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Atlas da Lusofonia Angola - A presença portuguesa

II. A presença portuguesa 1. Análise espectral da presença portuguesa Como já foi referido no 1º volume deste Atlas1, Sua Santidade o Papa João Paulo II afirmou que "(...) Angola tem quinhentos anos de encontro de culturas, situação que a maioria do povos de África não conhece. Isso fez do vosso país um povo distinto que não se pode incluir simplesmente numa determinada corrente que arrasta os países da África Austral. Nuns, os colonizadores viveram entre os colonizados. Aqui os colonizadores, apesar de tudo, conviveram com os povos que encontraram. Daí a diferença específica que distingue o povo angolano (...)”2. Esse encontro de culturas iniciou-se com a chegada ao rio Zaire (actual rio Congo) e aos seus sertões até ao Cuanza, o que, aliás, não obedeceu a uma ideia preconcebida de conquista e colonização do Sul da África Ocidental, como sucedeu com as ilhas de Cabo Verde, Costa da Mina e as ilhas do Equador. Foi a execução metódica do Plano das Índias do Infante D. Henrique, na febre de procurar por África o caminho mais curto e mais fácil para chegar às terras do Preste João, que acabou por suscitar o achamento fortuito da foz do rio Zaire. Em 1473, o príncipe D. João é associado ao governo, passando a dirigir a política atlântica. O príncipe D. João de Portugal reforça, então, a política de "mare clausum” no Golfo da Guiné, com "esquadras da Guarda Costa" entre o paralelo das Canárias e a Mina. Com a morte de D. Afonso V em 1481, D. João II sobe ao trono. A sua estratégia pode resumir-se à defesa da rota da Guiné; à busca da rota da Índia; à neutralidade da Península, à presença mercantil e diplomática na Europa do Mar do Norte e à vigilância rigorosa na segurança interna. Nesse ano de 1481 1 Atlas da Lusofonia, 1º Volume, Guiné-Bissau, edição do Instituto Português da Conjuntura Estratégica, de colaboração com o Instituto Geográfico do Exército, 1ª Edição, Maio de 2001, p.6 2 Apelo em M'Banza Congo (ex-Salvador do Congo) durante a celebração da Palavra na esplanada da velha catedral integrada na comemoração da mais antiga diocese de África Subsahariana erecta por bula de Paulo II, de 3-XI-1534 em São Tomé e Príncipe,, in insegnamenti de Giovani Paolo II, XV, 1, 1992, p.1788. 1 a Casa da Mina de Lagos é transferida para Lisboa, que com a de Arguim, passa a ser conhecida, primeiro por Casa da Guiné e Mina e depois por Casa da Mina e Trautos da Guiné. O novo Rei envia Diogo de Azambuja à Costa da Mina, com o objectivo de fundar a Fortaleza de São Jorge da Mina para assegurar assim o exclusivo do tráfego negreiro e de ouro do Golfo da Guiné. Ainda nesse ano, por forma a manter em segredo o objectivo supremo de todo o esforço náutico dos portugueses são aprovadas leis para:  salvaguardar o exclusivo de utilização da caravela, não permitindo a sua venda e a sua construção fora do território nacional;  proibir os pilotos, mestres e marinheiros de servirem outras nações;  considerar património secreto do Estado:  as cartas de marear e os mapas mundo;  os livros de marinharia, de astrologia e de viagens;  os roteiros e as relações dos escrivães de bordo. Aquele monarca tendo conhecimento, através das anteriores navegações de João de Santarém, Pedro Escobar, os dois Sequeiras e Lopo Gonçalves, de que o Continente se prolongava para Sul, incumbiu Diogo Cão, de prosseguir a exploração da extensa costa africana até lhe encontrar o fim, ou uma passagem fluvial para as Índias. Diogo Cão parte do Tejo com duas caravelas, levando consigo três marcos de pedra para sinalizar com padrões de soberania as novas terras descobertas. Na sua viagem fez escala nas ilhas da Madeira e nas Canárias, passou pela actual Gâmbia e pelo Castelo da Mina, passou o cabo Lopo Gonçalves e ultrapassou o de Santa Catarina (último ponto onde se chegara em tempo de D. Afonso V). Após alguns dias de navegação deparou-se em pleno oceano com uma corrente abundante de água doce, pelo que seria de presumir estar próximo um grande rio. Assim foi encontrada a foz do rio a que os locais designavam por Djazi (adaptado pelos portugueses para Zaire), ficando a sua posição assinalada nas cartas e pelo padrão de S. Jorge. Seguindo as instruções de D. João II foi reconhecida a navegabilidade do grande rio e encetadas relações com o gentio das margens. Diogo Cão chega assim às terras do Muéne Massinga-á-Cuum, ou Senhor do Congo com Banja em Ambasse. O navegador português depois subiu o rio até às quedas de 2 Yelala a cerca de 180 quilómetros da foz. Como se reconhecera impraticável ir até às terras do Prestes João pelo grande rio descoberto, era forçoso continuar a exploração pela Costa de África em direcção a Sul, continuando a viagem até cabo Ledo, onde deixou o segundo padrão, ou de Santo Agostinho, e ainda mais a Sul, já em águas frias, deixa outro padrão na Serra Parda, ficando assim descoberta e assinalada toda a costa do actual território de Angola. No regresso a Portugal, Diogo Cão, que a mando de D. João II envia ricos presentes ao Senhor do Congo, trás consigo quatro notáveis indígenas para poderem transmitir informações mais detalhadas sobre o potentado negro e o seu ignorado Império. O navegador português é bem acolhido na sua segunda viagem ao Zaire (actual Rep. Dem. do Congo), onde volta em 1484, o que facilitou o estabelecimento de laços para um bom entendimento e estabelecimento dos portugueses no Reino do Congo, ponto de partida para a imensa Angola. Para os europeus passara a existir um Reino e um Rei do Congo e para os habitantes do Congo, o Rei de Portugal era pura e simplesmente o "Rei do Mundo" - o Muene-Puto. É o próprio Senhor do Congo, quem solicita ao "Rei do Mundo", gentes de Igreja para pregarem ao seu povo a nova crença, e homens de ofício para em suas terras lhe erguerem templos e moradias iguais às de Lisboa. O regimento de D. João II a Rui de Sousa, chefe da primeira missão diplomática ao Congo, visava servir-se do prestígio e autoridade dos chefes gentílicos para a penetração pacífica da influência portuguesa nos sertões, por via duma intensiva acção espiritual de apostolado e dum adequado trato de comércio. O esforço apostólico português deixa assim de actuar por actos isolados para enveredar numa política de conversão dos reis gentios e na formação de uma elite clerical nativa, acabando o próprio Rei do Congo por ser baptizado, em 1491. A partir de então, posto que o sempre incipiente império militar e comercial das Índias se tivesse tornado prioritário e absorvente a "empresa magna da Corte e da Nação", não só não abandonou Angola, de um modo lento e obscuro, como exerceu o esforço secundário do Império de se infiltrar no Congo e de explorar geograficamente todo o Sudoeste da África ocidental. Foi a Duarte Pacheco a quem D. João II encarregou de reconhecer e fazer o 3 levantamento da costa, já descoberta, desde o rio Zaire (actual rio Congo) até ao rio Dande e da ilha de Luanda até à foz do Cuanza (figura xxx). MAPA DO FIGUEIREDO AQUI O Tratado de Tordesilhas, que substitui o Tratado das Alcáçovas (1479), numa nova redifinição dos espaços estratégicos de recurso e para alastramento, foi assinado a 7 de Junho de 1494. A vã tentativa de D. Manuel I de imposição do modelo político e organizacional português leva-o a enviar uma nova embaixada liderada por Simão da Silva, portador de um novo regimento. Este documento que vem estabelecer a política portuguesa, sublinhava a importância de manter a ordem sem ofender os nativos, nem provocar escândalos. A actuação lusa seria mais no âmbito da cooperação e da assistência espiritual e técnica, pois os portugueses deveriam desempenhar sobretudo um papel de conselheiros. O regimento não refere qualquer tipo de intervenção militar, assentando sobretudo na vertente comercial. A coberto destas relações amistosas com os Reis do Congo, Portugal passa a assegurar o resgate da mercadoria mais preciosa do sertão: o escravo. O N’gola da região mais a sul, expressou ao Rei do Congo interesse pelos portugueses e por Portugal. Em resposta foi enviada uma missão ao reino N´gola (1520) - depois conhecido por Angola – portador também de um regimento, constituído por Manuel Pacheco e Baltasar de Castro. Ao mesmo tempo que expressava a intenção da cristianização, o regimento manifestava também a preocupação pela identificação das eventuais regiões produtoras de prata; porém o modelo experimentado no Congo não terá o mesmo sucesso em N’gola. D. João III, em consequência da acção dos corsários e actuação no Atlântico e no Brasil dos calvinistas é forçado a reflectir e a assumir um conceito estratégico, traduzido pela intenção de abandonar o Norte de África, de manter o possível no Oriente e de “(...) promover sistematicamente a colonização do Brasil (...)”3. África ficará praticamente esquecida. Só em 1560, Paulo Dias de Novais e uma pequena delegação de jesuítas chegam às terras banhadas pelo rio Cuanza. 