), Tamarindus indica (tamarindo), Caesalpinia
echinata (pau-brasil), Phoenix sylvestris (palmeira-fenix-gigante) e Tabebuia sp. (Ipê)
27.
No início dos anos de 1920, o jardim - agora denominado de Praça da República sofreu mais uma remodelação que seguiu as especificações de um projeto de 1918 de
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autoria desconhecida. Com o projeto implementado a área do jardim se amplia, uma vez
que englobou a área do Teatro Santa Isabel e da Escola de Engenharia, onde funcionava
o Tesouro Estadual. As modificações se deram no traçado, que passou a ser mais
orgânico, porém, permanecendo o eixo em forma de cruz, na retirada do gradil, na
colocação de um quiosque e do busto de Telles Júnior cerca do prédio da Escola de
Engenharia, bem como o plantio de Ficus benjamina (fícus-benjamina) nas três partes
da praça (teatro, em frente ao palácio e na Escola de Engenharia). Porém, não só a praça
passou por transformação, o prédio que abrigava o Quartel da Força Policial foi
demolido e deu-se início a construção do Palácio da Justiça, inaugurado em 7 de
novembro de 1930.
28.
Até esse momento, tudo girou em torno da Praça da República e a área ajardinada que
fica por atrás da edificação do Palácio da Presidência só é destacada em um projeto
assinado por Emile Beringer com data de 05 de setembro de 1875 [Figura 8]. O Jardim
do Palácio da Presidência possuía uma correspondência com o traçado orgânico da
Praça da República, dividido em três partes, sendo a do meio possuidora de um eixo em
forma de cruz, em uma correlação direta com a parte central da Praça da República. A
partir de um ponto da ala direita do jardim, Beringer traça três linhas visuais, uma no
sentido de Olinda, outra para a Assembleia Provincial e a ultima para a Praça da
Repúblia.
29.
Outro projeto de 1905, assinado por Augusto de Almeida Castro, apresenta o traçado
modificado unindo todo o jardim por caminhos sinuosos com canteiros e um eixo no
sentido Palácio-Rio Capibaribe [Figura 9], o que divide o jardim em duas alas. O
traçado desse novo projeto assemelha-se com o dos projetos de Auguste François-Marie
Glaziou, no Rio de Janeiro.
30.
Ainda consta na história desse jardim um terceiro projeto, sem autoria nem data
[Figura 10]. Nele, nota-se a semelhança, em relação ao eixo Palácio-Rio Capibaribe,
com o projeto de Emile Beringer, porém se aproximando de uma simetria e dividido em
duas alas, assim como o projeto de Augusto de Almeida Castro.
31.
Entre aos anos de 1936 e 1937, mais um projeto é destinado ao conjunto Praça da
República e Jardim do Palácio do Campo das Princesas, agora proposto por Roberto
Burle Marx [Figura 11a e 11b]. Ele tinha em mãos não apenas uma área para remodelar,
mas sim, - diante do que já se sabe da história desse sítio -, uma paisagem consolidada
[Figura 12]. Segundo Joaquim Cardoso (1937, p. 2), o paisagista iria imprimir “sentido
novo e mais vasto” e considera a remodelação da Praça da República “a obra mais
importante confiada a Burle Marx e se configuraria como uma obra de incontestável
valor.”
32.
A primeira ação de Burle Marx para a Praça da República foi a retira do quiosque que
se encontrava defronte ao Palácio da Justiça em finais de 1936. O próximo alvo foi a
demolição do edifício da Escola de Engenharia, onde funcionou o Tesouro Estatual e
que naquele momento abrigava a Secretaria de Obras públicas, para dar lugar a um
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“aquário que manterá peixes de 20 espécies (dagua salgada e doce), um dancing publico
e um restaurante” (MARX, 1937, p. 1) - que, porém, não foram construídos. Esta parte
da praça se estenderia até o cais para que se pudesse aproveitar a paisagem do Rio
Beberibe. Com a demolição da edificação, surge um novo traçado que se assemelha ao
da parte central da praça.
33.
Por sua vez, essa parte central da praça teve o desenho de seu traçado ajustado,
passando a ser mais linear; os vários canteiros e tabuleiros desaparecem, dando lugar a
um passeio mais sinuoso e interligado. Porém, conservou-se os eixos em cruz que, de
dentro para fora da praça, direcionam o observador às edificações históricas e que, de
fora para dentro, direcionam a uma fonte luminosa. De igual modo às outras duas partes
da praça, a que abriga o Teatro Santa Isabel também passou por modificações no traçado
e foi acrescentado um estacionamento.
34.
Tais transformações foram evidenciadas de forma positiva por Joaquim Cardoso em
depoimento ao Diario da Tarde de 14 de junho de 1937. Em suas palavras o projeto
apresentado por Burle Marx “abrange, alem de trabalhos de valor, a remodelação
integral da physionomia daquele logradouro, sem contudo, fugir á orientação racional
que é a do aproveitamento, para fins decorativos, dos principaes elementos naturaes que
constituem o seu feitio primitivo [...] entretanto, sem destruir a obra antiga” (p. 2).
35.
Da Praça da República, Burle Marx aproveita as esculturas de divindades mitológicas,
que segundo ele representam algo interessante (MARX, 1937) porque integravam-se na
concepção artística do projeto. Os bancos, tipo venezianos, foram substituídos por
bancos de granito polido e sem encosto, como já existiam na Praça de Casa Forte e na
Praça Euclides da Cunha.
36.
Em grande parte, a vegetação foi considerada no projeto, houve porém o plantio novas
espécies como: a Acrocomia intumescens (macaibeira), Cocos nucifera (coqueiro),
Anacardium occidentale (cajueiro), Syagrus Oleracea (catolé), Pritchardia pacifica
(palmeira-leque-de-fiji) e Hancornia speciosa (mangabeira). Uma matéria do Diario da
Tarde de 16 de junho de 1937 ainda relata que comporiam a praça plantas da flora
amazônica. Também realizou-se o plantio de Roystonea oleracea (palmeira-imperial)
por trás do Teatro Santa Isabel e na parte central da praça para completar as aleias dos
eixos em cruz [Figura 13, Figura 14 e Figura 15]. Alguns exemplares foram plantados
juntos de indivíduos adultos, possivelmente por estarem em idade avançada, o que
demostra que Burle Marx realizou um estudo minucioso de fitossanidade, garantindo
assim a integridade do projeto.
37.
Ações semelhantes às da Praça da República ocorreram na remodelação do Jardim do
Palácio do Campo das Princesas, que já possuía um traçado e uma arborização
estabelecida, decorrentes de no mínimo duas intervenções, porém tendo uma
aproximação com o traçado presente no projeto de Emile Beringer de 1875. Por se tratar
de um jardim palaciano, possivelmente, cada gestor remodelava o jardim ao seu gosto.
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38.
Com base em fotografias de época [Figura 16 e Figura 17], é possível conhecer
algumas espécies que faziam parte do jardim, como, por exemplo: Sysygium malaccense
(jambeiro), Cassia fistula (chuva-de-ouro), Roystonea oleracea (palmeira-imperial),
Mangifera indica (mangueira), Eucalyptus cf. camaldulensis (eucalipto), Adenanthera
pavonina (olho-de-pombo), Licania tomentosa (oiti), Delonix regia (flamboyant), Canna
indica (cana-da-india), Ficus benjamina (ficus-benjamina), e Opuntia sp. (palma).
39.
Com o novo traçado, o jardim passa a ter duas alas, e adquire simetria [Figura 18]. Os
caminhos curvos constituídos por blocos de pedras com rejunte de grama (como
também foi usado na Praça Euclides da Cunha) tem a função de direcionar o observador
a pontos estratégico de contemplação de paisagens, seja do interior do jardim, com
canteiros circulares [Figura 19a] ornamentados com cana-da-índia e lagos que abrigam
uma diversidade de plantas das mais variadas texturas, portes e colorações, seja do
exterior, apresentando paisagem histórica do centro do Recife até as colinas de Olinda.
40.
No projeto paisagístico, não consta a especificação das espécies, porém todos os
indivíduos receberam uma ‘letra’ (para espécies herbáceas e arbustivas) ou um ‘número’
(para espécies arbóreas e palmeiras) e, sendo as letras ou os números iguais, pertenciam
a mesma espécie. O pergolado e a vegetação herbácea que faziam parte do eixo que liga
o palácio ao Rio Capibaribe, que se constituíam como um barreira visual, foram
removidos e margeando cada lado do eixo foram propostos canteiros retangulares com
cana-da-índia, que porém não foram construídos [Figura 19b].
41.
Burle Marx idealizou duas possibilidades de composição para os lagos [Figura 20a e
20b]. Na primeira, Burle Marx utiliza as Roystonea oleracea (palmeiras-imperiais), já
existentes, como pano de fundo, em uma correlação direta com a Praça da República, e
acrescenta quatro indivíduos de Sabal palmetto (sabal-palmeto), pontuando cada ângulo
do lago. Circundando o lago existe um passeio que possibilita o observador a
contemplar mais de perto as Ninfaea sp. (Ninfeias), ao centro do lago, e as Typha
domingensis (Taboa) e as Montrichardia linifera (Aninga), em casa ângulo. Para a
segunda possibilidade, o paisagista cria um recinto mais isolado, uma zona de calma.
Descarta as palmeiras-imperiais existentes e utiliza espécies dos mais variados estrados
e cores favorecendo um jogo de escala, de movimento e de percepção. São espécies
como, Caladium bicolor (caladium), Anthurium amnicola (antúrio), Ravenala
madagascariensis (ravenala) e Licuala grandis (licuala). Para o lago, Burle Marx toma
como partido a composição dos lagos retangulares da Praça de Casa Forte e o circunda
com jardineiras de plantas herbáceas terrestres, como, por exemplo, Zantedeschia
aethiopica (copo-de-leite). Entre as duas áreas densamente vegetadas existe um estreito
passeio para contemplação. Complementando a composição do lago Burle Marx agrega
ao projeto esculturas clássicas, por se harmonizarem com o caráter do jardim do Palácio.
42.
Porém, ao observarmos os detalhes da hidráulica dos tanques e as caixas para o plantio
das espécies, presentes no projeto paisagístico, bem como uma fotografia publicada no
jornal A Noite Ilustrada de 1938 [Figura 21a e 21b] contata-se que a composição do
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lago que foi acatada é a primeira que acima descrevemos, mesmo sendo a segunda
semelhante à da Praça de Casa Forte.
43.
Constam no projeto de Burle Marx, ainda, alguns indivíduos de árvores e palmeiras
marcados com um ‘X’ e representados pelos números 4, 10, 11, 14 e 15, cada número
correspondendo a uma espécie [Figura 22a e 22b]. Ao comparar as fotografias da época
com a localização destes indivíduos no projeto identificamos três das cinco espécies, são
elas: Delonix regia (flamboyant, nº. 10), Mangifera indica (mangeira, nº. 14) e
Roystonea oleracea (palmeira-imperial, nº.15).
44.
Analisando espacialmente onde cada indivíduo se localiza, constatou-se que a retirada
da vegetação arbórea foi indicada por três rações: i) sombreamento permanente nos
canteiros de Canna indica (cana-da-índia): quatro indivíduos de Mangifera indica
(mangueiras); ii) estar próximo ou no meio dos caminhos em pedra, com rejunte de
grama, uma vez que suas raízes poderiam ocasionar no futuro a perda do traçado: um
indivíduo de Mangifera indica (mangueira), um de Roystonea oleracea (palmeiraimperial), 9 da espécie não identificada nº. 11 e 2 da espécie não identificada nº. 4; e iii)
configurava-se como uma barreira visual: um indivíduo Delonix regia (flamboyant).
45.
Em suma, com a implementação do projeto da Praça da República e do Jardim do
Palácio do Campo das Princesas, Burle Marx deu ao Recife mais dois jardins com um
alto cunho de perfeição artística, chamando a atenção de todos especialmente pela
beleza da natureza brasileira.
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século XIX. São Paulo: USP, 2004.
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_____. A reforma dos jardins de Recife. Diario de Pernambuco, 20 mai. 1937, p. 1.
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______________________________
[1] Biólogo. Doutorando e Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de
Pernambuco (Universidade Federal de Pernambuco/Brasil). Mestre em Diseño, Planificación y
Conservación de Paisaje y Jardín pela Universidad Autónoma Metropolitana plantel Azcapotzalco
(México). Pesquisador do Laboratório da Paisagem/UFPE. Bolsista da CAPES e do CNPq (Doutorado
Sanduíche).
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX
Paulo César Ribeiro Gomes
GOMES, Paulo César Ribeiro. A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX. 19&20,
Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/artistas/pcrg_pw.htm>. [Deutsch]
*
1.
*
*
“Quero ser artista! Vou-me embora para a Europa!” Assim começa a biografia oficial de
Pedro Weingärtner (1853-1929), escrita por Angelo Guido em 1956. A abordagem direta
do pensamento do artista e a reação familiar descritas por Guido afiguram-se para nós,
hoje, como uma risonha ficção. Na verdade, não há dados biográficos dignos de
confiança sobre Pedro Weingärtner. Sua vida, seu pensamento, sua visão de mundo, tudo
isso, com exceção de sua obra, nos são interditos, pois não há entrevistas, cartas, diários,
anotações ou quaisquer outros documentos autógrafos do artista. A cronologia de sua
vida, suas andanças e obras constituem um emaranhado de dados conflitantes e de
enormes lacunas, resultado do bem intencionado, mas confuso, esforço de seus
primeiros biógrafos, que construíram uma espessa nuvem de informações divergentes
que, até o momento, não conseguimos ordenar. Temos a estranha sensação de que sua
obra não tem ninguém por trás: não sabemos o que o levou a pintar, gravar ou desenhar
quaisquer de seus trabalhos; temos apenas alguns vestígios materiais do seu processo de
criação artística, tais como desenhos preparatórios, estudos e mesmo telas inacabadas.
No entanto, esses são em reduzido número.
2.
A situação de Weingärtner não é exclusiva ou rara: muitos são os artistas brasileiros
desse período sobre quem muito pouco sabemos. Se nos faltam documentos, falta-nos
antes a consciência patrimonial no que diz respeito à nossa história da arte:
mergulhamos de cabeça em análises formais, questões de recepção, contextos sociais e
tudo o que faz um historiador de arte mas, infelizmente, são escassas os documentos
autógrafos e diminutos os depoimentos. Quando olhamos para obras de renomados
artistas europeus da segunda metade do século XIX, como, por exemplo, Édouard
Manet (1832-1883), Paul Cézanne (1839-1906), Henri de Toulouse-Lautrec (18641901), entre outros, rapidamente vêm-nos à mente dados biográficos sobre suas origens,
suas trajetórias, o contexto no qual viveram, as críticas que receberam, ou seja, somos
subsidiados por informações que situam e contextualizam suas produções. Não se trata
de uma apostasia, pois não reivindicamos aqui a “ilusão biográfica” (BOURDIEU
1998), um modelo definitivamente excluído da prática contemporânea da História, mas
defender o direito a familiaridade, situação necessária para que esse sujeito não fique tão
distante a ponto de parecer que ele não existe.
3.
Pedro Weingärtner foi pintor, desenhista e gravador. Um dos grandes artistas brasileiros
de seu tempo que, após incipiente formação no Rio Grande do Sul, dirige-se para a
Europa, estudando inicialmente na Alemanha, depois na França e, finalmente,
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
estabelecendo-se na Itália. Sua obra pictórica tem culminâncias nas cenas de gênero, nas
paisagens e nas cenas neo-pagãs, tendo feito também grande sucesso como retratista da
aristocracia nacional. Weingärtner desenvolveu sua exitosa carreira na Europa e no
Brasil, e sua obra foi exibida e comercializada no exterior, mas principalmente em São
Paulo e no Rio de Janeiro. Seu prestígio crescente até a primeira década do século XX
só diminuirá ao final de sua carreira. Ele entra então numa espécie de limbo, no qual a
obra, apesar de manter-se objeto de desejo de colecionadores, deixará de interessar os
estudiosos. Para compreender os espaços ocupados por Weingärtner, faz-se necessário
observar sua trajetória e sua inserção na história da pintura brasileira de sua época.
4.
A opção de Pedro Weingärtner em estudar na Alemanha (apesar de não estar explicada
por qualquer tipo de depoimento ou documento) pode, naturalmente, estar associada à
sua ascendência. Não temos informações se o artista tinha familiares ou amigos naquele
país, mas tanto sua origem germânica, como o estímulo de amigos, e mesmo indicações,
como a do jornalista Karl von Koseritz (1830–1890), podem ter contribuído para sua
decisão. Natural seria procurar a sede do Império, a cidade do Rio de Janeiro, bem como
sua prestigiada Academia Imperial de Belas Artes, ao invés de dirigir-se diretamente
para a Europa. Mesmo naquele continente, talvez fosse mais compatível com as
expectativas de um artista brasileiro buscar formação em países como a França ou a
Itália, bases de estudos da maioria dos bolsistas e pensionistas do Império. Nesse
sentido, sua formação na Alemanha foi uma exceção, assim como foram exceção os
fatos de ter estudado na Europa e de ter feito sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo,
sem ter passado pela Academia Imperial de Belas Artes (CARDOSO, 2008).
5.
Sua permanência na Alemanha iniciou-se em fevereiro de 1878 e durou até maio de
1882, quando já se encontra na França. Neste país, fica até julho de 1884, quando vai
primeiro para Mayrhofen, no Tirol (Áustria) e, depois, para Munique, de onde se
transfere, em 1886, para a Itália, instalando-se de modo intermitente na cidade de Roma,
até seu retorno definitivo para o Brasil em 1920.
6.
Sua trajetória como estudante na Alemanha é uma lista de lugares, escolas e professores
sobre a qual não temos maiores informações. Neste país ele estabelece-se inicialmente
em Hamburgo, notável cidade-estado dentro do Império Alemão (1871-1918) e sede de
um dos maiores portos do Atlântico norte. Ali se matricula na Hamburger
Bewergeschule (Escola de Artes e Ofícios) por um curto período, de fevereiro até
setembro de 1878, quando se muda para Karlsruhe.
7.
Karlsruhe é uma cidade no sudoeste da Alemanha, próxima à fronteira com a França.
Ali Weingärtner fará estudos básicos, se formos considerar os desenhos que
sobreviveram desta época. Conforme as narrativas de Angelo Guido (1956) e de Athos
Damasceno (1971), ele estudou na Großherzoglich-Badische Kunstschule (Escola de
Artes Grã-Ducal de Baden), dirigida por Ferdinand Keller (1842–1922) e tendo a
orientação de Theodor Poeckh (1839–1921); é provável que também tenha sido aluno de
Ernst Hildebrand (1833–1924). Esta instituição, fundada em 1854 pelo príncipe regente,
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
mais tarde Grão-Duque Friedrich von Baden, teve como primeiro diretor o pintor
paisagista Johann Wilhelm Schirmer (1807–1863). Enquanto professor e como
reformador administrativamente hábil, Schirmer desenvolveu um programa de ensino
extremamente arrojado para a escola, que na época já era vista como avançada, tanto
pelo encorajamento da pintura de paisagem, quanto pela grande variedade de disciplinas
artísticas incluídas no programa. Pelo que sabemos, a permanência do artista na cidade
vai de setembro ou outubro de 1878 até outubro de 1880, quando se desloca para
Berlim.
8.
Berlim, como resultado da revolução industrial durante o século XIX, tornou-se o
principal centro ferroviário e econômico da Alemanha, vindo a ser proclamada, em 16
de abril de 1871, a capital do recém-fundado império alemão. Além da sede
administrativa e econômica do império, era também a capital cultural. Nesta sua terceira
cidade na Alemanha, Weingärtner matricula-se na Real Academia Prussiana de Belas
Artes. Conforme as narrativas biográficas de Guido e Damasceno, no final dos anos
1880, ele passa por enormes dificuldades financeiras, tendo que abandonar a academia,
empregando-se em um estúdio fotográfico. Para sobreviver, recebe auxílio financeiro de
alguns amigos de Porto Alegre: Martim Bromberg, Jacob Roch e J. Bartolomeo Sesiani,
todos ricos comerciantes.
9.
Em maio de 1883, encontramos Weingärtner matriculado na “Académie Julian”, em
Paris, só retornando em julho de 1884, inicialmente em Mayerhofer e, depois, em
Munique, a rica capital da Baviera. Em 1871, Munique já contava com 170 mil
habitantes e seu crescimento foi acompanhado de um incremento econômico e cultural.
Nesta cidade, ele se matricula na academia local e chega, inclusive, a participar de uma
exposição na “Moderne Galerie”, onde, conforme depoimento de Karl von Koseritz (cf.
GUIDO 1956, p. 37) vende a tela “Der Besuch im Atelier” (“A visita ao Ateliê ou Cena
de Atelier”) por mil francos.
10.
Se, na Alemanha, mesmo sendo aluno de pintores mais tradicionais, ele conviveu com a
obra de artistas arrojados, tanto do ponto de vista formal quanto temático, como Adolph
Menzel (1815-1905), Wilhelm Leibl (1844-1900), Franz von Lenbach (1836-1904) e
Lovis Corinth (1858-1925), com os quais sua obra tem evidentes afinidades, na França,
ele conviveu com o sucesso dos pintores filiados ao movimento naturalista. Fica
evidente o parentesco da obra de Weingärtner com a desses artistas; em ambos os casos
há a obediência aos cânones do “desenho correto”, da boa pintura e da importância dada
aos temas simples, em oposição à grandiloquência e à falsidade da pintura praticada por
seus professores franceses, mormente Adolphe-William Bouguereau (1825-1905).
11.
A viagem e a permanência de Weingärtner na França (de maio de 1882 a junho ou julho
de 1884), depois de seu périplo por diversas cidades e instituições de ensino na
Alemanha, está marcada na sua biografia pelo empenho em conquistar a estabilidade
financeira, que ele alcança graças a uma pensão anual dada pelo Imperador Dom Pedro
II. Do ponto de vista de sua carreira, se a estadia na “Académie Julian” [Figura 1] não
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deixou marcas evidentes, sua permanência em Paris certamente fez uma grande
diferença.
12.
