II. A presença portuguesa
1. Análise espectral da presença portuguesa
Como já foi referido no 1º volume deste Atlas1, Sua Santidade o Papa João
Paulo II afirmou que "(...) Angola tem quinhentos anos de encontro de culturas,
situação que a maioria do povos de África não conhece. Isso fez do vosso país
um povo distinto que não se pode incluir simplesmente numa determinada
corrente que arrasta os países da África Austral. Nuns, os colonizadores
viveram entre os colonizados. Aqui os colonizadores, apesar de tudo,
conviveram com os povos que encontraram. Daí a diferença específica que
distingue o povo angolano (...)”2.
Esse encontro de culturas iniciou-se com a chegada ao rio Zaire (actual rio
Congo) e aos seus sertões até ao Cuanza, o que, aliás, não obedeceu a uma
ideia preconcebida de conquista e colonização do Sul da África Ocidental,
como sucedeu com as ilhas de Cabo Verde, Costa da Mina e as ilhas do
Equador. Foi a execução metódica do Plano das Índias do Infante D. Henrique,
na febre de procurar por África o caminho mais curto e mais fácil para chegar
às terras do Preste João, que acabou por suscitar o achamento fortuito da foz
do rio Zaire.
Em 1473, o príncipe D. João é associado ao governo, passando a dirigir a
política atlântica. O príncipe D. João de Portugal reforça, então, a política de
"mare clausum” no Golfo da Guiné, com "esquadras da Guarda Costa" entre o
paralelo das Canárias e a Mina.
Com a morte de D. Afonso V em 1481, D. João II sobe ao trono. A sua
estratégia pode resumir-se à defesa da rota da Guiné; à busca da rota da Índia;
à neutralidade da Península, à presença mercantil e diplomática na Europa do
Mar do Norte e à vigilância rigorosa na segurança interna. Nesse ano de 1481
1
Atlas da Lusofonia, 1º Volume, Guiné-Bissau, edição do Instituto Português da Conjuntura Estratégica,
de colaboração com o Instituto Geográfico do Exército, 1ª Edição, Maio de 2001, p.6
2
Apelo em M'Banza Congo (ex-Salvador do Congo) durante a celebração da Palavra na esplanada da
velha catedral integrada na comemoração da mais antiga diocese de África Subsahariana erecta por bula
de Paulo II, de 3-XI-1534 em São Tomé e Príncipe,, in insegnamenti de Giovani Paolo II, XV, 1, 1992,
p.1788.
1
a Casa da Mina de Lagos é transferida para Lisboa, que com a de Arguim,
passa a ser conhecida, primeiro por Casa da Guiné e Mina e depois por Casa
da Mina e Trautos da Guiné. O novo Rei envia Diogo de Azambuja à Costa da
Mina, com o objectivo de fundar a Fortaleza de São Jorge da Mina para
assegurar assim o exclusivo do tráfego negreiro e de ouro do Golfo da Guiné.
Ainda nesse ano, por forma a manter em segredo o objectivo supremo de todo
o esforço náutico dos portugueses são aprovadas leis para:
salvaguardar o exclusivo de utilização da caravela, não permitindo a
sua venda e a sua construção fora do território nacional;
proibir os pilotos, mestres e marinheiros de servirem outras nações;
considerar património secreto do Estado:
as cartas de marear e os mapas mundo;
os livros de marinharia, de astrologia e de viagens;
os roteiros e as relações dos escrivães de bordo.
Aquele monarca tendo conhecimento, através das anteriores navegações de
João de Santarém, Pedro Escobar, os dois Sequeiras e Lopo Gonçalves, de
que o Continente se prolongava para Sul, incumbiu Diogo Cão, de prosseguir a
exploração da extensa costa africana até lhe encontrar o fim, ou uma
passagem fluvial para as Índias.
Diogo Cão parte do Tejo com duas caravelas, levando consigo três marcos
de pedra para sinalizar com padrões de soberania as novas terras descobertas.
Na sua viagem fez escala nas ilhas da Madeira e nas Canárias, passou pela
actual Gâmbia e pelo Castelo da Mina, passou o cabo Lopo Gonçalves e
ultrapassou o de Santa Catarina (último ponto onde se chegara em tempo de
D. Afonso V). Após alguns dias de navegação deparou-se em pleno oceano
com uma corrente abundante de água doce, pelo que seria de presumir estar
próximo um grande rio. Assim foi encontrada a foz do rio a que os locais
designavam por Djazi (adaptado pelos portugueses para Zaire), ficando a sua
posição assinalada nas cartas e pelo padrão de S. Jorge.
Seguindo as instruções de D. João II foi reconhecida a navegabilidade do
grande rio e encetadas relações com o gentio das margens. Diogo Cão chega
assim às terras do Muéne Massinga-á-Cuum, ou Senhor do Congo com Banja
em Ambasse. O navegador português depois subiu o rio até às quedas de
2
Yelala a cerca de 180 quilómetros da foz. Como se reconhecera impraticável ir
até às terras do Prestes João pelo grande rio descoberto, era forçoso continuar
a exploração pela Costa de África em direcção a Sul, continuando a viagem até
cabo Ledo, onde deixou o segundo padrão, ou de Santo Agostinho, e ainda
mais a Sul, já em águas frias, deixa outro padrão na Serra Parda, ficando
assim descoberta e assinalada toda a costa do actual território de Angola.
No regresso a Portugal, Diogo Cão, que a mando de D. João II envia ricos
presentes ao Senhor do Congo, trás consigo quatro notáveis indígenas para
poderem transmitir informações mais detalhadas sobre o potentado negro e o
seu ignorado Império. O navegador português é bem acolhido na sua segunda
viagem ao Zaire (actual Rep. Dem. do Congo), onde volta em 1484, o que
facilitou o estabelecimento de laços para um bom entendimento e
estabelecimento dos portugueses no Reino do Congo, ponto de partida para a
imensa Angola.
Para os europeus passara a existir um Reino e um Rei do Congo e para os
habitantes do Congo, o Rei de Portugal era pura e simplesmente o "Rei do
Mundo" - o Muene-Puto. É o próprio Senhor do Congo, quem solicita ao "Rei
do Mundo", gentes de Igreja para pregarem ao seu povo a nova crença, e
homens de ofício para em suas terras lhe erguerem templos e moradias iguais
às de Lisboa.
O regimento de D. João II a Rui de Sousa, chefe da primeira missão
diplomática ao Congo, visava servir-se do prestígio e autoridade dos chefes
gentílicos para a penetração pacífica da influência portuguesa nos sertões, por
via duma intensiva acção espiritual de apostolado e dum adequado trato de
comércio. O esforço apostólico português deixa assim de actuar por actos
isolados para enveredar numa política de conversão dos reis gentios e na
formação de uma elite clerical nativa, acabando o próprio Rei do Congo por ser
baptizado, em 1491.
A partir de então, posto que o sempre incipiente império militar e
comercial das Índias se tivesse tornado prioritário e absorvente a "empresa
magna da Corte e da Nação", não só não abandonou Angola, de um modo
lento e obscuro, como exerceu o esforço secundário do Império de se infiltrar
no Congo e de explorar geograficamente todo o Sudoeste da África ocidental.
Foi a Duarte Pacheco a quem D. João II encarregou de reconhecer e fazer o
3
levantamento da costa, já descoberta, desde o rio Zaire (actual rio Congo) até
ao rio Dande e da ilha de Luanda até à foz do Cuanza (figura xxx). MAPA DO
FIGUEIREDO AQUI
O Tratado de Tordesilhas, que substitui o Tratado das Alcáçovas (1479),
numa nova redifinição dos espaços estratégicos de recurso e para
alastramento, foi assinado a 7 de Junho de 1494.
A vã tentativa de D. Manuel I de imposição do modelo político e
organizacional português leva-o a enviar uma nova embaixada liderada por
Simão da Silva, portador de um novo regimento. Este documento que vem
estabelecer a política portuguesa, sublinhava a importância de manter a ordem
sem ofender os nativos, nem provocar escândalos. A actuação lusa seria mais
no âmbito da cooperação e da assistência espiritual e técnica, pois os
portugueses deveriam desempenhar sobretudo um papel de conselheiros. O
regimento não refere qualquer tipo de intervenção militar, assentando
sobretudo na vertente comercial. A coberto destas relações amistosas com os
Reis do Congo, Portugal passa a assegurar o resgate da mercadoria mais
preciosa do sertão: o escravo.
O N’gola da região mais a sul, expressou ao Rei do Congo interesse pelos
portugueses e por Portugal. Em resposta foi enviada uma missão ao reino
N´gola (1520) - depois conhecido por Angola – portador também de um
regimento, constituído por Manuel Pacheco e Baltasar de Castro. Ao mesmo
tempo que expressava a intenção da cristianização, o regimento manifestava
também a preocupação pela identificação das eventuais regiões produtoras de
prata; porém o modelo experimentado no Congo não terá o mesmo sucesso
em N’gola.
D. João III, em consequência da acção dos corsários e actuação no Atlântico
e no Brasil dos calvinistas é forçado a reflectir e a assumir um conceito
estratégico, traduzido pela intenção de abandonar o Norte de África, de manter
o possível no Oriente e de “(...) promover sistematicamente a colonização do
Brasil (...)”3. África ficará praticamente esquecida. Só em 1560, Paulo Dias de
Novais e uma pequena delegação de jesuítas chegam às terras banhadas pelo
rio Cuanza.
3
C. R. Boxer, “O Império Marítimo Português 1415-1825”. Lisboa: Ed. 70, 1992, p. 97
4
A necessidade de enquadrar o tráfico escravo e de consolidar a presença
portuguesa nas margens continentais do Atlântico sul, induz uma nova
expedição de Paulo Dias de Novais, que chega à ilha de Luanda em Janeiro de
1575, com o posto de capitão-general e portador de uma carta régia, onde se
afirmava que o Reino de Angola devia ser dominado e conquistado, que se
deveria verificar a conversão e que os benefícios comerciais seriam para o
monarca português e para Portugal. D. Sebastião faz a doação de cartas, que
criam a capitania de Angola, a favor de Paulo Dias de Novais.
Novais, acompanhado de setecentos portugueses, cria a capital em Luanda
(1575) e constrói três fortalezas, e em 1580 empreende a ocupação para o
interior. Em 1580 estabelece-se em Macumbe e em 1582 chega às minas de
Cambambe e desloca-se para a confluência do Cuanza com o Lucala, onde se
fortifica e estabelece, dando origem ao presídio de Massangano. Em 1583,
funda-se o presídio de Adenda ou Demba. Contudo, só em 1587, é que os
portugueses chegam ao antigo Reino Angolano de Benguela.
O desaparecimento de D. Sebastião, em terras de África, no combate ao
“infiel”, provocou uma inevitável crise sucessória. Filipe II de Castela, após
acção militar vitoriosa, desloca-se a Portugal, onde é jurado e aclamado Rei,
nas Cortes reunidas em Tomar. Pela união das duas Coroas, o meridiano de
Tordesilhas perde o seu significado, abrindo-se assim portas para uma
penetração no "hinterland" brasileiro.
Diogo Ferreira, em 1588, expõe a Filipe I de Portugal a necessidade de
socorrer Angola e propõe um plano de conquista e alargamento daquele
território até à contra costa.
Depois de 1589, os Governadores do Reino enviaram a África, Domingos de
Abreu e Brito, afim de estudar in loco se valeria a pena conservar Angola. Este
elaborou um relatório que eliminou as dúvidas quanto ao interesse da presença
portuguesa naquela região, nomeadamente pela facilidade que conferia em
comunicar com a outra costa onde se situavam as minas do Monomotapa, que
os indígenas “suases” alcançavam em viagens de apenas 15 dias4. Também o
Padre Jesuíta, Francisco de Gouveia, em 1593, fez uma referência ao
4
Um Inquérito à Vida Administrativa e Económica de Angola e do Brasil por Domingo de Abreu e Brito,
Coimbra, 1931.
5
interesse em explorar o interior de Angola, com vista à ligação com a região do
Monomotapa5.
Em 1595, termina o monopólio da navegação portuguesa, altura em que os
holandeses realizam a primeira viagem à Ásia, pelo cabo da Boa Esperança.
Um ano depois são criadas as Dioceses de Angola e Congo.
Em 1606, o Governador de Angola, D. Manuel Pereira Forjaz, procurou
concretizar o plano de união de Angola à contra-costa, encarregando disso
Baltazar Rebelo de Aragão, que não passou de Chicova.
Huig van Groot surge, em 1608, com a sua doutrina De Mare Liberum, onde
procura demonstrar a falta de direitos reivindicados pelos reinos ibéricos
relativos ao domínio dos mares e ao senhorio da Índia. Ingleses, franceses e
holandeses passam assim a entrar em disputa pelas possessões portuguesas,
tanto no Atlântico, como no Oriente. No Brasil as incursões são levadas a efeito
pelos franceses, procurando estabelecer a França Antárctica, e pelos
reformistas holandeses, através da West-Indische Compagnie. Estes vão
ocupar ainda grandes áreas também em Angola.
Em 1614, é fundado o presídio de Ambaca e Luís Mendes de Vasconcelos,
que governou Angola de 1616 a 1620, procurou conquistar o Monomotapa por
Angola, pois no seu entender, podia abrir-se caminho “(...) para se poder de
Angola ir à Índia sem dobrar o Cabo da Boa Esperança (...)”, ficando assim os
estados da Coroa de Portugal a dar as mãos “(...) huns aos outros; porque
Angola poderá socorrer a Índia facilmente, o Brasil a Angola, e poderão della
vir correos por Angola em todo o tempo, porque em todo se navega de Angola
para o Brasil e do Brasil para Portugal (...)”6. Estas citações são para o
Professor Silva Rêgo o demonstrativo que no primeiro quartel do Século XVII
“(...) não só se encarava a estratégia do espaço português, constituído
principalmente pela Metrópole, Brasil Angola, Moçambique e Índia, como
também se desejava intensificar ainda mais o embarque de portugueses para o
Estado da Índia (...)”.7
António da Silva Rego, “O Ultramar Português no Século XIX”. Lisboa: A.G.U., 2ª Edição, pp. 178 e
seguintes.
6
Lacerda de Almeida, “Travessia de África”, pp. 14-22.
7
António da Silva Rego, ob. cit., pp. 180-183 e Avelino Teixeira da Mota “A Cartografia Antiga da África
Central e a Travessia entre Angola e Moçambique 1500-1860”. Lourenço Marques: 1964.
5
6
Em 1617, Manuel Cerveira Pereira funda São Filipe de Benguela, que é
englobada como governo subalterno no Governo Geral de Angola e Congo e a
Inquisição instala-se nas colónias africanas em 1626.
Com ajuda francesa, D. João IV é aclamado Rei de Portugal. Apesar dos
tratados de aliança, entre o novo monarca e os Estados Gerais das Províncias
Unidas, em terras de Santa Cruz, os holandeses continuam a alargar os seus
domínios ultramarinos, tanto no Brasil, como em África (S. Tomé e Angola),
ocupando, em Agosto de 1641, a costa angolana até Benguela, reclamando
ainda Maurício de Nassau a anexação de Angola ao território de Pernambuco.
Simultaneamente os invasores calvinistas conseguem estabelecer relações
cordiais com o Rei católico Garcia II do Congo e com a Rainha Ginga do
Dondo.