3 C. R. Boxer, “O Império Marítimo Português 1415-1825”. Lisboa: Ed. 70, 1992, p. 97 4 A necessidade de enquadrar o tráfico escravo e de consolidar a presença portuguesa nas margens continentais do Atlântico sul, induz uma nova expedição de Paulo Dias de Novais, que chega à ilha de Luanda em Janeiro de 1575, com o posto de capitão-general e portador de uma carta régia, onde se afirmava que o Reino de Angola devia ser dominado e conquistado, que se deveria verificar a conversão e que os benefícios comerciais seriam para o monarca português e para Portugal. D. Sebastião faz a doação de cartas, que criam a capitania de Angola, a favor de Paulo Dias de Novais. Novais, acompanhado de setecentos portugueses, cria a capital em Luanda (1575) e constrói três fortalezas, e em 1580 empreende a ocupação para o interior. Em 1580 estabelece-se em Macumbe e em 1582 chega às minas de Cambambe e desloca-se para a confluência do Cuanza com o Lucala, onde se fortifica e estabelece, dando origem ao presídio de Massangano. Em 1583, funda-se o presídio de Adenda ou Demba. Contudo, só em 1587, é que os portugueses chegam ao antigo Reino Angolano de Benguela. O desaparecimento de D. Sebastião, em terras de África, no combate ao “infiel”, provocou uma inevitável crise sucessória. Filipe II de Castela, após acção militar vitoriosa, desloca-se a Portugal, onde é jurado e aclamado Rei, nas Cortes reunidas em Tomar. Pela união das duas Coroas, o meridiano de Tordesilhas perde o seu significado, abrindo-se assim portas para uma penetração no "hinterland" brasileiro. Diogo Ferreira, em 1588, expõe a Filipe I de Portugal a necessidade de socorrer Angola e propõe um plano de conquista e alargamento daquele território até à contra costa. Depois de 1589, os Governadores do Reino enviaram a África, Domingos de Abreu e Brito, afim de estudar in loco se valeria a pena conservar Angola. Este elaborou um relatório que eliminou as dúvidas quanto ao interesse da presença portuguesa naquela região, nomeadamente pela facilidade que conferia em comunicar com a outra costa onde se situavam as minas do Monomotapa, que os indígenas “suases” alcançavam em viagens de apenas 15 dias4. Também o Padre Jesuíta, Francisco de Gouveia, em 1593, fez uma referência ao 4 Um Inquérito à Vida Administrativa e Económica de Angola e do Brasil por Domingo de Abreu e Brito, Coimbra, 1931. 5 interesse em explorar o interior de Angola, com vista à ligação com a região do Monomotapa5. Em 1595, termina o monopólio da navegação portuguesa, altura em que os holandeses realizam a primeira viagem à Ásia, pelo cabo da Boa Esperança. Um ano depois são criadas as Dioceses de Angola e Congo. Em 1606, o Governador de Angola, D. Manuel Pereira Forjaz, procurou concretizar o plano de união de Angola à contra-costa, encarregando disso Baltazar Rebelo de Aragão, que não passou de Chicova. Huig van Groot surge, em 1608, com a sua doutrina De Mare Liberum, onde procura demonstrar a falta de direitos reivindicados pelos reinos ibéricos relativos ao domínio dos mares e ao senhorio da Índia. Ingleses, franceses e holandeses passam assim a entrar em disputa pelas possessões portuguesas, tanto no Atlântico, como no Oriente. No Brasil as incursões são levadas a efeito pelos franceses, procurando estabelecer a França Antárctica, e pelos reformistas holandeses, através da West-Indische Compagnie. Estes vão ocupar ainda grandes áreas também em Angola. Em 1614, é fundado o presídio de Ambaca e Luís Mendes de Vasconcelos, que governou Angola de 1616 a 1620, procurou conquistar o Monomotapa por Angola, pois no seu entender, podia abrir-se caminho “(...) para se poder de Angola ir à Índia sem dobrar o Cabo da Boa Esperança (...)”, ficando assim os estados da Coroa de Portugal a dar as mãos “(...) huns aos outros; porque Angola poderá socorrer a Índia facilmente, o Brasil a Angola, e poderão della vir correos por Angola em todo o tempo, porque em todo se navega de Angola para o Brasil e do Brasil para Portugal (...)”6. Estas citações são para o Professor Silva Rêgo o demonstrativo que no primeiro quartel do Século XVII “(...) não só se encarava a estratégia do espaço português, constituído principalmente pela Metrópole, Brasil Angola, Moçambique e Índia, como também se desejava intensificar ainda mais o embarque de portugueses para o Estado da Índia (...)”.7 António da Silva Rego, “O Ultramar Português no Século XIX”. Lisboa: A.G.U., 2ª Edição, pp. 178 e seguintes. 6 Lacerda de Almeida, “Travessia de África”, pp. 14-22. 7 António da Silva Rego, ob. cit., pp. 180-183 e Avelino Teixeira da Mota “A Cartografia Antiga da África Central e a Travessia entre Angola e Moçambique 1500-1860”. Lourenço Marques: 1964. 5 6 Em 1617, Manuel Cerveira Pereira funda São Filipe de Benguela, que é englobada como governo subalterno no Governo Geral de Angola e Congo e a Inquisição instala-se nas colónias africanas em 1626. Com ajuda francesa, D. João IV é aclamado Rei de Portugal. Apesar dos tratados de aliança, entre o novo monarca e os Estados Gerais das Províncias Unidas, em terras de Santa Cruz, os holandeses continuam a alargar os seus domínios ultramarinos, tanto no Brasil, como em África (S. Tomé e Angola), ocupando, em Agosto de 1641, a costa angolana até Benguela, reclamando ainda Maurício de Nassau a anexação de Angola ao território de Pernambuco. Simultaneamente os invasores calvinistas conseguem estabelecer relações cordiais com o Rei católico Garcia II do Congo e com a Rainha Ginga do Dondo. Face à preocupação manifestada por D. João IV na recuperação da soberania sobre os territórios ultramarinos ocupados pelos holandeses, Salvador Correia de Sá e Benevides, a 21 de Outubro de 1643, apresenta um parecer ao Conselho de Guerra sobre a situação de Angola e do Brasil. Este e outros pareceres posteriores, apoiados pelo Padre António Vieira8, serviram de orientação ao Conselho de Guerra e Ultramarino para a definição da política de recuperação daqueles territórios9. Salvador Correia de Sá e Benevides parte de Lisboa, em Novembro de 1647, como Governador e Capitão-General do Reino de Angola, Governador do Rio de Janeiro e das Capitanias do Sul (Rio de Janeiro, Espírito Santo e S. Vicente), com poderes para reunir os meios navais e de combate, organizados e comandados por capitães de mar e guerra, para expulsar os holandeses de Angola e defender e concretizar a sua política atlântica triangular das rotas marítimas que deveriam estreitar Portugal ao Brasil, e o Brasil a Angola e a Portugal. Em 1648 uma expedição luso-brasileira, saída do Rio de Janeiro, conquista Luanda. Ainda em 1648, forças portuguesas, comandadas por Francisco Barreto, vencem os holandeses na primeira batalha dos Guararapes (Brasil). O triângulo Angola – Brasil – Portugal era essencial para a sobrevivência deste último e foi assim restaurado. Luís Norton, “A Dinastia dos Sás no Brasil (1558-1662)”. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1943, pp. 70 - 73. 9 Idém, pp. 43 - 52. 