Em dois artigos (2002 e 2005), a pesquisadora Ana Paula Cavalcanti Simioni analisa o
papel da “Académie Julian” em Paris e relaciona as etapas da formação acadêmica
francesa no período. Tendo grande destaque na formação do futuro artista, o ensino do
desenho [Figura 2, Figura 3, Figura 4 e Figura 5] iniciava com uma etapa na qual os
alunos se limitavam a copiar partes do corpo humano a partir de modelos de gesso. Num
segundo momento, eles copiavam modelos inteiros de gesso, bustos e corpos, para
exercitar o estudo da luz e dos volumes e, finalmente, um terceiro estágio levava-os ao
desenho de modelos vivos. Segundo Simioni, a “Académie”, ou desenho a partir de um
modelo vivo, era primordial na formação de artistas, com grande significado simbólico
em suas carreiras. Esclarece a autora que essa impositiva presença do desenho estava
ligada à hierarquia dos gêneros acadêmicos, que tinha no patamar mais elevado a pintura
histórica, que centrava suas narrativas no herói, cujo corpo deveria ser marcado por
musculatura visível e possante, denotando potência física e vigor, qualidades
eminentemente masculinas (SIMIONI 2005). Assim, a perfeição do desenho dos corpos
humanos era requisito fundamental para uma carreira de sucesso.
13.
A pintura era a segunda fase da formação acadêmica, passando por níveis diferentes,
desde a etapa 1, intitulada de “ébauche”, exercício visando o aprimoramento técnico, no
qual o aluno refazia, passo a passo, uma pintura dada como modelo, um trabalho que
deveria ser executado com uma paleta cuidadosamente escolhida e seguindo todas as
etapas de construção da imagem (BOIME 1971: p. 36 e segs.). A etapa 2, intitulada
“esquisse”, era um ensaio geral da tela concebida, com a disposição da composição,
cores e luminosidades, mas com pinceladas soltas e sem preocupação com o
acabamento; e, finalmente, na etapa 3 ou “fini”, encontramos a tela propriamente dita; é
quando se recupera o “esquisse”, controlando os efeitos de luz e conferindo-lhe o
acabamento mediante o qual quaisquer vestígios das mãos do pintor deveriam ser
retirados, a fim de lhe conferir a impressão de perfeição almejada.
14.
Com sua formação praticamente completa, dados os quase sete anos de trânsito entre
escolas e diversos professores na Alemanha e na França, Weingärtner parece ter
conquistado com a pensão imperial, de uma só vez, a ambicionada independência
financeira (depois de vivenciar rigorosas restrições financeiras em 1880, na Alemanha e,
em 1883, em Paris) e sua identidade artística. Podemos afirmar que é a partir da segunda
metade dos anos 1880 que ele vai efetivamente constituir um vocabulário particular.
15.
Se obras desse período são escassas, são elas as primeiras nas quais podemos perceber
um artista senhor de seus meios e assuntos, como podemos ver na pintura intitulada No
atelier [Figura 6], pintada em Paris ou, talvez, em Munique. Outra obra significativa do
período é o Recanto de ateliê em München [Figura 7], de 1884, com evidentes ecos da
célebre Das Balkonzimmer (1845) [Figura 8], obra de Adolph von Menzel (1815-1905),
hoje na Alte Nationalgalerie, em Berlim.
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16.
O que podemos observar nestas obras é uma evidente filiação ao que convencionou-se
chamar, inadvertidamente, de “pintura realista”. Dizemos inadvertidamente, pois,
conforme lembra Jorge Coli,
A evolução da História da Arte em nossa época lembra um vasto império que
alarga cada vez mais os seus domínios. Desde a recuperação do barroco uns 130
anos atrás até, mais recente, a da arquitetura historicista e da pintura oficial do
século XIX, passando pela reconsideração do maneirismo, do art nouveau, do
neoclassicismo, da pintura romântica, setores inteiros da produção artística que
estavam na sombra há algumas décadas, surgem ao olhar do historiador e de um
público cada vez mais vasto. (COLI 2010, p. 285)
17.
18.
Dentro dessa lógica de revisão e reescritura da História da Arte, o Naturalismo surge
como uma tendência que permite a visualização e o entendimento das expectativas de
um grande grupo de artistas atuantes nas últimas décadas do século XIX, que não se
enquadram em qualquer dos movimentos do período, Impressionismo e Simbolismo,
por exemplo, sendo, portanto, simplesmente descartados da maioria dos estudos de
história da arte. No caso do Brasil, por exemplo, muitos foram os que ficaram nesse
“não-lugar”, apertados e indefinidos entre o final do academicismo do Segundo Império
e o modernismo da década de 1920.
19.
Como sabemos, o Naturalismo foi um movimento artístico que surgiu por volta de
1870, principalmente na França, seguindo de perto o seu antecessor, o Realismo, mas
mantendo “uma grande distância entre o realismo de Courbet - cuja relação sujeitoobjeto não passa pela vocação da neutralidade e da universalidade - e o naturalismo do
fim do século, que deseja fazer o retrato de sua época, num projeto próximo ao dos
Rougon-Macquart” (COLI 2010, p. 291).
20.
Do Realismo, o Naturalismo retoma algumas características, como a importância dada
ao motivo, a percepção sensível da natureza e o interesse pelo mundo da burguesia e dos
camponeses. É primordialmente pela perspectiva darwiniana da existência e pela crença
da futilidade dos esforços do homem face à potência da Natureza que o movimento se
caracteriza, além do interesse temático calcado no mundo dos operários e pelo destaque
maior dado à figura em detrimento do cenário.
21.
Caracterizá-lo significa agrupar qualidades comuns, e a que se destaca mais é o seu
“caráter internacional bastante homogêneo” (COLI 2010, p. 287) que tem em Paris o seu
foco principal, na “Escola de Belas-Artes, mas também nos ateliês de mestres diversos e
em academias, a mais notável sendo a Académie Julian” (COLI 2010, p. 287). Outra
característica apontada por Coli em seu texto é a paixão em descrever e situar
socialmente os objetos representados: “Não buscando inovar no plano do ‘fazer’
artístico, mas, ao contrário, tentando dispor instrumentos picturais perfeitamente
adquiridos e dominados ao serviço da intenção de ‘descrever’ a ‘realidade’, os
naturalistas apresentam um métier anônimo, quase intercambiável” (COLI 2010, p.
287).
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22.
A afinidade formal e temática da obra de Weingärtner com os naturalistas é irrefutável.
Essa constatação não é incomum nos dias de hoje, como podemos observar no texto de
Luciano Migliaccio:
23.
24.
Derrubada [Figura 9], do gaúcho Pedro Weingärtner, talvez seja a obra de maior
êxito dentre todas as que se inscrevem no filão da retomada da paisagem nacional
baseada no exemplo de [Félix-Emile] Taunay. Contudo, nos troncos retorcidos e
nas raízes revoltas, expostas a uma luz crua, o artista soube captar as
consonâncias simbólicas do tema, ao passo que resolve os planos e os contrastes
luminosos mediante densos empastos de cor na superfície. Em sua pintura de
gênero, Weingärtner fundou um novo e vigoroso regionalismo na pintura
brasileira, representando o mundo dos emigrantes do sul do país. (MIGLIACCIO
2000, p. 180)
A percepção do caráter particular e localista, apontada por críticos e comentaristas
contemporâneos do artista, foi compreendida antes como uma espécie de regionalismo.
Essa visualidade estaria, teoricamente, dando continuidade ao processo de construção da
identidade nacional, movimento iniciado no academicismo romântico, de inspiração
literária, notável em algumas obras “indianistas” de pintores como Vitor Meireles (18321903) e Rodolfo Amoedo (1857-1941). Nesse caminho identitário, a continuidade
estaria na observação da realidade local, como na obra do paulista José Ferraz de
Almeida Júnior (1850-1899).
25.
Interessante observar que essa filiação temática e formal não escapou aos observadores
mais atentos. Sua primeira mostra individual, junto ao ateliê fotográfico de Insley
Pacheco, no Rio de Janeiro, em 1888, foi recebida de maneira entusiástica por Oscar
Guanabarino (1894) que, entre outros elogios, escreveu:
26.
Atualmente aparece uma arte, que, se não é francamente nacional, acentua bem
a tendência para isso. Nesse ponto temos três artistas notáveis, que pintam cenas
brasileiras, produzindo quadros magníficos - Almeida Junior, Brocos e
Weingärtner. Weingärtner não se limita a ser brasileiro - torna-se bairrista.
Atualmente os seus quadros são cenas do Rio Grande, ou pelo menos do Sul.
27.
Se nesta exposição ainda não havia uma ênfase destacada na apresentação de temas do
sul do país, isso se dará de maneira superlativa na sua mostra de 1892, também no Rio
de Janeiro. Nas obras desse período, entre as quais Chegou Tarde! (1890) [Figura 10],
Kerb (1892) [Figura 11], Fios Emaranhados (1892) [Figura 12], Charqueada (1893)
[Figura 13], podemos observar, de maneira inegável, a presença dos princípios do
Naturalismo, no que esse tem de mais destacado, ou seja, o foco na vida dos pequenos
agrupamentos humanos e suas atividades cotidianas. Esse aspecto naturalista, que
percebemos na descrição precisa dos habitantes da região do Vale do Rio dos Sinos em
Kerb, nos da região serrana em Fios Emaranhados e Chegou Tarde! e, finalmente, nos
moradores e nas lidas do extremo sul em Charqueada.
28.
A obra de Weingärtner tem grande afinidade temática e mesmo formal com a obra de
um grande número de artistas europeus, tanto franceses quanto alemães. Notável é, por
exemplo, a afinidade que existe entre ele e o belga Évariste Carpentier (1845-1922),
pintor de cenas de gênero e paisagens. Observar a pintura intitulada Les Étrangères
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
(1887) [Figura 14] é lembrar-se irresistivelmente de Chegou Tarde! (1890) e Fios
Emaranhados (1892). São artistas que, reproduzindo de maneira fiel a realidade das
coisas, estão menos preocupados com “[...] a realidade e mais [com] a defesa de uma
concepção da natureza relacionada a uma forma de representação tradicional da
realidade. Neste sentido, Weingärtner é mais um pintor ‘naturalista’ do que
propriamente um ‘realista’” (COSTA 2010, p. 8).
29.
Se esse movimento ficou centralizado na França e, principalmente em Paris, conforme
já vimos, ele desenvolveu-se amplamente e com grande receptividade por toda a Europa
e mesmo no Brasil, classificados indiscriminadamente de realistas, naturalistas,
“macchiaioli”, “veristas”, realistas burgueses etc. Assim, permanecendo nos limites
geográficos da atuação de Pedro Weingärtner, podemos alinhar aos franceses Jules
Bastien-Lepage (1848-1884), Jules Breton (1827-1906), Julien Dupre (1851-1910),
Alphonse Moutte (1840-1913), o português José Malhoa (1855-1933) [Figura 15], os
italianos Ettore Tito (1859-1941), Telemaco Signorini (1835-1901), Antonino Leto
(1844-1913), Francesco Loiacono (1841-1915), os alemães Adolph von Menzel (18151905), Hans von Marées (1837-1887), Wilhelm Leibl (1844-1900), Fritz von Uhde
(1848-1911), Wilhelm Trübner (1851-1917), Max Libermann (1847–1935), os
espanhóis Joaquín Sorolla y Bastida (1863-1923) e Mariano Barbasán Lagueruela
(1864–1924) [Figura 16], este último companheiro de Weingärtner nos verões em
Anticoli Corrado, além dos já citados brasileiros Rodolfo Amoedo e José Ferraz de
Almeida Júnior. São artistas que, além de pertencerem a uma mesma geração, pois a
maioria nasceu por volta da metade do século XIX, têm em suas obras características
formais muito próximas, como a manutenção da perspectiva tradicional, a nitidez e
objetividade na representação dos objetos e das pessoas e uma paleta realista, ou seja, a
fidelidade à representação mimética das coisas.
30.
Outros aspectos importantes do Naturalismo, que não temos como desenvolver aqui,
são ainda destacados por Jorge Coli, tais como a função destas obras junto ao seu
público e a relação que esses artistas mantinham com a fotografia: “Comparada à
pintura, o que a reprodução fotográfica nos oferece é um testemunho acidental, um
fragmento distinto da visão global contida no quadro. [...] O pintor [...] recria o real; ele
não o apreende no que de parcial, mas o recompõe de um modo mais satisfatório para o
espírito que busca a síntese” (COLI 2010, p. 292).
31.
Se sobre a opção por estudar na Alemanha não temos informações consistentes,
inconsistentes também são os dados sobre a súbita mudança para Paris. Neste caso,
considerando o desenvolvimento e resultados posteriores da sua carreira,
compreenderemos que a estratégia da mudança se justifica pela aproximação a um
artista admirado pela aristocracia brasileira, como o celebérrimo Bouguereau, que abriu
um caminho de conforto material para Weingärtner. Sobre a opção pela Itália também
não temos dados. Curiosamente, essa foi a opção menos compreendida pelos estudiosos,
que a consideram como um retrocesso, visto que esse país, no século XIX, depois dos
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
esplendores do Renascimento e do Barroco, era considerado como um centro estagnado
e adepto de um gosto tradicional, senão retrógrado.
32.
Entretanto, entendo que é impossível falar em estagnação: a Itália não vivia mais a
exuberância do seu passado, é claro, mas isso não significa um apagamento de sua
produção artística. Roma ainda era um grande centro de ebulição cultural; veja-se, por
exemplo, a questão da música italiana no período, a mais prestigiada e admirada da
Europa naquele momento. E a literatura? E os “Macchiaioli”? Sem estendermos muito a
explicação, parece-nos que Gonzaga Duque (1863–1911), em texto de 1888, criticando a
exposição de Henrique Bernardelli (1857-1936), colega de estadia na Itália e, de acordo
com alguns documentos, amigo de Weingärtner, esclarece com precisão essa opção, ao
escrever que:
33.
Sob esse ponto de vista, a Itália apresenta grandes vantagens, e entre muitas
acha-se a de uma certa semelhança com o nosso país, mormente pela persistência
do tom e a imutalidade da luz [...] ora, habituando-se o pintor a estudar ao ar livre
a isolada natureza italiana, com a maior destreza e facilidade produzirá a nossa
paisagem. Parece-me justa essa opinião e por ela sou levado a crer que nenhum
pintor moderno conseguirá representar com mais exatidão a nossa natureza do que
Henrique Bernardelli [...] No meu modo de ver, para quem dispõe de poucos anos
de aprendizagem, a Itália é o único país em que um paisagista brasileiro pode se
aperfeiçoar. (Apud DAZZI 2005, p. 124)
34.
Em sua ficção Ana em Veneza (1998), o escritor João Silvério Trevisan centra parte de
sua narrativa na trajetória do compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) e
de suas relações com outros artistas brasileiros na Europa. Assim é que participam
indiretamente da narrativa os pintores Henrique Bernardelli e Pedro Weingärtner. Os três
viveram por longos períodos na Europa e eram amigos muito próximos. Trevisan
possibilita-nos uma perspectiva inteiramente nova das andanças do artista gaúcho,
situando-o num contexto verossímil e inteiramente coerente no que diz respeito à sua
participação na vida cultural de Roma no período. Trevisan, em seu discurso ficcional
dirigido a Nepomuceno, escreve que Weingärtner
35.
36.
Com seu perfeito conhecimento da cidade, [...] introduziu-te nos segredos e
maravilhas de Roma, que considerava mais católica e a mais pagã de todas as
capitais do mundo. [...] Weingärtner levou-te também para os mais movimentados
cafés romanos, especialmente o Café Greco, ponto de encontro de artistas
combativos - onde conheceste o grupo do Ferrari, Bertolla, irmãos Coleman,
Morani, Cabianca e outros pintores da campanha, amigos do Weingärtner, que se
metiam em longas discussões sobre estética e política, quando não matavam o
tempo simplesmente jogando xadrez. (TREVISAN 1998, p. 313)
Na verdade, Trevisan está descrevendo o grupo do In Arte Libertas, movimento de
tendência separatista italiano que propunha uma reformulação da pintura italiana,
enfatizando os aspectos simbolistas e defendendo a paisagem como o gênero mais
adequado aos seus propósitos.
37.
O Simbolismo foi uma tendência que defendia a não-objetividade na arte, valorizando
aspectos até então ausentes das narrativas pictóricas, como o inconsciente. Ele
enfatizava temas que incluíam a indagação sobre o sentido da vida e da morte, a
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
fantasia, o sonho, o mito, o enigma, o mistério etc., ou seja, tudo o que, naquele
momento de grande avanço científico e tecnológico, afastava o homem da sua essência
espiritual.
38.
Considerando a escassa divulgação do Simbolismo fora da França e da Bélgica (ambos
os países com volumosa história publicada), o movimento também teve adeptos e um
grande desenvolvimento em outros países, como na Itália e inclusive, em menor
intensidade, no Brasil. Sob a forte influência do poeta Gabriele d’Annunzio (18631938), artistas como Adolfo de Carolis (1874-1928) e Giulio Aristide Sartorio (18601932) vão desenvolver um estilo de pintura que recupera a tradição renascentista,
associada ao gosto pelo mito e pela alegoria, presentes principalmente na pintura dos
ingleses pré-rafaelitas.
39.
In Arte Libertas foi fundado em 1886, por (Giovanni) Nino Costa (1826-1903),
talentoso pintor romano que tinha também grande capacidade de organizador e líder.
Deixando a influencia dos Macchiaioli, movimento de pintura de vanguarda com
temática naturalista e influência da técnica e da paleta impressionista, In Arte Libertas
tinha uma evidente vocação antiacadêmica, restabelecendo a importância da pintura com
a vida, colocando os artistas em contato direto com o assunto a ser representado.
Girando em torno da paisagem e da natureza, a pintura do “In Arte Libertas” era
carregada de sentido simbólico e metafísico, identificada, principalmente, com a pintura
da École de Pont-Aven.
40.
Não sabemos se Weingärtner chegou a ter uma integração muito próxima com o grupo
do Café Greco, conforme narra Trevisan, além de frequentá-lo. Assim, não sabemos se
ele participou da exposição do “In Arte Libertas”, organizada em Londres em 1888, que
permitiu ao grande público ver, pela primeira vez, as obras dos italianos expostas com as
de Camille Corot (1796-1875), Edward Burne-Jones (1833–1898), Arnold Böcklin
(1827-1901), junto com outros pré-rafaelitas ingleses.
41.
O grupo dissolve-se no início dos anos 1900, articulando-se mais tarde em outro grupo,
intitulado os XXV della Campagna Romana, ainda seguidores dos preceitos de Costa,
saindo juntos para representar em pintura o campo romano e para comer bem em
tavernas locais. O grupo, tendo como líder Henry Coleman (1846-1911), era formado
por Onorato Carlandi (1848-1939), Giulio Aristide Sartorio (1860-1932), Filiberto Petiti
(1845-1924), Duilio Cambellotti (1876-1960) e deixou uma vasta produção paisagística
que influenciará toda a nova pintura italiana a partir de então.
42.
Dois aspectos interessam-nos nessa aproximação de Weingärtner com esses artistas
dissidentes: a temática simbolista e o gênero paisagem. A pintura intitulada Tempora
Mutantur (1898) [Figura 17] parece ter afinidades com as duas questões acima
enumeradas.
43.
Uma das obras-primas do artista, a pintura teve longa gestação, ao menos no que diz
respeito à paisagem na qual se situam os personagens, pois a mesma paisagem é o tema
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
de uma tela datada de 1893, com idêntica configuração, até os menores detalhes e, com
o mesmo tratamento pictórico.
44.
Desde o seu título, que tem um acentuado caráter simbólico, até na sua configuração, a
pintura tem um clima de contenção e subjetividade que sempre causou interrogações no
público e mesmo em alguns de seus analistas. As interpretações vão da leitura literal do
título, que é a abreviação do provérbio que remonta a um ditado atribuído ao Imperador
Lotário I (795–855) e que, na íntegra, é “Omnia mutantur, nos et mutamur in illis”,
significando que “Todas as coisas mudam e nós, nelas, também mudamos”. Sempre que
usada, a frase expressa a sensação de estranhamento que os tempos modernos causam
nas pessoas, mesmo trazendo melhorias, exigindo delas a aceitação e a conformidade,
visto que as mudanças representam a própria evolução.
45.
Outras interpretações, ainda fundadas no título, afirmam um retrato da situação histórica
dos imigrantes italianos, face às dificuldades na terra nova ou, ainda, uma leitura do
ponto de vista da forte influência do Positivismo no pensamento dos brasileiros no
período da Proclamação da República, principalmente no Rio Grande do Sul, onde a
doutrina de Auguste Comte teve enorme penetração.
46.
Formalmente, entretanto a tela lembra irresistivelmente Le Pauvre Pêcheur (1881)
[Figura 18], pintura de Pierre Puvis de Chavannes (1824-1898). A obra teve enorme
repercussão ao ser exposta no Salão de 1881, em Paris, e é inevitável que consideremos
a possibilidade dela ser do conhecimento de Weingärtner. Se não ao vivo, ao menos por
reprodução, considerando que, em 1887, ao ser adquirida pelo Estado francês,
novamente causou espécie principalmente pelo arrojo da iniciativa, que ia de encontro a
todas as convenções pictóricas da época.
47.
Objeto de inúmeras interpretações, na obra se destaca, principalmente, seu caráter
sintético: uma pintura econômica que abre mão do modelado e da perspectiva
tradicionais. Comparada por Joris-Karl Huysmans (1848–1907) com uma imagem
extraída de um missal ou de algum afresco antigo, a pintura foi recebida com
entusiasmo pelos artistas, principalmente aqueles que estavam em busca de uma nova
orientação estética. Georges Seurat (1859-1891), Paul Gauguin (1848-1903) e Maurice
Denis (1870-1943), além de Pablo Picasso (1881-1973), em momentos diferentes,
entusiasmaram-se com o rigoroso despojamento e com a eficácia dessa obra silenciosa,
verdadeira porta de acesso para a nova pintura do século que se aproximava.
48.
Tempora Mutantur parece ser herdeira direta dessas conquistas temáticas e formais:
uma pintura de história, certamente, mas também quase uma pintura de gênero, só que
intimista e sem anedota, plena de contenção e de uma intensidade incomuns no gênero.