Face à preocupação manifestada por D. João IV na recuperação da
soberania sobre os territórios ultramarinos ocupados pelos holandeses,
Salvador Correia de Sá e Benevides, a 21 de Outubro de 1643, apresenta um
parecer ao Conselho de Guerra sobre a situação de Angola e do Brasil. Este e
outros pareceres posteriores, apoiados pelo Padre António Vieira8, serviram de
orientação ao Conselho de Guerra e Ultramarino para a definição da política de
recuperação daqueles territórios9.
Salvador Correia de Sá e Benevides parte de Lisboa, em Novembro de 1647,
como Governador e Capitão-General do Reino de Angola, Governador do Rio
de Janeiro e das Capitanias do Sul (Rio de Janeiro, Espírito Santo e S.
Vicente), com poderes para reunir os meios navais e de combate, organizados
e comandados por capitães de mar e guerra, para expulsar os holandeses de
Angola e defender e concretizar a sua política atlântica triangular das rotas
marítimas que deveriam estreitar Portugal ao Brasil, e o Brasil a Angola e a
Portugal. Em 1648 uma expedição luso-brasileira, saída do Rio de Janeiro,
conquista Luanda. Ainda em 1648, forças portuguesas, comandadas por
Francisco Barreto, vencem os holandeses na primeira batalha dos Guararapes
(Brasil). O triângulo Angola – Brasil – Portugal era essencial para a
sobrevivência deste último e foi assim restaurado.
Luís Norton, “A Dinastia dos Sás no Brasil (1558-1662)”. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1943, pp.
70 - 73.
9
Idém, pp. 43 - 52.
8
7
As lutas luso-holandesas iniciadas com os ataques às ilhas do Príncipe e de
São Tomé, em 1598–1599, só terminaram em 1663, com a conquista das
colónias do Malabar. Nos termos da paz, fixados apenas seis anos depois, em
Lisboa e Haia, os portugueses mantiveram o controlo sobre Angola e
Benguela. Em 1650-51, D. António de Sousa Macedo vai à Holanda realizar
negociações sobre o Ultramar Português, tendo as autoridades portuguesas e
holandesas assinado um tratado através do qual é reconhecido o domínio de
Portugal sobre Angola, S. Tomé e Brasil, enquanto o governo de Haia
conservava Ceilão.
Em Angola funda-se Punguandongo (1671), são edificados os presídios de
Caconda (1682) e de São José de Encoge (1759), em Luanda instala-se a
Alfândega e uma Ribeira das Naus (1766) e é construído o presídido de Novo
Redondo (1768).
Após a expulsão dos holandeses e dos calvinistas podemos deduzir um
conceito estratégico português para a África a Sul do Equador que se pode
esquematizar da seguinte forma:
-
procurar estabelecer uma ligação terrestre entre a Costa
Ocidental Atlântica e a Costa Oriental do Índico através do
planalto da Huíla, Cubango, Cuanda, Zambeze, Garenganze,
Barotze
e
Bashukulumbwe,
Leoangiva,
Monomotapa
e
Lobengula, Angonia, Makanja e Mashona e Namika e Senna.
-
consolidar a soberania:
-
na costa ocidental entre as latitudes 5º12’’ (rio Chiloango)
até aos 18º de latitude meridional (cabo Frio), penetrar para
o interior de Norte para Sul até ao rio Cuango e, pelo
planalto da Huíla, Cubango e Barotze até à outra costa;
-
na costa oriental, entre cabo Delgado, de Norte para Sul,
ultrapassando o lago Niassa e o Loangwa, Senna e Manika
e Lohengula até à outra costa;
-
exercendo o esforço na costa oriental.
A independência dos Estados Unidos da América, em 1776, e a Revolução
Francesa em 1789 justificavam profundas alterações da área estratégica
portuguesa no século XVIII. Porém, a estratégia lusa nesse século, assim como
já tinha sido no século anterior, continuou a apoiar-se e a consolidar-se no
8
triângulo estratégico atlântico português Portugal-Brasil-Angola, continuando a
exercer-se o esforço no Brasil.
Em 1798 a Academia Real das Ciências de Lisboa patrocina o Dr. Lacerda e
Almeida, na travessia para ligar as costas de Angola e Moçambique, de
Oriente, para Ocidente, o qual veio a morrer de esgotamento antes de a
conseguir. Tal feito só foi conseguido em 1811, por Pedro João Baptista e
Amaro José que chegam a Tete (Moçambique) vindos do Cassanje, (Angola),
completando assim, a travessia de África de costa a costa.
Com as campanhas napoleónicas na península, a Corte desloca-se para o
Rio de Janeiro, no Brasil, em 1807. Em Agosto de 1821, D. João VI regressa a
Portugal e a 7 de Setembro a independência política do Brasil é formalmente
proclamada por D. Pedro. Este sim foi o marco que ditou profundas alterações
no conceito estratégico português.
O Marquês de Sá da Bandeira, após as lutas liberais, apercebendo-se do
papel que a África viria a desempenhar no futuro jogo político dos principais
Estados Europeus10, decidiu exercer o esforço nesse Continente. Assim, o
Governo Setembrista criou, em 7 de Dezembro de 1836, três Governos Gerais
para o Ultramar11 e procurou transferir o fluxo da emigração, então orientado
para o Brasil, para África, encorajando os emigrantes descontentes, no Brasil, a
passarem a Angola.
Os desígnios do Marquês não conseguiram ser satisfeitos. A África
permanecia no imaginário português da época, como uma terra de expiação,
perigosa, em que só os criminosos e aventureiros podiam aspirar a sobreviver
e prosperar12. A metrópole procurava colonizar, mas não tinha colonos. Além
do mais, não eram oferecidas perspectivas de futuro significativamente sólidas
a um candidato à emigração e os territórios estavam infestados de doenças
tropicais, que só foram dominadas depois da 2ª Guerra Mundial. Para que
aquele continente passasse a ser destino de emigrantes livres, eram
Joaquim Veríssimo Serrão, “História de Portugal”. Lisboa: 2º Ed., 1978. Vol. VIII, p. 124.
O Governo de Cabo Verde, englobando o arquipélago e a parte continental (a Guiné ); o Reino de Angola
e de Benguela com os demais pontos da África Ocidental e a sul do Equador; o de Moçambique e as
possessões da África Oriental; e um Governo particular abrangendo S. Tomé e Príncipe e o Forte de S.
João Baptista de Ajudá.
12
Yves Léonard, “I- A Ideia colonial, olhares cruzados (1890 –1930)”. In Francisco Bethencourt e Kirti
Chaudhuri, “História da expansão portuguesa”. Navarra: Círculo de Leitores, 1998. Vol. IV, p. 533.
10
11
9
necessárias as infra-estruturas adequadas, segurança e condições de
salubridade para os futuros colonos.
Podemos considerar que os fundamentos que estabelecem uma orientação
estratégica nacional e que definem a forma portuguesa de estar, até à
delimitação das fronteiras definitivas dos domínios ultramarinos em África,
aparecem já claramente expressos no relatório apresentado às Cortes, pelo
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Marquês de Sá da Bandeira,
em 19 de Fevereiro de 1836, e no preâmbulo do Decreto de 10 de Dezembro
do mesmo ano (o qual também abolia o tráfico de escravos) AQUI INSIRO A
CARTA NUMA DAS LATERAIS E A ITÁLICO. Tanto no relatório como no
preâmbulo, apesar da recriação do império português aparecer fundada, antes
de
mais,
no
passado
histórico,
a
sua
argumentação
centrava-se
eminentemente na natureza económica do novo projecto colonial.
Em 1838 é criada uma companhia de navegação para ligar o Reino a Angola
e, um ano mais tarde, é publicada em decreto uma carta régia, em que a
Rainha autoriza a fundação da “Associação Marítima e Colonial” com as
secções de Marinha Militar, Colónias e Marinha Mercante. Em 1842 é assinado
um tratado com a Inglaterra destinado à abolição da escravatura.
O explorador Joaquim Rodrigues Graça, em 1843, é encarregado de se dirigir
para o interior da província de Angola e demandar as cabeceiras do rio Sene e
o Bié e, em 1844, o porto de Luanda é aberto à marinha de comércio
estrangeiro. O primeiro grupo de colonos portugueses vindos do Recife (Brasil),
chega a Angola e funda a cidade de Moçâmedes (actual Namibe), no ano de
1849.
Com a Regeneração inicia-se uma nova fase política em Portugal. O
Setembrista Sá da Bandeira é nomeado para a presidência do Conselho
Ultramarino - criado por decreto a 23 de Setembro de 1851 - mantendo-se
assim a sua concepção imperial13.
Morre D. Maria II no ano de 1853 sendo nomeado regente D. Fernando. Silva
Porto chega ao Lui, no Barotze, e daí envia para Leste o pombeiro João da
Silva.
13
Valentim Alexandre, “Nação e Império”. In Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, “História da
expansão portuguesa”. Navarra: Círculo de Leitores, 1998. Vol. IV, p. 90.
10
No ano de 1854 é publicada a lei que considerava libertos todos os escravos
pertencentes ao Estado, estabelecendo também a libertação de todos aqueles
que fossem importados por via terrestre para quaisquer domínios de Portugal.
Por ter atingido a maioridade D. Pedro V é aclamado Rei em 1855. Em 1857
é criado na Huíla uma colónia militar agrícola e em 1858 a Companhia União
Mercantil estabelece as primeiras carreiras regulares, a vapor, da metrópole
para Angola e é publicado o decreto que fixa o termo da escravidão, daí a 20
anos.
Em 1861, inicia-se o reinado de D. Luís que, em 1864, assina o decreto que
cria o Banco Nacional Ultramarino, o qual vem a ser fundado no ano seguinte.
Ainda nesse ano, Rebelo da Silva abraça a pasta da Marinha e Ultramar, e
constitui uma comissão para estudar a reforma das instituições administrativas
do Ultramar, da qual resultou a aprovação por decreto da Nova Carta Orgânica
da Administração Ultramarina onde predominava a orientação assimiladora.
Com a nova carta, o Ultramar ficou dividido em 6 províncias: Cabo Verde ou
Senegambia Portuguesa, que continuava a compreender a Guiné; S. Tomé e
Príncipe com S. João Baptista de Ajudá; Angola; Moçambique; Estado da Índia;
Macau e Timor. Cada uma delas tinha um governador com atribuições civis e
militares e eram governadores-gerais os de Cabo Verde, Angola, Moçambique
e Estado da Índia, que tinham junto um Conselho de Governo e uma Junta
Geral da Província. Neste ano foi ainda decretada a extinção definitiva da
escravatura em todos os domínios portugueses.
Em 1872 têm início as reacções organizadas nas regiões habitadas por
povos rebeldes que rejeitavam a presença portuguesa através de actos de
rebeldia; dois anos mais tarde inicia-se o estudo da linha férrea de Luanda a
Malanje.
O Marquês de Sá da Bandeira morre em Lisboa, em 1876. Nesse mesmo
ano é proposta, em sessão da Sociedade de Geografia de Lisboa, a viagem de
travessia do Continente africano por Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e
Serpa Pinto. Este, em 1877, vai de Benguela ao Bié e estuda as nascentes do
Cuanza e, Capelo e Ivens iniciam uma expedição onde percorrem as regiões
de Benguela às terras de Iaca, determinando os cursos dos rios Cubango,
Luando e Tohicapa.
11
No ano de 1880, é organizada a Empresa Nacional de Navegação e em 1882
é apresentado o projecto do caminho de ferro de Luanda-Malanje, sendo
autorizada a sua construção a 16 de Julho de 1884; porém o início da obra só
se deu em 31 de Outubro de 1886.
O Chanceler Bismark convoca para Berlim, nos finais de 1884, uma
conferência para a qual Portugal aceita o convite para participar, enviando uma
delegação constituída por António de Sena Pimentel, Luciano Cordeiro, Carlos
du Bocage e os Condes de São Mamede e de Penafiel. Entretanto efectua-se a
expedição de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, atravessando a África de
Luanda a Tete e chegam os primeiros colonos a Angola, oriundos da Madeira,
enquanto que Henrique de Carvalho explora a Lunda.
Nesse mesmo ano (1884), a Grã-Bretanha reconhece a Associação
Internacional do Congo. No ano seguinte, Portugal e a Associação
Internacional Africana assinam a Acta da Conferência de Berlim, que cria o
Estado Livre do Congo e em 1886 é apresentado internacionalmente o Mapa
Côr-de-Rosa. Entretanto as fronteiras entre Angola e o Congo Francês são
definidas por uma convenção Luso-Francesa.
Paiva Couceiro ocupa o Barotze, na Zâmbia em 1889 e no ano seguinte
empreende a exploração do Bailundo ao Mussulo. Entretanto é assinado o
acordo Anglo-Português sobre o Zambeze, garantindo aos ingleses o controle
total da região e alguns direitos coloniais sobre o Congo. Dois anos mais tarde
Artur de Paiva explora o Cunene, a partir de Humpata.
No decorrer do ano de 1897 a crise financeira acentua-se em Portugal. No
ano seguinte são feitas várias tentativas para obter um empréstimo em
Londres, oferecendo Portugal, como garantia, o rendimento das alfândegas
coloniais, o que levanta objecções da França e da Alemanha. Os Ingleses
aceitam as objecções por recear o agravamento da situação no Transval e não
desejar hostilizar a Alemanha. Entretanto o Governo Inglês comunica ao
Marquês de Soveral, ministro português em Londres, que “(...) tinham sido
respeitados os direitos de soberania de Portugal e suas colónias (...)” e que a
Alemanha “(...) tinha resolvido subscrever uma parte do empréstimo, se
Portugal o pedisse, com a garantia das suas colónias (...)”.
12
Ingleses e alemães iniciam conversações onde se falava em Cabo Verde
e Timor. Portugal estava alheio a estas negociações e acabaram por ser
assinados três documentos:
-
uma convenção sobre o possível pedido de empréstimo feito por
Portugal;
-
uma convenção secreta para a hipótese de Portugal não poder manter
as suas colónias africanas a Sul do Equador e a ilha de Timor;
-
uma nota secreta sobre concessões nas esferas de influência.
O empréstimo alemão seria garantido com o Norte de Moçambique a partir
do Zambeze; com a parte Sul de Angola, não incluída na esfera inglesa; e com
a parte de Timor (figura xxx
Divisão do império português segundo a convenção secreta anglo-alemã de
).
1898
Em 1899 Portugal tenta negociar um empréstimo com a França e surge a
hipótese de hipotecar as alfândegas dos Açores, a que os ingleses se opõem.
É nesta altura que os EUA revelam pela primeira vez interesse pelos Açores.
O desencadeamento do conflito Anglo-Boer dá a oportunidade ao Marquês
de Soveral de retomar as conversações com Lord Salisbury e de neutralizar o
efeito das conversações anglo-alemãs que não conhece em pormenor, mas
que sabe serem preparatórias de uma partilha das possessões portuguesas em
África e na Oceânia.
Em 14 de Outubro de 1899 o Marquês de Soveral consegue obter uma
declaração secreta, conhecida por Tratado de Windsor, em que reforçam os
Tratados da Aliança de 1642 e de 1661 e pela qual Portugal se obrigava a não
autorizar a importação e passagem de armas e munições de guerra destinadas
à República da África Meridional (Transval), através do território de
Moçambique, e a não proclamar a neutralidade, em caso de guerra, entre a
Inglaterra e aquela república.
A imprensa e a opinião pública portuguesas, que já eram contra a Inglaterra,
ao terem conhecimento desta atitude lançam graves acusações ao Governo e
à Casa Real. Só as classes dirigentes têm a consciência plena de que o país
depende comercial e politicamente da Inglaterra e a imprensa é alimentada por
notícias de origem francesa, espanhola e alemã.