8 7 As lutas luso-holandesas iniciadas com os ataques às ilhas do Príncipe e de São Tomé, em 1598–1599, só terminaram em 1663, com a conquista das colónias do Malabar. Nos termos da paz, fixados apenas seis anos depois, em Lisboa e Haia, os portugueses mantiveram o controlo sobre Angola e Benguela. Em 1650-51, D. António de Sousa Macedo vai à Holanda realizar negociações sobre o Ultramar Português, tendo as autoridades portuguesas e holandesas assinado um tratado através do qual é reconhecido o domínio de Portugal sobre Angola, S. Tomé e Brasil, enquanto o governo de Haia conservava Ceilão. Em Angola funda-se Punguandongo (1671), são edificados os presídios de Caconda (1682) e de São José de Encoge (1759), em Luanda instala-se a Alfândega e uma Ribeira das Naus (1766) e é construído o presídido de Novo Redondo (1768). Após a expulsão dos holandeses e dos calvinistas podemos deduzir um conceito estratégico português para a África a Sul do Equador que se pode esquematizar da seguinte forma: - procurar estabelecer uma ligação terrestre entre a Costa Ocidental Atlântica e a Costa Oriental do Índico através do planalto da Huíla, Cubango, Cuanda, Zambeze, Garenganze, Barotze e Bashukulumbwe, Leoangiva, Monomotapa e Lobengula, Angonia, Makanja e Mashona e Namika e Senna. - consolidar a soberania: - na costa ocidental entre as latitudes 5º12’’ (rio Chiloango) até aos 18º de latitude meridional (cabo Frio), penetrar para o interior de Norte para Sul até ao rio Cuango e, pelo planalto da Huíla, Cubango e Barotze até à outra costa; - na costa oriental, entre cabo Delgado, de Norte para Sul, ultrapassando o lago Niassa e o Loangwa, Senna e Manika e Lohengula até à outra costa; - exercendo o esforço na costa oriental. A independência dos Estados Unidos da América, em 1776, e a Revolução Francesa em 1789 justificavam profundas alterações da área estratégica portuguesa no século XVIII. Porém, a estratégia lusa nesse século, assim como já tinha sido no século anterior, continuou a apoiar-se e a consolidar-se no 8 triângulo estratégico atlântico português Portugal-Brasil-Angola, continuando a exercer-se o esforço no Brasil. Em 1798 a Academia Real das Ciências de Lisboa patrocina o Dr. Lacerda e Almeida, na travessia para ligar as costas de Angola e Moçambique, de Oriente, para Ocidente, o qual veio a morrer de esgotamento antes de a conseguir. Tal feito só foi conseguido em 1811, por Pedro João Baptista e Amaro José que chegam a Tete (Moçambique) vindos do Cassanje, (Angola), completando assim, a travessia de África de costa a costa. Com as campanhas napoleónicas na península, a Corte desloca-se para o Rio de Janeiro, no Brasil, em 1807. Em Agosto de 1821, D. João VI regressa a Portugal e a 7 de Setembro a independência política do Brasil é formalmente proclamada por D. Pedro. Este sim foi o marco que ditou profundas alterações no conceito estratégico português. O Marquês de Sá da Bandeira, após as lutas liberais, apercebendo-se do papel que a África viria a desempenhar no futuro jogo político dos principais Estados Europeus10, decidiu exercer o esforço nesse Continente. Assim, o Governo Setembrista criou, em 7 de Dezembro de 1836, três Governos Gerais para o Ultramar11 e procurou transferir o fluxo da emigração, então orientado para o Brasil, para África, encorajando os emigrantes descontentes, no Brasil, a passarem a Angola. Os desígnios do Marquês não conseguiram ser satisfeitos. A África permanecia no imaginário português da época, como uma terra de expiação, perigosa, em que só os criminosos e aventureiros podiam aspirar a sobreviver e prosperar12. A metrópole procurava colonizar, mas não tinha colonos. Além do mais, não eram oferecidas perspectivas de futuro significativamente sólidas a um candidato à emigração e os territórios estavam infestados de doenças tropicais, que só foram dominadas depois da 2ª Guerra Mundial. Para que aquele continente passasse a ser destino de emigrantes livres, eram Joaquim Veríssimo Serrão, “História de Portugal”. Lisboa: 2º Ed., 1978. Vol. VIII, p. 124. O Governo de Cabo Verde, englobando o arquipélago e a parte continental (a Guiné ); o Reino de Angola e de Benguela com os demais pontos da África Ocidental e a sul do Equador; o de Moçambique e as possessões da África Oriental; e um Governo particular abrangendo S. Tomé e Príncipe e o Forte de S. João Baptista de Ajudá. 12 Yves Léonard, “I- A Ideia colonial, olhares cruzados (1890 –1930)”. In Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, “História da expansão portuguesa”. Navarra: Círculo de Leitores, 1998. Vol. IV, p. 533. 10 11 9 necessárias as infra-estruturas adequadas, segurança e condições de salubridade para os futuros colonos. Podemos considerar que os fundamentos que estabelecem uma orientação estratégica nacional e que definem a forma portuguesa de estar, até à delimitação das fronteiras definitivas dos domínios ultramarinos em África, aparecem já claramente expressos no relatório apresentado às Cortes, pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Marquês de Sá da Bandeira, em 19 de Fevereiro de 1836, e no preâmbulo do Decreto de 10 de Dezembro do mesmo ano (o qual também abolia o tráfico de escravos) AQUI INSIRO A CARTA NUMA DAS LATERAIS E A ITÁLICO. Tanto no relatório como no preâmbulo, apesar da recriação do império português aparecer fundada, antes de mais, no passado histórico, a sua argumentação centrava-se eminentemente na natureza económica do novo projecto colonial. Em 1838 é criada uma companhia de navegação para ligar o Reino a Angola e, um ano mais tarde, é publicada em decreto uma carta régia, em que a Rainha autoriza a fundação da “Associação Marítima e Colonial” com as secções de Marinha Militar, Colónias e Marinha Mercante. Em 1842 é assinado um tratado com a Inglaterra destinado à abolição da escravatura. O explorador Joaquim Rodrigues Graça, em 1843, é encarregado de se dirigir para o interior da província de Angola e demandar as cabeceiras do rio Sene e o Bié e, em 1844, o porto de Luanda é aberto à marinha de comércio estrangeiro. O primeiro grupo de colonos portugueses vindos do Recife (Brasil), chega a Angola e funda a cidade de Moçâmedes (actual Namibe), no ano de 1849. Com a Regeneração inicia-se uma nova fase política em Portugal. O Setembrista Sá da Bandeira é nomeado para a presidência do Conselho Ultramarino - criado por decreto a 23 de Setembro de 1851 - mantendo-se assim a sua concepção imperial13. Morre D. Maria II no ano de 1853 sendo nomeado regente D. Fernando. Silva Porto chega ao Lui, no Barotze, e daí envia para Leste o pombeiro João da Silva. 13 Valentim Alexandre, “Nação e Império”. In Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, “História da expansão portuguesa”. Navarra: Círculo de Leitores, 1998. Vol. IV, p. 90. 10 No ano de 1854 é publicada a lei que considerava libertos todos os escravos pertencentes ao Estado, estabelecendo também a libertação de todos aqueles que fossem importados por via terrestre para quaisquer domínios de Portugal. Por ter atingido a maioridade D. Pedro V é aclamado Rei em 1855. Em 1857 é criado na Huíla uma colónia militar agrícola e em 1858 a Companhia União Mercantil estabelece as primeiras carreiras regulares, a vapor, da metrópole para Angola e é publicado o decreto que fixa o termo da escravidão, daí a 20 anos. Em 1861, inicia-se o reinado de D. Luís que, em 1864, assina o decreto que cria o Banco Nacional Ultramarino, o qual vem a ser fundado no ano seguinte. Ainda nesse ano, Rebelo da Silva abraça a pasta da Marinha e Ultramar, e constitui uma comissão para estudar a reforma das instituições administrativas do Ultramar, da qual resultou a aprovação por decreto da Nova Carta Orgânica da Administração Ultramarina onde predominava a orientação assimiladora. Com a nova carta, o Ultramar ficou dividido em 6 províncias: Cabo Verde ou Senegambia Portuguesa, que continuava a compreender a Guiné; S. Tomé e Príncipe com S. João Baptista de Ajudá; Angola; Moçambique; Estado da Índia; Macau e Timor. Cada uma delas tinha um governador com atribuições civis e militares e eram governadores-gerais os de Cabo Verde, Angola, Moçambique e Estado da Índia, que tinham junto um Conselho de Governo e uma Junta Geral da Província. Neste ano foi ainda decretada a extinção definitiva da escravatura em todos os domínios portugueses. Em 1872 têm início as reacções organizadas nas regiões habitadas por povos rebeldes que rejeitavam a presença portuguesa através de actos de rebeldia; dois anos mais tarde inicia-se o estudo da linha férrea de Luanda a Malanje. O Marquês de Sá da Bandeira morre em Lisboa, em 1876. Nesse mesmo ano é proposta, em sessão da Sociedade de Geografia de Lisboa, a viagem de travessia do Continente africano por Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Serpa Pinto. Este, em 1877, vai de Benguela ao Bié e estuda as nascentes do Cuanza e, Capelo e Ivens iniciam uma expedição onde percorrem as regiões de Benguela às terras de Iaca, determinando os cursos dos rios Cubango, Luando e Tohicapa. 