O aspecto formal também tem correspondências nas duas obras: mesmo que Tempora
Mutantur seja mais elaborada formalmente, principalmente no realismo extremado das
figuras, sua paisagem tem tratamento despojado e simplificado - não tanto quanto a
pintura de Puvis de Chavannes, evidentemente, mas bastante arrojada para um pintor
que vinha de uma formação que pregava um rigoroso detalhismo minimalista na
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representação das formas. Presentes em ambas as telas, além do tom baixo do colorido e
a economia da composição, o mesmo clima de contenção e resignação, de silêncio
conformista e de aceitação de um determinismo superior. São pinturas que promovem
uma percepção indefinida, um sentimento concomitante e contraditório de atração e
estranhamento, muito bem definida pelo crítico ao escrever “En dépit des révoltes que
soulève em moi cette peinture quand je suis devant, je ne puis me défendre d’une
certaine attirance quand je suis loin d’elle” (HUYSMANNS 1883, p. 116). Para
reforçarmos essa aproximação de Weingärtner com o Simbolismo deveríamos analisar
outras obras contemporâneas que tenham as mesmas características, mormente a pouco
conhecida e ainda por estudar Rosa Mística (1909), da coleção APLUB - Pinacoteca da
Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil (Porto Alegre), que deixa
claro, desde seu título até sua evidente iconografia, a filiação com o movimento.
49.
Desenvolvemos aqui um exercício de relacionar a obra de Pedro Weingärtner às regras e
mecanismos de produção e circulação, que incluem não só o conhecimento histórico do
período, mas também às condições de formação dos artistas, do fazer artístico e da
difusão da arte junto às instâncias de divulgação, legitimação e público. Nossa
preocupação foi enfatizar a leitura das obras à luz desse contexto. Esse é um exercício
que exige fôlego, tempo e espaço para ser desenvolvido in extenso: o que aqui
apresentamos é um esboço, uma tentativa de ampliar o universo do conhecimento da
obra do artista. Procuramos ir além das condicionantes impostas pela literatura
produzida a respeito de sua obra e, regra geral, da produção do século XIX no Brasil,
fugindo dos esquemas interpretativos e dos rótulos redutores.
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19&20 - A formação e a obra de Pedro Weingärtner no século XIX, por Paulo César Ribeiro Gomes
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http://www.dezenovevinte.net/artistas/pcrg_pw.htm
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19&20 - A propaganda política de 1932, hoje, por André Toral
A propaganda política de 1932, hoje
André Toral [1]
TORAL, André. A propaganda política de 1932, hoje. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun.
2016. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/1932_propaganda.htm>.
*
1.
*
*
A memória de 1932 confunde-se com o espaço de mausoléus e túmulos dos mortos do
conflito em cemitérios ou espaços públicos e com a rotina do cerimonial das celebrações
oficiais no dia 9 de julho. A lembrança dos mortos ou da mobilização do período não
produziu uma iconografia ou uma memória visual popular do movimento. Apesar da
intensa utilização da propaganda política durante o conflito, a maior parte das imagens
produzidas não voltou a ser exibida depois da derrota militar. Esse extenso material
visual foi reunido em publicações utilizadas nesse trabalho (VILLA, 2008; MARTINS,
1954; DONATO, 1982; DE PAULO, 1999).
2.
Aqui, analiso desenhos e fotografias publicadas em jornais e cartazes e produzidas por
desenhistas e fotógrafos a serviço do Movimento Constitucionalista, do jornal O Estado
de São Paulo, Folha da Manhã e Diario Nacional, entre outros, ou envolvidos em
campanhas cívicas como “Doe ouro para o bem de São Paulo”.
3.
Em boa parte, a construção de um sentido para o conflito deve-se ao sucesso dessa
propaganda política onde a produção de imagens encontram-se inseridas. O público não
especializado mesmo hoje em dia continua a entender o movimento como uma revolta
do povo paulista contra a ditadura do Estado Novo, apesar de análises recentes de
historiadores mostrarem que os eventos de 1932 foram expressão da vontade política de
parcela dessa população paulista.
4.
Se compreendermos política como ação simbólica, como propõe o antropólogo Clifford
Geertz (1980, 170), então a propaganda política, por operar basicamente por meio da
manipulação de símbolos, constitui-se num tema privilegiado para a reconstituição do
sistema de ideias e da cultura política da época. Esse artigo, em síntese, pretende
abordar essas ideias, orientadoras dos interesses políticos envolvidos no movimento
constitucionalista de 1932 por meio de algumas imagens muito conhecidas, produzidas
e utilizadas durante o conflito como forma de mobilização num autêntico esforço de
guerra.
Imagem e propaganda
5.
Essa propaganda, utilizada pelos paulistas em 1932 e também pelo Estado Novo, não
era um fenômeno único no seu tempo. Na década de 1930, com a crise dos governos que
seguiam modelos liberais e o aparente sucesso dos regimes autoritários na Europa e na
América do Sul, aparece a necessidade de estabelecer suas correspondentes políticas de
massa e seus mecanismos de controle social (PAULO, 1994, 175). A análise da
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19&20 - A propaganda política de 1932, hoje, por André Toral
propaganda política, fenômeno da sociedade e da cultura de massas nas décadas de 1930
e 40, permite o estabelecimento da conexão entre política e cultura no Brasil
(CAPELATO, 1998, 35) e em diversos outros países. A propaganda política do período
utilizava-se, evidentemente, da maturação do desenvolvimento dos recursos técnicos de
comunicação da época, como o rádio, jornais e impressos em geral. Era, enfim, como
notou Walter Benjamin em 1936, o período do surgimento da nova obra de arte,
tecnicamente produzida e destinada às massas.
6.
O surgimento do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, a presença de Josef
Stalin na União Soviética, a vitória de Francisco Franco na Espanha e a implantação do
"Estado Novo" em Portugal e no Brasil, iguais no nome e na matriz autoritária (PAULO,
1994, 176), criam as condições para o surgimento do realismo do entre-guerras, um
estilo artístico adequado a governantes que tentam entrar em contato com a “alma do
povo” utilizando-se, segundo define Clement Greenberg em 1939, o kitsch: uma arte de
retaguarda, degradada, um expediente de regimes autoritários. No entre-guerra,
constituem-se os aparelhos de propaganda oficiais nos países acima mencionados,
destacando-se o Secretariado de Propaganda Nacional em Portugal, o Departamento de
Imprensa e Propaganda no Brasil, o Reichsministerium für Volksanfkärung und
Propaganda na Alemanha, e a produção do Istituto Nazionale Fascista di Cultura na
Itália, entre outros.
7.
Em São Paulo, por sua vez e durante o movimento de 32, criou-se o “Serviço de
Informações e propaganda da Revolução.” A análise que se segue esta baseada,
portanto, em imagens consideradas ideologicamente apropriadas com uma estética em
estreita ligação com o que se produzia em outros países, principalmente da Europa no
mesmo período, na estética característica do Realismo do entre-guerras.
“Latifundiários em armas”
8.
O fim da Primeira República por meio da Revolução de 1930 tem sido explicado como
uma reação das classes médias, ligadas ao mercado interno e representadas pelos
"Tenentes" e pelo Exército, ao predomínio da oligarquia cafeeira voltada ao mercado
externo. Esse modelo dualista, que opõe latifúndio vs burguesia, industrialização vs
modelo agrário exportador e mercado interno vs mercado externo, tem sido revisto,
questionando-se algumas dessas polaridades, bem como as premissas da chamada teoria
do “dualismo” das sociedades dependentes latino-americanas (FAUSTO, 1997).
9.
Segundo outras abordagens, o processo histórico e a luta de classes no período de 1930
não se limitaram aos conflitos no seio da classe dominante, envolvendo apenas as elites
regionais e o movimento Tenentista: procurou-se, por exemplo, ressaltar a importância
da luta das oligarquias regionais, e da paulista em especial, contra a crescente
mobilização operária (CAPELATO, 1981).
10.
De qualquer maneira, o estudo da Revolução de 1930 passa obrigatoriamente pela
questão do Tenentismo e pela luta entre o poder central e os grupos e oligarquias
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regionais (FAUSTO, 2001). Nesse sentido, o chamado Movimento Constitucionalista de
1932, no qual o governo paulista exige a constitucionalização do país segundo o modelo
das democracias liberais e a nomeação de um interventor civil e paulista para o Estado,
articula as duas questões vistas acima, constituindo-se em período de interesse para o
estudo da história republicana brasileira.
11.
A "revolução" paulista objetivava o “progresso” por meio da autonomia dos Estados
brasileiros, reação ao centralismo adotado pós 30, e da imposição da "ordem",
caracterizada, entre outras coisas, pelo aumento da repressão frente à crescente
mobilização operária e pela luta anticomunista.
12.
Esse caráter de classe, digamos assim, do Movimento de 32 deve ser levado em
consideração em um estudo das imagens do período. O aspecto propagandístico desse
material se fazia numa linguagem naturalística, onde a imagem - seja ela pintura, charge,
caricatura ou fotografia - estava a serviço das ideias que se deseja transmitir. Essa
consideração é importante porque, além de explicar a ausência dos chamados
Modernistas de 1922, conforme veremos adiante, estabelece um padrão de representação
do real que fica entre uma concepção estética funcionalista e uma concepção naturalista.
É bonito o que é útil ao movimento e é bonito aquilo que representa uma cópia fiel da
realidade. Enquanto o meio artístico internacional reflete uma arte marcada pelo
realismo e pela preocupação social (AMARAL, 2003), a propaganda política utilizavase das idealizações acadêmicas, tão ao gosto de regimes imperiais e conservadores desde
o início do século XIX, como mostram as alegorias de Oscar Pereira da Silva, por
exemplo, sobre a campanha “Ouro para o bem de São Paulo”.
13.
Longe de ser característica apenas do Movimento de 32, a arte “retrô” da década de
1930 e a utilização de modelos “realistas” ou neoclássicos é comum ao vocabulário
propagandístico da dita direita política - caso do fascismo e nacional-socialismo na Itália
e Alemanha - e também da esquerda - caso da URSS, onde se decretou o final do
abstracionismo e do suprematismo e o início do realismo socialista, uma arte mais
adequada à “revolução”. É o retorno do figurativismo, da arte baseada na palavra de
ordem, do texto, da concepção de arte como ilustração.
14.
A localização política à direita dos autores da iconografia de 1932 pode ser
exemplificada pelo caso do oficial da Força Pública Antonio Feijó, o único artista a
fazer in loco um registro do desenvolvimento da campanha militar. Ele afirma em suas
memórias que o Movimento de 32 se fazia na defesa do legalismo e constitucionalismo,
não admitindo “a derrocada de nossa terra pela loucura do comunismo” (BORGES,
1997, 176).
15.
Esse espírito pouco divulgado do Movimento de 32 - a saber, seu anticomunismo explica as reservas de muitos intelectuais paulistas quanto ao apoio ao movimento.
Especificamente os chamados Modernistas mantêm-se à margem do movimento,
excetuando-se os poetas Guilherme de Almeida e Menotti del Picchia. Esse
distanciamento se explica, em parte, pelo caráter de classe do movimento, quando boa
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parte desses intelectuais era de esquerda. Como lembra o pesquisador paulista Martin
César Feijó, o escritor Oswald de Andrade, que foi atacado pelos estudantes da
Faculdade de Direito, a vanguarda do movimento constitucionalista, dedicar-lhe-ia um
retrato cáustico em seu livro A revolução melancólica, onde um capítulo leva o título de
“Latifundiários em armas” (FEIJÓ, 1998).
16.
O caráter anticomunista do movimento transparece também na prisão, em 1932, da
pintora Tarsila do Amaral, então casada com o comunista Osório César, juntamente com
outras intelectuais, e Mary Pedrosa, esposa de Mário Pedrosa (AMARAL, 2003, 372). A
detenção de Tarsila por um mês no Presídio do Paraíso se explicava tanto por sua
recente visita à URSS, quanto pela sua presença em reuniões de esquerda (AMARAL,
2003, 371).
Arte para os filhos de Piratininga
17.
Da extensa iconografia do Movimento Constitucionalista Paulista, selecionei algumas
imagens para análise. Todas elas foram extraídas de publicações dedicadas ao
movimento e feitas, portanto, desde um ponto de vista “constitucionalista” (MARTINS,
1954; DE PAULA, 1994; DONATO, 1982). A primeira, Álbum de Família, é dedicada,
no momento do IV Centenário de S. Paulo, à família “bandeirante” e “aos filhos de
Piratininga”.
18.
A primeira imagem que desejo destacar é a de um “Batalhão Índio” formado por índios
Kaingang, “voluntários [...] da região Noroeste e alta Sorocabana de São Paulo” [Figura
1]. Empregados “em tarefas auxiliares,” sua participação seria uma tentativa de
“demonstrar a integração nacional no movimento” (DE PAULA, 1994, 169). Difícil
supor sentimentos patrióticos e/ou conhecimento dos ideais constitucionalistas por parte
desse grupo indígena com domínio parcial do idioma português e violentamente
expropriado de suas terras, pela introdução do café e pela passagem da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil no início do século XX. O grupo sofreu a ação nefasta de
“bugreiros,” que perpetraram massacres em massa por meio de “batidas” em diversas
aldeias entre 1908 e 1910 (RIBEIRO, 1977). A instalação do Serviço de Proteção aos
Índios entre os Kaingang, cerca de uma década mais tarde, foi marcada pelo rigoroso
combate à cultura indígena e seu modo de ser, associados ao atraso, e pela tentativa
humanitária, porém equivocada, de colocar o índio no caminho do “progresso,”
compreendido em termos evolucionistas. Os custos humanos e culturais dessa tentativa
de ”integração” à força junto à comunidade brasileira foram imensos. Um grande
esforço de imaginação é necessário para se pensar que alguns índios dessa tribo tenham
se apresentado como “voluntários” para lutar a guerra de seus patrões e conquistadores
apenas alguns anos após seu trágico contato com os neo-brasileiros.
19.
A segunda imagem é o desenho de autoria anônima de um bandeirante se dirigindo aos
seus colegas de trincheira em meio à luta: “Sustentae o fogo que a victória é nossa”
[Figura 2]. O espectador é colocado ao lado e sob as ordens do velho paulista. “Nós,”
paulistas, somos os seus soldados. A utilização de símbolos poderosos do imaginário
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paulista, como a figura dos bandeirantes, mostra a intenção do “Serviço de Informações
e Propaganda da Revolução” em utilizar esses personagens, de triste memória entre
negros e índios que tiveram suas vidas arruinadas por sua intervenção, como líderes da
libertação de toda a população. A pergunta que se faz é: seriam esses os verdadeiros
líderes de todos os paulistas ou apenas de parte deles?
20.
A terceira imagem é a foto de um grupo de homens de terno e colete, com bandeira
paulista desfraldada, que marcha à frente de uma passeata [Figura 3]. A legenda diz: “A
multidão empolgada, vibrante de patriotismo desfila pelas ruas da cidade” (MARTINS,
1954, n/p). Apesar da legenda destacar a participação de uma “ multidão,” o que se vê é
um grupo de homens brancos, bem vestidos, de classe média ou classe média alta,
atravessando uma rua do centro velho de São Paulo. Já a quarta imagem, outra foto,
mostra, sob as arcadas da Faculdade de Direito de São Francisco, um grupo de homens possivelmente estudantes -, todos de chapéu, terno ou paletó posam para o fotógrafo
junto à bandeira paulista [Figura 4]. A legenda diz: “A esse chamado respondem
também voluntários de todas as classes sociais, empolgados pelo movimento”.
21.
Essas duas fotos, entre muitas outras do mesmo gênero, foram selecionadas por sua
tentativa de passar uma imagem de um movimento popular quando nas fotos só
aparecem representantes da classe média ou classe média alta paulistana. É como se a
legenda das fotos e o que a foto mostra estivessem em franca contradição. O que desejo
frisar, porém, não é essa contradição evidente, mas o desejo manifestado por parte da
imprensa e do “Serviço de Informações e Propaganda da Revolução” em promover o
caráter de participação de todas as classes sociais no movimento.
22.
A quinta imagem, publicada na Folha da Manhã e utilizada na campanha “Ouro para o
bem de São Paulo [Figura 5], é um desenho de Benedito Bastos Barreto, o Belmonte conhecido jornalista, desenhista de humor e ilustrador paulistano. Mostra representantes
de todas as classes sociais, sexo e idade doando ouro para financiar o conflito. Lá esta o
menino doando uma moedinha; a elegante mulher que tira o brinco; o burguês que tira o
prendedor de gravata; e uma senhora que traz um jarro de ouro. Chamo a atenção para
um negro idoso, à esquerda, que deposita uma doação na bandeja cheia de joias
encimada por uma cruz: seu terno puído ostenta um broche com as cores paulistas, seu
cabelo branco e sua situação modesta pretendem mostrar a dignidade dos mais pobres e
o envolvimento do proletariado com o movimento. A presença do negro aparece como
uma tentativa de se fazer arte com doutrina, emprestando um caráter de alegoria àquilo
que pretendia ser uma representação realista. Inadvertidamente, assim como os outros
trabalhos examinados, querendo mostrar uma coisa, as imagens acabam por mostrar
outra: procurando enfatizar seu caráter popular, é a expressão de classe dessas imagens
que fica evidente. As imagens, entre as quais o desenho se inclui, são tão favoráveis ao
movimento, as intenções do desenhista e do jornal tão óbvias, que adquirem uma nota
de farsa.
Considerações finais
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23.
O material fotográfico e os desenhos da chamada “Revolução” dão uma ideia
equivocada do Movimento de 32. Como diz o historiador da fotografia Pedro Vasquez,
as imagens nos dão a falsa impressão de que “tudo não passou de uma gincana política,
promovida por animados paulistanos com o fito de obter a Constituição” (VASQUEZ,
1982: 7).
24.
Essa ideias que perdura é fruto do sucesso dos dirigentes paulistas em selecionarem
apenas o material que interessava ao movimento constitucionalista. São essas as
imagens que perduram e que vemos até hoje, em sucessivas reimpressões de material
fac-símile. Onde estão as imagens das deserções em massa depois dos primeiros
sucessos das tropas federais? Onde estão as fotos dos corpos dos mais de 900 mortos e
das famílias desamparadas? Onde estão as fotos das praças vazias? Essas cenas não
aparecem em parte alguma. Não existe uma "interpretação crítica" (CAPELATO, 1981:
8) desse extenso material iconográfico. Perdura, sim, o culto ao que se pretende ser as
“imagens de 32”. Um rápido exame de algumas dessas imagens mostra o quanto elas
são verdades parciais.
25.
A atualidade e a constante reutilização dessas imagens depois de mais de 80 anos do
conflito pela imprensa e em obras acadêmicas recentes (DE PAULA, 1999), mostra o
sucesso espantoso do “Serviço de Informações e Propaganda da Revolução,” bem como
a necessidade de rever alguns de seus postulados. Aliás, sob essa perspectiva de
“manipulação de massas” por meio de fotografias, Vasquez traça um paralelo, “isento de
quaisquer conotações políticas [sic]”, entre as fotos de crianças paulistas de 32,
travestidas de soldados junto a canhões em miniaturas, chupando o dedo sob a legenda
“se preciso também iremos,” e fotos de colegiais berlinenses cantando o hino nacional
alemão na década de 1930 (VASQUEZ, 1982: 10).
26.
Para concluir, pretendi mostrar, por meio de um rápido exame de alguns casos, que
aquilo que conhecemos como as “imagens de 32” são, na verdade, imagens construídas
e utilizadas para estender à totalidade da população do Estado de São Paulo um projeto
político que, na verdade, se limitava a apenas alguns setores de classe média e de elites
ligadas ao café no seu enfrentamento com o governo federal. Seu sucesso enquanto
representação daquilo que deveria ser o caráter do movimento, amplo e democrático,
paradoxalmente, não conseguiu aproximar a memória de 1932 da população. As
imagens do Movimento Constitucionalista continuam limitadas ao espaço da academia,
aos mausoléus e túmulos e celebrações oficiais do dia 9 de julho...
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[1] Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor, entre outros, de Imagens em
desordem: a iconografia da guerra do Paraguai (Humanitas-FFLCH/USP, 2001). Professor na Faculdade
de Comunicações da Fundação Armando Álvares Penteado (S. Paulo) e no Instituto de Artes da UNESP
na Barra Funda (São Paulo).
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19&20 - Entre o riso e o desprezo: Modesto Brocos como crítico na “Terra do Cruzeiro”, por Heloisa Selma Fernandes Capel
Entre o riso e o desprezo: Modesto Brocos como crítico na
“Terra do Cruzeiro”
Heloisa Selma Fernandes Capel [1]
CAPEL, Heloisa Selma Fernandes. Entre o riso e o desprezo: Modesto Brocos como crítico na
“Terra do Cruzeiro”. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/criticas/mb_critico.htm>.
*
*
*
1.
Talvez a manifestação mais explícita das críticas à sociedade brasileira do artista
espanhol Modesto Brocos y Gomes (1852-1936) [Figura 1] esteja expressa em seu livro
“A Questão do Ensino de Bellas Artes”, publicado em 1915[2].
2.
O livro é um manifesto contra o ensino da Escola Nacional de Belas Artes e seu diretor,
antigo amigo de Brocos, Rodolfo Bernardelli, avaliado no livro como homem,
profissional e artista. Após uma viagem realizada à Europa no final do século XIX,
Brocos voltou à “Terra do Cruzeiro” nos inícios da República e escreveu de forma
implacável sobre as condições profissionais e artísticas que encontrou. No livro de 1915,
sob a epígrafe em latim “facit indignatio versum” (a indignação faz o verso)[3], Brocos
bradou contra a escravidão brasileira, para ele “um resto de barbárie” e após tecer
inúmeras críticas ao ensino de arte, centrou sua análise sobre Bernardelli, apresentado
como um homem dissimulado, artista medíocre e sedento de poder[4]. Bernardelli não
havia se convencido de sua insuficiência e da orientação errada que havia dado à Escola
nos vinte e quatro anos em que ocupou a direção, afirmava o artista[5].
3.
Brocos tinha motivos para estar descontente com a Escola de Belas Artes. Por ter sido
nomeado como interino por Bernardelli, precisou deixar o cargo para se dirigir à Europa
no final do século XIX, quando voltou ao Brasil, em 1900, sua antiga ocupação já não
estava garantida. Quando desembarcou no Brasil[6], depois de uma empreitada não tão
bem sucedida na Europa, estavam à sua espera esposa e o filho pequeno, família que
deveria manter com seus recursos de artista imigrante desempregado. Ele considerou:
“tive que lançar mão de todos os meus meios para sobreviver durante onze anos de vida
incerta, podendo parodiar as palavras de Cezar em Munda: ‘Até ali tinha lutado pela
glória, depois lutei pela vida!’”. Brocos vai conseguir se reinserir na Escola, não sem o
custo de muitos desgastes na relação com Bernardelli em suas tentativas de se recolocar
como artista.