13
No ano de 1901, dá-se a reorganização de forças militares ultramarinas e em
1902 é autorizada a construção e exploração do caminho de ferro de Benguela,
tendo sido dada a sua concessão a Robert Williams.
A Companhia de Cabinda é criada em 1903, ano em que se inicia a
construção do caminho de ferro de Benguela.
Em 1904, no Sul de Angola, os Cuamatos atacam e dizimam quinhentos
homens sob o comando do Capitão Pinto de Almeida. Em 1906 é criada uma
Escola Colonial na Sociedade de Geografia de Lisboa e o Coronel Roçadas
efectua acções punitivas sobre os Cuamatos, “pacificando” João de Almeida os
Dembos, enquanto que, na metrópole, se revoltam as guarnições dos
cruzadores "D. Carlos" e "Vasco da Gama". Estas acções, foram os indicativos
ostensivos da revolução, em preparação activa, que deveria eclodir em Janeiro
de 1908. Os Cuamatos e os Dembos voltam a dar sinais de rebeldia em 1907.
O regicídio, em 1908, provoca uma pausa nos trabalhos revolucionários e D.
Manuel I, que não estava preparado para ser rei, assume o poder. É ainda
nesse ano que se dá a revolta do chefe Dembo, Cazuangongo.
O general João de Almeida ocupa o Evale, Cafine e todo o Baixo Cubango
em 1909. Em 1910 a família real parte para o exílio e a república é implantada
sendo aprovada a Constituição Política da República Portuguesa e eleito o
primeiro presidente constitucional da república, Manuel Arriaga. A república cria
o Ministério das Colónias que integra o Conselho Colonial. Neste ano inicia-se
a construção do 2º troço do caminho de ferro de Benguela (mais 123 km), e no
ano seguinte constroi-se mais um troço de 40 km.
As negociações sobre a partilha das colónias portuguesas entre alemães e
ingleses, embora em ambiente informal, continuam em bom ritmo. Todas as
aberturas e promessas de facilidades da Inglaterra tinham como finalidade
única desencorajar os alemães de prosseguirem no seu programa naval, que
estes destinavam à participação na partilha da Ásia.
O Kaiser resiste às tentações, mas os ingleses não desistiram de negociar,
oferecendo o abrandamento da sua política de expansão em África, o apoio a
possíveis negociações alemãs para a aquisição da colónia de Angola, parte do
Congo e a cedência de Zanzibar e Pemba, exigindo em contrapartida o
adiamento da construção de couraçados, a desistência sobre Timor e a
cedência do caminho de ferro de Bagdade.
14
Apesar de tudo, a lei da marinha alemã é aprovada em 14 de Novembro,
embora o ambiente de desespero das negociações tenha sido levado ao ponto
da Inglaterra ter oferecido aos alemães, em troca de Timor, S. Tomé e Príncipe
e até a Madeira, os Açores, Cabo Verde, o delta do Zambeze e a margem
oriental do lago Niassa.
Nesta conjuntura, em virtude das dificuldades financeiras e das perturbações
internas da metrópole, aventa-se a possibilidade de as colónias portuguesas se
separarem e tornarem independentes, procurando a Inglaterra e a Alemanha
agravar ainda mais a situação financeira de Portugal, visando provocar um
grande empréstimo anglo-alemão com garantia colonial; no fundo uma revisão
do acordo secreto de 1898.
Em 1913, realizam-se novas acções militares contra os povos dos Dembos,
desta vez empreendidas por Norton de Matos e é construído o 4º troço do
Caminho de ferro de Benguela, (mais 160 km).
Entretanto, os países europeus que cobiçam os territórios portugueses,
verificam que Portugal está dividido pelos partidos políticos e que os perigos
que ameaçam as colónias não têm despertado o interesse que se tinha
previsto, e que não havia qualquer intenção do Estado para pedir empréstimos
vultuosos para fazer face à situação financeira em riscos de rotura.
O governo mostra-se preocupado com as declarações de Bismark referentes
às negociações com a Inglaterra sobre a África. A diplomacia interveio e a
Inglaterra volta a descansar a legação portuguesa em Londres afirmando que a
integridade das colónias portuguesas será respeitada.
Convém lembrar que as referências feitas relativamente às negociações
anglo-alemãs, só foram conhecidas depois da 1ª Guerra Mundial, após a
publicação dos documentos oficiais alemães, franceses e ingleses.
No ano seguinte, as negociações anglo-alemãs para a revisão do tratado de
1898, começam a entrar numa fase de desconfiança. Sir A. Hastings pede ao
Governo Português que dê a conhecer ao Governo Inglês as concessões de
caminhos de ferro e portos que fossem requeridos pelos alemães; no entanto,
tanto a Inglaterra como a Bélgica declaram-se indiferentes quanto ao interesse
que a Alemanha pudesse revelar em relação a Angola, desde que Portugal se
defendesse politicamente.
15
De Berlim, o ministro Sidónio Pais aconselha o governo a satisfazer certos
desejos económicos da Alemanha, com o argumento de que a Europa não
consentiria, por muito mais tempo, o atraso das colónias portuguesas.
É nomeada uma comissão mista luso-alemã para estudar a ligação ferroviária
do Sul de Angola com o Sudoeste Africano Alemão. Os alemães enviam
imediatamente para Angola, engenheiros, agrónomos e comerciantes,
assistidos por um comissário português que, em missão de estudo, percorrem
todo o Sul do território angolano, para iniciarem os trabalhos de planeamento
para a implantação do caminho de ferro da Damaralândia.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros dá instruções para Londres ao Ministro
Teixeira Gomes, para solicitar, no caso de eventualidade de guerra,
declarações do Foreign Office que orientassem com segurança o procedimento
português como aliado, dando a indicação que a situação que convinha a
Portugal era a de neutralidade. Em resposta foi pedido encarecidamente que
não se fizesse qualquer declaração de neutralidade, e Portugal afirmou que em
qualquer caso a Inglaterra nos teria sempre a seu lado.
A Alemanha declara guerra à França, invadindo a Bélgica, iniciando-se assim
a primeira Guerra Mundial. A Inglaterra declara guerra à Alemanha. A situação
internacional gera internamente duas correntes de opinião: a intervencionista e
a não beligerante, fazendo o Presidente do Conselho uma declaração perante
o Parlamento em que afirma que os portugueses estavam dispostos a fazer
tudo para corresponder à amizade da Inglaterra, sem nenhum esquecimento
dos deveres da aliança que livremente haviam contraído. Neste ambiente são
consagrados os princípios de autonomia administrativa e financeira das
colónias.
Na África, governadores esclarecidos e regularmente informados vêem não
só as ameaças alemãs, como o abandono a que Portugal seria votado pelos
seus aliados em caso de ataque, pelo que reforçam as medidas de garantia do
território, tanto em Angola, como em Moçambique. Desde 1913 que estavam
preparados, dentro das possibilidades locais, para não deixar ocupar qualquer
parcela do território.
O decreto que mandou organizar as primeiras expedições militares para
Moçambique e Angola é de 18 de Agosto de 1914 e o ataque a Maziúa, na
fronteira do Rovuma, verifica-se na noite de 24 para 25 de Agosto.
16
O General Pereira d’Eça, ministro da guerra, toma a iniciativa de, na
metrópole, começar a organizar a Divisão Auxiliar, para se evitar a tentação de
enviar apenas material em auxílio dos nossos aliados, dado que a corrente
intervencionista entendia que deveríamos dispor de uma força para actuar na
frente europeia.
Se a participação portuguesa na guerra em África tinha a justificá-la a
legítima defesa, depois dos alemães terem tomado a iniciativa do ataque a
Moçambique, a intervenção portuguesa nos campos de batalha da Europa era
mais difícil de explicar à opinião pública, não obstante três fortes razões
imporem tal intervenção:
-
cumprir os deveres de aliados da Inglaterra;
-
libertar dos propósitos tutelares ingleses por meio de uma decisão que
nos creditaria perante todo o mundo;
-
assegurar a presença na Conferência de Paz, onde se poderia fazer
ouvir a voz portuguesa em defesa da inviolabilidade dos nossos
domínios ultramarinos.
Em 1 de Outubro, a expedição comandada pelo tenente-coronel Alves
Roçadas desembarca em Moçâmedes (actual Namibe) com as forças da
primeira expedição e, em 19 do mesmo mês, dava-se um incidente em Naulila.
Esta área era cobiçada pelos alemães desde 1885, que, além de na altura
manterem lá uma «quinta coluna» constituída por técnicos e cientistas, de há
muito que através de intrigas e espionagem criavam entre a população local,
toda a espécie de dificuldades.
O Congresso autoriza a intervenção militar e é proibida a difusão de notícias
relativas às forças portuguesas de terra e mar que não tivessem origem oficial.
Em 1915, chega a Angola o general Pereira d’Eça, por ter sido nomeado
Governador e Comandante-Chefe, em substituição de Norton de Matos.
Entretanto a Espanha tem uma atitude duvidosa e o Governo Inglês declara
não ter condições para assumir as responsabilidades sobre as fronteiras
terrestres das colónias portuguesas e de Portugal, aconselhando à reserva de
forças terrestres e navais para defesa própria.
O Sudoeste Africano é ocupado pelas forças da África do Sul. Uma parte das
forças alemãs da Damaralândia rendem-se aos Sul-Africanos, mas outra parte
mantém a subversão entre os africanos do além Cunene.
17
É em 1916 que as operações militares terrestres e a vida das populações
europeias começam a ser altamente prejudicadas em consequência da guerra
submarina, o que leva o Governo Inglês, a pedir ao Governo Português para
em nome da velha Aliança, requisitar de forma urgente todos os barcos
inimigos estacionados nos portos portugueses, o que se concretizou seis dias
depois. A Alemanha protesta e entrega um nota de declaração de guerra a
Portugal. Perante a declaração de guerra por razões de salvação nacional
constitui-se a “União Sagrada”.
Em 10 de Outubro, a Inglaterra pede para Portugal sair da sua atitude de
neutralidade e se colocar activamente ao lado da Inglaterra. O Congresso deu
o melhor acolhimento ao convite e deslocam-se a Portugal duas missões
militares, uma Inglesa e outra francesa, para estudar o emprego das forças
portuguesas no teatro de operações da Europa.
Os EUA pedem para que a sua frota do atlântico faça uso do porto da Horta,
como base de reabastecimento e do porto de Ponta Delgada, como base naval,
o que é autorizado. Os EUA entram na guerra e o Brasil declara guerra à
Alemanha Imperial.
A entrada dos Estados Unidos da América na guerra, a 2 de Abril de 1917,
quebra a política de abstenção face às disputas europeias da Doutrina de
Monroe. Numa mensagem ao congresso, em 8 de Janeiro de 1918, Woodrow
Wilson formulou os princípios de base da futura paz - Os catorze pontos de
Wilson - marcando o início da futura e longa ingerência dos EUA na vida
internacional.
Durante o ano de 1917 dá-se a Revolução de Outubro, em que os
bolcheviques se apoderam do poder na Rússia, é então assinado o armistício
com a Alemanha, e a Rússia retira-se da guerra. Neste mesmo ano os Dembos
em Angola voltam a revoltar-se.
Ultrapassada a 1ª Guerra Mundial pela vitória aliada sobre os Impérios
Centrais e a Turquia, o armistício com a Alemanha é assinado a 28 de Junho
de 1918, na Paz de Versalhes. O instrumento constitutivo da Sociedade das
Nações foi incluído em todos os tratados de paz.
Oficialmente surgida em 10 de Janeiro de 1920, a Sociedade das Nações
(SDN) pode ser considerada a primeira experiência de organização da
18
sociedade internacional, como resultante da passagem de uma sociedade
europeia para uma sociedade alargada.
Até esse momento, a função dos territórios coloniais era a de equilibrar as
forças e os interesses entre as potências do concerto europeu. Com a criação
da SDN, surge o sistema de mandatos sobre o território dividido do Império
Colonial Alemão, mostrando-se, desta forma, que o “novo organismo” não se
desinteressou da política colonial. Na realidade, é a partir do seu Artº.12º que
vem a organizar-se a comissão permanente de mandatos, apontando, assim,
para uma internacionalização da colonização.
No Tratado de Versalhes, a Alemanha renuncia a todos os títulos e direitos
sobre as suas possessões além-mar, sendo as colónias alemãs partilhadas
pelas principais potências aliadas e associadas. A ex-colónia alemã do
Sudoeste Africano passa a estar sob a tutela da SDN e é confiada a sua
administração à União Sul-Africana. Pelo Tratado de Versalhes foi ainda
garantida a Portugal a integridade territorial do património ultramarino e
sancionada a posse do Triângulo do Quionga. Assim, se Berlim foi a primeira
partilha da história colonial, Versalhes terá sido a segunda.
Mais de uma década após a implementação da república tem lugar uma
reforma no Ministério das Colónias, passando-se a conferir ao Conselho
Colonial poderes de órgão político e sendo criado o regime de altoscomissários (1920).
Na metrópole a agitação política traduz-se em sucessivas revoltas militares e
tem lugar a que ficou conhecida pela "noite sangrenta" em que foram
assassinados António Granjo, Machado dos Santos e Carlos da Maia.
Em 6 de Março é fundado o Partido Comunista Português que viveu até ao
25 de Abril de 1974 na clandestinidade e, curiosamente nunca alcançou grande
influência nas Colónias, como na altura se designavam.
No ano de 1922 é fundada a Companhia Nacional de Navegação que vai
ligar com regularidade a metrópole às colónias e, Agostinho Neto, que virá a
ser o primeiro Presidente da República Popular de Angola, nasce a 17 de
Setembro.
Em 1924, realiza-se o II Congresso Colonial Nacional e em Janeiro completase mais um troço do Caminho de Ferro de Benguela com 108 km, e no ano
seguinte um outro troço, perfazendo um total de 748 km.
19
Em 28 de Maio de 1926, tem lugar em Braga uma revolta militar chefiada por
Gomes da Costa que institui um regime ditatorial, dissolvendo o Congresso da
República. Com o novo regime foram criadas as bases para uma profunda
reorganização do exército, e o Conselho Colonial substituído pelo Conselho
Superior Colonial. Neste ano inicia-se ainda a publicação de "A Província de
Angola", de Norton de Matos e é criado o Banco de Angola, sendo também
instituída a censura prévia à imprensa que, progressivamente, se vai
estendendo a outros meios de comunicação, visando assuntos políticos e
militares, morais e religiosos para evitar a difusão de notícias susceptíveis de
influenciar a população no sentido considerado perigoso. Este regime de
censura prolonga-se até 25 de Abril de 1974.
O Comandante João Belo, através do Decreto nº 12485, de 13 de Outubro
desse ano (1926), promulga o Estatuto Orgânico das Missões Católicas
Portuguesas da África e Timor, a génese do Acordo Missionário e do Estatuto
do mesmo nome.
Em 7 de Junho de 1929, é concluído o caminho de ferro de Benguela que
cobre um total de 1438 km. Nesse ano emerge uma grave crise económica a
nível mundial, com o abaixamento assustador da produção industrial e, como
resposta aos problemas económicos, assiste-se a uma ascensão dos
totalitarismos de vários géneros,.
Em 12 de Fevereiro de 1930 começa a publicar-se, na clandestinidade, o
jornal "Avante", órgão oficial do Partido Comunista Português e, em 8 de Julho
é aprovado o Acto Colonial e são tornadas públicas, no dia 30 de Agosto, as
Bases Orgânicas da União Nacional, partido único do regime.