11 No ano de 1880, é organizada a Empresa Nacional de Navegação e em 1882 é apresentado o projecto do caminho de ferro de Luanda-Malanje, sendo autorizada a sua construção a 16 de Julho de 1884; porém o início da obra só se deu em 31 de Outubro de 1886. O Chanceler Bismark convoca para Berlim, nos finais de 1884, uma conferência para a qual Portugal aceita o convite para participar, enviando uma delegação constituída por António de Sena Pimentel, Luciano Cordeiro, Carlos du Bocage e os Condes de São Mamede e de Penafiel. Entretanto efectua-se a expedição de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, atravessando a África de Luanda a Tete e chegam os primeiros colonos a Angola, oriundos da Madeira, enquanto que Henrique de Carvalho explora a Lunda. Nesse mesmo ano (1884), a Grã-Bretanha reconhece a Associação Internacional do Congo. No ano seguinte, Portugal e a Associação Internacional Africana assinam a Acta da Conferência de Berlim, que cria o Estado Livre do Congo e em 1886 é apresentado internacionalmente o Mapa Côr-de-Rosa. Entretanto as fronteiras entre Angola e o Congo Francês são definidas por uma convenção Luso-Francesa. Paiva Couceiro ocupa o Barotze, na Zâmbia em 1889 e no ano seguinte empreende a exploração do Bailundo ao Mussulo. Entretanto é assinado o acordo Anglo-Português sobre o Zambeze, garantindo aos ingleses o controle total da região e alguns direitos coloniais sobre o Congo. Dois anos mais tarde Artur de Paiva explora o Cunene, a partir de Humpata. No decorrer do ano de 1897 a crise financeira acentua-se em Portugal. No ano seguinte são feitas várias tentativas para obter um empréstimo em Londres, oferecendo Portugal, como garantia, o rendimento das alfândegas coloniais, o que levanta objecções da França e da Alemanha. Os Ingleses aceitam as objecções por recear o agravamento da situação no Transval e não desejar hostilizar a Alemanha. Entretanto o Governo Inglês comunica ao Marquês de Soveral, ministro português em Londres, que “(...) tinham sido respeitados os direitos de soberania de Portugal e suas colónias (...)” e que a Alemanha “(...) tinha resolvido subscrever uma parte do empréstimo, se Portugal o pedisse, com a garantia das suas colónias (...)”. 12 Ingleses e alemães iniciam conversações onde se falava em Cabo Verde e Timor. Portugal estava alheio a estas negociações e acabaram por ser assinados três documentos: - uma convenção sobre o possível pedido de empréstimo feito por Portugal; - uma convenção secreta para a hipótese de Portugal não poder manter as suas colónias africanas a Sul do Equador e a ilha de Timor; - uma nota secreta sobre concessões nas esferas de influência. O empréstimo alemão seria garantido com o Norte de Moçambique a partir do Zambeze; com a parte Sul de Angola, não incluída na esfera inglesa; e com a parte de Timor (figura xxx Divisão do império português segundo a convenção secreta anglo-alemã de ). 1898 Em 1899 Portugal tenta negociar um empréstimo com a França e surge a hipótese de hipotecar as alfândegas dos Açores, a que os ingleses se opõem. É nesta altura que os EUA revelam pela primeira vez interesse pelos Açores. O desencadeamento do conflito Anglo-Boer dá a oportunidade ao Marquês de Soveral de retomar as conversações com Lord Salisbury e de neutralizar o efeito das conversações anglo-alemãs que não conhece em pormenor, mas que sabe serem preparatórias de uma partilha das possessões portuguesas em África e na Oceânia. Em 14 de Outubro de 1899 o Marquês de Soveral consegue obter uma declaração secreta, conhecida por Tratado de Windsor, em que reforçam os Tratados da Aliança de 1642 e de 1661 e pela qual Portugal se obrigava a não autorizar a importação e passagem de armas e munições de guerra destinadas à República da África Meridional (Transval), através do território de Moçambique, e a não proclamar a neutralidade, em caso de guerra, entre a Inglaterra e aquela república. A imprensa e a opinião pública portuguesas, que já eram contra a Inglaterra, ao terem conhecimento desta atitude lançam graves acusações ao Governo e à Casa Real. Só as classes dirigentes têm a consciência plena de que o país depende comercial e politicamente da Inglaterra e a imprensa é alimentada por notícias de origem francesa, espanhola e alemã. 13 No ano de 1901, dá-se a reorganização de forças militares ultramarinas e em 1902 é autorizada a construção e exploração do caminho de ferro de Benguela, tendo sido dada a sua concessão a Robert Williams. A Companhia de Cabinda é criada em 1903, ano em que se inicia a construção do caminho de ferro de Benguela. Em 1904, no Sul de Angola, os Cuamatos atacam e dizimam quinhentos homens sob o comando do Capitão Pinto de Almeida. Em 1906 é criada uma Escola Colonial na Sociedade de Geografia de Lisboa e o Coronel Roçadas efectua acções punitivas sobre os Cuamatos, “pacificando” João de Almeida os Dembos, enquanto que, na metrópole, se revoltam as guarnições dos cruzadores "D. Carlos" e "Vasco da Gama". Estas acções, foram os indicativos ostensivos da revolução, em preparação activa, que deveria eclodir em Janeiro de 1908. Os Cuamatos e os Dembos voltam a dar sinais de rebeldia em 1907. O regicídio, em 1908, provoca uma pausa nos trabalhos revolucionários e D. Manuel I, que não estava preparado para ser rei, assume o poder. É ainda nesse ano que se dá a revolta do chefe Dembo, Cazuangongo. O general João de Almeida ocupa o Evale, Cafine e todo o Baixo Cubango em 1909. Em 1910 a família real parte para o exílio e a república é implantada sendo aprovada a Constituição Política da República Portuguesa e eleito o primeiro presidente constitucional da república, Manuel Arriaga. A república cria o Ministério das Colónias que integra o Conselho Colonial. Neste ano inicia-se a construção do 2º troço do caminho de ferro de Benguela (mais 123 km), e no ano seguinte constroi-se mais um troço de 40 km. As negociações sobre a partilha das colónias portuguesas entre alemães e ingleses, embora em ambiente informal, continuam em bom ritmo. Todas as aberturas e promessas de facilidades da Inglaterra tinham como finalidade única desencorajar os alemães de prosseguirem no seu programa naval, que estes destinavam à participação na partilha da Ásia. O Kaiser resiste às tentações, mas os ingleses não desistiram de negociar, oferecendo o abrandamento da sua política de expansão em África, o apoio a possíveis negociações alemãs para a aquisição da colónia de Angola, parte do Congo e a cedência de Zanzibar e Pemba, exigindo em contrapartida o adiamento da construção de couraçados, a desistência sobre Timor e a cedência do caminho de ferro de Bagdade. 