4.
Logo que chegou da Europa, Brocos retomou a participação nas Exposições Gerias de
Belas Artes. Para o Salão de 1902 realizou pinturas de paisagem de Teresópolis[7], o
retrato do Sr. Dr. Duran[8], Benfeitor da Sociedade Espanhola de Beneficência, e
algumas águas fortes sem maiores repercussões, a não ser por seu apuro técnico[9].
Para o Salão de 1904, pintou o quadro Cena Doméstica[10], que Gonzaga Duque
interpretou como obra “fria, desajeitada e banal”, comparando-o a Almeida Junior que,
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segundo o crítico, havia se tornado, com o tempo “um pintor pastoso, amaneirado e
duro”. Gonzaga Duque, entretanto, atribuiu à obra de Brocos certa importância, devido
ao fato dos pintores terem “associado cenas de costumes à tentativa de fundamentar uma
arte nacional”, mas considerou que o exemplo poderia ser “atenuado pelo apuro
educativo de novos artistas”[11]. Ou seja, era mais um quadro de gênero um pouco fora
de moda, na interpretação do crítico. Frei Frapesto também considerou a falta de
atualidade do quadro e argumentou que, por apresentar um tema rural em tempos que
“evoluíam a passos acelerados”, era um “brado hostil e rancoroso de reacionarismo, que
apresentava em processos antiquados de refinação do açúcar, uma mulher acocorada
numa cozinha lôbrega que mexia e remexia um caldeirão colocado sobre um
braseiro”[12].
5.
Brocos continuou expondo paisagens e retratos nos Salões de 1905[13] e 1907 e, neste
último, Bueno Amador diz que seu retrato de Olavo Bilac era de “ingrata fatura e
colorido fantasiado” e sua vista do Bico do Papagaio “uma paisagem seca em que se
sente falta de ar e luz”[14] - eram telas que, segundo Amador, Brocos havia pintado com
“má vontade”. Em 1909, Brocos apresentou o que expressaria sua nova aposta: um
busto e a maquete do frontão da Biblioteca Nacional, referidos no Jornal do Commercio
como arte em que as figuras alegóricas formavam um conjunto “airoso e delicado”[15].
6.
Em síntese, ao voltar aos trópicos, Brocos se deparou com uma nova conjuntura
político-artística e suas velhas estratégias precisaram ser repensadas. Ao lado das
dificuldades próprias das exposições e do complexo lugar estratégico ocupado pela
Escola nos inícios da República, Brocos procurou manter a subsistência de sua família
com um tipo de arte mais vendável e encontrou dificuldades em recolocar-se nos novos
contornos institucionais arquitetados por Rodolfo Bernardelli. O crítico Gonçalo Alves
deu o tom a que a pintura de Brocos tomaria nesse novo momento: Nas Notas do
“Salon” de 1912, Gonçalo Alves refere-se a Brocos como um “medalhão
enferrujado”[16].
7.
Brocos tentou retornar à ENBA por ocasião do falecimento do professor de Desenho
Figurado Daniel Berard (1846-1906)[17], mas Rodolfo Bernardelli, velho amigo da
antiga Academia negou-lhe a solicitação, dizendo que Belmiro de Almeida já lhe havia
feito o mesmo pedido e que a vaga estava “reservada para os moços, pois os velhos ele
já conhecia”. Brocos respondeu-lhe que “os moços poderiam esperar”; deixou o recinto
magoado, relembrando que foi a pedido dele e sob suas promessas que deixou seu cargo
de professor de xilografia nas Escolas de Segundo Grau em 1891 para assumir a cadeira
de modelo vivo na recém-criada Escola Nacional de Belas Artes[18]. A despeito do
incidente, segundo Brocos, em função das articulações do político que se tornaria
Ministro da Fazenda, Dr. Rivadavia[19], Bernardelli não teve outra opção a não ser
propor a Brocos um novo cargo interino, o que foi confirmado pela Reforma da Escola
de 1911.
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8.
Eram muitos os motivos de descontentamento de Brocos quando escreveu o livro sobre
Bernardelli. Todavia, a crítica à Escola e a Bernardelli não foi completamente escrita
com discurso direto e palavras ásperas. Brocos articulou a apreciação crítica de maneira
engenhosa, marcando seu texto com argumentações fundamentadas em estatutos e leis
de ensino desde o Império e trechos de relatos marcados entre tons (auto)biográficos e
narrativas ficcionais. Para falar do pouco talento de Bernardelli, por exemplo, Brocos
inventou uma história imaginativa de como na Academia de S. Fernando, em Madrid, o
pintor espanhol e diretor do Museu do Prado Francisco Pradilla[20] havia defendido
Bernardelli como correspondente brasileiro, contra os argumentos dos artistas espanhóis
que consideravam Bernardelli um escultor que “não sabia fazer vibrar a musculatura de
suas estátuas equestres”, nem representar Cristo [Figura 2], que em suas mãos parecia
um “mouro de Tânger”[21]. Ao final da história imaginada, Pradilla implorava aos seus
interlocutores para aprovarem Bernardelli, que, afinal, poderia ajudá-los a vender
quadros espanhóis no Rio de Janeiro, pois o diretor ocupava um cargo que lhe permitia o
controle alfandegário exercendo poder de avaliação do que seria considerado como “boa
arte”.
9.
Brocos completou a crítica a Bernardelli postando-se como um europeu experiente que
acreditava que a causa dos males da falta de desenvolvimento das artes no Brasil estaria
ligada, primeiro, à falta de fortuna (e a instabilidade dos poucos que a possuíam) além
da falta de gosto e discernimento da população, pouco formada no assunto. Brocos
defendia o ensino das chamadas “artes de ofício” para instruir o povo nas questões de
arte e ainda arrematava que a crítica no país era feita por repórteres, jornalistas sem
formação - homens que por algum dinheiro faziam elogios encomiásticos[22] em termos
empolados. E para reforçar a ideia, contava outra história: conheceu repórteres metidos a
críticos que tinham tanta consciência do que iam escrever que nas vésperas da abertura
da Exposição Geral faziam a ele a singular pergunta: “Diga-me, depois do seu trabalho,
qual o que acha melhor?”[23]
10.
Tal forma de apresentar a crítica parece ter sido um traço da pena e do pincel de Brocos.
Interpretado, talvez equivocadamente, como um defensor do projeto de
embranquecimento no Brasil, Brocos se expressa com sutil humor, traço marcado em
nuances entre o riso e o desprezo. Para apresentar os indícios dessa característica,
utilizemos como lente auxiliar as argumentações sobre o poder do riso como tema
humanista nas análises do historiador britânico Quentin Skinner, além das
caracterizações do riso como ironia no livro Anatomia da crítica de Northop Frye e, em
função da obra utópica de Brocos, Viaje a Marte, as discussões sobre o humor em temas
utópicos.
11.
Segundo Skinner, um dos aspectos do discurso persuasivo que foi herdado da cultura
retórica da antiguidade pelo humanismo foi a ideia que o riso poderia ser usado como
arma em debates legais e políticos. O autor diz que Thomas Hobbes (1588-1679) se
baseou nas argumentações do professor de retórica Quintiliano (35 d.C. - 100 d.C.) para
afirmar o seguinte princípio: podemos ser bem sucedidos se fizermos que nossos
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adversários pareçam ridículos, provocando o riso contra eles. Hobbes teria utilizado de
sátira sobre os estudos escolásticos e a teologia católica por meio de piadas e sarcasmos;
isso teria dado a ele uma consciência clara de que é possível falar e escrever em tom
zombeteiro, em uma perspectiva que aproxima o riso do desprezo. Em conferência
realizada na Sorbonne em 2001,[24] Skinner complementa dizendo que a emoção
expressa pelo riso é sempre uma mistura de alegria e escárnio, aspecto que se tornou
proeminente no primeiro período da filosofia moderna[25].
12.
Baseado na tradição aristotélica, Hobbes admite que a alegria induzida pela zombaria
poderia ser considerada uma expressão de desprezo, pois para Aristóteles (385 a.C - 322
a.C), em sua Retórica, entre as origens do prazer estariam “as ações, os ditos e as
pessoas ridículas”. Na Poética aristotélica, por sua vez, o filósofo também assinala que
na mimese da comédia haveria o tratamento do que é risível, sendo o risível um aspecto
do vergonhoso, do feio, do baixo: rimos de outras pessoas, explica-nos, porque elas
exibem alguma falta ou marca constrangedora que, enquanto não dolorosas, as torna
ridículas. Importante observar a medida: marca constrangedora com alguma parcimônia
na dor, pois há uma medida para o que é risível e passível de escárnio. Dessa forma,
interpreta Skinner, para Aristóteles são especialmente risíveis os inferiores, sobretudo os
moralmente inferiores, embora os não completamente depravados. A associação do riso
com desprezo em Aristóteles foi interpretada pela linha de pensamento médico e pelos
retóricos.
13.
Skinner cita a carta de Hipócrates (460 a.C. - 370 a.C.) sobre Demócrito (460 a.C. - 370
a.C) que narra a seguinte história, importante para nos dar pistas sobre o riso em
Modesto Brocos: Demócrito, já idoso, é visitado por um cidadão que diante dele
derrama muitas lágrimas, chora como uma mãe que perdeu um filho. Diante da cena,
Demócrito permanece impassível e apenas sorri. Desta reação aparentemente insensível,
Demócrito teria explicado: “estou apenas rindo da humanidade, cheia de loucura e vazia
de quaisquer boas ações, e de um mundo em que os homens se consomem com coisas
ridículas”, o que é interpretado como um ato de suprema sabedoria por Hipócrates.
Skinner identifica que por meio de Cícero (106 a.C. - 46 a.C.) e de Quintiliano (35 d.C. 100 d.C.) os retóricos também associaram o riso ao desprezo, ao que é moralmente
indigno, em suma, associaram o riso à derrisão.[26] Na teoria clássica do riso, segundo
Skinner, rimos não só para expressar alegria, mas para “transmitir uma sensação de
superioridade escarnecedora e desdenhosa”[27].
14.
Mas o que isso tem a ver com nosso artista “crítico” Modesto Brocos? Fiquemos com o
riso como arma para tratar com desdém os inferiores, os moralmente indignos, o riso
como desprezo e indicador de uma “superioridade escarnecedora e desdenhosa”. Brocos
não era propriamente um humanista, mas era um europeu que tomou contato com a
retórica clássica, vide seu livro Retórica dos Pintores (1933), escrito com a proposta de
associar à pintura os passos da retórica textual (invenção, disposição, elocução,
pronunciação e fundo)[28]. Brocos é claro ao defender o tratamento das cores e gestos
em um quadro[29], elementos que deveriam ser usados nos temas em que o tom patético
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seria enfatizado: além de gestos veementes, realizar o quadro em tons agrios, ácidos,
acres. [30] Foi exatamente o que fez Brocos em Redenção de Cã (1895) [Figura 3].
15.
Embora tenha sido apropriado como defensor do embranquecimento nessa obra, o tema
é tratado com uma estrutura jocosa desde o início. Noé bêbado teria amaldiçoado Cã por
tê-lo visto nu, mas Brocos o “redime” apresentando-o sob a estrutura da “sagrada
família”, em gestos veementes, superlativos, e tons ácidos. Jesus, o dono do mundo nos
ícones religiosos, na obra segura uma laranja. O olhar do pai, interpretado por alguns
como “orgulhoso”, parece ser mais um olhar de incredulidade sobre o projeto narrativo
que envolve as três figuras a seu lado. Um olhar de superioridade que se completa nos
gestos e atos contínuos que culminam no agradecimento da personagem mais inferior do
quadro: a negra de origem africana que estende os braços aos céus. Os dedos em gesto
trinitário da criança se movimentam em linha fluida com o da indicação dos dedos da
mãe, epítome da Virgem Santa, e com as mãos abertas da negra que agradece. É um
gesto dinâmico e contínuo da qual a figura europeia (e branca) do quadro não participa.
Três gerações contínuas observadas pelo olhar incrédulo do homem à direita, o que
fecha suas mãos sobre os joelhos.
16.
Brocos não inventou a temática: ela lhe foi sugerida nas aulas realizadas com seu antigo
mestre Victor Meirelles quando tinha apenas 24 anos. O tema bíblico sugerido era “Noé
bêbado”[31], história do mito de Cam que justificou a escravidão nos período das
conquistas ultramarinas ao fim do medievo[32]. Brocos veio de família republicana e
isso fez dele um herdeiro de críticas à religião e à manutenção da escravidão[33]. Um
dos críticos da Redenção de Cã em 1895 chegou a dizer que a tela tratava de um tema
tabu no final dos Oitocentos[34]. Era um tema vergonhoso, por tal motivo, sujeito ao
riso.
17.
Em entrevista ao curador de arte Paulo Herkenhoff, a neta de Brocos, Ariclés, disse que
ele nunca foi defensor do projeto de embranquecimento[35]. Aqui, Brocos ri dos
escravos que querem ser brancos, dos europeus que julgam o projeto impossível e dos
grupos que defendem o processo de miscigenação. Negros eram moralmente indignos e
inferiores, portanto risíveis. Como apresentar o assunto, todavia, sem ferir
suscetibilidades no período? Com toques sutis de cor apropriada para os temas do riso,
com o riso análogo ao de Demócrito que ri, mas ri de forma sutil. Brocos também trata o
tema com sutileza e incorpora personagens e símbolos religiosos de maneira
aparentemente séria, pois o riso que a obra provoca é um riso contido, em que ficamos
em dúvida se devemos mesmo rir. Essa dúvida, justa medida do riso transportada para a
tela com inspiração na tradição clássica, é que o crítico Northop Frye define como o riso
do ciclo do inverno, o riso irônico. Como afirma Frye:
18.
A principal distinção entre a ironia e a sátira é que a sátira é a ironia militante:
suas normas morais são relativamente claras, e aceitam critérios de acordo com
que são medidos o grotesco e o absurdo. A invectiva abrupta ou xingamento é
sátira em que há relativamente pouca ironia: por outro lado, sempre que um leitor
não esteja certo de qual seja a atitude do autor ou de qual suponha ser a sua,
temos ironia com relativamente pouca sátira.[36]
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19.
Por fim, para completar sua crítica, a ironia de Brocos vai tomar formas mais radicais
no livro em que se lança abertamente à ficção, seu Viaje a Marte, publicado em 1930.
Aqui, Brocos mais uma vez lida com o tema racial, mas com estratégias radicais de
miscigenação e práticas eugênicas. A relação crítica com a religião está presente mais
uma vez. No livro de Brocos, vamos encontrar ideias como a esterilização de pessoas
com males incuráveis ou mesmo a separação por município de crianças nascidas com
algum tipo de defeito físico para afogamento em uma piscina. Na ficção, Brocos
considera que as mulheres mais saudáveis e belas deveriam ser escolhidas para procriar,
esterilizando-se as demais.
20.
Embora Modesto Brocos y Gomez tenha enfatizado sua intenção de construir uma
ficção que poderia se realizar no futuro, seu texto tem um traço de humor, o mesmo que
encontramos em A Redenção de Cã - neste caso, um sutil traço anedótico.
21.
As anedotas, em seu modo satírico, são comuns nos textos utópicos. Segundo Ribeiro,
[37] o modo satírico pode ser identificado em obras que não pertencem ao gênero da
sátira, mas que a utilizam de algum modo. As sátiras mais antigas, denominadas
Menipéias[38], por exemplo, possuíam hibridismo formal e a presença de certa
ambiguidade, o que faria com que aquele que a lesse ficasse em dúvida se era uma obra
“séria” ou “cômica”.
22.
O hibridismo formal das utopias seria, então, uma questão comum, havendo mistura dos
gêneros histórico, ficcional, retórico e mesmo filosófico. No jogo de desejo de perfeição
da utopia, há muita inverossimilhança, traço que acentua o fato que a utopia é,
fundamentalmente, um discurso crítico de sua época. Para Ribeiro[39], é justamente
esse jogo entre verossimilhança versus inverossimilhança que torna o texto irônico e
ambíguo.
23.
A ideia da unificação das raças está presente em Viaje a Marte; nela, algumas
especificidades se constituem no jogo da inverossimilhança, acentuado desde as utopias
renascentistas. O autor quer que suas ideias sejam praticadas, mas, ao mesmo tempo,
dedica um significativo espaço para conjecturar acerca de instituições, como as
religiosas, que, em seu texto tomam força como ideias absurdas para enfatizar os
estranhamentos próprios em textos com modo anedótico. Como exemplo, examinemos
sua defesa de uma ordem religiosa, a das “Hermanas Humanitárias”.
24.
A “Hermandad de Las Hermanas Humanitárias” seria uma estratégia de grande
destaque na cultura marciana. Por meio dela, muitos aspectos da sociedade poderiam ser
corrigidos: da ordenação dos impulsos sexuais de conservação da espécie às práticas
assistencialistas que envolviam trabalhos em asilos, internatos e hospitais. As
“Hermanas Humanitárias” são apresentadas formalmente como irmãs de caridade, mas,
na prática, agem como prostitutas: suas funções sexuais são claras, como atender às
“necessidades masculinas” zelando pela saúde, moralidade, práticas de higiene e
prevenção de doenças. As “Hermanas”, inclusive, eram recrutadas em grupos para
atender ao exército.
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25.
No capítulo em que o ilustrado personagem Feijoó explica sobre as “Hermanas”, fica
claro que a instituição se originou pelo fechamento de conventos nos “tempos bárbaros
na Terra”. Os conventos haviam sido retiros de pessoas “ociosas”, que viviam uma “vida
egoísta e folgazã”[40]. Com as reformas, houve substituição dos conventos pelas casas
das “Hermanas”, advindas das casas de prostituição, que “na Terra nunca foram
devidamente valorizadas”[41]. Na ficção de Brocos, as reformas em Marte deram outro
status às prostitutas (embora o autor não use explicitamente esse nome), conferindo a
elas uma posição de respeito e consideração das autoridades. As “Hermanas” possuíam
espaços reservados nos teatros e igrejas e fora de seu ministério eram tratadas como
virgens[42].
26.
O recrutamento de tais mulheres ocorria por indicação das comunidades locais de
higiene e elas eram escolhidas entre “as que não estavam aptas ao matrimônio,
principalmente as histéricas, as de temperamento ardente e as voluntárias”[43]. Logo em
seguida, o autor escreve que elas eram de todas as camadas sociais e que entrariam na
irmandade a fim de serem “esposas da humanidade”, em uma “orgulhosa, saudável e
benéfica missão”[44]. Os homens que visitavam as “Hermanas” contribuíam com uma
“limosna”[45], que servia para as despesas do convento[46].
27.
A obra Viaje a Marte, bem como o quadro Redenção de Cã, mostram a visão do pintorescritor espanhol sobre a questão racial no Brasil. O que hoje vemos como racismo é a
forma como se apresentava o debate sobre miscigenação, as ideias utópicas de equilíbrio
entre as raças. Na obra de Brocos, a sátira e o modo anedótico estão presentes, de forma
que se cria certa ambiguidade, também uma característica das utopias. O tom crítico,
irônico e principalmente anedótico[47] na obra de Brocos seria, nessa perspectiva, uma
forma de acentuar o estranhamento em relação ao seu mundo conhecido, a “Terra do
Cruzeiro”. Terra de pouca formação artística e com inúmeros desafios sociais e
políticos.
Referências bibliográficas
BROCOS, Modesto. A Questão do Ensino de Bellas Artes. Seguido da Crítica Sobre a Direção
de Bernardelli e Justificação do Autor. Rio de Janeiro: 1915.
_____. Retórica dos pintores. Rio de Janeiro: Typ. D’A Industria do Livro, 1933. DAZZI,
Camila (org.). Retórica dos pintores, de Modesto Brocos (versão integral). 19&20, Rio de
Janeiro, v. V, n. 1, jan. 2010. Disponível em:
http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/brocos_retorica.htm
_____. Viaje a Marte. Valencia: Ed. Arte y Letras, 1930.
FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica. São Paulo: Cultrix, 1957.
HERKENHOFF, Paulo. Corpo, Arte e Filosofia no Brasil. Disponível em:
www.seminariosmv.org.br/2007/textos/txt_paulo.pdf Acesso em 14/10/2012.
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MACEDO, José Rivair. Os Filhos de Cam: a África e o saber enciclopédico medieval. Signum:
Revista da ABREM, Vol. 3, p. 101-132, 2001.
RIBEIRO, Ana Cláudia Romano. A Utopia e a Sátira. Morus - Utopia e Renascimento.
Campinas - SP: UNICAMP - IEL - Setor de Publicações, n. 6, p. 139-147, 2009.
SKINNER, Quentin. Hobbes e a Teoria do Riso. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2004.
______________________________
[1] GEHIM/ CNPq - Programa de Pós-Graduação em História/ UFG
[2] BROCOS, Modesto. A Questão do Ensino de Bellas Artes. Seguido da Crítica Sobre a Direção de
Bernardelli e Justificação do Autor. Rio de Janeiro: 1915.
[3] Frase do poeta e retórico romano Juvenal (c. 55 - c.127) que dizia “a ira serve, às vezes, para inspirar
os poetas”.
[4]BROCOS, idem, p.95-113.
[5] Idem.
[6] Brocos viaja para a Europa em 1896. No ano de 1900 retorna ao Brasil.
[7]“Do Sr. Modesto Brocos há duas vistas de Teresópolis, tiradas de pontos vizinhos do local denominado
Barreira, na estrada que conduz aquela pitoresca e aprazível cidade. São feitas na hora melancólica e
nostálgica do crepúsculo, e despertam certa sensação de tristeza e de saudade, principalmente de quem
tiver trazido recordações de dias felizes passados naquele delicioso recanto”. Notas de Arte. Jornal do
Commercio, Rio de Janeiro, 12 set. 1902, p.3. Da inauguração do evento há uma nota na Gazeta de
Notícias dizendo que o Dr. Campos Salles, Presidente da República, havia se demorado em frente de
alguns retratos de Modesto Brocos. Ver Exposição Geral de Belas Artes. A Inauguração. Gazeta de
Notícias, Rio de Janeiro, 2 set. 1902, p.2. Disponível em 19 & 20.
[8] Possivelmente D. Daniel Duran, Vice-Presidente da Sociedade Española de Beneficência. No Ofício
de 12 de janeiro de 1907 faz-se constar haverá inauguração do retrato de D. Daniel Duran com pompa.