Em 26 de Fevereiro de 1932, foram expostas aos Governadores civis as
bases do "Estado Novo" e em 27 de Maio foram publicados os Estatutos da
União Nacional.
A nova Constituição Portuguesa foi aprovada por plebiscito em 19 de Abril de
1933. Com a entrada em vigor da nova Constituição e do Acto Colonial (11 de
Junho) é considerado encerrado o período da Ditadura Militar e iniciado o
“Estado Novo”.
A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, com duas secções, a de defesa
política e a internacional, é criada a 29 de Agosto de 1933. Neste ano tem lugar
20
a primeira emissão de rádio de Angola e em 1934, é realizada a exposição
colonial na cidade do Porto.
Em 1935, é criado directamente dependente do Presidente do Conselho de
Ministros, e como seu órgão de trabalho, o Secretariado-Geral de Defesa
Nacional e são criados também os Conselhos de Defesa de Angola, de
Moçambique, da Índia e de Macau e o Conselho do Império Colonial.
Em Janeiro de 1936, o Ministério das Colónias é reestruturado tendo sido
criadas: a Direcção-Geral da Administração Política e Civil, com uma
Repartição de Negócios Políticos que passa a estudar a política colonial e os
regimes de liberdade de imprensa, de reunião e de associação, nos termos
constitucionais; a Junta das Missões Geográficas e de Investigação Coloniais
destinada ao estudo de problemas de geografia política e investigação
científica nas colónias, que substituía a Comissão de Cartografia criada em
1833.
Gera-se uma agressividade política espanhola contra Portugal que começou
a preocupar o governo dado que as eleições em Espanha que deram a vitória à
Frente Popular, tornou evidente a existência de duas Espanhas.
Começam a surgir preocupações com o controlo da fronteira espanhola, em
resultado da intensa actividade de numerosas células de agitação espanhola,
que se envolvem em contrabando de armas e munições e propaganda
subversiva.
Entretanto é criada a Mocidade Portuguesa e na área política, a 2 de Junho
foi nomeado Subsecretário de Estado da Guerra o capitão Santos Costa e
Ministro Interino da Guerra o Professor Oliveira Salazar que profere um
discurso, a 11 de Maio "Temos que ter um Exército". É ainda criada a 30 de
Setembro a Legião Portuguesa, “formação patriótica” de estrutura paramilitar
destinada a organizar a resistência moral da nação e cooperar na sua defesa,
integrando-se no conceito de “nação armada”. Esta organização nunca chegou
a ter implantação em África.
O governo, na sequência da publicação da Lei da Organização do Exército
Metropolitano em 1937, constitui a "Missão Militar às Colónias" com o objectivo
de propor um conjunto de medidas para assegurar a defesa de Angola e
Moçambique, e principalmente estudar a contribuição que as colónias podiam
vir a prestar à metrópole, na hipótese de guerra só na Europa, que inicia os
21
seus trabalhos ainda nesse ano de 1938 (figura xxx
Mapa digitalizado das. Missões Militares
). Entretanto, Salazar, através de um discurso "Preocupação de Paz e
às Colónias
Preocupação de Vida" anuncia a intenção de neutralidade portuguesa em caso
de conflito militar alargado. A Companhia Portuguesa Radio Marconi toma a
partir desse ano, a seu cargo, as comunicações radiotelegráficas do Ultramar.
As relações entre a Santa Sé e o Estado Português normalizaram através da
assinatura da Concordata e do Acordo Missionário em 7 de Maio de 1940 e da
publicação do Estatuto Missionário a 5 de Abril de 194114, pondo-se termo às
clivagens suscitadas com o liberalismo e agravadas com a implantação da
república. A acção missionária conhecia assim um importante contributo para o
seu incremento.
Com aqueles novos instrumentos políticos, o Estado Português garantiu à
Igreja Católica o livre exercício da sua autoridade na esfera da sua
competência15. As Missões Católicas que eram “(...) consideradas instituições
de utilidade imperial e sentido eminentemente civilizador (...)” 16, ficaram com a
liberdade de expansão para exercerem formas de actividade que lhes eram
próprias, nomeadamente para fundar e dirigir escolas 17, e os missionários, não
sendo funcionários do estado, eram considerados “(...) como pessoal em
serviço especial de utilidade nacional e civilizadora (...)”18 que deviam
consagrar-se exclusivamente “(...) à difusão da fé católica e à civilização da
população indígena (...)”19. Assim, a Igreja Católica na ordem política ficou
profundamente identificada com o “Poder Colonial”.
A Sociedade das Nações que, entre outros objectivos, procurava evitar o
recurso à guerra, promover a justiça e o respeito pelo Direito Internacional,
numa dupla missão de, em primeiro lugar, garantir a paz e segurança e, em
segundo lugar, desenvolver a cooperação entre as nações, não conseguiu
manter a sociedade internacional numa situação de estabilidade. No seu seio,
surgiram diversas situações perturbadoras que conduziram ao seu desaire e ao
despoletar de um segundo conflito mundial. Este com uma forma ainda mais
violenta do que o primeiro.
14
Decreto-Lei n.º 30207, de 5 de Abril de 1941.
Artº. 2º da Concordata.
16
Art.º 2º do Estatuto Missionário.
17
Artº. 15º do Acordo Missionário.
18
Art.º 80º do Estatuto Missionário.
19
Art.º 14º do Estatuto Missionário.
15
22
A Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha, após um "Ultimatum"
para retirarem de território polaco e Portugal declara a neutralidade perante o
conflito, enquanto a Alemanha e a União Soviética partilham a Polónia. Nesse
ano é dado início às carreiras aéreas regulares entre Luanda e Lisboa.
Os serviços secretos americanos e ingleses tiveram conhecimento das linhas
gerais da Directiva nº 18 de 12 de Novembro de 1941 (Operação Felix), a qual
definia como objectivo da intervenção alemã na Península Ibérica, a expulsão
da Inglaterra do Mediterrâneo ocidental. Após o assalto aéreo-terrestre a
Gibraltar, seria a invasão de Portugal, no caso de os ingleses tentarem
qualquer desembarque nas costas portuguesas. A seguir estava prevista a
ocupação de Cabo Verde e ainda da Madeira e dos Açores.
A Alemanha atravessa a França e as suas tropas atingem os Pirenéus o que
leva a pensar no rompimento do equilíbrio político e militar na Península Ibérica
e surgem hipóteses de um ataque a Portugal.
O senador americano Pepper, pronuncia a 6 de Maio de 1941 um discurso
convidando os EUA a tomar medidas mais vastas e ousadas, entre elas a
ocupação da Gronelândia, da Islândia, dos Açores e de Cabo Verde, das
Canárias e de Dakar. A 27 do mesmo mês o Presidente Roosevelt declara “an
unlimited state of national emmergency" em que alude expressamente às
posições dos Açores e Cabo Verde e à sua utilização estratégica, anunciando a
tese de que “aos EUA pertence definir e decidir, quando e onde estão
ameaçados e como hão-de empregar a sua força para se defenderem ou
defenderem outrem”. Assim, os EUA iniciam o planeamento da ocupação dos
Açores e chegam a convidar pessoal militar brasileiro para facilitar os contactos
com a população.
A invasão da Rússia pelos alemães, a 22 de Junho, provocou a deslocação
para Norte dos interesses americanos e assim forças dos EUA chegam à
Islândia para reforçar a defesa da ilha contra a possibilidade de uma ocupação
germânica.
A 22 de Agosto de 1942 o Brasil entra no conflito, declarando guerra à
Alemanha e em 1943, adere à Carta do Atlântico e envia um Corpo
Expedicionário para a Europa que desenvolveu a sua actividade operacional
em Itália.
23
O fim da guerra na Europa surge a 8 de Maio de 1945, capitulando o Japão
apenas a 2 de Setembro. Em Portugal é reformulada a Polícia Judiciária, na
dependência do Ministério da Justiça recriando-se um organismo autónomo
com a designação de Polícia Internacional e Defesa do Estado (PIDE) com
estatuto de polícia judiciária para crimes contra a segurança do estado, mas na
dependência do Ministério do Interior.
No dia 24 de Outubro entrou em vigor a Carta das Nações Unidas que reúne
a sua primeira Assembleia Geral, em 24 de Janeiro de 1946.
Ao longo de toda a 2ª Guerra Mundial não encontramos intenção declarada
das democracias europeias estabilizadas, possuidoras de impérios tropicais, de
prescindirem das suas fronteiras; antes pelo contrário. A 16 de Julho de 1943,
o Governo Britânico efectuou um pedido formal a Portugal para utilização das
bases nos Açores a fim de facilitar a cobertura total do Atlântico, sendo
garantida, em troca, a manutenção da soberania sobre todas as suas
colónias20. Estas garantias foram asseguradas com a concordância da União
da África do Sul e da Austrália e, a 25 de Outubro, pelos Estados Unidos da
América21. O Acordo foi assinado a 17 de Agosto de 194322, declarando as
partes aceitar e assumir os compromissos dele resultantes, a começar em 8 de
Outubro desse ano. Ao mesmo tempo, também as autoridades norteamericanas pretendiam a cedência de mais facilidades nos Açores, fornecendo
em troca apoio às pretensões portuguesas de participar na libertação de
Timor23. As negociações conduziram à assinatura de um acordo a 28 de
Novembro de 194424. Destes acordos resultou a construção de uma base
militar na ilha de Santa Maria, destinada a facilitar movimentações americanas
para a Europa, ou desta para os EUA.
Após o desfecho formal da guerra, foi o Reino Unido a primeira potência a
aperceber-se do evoluir da nova situação mundial pelo que, após a repressão
inicial, procurou uma resposta que se pode considerar flexível, efectuando
Ministério dos Negócios Estrangeiros, “Dez anos de política externa (1936-1947) - A Nação
Portuguesa e a segunda Guerra Mundial”. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985. Vol. XII,
pp. 121-123.
21
Idem, pp. 136, 156-157, 327 e 448.
22
Idem, pp. 275-281.
23
Idem, Vol. XIII, pp. 157-158.
24
Idem, pp. 191-192.
20
24
gradualmente a sua retirada colonial. Mas, apesar de tudo, teve os seus
reveses na crise do canal do Suez.
Seguiu-se-lhe a França. Só que esta já foi mais renitente, respondendo com
repressões na Argélia, Madagáscar, Costa do Marfim, Tunísia, Marrocos e
Indochina, entre outras. A Itália nada conseguiu fazer para evitar a
independência da Líbia e da Somália, e a Bélgica cedeu perante o Congo.
Na carta da ONU, a linha de evolução controlada, assim entendida, foi
rapidamente ultrapassada pelos factos, favorecendo a retirada quase
simultânea das soberanias coloniais.
No ano de 1951 é inaugurada a ligação rádio-telefónica Lisboa-Luanda, em
Angola são criados os "colonatos", sendo os primeiros a ser estabelecidos os
de Damba e Caconda e, em Lisboa, é fundado o "Centro de Estudos
Africanos", com a colaboração de Francisco José Tenreiro, Mário Pinto de
Andrade, Amilcar Cabral e Marcelino dos Santos.
Ao longo da década de cinquenta, por intermédio da Casa dos Estudantes do
Império e do Centro de Estudos Africanos, alguns jovens estudantes
universitários africanos tinham já procurado, por tentativas, a aproximação de
um primeiro esboço aos fundamentos culturais e políticos das diversas
correntes com orientações independentistas.
Pela lei nª 2048, de 11 de Junho de 1951, aditou-se à Constituição o Título
VII, sob a epígrafe “Do Ultramar Português”, consignando-se assim uma
orientação mais assimiladora do que no Acto Colonial e mantendo-se os
princípios da descentralização, da autonomia administrativa e financeira e da
especialidade do Direito. Aqui reformulou-se a terminologia: de Império passouse a Ultramar e de Colónias (terminologia republicana) a Províncias (na boa
tradição monárquico-liberal), que, como parte integrante do Estado, eram
solidárias entre si e com a metrópole. A integração do Acto Colonial na
Constituição em 1951, formando um só diploma, não implicou alterações: tudo
se mantinha inalterável como se houvesse dois diplomas constitucionais
distintos. A Câmara Corporativa, que nesta data era liderada por Marcello
Caetano, considerava politicamente perigosa e prematura a assimilação dos
territórios ultramarinos à metrópole. O objectivo principal desta reforma terá
sido a afirmação determinada do princípio da unidade nacional.
25
Em 1952, a lei 2051 que promulgou as bases da organização militar,
remodela vários órgãos superiores da Defesa Nacional criando os Conselhos
de Defesa Militar de Angola, Moçambique, Índia e Macau e é criada a
Direcção-Geral dos Serviços do Ultramar, no Ministério do Exército. Iniciam-se
nesse ano os trabalhos de prospecção de petróleo em Angola.
A Lei Orgânica do Ultramar é publicada a 27 de Maio de 1953 e começaram
a ser tomadas medidas para implementar condições de defesa dos territórios
ultramarinos, sendo dada às forças militares ultramarinas uma organização
permanente em 1954.
Ainda nesse ano destacamos a publicação a 20 de Maio, do Estatuto dos
Indígenas (decreto-lei 39666) que dividia as populações da Guiné, Angola e
Moçambique
em
três
grupos:
indígenas,
assimilados
e
brancos;
a
reorganização da PIDE com a criação de um quadro para actuar nas ilhas
adjacentes e ultramar; e as prospecções petrolíferas em Angola nesse ano
foram bem sucedidas, iniciando-se a extracção em 2 poços.
Em 17 de Abril de 1955, morre o Rei do Congo, D. Pedro VII de Portugal
escolhe um candidato católico e os protestantes organizam-se para impor um
candidato através da União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), liderada
por Barros Ncaca.
Portugal é admitido na ONU e na XIII Assembleia Geral (15 de Agosto a 14
de Dezembro), apresenta queixa contra a União Indiana no Tribunal
Internacional de Haia por não respeitar a soberania portuguesa no enclave de
Dadra e Nagar-Aveli.
Portugal, estado fundador da Ordem dos Pactos Militares que vigorou até
1989, pelo simples facto de não ter entrado na 2ª Guerra Mundial, esteve
alheio ao processo colonial das potências que combateram a Alemanha, logo,
longe de um desafio revisor e reformador interno, assumindo desde a guerra
civil de Espanha uma posição de anti-comunismo soviético. O sistema de
equilíbrio de poderes pelos Pactos Militares ficara já estabelecido.
O sistema colonial português entra em crise em plena guerra fria. A presença
da administração portuguesa em territórios africanos constituía, com toda a
evidência, um entrave para a construção de zonas de influência que
permitissem assegurar posições vantajosas na luta entre as superpotências.
Assim, porque urgia para uns e bem podia servir a outros, era necessário
26
eliminar essa presença. No período em análise, as pressões internacionais,
para Portugal ceder surgiram a 14 de Dezembro de 1955, através do inquérito
realizado pelas Nações Unidas, nos termos do Artigo 73º da respectiva carta.
Todos os regimes portugueses procuraram (apesar de muitas vezes
pressionados para ceder) manter, desenvolver e defender o Ultramar. São
disso exemplo variados acontecimentos ao longo dos séculos.
O Governo Português tomou a decisão de ficar. A resistência portuguesa,
face às suas responsabilidades pela segurança das populações e pela
preservação dos seus bens, era justificada como um imperativo de justiça e de
legítima defesa, pelo que esta devia ser uma atitude colectiva 25. Face às
Nações Unidas, o Governo Português sustentou a mesma resposta durante 19
anos.