14 Apesar de tudo, a lei da marinha alemã é aprovada em 14 de Novembro, embora o ambiente de desespero das negociações tenha sido levado ao ponto da Inglaterra ter oferecido aos alemães, em troca de Timor, S. Tomé e Príncipe e até a Madeira, os Açores, Cabo Verde, o delta do Zambeze e a margem oriental do lago Niassa. Nesta conjuntura, em virtude das dificuldades financeiras e das perturbações internas da metrópole, aventa-se a possibilidade de as colónias portuguesas se separarem e tornarem independentes, procurando a Inglaterra e a Alemanha agravar ainda mais a situação financeira de Portugal, visando provocar um grande empréstimo anglo-alemão com garantia colonial; no fundo uma revisão do acordo secreto de 1898. Em 1913, realizam-se novas acções militares contra os povos dos Dembos, desta vez empreendidas por Norton de Matos e é construído o 4º troço do Caminho de ferro de Benguela, (mais 160 km). Entretanto, os países europeus que cobiçam os territórios portugueses, verificam que Portugal está dividido pelos partidos políticos e que os perigos que ameaçam as colónias não têm despertado o interesse que se tinha previsto, e que não havia qualquer intenção do Estado para pedir empréstimos vultuosos para fazer face à situação financeira em riscos de rotura. O governo mostra-se preocupado com as declarações de Bismark referentes às negociações com a Inglaterra sobre a África. A diplomacia interveio e a Inglaterra volta a descansar a legação portuguesa em Londres afirmando que a integridade das colónias portuguesas será respeitada. Convém lembrar que as referências feitas relativamente às negociações anglo-alemãs, só foram conhecidas depois da 1ª Guerra Mundial, após a publicação dos documentos oficiais alemães, franceses e ingleses. No ano seguinte, as negociações anglo-alemãs para a revisão do tratado de 1898, começam a entrar numa fase de desconfiança. Sir A. Hastings pede ao Governo Português que dê a conhecer ao Governo Inglês as concessões de caminhos de ferro e portos que fossem requeridos pelos alemães; no entanto, tanto a Inglaterra como a Bélgica declaram-se indiferentes quanto ao interesse que a Alemanha pudesse revelar em relação a Angola, desde que Portugal se defendesse politicamente. 15 De Berlim, o ministro Sidónio Pais aconselha o governo a satisfazer certos desejos económicos da Alemanha, com o argumento de que a Europa não consentiria, por muito mais tempo, o atraso das colónias portuguesas. É nomeada uma comissão mista luso-alemã para estudar a ligação ferroviária do Sul de Angola com o Sudoeste Africano Alemão. Os alemães enviam imediatamente para Angola, engenheiros, agrónomos e comerciantes, assistidos por um comissário português que, em missão de estudo, percorrem todo o Sul do território angolano, para iniciarem os trabalhos de planeamento para a implantação do caminho de ferro da Damaralândia. O Ministro dos Negócios Estrangeiros dá instruções para Londres ao Ministro Teixeira Gomes, para solicitar, no caso de eventualidade de guerra, declarações do Foreign Office que orientassem com segurança o procedimento português como aliado, dando a indicação que a situação que convinha a Portugal era a de neutralidade. Em resposta foi pedido encarecidamente que não se fizesse qualquer declaração de neutralidade, e Portugal afirmou que em qualquer caso a Inglaterra nos teria sempre a seu lado. A Alemanha declara guerra à França, invadindo a Bélgica, iniciando-se assim a primeira Guerra Mundial. A Inglaterra declara guerra à Alemanha. A situação internacional gera internamente duas correntes de opinião: a intervencionista e a não beligerante, fazendo o Presidente do Conselho uma declaração perante o Parlamento em que afirma que os portugueses estavam dispostos a fazer tudo para corresponder à amizade da Inglaterra, sem nenhum esquecimento dos deveres da aliança que livremente haviam contraído. Neste ambiente são consagrados os princípios de autonomia administrativa e financeira das colónias. Na África, governadores esclarecidos e regularmente informados vêem não só as ameaças alemãs, como o abandono a que Portugal seria votado pelos seus aliados em caso de ataque, pelo que reforçam as medidas de garantia do território, tanto em Angola, como em Moçambique. Desde 1913 que estavam preparados, dentro das possibilidades locais, para não deixar ocupar qualquer parcela do território. O decreto que mandou organizar as primeiras expedições militares para Moçambique e Angola é de 18 de Agosto de 1914 e o ataque a Maziúa, na fronteira do Rovuma, verifica-se na noite de 24 para 25 de Agosto. 16 O General Pereira d’Eça, ministro da guerra, toma a iniciativa de, na metrópole, começar a organizar a Divisão Auxiliar, para se evitar a tentação de enviar apenas material em auxílio dos nossos aliados, dado que a corrente intervencionista entendia que deveríamos dispor de uma força para actuar na frente europeia. Se a participação portuguesa na guerra em África tinha a justificá-la a legítima defesa, depois dos alemães terem tomado a iniciativa do ataque a Moçambique, a intervenção portuguesa nos campos de batalha da Europa era mais difícil de explicar à opinião pública, não obstante três fortes razões imporem tal intervenção: - cumprir os deveres de aliados da Inglaterra; - libertar dos propósitos tutelares ingleses por meio de uma decisão que nos creditaria perante todo o mundo; - assegurar a presença na Conferência de Paz, onde se poderia fazer ouvir a voz portuguesa em defesa da inviolabilidade dos nossos domínios ultramarinos. Em 1 de Outubro, a expedição comandada pelo tenente-coronel Alves Roçadas desembarca em Moçâmedes (actual Namibe) com as forças da primeira expedição e, em 19 do mesmo mês, dava-se um incidente em Naulila. Esta área era cobiçada pelos alemães desde 1885, que, além de na altura manterem lá uma «quinta coluna» constituída por técnicos e cientistas, de há muito que através de intrigas e espionagem criavam entre a população local, toda a espécie de dificuldades. O Congresso autoriza a intervenção militar e é proibida a difusão de notícias relativas às forças portuguesas de terra e mar que não tivessem origem oficial. Em 1915, chega a Angola o general Pereira d’Eça, por ter sido nomeado Governador e Comandante-Chefe, em substituição de Norton de Matos. Entretanto a Espanha tem uma atitude duvidosa e o Governo Inglês declara não ter condições para assumir as responsabilidades sobre as fronteiras terrestres das colónias portuguesas e de Portugal, aconselhando à reserva de forças terrestres e navais para defesa própria. O Sudoeste Africano é ocupado pelas forças da África do Sul. Uma parte das forças alemãs da Damaralândia rendem-se aos Sul-Africanos, mas outra parte mantém a subversão entre os africanos do além Cunene. 17 É em 1916 que as operações militares terrestres e a vida das populações europeias começam a ser altamente prejudicadas em consequência da guerra submarina, o que leva o Governo Inglês, a pedir ao Governo Português para em nome da velha Aliança, requisitar de forma urgente todos os barcos inimigos estacionados nos portos portugueses, o que se concretizou seis dias depois. A Alemanha protesta e entrega um nota de declaração de guerra a Portugal. Perante a declaração de guerra por razões de salvação nacional constitui-se a “União Sagrada”. Em 10 de Outubro, a Inglaterra pede para Portugal sair da sua atitude de neutralidade e se colocar activamente ao lado da Inglaterra. O Congresso deu o melhor acolhimento ao convite e deslocam-se a Portugal duas missões militares, uma Inglesa e outra francesa, para estudar o emprego das forças portuguesas no teatro de operações da Europa. Os EUA pedem para que a sua frota do atlântico faça uso do porto da Horta, como base de reabastecimento e do porto de Ponta Delgada, como base naval, o que é autorizado. Os EUA entram na guerra e o Brasil declara guerra à Alemanha Imperial. A entrada dos Estados Unidos da América na guerra, a 2 de Abril de 1917, quebra a política de abstenção face às disputas europeias da Doutrina de Monroe. Numa mensagem ao congresso, em 8 de Janeiro de 1918, Woodrow Wilson formulou os princípios de base da futura paz - Os catorze pontos de Wilson - marcando o início da futura e longa ingerência dos EUA na vida internacional. Durante o ano de 1917 dá-se a Revolução de Outubro, em que os bolcheviques se apoderam do poder na Rússia, é então assinado o armistício com a Alemanha, e a Rússia retira-se da guerra. Neste mesmo ano os Dembos em Angola voltam a revoltar-se. Ultrapassada a 1ª Guerra Mundial pela vitória aliada sobre os Impérios Centrais e a Turquia, o