Ofício ao Sr. D. Manuel Castro Gonzalez. Estatuto de La Sociedad Española de Beneficencia (1866).
Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1907. Copiador de Ofícios, p.266. Disponível em:
www.hospitalespanholrj.com.br/download/transcricoes/ Acesso em 06/05/2015.
[9] Salão de 1902. Vernissage. A Notícia, Rio de Janeiro, 30-31 ago. 1902, p.3. Disponível em 19 & 20.
[10] Trata-se de um quadro que representa o interior de uma modesta habitação rural.
[11] DUQUE, Gonzaga. O Salão de 1904. Kósmos, Rio de Janeiro, set. 1904, n/p. Disponível em 19 &
20.
[12] FREI FRAPRESTO. IMPRESSÕES DO "SALÃO". A Noticia, Rio de Janeiro, 13-14 set. 1904, p. 2..
[13] “Modesto Brocos concorre com brilho ao nosso anual certame artístico”. V. V. O Salão. O Paiz, Rio
de Janeiro, 9 de set. 1905, p. 2. Em 1910, Brocos expõe o quadro do Sr. Azeredo Coutinho; cfr.: Notas de
Arte. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1 set. 1910, p. 6
[14] “[...] Tais telas revelam que o artista não as pintou bem disposto ou com muita boa vontade, pois
quem conhece M. Brocos sabe que ele é capaz de coisa melhor do que as telas atualmente expostas”.
AMADOR, Bueno. Belas-Artes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 set. 1908.
[15] Notas de Arte. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 9 set. 1909, p. 3
[16] Ao elogiar um retrato de Angelina Agostini, Gonçalo Alves considera: “Esse retrato, do modo por
que está executado, põe numa bagagem de algumas milhas a obra de fancaria dos medalhões enferrujados
como Aurélio de Figueiredo e Modesto Brocos”. ALVES, Gonçalo. Notas do “Salon” - Angelina Agostini.
A Noite, Rio de Janeiro, 6 set. 1912, p. 1. A Noite era um jornal vespertino que circulou no RJ entre 18 de
junho de 1911 e 27 de dezembro de 1957, quando foi extinto.
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[17] François-Marie Daniel Bérard (Rio de Janeiro RJ 1846 - Maceió AL 1910). Pintor, professor e
desenhista. Obtém bolsa de estudo da Academia Imperial de Belas Artes para estudar na Europa. Na
França, freqüenta o ateliê do pintor Pill, e cursa a Escola de Belas Artes de Paris, tendo aulas com Henri
Lehmann e Gustave Jacques. De volta ao Brasil, integra um grupo de artistas pernambucanos e instala
ateliê permanente no Liceu de Artes e Ofícios de Recife. Em 1894, fixa residência no Ceará.
[18] BROCOS, 1915, p. 104
[19] Rivadávia da Cunha Correia (1866-1920). Ministro da Fazenda no Governo Hermes da Fonseca
(09/05 a 11/08/ 1913 como interino) e como efetivo de 11/08 a 15/11/1914. Prefeito do Rio de Janeiro de
1914 a 1916.
[20] Francisco Pradilla y Ortiz (1848-1921) foi um pintor espanhol, diretor da Real Academia de Espanha
em Roma e do Museu del Prado em Madrid.
[21] BROCOS, Idem, p. 86
[22] Relativo a encômio; que louva ou contém louvor.
[23] BROCOS, Ibidem, p. 56
[24] Sobre A Filosofia e o Riso no ano de 2001.
[25] SKINNER, Quentin. Hobbes e a Teoria do Riso. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2004, p. 10-14
[26] No livro De Oratore, ao discursar sobre o risível, o personagem César afirma que o riso está restrito a
temas indignos ou deformados. E Quintiliano completa em seu Instituto Oratoria que “o riso tem sua
origem em coisas que são de algum modo deformadas ou indignas” (Ibidem, p. 20-21).
[27] Ibidem, p. 63
[28] Assim como todo homem pode fazer a descrição do que viu na escritura, por que não poderia
descrever a mesma cena na pintura? Brocos (1933).
[29] Etapa da elocução retórica para Brocos: “Elocução refere-se à boa execução do quadro, que na
plástica, a habilidade do pincel e o colorido vai de acordo com o assunto” (BROCOS, Modesto. Retórica
dos pintores. Rio de Janeiro: Typ. D’A Industria do Livro, 1933, p. 10).
[30] BROCOS, Modesto. Viaje a Marte. Valencia: Ed. Arte y Letras, 1930, p. 99
[31] BROCOS, Modesto. A Questão do Ensino de Bellas Artes, Seguido da Crítica sobre a Direção
Bernardelli e Justificação do Autor. Rio de Janeiro, 1915, p. 9.
[32] A esse respeito ver MACEDO, José Rivair. Os Filhos de Cam: a África e o Saber Enciclopédico
Medieval. Signum: Revista da ABREM, Vol. 3, p. 101-132, 2001.
[33] Ver, a esse respeito, a biografia de Isidoro Brocos (1841-1914), pai de Modesto Brocos. Disponível
em: http://coleccion.abanca.com/gl/Coleccion-de-arte/Artistas/ci.Isidoro-Brocos.formato7.html Acesso em
maio, 2015.
[34] Ao comentar sobre o quadro após a exposição na Escola Nacional de Belas Artes em 1895, um
crítico de arte do Jornal do Commercio datado de 7 de setembro de 1895 chega a dizer que “o tema é
delicado para o trato público: [...] o assunto em si é pouco delicado para ser assim publicamente tratado:
envolve fatos sociais que realmente se dão, mas que não são aceitos na ordem geral das coisas. Fere
preconceitos ainda arraigados em muitos espíritos e, para ser compreendido, demanda explicações
demasiadamente delicadas para serem franca e claramente expostas.” NOTAS SOBRE ARTE. Jornal do
Commercio, Rio de Janeiro, 7 set.1895, p. 2.
[35] Segundo Paulo Herkenhoff, curador de arte e diretor do Museu Nacional de Belas Artes (2003-2006)
o depoimento de Aricles, neta de Modesto Brocos, contradiz que o pintor comungava com a ideia de
embranquecimento. HERKENHOFF, Paulo. Corpo, Arte e Filosofia no Brasil. Disponível em:
www.seminariosmv.org.br/2007/textos/txt_paulo.pdf Acesso em 14/10/2012.
[36] FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica. São Paulo: Cultrix, 19571957, p. 219
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19&20 - Entre o riso e o desprezo: Modesto Brocos como crítico na “Terra do Cruzeiro”, por Heloisa Selma Fernandes Capel
[37] RIBEIRO, 2009, p.140
[38] Sátiras que encontram sua formalização literária em Menipo de Gadara (séc. IV e III a.C.) e que
podemos ler em Diógenes Laércio (200 - 250d.C.).
[39] RIBEIRO, Ana Cláudia Romano. A Utopia e a Sátira. Revista Morus - Utopia e Renascimento.
Campinas - SP: UNICAMP - IEL - Setor de Publicações, n. 6, 2009, p. 139-147.
[40] BROCOS, Viaje a Marte, p. 224
[41] Ibidem, p. 229-230.
[42] Embora enfatize a valorização social das “Hermanas”, Brocos acaba por deixar à mostra os
paradoxos da função quando explica como são recrutadas, ou mesmo, ao detalhar algumas das tarefas a
que estavam submetidas essas mulheres. As “Hermanas” limpavam o convento e, dentre elas, havia
jovens enviadas para lá como castigo por algum juiz.
[43] BROCOS, Viaje a Marte, p. 226.
[44] Idem.
[45] Dinheiro que, tradicionalmente, definido nos Evangelhos e no Cristianismo Primitivo, se oferece, em
troca de nada, aos pobres e necessitados, à conservação de templos ou para o clero.
[46] As “Hermanas” faziam voto de pobreza, portanto, não poderiam receber presentes ou pecúnias que as
levassem a algum tipo de enriquecimento.
[47] A anedota é aqui compreendida como um modo satírico que se utiliza de narrativas. Destaque-se que
o pintor escritor possuía afinidades com o gênero, como comprovam suas xilogravuras publicadas no
jornal satírico republicano O Mequetrefe (1875). Na obra de Brocos y Gomez, portanto, encontraremos
traços críticos, usados com recursos de estranhamento pelo inverossímil, estratégias que se expressariam,
muitas vezes de modo irônico. Sua relação com a conjuntura histórica ocorre em perspectiva performática
e contingencial, com tons anedóticos.
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Arquitetura Civil da segunda metade do século XIX em BelémPA: estudo dos elementos compositivos e da geometria de
fachadas [1]
Juliane Oliveira Santa Brígida[2] e Cybelle Salvador Miranda[3]
BRÍGIDA, Juliane Oliveira Santa; MIRANDA, Cybelle Salvador. Arquitetura Civil da segunda
metade do século XIX em Belém-PA: estudo dos elementos compositivos e da geometria de
fachadas. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/arqcivil_para.htm>.
*
*
*
Introdução
1.
Vistos os objetivos almejados pela pesquisa “Classicismo nos hospitais da Misericórdia
e da Beneficência na 2ª metade do século XIX: trânsito entre Brasil e Portugal,” esta
pesquisa intentou analisar as fachadas dos atuais prédios do Arquivo Público do Estado
do Pará e da Academia Paraense de Letras, tendo como embasamento a compreensão da
“nova” arquitetura na cidade de Belém da segunda metade do século XIX, com
predominância de traços clássicos.
2.
Este trabalho se insere em uma incursão preliminar através do classicismo em Belém,
de modo a entender as variadas influências do período inicial da Belle Époque paraense,
no tempo decorrido entre as obras de Landi na segunda metade do século XVIII e dos
italianos como Santoro e Gino Coppedè (co-autor do Palácio da Intendência), assim
como Manoel Odorico Nina Ribeiro e José Sidrim (final do século XIX).
3.
Derenji (1998) afirma que os prédios monumentais construídos em Belém no período
entre 1870 e a proclamação da República apresentam um classicismo tardio, que pode
ser exemplificado no Palacete Municipal (1868) e o Teatro da Paz (1869-1875). A
utilização da simetria, ordens sobrepostas, pórticos com arcadas ou colunas revelam a
intenção clássica dos projetistas que adotavam repertório palladiano[4], apesar do fato
de que a leitura das fontes pudesse ser inexata.
4.
Portugal, por trezentos anos, é a origem de toda e qualquer referência arquitetônica
brasileira até o período imperial, quando ocorre uma inversão no fluxo de influências.
Houve, então, a produção de uma arquitetura inovadora - o “classicismo imperial
brasileiro” - somente três décadas após sua independência. Este novo estilo é adotado
pela ex-metrópole e é designado como “classicismo à brasileira” por Alberto Sousa em
seu livro A variante portuguesa do classicismo imperial brasileiro (2007).
5.
A tendência obteve destaque nas obras públicas, sendo o primeiro exemplar de tal estilo
o edifício da Academia Militar do Rio de Janeiro, projetado pelo engenheiro francês P. J.
Pezérat na segunda metade dos anos 1820, por causa das alianças de tradições
arquitetônicas luso-brasileiras, compondo assim uma frente moderna e classicista.
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Destarte, também serve de exemplo o Hospital da Beneficência Portuguesa no Rio de
Janeiro (1853-1858) detentor de diversas características do classicismo imperial
brasileiro.
6.
O começo do classicismo à brasileira na arquitetura pública em Portugal, ainda será
bastante dependente do modelo brasileiro. As principais divergências entre os dois
estilos - apesar de serem muito correspondentes entre si - são as platibandas, a
fenestração do primeiro pavimento e a faixa de separação dos movimentos. As
construções do “classicismo à brasileira” serão habitações ao mesmo tempo
unifamiliares e coletivas, visto que as residências virão antes que os prédios públicos.
Na maior parte dos casos, se destacarão elementos arquitetônicos repetidos nas
frontarias, vãos encimados por verga semicircular e emprego de platibandas, cheias ou
vazadas.
7.
Esta arquitetura sobressai-se pelo emprego das platibandas, sendo no “classicismo
imperial brasileiro” mais utilizada a platibanda cheia e no “classicismo à brasileira” são
empregadas as platibandas vazadas e com balaústre. É esse o elemento que define o
estilo, tendo em consideração que a existência deste traço e de vãos encimados por
vergas semicirculares serão primordiais para avaliá-lo como “classicismo imperial
brasileiro,” mesmo que em algumas obras encontrem-se variações.
8.
Considerando as observações de Sousa (1994), a filiação não fora ainda caso de análise
dos pesquisadores portugueses, exceto a tese de doutorado da Profª. Raquel Henriques
da Silva, Lisboa Romântica - Urbanismo e Arquitectura, 1777-1874, defendida em 1997
na Universidade Nova de Lisboa (FCSH), que utiliza a denominação revivalismo
classicista, considerando incorreto denominar “neoclassicismo tardio.” As ideias de
Sousa incitam o interesse no estudo de tais manifestações, evidenciando a arquitetura
pública, e nos entrelaçamentos migratórios entre as antigas colônia e metrópole.
Arquivo Público do Estado do Pará e Academia Paraense de Letras
9.
Nesta pesquisa, foram realizados estudos de caso em dois prédios atribuídos a um
mesmo arquiteto: o prédio onde funciona o Arquivo Público do Estado do Pará [Figura
1] e a atual sede da Academia Paraense de Letras [Figura 2].
10.
Segundo Lucas Nassar Sousa (2007), o edifício do Arquivo Público do Estado do Pará
(APEP), tombado pelo Governo do Estado como patrimônio cultural paraense, pertence
ao final do século XIX e detém características neoclássicas. Sousa também compara a
instituição com os arquivos do Rio de Janeiro, Paraná e Pernambuco, visto que tem mais
de quatro milhões de documentos que abrangem os séculos XVII, XVIII, XIX e XX: o
que resulta no fato de o Arquivo ser o quarto maior arquivo brasileiro e o principal
ligado ao estudo da história amazônica.
11.
Criado a partir da lei nº 164, de 31 de maio de 1894, o Arquivo é sediado no prédio
comprado um ano antes pelo governo do Estado. Anteriormente, o edifício havia sido
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sede do Banco Comercial do Pará. A primeira reforma mencionada por Lucas Nassar
Sousa (2007) ocorreu no ano de 1894 e foi registrada no Relatório de Américo Santa
Rosa, então Diretor de Obras Públicas; em 1897 outras reformas são executadas, embora
de pequeno porte. Posteriormente, em 1901, o Governador Augusto Montenegro dá
nova organização ao Estado, fundando três secretarias e instituindo o anexo da
Biblioteca Arthur Vianna no Arquivo Público. Em 1927, novas reformas são relatadas e
em 1978 a Biblioteca Arthur Vianna é separada do Arquivo. Entre maio de 1989 e
fevereiro de 1991, o Arquivo Público do Estado do Pará sofre sua última restauração
executada pelo Grupo Verdi de São Paulo: nessa restauração foram demolidas paredes,
pisos e forros, além de novas instalações e estruturas terem sido executadas.
Atualmente, o monumento é classificado como de preservação integral; desse modo,
suas características externas e internas são de interesse à preservação.
12.
A respeito da Academia Paraense de Letras, inaugurada em 2 de dezembro de 1874 com
projeto do arquiteto P. J. Branco e construção do empreiteiro João Francisco Fernandes.
Azevedo (2013) relata que o prédio primeiramente dava sede à “Escola Normal” e
“Escola Prática,” esta sendo anexa à primeira. Posteriormente a 1888, a “Junta de
Higiene” foi ali situada, bem como o “Clube 13 de Maio,” que permaneceu no prédio
até 1891, período em que este passou por uma reforma para que fosse adequado para
abrigar o Museu Paraense Emílio Goeldi, já no governo republicano do Dr. Justo
Chermont. O Museu ocupou o prédio de setembro de 1891 a abril de 1895, sendo depois
sede do Conservatório de Música (atual Instituto “Carlos Gomes”), de acordo com a
documentação do relatório de 1905 do Intendente Antônio José de Lemos. Após esse
período, o prédio foi utilizado pelo Laboratório do Estado e demais serviços de higiene,
até que em 1975 uma reforma foi projetada pelo arquiteto David Lopes na gestão do
governador Aluísio Chaves em que apenas a caixa externa do construto permaneceu
inalterada.
O clássico e sua influência na arquitetura
13.
Segundo José Rámon Alonso Pereira (2010), o classicismo traz à tona um novo método
de controle geral capaz de satisfazer as necessidades da sociedade moderna. Essa nova
ferramenta busca retomar a simplicidade, o conhecimento clássico (geométrico e
aritmético), em que esta regressão figura como estímulo a novo impulso progressista, a
exemplo dos séculos XVII e XVIII. A base da nova arquitetura será o uso de figuras
geométricas elementares e de relações matemáticas simples, além da reutilização das
ordens clássicas da tradição grega e romana. Expõe a existência de vasta gama teórica
do quatrocentto e cinquecento, fazendo menção à Leon Battista Alberti e ao manual de
Giacomo Vignola. Esse tratadismo relaciona-se com a Antiguidade e ampara a
transmissão da experiência clássica na Idade do Humanismo. Destarte, Alberti em De Re
aedificatoria (1452), busca o alcance de sistema linguístico e metodológico absoluto,
juntando “as teorias abstratas com as normas práticas de projeto e construção”
(PEREIRA, 2010, p. 132)
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14.
John Summerson analisa a essência do classicismo, focando nas características que
fazem um edifício ser realmente clássico e na arquitetura como linguagem. O autor
trabalha com dois significados do termo “clássico.” No primeiro significado, o edifício
clássico é aquele que possui elementos decorativos que advém do vocabulário
arquitetônico da Antiguidade. Esses elementos são reconhecíveis, a exemplo das cinco
ordens de colunas utilizadas de modo padronizado: toscana, dórica, jônica, coríntia e
compósita; os tratamentos formais de aberturas e frontões ou as sequências
sistematizadas de ornamentos que são empregadas nos edifícios clássicos. Acham-se
elementos imprescindíveis à fundamentação do discurso de que a arquitetura clássica
objetivava obter uma harmonia compreensível entre os prédios, harmonia essa entendida
como parte complementar dos prédios antigos e como sendo natural aos principais
componentes clássicos - em específico as cinco ordens. No entanto, foi também
entendido por vários teóricos que a harmonia é obtida através da proporção.
15.
Ao falar de Giulio Romano[5], Summerson primeiro introduz o termo “rusticação,” que
inicialmente denotava um modo rude e provinciano de organizar pedras não lavradas,
cada uma mantendo ainda suas particularidades, da maneira como foram retiradas da
pedreira [Figura 3]. Esta rusticidade passou a ser vista como detentora de possibilidades
artísticas e, paulatinamente, transformou-se em aspecto de extremo requinte. Apesar
disso, Summerson analisa o período em que se utilizaram os elementos da arquitetura
grega, como uma época negativa do ponto de vista arquitetônico. Segundo ele, os
elementos reaproveitados da arquitetura grega tinham tendência a ser complexos e caros
sem, no entanto, ter utilidade funcional no projeto e servindo meramente como
decoração.
16.
Segundo Anzolch (2009), não se pode, entretanto, ligar todo desenho geométrico à
expressão arquitetônica. Projetar uma edificação incorre em uma série de
decomposições e recomposições do objeto e da imagem para resultar na obra concluída
e, além destas operações, uma gama de elementos capazes de diferenciar uma edificação
projetada desse jeito, à que se denomina geometria simbólica. Embora Vitrúvio não
dispense atenção ao ornamento, ele também compõe a estrutura, por meio da simetria,
euritmia e ordenação. A geometria de ambos, ornamento e estrutura, possui aí uma zona
de conflito, em função da dificuldade de conciliar os espaços de projeto de naturezas
diferentes, onde o tipo de elemento a ser utilizado possui suas próprias proporções e
medidas.
17.
Em De Re aedificatoria, Alberti volta a abordar e inclusive sugere uma nova
interpretação a respeito dos conceitos vitruvianos, focando no aprendizado da
matemática e no tratamento de questões estéticas. Alberti reconsidera a autonomia de
cada elemento e das ordens em si frente às tipologias vitruvianas. Encarada por este
lado, a imagem de uma arquitetura fundada na tradição greco-romana surgia como
extremamente propícia; porém, era necessária a abstração de sua ligação tipológica e
trazê-la para o presente. Alberti, então, reformula o texto de Vitrúvio de forma
aparentemente simplificada. Seu entendimento de “concinnitas,” por exemplo, apontava
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principalmente para a beleza do edifício, fundamentada nas relações dos membros ao
todo de um corpo. O autor afirmava que a tarefa fundamental da “concinnitas” era fixar
relações entre partes bem distintas entre si, de acordo com uma regra específica de tal
maneira que correspondessem um ao outro. Seria comparável, segundo o próprio
Alberti, a uma ordem natural, relacionada à ideia de perfeição e que somente seria
alcançada através de uma definição satisfatória de “numerus,” “finitio” e “collocatio,”
elementos que compõem a “concinnitas”.
18.
“Numerus” é a relação de proporção estabelecida por algarismos arábicos, mas não
obrigatoriamente fixa - ao contrário, permitindo certo jogo simbólico relacionado a
números e relações geométricas específicas, muito próximos da estética. “Finitio” é a
própria medida, o sentido da proporção: uma planta cotada ou algum elemento passível
de estabelecer uma relação de escala, como a espessura das linhas de parede em planta.
A “collocatio,” a certeza de que no arranjo do edifício cada parte esteja no seu
respectivo lugar. A noção da “virtù” sugerida por Alberti não faria sentido sem um
límpido acordo da base de compreensão que se intenciona fixar entre arquiteto e
sociedade. Para Alberti qualquer composição é feita partindo-se de modelos ou de tipos
de edifícios mais apropriados aos desejos do cliente, seus usuários e o local onde será
edificado. O desenho, então, passa por três estágios: delineamento do objeto em vista,
composição de seus elementos e, por fim, representação de sua superfície.
19.
A analogia é útil, ao seu ponto de vista, embora tenha seus limites. Entretanto, a
composição arquitetônica não se firma com dimensões lineares, mas como superfícies
lisas que se integram umas às outras para compor espaços harmonicamente
proporcionados. “Concinnitas” é, então, o efeito da composição e também uma lei da
natureza. “Numerus,” “finitio” e “collocatio” não são mais que outras denominações
para a antiga interdependência entre “distributio,” “symmetria” e “dispositio”. Algo que
não se processa quando sugere a atualização do “firmitas,” “utilitas” e “venustas”.