A 2 de Fevereiro de 1956, as actividades da PIDE no Ultramar ficam na
dependência do Ministro do Ultramar. Nesse ano, como veremos adiante neste
Atlas, são criados em Angola o PLUA - Partido da Luta Unida dos Africanos de
Angola e o MLNA - Movimento de Libertação Nacional dos Angolanos, e
Agostinho Neto e outros nacionalistas angolanos fundam o Movimento para a
Libertação de Angola – MPLA. Em 1957 os chefes de alguns movimentos
emancipalistas de territórios portugueses em África – MPLA, PAIGC e FRAIN –
formam o Movimento Anticolonialista – MAC – que mais tarde organiza a
Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas
(CONCP).
Em 1958 começam os altos responsáveis das Forças Armadas Portuguesas
a estar preocupados àcerca do Ultramar, alterando-se o dispositivo e
exercendo-se o esforço militar em África. Quando do despoletar dos
acontecimentos em Angola, já existia uma doutrina contra-subversiva, ainda
que incipiente. Mas as estruturas consentidas no campo das informações já
estavam criadas, mesmo que aquém das necessidades. Por isso, não
podemos dizer que o poder português tivesse sido surpreendido com os
acontecimentos em Angola.
Na XIII assembleia geral da ONU – é dada uma definição teórica de território
não autónomo. Entretanto realiza-se a Conferência dos Estados Africanos
25
Marcello Caetano, “Pelo futuro de Portugal”. Lisboa: Ed. Verbo, 1969, p. 53.
27
independentes, em Accra, que durou dois dias, e em que já tomaram parte 8
estados independentistas, conta com a presença de Holden Roberto usando
uma nova sigla - UPA.
Em 1959, a evolução da situação em África e as repercussões sobre o
Ultramar levam ao estudo e à criação de um novo tipo de unidades – Unidades
de Choque – e de novas tácticas – a Acção de Quadrícula e de Intervenção. É
nomeada uma Comissão para estudar as condições particulares que envolvem
a segurança dos vários territórios da nação portuguesa, quer metropolitanos,
quer – e sobretudo – ultramarinos para estudar a criação de unidades especiais
de utilização imediata.
Portugal começa a deparar em Roma com sérias dificuldades quanto à
política ultramarina em África e começa a considerar-se para efeitos de
planeamento e estudo que a “subversão” que apoiada e provocada do exterior
ameaça toda a África.
O Ministro do Exército na sua directiva de 4 de Abril diz: “(...) As condições
particulares que presentemente envolvem a segurança dos vários territórios da
Nação
portuguesa,
quer
metropolitanos
quer
sobretudo
ultramarinos,
aconselham a urgente disponibilidade de unidades terrestres que, pela sua
organização, apetrechamento e preparação possam ser empregues sem perda
de tempo, em execução das operações de tipo especial, previsíveis: operações
de segurança interna, de contra subversão e de contra guerrilha para actuarem
em especial na Guiné, Angola e Moçambique (...)” e é solicitado à aeronáutica
o plano existente para transportes aéreos militares.
Salazar dirige-se ao país com o discurso “Posição Portuguesa em Face da
Europa, da América e da África”, onde afirma que a África “(...) arde porque lhe
deitam fogo de fora (...) sem a África, a Europa e o Ocidente não poderão
sobreviver (...)”.
O Secretário de Estado faz uma visita de trabalho a Angola, Guiné, Cabo
Verde, S. Tomé, Moçambique e Estado da Índia para alterar o dispositivo
militar territorial, especialmente em Angola e Moçambique que estava virado
para fazer frente à África inglesa, e passou a fazer frente às fronteiras dos
países que se tornaram independentes e na Guiné para reforçar as unidades
territoriais.
28
Em 1959-60 em Portugal transfere-se o esforço militar da Europa para África
e em África concretiza-se a remodelação do dispositivo em Angola e
Moçambique.
Em 20 de Janeiro verifica-se uma profunda alteração nos objectivos
estratégicos nacionais com a Directiva do CEMGFA, que aponta para a
preparação de uma futura intervenção e reforço das unidades territoriais de
Angola e Moçambique para realizar operações de defesa da soberania face às
seguintes ameaças – ataques de forças apoiadas nos países vizinhos,
operações subversivas conduzidas no interior dos territórios e sublevação.
Esta directiva reforçava o estado de espírito preocupante no seio das Forças
Armadas, devido ao facto de: estarem lançadas as bases para a formação das
unidades para a fase pré-insurrecional e de sublevação armada no Ultramar;
de se concretizarem alterações fundamentais nos dispositivos das Forças
Armadas no Ultramar, principalmente na Força Aérea, em Angola e
Moçambique; e se verificarem profundas alterações na instrução dos quadros,
sem haver, da parte do sector político, o apoio, a compreensão e até o sentido
da necessidade desse esforço.
A 12 de Abril é lavrada a Sentença do Tribunal Internacional de Haia, que
rejeitou as objecções de competência da União Indiana e reconheceu a
soberania portuguesa sobre Dadra e Nagar-Aveli.
O Conselho Superior de Defesa Nacional, em 25 de Novembro de 1960,
deliberou:
-
evitar novos compromissos com a NATO;
-
manter ligações militares com a Espanha com vista à defesa
Pirenaica;
-
aumentar o esforço de defesa do Ultramar;
-
rever o Plano de Defesa Interna do conjunto do território nacional.
O Presidente do Conselho em discurso pronunciado na Assembleia Nacional
a 30 de Novembro de 1960, refere: “(...) o Governo tem espírito aberto a todas
as modificações de estrutura administrativa, menos às que possam atingir a
unidade da Nação e o interesse geral (...)”. Esta declaração foi considerada
pelos aliados de Portugal, a “primeira vez” que o Presidente do Conselho havia
referido a necessidade de evolução do Ultramar, associando essa ideia a uma
progressiva autonomia.
29
Apesar de tudo, mantém-se a passividade governamental, em especial na
área financeira, em relação ao crescer das ameaças em África.
O apoio das Nações Unidas às independências foi dado expressamente em
14 de Dezembro de 1960, quando a Assembleia Geral, através da Resolução
A/1514 (XV), adoptou a assim intitulada “Declaração sobre a concessão da
independência aos países e povos coloniais”, segundo a qual deviam ser
tomadas “(...) medidas imediatas nos territórios sob tutela, não autónomos, e
em todos os outros que ainda não tenham obtido a independência, para
transferir todos os poderes para os povos desses territórios, sem nenhuma
condição nem reserva, conforme a sua vontade e os seus votos livremente
expressos e sem nenhuma distinção (...)”, acrescentando, “(...) toda a tentativa
que vise a destruição parcial ou total da unidade nacional e da integridade
territorial de um país é incompatível com os objectivos e os princípios da Carta
da ONU (...)”26, trecho que Salazar interpretava como abrangendo o caso
português, mas que fora a paixão que dominava aqueles assuntos que não
permitira que se fizesse “(...) justiça conforme os textos (...)”27.
A interpretação da carta, e nomeadamente do Art.º 73º, sofreu alterações de
fundo com esta resolução, que veio assim determinar a prática descolonizadora
da ONU. Para Salazar, o Art.º 73º não aludia à independência dos territórios de
que se ocupava, mas apenas à possibilidade de governo próprio, o que se lhe
afigurava significar administração autónoma exercida pelos naturais e
compatível com muitas formas de enquadramento num estado28. Para ele, o
mal não residia no fornecimento de informações; fornecê-las ao abrigo do Art.º
73º sim, poderia ser prejudicial, pois, assim, aceitava-se imperativamente a
orientação aí definida para determinadas soluções políticas, que colidiam ou
podiam colidir com a doutrina constitucional portuguesa29.
26
Resolução A/1514 (XV) de 14 de Dezembro de 1960.
Oliveira Salazar, “Discursos e notas políticas”. Coimbra: Coimbra Editora, 1967, Vol. VI, p. 309.
28
Idem, p. 312.
29
Idem, p. 316. Oliveira Salazar entendia o princípio da autodeterminação como um fundamento e uma
legitimação da independência dos povos, “(...) quando o seu grau de homogeneidade, consciência ou
maturidade política lhes permite governar-se por si com benefício para a colectividade. Mas é
indevidamente invocado quando não existe nem aproximadamente sequer a noção de interesse geral
de um povo solidariamente ligado a determinado território. Em tal hipótese a autodeterminação levará
ao caos ou à substituição de soberania efectiva mas nunca à independência e à liberdade. (...)”. In
Oliveira Salazar, “Apontamentos sobre a situação internacional”. Lisboa: Secretariado Nacional da
Informação, 1956, p. 12.
27
30
Podemos considerar que entre 1958 e 1962, no percurso da ante-guerra para
a guerra, o regime de Salazar vai atravessar uma grave crise. Este percurso, e
o que ele acarretou de mobilização de opiniões e de fracturas nas mesmas,
iniciou-se com as eleições presidenciais disputadas por Humberto Delgado em
1958, continuou com o movimento que ficou conhecido por "dos Claustros da
Sé", o sequestro do paquete “Santa Maria”, a tentativa de golpe militar de
Botelho Moniz e o golpe de Beja, sendo que, a partir de Março de 1961, o pano
de fundo passou a ser a guerra em Angola.
Aquela já se havia iniciado em Dezembro, na baixa do Cassanje e em Catete,
o que deu origem a algumas prisões. Um reforço tardio do orçamento, da
ordem dos 900.000 contos, foi o que permitiu fazer face aos acontecimentos.
Depois, em 4 de Fevereiro grupos armados com armas rudimentares assaltam
a esquadra da PSP, em Luanda. Esta acção é seguida de tumultos em Luanda,
na sequência dos quais o governo toma a decisão desastrosa de proibir a
entrada de jornalistas estrangeiros e nacionais no território; decisão tomada e
anunciada ainda no próprio dia 4. Entretanto, foram fixadas residências ao Dr.
Agostinho Neto, em Cabo Verde e a Joaquim Pinto de Andrade, na Ilha do
Príncipe.
Face aos acontecimentos, a Libéria, em 23 de Fevereiro pede uma reunião
do Conselho de Segurança da ONU contra Portugal.
Os EUA iniciaram contactos a vários níveis, para conseguir sinais de uma
tendência para a liberalização da política ultramarina portuguesa, que
permitissem o apoio dos EUA a Portugal, no debate sobre aquela política, que
iria ter lugar nas Nações Unidas.
Os norte-americanos chegaram ainda mais longe, e recomendaram, junto do
Presidente do Conselho e do embaixador em Washington, que fosse feita uma
declaração de intenção de aceitação do princípio da autodeterminação para
Angola, Moçambique e outros territórios, dado que haviam sido processadas
informações, (veiculadas através dos Serviços de Informações dos Estados
Unidos, classificadas de muito seguras, passadas em 4 de Março ao Gabinete
do Ministro da Defesa Nacional) de que a União dos Povos de Angola (UPA),
que actuava no Congo-Kinshasa, decidira provocar incidentes violentos no
distrito do Congo, em Angola, na noite de 15/16 de Março, com uma duração
31
prevista de 10 dias, para chamar a atenção da ONU, onde iria realizar-se o
debate sobre Angola.
Esta comunicação foi imediatamente transmitida ao Quartel-General da
Região Militar de Angola, onde foi arquivada com a indicação de que o assunto
era do conhecimento do Q.G.. Na altura as notícias e os boatos eram tantos
que os gabinetes civis e militares tinham dificuldade em analisar as notícias. No
entanto, é de lamentar a atitude do Quartel-General. Pelo menos tinha passado
a notícia para os comandos militares da área e para as autoridades
administrativas que na altura já estavam bem ligadas e não tinha havido o
efeito de surpresa, o que talvez tivesse evitado um tão grande número de
vítimas.
O debate nas Nações Unidas teve início a 13 e a votação teve lugar a 15,
não tendo sido alcançada a maioria necessária. Os EUA votaram pela primeira
vez contra Portugal e, nessa noite, no Norte de Angola, como estava planeado,
são barbaramente assassinados 1200 europeus e 6000 africanos Bailundos
que trabalhavam nas fazendas de café do Congo Português. Esta acção
desencadeou graves perturbações de ordem política que culminaram com uma
remodelação ministerial em que o Presidente do Conselho decidiu sobraçar a
pasta da Defesa Nacional e entregar a pasta do Ultramar ao Professor Adriano
Moreira e confirmou e assumiu a decisão, que já do anterior vinha sendo
preparada:
de defesa eficaz de Angola;
e de garantia da vida, do trabalho e da tranquilidade das populações.
Para tal era necessário “andar rapidamente e em força” para garantir a
continuidade da política de integridade nacional.
É decidida, face à situação geral em África, a concentração de poderes em
Angola e Moçambique, que teve início com a nomeação do Almirante Sarmento
Rodrigues como Governador e Comandante-Chefe de Moçambique, a quem,
no acto de posse, presidido pelo Ministro Adriano Moreira foram definidas as
zonas onde deveria exercer o esforço da sua acção e que eram os distritos de
Cabo Delgado, do Niassa e de Tete, e com o General da Força Aérea
Venâncio Deslandes, como Governador e Comandante-Chefe de Angola, a
quem, em cerimónia semelhante, Adriano Moreira definiu a missão de erradicar
o terrorismo, tarefa que seria mais facilitada com a concentração dos poderes
32
civil e militar, sendo ainda criado em cada uma das Províncias Ultramarinas,
um Corpo de Voluntários.
Internacionalmente desencadearam-se ataques a Portugal com uma violência
sem precedentes. A proibição da entrada de jornalistas e a repercussão interna
face aos acontecimentos, e os desentendimentos entre o Presidente do
Conselho e o Ministro da Defesa Nacional geraram um ambiente, quer em
Angola quer na metrópole, que provocou uma intervenção rápida do Presidente
do Conselho, com uma remodelação ministerial, em que assumiu a pasta da
Defesa Nacional.
Este período que ficou conhecido pela “Abrilada” (13 de Abril) foi seguido
pelo embarque das primeiras tropas de reforço para Angola, a 22 de Abril que
desembarcaram em Luanda a 1 de Maio.
O Secretário de Estado norte-americano Dean Rusk, na reunião da NATO,
volta a insistir com o Ministro dos Negócios Estrangeiros em dois pontos:
necessidade de fazermos propaganda nos EUA para esclarecer e persuadir a
opinião pública americana àcerca da política portuguesa em África e a
necessidade de realizarmos urgentes reformas nas nossas Províncias
Ultramarinas.
O Ministro do Ultramar Prof. Adriano Moreira faz um discurso que respondia
em termos nacionais, internacionais e ultramarinos a muitos dos problemas
para os quais Portugal ainda não tinha encontrado as resoluções adequadas
entitulado “A Batalha da Esperança”.
Numa entrevista em 31 de Junho, entre De Gaulle e Kennedy, que
considerava que Portugal estava agarrado a rígidas políticas coloniais, De
Gaulle concordou que a atitude portuguesa era inflexível e obsoleta, mas que,
empurrar Salazar, poderia causar uma revolução em Portugal e estabelecer um
Estado Comunista na Península Ibérica. Kennedy preconizou uma posição
progressiva em relação a Angola na ONU. E o primeiro passo foi decretar um
embargo oficial de venda de armas para Portugal.
Pelo decreto nº 43761, de 29 de Junho, são criados os Serviços de
Centralização e Coordenação de Informações (SCCI) em cada uma das
Províncias Ultramarinas.
Em 30 de Junho Salazar volta a discursar reafirmando a decisão de resistir “O Ultramar Português e a ONU” -.