armistício com a Alemanha é assinado a 28 de Junho de 1918, na Paz de Versalhes. O instrumento constitutivo da Sociedade das Nações foi incluído em todos os tratados de paz. Oficialmente surgida em 10 de Janeiro de 1920, a Sociedade das Nações (SDN) pode ser considerada a primeira experiência de organização da 18 sociedade internacional, como resultante da passagem de uma sociedade europeia para uma sociedade alargada. Até esse momento, a função dos territórios coloniais era a de equilibrar as forças e os interesses entre as potências do concerto europeu. Com a criação da SDN, surge o sistema de mandatos sobre o território dividido do Império Colonial Alemão, mostrando-se, desta forma, que o “novo organismo” não se desinteressou da política colonial. Na realidade, é a partir do seu Artº.12º que vem a organizar-se a comissão permanente de mandatos, apontando, assim, para uma internacionalização da colonização. No Tratado de Versalhes, a Alemanha renuncia a todos os títulos e direitos sobre as suas possessões além-mar, sendo as colónias alemãs partilhadas pelas principais potências aliadas e associadas. A ex-colónia alemã do Sudoeste Africano passa a estar sob a tutela da SDN e é confiada a sua administração à União Sul-Africana. Pelo Tratado de Versalhes foi ainda garantida a Portugal a integridade territorial do património ultramarino e sancionada a posse do Triângulo do Quionga. Assim, se Berlim foi a primeira partilha da história colonial, Versalhes terá sido a segunda. Mais de uma década após a implementação da república tem lugar uma reforma no Ministério das Colónias, passando-se a conferir ao Conselho Colonial poderes de órgão político e sendo criado o regime de altoscomissários (1920). Na metrópole a agitação política traduz-se em sucessivas revoltas militares e tem lugar a que ficou conhecida pela "noite sangrenta" em que foram assassinados António Granjo, Machado dos Santos e Carlos da Maia. Em 6 de Março é fundado o Partido Comunista Português que viveu até ao 25 de Abril de 1974 na clandestinidade e, curiosamente nunca alcançou grande influência nas Colónias, como na altura se designavam. No ano de 1922 é fundada a Companhia Nacional de Navegação que vai ligar com regularidade a metrópole às colónias e, Agostinho Neto, que virá a ser o primeiro Presidente da República Popular de Angola, nasce a 17 de Setembro. Em 1924, realiza-se o II Congresso Colonial Nacional e em Janeiro completase mais um troço do Caminho de Ferro de Benguela com 108 km, e no ano seguinte um outro troço, perfazendo um total de 748 km. 19 Em 28 de Maio de 1926, tem lugar em Braga uma revolta militar chefiada por Gomes da Costa que institui um regime ditatorial, dissolvendo o Congresso da República. Com o novo regime foram criadas as bases para uma profunda reorganização do exército, e o Conselho Colonial substituído pelo Conselho Superior Colonial. Neste ano inicia-se ainda a publicação de "A Província de Angola", de Norton de Matos e é criado o Banco de Angola, sendo também instituída a censura prévia à imprensa que, progressivamente, se vai estendendo a outros meios de comunicação, visando assuntos políticos e militares, morais e religiosos para evitar a difusão de notícias susceptíveis de influenciar a população no sentido considerado perigoso. Este regime de censura prolonga-se até 25 de Abril de 1974. O Comandante João Belo, através do Decreto nº 12485, de 13 de Outubro desse ano (1926), promulga o Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e Timor, a génese do Acordo Missionário e do Estatuto do mesmo nome. Em 7 de Junho de 1929, é concluído o caminho de ferro de Benguela que cobre um total de 1438 km. Nesse ano emerge uma grave crise económica a nível mundial, com o abaixamento assustador da produção industrial e, como resposta aos problemas económicos, assiste-se a uma ascensão dos totalitarismos de vários géneros,. Em 12 de Fevereiro de 1930 começa a publicar-se, na clandestinidade, o jornal "Avante", órgão oficial do Partido Comunista Português e, em 8 de Julho é aprovado o Acto Colonial e são tornadas públicas, no dia 30 de Agosto, as Bases Orgânicas da União Nacional, partido único do regime. Em 26 de Fevereiro de 1932, foram expostas aos Governadores civis as bases do "Estado Novo" e em 27 de Maio foram publicados os Estatutos da União Nacional. A nova Constituição Portuguesa foi aprovada por plebiscito em 19 de Abril de 1933. Com a entrada em vigor da nova Constituição e do Acto Colonial (11 de Junho) é considerado encerrado o período da Ditadura Militar e iniciado o “Estado Novo”. A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, com duas secções, a de defesa política e a internacional, é criada a 29 de Agosto de 1933. Neste ano tem lugar 20 a primeira emissão de rádio de Angola e em 1934, é realizada a exposição colonial na cidade do Porto. Em 1935, é criado directamente dependente do Presidente do Conselho de Ministros, e como seu órgão de trabalho, o Secretariado-Geral de Defesa Nacional e são criados também os Conselhos de Defesa de Angola, de Moçambique, da Índia e de Macau e o Conselho do Império Colonial. Em Janeiro de 1936, o Ministério das Colónias é reestruturado tendo sido criadas: a Direcção-Geral da Administração Política e Civil, com uma Repartição de Negócios Políticos que passa a estudar a política colonial e os regimes de liberdade de imprensa, de reunião e de associação, nos termos constitucionais; a Junta das Missões Geográficas e de Investigação Coloniais destinada ao estudo de problemas de geografia política e investigação científica nas colónias, que substituía a Comissão de Cartografia criada em 1833. Gera-se uma agressividade política espanhola contra Portugal que começou a preocupar o governo dado que as eleições em Espanha que deram a vitória à Frente Popular, tornou evidente a existência de duas Espanhas. Começam a surgir preocupações com o controlo da fronteira espanhola, em resultado da intensa actividade de numerosas células de agitação espanhola, que se envolvem em contrabando de armas e munições e propaganda subversiva. Entretanto é criada a Mocidade Portuguesa e na área política, a 2 de Junho foi nomeado Subsecretário de Estado da Guerra o capitão Santos Costa e Ministro Interino da Guerra o Professor Oliveira Salazar que profere um discurso, a 11 de Maio "Temos que ter um Exército". É ainda criada a 30 de Setembro a Legião Portuguesa, “formação patriótica” de estrutura paramilitar destinada a organizar a resistência moral da nação e cooperar na sua defesa, integrando-se no conceito de “nação armada”. Esta organização nunca chegou a ter implantação em África. O governo, na sequência da publicação da Lei da Organização do Exército Metropolitano em 1937, constitui a "Missão Militar às Colónias" com o objectivo de propor um conjunto de medidas para assegurar a defesa de Angola e Moçambique, e principalmente estudar a contribuição que as colónias podiam vir a prestar à metrópole, na hipótese de guerra só na Europa, que inicia os 21 seus trabalhos ainda nesse ano de 1938 (figura xxx Mapa digitalizado das. Missões Militares ). Entretanto, Salazar, através de um discurso "Preocupação de Paz e às Colónias Preocupação de Vida" anuncia a intenção de neutralidade portuguesa em caso de conflito militar alargado. A Companhia Portuguesa Radio Marconi toma a partir desse ano, a seu cargo, as comunicações radiotelegráficas do Ultramar. As relações entre a Santa Sé e o Estado Português normalizaram através da assinatura da Concordata e do Acordo Missionário em 7 de Maio de 1940 e da publicação do Estatuto Missionário a 5 de Abril de 194114, pondo-se termo às clivagens suscitadas com o liberalismo e agravadas com a implantação da república. A acção missionária conhecia assim um importante contributo para o seu incremento. Com aqueles novos instrumentos políticos, o Estado Português garantiu à Igreja Católica o livre exercício da sua autoridade na esfera da sua competência15. As Missões Católicas que eram “(...) consideradas instituições de utilidade imperial e sentido eminentemente civilizador (...)” 