Afinal, “lineamenta,” “materia” e “constructio” são termos operativamente díspares da
proposição vitruviana. Segundo Anzolch (2009), Alberti sugere um novo epistema ao
acrescentar, através da “lineamenta,” o desenho como algo equivalente ou superior à
edificação. Enquanto para Vitrúvio, o desenho era uma ferramenta de visualização, para
Alberti era um elemento de precisão e especulação, dividindo importância com a
matéria e a técnica.
20.
“Concinnitas” significa já a instância da leitura, sendo diretamente interdependente com
a “lineamenta,” embora seja o juízo e as intenções do desenho dependentes da primeira.
“Numerus,” “finitio” e “collocatio” são operações praticamente sintáticas, de ajuste das
partes, sob supervisão da “concinnitas”. A tipologia adquire valor relativo e os traços
livres da linguagem são ocasionados pela sintaxe adaptativa dos elementos a certa
estrutura. Porém, é necessário que se admita uma dupla sintaxe. Edificação e estrutura
representativa seguem regras próprias no mesmo objeto. A resposta surge do
desequilíbrio entre dois sistemas de regras interagentes. Mesmo assim, não há garantias
de que a empreitada será promissora, visto que regras particulares se estabelecem ao
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longo do processo enquanto outras são descartadas de acordo com a especificidade da
obra. Passa-se do objeto à obra singular. Não obstante, Alberti entende a ornamentação
como secundária e resultante. Para o construtor antigo, o ornamento era parte integrante
e requisitada para qualquer construção “bem definida” porque confere o efeito de
atenuar o desagradável e realçar o agradável.
21.
A ligação com a gramática é evidente e perceptível, exclusivamente pelo fato de que
Alberti foi o primeiro gramático da língua toscana, mas o real valor está no fato de
tentar dar um estatuto gramatical a uma língua vernácula, ou seja, aquela que é falada
por todos. Desse modo, a parcimônia do teórico clássico parece entender o ornamento
como extensão e justificativa da própria linguagem do que como algo eminentemente
estético. Para Alberti, a beleza provém da conjunção de “numerus,” “finitio” e
“collocatio”. Para ele, a beleza está relacionada ao efeito harmônico que deve obedecer
às leis da natureza. Ao insistir na montagem, no entanto, o enunciado de Alberti
perturba a integridade da tipologia e sua série de associação de significados. Isto se
traduz em uma quebra com os significados mais imediatos da antiguidade clássica,
abrindo oportunidades para uma nova semântica.
22.
A publicação do tratado de Vignola (1562) exemplifica uma abordagem densamente
inovadora no trato das ordens. Segundo Anzolch (2009), foi o tratado com a mais ampla
divulgação de toda a história da arquitetura ocidental, sendo também o menos analisado
criticamente. A apresentação quase totalmente gráfica combinada com textos sucintos e
limitados à questão técnica contribui para isto. O formato e a brevidade de apresentação
das pranchas baseiam-se na doutrina de Serlio, no entanto sua inovação mais relevante
foi idear um sistema de proporções coerente que englobasse todos os elementos das
ordens. Para chegar a este objeto, Vignola necessitou se desfazer dos paradigmas que
compunham a objetividade estética clássica originada nas medições dos edifícios
antigos. Como tais medições nunca concluíam ou conduziam a uma regra duradoura ou
universalmente demonstrável, sugeriu uma codificação discricionária.
23.
Mesmo que se considere a subjetividade e o estrito pragmatismo da proposta, a grande
vantagem do sistema proporcional de Vignola é sua total integração por unidades
modulares, capazes de interagir algebricamente em qualquer caso. Em seu sistema,
Vignola fixou uma relação constante de 4:12:3 entre pedestal, coluna e entablamento,
para qualquer ordem, e estabeleceu todas as dimensões individuais dos componentes de
cada ordem em relação ao raio de sua respectiva coluna. Tal estabelecimento
possibilitava adaptar as Ordens a qualquer altura por meio das relações algébricas
simples. Contudo, se a geometrização de motivos demonstra grau de precisão, é nas
análises de projeções de sombras que estão sua maior inovação e contribuição para o
desenho arquitetônico. A sombra realça a superfície pela retração e avanço dos planos.
O desenho das fachadas não só ganha profundidade como adquire maior legibilidade e
concisão.
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24.
Aprofundando o aspecto projetual, William John Mitchell (2008) trata de algumas leis
auxiliares na identificação de elementos na arquitetura: a diferenciação de figuras em
relação ao fundo contra o qual elas estão situadas compreende uma etapa posterior ao
processamento dos sentidos. A fachada da Villa Snellman de Gunnar Asplund, por
exemplo, é frequentemente compreendida como um conjunto de imagens bem definidas,
distribuídas sobre um plano de fundo - janelas, motivos decorados e paredes,
respectivamente. Entretanto, a distinção figura vs fundo nem sempre é tão objetiva. De
acordo com Rudolph Arnheim (1974 apud MITCHELL, 2008), é possível compreender
os cheios e vazios de uma fachada de formas distintas: pequenas janelas dão a impressão
de estarem soltas sobre o fundo contínuo de uma parede. Ao se aumentarem as aberturas
em relação às paredes, como na arquitetura gótica, atinge-se um patamar onde a fachada
resume-se a uma continuidade de elementos abertos e fechados, sem a predominância de
um ou outro.
25.
Segundo a lei da similaridade, figuras parecidas também possuem tendência a serem
agrupadas e os dois efeitos podem ser mesclados. Já a lei do fechamento implica que as
figuras de contorno fechado sejam mais suscetíveis à interpretação de unidades. A lei da
boa continuidade dita que contornos relativamente suaves e sem interrupção também
auxiliam a delimitar unidades e a lei da simetria posiciona que os objetos simétricos
tendem, também, a ser encarados como unidade, sendo esta última lei a mais exposta
pelo classicismo. A simetria da própria Villa Snellman exemplifica a lei da simetria,
remetendo a uma composição de unidade clássica; no entanto, após um olhar mais
atento, percebe-se que a simetria existe apenas na visão geral da obra.
26.
Ainda no âmbito descritivo, pode-se também analisar as partes do todo, deste modo
compondo uma descrição completa, executando registros dos valores dessas funções
para cada parte específica ou estabelecendo regras gerais para sua avaliação. É possível
o uso de quantificadores e o estudo das relações físicas e estruturas físicas internas.
Operadores lógicos podem ser aplicados para combinar sentenças e produzir expressões
mais complexas a respeito dos objetos. Por fim, são atribuídos conceitos e definições.
27.
Nas primeiras décadas do século XX, muitos artistas e arquitetos tomaram interesse por
elementos geométricos abstratos e pela exploração de relações formais desses objetos. O
curso introdutório da Bauhaus também ressaltava relações formais entre elementos
abstratos; segundo Mitchell (2008), não se pode afirmar que a análise formal não ajude
no entendimento do projeto, mas faltou a etapa interpretativa de classificação dos
elementos de modo convencional.
28.
De modo resumido, elementos são entes físicos únicos que estão inseridos em um
determinado lugar no tempo e no espaço. Diversos elementos podem ser do mesmo tipo
por terem algo em comum, e cada elemento é submisso ao tipo a que pertence. Assim,
composições complexas podem ser encaradas como combinação de instâncias de objetos
mais simples, adquiridos de um vocabulário. Um edifício abriga vários tipos de
elementos arquitetônicos reconhecíveis (colunas, vigas, paredes, etc.) e o desenho desse
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edifício detém variadas formas abstratas (quadrados, círculos, triângulos, etc.) e as
regras de representação delimitam a correspondência entre os símbolos gráficos do
projeto e as instâncias físicas do mundo construtivo.
29.
Maria Beatriz Maneschy Faria (2013) estuda o princípio compositivo de seus objetos de
estudo, com base nos ensinamentos de Vitrúvio e Alberti, aceitando a chamada
“Proporção Divina” como um dos princípios da proporcionalidade na arquitetura. Para
estudar as proporções das fachadas, parte-se da área do retângulo que compõe cada uma
das oito fachadas, passando a conferir se esta obedecia ao princípio da
proporcionalidade no número de ouro, tanto de forma algébrica, como de acordo com a
forma geométrica a partir do retângulo de ouro. Neste ponto, inicia-se uma série de
procedimentos a começar pelo traçado de um segmento AB no retângulo primário,
depois determina-se a mediatriz deste novo segmento, que corta AB no ponto O; em
seguida, ergue-se uma perpendicular de AB com origem no ponto B; puxa-se, então, um
círculo com centro em B e raio BO e determina-se o ponto C na perpendicular em B, em
seguida faz-se o segmento CA e outro círculo, desta vez com centro em C e raio CB,
assim determinando-se D, sobre CA. Por fim, traça-se o último círculo com centro em A
e raio AD para se achar E, sobre AB [Figura 4].
Análise da gramática das fachadas
30.
Assim, tendo em vista as análises expostas acima, parte-se para a descrição das fachadas
dos referidos objetos de estudo para melhor compreensão frente à comparação das
mesmas com os teóricos. Datado do final do século XIX com projeto de P. J. Branco,
mesmo arquiteto responsável pelo projeto da Academia Paraense de Letras, o prédiosede do Arquivo Público do Estado do Pará apresenta características clássicas e é
tombado pelo Governo do Estado como patrimônio cultural paraense (SOUSA, 2007, p.
10). Entre as diversas reformas realizadas nele, o edifício do Academia teve sua mais
significante transformação traduzida na intervenção ocorrida entre 1989 e 1991, quando
teve paredes, pisos e forros demolidos, além do acréscimo de novas instalações e
estruturas.
31.
A fachada principal do Arquivo Público do Estado do Pará é divida em dois corpos,
ambos com cornija sendo o construto das extremidades recuado em relação ao central. É
uma obra predominantemente horizontal, caracterizada pela simetria do partido clássico,
com seis esquadrias simétricas distribuídas igualmente nos corpos extremos em
intervalos regulares. Todas essas esquadrias apresentam moldura com elementos
clássicos, manifestados na coluna com capitel e base que forma o parapeito (decorado
com motivos geométricos e terminando na base do cunhal) das janelas, além de uma
segunda moldura solta em formato retangular acima da moldura principal. Apresenta
também porão com seis óculos circulares dispostos simetricamente e escadaria de acesso
ao corpo central, esta última sendo ladeada por muros, além da platibanda cheia, típica
do classicismo imperial brasileiro, com marcação horizontal. Conta também com
colunas da ordem jônica, com base e fuste lisos, que partem da altura do porão.
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32.
Quanto ao pano central, percebe-se que ele é ressaltado do resto da fachada, com
“rusticatto” e frontão triangular ressaltado (KOCH, 2001, p. 152). Apresenta três
esquadrias, sendo as das extremidades janelas com frontão cimbrado e aplicação de
colunas com bases formando o parapeito dessas janelas; e a porta de acesso com frontão
clássico. Essas colunas também pertencem à ordem jônica, percebida pelos seus capitéis
em volutas, com afinamento do fuste e base lisa. O prédio adota a ordem jônica
notadamente nos capitéis das colunas e pilastras deste construto, sendo que somente a
porta principal apresenta bandeira em ferro decorado com motivos geométricos, onde se
identifica a relação entre a proporção desses elementos, a reprodução de volutas em
diferentes escalas e o ritmo proporcionado pelo emprego dos motivos, além de ter duas
mísulas e chave, em pedra, encravadas em verga reta. Além disso, identifica-se que o
elemento central na bandeira é uma flor em ferro decorado, bem como a vidraça é em
vidro colorido. A porta principal exibe dois tipos de almofadas, ambas decoradas com
padrões geométricos, sendo superiores com círculos e ornamentos em formato de gotas
e as inferiores contando com círculos e quadriláteros. Conta com frontão clássico
triangular disposto no centro da fachada, com óculo centralizado em moldura com
volutas, à frente da platibanda. Apresenta também escadaria com dez degraus em pedra
de lioz, assim como o passeio da rua.
33.
O prédio da Academia Paraense de Letras, por sua vez, foi inaugurado a 2 de dezembro
de 1874, tendo abrigado diversas funções até ser sede da Academia Paraense. A fachada
principal é composta por dois construtos com “rusticatto;” também tem o corpo central
mais à frente. O volume mais recuado apresenta porão com dois óculos simétricos;
platibanda cheia sem o uso de frontão, duas janelas com bandeira com desenho
geométrico de linhas concêntricas em arco pleno, fechada, em madeira e vidro; são
emolduradas por falsas colunas. Ambas as janelas apresentam duas folhas também em
madeira com padrão geométrico em vidro, além de guarda corpo decorado em ferro e
madeira pintados em marrom. Apresenta cimalha frisada, mas sem dentículos.
34.
Apresenta duas colunas no corpo central, ambas da Ordem jônica, cornija e uma
escadaria de sete degraus, ladeada por muros, com altura condizente à do porão. Sua
porta dupla é apoiada em um degrau, além de ser composta por bandeira fechada em
arco pleno, em madeira com ornamentação igual às das outras esquadrias com vidraças;
almofadas em moldes geométricos, no formato de retângulos. A moldura tem formato de
falsas colunas, com arandelas de cada lado. Apresenta cimalha frisada com dentículos.
35.
Segundo as análises de Pereira (2010), o classicismo traduz-se em um novo método de
controle que procurar retomar a simplicidade do conhecimento, ao conhecimento
clássico (geométrico e aritmético); assim, a base da nova arquitetura seria a utilização de
figuras geométricas elementares e relações matemáticas simples, o que pode ser
verificado nos prédio do Arquivo Público do Estado do Pará e da Academia Paraense de
Letras no formato dos seus construtos e elementos decorativos. Além disso, inclui-se a
reutilização das ordens clássicas gregas e romanas, também presentes nos prédios
referidos, localizadas em seu corpo central. Disserta a respeito das regras de proporção
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já antecipadas pelos pintores italianos do “quattrocento” e presente nas duas fachadas,
embora não seguindo a lei de Vignola para as colunas (4:12:3).
36.
Seguindo a teoria de Mitchell (2008), percebe-se a clara diferença entre figura e fundo
na fachada do APEP e da Academia Paraense de Letras, exemplificada pela
sobreposição de vazios sobre os cheios. Do mesmo modo, identifica-se a lei da
similaridade nesses edifícios, a partir de figuras parecidas que também possuem
tendência a ser agrupadas (no caso, as equivalentes extremidades no segundo plano da
fachada frontal e suas respectivas esquadrias). A lei da simetria, principal expoente do
classicismo, também está presente nos prédios: no Arquivo Público no eixo horizontal,
visto que a sua altura é influenciada pelo acentuado declive na rua e, portanto, não é
simétrica; e na Academia, em seus dois eixos – horizontal e vertical.
37.
A lei da boa continuidade foi identificada apenas na fachada da Academia Paraense,
estando expressa na mudança sutil de projeção dianteira que a estrutura central da
fachada apresenta. O mesmo não se repete na fachada do APEP visto que a
proeminência do seu corpo central é claramente perceptível. A lei do fechamento não
pode ser aplicada claramente, visto que a projeção dada ao corpo central do prédio da
Academia Paraense não foi tão acentuada, não configurando uma percepção de um
construto mais delimitado em relação ao todo, ao contrário do que se verifica na outra
edificação, quando a projeção do plano central visivelmente faz com que se delimite ali
um corpo.
38.
A análise de Summerson (1974) engloba o seguinte significado para o termo “clássico”:
seria aquele em que o edifício clássico detém elementos decorativos provenientes do
dicionário arquitetônico da Antiguidade, aí se encaixando o frontão da atual sede do
APEP e as colunas presentes nas fachadas dos dois prédios estudados. Summerson
também disserta a respeito do “rusticatto,” um modo de organizar as pedras não lavradas
e que depois foi estilizado e aperfeiçoado até perder seu caráter rústico e artesanal de
início. Assim, o “rusticatto” também está presente nas fachadas do Arquivo Público e da
Academia Paraense.
39.
Summerson ainda considerava errônea a utilização de elementos referentes à arquitetura
grega, à sua época, que tinham tendência a ser caros e complexos, apenas servindo como
decoração ao projeto. Assim, pode-se raciocinar então que ele não recomendaria a
utilização do frontão no prédio do Arquivo, assim como as colunas presentes nos dois
prédios, mesmo que isso definisse o edifício como clássico segundo a própria análise do
autor.
40.
Mencionada na tese de Anzolch (2010), a euritmia (ou harmonia) pode ser observada no
prédio da Academia Paraense ao considerarmos sua largura e altura. O mesmo não
acontece no prédio do Arquivo Público. O “decorum,” classificação que define as
ordens apropriadas aos meios e aos fins, pode ser identificado na ordem empregada no
edifício do Arquivo e da Academia - a ordem jônica - historicamente associada a
“edifícios do saber”. É importante ressaltar que em ambos os casos a Ordem foi
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empregada corretamente, visto que inicialmente a sede do Arquivo Público abrigou o
Banco Comercial do Pará e o prédio da Academia Paraense foi originalmente a Escola
Normal e Escola Prática. Não se verifica, nos prédios do Arquivo Público do Estado do
Pará e da Academia Paraense de Letras, a mencionada relação de Vignola de 4:12:3. Do
mesmo modo, não se tem conhecimento das medidas bases que Vitrúvio utiliza para
analisar a simetria dos prédios de acordo com o diâmetro das colunas empregadas.
41.
Identificou-se, mediante as análises compiladas por Faria (2013), uma simetria presente
em ambos os prédios analisados: no Arquivo Público [Figura 5], uma simetria
horizontal, em razão de ambos os lados serem equivalentes; as dimensões das janelas
também são iguais, assim como as dimensões das portas-janelas e esquadrias do porão.
Na Academia Paraense de Letras [Figura 6], existe simetria tanto horizontal quanto
vertical; da mesma forma, as dimensões das janelas também são iguais. Há um
predomínio dos cheios sobre os vazios nas duas fachadas: 163 m² sobre 97 m², na
fachada do Arquivo, e 69 m² sobre 35,2 m² na Academia Paraense. Verificou-se que as
fachadas dos dois edifícios não formam retângulos áureos. Além disso, as alturas do
entablamento e porão da Academia são diferentes, não resultando em simetria: a
primeira conta 1,3 m e a segunda 1,9 m, assim como do Arquivo, que contam com 2,1 m
e 1,7 m, respectivamente.
Referências
ANZOLCH, Roni. Geometrias do estilo: Genealogia da noção de estilo em arquitetura. 2009.
466 f. Tese (Doutorado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UFRGS,
Porto Alegre. 2009.
AZEVEDO, Felipe Moreira. Instituto Estadual Carlos Gomes: Análise Histórica,
Arquitetônica e Proposta para uma intervenção museográfica no prédio pioneiro. Belém, 2013.
154f. Monografia (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Pará. 2013.
DERENJI, Jussara. Arquitetura Eclética no Pará no período correspondente ao ciclo econômico
da borracha: 1870-1912. In: FABRIS, Annateresa. Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São
Paulo: Nobel, Edusp, 1987.
DERENJI, Jussara. Arquitetura nortista: a presença italiana no início do século XX.
Manaus: SEC, 1998.
FARIA, Maria Beatriz Maneschy. Arquitetura residencial eclética em Belém-PA (18701912): um estudo da gramática das fachadas. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) - Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal
do Pará, 2013.
KOCH, Wilfried. Dicionário dos estilos arquitetônicos. Tradução: Neide Luiza de Rezende. 2ª
Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MITCHELL, William John. A lógica da arquitetura: projeto, computação e cognição.
Tradução: Gabriela Celani. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008.
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19&20: Arquitetura Civil da segunda metade do século XIX em Belém-PA: estudo dos elementos compositivos e da geometria de f…
PEREIRA, José Rámon Alonso. Introdução à história da arquitetura, as origens ao século
XXI. Porto Alegre: Bookman, 2010.
SOUSA, Alberto. A variante portuguesa do classicismo imperial brasileiro. João Pessoa:
Editora Universitária - UFPB, 2007.
SOUSA, Alberto. Arquitetura neoclássica brasileira: um reexame. São Paulo: PINI, 1994.
SOUSA, Lucas Nassar. Arquivo Público do Estado do Pará: Restauração, ampliação e
preservação. Belém, 2007. 172f. Monografia (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) –
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade da Amazônia. 2007.
SUMMERSON, John. El lenguaje clásico de La arquitectura: de L. B. a Le Corbusier.
Tradução: Justo G. Beramendi. Barcelona: Gustavo Gili, 1974.
______________________________
[1] Plano de trabalho vinculado à pesquisa “Classicismo nos hospitais da Misericórdia e da Beneficência
na 2ª metade do século XIX: trânsito entre Brasil e Portugal”. Trabalho desenvolvido com o apoio do
Programa PIBIC/ FAPESPA/ UFPA.
[2] Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC/
FAPESPA (2013 – 2014). Voluntária no Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural
(LAMEMO/UFPa). E-mail:
[email protected]
[3] Doutora em Antropologia. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/ Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo. Coordenadora do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural
(LAMEMO/UFPa). Vice-diretora da FAU, Universidade Federal do Pará. E-mail:
[email protected]
[4] Geralmente, um edifício concernente ao repertório palladiano apresenta corpo central avançado com
colunas das ordens clássicas e frontão triangular.
[5] Giulio Romano (1499-1546), arquiteto, decorador e pintor italiano.
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Apontamentos para o conhecimento dos escultores Antônio
Quirino Vieira e Severo da Silva Quaresma
Alberto Martín Chillón [1]
CHILLÓN, Alberto Martín. Apontamentos para o conhecimento dos escultores Antônio Quirino
Vieira e Severo da Silva Quaresma. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível
em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/amc_escultores.htm>.
*
1.