33
Novo aviso dos EUA, em 7 de Agosto, não expresso, mas que anuncia a
atitude agressiva da União Indiana em relação a Goa – com o aviso encoberto
– de aspirações intervencionistas de outras nações em relação a território
português.
O Governo Português dá um sinal claro de cedência, revogando, em 6 de
Novembro, o decreto-lei de 20 de Maio de 1954 e estabelecendo a cidadania a
todos os indígenas do Ultramar Português e a igualdade entre os portugueses
da metrópole e do Ultramar.
Salazar decidiu manter o uso de facilidades nos Açores, sem a renovação
formal do Acordo das Lajes, o que empurrou os americanos para uma política
de moderação, em relação a Angola, conseguindo alterar nas moções afroasiáticas, independência para autodeterminação.
Kennedy em audiência ao MNE português, a 20 de Outubro, declara que o
problema fundamental em África é que a mesma caia sob o domínio soviético e
por isso apoia a autodeterminação.
Entretanto a União Indiana integrou no seu território Dadra e Nagar-Aveli e a
17 de Dezembro inicia a invasão dos restantes territórios portugueses do
Estado da Índia. Portugal solicitou uma reunião do Conselho de Segurança por
causa da invasão dos territórios do Estado da Índia e o Conselho condenou a
União Indiana, mas a União Soviética apôs o seu veto.
Em 1962, inicia-se a formação das primeiras unidades de comandos (Zemba
e depois Quibala), em Angola.
O Rei Luanica da Barotzelândia mostra-se hostil à penetração de
movimentos nacionalistas angolanos, por outro lado, no Congo estão sediados
a quási totalidade dos partidos nacionalistas angolanos e é conhecida a
cedência de campos de treino militar a UPA, o que começa a ser contestada
pelo MPLA.
O Abade Youlou mantém uma presidência expectante em relação à situação
em Angola, enquanto que Tchechelle, “maire” de Pointe-Noire (Ponta Negra),
tem ambições sobre Cabinda, moderadas pela presença de forças francesas
que são favoráveis a Portugal.
Os Estados Unidos, em Maio de 1963, começam a revelar uma mudança na
política em relação a Portugal e abandonam a ideia de conseguir o rápido
colapso da política ultramarina.
34
Em 1965, Salazar ao conceder posse à nova Comissão da União Nacional,
em 18 de Fevereiro, afirma: “Sem espectáculo e sem alianças, orgulhosamente
sós”, no entanto tínhamos apoios importantes da República da África do Sul, da
Alemanha, da França e da Espanha.
Em 15 de Março de 1966 é fundada a UNITA – União Nacional para a
Independência Total de Angola presidida por Jonas Malheiro Savimbie e a 16
de Maio é aberta a frente Leste, Terceira Região do MPLA e em Leopoldville,
hoje Kinshasa, uma multidão indefinida, invade e incendeia a 24 de Setembro a
Embaixada portuguesa naquela cidade.
Em Setembro de 1968, Marcello Caetano substitui Salazar com anuência dos
militares, que, segundo ele, teriam condicionado a sua aceitação à manutenção
da defesa do Ultramar e à rejeição da solução federativa.
Com esta substituição, pensava-se numa abertura do regime através da
política “renovação na continuidade”, sem contudo se abandonar o esforço
militar em África: a União Nacional passa a Acção Nacional Popular e a PIDE a
DGS (Direcção Geral de Segurança); verifica-se um atenuar da censura na
imprensa; Caetano acaba com os exílios de Mário Soares e de D. António
Ferreira, Bispo do Porto; aprova uma nova legislação sindical; realiza eleições
para a Assembleia Nacional em 1969 e em 1973; visita a Guiné, Angola e
Moçambique; conduz a revisão da Constituição em 1971; contudo propôs a
recondução do Almirante Américo Tomás para um terceiro mandato na
Presidência da República. No fundo, uma mudança apenas de forma, em vez
de transformações profundas, pois na globalidade permaneceria um regime
político anti-democrático e de partido único, passando os poderes a ser
partilhados, de forma instável, entre a Presidência da República e a
Presidência do Conselho de Ministros.
Na revisão da Constituição efectuada em 1971, é revogado quase
clandestinamente o Título VII que recolhera o antigo Acto Colonial, que é
considerado pelo Prof. Adriano Moreira “(...) a primeira manifestação oficial do
abandono do conceito multiconstitucional permitindo que os territórios
portugueses fora da Europa tenham estatuto de regiões autónomas (...)”.
A contestação e os maiores desafios ao regime acabariam por partir de
oficiais que o haviam apoiado. A 9 de Novembro de 1973, 136 oficiais reúnemse num monte alentejano para arrancar com o Movimento dos Capitães e a 22
35
de Fevereiro de 1974 é publicado o livro “Portugal e o Futuro”, do general
Spínola.
O Presidente do Conselho, a 5 de Março de 1974, usa da palavra na
Assembleia Nacional sobre o Problema do Ultramar, solicitando uma afirmação
sobre um rumo a seguir. Após larga discussão foi votada uma moção de apoio
à política do governo.
A 15 de Março, o Movimento dos Capitães avança com o Levantamento das
Caldas, que foi dominado. O Presidente do Conselho demite os Generais
Costa Gomes e António de Spínola, chefe e vice-chefe dos Estado-Maior
General das Forças Armadas.
Pouco mais de um mês após o frustrado Levantamento das Caldas, os
militares reunidos no Movimento das Forças Armadas (MFA), na madrugada do
dia 25 de Abril lançam uma vasta operação em Portugal e no Ultramar, visando
o derrube do regime que defendia as operações militares em África e que
prosseguia uma ditadura de 48 anos. Dirigido na sua maioria por jovens
capitães, o golpe que ficou conhecido como a "Revolução dos Cravos"
consegue derrubar o regime e abrir cominho para implantação de um Estado
Democrático.
Ao princípio da madrugada do dia 26 de Abril de 1974, O general António de
Spínola, já Presidente da Junta de Salvação Nacional, criada no dia 25, faz a
leitura da Proclamação do MFA.
Com a criação da Junta de Salvação Nacional foram extintas a Assembleia
Nacional e a Câmara Corporativa e é organizada uma estrutura constitucional
transitória até à instauração da nova Constituição. Entretanto parte para Angola
o Ministro da Cooperação, do 1º Governo Provisório, e forma-se o Conselho de
Estado que resolveu fazer uma interpretação dos termos em que estava
redigido o "Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas" que,
em relação ao Ultramar atribuía, no número oito do capítulo B competências ao
Governo Provisório, em relação à política ultramarina, tendo em atenção que a
sua definição competirá à Nação, orientar-se pelos seguintes princípios:
a) reconhecimento de que a solução das Guerras do Ultramar é política e
não militar;
b) criação de condições para um debate franco e aberto a nível nacional,
do problema ultramarino;
36
c) lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza
à paz.
A interpretação que foi dada provoca a queda do 1º Governo Provisório sem
contudo se conhecer claramente o sentido dessa interpretação.
Com a posse do 2º Governo Provisório passa-se a conhecer, a interpretação
do alcance do nº 8 do Capítulo B do Programa do MFA - que passou a ser
autodeterminação e independência para todos os territórios ultramarinos, o que
perturba de um modo irreversível todo o processo de descolonização, tanto em
Portugal como nas ex-Províncias Ultramarinas.
Os acontecimentos de 28 de Setembro culminam com a renúncia de António
de Spínola à Presidência da República a 30 do mesmo mês.
A 10 de Novembro começa a chegar a Angola material de guerra, com apoio
do governo local, destinado a armar o MPLA.
Em 15 de Janeiro de 1975 é estabelecido em Alvor um Acordo, entre o
Estado Português e a FNLA, MPLA e a UNITA, que ficou conhecido pelo
Acordo de Alvor, que fixa a proclamação da independência de Angola para 11
de Novembro desse ano.
Em consequência da crise de 11 de Março de 1975, é criado o Conselho da
Revolução, sendo extintos a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de
Estado e criada também a Assembleia do MFA, da qual fazia parte o Conselho
da Revolução.
Para apoiar os retornados nacionais foi criado em Março, na Presidência do
Conselho de Ministros, o Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais (IARN) e
um ano preciso após a revolução, realizam-se as eleições para a Assembleia
Constituinte.
Em Agosto, no auge do chamado verão quente, nove militares portugueses
elaboram o chamado Documento dos Nove e em seguida é divulgado o
documento do Comando Operacional do Continente (COPCON) como resposta
revolucionária ao Documento dos Nove, sendo suspenso a vigência do Acordo
de Alvor a 22 desse mês.
O conflito e a descolonização de Angola internacionaliza-se cada vez mais,
chegando as primeiras tropas cubanas a 23 de Outubro. Os Estados Unidos da
América a 4 de Novembro encerram a missão em Angola na sequência de
violentos confrontos entre os três movimentos de libertação rivais.
37
A cerimónia de proclamação da independência, com transferência formal de
poderes, foi feita sem incidentes, tendo regressado a Lisboa as últimas forças
portuguesas e o Alto Comissariado de Angola. Porém, o novo Estado acabaria
por cair numa luta fratricida que dura até aos nossos dias
Ainda temos que esperar uns largos anos para serem disponibilizados
aos historiadores e aos investigadores documentos autênticos que virão a ser
revelados dos arquivos classificados nacionais e estrangeiros e na posse dos
movimentos e organizações que se envolveram na descolonização durante os
longos catorze anos em que Portugal teimou em manter a sua política de
“Unidade da Nação” para explicar o que é que motivou, em 9 de Novembro de
1973, 136 oficiais de várias tendências e origens para arrancarem com o
Movimento dos Capitães.
Hoje numa nova conjuntura, o esforço português em relação aos novos
países africanos lusófonos é o da cooperação na defesa da língua e de outros
interesses comuns.
2. As linhas de fronteira
As fronteiras de Angola foram definidas por negociações de Portugal com a
Inglaterra, Bélgica, França e Alemanha.
Em 1830 a ocupação efectiva de Angola era já uma preocupação, mas
reduzida no Norte a São Salvador do Congo (actual M’Banza Congo),
Cassanje, Ambaca, Encoje, Luanda, Ambriz e a Sul Caconda e Humbe (figura
xxx
).
A delimitação das fronteiras-Angola
38
Catarata/rápido
Figura
– A delimitação das fronteiras-Angola.
Se desde o séc. XV, algumas nações europeias disputavam a consolidação
de posições costeiras em África e não uma real e efectiva ocupação do
hinterland desconhecido, dado o Continente Africano não ser objectivo
prioritário, organizando-se apenas a instalação, em certos pontos considerados
estratégicos, de postos fortificados, que tinham como primordial função servir
de escala, apoio e feitorias, na segunda metade do século XIX emerge um
novo rumo, passando aquele Continente, por motivos de diversa ordem, desde
os religiosos e humanitários, aos económicos, estratégicos, de mera
curiosidade científica, mas sobretudo devido a uma mutação do sistema
internacional, a ser uma zona de confluência das potências europeias.
39
Sob pressão da opinião pública, motivada pelas explorações dos viajantes
como Stanley e Livingstone, que revelaram aspectos do interior do continente
até aí geralmente ignorados, e sob o estímulo do desenvolvimento económico
e tecnológico das definições subsequentes ao triunfo do Liberalismo e à
Revolução Industrial, o Continente Africano passou assim a representar um
cenário de rivalidades e interesses das grandes potências, às quais interessava
o controlo das riquezas e de um mercado em território africano, mas sobretudo
para impedir que os rivais se antecipassem e preenchessem o vazio. Nesta
ordem de ideias, para fazer face às exigências de espaços de recurso e para
alastramento, formularam a expansão ultramarina como uma missão
civilizadora.
A redescoberta de África, depois das independências americana e brasileira,
foi um fenómeno complexo, que não partiu dos governos nem obedeceu a
grandes estratégias previamente definidas. A expansão para dilatação da Fé
ou por motivos económicos levou os portugueses a colaborarem decisivamente
no processo de colonização. A França desenvolvia na África Ocidental e
Central um metódico plano de acção “(...) em que as considerações de
prestígio desempenhavam um papel mais importante que os interesses
económicos (...)”30. A Grã-Bretanha tinha interesses económicos e estratégicos
um pouco por todo o planeta, embrenhava-se em todos os sítios, quer para
proteger posições adquiridas, quer na procura de novos campos de acção.
Esta redescoberta de África provocou uma afluência de emigrantes europeus
de espírito aventureiro na procura de realizar fortunas fabulosas31.
Leopoldo II da Bélgica, sob o explícito pretexto de promover a civilização na
África Austral e procurando travar o plano de expansão inglês, com o aparente
objectivo de penetrar em África com fins científicos e humanitários, fundou, em
Bruxelas a Associação Internacional Africana, que acabou por servir o desejo
belga de alcançar a posse do Congo.
Os Franceses, por intermédio do explorador Brazza, também disputavam a
exploração do Congo. A margem direita do Zaire(actual rio Congo), no Stanley
Pool, foi alcançada por Brazza a 1 de Outubro de 1880, fundando um posto no
30
31
Renouvin, Pierre, “História de las relaciones internacionales, Siglos XIX e XX”. Madrid: Akal, 1982,
p. 476.
Brunschwig, Henri, “A partilha de África”. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1972, p. 21.
40
local onde hoje existe Brazzaville. A Bélgica, através de Stanley, só aí chegou
em 27 de Julho de 1881, ficando, assim, limitada à margem esquerda do rio.
A Alemanha em 1883 também entra na corrida para África, mas pela mão
dos particulares. Estes pelo menos aparentemente, tomam a iniciativa de
conquistar posições que o Governo Imperial acederá depois a reconhecer e
proteger. Em pouco mais de um ano, adquire o Sudoeste Africano Alemão
(actual Namíbia), estabeleceu protectorados no Togo e Camarões e, em
apenas cinco semanas, funda a colónia da África Oriental Alemã (integrante da
actual Tanzânia).
A 10 de Novembro de 1875, cria-se em Portugal a Sociedade de Geografia
de Lisboa, base principal do expansionismo português. Porém, os exploradores
portugueses só em Julho de 1877 partem de Benguela. Separaram-se no Bié
em duas missões que vão atravessar o continente. Serpa Pinto vai até Durban,
e Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo seguem até Laca, ao Norte. Destas
explorações não resultou nenhuma ocupação efectiva.
O ideário expansionista português contou com os apoios do movimento
republicano, de algumas indústrias e empresas comerciais e financeiras
interessadas em África “(...) propulsionadas pelo Estado e protegidas por
pautas aduaneiras e privilégios de outra ordem (...)”32, apesar de o pensamento
colonial procurar mais a salvaguarda dos direitos históricos sobre o imenso
sertão do que a construção de um império económica e moralmente forte.
Os expedicionários foram seguidos pelas missões religiosas, nomeadamente
as protestantes, que se instalaram preferencialmente nas colónias que eram
controladas pelas suas nacionalidades de origem; porém, ao abrigo da
liberdade religiosa, bem depressa se espalhavam nas colónias de outros
países. Mas, sem dúvida que foram os militares, nomeadamente no século XIX
e meados do século XX, que tiveram um papel de primazia no processo de
colonização,
ocupação
e
pacificação
dos
territórios
ultramarinos,
predominância devida à ausência “(...) ou quase ausência de outras forças
sociais do que propriamente a uma vontade deliberada por parte dos militares
em assumirem esse papel de relevo (...)”33.
32
33
Grupo de Pesquisa sobre a Descolonização Portuguesa, “A Descolonização Portuguesa - Aproximação
ao seu estudo”. Lisboa: Instituto Democracia e Liberdade, 1979, Vol. I, p. 8.