16, ficaram com a liberdade de expansão para exercerem formas de actividade que lhes eram próprias, nomeadamente para fundar e dirigir escolas 17, e os missionários, não sendo funcionários do estado, eram considerados “(...) como pessoal em serviço especial de utilidade nacional e civilizadora (...)”18 que deviam consagrar-se exclusivamente “(...) à difusão da fé católica e à civilização da população indígena (...)”19. Assim, a Igreja Católica na ordem política ficou profundamente identificada com o “Poder Colonial”. A Sociedade das Nações que, entre outros objectivos, procurava evitar o recurso à guerra, promover a justiça e o respeito pelo Direito Internacional, numa dupla missão de, em primeiro lugar, garantir a paz e segurança e, em segundo lugar, desenvolver a cooperação entre as nações, não conseguiu manter a sociedade internacional numa situação de estabilidade. No seu seio, surgiram diversas situações perturbadoras que conduziram ao seu desaire e ao despoletar de um segundo conflito mundial. Este com uma forma ainda mais violenta do que o primeiro. 14 Decreto-Lei n.º 30207, de 5 de Abril de 1941. Artº. 2º da Concordata. 16 Art.º 2º do Estatuto Missionário. 17 Artº. 15º do Acordo Missionário. 18 Art.º 80º do Estatuto Missionário. 19 Art.º 14º do Estatuto Missionário. 15 22 A Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha, após um "Ultimatum" para retirarem de território polaco e Portugal declara a neutralidade perante o conflito, enquanto a Alemanha e a União Soviética partilham a Polónia. Nesse ano é dado início às carreiras aéreas regulares entre Luanda e Lisboa. Os serviços secretos americanos e ingleses tiveram conhecimento das linhas gerais da Directiva nº 18 de 12 de Novembro de 1941 (Operação Felix), a qual definia como objectivo da intervenção alemã na Península Ibérica, a expulsão da Inglaterra do Mediterrâneo ocidental. Após o assalto aéreo-terrestre a Gibraltar, seria a invasão de Portugal, no caso de os ingleses tentarem qualquer desembarque nas costas portuguesas. A seguir estava prevista a ocupação de Cabo Verde e ainda da Madeira e dos Açores. A Alemanha atravessa a França e as suas tropas atingem os Pirenéus o que leva a pensar no rompimento do equilíbrio político e militar na Península Ibérica e surgem hipóteses de um ataque a Portugal. O senador americano Pepper, pronuncia a 6 de Maio de 1941 um discurso convidando os EUA a tomar medidas mais vastas e ousadas, entre elas a ocupação da Gronelândia, da Islândia, dos Açores e de Cabo Verde, das Canárias e de Dakar. A 27 do mesmo mês o Presidente Roosevelt declara “an unlimited state of national emmergency" em que alude expressamente às posições dos Açores e Cabo Verde e à sua utilização estratégica, anunciando a tese de que “aos EUA pertence definir e decidir, quando e onde estão ameaçados e como hão-de empregar a sua força para se defenderem ou defenderem outrem”. Assim, os EUA iniciam o planeamento da ocupação dos Açores e chegam a convidar pessoal militar brasileiro para facilitar os contactos com a população. A invasão da Rússia pelos alemães, a 22 de Junho, provocou a deslocação para Norte dos interesses americanos e assim forças dos EUA chegam à Islândia para reforçar a defesa da ilha contra a possibilidade de uma ocupação germânica. A 22 de Agosto de 1942 o Brasil entra no conflito, declarando guerra à Alemanha e em 1943, adere à Carta do Atlântico e envia um Corpo Expedicionário para a Europa que desenvolveu a sua actividade operacional em Itália. 23 O fim da guerra na Europa surge a 8 de Maio de 1945, capitulando o Japão apenas a 2 de Setembro. Em Portugal é reformulada a Polícia Judiciária, na dependência do Ministério da Justiça recriando-se um organismo autónomo com a designação de Polícia Internacional e Defesa do Estado (PIDE) com estatuto de polícia judiciária para crimes contra a segurança do estado, mas na dependência do Ministério do Interior. No dia 24 de Outubro entrou em vigor a Carta das Nações Unidas que reúne a sua primeira Assembleia Geral, em 24 de Janeiro de 1946. Ao longo de toda a 2ª Guerra Mundial não encontramos intenção declarada das democracias europeias estabilizadas, possuidoras de impérios tropicais, de prescindirem das suas fronteiras; antes pelo contrário. A 16 de Julho de 1943, o Governo Britânico efectuou um pedido formal a Portugal para utilização das bases nos Açores a fim de facilitar a cobertura total do Atlântico, sendo garantida, em troca, a manutenção da soberania sobre todas as suas colónias20. Estas garantias foram asseguradas com a concordância da União da África do Sul e da Austrália e, a 25 de Outubro, pelos Estados Unidos da América21. O Acordo foi assinado a 17 de Agosto de 194322, declarando as partes aceitar e assumir os compromissos dele resultantes, a começar em 8 de Outubro desse ano. Ao mesmo tempo, também as autoridades norteamericanas pretendiam a cedência de mais facilidades nos Açores, fornecendo em troca apoio às pretensões portuguesas de participar na libertação de Timor23. As negociações conduziram à assinatura de um acordo a 28 de Novembro de 194424. Destes acordos resultou a construção de uma base militar na ilha de Santa Maria, destinada a facilitar movimentações americanas para a Europa, ou desta para os EUA. Após o desfecho formal da guerra, foi o Reino Unido a primeira potência a aperceber-se do evoluir da nova situação mundial pelo que, após a repressão inicial, procurou uma resposta que se pode considerar flexível, efectuando Ministério dos Negócios Estrangeiros, “Dez anos de política externa (1936-1947) - A Nação Portuguesa e a segunda Guerra Mundial”. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985. Vol. XII, pp. 121-123. 21 Idem, pp. 136, 156-157, 327 e 448. 22 Idem, pp. 275-281. 23 Idem, Vol. XIII, pp. 157-158. 24 Idem, pp. 191-192. 20 24 gradualmente a sua retirada colonial. Mas, apesar de tudo, teve os seus reveses na crise do canal do Suez. Seguiu-se-lhe a França. Só que esta já foi mais renitente, respondendo com repressões na Argélia, Madagáscar, Costa do Marfim, Tunísia, Marrocos e Indochina, entre outras. A Itália nada conseguiu fazer para evitar a independência da Líbia e da Somália, e a Bélgica cedeu perante o Congo. Na carta da ONU, a linha de evolução controlada, assim entendida, foi rapidamente ultrapassada pelos factos, favorecendo a retirada quase simultânea das soberanias coloniais. No ano de 1951 é inaugurada a ligação rádio-telefónica Lisboa-Luanda, em Angola são criados os "colonatos", sendo os primeiros a ser estabelecidos os de Damba e Caconda e, em Lisboa, é fundado o "Centro de Estudos Africanos", com a colaboração de Francisco José Tenreiro, Mário Pinto de Andrade, Amilcar Cabral e Marcelino dos Santos. Ao longo da década de cinquenta, por intermédio da Casa dos Estudantes do Império e do Centro de Estudos Africanos, alguns jovens estudantes universitários africanos tinham já procurado, por tentativas, a aproximação de um primeiro esboço aos fundamentos culturais e políticos das diversas correntes com orientações independentistas. Pela lei nª 2048, de 11 de Junho de 1951, aditou-se à Constituição o Título VII, sob a epígrafe “Do Ultramar Português”, consignando-se assim uma orientação mais assimiladora do que no Acto Colonial e mantendo-se os princípios da descentralização, da autonomia administrativa e financeira e da especialidade do Direito. Aqui reformulou-se a terminologia: de Império passouse a Ultramar e de Colónias (terminologia republicana) a Províncias (na boa tradição monárquico-liberal), que, como parte integrante do Estado, eram solidárias entre si e com a metrópole. A integração do Acto Colonial na Constituição em 1951, formando um só diploma, não implicou alterações: tudo se mantinha inalterável como se houvesse dois diplomas constitucionais distintos. A Câmara Corporativa, que nesta data era liderada por Marcello Caetano, considerava politicamente perigosa e prematura a assimilação dos territórios ultramarinos à metrópole. O objectivo principal desta reforma terá sido a afirmação determinada do princípio da unidade nacional. 