*
*
Antônio Quirno Vieira e Severo da Silva Quaresma, escultores cariocas da segunda
metade do século XIX, têm passado com muita discrição pela historiografia da arte[2],
mesmo sendo dois dos principais escultores do período, que gozavam de um relativo
sucesso e popularidade tanto no campo artístico, quanto - e talvez mais - no campo
educativo, na tarefa de ensinar e estender o amor pelas Belas Artes. Ambos aparecem
ligados desde 1856 à Sociedade Propagadora das Belas Artes, data da sua fundação, e ao
Liceu de Artes e Ofícios. São dois dos “atletas” chamados por Bethencourt da Silva no
seu empenho de resolver “o atrazo em que conhecia as letras e as artes entre nós, e a
pouca estima que em geral se lhes outorga”[3]. Assim, fazem parte do grupo de artistas
que, “dedicando-se ao bem geral, á felicidade da nação aceitaram tomar sobre seus
hombros um dos mais penosos encargos [...], o professorado publico”[4], fato que se
conjugava com outro ingrato labor, o dos artistas, que sabem “quanto custa viver no
meio da indifferença de uma sociedade pouco preparada para avaliar os sacrifícios de
uma classe inteira que se entrega ao seu mister como a um sacerdócio augusto”[5], e:
2.
porque nem-um dos nossos concidadãos, que não seja artista, talvez calcule o
que todos os dias se consume de coragem, de resignação e de vida, para se resistir
ás lutas que assaltam qualquer vocação que por ventura appareça, no meio da
nossa indifferença mercantil que tudo mata e aniquila.[6]
3.
Artistas pobres, operários modestos e homens de letras ricos apenas das illusões da
mocidade levaram adiante a empreitada, quase uma cruzada, como eles denominam, de
difundir as Belas Artes, e, como uma das ferramentas para alcançar seu objetivo, estava
a publicação de uma revista artística no Brasil, O Brazil Artístico, que apenas contou
com seis números, e que foi suspendida “devido ás dificuldades do meio, ás
contrariedades que surgiram e, porque nâo dizel-o, á falta de recursos pecuniários”[7].
Recuperar o amor pelas artes e o seu progresso, propiciando assim a “chegada [d]a
época em que Minerva reassumirá seu império” constituía-se como um fim desejado,
para anunciar: “Nova nascitur ordo!”[8]
4.
Aceito que “o paiz no qual os conhecimentos artísticos não occupam o primeiro lugar,
não pôde proseguir rapidamente na senda do adiantamento e da riqueza”[9], tornava-se
imperativo resolver esta situação, já que as Belas Artes eram “o influxo de todas as
industrias, as bases de toda a perfeição manufactureira”[10], e elas seriam as geradoras
da indústria, que, por sua vez, era geradora do comercio, que
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19&20 - Apontamentos para o conhecimento dos escultores Antônio Quirino Vieira e Severo da Silva Quaresma, por Alberto Martí…
5.
nunca poderá existir, sem que a industria nacional lhe dê nascimento. Devemos
pois, nós do commercio, proteger as artes, visto serem ellas que nos devem auxiliar
mais tarde, e por este motivo ao menos, ainda quando outros muitos e importantes
não houvesse, concorrer de coração com todos os nossos esforços para a
sustentação desta sociedade.[11]
6.
Especial importância neste processo tinha a mocidade, “a força do futuro, o gigante do
porvir”, porque seria ela que sustentaria “sobre os seus hombros a magestade deste
Império”, e dela dependeria o futuro, “porque o trabalho é a locomotiva do progresso, e
o trabalho é dos mancebos. Salvemos esta mocidade de hoje que deve educar a nossa
prole sob auspícios mais benéficos do que os nossos, e a felicidade publica
avultará”[12].
7.
Os objetivos e anseios da recém-fundada sociedade se resumem bem no Discurso
recitado perante os membros fundadores da Sociedade Propagadora das Bellas Artes do
Rio de Janeiro, no dia da sua organização em 23 de Novembro de 1856, no edifício do
Museu Nacional, pronunciado pelo principal promotor do projeto, Bethencourt da Silva,
quem afirmava:
8.
9.
10.
11.
12.
13.
E' tempo já de hastearmos a bandeira que deve tremular sobre a tenda da
futura mocidade; é tempo de lhe ensinar-mos o amor da gloria, como a fonte de
todos os sentimentos nobres e magnânimos: reunamo-nos pois em redor desse
carro de triumpho em que ella vae conduzir todos os thesouros que devem florescer
sobre os restos do passado e á vista do presente; porque a ventura de havermos
preparado dignamente aquelles que devem representar-nos ante a posteridade,
será bastante para satisfazer os mais ávidos desejos, as mais nobres ambições do
coração.
Tractemos seriamente de reunir n'um circulo artístico todas as intelligencias
juvenis que representam a nova pleiade dos filhos das musas; tentemos, pelo
enthusíasmo e pela emulação, dar-lhes um fim proveitoso - a acção do trabalho,
cuja falta os enerva na indolência; justifiquemos com estes esforços a
superioridade da geração nova que se occulta hoje envergonhada pelo contraste
opulento dos aventureiros que se atrevem a invocar, em defesa da sua inutilidade e
madraçaria, as doutrinas do regresso.
Tractemos com afan e desinteresse desta grande missão que nos cumpre
desempenhar, salvando a nossa reputação e com ella o bello da arte e da
inspiração; porque o pequeno sacrifício pecuniário que vos será exigido, e com o
qual educaremos a mocidade que mais tarde nos deve julgar, engrandecer-nos-á
aos olhos do estrangeiro illustre que não pôde deixar de censurar hoje a nossa
falta de perfeição mauiifactureira. industrial, artística e mecânica.
A abnegação dessa parte de vossos interesses, animando o povo ao estudo, vos
elevará acima de todo o reconhecimento contemporâneo. Nada é tão sublime como
a philantropia patriótica de uma parte da sociedade que intenta elevar a outra
educando-a nos princípios essenciaes ao engrandecimento das nações.
A arvore da sciencia pôde abrigar o mundo inteiro, e para que isto se realize,
para que hymnos de triumpho sejam cantados sob as abobadas do templo da
sociabilidade fraternal, procuremos desde já assentar sobre seguros alicerces as
bases deste edifício monumental, antes que o desanimo e inércia em que vivem os
artistas, e que lavra como um miasma devastador, extinga de uma vez a musa
brazileira.[13]
Seguindo estas diretrizes, e em palavras de Bethencourt, entre “os beneméritos que
accedendo ao meu convite estão promptos para o ensino gratuito”[14], encontramos os
dos artistas que ocupam este trabalho: Quirino Antônio Vieira e Severo da Silva
Quaresma, que ministraram as aulas relativas à arte escultórica: estatuária em mármore e
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gesso, modelado, cerâmica e escultura de ornatos, e que aparecem definidos com as
seguintes palavras:
14.
15.
16.
Quirino Antônio Vieira, caracter nobre, aspirações independentes, habilidade
pouco vulgar, estudioso e trabalhador, ensinará a estatuaria em gesso, arte
cerâmica, e ornatos.
Severo da Silva Quaresma, discípulo do distincto esculptor Pettrich: seu nome
tem sido já eloqüentemente commendado por seus trabalhos, com especialidade
pelo retrato em mármore do Exm. Sr. Bispo diocesano, ha pouco exposto ao
publico. Este intelligente artista occupar-se-á do ensino de estatuaria em mármore
e mesmo em gesso.[15]
Ambos os artistas estiveram, durante toda a vida, ligados aos trabalhos no Liceu e na
Sociedade Propagadora das Belas Artes. Por sua parte, Quirino Antônio Vieira esteve
ligado ao Liceu e à Sociedade Propagadora das Belas Artes desde a fundação em
1856[16], foi secretário em 1863[17], 1868[18], 1869[19], 1870[20] e em 1871[21],
1872[22], 1874[23], 1875[24] e 1876[25], mas parece, segundo algumas fontes[26], que
desempenhou o cargo ininterrompidamente por 12 anos, e lecionou no liceu durante 17
anos sendo professor de escultura de ornatos[27], de desenho e de modelo em barro,
[28] membro da comissão artística em 1858[29] e conselheiro em 1868[30].
17.
O seu labor no Imperial Lyceo de Artes e Ofícios é o fato pelo qual é mais admirado e
reconhecido, atribuindo-lhe graças a seu trabalho desinteressado e gratuito, por sua
“philantrópica e sublime missão”, umas qualidades morais superiores, iguais às do
fundador Betthencourt da Silva. Assim, todas as noites úteis, desde as 6 horas da tarde
até às 10 e 11 da noite, trabalhava “fiscalisando aquelle vastissimo
estabelecimento”[31].
18.
Por ele ganhou o título de oficial da ordem da Rosa em 1870, junto a Agostinho José
da Mota, “em attenção aos relevantes serviços que prestaram gratuitamente à educação
popular no Lyceu de Artes e Officios”[32].
19.
O Lyceu de Artes e Officios nos apresenta exemplos os mais completos n´esses
sentidos: - exemplos de iniciativa, de perseverança, de concurso simultaneo ou
isolado de luzes e de meios pecuniarios e mesmo - aquelles que colloco entre os
mais bellos- exemplos da mais obscura dedicação á instituição, durante mais de
vinte anos, na pessoa de Quirino Vieira, o secretario do lyceu, que deixou sua
occupação, não retribuida de todas as noites, sómente para baixar ao tumulo.
Honra, pois, a esses amigos verdadeiros do paiz: aos que cahiram na luta e aos
que lutam ainda.[33]
20.
No final, “uma grande e irreparavel brecha abrira a morte nas phalanges da vanguarda
do progresso e da civilização”[34], na opinião dos seus contemporâneos, com o
desaparecimento de tão notável artista.
21.
Severo da Silva aparece também fortemente unido ao Imperial Liceu, onde foi
professor de estatuária[35] durante vários anos[36], secretário junto a Quirino Antônio
Vieira em 1869[37] e 1870[38], e segundo secretário em 1868[39]. Fez também parte do
Conselho da Sociedade Propagadora das Belas Artes em 1868[40], suplente em
1859[41] e 1860[42], conselheiro em 1866[43], 1871[44] e conselheiro sem comissão
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em 1857[45] e 1858[46]. Por tal missão, e reconhecendo sua importância, recebeu a
encomenda de Cavaleiro da Ordem da Rosa, “em attenção aos relevantes serviços que
teem prestado á instrução popular n´esta corte[47], junto ao pintor Antônio Araújo de
Souza Lobo. Também foi conselheiro da Sociedade Comemorativa da Independência do
Império em 1874.[48]
22.
O labor da dupla de escultores na Sociedade e no Liceu corresponde ao desenvolvido
por outra dupla de professores na Academia de Belas Artes: Severo da Silva vê sua
função de professor de estatuária replicada na Academia por Francisco Elídio Pánfiro
(1850-1852[49]) e por Francisco Manoel Chaves Pinheiro (1852 - 1884), e Quirino
Vieira tem réplica do seu labor como professor de modelado, de escultura de ornatos,
por Honorato Manoel de Lima (1855-1863) e Antônio de Padua e Castro (1863-1881)
[50], que foi suplente na Sociedade Propagadora junto a Severo em 1860.[51]
23.
24.
25.
Nesses mesmos anos, Manuel de Araujo Porto-Alegre estava chamando uma
renovação semelhante, um futuro igualmente promissório baseado na mocidade e o
desenvolvimento através das Belas Artes:
Mocidade, deixai o prejuiso de almejar os empregos publicos, o telonio das
repartições, que vos envelhece prematuramente, e vos condus á pobresa e á uma
escravidão continua; apliccai-vos ás artes e á industria: o braço que nasceu para
rabote ou para a trolha não deve manejar a penna. Bani os preconceitos de uma
raça decadente, e as maximas da preguiça e da corrupção: o artista, o artifice e o
artesão são tão bons obreiros na edificação da patria sublime como o padre, o
magistrado e o soldado: o trabalho é força, a força intelligencia, e a intelligencia
poder e divindade.
Snr. Minisro do Imperio. Está dado o primeiro passo para a emancipação do
artista, para o progresso fundamental das bellas artes e da industria brasileira.[52]
Quirino Antônio Vieira
26.
Quirino Antônio Vieira, definido como de caráter nobre, aspirações independentes,
habilidade pouco vulgar, estudioso e trabalhador[53], morreu em 1876, quando aparece
residindo na Rua dos Inválidos 112, solteiro, 52 anos, filho de Luiz Antônio Vieira, com
uma renda de 200 reis[54].
27.
Discípulo de Marc Ferrez[55], recebeu menção honrosa de segundo grau na aula de
escultura na Academia Imperial de Belas Artes no ano de 1842[56], medalha de prata
em 1845, menção honrosa de 2º grau em 1846 e medalha de ouro em 1850[57], e em
1870 recebeu também o Hábito de Cristo,[58] no mesmo ano em que lhe foi concedido
o título de oficial da Ordem da Rosa[59]. No âmbito extra-artístico, aparece
politicamente ligado ao partido liberal, pelo menos, no momento da sua morte[60], e no
religioso foi definidor da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo da Freguesia de São
José[61] e procurador em 1862[62].
28.
Além de suas funções na Sociedade Propagadora das Belas Artes e no Imperial Liceu
de Artes e Ofícios, foi conselheiro da Sociedade Comemorativa da Independência do
Império[63], membro da comissão para a confecção dos estatutos[64] e vice presidente
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19&20 - Apontamentos para o conhecimento dos escultores Antônio Quirino Vieira e Severo da Silva Quaresma, por Alberto Martí…
da dita sociedade[65]. Aparece ligado à Associação de artistas brasileiros “Trabalho,
união e moralidade” desde 1856[66], como presidente em 1861[67], vice-presidente em
1857[68] e 1867[69], primeiro secretário em 1862[70], segundo secretário em 1872[71],
conselheiro em 1862-1863[72], 1869[73], 1870[74] e 1871[75] e na comissão em
1856[76]. Com ocasião da sua morte a Associação publica o obituário, chamando o
escultor de “installador e conselheiro”[77].
29.
Em 1862, após a morte de Honorato Manoel de Lima, professor de escultura de
ornatos da Academia de Belas Artes, Quirino Vieira solicitou a cadeira, que nesse
momento, contava com apenas um aluno matriculado no curso noturno, e que não estava
sendo lecionada pelas melhoras no prédio da Academia. A petição do escultor foi
negada por não se conhecer “obras de arte relativas á especialidade da cadeira,
notoriamente reconhecidas como trabalhos de merecimento”[78], pois no corpo docente
da instituição, segundo a resposta do ministério de negócios do Império, procuravam-se
artistas de superior e reconhecido talento.
30.
Entre suas obras mais importantes, encontrava-se um grupo alegórico emoldurando o
mostrador externo do relógio da fachada da estação central da Estrada de Ferro Dom
Pedro II [Figura 1], a ornamentação com grupos, florões, arquitraves e modilhões de
estilo e fantasia no Palácio Nova Friburgo e na Santa Casa da Misericórdia[79].
Realizou, dentro dos monumentos efêmeros construídos para a inauguração da escultura
de Dom Pedro I de Louis Rochet, a escultura A Religião, coroando o zimbório do
templo da praça da Constituição.
Marcado o dia 25 para a inauguração do monumento, tratou-se de ornar
convenientemente a praça da Constituição, erguendo-se de um lado da estatua um
templo de ordem dorica romana e fórma octogona, sustentado por doze columnas,
tendo no centro um zimborio sobre o qual levantava-se a estatua da religião
esculpida pelo artista Quirino Antonio Vieira; e do outro lado, para satisfazer as
exigencias da symetria, um arco triumphal de architectura simples.[80]
31.
32.
Também restaurou no ano de 1860, as moldagens em gesso da coleção didática da
Academia de Belas Artes, Laocoonte e seus filhos, Antinoo do Capitólio, Amazona e
Adonis[81].
Severo da Silva Quaresma
33.
Severo da Silva Quaresma, nascido em 1830 ou 1831[82], solteiro, tinha sua
residência no Paço Imperial, com uma renda de 1.200 reis, em 1877, e morou na Rua de
São Joaquim, 46, freguesia de Santa Rita durante vários anos[83].
34.
Discípulo de Ferdinand Pettrich [84], foi fiscal da Associação de Artistas brasileiros
em 1857 e 1858[85], segundo secretário da mesma Associação em 1856[86] e 1857[87],
membro da comissão política em 1856[88], conselheiro em 1867[89], 1870[90],
1871[91]. Entre outros cargos foi conselheiro da Sociedade Comemorativa da
Independência do Império nos anos de 1873 e 1874[92], e primeiro sargento da guarda
nacional das freguesias de Santa Rita e Paquetá em 1859[93].
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35.
Entre suas obras se destaca o busto em mármore de Manuel do Monte Rodrigues de
Araújo, conde de Irajá, bispo diocesano do Rio de Janeiro, “obra que lhe trouxe grande
conceito”, com a qual participou na Exposição de 1862[94], e foi exposta na galeria do
Sr. Ruqué em 1856, sendo Quaresma “o primeiro brasileiro que faz um trabalho
destes”[95], destacando a grande importância que nesse momento teve a realização de
uma obra em mármore por um artista brasileiro.
36.
37.
Continue o Sr. Severo nesse seu empenho de trabalhar sob a direcção de tão
distincto professor, mostre-nos mais alguns fructos de seus estudos; e mais tarde,
honrando o nome do esculptor Pethrich, receberá a recompensa de seus esforços.
Coragem e perseverança.[96]
Participou também na Exposição Geral de 1846 com um retrato e menino com
pássaro[97], e na Exposição de 1879 com uma estátua em gesso do Visconde de Rio
Branco [Figura 2],[98] que em 1885 se achava no teatro de São Luís do Rio de
Janeiro[99]. Sobre esta última obra, a Revista Musical e de Bellas Artes, em 1879,
publica o seguinte comentário satírico, destacando as roupas do visconde:
38.
39.
40.
41.
42.
43.
N´uma das sallas está tambem exposta a estatua do Sr. Visconde de Rio
Branco.
Não sabemos o que devemos mais admirar: se a perfeição da esculptura, se a
airosidade da cintura do grande estadista, se o talento do mestre alfayate que lhe
fez a casaca.
Nem uma dobra, nem uma préga, nem uma costura mal assente! E´ o casso de
dizer, como os alfayates: "está-lhe que nem uma luva."
O nosso amigo Insley Pacheco asseverou-nos que aquella estatua está alli para
fazer propaganda ao estabelecimento do Sr. Raunier.
Seriamos mais extensos em considerações sobre esta casaca, se não
temessemos que ella nos podesse valer uma casaca de pau.[100]
Também na Revista Illustrada, em 1879, Angelo Agostini dedica um comentário do
mesmo tipo, afirmando que “não é ser severo em dizer-se que, em materia de arte, o Sr.
Quaresma anda soffrivelmente em jejum”[101].
44.
Em 1872, foi publicado no Diário de Belém a notícia sobre a inauguração do
monumento ao General Maximiano Antunes Gurjão:
45.
46.
47.
48.
49.
Na sala das sessões da nossa camara municipal levantou-se, ante-hontem (16),
um monumento em marmore que, a par da historia das glorias nacionaes de que o
illustre general foi um dos mais fervidos operarios, perpetuará a sua memoria nas
epochas porvir.
O monumento é um busto do general, vulto natural, em marmore branco,
assentado em uma simples, mas elegante, columna de marmore preto. Está
collocado na salla das sessões, em face de dosel.
O busto do finado general foi burilado nesta corte, onde tivemos occasião de
vêl-o.
E´ um bello trabalho, de linda execução e perfeito acabado, e no qual soube
satisfazer inteiramente á confiança nelle depositada o modesto, mas talentoso
artista Severo Quaresma, lente do lycey de artes e officios.[102]
Junto com outro escultor carioca, Cândido Caetano de Almeida Reis, apresentou um
projeto de ornamentação para a galeota imperial, em 1877, que foi aprovado por um
valor de 4.000 reis[103].
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Obras conjuntas
50.
Severo da Silva Quaresma e Quirino Antônio Vieira compartilharam endereço
profissional durante vários anos, entre 1862 e 1870, no Paço Imperial, junto à Portaria
das Damas[104], mas Quirino Vieira aparece também radicado em outro endereço ao
mesmo tempo, na Rua dos Inválidos 112 e 114[105], e figurava na Rua da Alfândega,
323[106] e 170 A, em 1859[107], precisamente no endereço da companhia Severo da
Silva Quaresma & Comp., mas não achamos, até o momento, um dado que assinalasse
um trabalho conjunto na companhia, ou mesmo um trabalho como sócios.
51.
O que parece claro é que Silva Quaresma e Quintino Vieira desempenharam trabalhos
conjuntamente em várias ocasiões e também lecionaram juntos durante muitos anos no
Liceu. Juntos, executaram em 1873 a escultura do catafalco idealizado por F. J.
Bithencourt para Dona Amélia, duquesa de Bragança, imperatriz viúva, “da ordem
coryntia a gosto de Luiz XVI, ornamentado conformidade com os preceitos clássicos e o
estylo predominante do templo”[108].
52.
O catafalco é um polygono de 32 faces, que repousa sobre um embasamento,
com duas escadarias de sete degráos, e quartellas nos cantos de fórmas elegantes
que se prendem em uma extremidade á pequenos pedestaes e na outra junto ás
colunas, erguendo se em ambas extremidades tripodes de luz e castiçais de prata.
Nas faces lateraes do embasamento ha grandes medalhões com a inicial – A do nome da imperatriz viuva. Festões de flôres e pequenos ornatos de ouro
enriquecem esta parte do monumento, sobre a qual se levantam esta parte do
monumento, sobre a qual se levantam quatro grupos de tres columnas cada um,
estriadas e com capiteis de ouro; rematando as quatro dos angulos mais salientes
por pequenos pedestaes coroados por tripodes de perfumes.
Sobre estas doze columnas contorna o entablamento, com o friso florestado de
prata, tendo nas faces anterior e posterior suspensas as armas imepriaes, cobertas
de crepe e enlaçadas por festões de flores que se vão prender ás columnas mais
proximas.
Ao entablamento segue-se o attico, nelle descansa a cupola, em cujo fecho se
ergue um pequeno pedestal, onde pousa o dragão de ouro das armas dos
Bragança. Quatro imperiaes arqueadas sobre a cupola dão-lhe o aspecto de uma
corôa.
No interior do catafalco, sobre o tablado, levanta-se o cenotaphio, formado
por quatro grandes quartellas duplas com ornatos de ouro, supportando a
archittrave sobre a qual pousa a eça de fórmas elegantes incrustada de riquissimos
lavores , tendo nos medalhões a inicial da finada imperatriz e nos cantos tripodes
ardentes.
No tecto, formado pelo fundo da archittrave, vê-se um mocho com uma
ampulheta e outro com uma fouce, desenho primoroso do distincto artista nacional,
Victor Meirelles de Lima.