Mota, Salvador Magalhães, “A Importância e a estratégia dos militares em África no séc. XIX”. In
41
Portugal, com base num direito histórico, reivindica a posse do Congo, onde
se encontrava concentrado todo o comércio da região, colocando-se em
situação embaraçosa, face às iniciativas belgas.
O Governo Português não possuía apoio diplomático capaz para fazer face
aos ataques belgas, nem as colónias tinham acção militar e forças próprias; as
ordens religiosas haviam desaparecido e a “(...) Propaganda Fidei, dirigindo
com carácter internacional as Missões, já de si contrariava a acção portuguesa
de carácter nacionalista, procurando não só reduzir a acção de Portugal no
Oriente, como introduzir estrangeiros nas restantes colónias (...)”34.
A preocupação inglesa perante as atitudes desenvolvidas pelas outras
potências europeias com interesses coloniais foi notória. Adoptando uma
táctica de antecipação, Londres prontifica-se a negociar com Portugal um
tratado no qual fosse encontrada uma solução quanto à região do Congo,
estabelecendo-se na zona uma defesa para evitar a penetração de outras
potências e, ao mesmo tempo, desta forma, retaliar a Alemanha e a França.
O Governo Britânico, que propôs negociações, face a pressões de outras
potências, acabou por recuar. Portugal ocupou militarmente Pointe Noire
(Ponta Negra). Esta situação conduziu ao abandono pela parte da Inglaterra de
algumas das anteriores objecções e levou-a a aceitar a autoridade portuguesa
nas regiões
contestadas, assinando com Portugal, em 26 de Fevereiro de 1884, o Tratado
do Zaire.
As primeiras dificuldades da demarcação das fronteiras de Angola surgem
em 1846 com a Inglaterra que contestava a posse dos territórios da costa
ocidental do Continente Africano, entre os paralelos de 5º 12´e 8º de latitude
Sul, ou seja, entre a margem direita do rio Congo e o sul de Ambriz. O
problema da fronteira Norte vai procurar uma solução através do Tratado do
Zaire, assinado em Londres, no qual a Inglaterra reconhecia a soberania do Rei
de Portugal e dos Algarves sobre a parte da Costa Ocidental de África, situada
entre os 8º e 5º12´de latitude Sul, e no interior: no rio Congo (antigo rio Zaire),
34
“Africana”. Porto: Centro de Estudos Africanos, Universidade Portucalense, N.º 13, (Março de 1994),
p. 46.
Villas, Gaspar, “História Colonial”. Lisboa: Estado-Maior do Exército,1938, p. 345.
42
o limite seria Nóqui, na costa entre os 8º e os 5º12´ de latitude Sul, a fronteira
interior coincidiria com os limites de tribos da costa e marginais 35 (figura xxx
delimitação das fronteiras-Angola
A
). Face às fortes contestações da França, Alemanha, da
Associação Internacional Africana e da opinião pública inglesa, a demarcação
por sua majestade britânica nunca chegou a acontecer.
Após difíceis negociações na Conferência de Berlim de 1884-1885, chega-se
a um compromisso e assina-se a 14 de Fevereiro de 1885 uma convenção
entre Portugal e a Associação Internacional do Congo, em cujo Art.º III se
fixavam as fronteiras “ (...) ao norte do Zaire, a recta que une a embocadura do
rio que se lança no oceano Atlântico, ao sul da Bahía de Cabinda, junto de
Ponta Vermelha, a Cabo Lombo; o paralelo deste último ponto prolongado até
à sua intersecção com o meridiano da confluência do Culacalla com o Lu-culla;
o meridiano assim determinado até ao seu encontro com o rio Lu-culla ; o curso
do Lu-culla até à confluência do Chiluango (Luango Luce). O curso do rio Zaire
(Congo) desde a sua foz até à confluência do pequeno rio de Uango-Uango; o
meridiano que passa pela foz do pequeno rio de Uango-Uango, entre a feitoria
holandesa e a feitoria portuguesa, de modo que deixe esta última em território
português, até ao encontro deste meridiano com o paralelo de Nóqui; o paralelo
de Nóqui até à sua intersecção com o Cuango; a partir deste ponto, na
direcção do Sul, o curso do Cuango (...)”36(figura xxx e
xxx
A delimitação das
).
fronteiras-Angola e A delimitação das fronteiras-cabinda
35
José de Almada, “Tratados Aplicáveis ao Ultramar”. Lisboa: Agência Geral das Colónias,
1943. Vol. VI, pp. 17 e seguintes.
36
Idem, Vol. IV, pp. 151-154.
43
Ponta Chamba
Baía de Cabinda
Ponta Vermelha
Figura
– A delimitação das fronteiras.
Após divergências surgidas em Cabinda, a 25 de Maio de 1891, negoceia-se
nova convenção que regulava praticamente de forma definitiva, os limites de
fronteira, não só na margem direita do rio Congo, mas também entre a foz
deste rio, na margem esquerda, e o rio Cuango.
A demarcação da fronteira do Nordeste também não ocorreu sem
dificuldades. A chamada questão da Lunda surge após a ocupação pela
Bélgica do antigo Império Lunda e na zona do Alto Cassai, em 1890, onde criou
o distrito do Cuango Oriental. As divergências assentavam basicamente na
interpretação do texto da convenção de 14 de Fevereiro de 1885. A 31 de
Dezembro, os dois governos decidem entabular negociações directas, no que
dizia respeito ao exercício da influência e ao direito de soberania nos territórios
compreendidos entre os cursos do Cuango, o paralelo de 6º de latitude Sul, e a
linha divisória das águas que pertencem à bacia do rio Cassai, entre os
paralelos 6º e 12º de latitude Sul, sendo assinado em 25 de Maio de 1891 um
tratado, que fixa a actual fronteira. A demarcação definitiva foi conseguida só
44
pela Declaração e Protocolo de Bruxelas, a 24 de Março de 1894 e 5 de Julho
de 1913, respectivamente.
A 22 de Julho de 1927, foi assinada em Luanda a convenção de rectificação
de fronteira na Lunda, por se ter reconhecido a inexistência do afluente do rio
Cassai, já referido no tratado de 15 de Maio de 1891. Assim, Portugal cedeu à
Bélgica uma área de cerca de 3 km perto de Nóqui, recebendo como troca uma
outra, um pouco maior, no Dilolo37 (fig.xxx
).
.A delimitação das fronteiras-Angola
As negociações com a França foram também muito diversificadas. A
proposta portuguesa para delimitação dos domínios franceses e portugueses
no Congo data de 1883, sendo renovada no ano seguinte, tratando-se ao
mesmo tempo das fronteiras da Guiné. As intenções portuguesas extendiam-se
ao território compreendido entre os rios Chiluango e Massabi (actual rio
Lubinda), ao passo que a França insistia para que a fronteira seguisse o curso
apenas do primeiro daqueles rios, desde a sua confluência com o rio Lucula até
à sua foz. Face às concessões feitas na Guiné, Portugal garantia a posse do
rio Massabi. Assim, em 12 de Maio de 1886, foi assinada em Lisboa uma
convenção, em cujo Artº. III se estabeleceu que a fronteira seguiria uma linha,
com início na ponta Chamba, situada na confluência dos rios Loémé e Lubinda
e se manteria a igual distância destes rios; desde a nascente mais
setenterional do rio Luali acompanharia a linha de cumeada que separava a
bacia do rio Loémé da Bacia do rio Chiluango, até ao meridiano de 10º30´de
longitude Leste de Paris, acompanhando este mesmo meridiano até ao
encontro com o rio Chiluango, que ali era já fronteira entre Portugal e o Estado
Livre do Congo (figura xxx
). Em 12 de Janeiro de 1901
A delimitação das fronteiras-cabinda
foi assinado em Paris o protocolo relativo ao traçado da fronteira que
interpretava e completava a Convenção de 1886.
Em relação à Alemanha, com quem se veio a definir a fronteira Sul do
território, as negociações levaram cerca de um ano. O acordo surgiu pela
Declaração de 30 de Dezembro de 1886, segundo a qual, a fronteira seguia o
curso do rio Cunene até às cataratas que se formam no Sul do Humbe, ao
atravessar a serra Canná, de onde seguia o paralelo até ao rio Cubango, o
curso deste até aldeia de Andara, que se mantinha na esfera de influência
37
Idem, pp. 169-197.
45
alemã e dali a fronteira seguia em linha recta na direcção do Leste até aos
rápidos de Catima no rio Zambeze (figura xxx
). Três
A delimitação das fronteiras-Angola
décadas depois, visto terem surgido diferendos com a África do Sul,
nomeadamente no que diz respeito à identificação das cataratas do Cunene,
procedeu-se à delimitação da fronteira com aquela República, através do
acordo de 22 de Junho de 1926. Assim, concordou-se que a linha de fronteira
era a linha de mediania daquele rio, desde a sua foz até um determinado ponto
das cataratas Ruacana. Os trabalhos de demarcação no terreno foram
aprovados em 1931.
Com a Rodésia as negociações decorreram num clima inflamado de paixões
e de nacionalismo, pois ocorrera o Ultimatum inglês de 11 de janeiro 1890. As
pretenções inglesas de unir o Cabo ao Cairo (fig. xxx
Mapa Rosa Inglês
com as intenções portuguesas do mapa cor-de-rosa (figura xxx
Português
) colidiam
mapa cor-de-rosa
), aceites pelos Tratados de 1886 com a Alemanha e com a França. A 13
de Agosto de 1887 a Inglaterra protestou formalmente contra aqueles Tratados.
A 20 de Agosto de 1890 foi assinada em Londres uma extensa convenção
sobre limites, pelo qual a linha divisória ocidental separadora das esferas de
influência portuguesa e britânica na África Central, partindo dos rápidos de rio
Catima, seguiria o talvegue do Alto Zambeze até à sua confluência com o rio
Cabompo (Moçambique) e daí o talvegue deste rio até à sua origem. Assim
Portugal ficou com importantes territórios em Angola. Contudo este tratado não
foi ratificado, dando origem a dois modus vivendi, sendo finalmente assinado
em Londres o Tratado de 11 de Junho de 1891(fig. Xxx e xxx
Mapa Rosa Último/
).
fronteiras Luso-Britânicas em 1890-1891
O acordo do primeiro modus vivendi foi assinado a 14 de Novembro de 1890
em Londres, e tinha a validade de seis meses; nele Portugal obrigava-se a
decretar a livre navegação do rio Zambeze e do rio Chire (Moçambique), e do
rio Pungue (Moçambique), a facilitar as comunicações entre os portos
portugueses do litoral e a esfera de acção da Grã-Bretanha, nomeadamente no
tocante a comunicações postais e às recovagens, reconhecendo ambas as
partes os limites fixados no tratado de 20 de Agosto, não aceitando nenhuma
das potências fazer tratados, aceitar protectorados ou exercer qualquer direito
de soberania dentro das esferas de influência assinadas à outra, sem que por
esse facto qualquer das potência se julgasse obrigada a reconhecer como
46
decidida qualquer questão relativa aos territórios citados, durante as
negociações de 20 de Agosto de 189038. O segundo modus vivendi assinado
em 13 de Maio de 1891, prorrogava o prazo do primeiro até 14 de Junho
seguinte.
Pelo Tratado de 20 de Agosto de 1890, Portugal mantinha todos os territórios
sobre os quais exercia alguma aparência de ocupação efectiva, assegurando
ainda amplas zonas não ocupadas no interior de Angola, no Sudoeste do lago
Niassa (Moçambique) e no Alto Zambeze, ficando ainda com um corredor de
20 milhas entre Angola e Moçambique, onde podia construir estradas,
caminhos de ferro e linhas telegráficas. No Tratado de 11 de Junho de 1891,
Inglaterra reservou para si todo o hinterland produtivo, abandonando Portugal o
planalto de Manica (Moçambique), em troca de uma área maior entre o Tete e
Zumbo (Moçambique), a Norte do rio Zambeze. Aceitava-se que a linha
divisória coincidiria com o Zambeze superior, partindo dos rápidos de Catima,
até ao ponto em que aquele rio entrasse no reino de Barotze, confundindo-se a
partir daí para cima com a fronteira ocidental desse reino, ou seja “(...) a parte
do leito do Zambeze adjacente ao Cabompo e o curso deste rio eram
substituídos pela linha ocidental que constitui a fronteira ocidental do Barotze,
desde um ponto situado a montante dos rápidos de Catima, no lugar onde o
Zambeze entra pelo Barotze (...)”39.
A Inglaterra acabou por levantar objecções quanto à fronteira ocidental do
Barotze, acabando a questão por ser submetida a arbitragem ao Rei de Itália,
cuja sentença data de 30 de Maio de 1905. Os limites ali fixados eram os
seguintes: “(...) a linha recta desde os rápidos de Catima, até ao ponto em que
a aldeia de Andara encontra o Cuando; a margem oriental deste rio até à
intersecção com o meridiano de 22º Leste de Greenwich; este meridiano até
junto da intersecção com o meridiano de 24º Leste de Greenwich, e, enfim,
este meridiano até à fronteira do Estado Independente do Congo (...)”,
desenhando-se assim as fronteiras interiores de Moçambique e Angola,
gorando-se definitivamente, as pretensões portuguesas de unir a costa à
contra-costa.
4 Idem, Vol. V, pp. 34-35.
39
Luís de Matos, “A fixação das fronteiras de Angola”. Separata de Angola - Curso de
extensão universitária, ano lectivo 1964-1965. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e
Política Ultramarina, p. 28.
47
A principal causa da ocupação tardia do enclave de Cabinda pelos
portugueses deve-se à sua disputa entre portugueses, franceses, ingleses e
holandeses. Portugal apesar de considerar intangíveis os seus direitos sobre o
território e com intenções de firmar a sua soberania, recorre à fórmula jurídica
do Tratado, assinando três Tratados de Protectorado com “príncipes e mais
cavalheiros, actuais chefes e governadores” em representação dos “povos”40
que habitavam os territórios que integravam os “reinos” de N’Goio e do
Kakongo (fig. Xxx
Os reinos após os acordos com França
). Este recurso era do maior
interesse para portugueses e cabindas, pois os primeiros não necessitavam
assim de disponibilizar recursos de que não dispunham no momento para
efectuar a ocupação efectiva, e as elites políticas daqueles povos, em
constante pressão de belgas, franceses e ingleses, pretendiam “a protecção da
bandeira de Portugal”, vista como a melhor opção para a defesa dos seus
interesses, pois “a nação com quem mantinham mais e constantes relações,
tanto comerciais como de hábitos de linguagem”41 era a portuguesa; como aliás
já tinha ficado expresso num protesto, de 19 de Março de 1883, assinado por
dignitários do Loango e pelo Mafuca de Pointe-Noire (Ponta Negra), na
sequência do ataque da corvetta francesa Sagittaire, levado a cabo alguns dias
antes contra as suas aldeias na costa. A população insurgiu-se contra estes
incidentes pois sabiam ser “destinados a estabelecer a soberania de uma
nação estrangeira sobre esta região portuguesa”42.
40
Acta do Tratado de Chinfuma, 29 de Setembro de 1893.
Tratado de Simulambuco.
42
“Jornal das Colónias”, Ano 8º, N.º 369, de 26 de Maio de 1883; in “Angolana”. Pp. 726-727.
41
48
Figura
– Os reinos após os acordos com França.
Fonte: Mapa da Corte de la côte de Loango reproduzido na obra .de Proyart.
No seguimento destes incidentes, a 29 de Setembro desse ano, o CapitãoTenente Guilherme Augusto Brito Capelo, firmava com os chefes locais, no
morro de Chinfuma, em Lândana um documento “pelo qual ficasse bem
autenticado o protectorado e soberania de Portugal sobre os territórios que se
estendem do rio Massabe até Molembo”43, este documento ficou conhecido
como o Tratado de Chinfuma (fig. Xxx A delimitação das fronteiras-cabinda).
A 26 de Dezembro do ano seguinte, foi a vez do delegado do Governo
Português, José Emílio dos Santos Silva, celebrar com os “príncipes,
governadores, regentes e chefes dos povos Kakongo e Massabe” o Tratado de
Chicamba.
No primeiro dia do mês de Fevereiro de 1885, e numa altura em que ainda
estava a decorrer a Conferência de Berlim (1884-1885), foi a vez dos “príncipes
e governadores de Cabinda”, por sua “inteira, plena e livre vontade” e em nome
43
Acta do Tratado de Chinfuma, 29 de Setembro de 1893.
49
dos povos que governavam declararam pretender ficar “sob o protectorado de
Portugal, tornando-se de facto súbditos da Coroa Portuguesa, como já o
éramos por costume, hábitos e relações de amizade”
44
, passando assim o
antigo reino de N´Goio a protectorado (fig. Xxx Os reinos após os acordos com França).
3. Resistência à colonização portuguesa
A ocupação do território, reduzia-se inicialmente às zonas costeiras de
Luanda e Benguela. A Norte, a tentativa de ocupação rumo à foz do rio Congo
fica-se por Ambriz (conquistada em 1855). Para o interior a conquista
caracterizou-se por uma longa série de confrontos localizados, pontuada por
uma intervenção militar de maior amplitude, traçando-se o fim da influência
portuguesa na região em que começam as dos estados da Lunda (NE de
Angola) e do Cassanje (figuraxxx
44
Situação Militar em 1974
).
Tratado de Simulambuco.
50
Figura
– Situação militar em 1974..
Angola só a partir de meados do século XIX conheceu uma presença efectiva
da colonização portuguesa. A História da ocupação e da resistência a esse
processo é uma história de sangue, de guerras, campanhas e razias, do rio
Congo ao rio Cubango, do Atlântico ao rio Zambeze. Entre 1848 e 1926
podemos contar com cerca de 190 acções e campanhas, que exigiram o
empenhamento directo de mais de 30 mil soldados durante um total de 21 anos
e dois meses em 48 anos (1879-1926)45, sendo que em 1940-1941 ainda se
combatia, rebentando a subversão armada em 1961.
45
René Pélissier, “História das Campanhas de Angola – Resistência e revoltas 1845-1941”.
Lisboa: Ed. Estampa, pp. 19, 239-242.
51
Uma das campanhas mais difícil para os portugueses e que subsiste no
imaginário popular foram realizadas contra os Dembos46 pelo General João de
Almeida. O Poder português atacou por diversas vezes ao longo de um período
de três anos até à sua submissão em 1910; porém, devido às difíceis
condições, a ocupação dos Dembos só ficou completa em 1919 (figura xxx
principais acções militares (1846/1926)
).
Foi no Norte do território que a partir dos anos 50 começam a surgir embriões
dos futuros movimentos com ideias oposicionistas ao sistema português.
Inicialmente
podemos
considerar
que
assentavam
numa
base
etno-
nacionalista. Uns eram defensores do uso da força e hostis à presença
portuguesa (UPA, MPLA, UNITA) outros eram defensores da não violência e da
colaboração com Portugal (MDIA, NGWIZACO, NTOBAKO)47.
Em 1956 aparece o MIA (Movimento para a Independência de Angola),
depois MDIA (Movimento de Defesa dos Interesses de Angola) de Pierre
M´Balá, e o PLUA (Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola) que, após
fusão, originaram o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Surge o NTOBAKO, de Angelino Alberto, com pretensões de criação de uma
comunidade
multi-racial
de
pretos,
brancos
e
mestiços
angolanos,
preconizando mesmo a criação de um Estado Luso-Angolano, apoiado pela
colaboração sincera e honesta do povo português48. Este líder ligou-se ao
Governo-Geral e Comando-Chefe de Angola com um bureau, tendo
recuperado para o controlo deste 200 mil Bacongos do Distrito do Congo (NW
de Angola, junto ao rio Cuango).
Povo que fala Kimbundu e que vive a menos de 150 quilómetros a nordeste de Luanda.
Comissão de Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas
de África (1961-1974)”. 6º. Vol., Aspectos da Actividade Operacional, Tomo I, Angola-Livro 1,
Estado-Maior do Exército, pp. 68-85.
48
Declarações a 3 de Agosto de 1963 em Brazaville. In Arquivo Nacional - Torre do Tombo,
AOS/CO/ PC - 78I, Mensagens sobre a situação político-militar 1962-1966.
46
47
52
3.1 Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA)
INTRODUZIR SIMBOLO
Ainda em Angola, emerge a UPNA, posteriormente, a conselho dos
americanos, UPA (União dos Povos de Angola), de Holden Roberto (Bispo
Baptista), de raíz etno-nacionalista e quase exclusivamente Baconga. Esta
união foi a responsável pelo desencadear da subversão activa, na baixa do
Cassanje e na zona algodoeira do Catete (figuraxxx
Situação Militar em 1974
), em
Dezembro de 1960, e pelo genocídio de Bailundos e Europeus, por alguns dias
a partir da noite de 15 para 16 de Março de 196149.
A resposta militar portuguesa a esta sublevação Baconga prolongou-se por
oito meses, entrando as tropas portuguesas em 9 de Agosto em
Nambuangongo (figuraxxx
Situação Militar em 1974
), capital simbólica dos sublevados,
finalizando as operações em 8 de Outubro.
Em Março 1962 a fusão da UPA e do PDA (Partido Democrático de Angola)
origina a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), cujos antecedentes
remontam a 1954, vindo a constituir o GRAE (Governo Revolucionário de
Angola no Exílio). A transformação em FNLA desvincula a UPA tribalmente.
O seu “Quartel-General” era em Leopoldville (actual Kinshasa), onde
contavam com o claro apoio de Mobutu Sese Seko, cunhado do dirigente
Holden Roberto. Após a saída de Jonas Savimbi e de Alexandre Taty, em 1964
e 1965, respectivamente, o suporte base da FNLA era novamente apenas
Bacongo e a sua actividade ficou reduzida à fronteira com o Zaire (actual
República Democrática do Congo). Mantinha ainda pequenos grupos de
guerrilha a Sul do Bembe, em direcção a Nambuangongo e de Luanda. Apenas
em 1970 abre uma frente a partir do Catanga, no sector oriental (figuraxxx
Situação Militar em 1974
).
Apesar do apoio do zairense, Mobutu não lhes consentia uma hostilidade
frontal com o Poder Português, pois em território angolano residiam alguns
milhares de catangueses refugiados ou exilados; além do mais o Zaire (actual
República Democrática do Congo) utilizava o porto do Lobito, através do
49
Viana de Lemos, “Duas crises Duas crises – 1961 e 1974”. Amadora: Edições Nova Gente,
1977, pp. 28 e 35.
53
caminho de ferro de Benguela, para efectuar as suas exportações (figuraxxx
Situação Militar em 1974
).
Em Tunis (capital da Tunísia), de 25 a 31 de Janeiro de 1960, realizou-se a
2ª Conferência dos Povos Africanos, que contou com a presença de Holden
Roberto, presidente do movimento independentista UPA. Este reivindicou a
independência para Angola num quadro africano, solicitando ainda que fosse
inscrito na XV sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas o problema do
Ultramar Português.
3.2 Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA)
INTRODUZIR BANDEIRA
As suas origens remontam a 1956, tendo sido iniciado por um núcleo de
intelectuais africanos, com diversos perfis ideológicos, denotando no entanto,
uma forte ligação ao Partido Comunista Português. A designação de MPLA
oficialmente só aparece a 31 de Janeiro de 1960, em Tunis.
Entre os membros fundadores destacam-se Viriato da Cruz, Ilído Machado,
Matias Miguéis, Lúcio Lara e Mário Pinto de Andrade.
Os primeiros manifestos foram distribuídos com a designação MIA
(Movimento para a Independência de Angola).
Alguns dos fundadores tinham militado em organizações de estrutura
incipiente, como o Partido Comunista de Angola (PCA-1955), o Partido da Luta
dos Africanos de Angola (PLUA-1956) e o Movimento para a Independência de
Angola (MIA), este alicerçado a um nacionalismo africano puro.
O MPLA estava implantado nomeadamente entre Kimbundoss, em Luanda e
ao longo do eixo desta cidade com Salazar (actual N´Dalatando)-Malanje.
Depois progrediu por estrutura celular por todas as cidades do território,
assentando no operariado negro e mestiço, professores, funcionários públicos,
quadros religiosos e
alguns quadros superiores africanos existentes.
54
Estabeleceu ligações fortes com a Argélia, Guiné (Conacry), URSS e seus
satélites, Congo, Marrocos, Suécia, Noruega, entre outros.
Com o apoio da República Popular do Congo conseguiu instalar a guerrilha
no enclave de Cabinda, e recrutar alguns quadros Kikongos. O alargar das
suas acções subversivas ao Leste permitiu-lhe actuar em chão Lunda-Kioco,
Umbundo e Cuanhama; porém, a sua aceitação pelas populações nunca foi
grande.
Na região tinha áreas geográficas de especial implantação que originaram
grupos de pressão internos. Os mais importantes são os grupos de Lunda
(Eduardo dos Santos, Rui Mingas), de Catete (Agostinho Neto, Roberto de
Almeida), e de Ambaca (Joaquim Pinto de Andrade, Lopo do Nascimento, Iko
Carreira) – figura xxx Situação Militar em 1974.
A adesão da comunidade branca verificava-se entre aqueles que tinham
ligações com o Partido Comunista.
O MPLA aparece ideologicamente definido, tornando-se com o tempo
evidente a sua raiz marxista-leninista. Ao nível militar a sua actuação foi
iniciada com o assalto às prisões da cidade e de uma esquadra em Luanda a 4
de Fevereiro de 1961.
Com a chegada de Agostinho Neto a Leopoldville (actual Kinshasa), em
1962, o Movimento é reorganizado. Em 1963, ao serem expulsos do Zaire
(actual República Democrática do Congo) e ao não poderem ter acesso à
fronteira norte do país, as dificuldades foram crescentes. A partir
desse
momento estabelece-se no Congo (Brazzaville), de onde atacaram Cabinda,
iniciando as hostilidades em 1964.
Nas florestas de Dembos (N do rio Cuanza) também haviam combatentes do
MPLA, mas sem retaguarda para norte ficaram isolados logisticamente. A partir
da independência da Zâmbia, em Outubro de 1964, abrem uma frente no Leste
do território, onde, em Fevereiro de 1966 desenvolvem a primeira acção
armada, no Distrito do Moxico (área entre os rios Cassai e Cuando).,
alastrando ainda a guerra à região do Cuando Cubango.
Em 1968 infiltram-se na Lunda (NE de Angola), a oeste, e no Bié (cuja capital
é o Cuito) em 1969, chegando ao rio Cuanza em 1970.
Em 1973, face às distancias das linhas de abastecimento e a dissidências
internas (nomeadamente a “revolta do leste” protagonizada por Daniel
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Chipenda, e da “Revolta activa” liderada pelos irmãos Andrade), o MPLA foi
forçado a abandonar a frente Leste, circunscrevendo-se a sua actividade militar
praticamente a Cabinda.
Esta fraqueza militar seria compensada pelo êxito diplomático, através do
reconhecimento da OUA, como sendo o MPLA a única organização
combatente em Angola (Junho de 1968).
O período de transição para a independência permite uma consolidação nas
cidades e uma grande adesão dos quadros existentes e na quase totalidade de
brancos e mestiços que permaneceram no território. Após os Acordos de Alvor,
o seu predomínio generaliza-se pelo território, controlando Luanda e as
principais cidades.
O MPLA proclamou em 11 de Novembro de 1975, em Luanda, a República
Popular de Angola.
3.3 União Nacional para a Independência total de Angola (UNITA)
INTRODUZIR BANDEIRA
Jonas Malheiro Savimbi, secretário-geral da UPA e ministro do Negócios
Estrangeiros do GRAE, entra em rota de colisão com Holden Roberto,
abandona o FNLA e refugia-se na Suíça, onde juntamente com Tony da Costa
Fernandes concebem a base de um novo movimento. Savimbi após recusar
aderir ao MPLA, inicia em Julho de 1965 um curso de guerrilha na China.
A UNITA oficialmente nasce a 15 de Março de 1966 na aldeia Chokwé de
Muangai. A primeira acção contra os portugueses verifica-se a 4 de Dezembro
de 1966. A sua actividade militar inicia-se a partir da Zâmbia, atingindo em
Janeiro de 1968 o Saurimo (outrora Henrique de Carvalho), limite norte da sua
actividade. Contando com o apoio especialmente entre Umbundos, não se
conseguiu implantar nos meios urbanos, sendo a sua zona de grande influência
definida pelo rio Cassai - Buçaco (actual Camanongue) - Luso (actual Luena) –
56
Cassanje - rio Lungué Bungo50. A guerrilha deste movimento penetrou no
Distrito do Bié, realizando algumas incursões na estrada que liga Luso (actual
Luena) a Gago Coutinho (actual Lumbala N’Guimbo) e a sul desta localidade 51
(figura xxx
Situação Militar em 1974
).
A Leste de Luena, na zona adjacente ao caminho de ferro de Benguela, a
influência era mista entre a UNITA e o MPLA, de quem foi grande rival pelo
controlo do Leste. As suas debilidades levam-na a procurar alianças com o
Poder Português na luta contra o mesmo inimigo, o MPLA.
Após a tomada técnica do Poder de forma unilateral pelo MPLA, a UNITA
abandona Luanda e instala-se em Nova Lisboa (actual Huambo), proclamando
a 11 de Novembro de 1975 a República Democrática de Angola.
3.4 Movimentos independentistas do enclave de Cabinda
– Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC)
A AREC (Association des Ressortissantes de L´Enclave de Cabinda) foi
fundada em 1958 pela comunidade cabindense radicada em Leopoldville
(actual Kinshasa). Os seus dirigentes mais destacados eram descendentes, em
grande parte, de famílias de linhagem indígena quando do Tratado de
Simulambuco de 1 de Fevereiro de 1885. Para eles, Cabinda era um
protectorado de Portugal, distanciando-se assim dos outros movimentos
independentistas.
A sigla MLEC (Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda) surge em
1960 e em 1963 altera a sua designação para FLEC (Frente de Libertação do
Enclave de Cabinda), com Luís Ranque Franque como líder (fig.xxx
Áreas de
50
Aniceto Afonso e Matos Gomes, “Guerra colonial – Angola-Guiné-Moçambique”. Lisboa:
Diário de Notícias, 1998, p. 140.
51
Josep Sánchez Cervelló, “A Revolução portuguesa e a sua influência na transição espanhola
(1961-1976)”. Lisboa: Assírio e Alvim, 1993, p. 83.
57
). Este movimento nunca teve importância militar real e, face à
Guerilha
coincidência das datas do reclamar da independência do enclave, com a
descoberta de importantes jazigos de petróleo, foi acusada de representar os
interesses das companhias petrolíferas exploradoras do carburante.
Após a assinatura dos Acordos de Alvor, Angola torna-se um país
independente a 15 de Novembro de 1975.
FLEC/FAC
FLEC/R
Figura
– Áreas de guerrilha.
58