Em cima da eça está collocada a urna coberta por um manto imperial
ricamente bordado a ouro, e a corôa da imperatriz velada por crepe. Serpentinas
de prata sustentam as velas que illuminam a urna.
A disposição do cenotaphio, que é inteiramente nova, deixa vêr o altar-mór,
que os monumentos deste genero até agora entre nós feitos interceptavam de todo.
[109]
53.
54.
55.
56.
57.
58.
59.
60.
A participação dos dois escultores talvez tenha sido de um caráter mais ornamental, já
que as esculturas principais, o dragão dos Bragança e o anjo da morte, foram realizados
por Chaves Pinheiro, professor da Academia das Belas Artes, e Pasquarelli,
respectivamente[110].
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61.
Talvez, sua obra mais importante foi o enorme frontão do Cassino Fluminense [Figura
3][111]:
62.
O Sr. Severo da Silva Quaresma, discípulo do cavalleiro Pettrich, e os Srs.
Quirino Antônio Vieira e João Duarte de Moraes discípulos do fallecido professor
de esculptura da nossa Academia de Bellas-Artes, Marcos Ferrez, acabam de
preparar o baixo-relevo da empena do Cassino Fluminense.[112]
63.
Aos dois escultores, soma-se um terceiro artista, João Duarte Morais, do qual quase
não sabemos nada, e que aparece como professor adjunto do Liceu em 1863[113]. Esta
grande obra foi um dos empreendimentos escultóricos de maior envergadura e
importância do momento, quando o monumento a Dom Pedro I ainda não estava
inaugurado e outros grandes frontões, como o da Santa Casa da Misericórdia, de Luigi
Giudice, também não haviam sido realizado. Assim recolheu a imprensa, em 1857, esta
obra, afirmando que:
64.
65.
66.
67.
Este trabalho, que era merecedor de adornar uma melhor obra, teve o
infortúnio de ser collocado em uma das mais desgraçadas composições da
edificação moderna e por isso talvez tenha sido bem pouco attendido e apreciado.
A composição do baixo-relevo representa o Gênio do Brazil, presidindo as Musas,
grupadas aos dois lados de modo a
preencherem completamente o tympano da empena.
Executando este trabalho os seus autores deram um grande passo na carreira
artística, justificaram a reputação em que eram tidos de moços hábeis e laboriosos,
e mostraram que no nosso paiz não faltam talentos nem dedicação, mas somente
boa vontade de proteger as artes e os artistas[114].
Desconhecemos o labor de cada um no frontão do Cassino, fato que não é desvendado
na época, e, embora o estilo seja bastante homogêneo, é relevante assinalar que em
relação à composição existe uma diferença entre o lado direito, muito melhor
conseguido, onde as figura se distribuem mais harmonicamente no espaço, que as do
lado esquerdo, que formam um grupo mais amalgamado que deixa parte do espaço
escultórico vazio.
68.
Resulta interessante pensar este labor de ambos escultores e a diferente consideração
que ambos tinham na sociedade e no campo artístico. Se, por um lado, Severo da Silva
Quaresma tem uma renda de 1.200 reis, por outro, Quirino Antônio Vieira recebe apenas
200 reis, uma quantidade seis vezes menor que a alcançada pelo seu colega, que possuía
uma empresa particular, a referida Severo da Silva Quaresma & Comp., domiciliada na
Rua da Alfândega, n. 170 A, cujo labor aparece assim definido: “Incumbem se de
objectos pertencentes á escultura, tirão mascaras, retratos, etc”[115]. Diante deste labor,
pelo momento, só sabemos que Quirino Vieira atuou como ajudante de arruador na
diretoria de obras municipais[116].
69.
Assim, Severo da Silva Quaresma e Quintino Vieira fizeram parte ativamente do
ambicioso projeto educativo e de desenvolvimento artístico e social que Bithencourt da
Silva criou em 1856 para estender o cultivo e o apreço das Belas Artes no Brasil
imperial, compartilhando seus anelos e desejos, para dar forma a um novo futuro, para
criar novos Fidias que empunhassem o cinzel:
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70.
71.
72.
73.
74.
75.
76.
77.
78.
Esperemos no futuro ! Em breve tempo
Vereis contentes desfazer-se a nuvem
Que o luzeiro das artes escurece !
Vereis entrar seus raios protectores,
Derramando uma luz vivificante
Pelo vasto recinto, em que os alumnos
Da grande escola que exercita as artes,
Moverem com o ardor da juventude
Do seu trabalho os nobres instrumentos !
79.
80.
81.
82.
83.
84.
Vereis a um lado os mestres da esculptura!
Para dar exemplo aos jovens aspirantes,
Empunhando os cinzeis, quaes novos Phidias,
Contra a pedra de Paros, convertendo-a
Nos sublimes heróes que o mundo honraram
Por armas, letras, artes e sciencias![117]
Fontes primárias
85.
Por seu interesse para o conhecimento da arte oitocentista e, especialmente, de Quirino
Antônio Vieira, transcrevemos aqui três pequenas resenhas da imprensa com ocasião da
sua morte, publicadas no dia 28 de maio de 1876, em A Reforma, O Globo, e a Revista
do Rio de Janeiro.
·
86.
A Reforma, Rio de Janeiro, 28 de maio de 1876:
Desceu hontem à sepultura, no cemitério de S. Francisco Xavier, Quirino Antonio
Vieira, esculptor em ornatos de muito merecimento, que juntava à intelligencia de artista
a rara qualidade de modesto. Era ainda mais: era um honrado cidadão, um benemérito da
pátria que não testemunhava sua dedicação ao engrandecimento nacional por vãs
palavras, mas por obras.
87.
Há 17 annos leccionava gratuitamente e com exemplar assiduidade no Liceu de Artes
e Officios a arte cerâmica com summa proficiencia. Eleito em 1864 secretario d´esse
estabelecimento desde então, até as vesperas de seu infausto passamento, dia por dia,
exerceu esse encargo com verdadeiro devotamento, comparecendo todas as noites e
desempenhando suas funções desde as 6 horas da tarde ate quasi 11 horas da noite.
88.
Possuidor de uma memória felicisima, conhecia todos os alumnos por seus nomes e
pelo numero que tinham de matricula, mesmo quando esta elevou-se, em alguns annos, a
mais de 1100 alumnos. E tanto amava esses alumnos que esquecia-se do si para cuidar d
´elles, perdendo ás vezes dias inteiros de trabalho a livrai-os do recrutamento.
89.
Esse artista, tão honrado, tão digno e tão philantropico, morre, no emtanto, legando a
uma mai de 76 annos e a uma irmã também adiantada em annos a mais absoluta
pobreza. Por tão grandes e tão uteis serviços prestados ao paiz o governo Imperial deulhes os hábitos da Rosa e de Christo... Só isso.
90.
O partido liberal, que ufana-se de contar parlamentares e estadistas cmo Zacarias e
Octaviano, também se orgulha de ter Quirino Antonio Vieira militado em suas fileiras,
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com convicção e com desinteresse.
Uma lagrima à sua memoria. [118]
·
91.
O Globo, Rio de Janeiro, 28 de maio de 1876:
Este habil artista fluminense, discipulo de nossa Academia de Bellas Artes, acaba de
descer á ultima morada na terra, legando a uma octogenaria mãe e velha irmã um nome
honrado e de extrema pobreza.
E esse artista que produziu alguns trabalhos de escultpura de ornatos que honram a
92.
escola que o preparou, consagrára se ao Imperial Lyceo de Artes e Officios com tanta
dedicação e desinteresse que tocara ao devotamento.
93.
Ha mais de 17 annos que leccionava alli gratuitamente a aula theorico-practica de
cerámica, e desde 1846 que exercia as funções de secretario desse utilissimo
estabelecimento, comparecendo ao desempenho de tão philantrópica missão todas as
noites uteis e conservando-se em seu posto de honra desde ás 6 horas da tarde até as 10 e
ás vezes 11 da noite, em que ordinariamente terminam alli os trabalhos do ensino.
Era o finado cavalleiro das ordens da Rosa e de Christo, com que fôra agraciado em
94.
recompensa aos relevantes serviços que prestou á instrucção popular, mas a mais bella
de suas condecorações era o nome honrado e digno que soube conquistar, quer como
artista laborioso quer como professor philantropo.
Em signal de profundo sentimento o Lycêo encerra as suas aulas por oito dias e a
congregação dos professores toma luto por igual tempo.[119]
·
95.
Revista do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 28 de maio de 1876:
A semana que hoje finda despertou ao noticiar da imprensa diaria, que uma grande e
irreparavel brecha abrira a morte nas phalanges da vanguarda do progresso e da
civilisação. Um infatigavel lidador cahira quasi na arena do combate.
96.
Quirino AntonioVieira, dizia aquelle noticiar, ja não existe!
97.
E quem era Quirino Antonio Vieira?
98.
Um intelligente esculptor de ornatos que ornára a fachada da estação central da
Estrada de ferro de D. Pedro II com o bello grupo allegorico que emoldura o mostrador
externo do relógio; que ornamentára com grupos, florões, architraves e modilhões, de
estylo e phantasia , o palacete Nova Friburgo e o edificio da Santa Casa da Misericordia.
Um artista laborioso e honesto, um filho exemplar um digno cidadão emfim.
99.
Espirito esclarecido, alma generosa e pleno do mais nobre patriotismo, cedo
comprehendeu a sublime missão do Imperial Lycêo de Artes e Officios, que, por
singular coincidencia era fundação de um grande artista tambem dotado das mesmas
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qualidades moraes que elle; e desde que avaliou a importancia da missão a que se
destinava aquella instituição, devotou-se de corpo e alma a sua manutenção.
100.
Ha dezesete annos Quirino Antonio Vieira começou a leccionar nesse popular
estabelecimento, e desde então até este anno não abandonou jamais as suas aulas, quer
de dezenho, que a principio professou, quer de esculptura de ornatos e modelo em barro.
Por espaço de mais de dois terços de um quarto de seculo desempenhou
conscientosamente essa philantropica missão gratuitamente, como muitos não a
desempenhariam por dinheiro.
101.
Ha doze annos os collegas o elegeram secretário do Lycêo e nuna mais quizeram outro;
e que outro haveria que todas as noites uteis, desde as 6 horas da tarde até as 10 e 11 da
noite, estivesse trabalhando e fiscalisando aquelle vastissimo estabelecimento? - Onde
encontrar outro com tanto amos á causa da instrução que fizesse inteiro e completo
sacrificio de suas horas de repouso em proveito de uma escola popular?
102.
Doze annos, dia por dia, desempenhou Quirino o enfadonho encargo de escripturar a
matricula de 800 a 1.200 alumnos annuaes! E com que pontualidade, e com que zelo, e
com que bôa vontade!
103.
Um dia, porém, dia nefasto para aquelle estabelecimento, o batalhador enfraqueceu;
uma noite não pôde comparecer ao Lycêo, a enfermidade cruel, que de ha muito corroialhe a existencia, não o deixará sahir do leito e... não o deixou mais.
104.
Que legou Quirino Antonio Vieira, artista laborioso que por mais de trinta annos
exerceu continuamente a sua profissão? - Á sua velha mãe e irmã- a miseria; á
posteridade- um nome.
105.
O nome hade fulgurar esplendente de gloria na historia moral deste paiz, mas a miseria
hade arrancar lagrimas a quem deixou elle ao desamparo; lagrimas pungentes que são o
batismo da celebridade![120]
Referências bibliográficas
AZEVEDO, M. D. M. de (1877). O Rio de Janeiro; sua história, monumentos, homens
notáveis, usos e curiosidades. Rio de Janeiro: Garnier, 1877.
CAVALCANTI, Carlos (org.); AYALA, Walmir, (org.). Dicionário brasileiro de artistas
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nação em construção. 19&20, Rio de Janeiro, v. IX, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível em:
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FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O Ensino de Pintura e Escultura na Academia Imperial das
Belas Artes. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/aiba_ensino.htm>. Acesso em: 10 de outubro de
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FERRARI, Paula (org.). Manoel de Araujo Porto-Alegre: Discurso pronunciado na Academia
das Belas Artes em 1855, por ocasião do estabelecimento das aulas de matemáticas, estéticas,
etc.. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008. Disponível em:
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GALVÃO, A. Notas sobre as moldagens em gêsso da ENBA da UB. Peças preciosas da coleção
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LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e a Escola Nacional
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Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1852, 1858, 1859, 1860,
1861, 1863, 1869, 1870, 1871, 1872, 1874, 1875, 1876, 1877.
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A Reforma, 5 de fevereiro de 1870.
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Correio da tarde, 5 de novembro de 1856.
Correio do Brazil, 21 de fevereiro de 1872.
Correio Mercantil, 13 de fevereiro de 1854.
Correio Mercantil, 3 de setembro de 1856.
Correio Mercantil, 30 de setembro de 1856.
Correio Mercantil, 9-10 de dezembro de 1856.
Correio Mercantil, 10 de dezembro de 1856.
Correio Mercantil, 23 de julho de 1857.
Correio Mercantil, 24 de setembro de 1857.
Correio Mercantil, 6 de junho de 1859.
Correio Mercantil, 9-10 de dezembro de 1859.
Correio Mercantil, 10 de agosto de 1861.
Correio Mercantil, 23 de setembro de 1862.
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Correio Mercantil, 26 de setembro de 1862.
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Diário do Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1856.
Diário do Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1857.
Diário do Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1858.
Diário do Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1871.
Diário do Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1873.
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Gazeta de Notícias, 6 de janeiro de 1877.
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Ministério do Império, 1870 e 1871.
Jornal da Tarde, 30 de dezembro de 1870.
O Brasil, 31 de dezembro de 1842
O Brasil artístico.
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O Globo, 28 de maio de 1876.
O paiz, 5 de agosto de 1885.
Ministério do Império, 1870, 1871.
Revista do Rio de Janeiro, 1876.
[1] Doutorando em Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Bolsista PNAP Fundação Biblioteca
Nacional. O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa FBN/MinC.
[2] Atualmente sabemos muito pouco sobre estes escultores, apenas breves dados oferecidos por
dicionários ou breves menções, que se limitam a dados gerais e obras específicas. De modo a suprir esta
lacuna, oferecemos aqui um estudo detalhado com informações inéditas ao respeito, que trazem luz a dois
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artistas com atuações importantes, tanto na prática artística, quanto no ensino, e que ajudam a entender
melhor a arte brasileira oitocentista.
[3] O Brasil artístico, p. 64. Jacy Monteiro.
[4] O Brasil Artístico, p. 14.
[5] O Brasil Artístico, p. 14.
[6] O Brasil Artístico, p. 15.
[7] O Brasil Artístico, p. III-IV.
[8] O Brasil Artístico, p. 50. Manuel Ferreira das Neves.
[9] O Brasil Artístico, p. 17-18.
[10] O Brasil Artístico, p. 17-18.
[11] O Brasil Artístico, p. 48. Gault Filho.
[12] O Brasil Artístico, p. 16.
[13] O Brasil Artístico, p. 17-18.
[14] O Brasil Artístico, p. 23. Discurso recitado perante os membros fundadores da Sociedade
Propagadora das Bellas-Artes do Rio-de-Janeiro, no dia da sua organização em 23 de Novembro de 1856,
no edifício do Museu Nacional.
[15] O Brasil Artístico, p. 24-25.
[16] Correio Mercantil, 9-10 de dezembro de 1856.
[17] Correio Mercantil, 21 de maio de 1863.
[18] Correio Mercantil, 17 de fevereiro de 1868.
[19] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1869, p. 409.
[20] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1870, p. 403.
[21] Diário do Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1871.
[22] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1872, p. 410.
[23] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1874, p. 429.
[24] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1875, p. 464.
[25] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1876, p. 488.
[26] A Reforma, 28 de maio de 1876.
[27] Ministério do Império, 1870 e 1871.
[28] Revista do Rio de Janeiro, 1876, p. 160.
[29] Diário do Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1858. Correio Mercantil, 10 dezembro 1856.
[30] Correio Mercantil, 4 de fevereiro de 1868.
[31] Revista do Rio de Janeiro, 1876, p. 160-161.
[32] A Reforma, 31 dezembro 1870.
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[33] Gazeta de Noticias, 19 outubro 1881.
[34] Revista do Rio de Janeiro, 1876, p. 160-161.
[35] Ministério do Império, 1870 e 1871. CAVALCANTI, Carlos (org.); AYALA, Walmir, (org.).
Dicionário brasileiro de artistas plásticos. Brasília: MEC, INL, 1973, o situa como professor de
escultura de ornatos.
[36] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1860, p. 382. 1861, p. 341.
1862, p. 350. 1863, p. 350. 1871, p. 389.
[37] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1869, p. 409.
[38] A Reforma, 5 de fevereiro de 1870.
[39] Correio Mercantil, 17 de fevereiro de 1868.
[40] Correio Mercantil, 4 de fevereiro de 1868.
[41] Correio Mercantil, 9-10 de dezembro de 1859.
[42] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1860.
[43] Correio Mercantil, 19 setembro 1866.
[44] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1871, p. 390.
[45] Diário do Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1857.
[46] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1858, p. 352.
[47] A Reforma, 4 de março de 1870.
[48] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1874, p. 531.
[49] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1852, p. 78.
[50] FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O Ensino de Pintura e Escultura na Academia Imperial das Belas
Artes. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/aiba_ensino.htm>. Acesso em: 10 de outubro de 2014.
[51] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1860, p. 381.
[52] FERRARI, Paula (org.). Manoel de Araujo Porto-Alegre: Discurso pronunciado na Academia das
Belas Artes em 1855, por ocasião do estabelecimento das aulas de matemáticas, estéticas, etc.. 19&20,
Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/mapa_1855_discurso.htm>.
[53] O Brasil Artístico, v.1, p. 24.
[54] Segundo A Reforma, 28 de maio de 1876, o escultor morreu nesse mesmo ano, pelo que em 1877 já
estaria morto.
[55] CAVALCANTI, Op. cit., p. 477.
[56] O Brasil, 31 de dezembro de 1842.
[57] Arquivo do Museu dom João VI, EBA, UFRJ, 5992, 31/10/1862. Pacote 2 (Antonio de Padua e
Castro).
[58] Jornal da Tarde, 30 de dezembro de 1870.
[59] A Reforma, 31 de dezembro de 1870.
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[60] A Reforma, 28 de maio de 1876.
[61] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1861, p. 364.
[62] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1862, p. 374.
[63] O Globo, 31 de setembro de 1874. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de
Janeiro, 1874, p. 531.
[64] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1873, p. 485.
[65] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1876, p. 538.
[66] Correio Mercantil, 3 de setembro de 1856.
[67] Correio Mercantil, 10 de agosto de 1861.
[68] Correio Mercantil, 24 de setembro de 1857.
[69] Correio Mercantil, 21 de setembro de 1867.
[70] Correio Mercantil, 23 de setembro de 1862.
[71] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1872, p. 411.
[72] Correio Mercantil, 26 de setembro de 1862.
[73] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1869, p. 410.
[74] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1870, p. 404.
[75] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1871, p. 390.
[76] Correio Mercantil, 30 de setembro de 1856.
[77] Diário do Rio de Janeiro, 2 de junho de 1876.
[78] Arquivo do Museu dom João VI, 5992, 31/10/1862. Pacote 2 (Antonio de Padua e Castro).
[79] Revista do Rio de Janeiro, 1876, p. 160-161.
[80] AZEVEDO, M. D. M. de (1877). O Rio de Janeiro; sua história, monumentos, homens notáveis,
usos e curiosidades. Rio de Janeiro: Garnier, 1877, p. 21-22.
[81] GALVÃO, A. Notas sobre as moldagens em gêsso da ENBA da UB. Peças preciosas da coleção
escolar. Arquivos da escola de Belas Artes, 1957, pág. 130.
Ibid: pág. 130.
[82] Diário do Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1877. Neste ano tinha 46 anos, por isso nasceria em 1830
ou 1831.
[83] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1860, p. 351.
[84] Diário do Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1856.
[85] Correio Mercantil, 24 de setembro de 1857.
[86] Correio Mercantil, 30 de setembro de 1856.
[87] Correio Mercantil, 23 de julho de1857.
[88] Correio Mercantil, 30 de setembro de 1856.
[89] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1867, p. 380.
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[90] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1870, p. 404.
[91] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1871, p. 390.
[92] Diário do Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1873.
[93] Correio Mercantil, 6 de junho de 1859.
[94] CAVALCANTI, Op cit., p. 14, 477. No Constitucional, 18 outubro 1862, Correio da tarde, 5
novembro 1856, aparece como expositor na Exposição Nacional de 1862 com o busto do Sr. Bispo conde.
[95] Correio da tarde, 5 novembro 1856, Desconhecemos a que se refere ao falar dum trabalho destes.
[96] Diário do Rio de Janeiro, 16 novembro 1856.
[97] LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e a Escola Nacional de
Belas Artes. Período monárquico. Catálogo de artistas e obras entre 1840 e 1884, Ediciones Pinakotheke,
Rio de Janeiro, 1990.
[98] LEVY, Op. cit., p. 254.
[99] O Paiz, 5 de agosto de 1885.
[100] Revista Musical e de Bellas Artes, 19 de abril de 1879. Savarin.
[101] Revista Illustrada, 1879, ano IV, n. 155.
[102] Correio do Brazil, 21 de fevereiro de 1872.
[103] Gazeta de Notícias, 6 de janeiro de 1877.
[104]Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1861, p. 462.
[105] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1868, p. 111.
[106] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro , 1861, p. 100.
[107] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1859, p. 515.
[108] A Nação, 10 de julho de 1873. O templo referido seria a Capela Imperial.
[109] A Nação, 10 de julho de 1873. O templo referido seria a Capela Imperial.
[110] A Nação, 10 de julho de 1873.
[111] CHILLON, Alberto, Martín. O Gênio do Brasil e as Musas: Um manifesto ideológico numa nação
em construção. 19&20, Rio de Janeiro, v. IX, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_amc.htm>. Acesso em: 10 de outubro de 2014.
[112] O Brasil Artístico, v. 1, p.94.
[113] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1863, p. 350.
[114] O Brasil Artístico, 1857, v. 1, p. 94.
[115] Correio Mercantil, 13 de fevereiro de 1854.
[116] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1869, p. 344. Almanak,
1870, p. 341.
[117] O Brasil Artístico, p. 33. Francisco Gonçalves Braga.
[118] A Reforma, 28 de maio de 1876.
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[119] O Globo, 28 de maio de 1876.
[120] Revista do Rio de Janeiro, 1876, p. 160-161.
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