25 Em 1952, a lei 2051 que promulgou as bases da organização militar, remodela vários órgãos superiores da Defesa Nacional criando os Conselhos de Defesa Militar de Angola, Moçambique, Índia e Macau e é criada a Direcção-Geral dos Serviços do Ultramar, no Ministério do Exército. Iniciam-se nesse ano os trabalhos de prospecção de petróleo em Angola. A Lei Orgânica do Ultramar é publicada a 27 de Maio de 1953 e começaram a ser tomadas medidas para implementar condições de defesa dos territórios ultramarinos, sendo dada às forças militares ultramarinas uma organização permanente em 1954. Ainda nesse ano destacamos a publicação a 20 de Maio, do Estatuto dos Indígenas (decreto-lei 39666) que dividia as populações da Guiné, Angola e Moçambique em três grupos: indígenas, assimilados e brancos; a reorganização da PIDE com a criação de um quadro para actuar nas ilhas adjacentes e ultramar; e as prospecções petrolíferas em Angola nesse ano foram bem sucedidas, iniciando-se a extracção em 2 poços. Em 17 de Abril de 1955, morre o Rei do Congo, D. Pedro VII de Portugal escolhe um candidato católico e os protestantes organizam-se para impor um candidato através da União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), liderada por Barros Ncaca. Portugal é admitido na ONU e na XIII Assembleia Geral (15 de Agosto a 14 de Dezembro), apresenta queixa contra a União Indiana no Tribunal Internacional de Haia por não respeitar a soberania portuguesa no enclave de Dadra e Nagar-Aveli. Portugal, estado fundador da Ordem dos Pactos Militares que vigorou até 1989, pelo simples facto de não ter entrado na 2ª Guerra Mundial, esteve alheio ao processo colonial das potências que combateram a Alemanha, logo, longe de um desafio revisor e reformador interno, assumindo desde a guerra civil de Espanha uma posição de anti-comunismo soviético. O sistema de equilíbrio de poderes pelos Pactos Militares ficara já estabelecido. O sistema colonial português entra em crise em plena guerra fria. A presença da administração portuguesa em territórios africanos constituía, com toda a evidência, um entrave para a construção de zonas de influência que permitissem assegurar posições vantajosas na luta entre as superpotências. Assim, porque urgia para uns e bem podia servir a outros, era necessário 26 eliminar essa presença. No período em análise, as pressões internacionais, para Portugal ceder surgiram a 14 de Dezembro de 1955, através do inquérito realizado pelas Nações Unidas, nos termos do Artigo 73º da respectiva carta. Todos os regimes portugueses procuraram (apesar de muitas vezes pressionados para ceder) manter, desenvolver e defender o Ultramar. São disso exemplo variados acontecimentos ao longo dos séculos. O Governo Português tomou a decisão de ficar. A resistência portuguesa, face às suas responsabilidades pela segurança das populações e pela preservação dos seus bens, era justificada como um imperativo de justiça e de legítima defesa, pelo que esta devia ser uma atitude colectiva 25. Face às Nações Unidas, o Governo Português sustentou a mesma resposta durante 19 anos. A 2 de Fevereiro de 1956, as actividades da PIDE no Ultramar ficam na dependência do Ministro do Ultramar. Nesse ano, como veremos adiante neste Atlas, são criados em Angola o PLUA - Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola e o MLNA - Movimento de Libertação Nacional dos Angolanos, e Agostinho Neto e outros nacionalistas angolanos fundam o Movimento para a Libertação de Angola – MPLA. Em 1957 os chefes de alguns movimentos emancipalistas de territórios portugueses em África – MPLA, PAIGC e FRAIN – formam o Movimento Anticolonialista – MAC – que mais tarde organiza a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). Em 1958 começam os altos responsáveis das Forças Armadas Portuguesas a estar preocupados àcerca do Ultramar, alterando-se o dispositivo e exercendo-se o esforço militar em África. Quando do despoletar dos acontecimentos em Angola, já existia uma doutrina contra-subversiva, ainda que incipiente. Mas as estruturas consentidas no campo das informações já estavam criadas, mesmo que aquém das necessidades. Por isso, não podemos dizer que o poder português tivesse sido surpreendido com os acontecimentos em Angola. Na XIII assembleia geral da ONU – é dada uma definição teórica de território não autónomo. Entretanto realiza-se a Conferência dos Estados Africanos 25 Marcello Caetano, “Pelo futuro de Portugal”. Lisboa: Ed. Verbo, 1969, p. 53. 27 independentes, em Accra, que durou dois dias, e em que já tomaram parte 8 estados independentistas, conta com a presença de Holden Roberto usando uma nova sigla - UPA. Em 1959, a evolução da situação em África e as repercussões sobre o Ultramar levam ao estudo e à criação de um novo tipo de unidades – Unidades de Choque – e de novas tácticas – a Acção de Quadrícula e de Intervenção. É nomeada uma Comissão para estudar as condições particulares que envolvem a segurança dos vários territórios da nação portuguesa, quer metropolitanos, quer – e sobretudo – ultramarinos para estudar a criação de unidades especiais de utilização imediata. Portugal começa a deparar em Roma com sérias dificuldades quanto à política ultramarina em África e começa a considerar-se para efeitos de planeamento e estudo que a “subversão” que apoiada e provocada do exterior ameaça toda a África. O Ministro do Exército na sua directiva de 4 de Abril diz: “(...) As condições particulares que presentemente envolvem a segurança dos vários territórios da Nação portuguesa, quer metropolitanos quer sobretudo ultramarinos, aconselham a urgente disponibilidade de unidades terrestres que, pela sua organização, apetrechamento e preparação possam ser empregues sem perda de tempo, em execução das operações de tipo especial, previsíveis: operações de segurança interna, de contra subversão e de contra guerrilha para actuarem em especial na Guiné, Angola e Moçambique (...)” e é solicitado à aeronáutica o plano existente para transportes aéreos militares. Salazar dirige-se ao país com o discurso “Posição Portuguesa em Face da Europa, da América e da África”, onde afirma que a África “(...) arde porque lhe deitam fogo de fora (...) sem a África, a Europa e o Ocidente não poderão sobreviver (...)”. O Secretário de Estado faz uma visita de trabalho a Angola, Guiné, Cabo Verde, S. Tomé, Moçambique e Estado da Índia para alterar o dispositivo militar territorial, especialmente em Angola e Moçambique que estava virado para fazer frente à África inglesa, e passou a fazer frente às fronteiras dos países que se tornaram independentes e na Guiné para reforçar as unidades territoriais. 28 Em 1959-60 em Portugal transfere-se o esforço militar da Europa para África e em África concretiza-se a remodelação do dispositivo em Angola e Moçambique. Em 20 de Janeiro verifica-se uma profunda alteração nos objectivos estratégicos nacionais com a Directiva do CEMGFA, que aponta para a preparação de uma futura intervenção e reforço das unidades territoriais de Angola e Moçambique para realizar operações de defesa da soberania face às seguintes ameaças – ataques de forças apoiadas nos países vizinhos, operações subversivas conduzidas no interior dos territórios e sublevação. Esta directiva reforçava o estado de espírito preocupante no seio das Forças Armadas, devido ao facto de: estarem lançadas as bases para a formação das unidades para a fase pré-insurrecional e de sublevação armada no Ultramar; de se concretizarem alterações fundamentais nos dispositivos das Forças Armadas no Ultramar, principalmente na Força Aérea, em Angola e Moçambique; e se verificarem profundas alterações na instrução dos quadros, sem haver, da parte do sector político, o apoio, a compreensão e até o sentido da necessidade desse esforço. A 12 de Abril é lavrada a Sentença do Tribunal Internacional de Haia, que rejeitou as objecções de competência da União Indiana e reconheceu a soberania portuguesa sobre Dadra e Nagar-Aveli. O Conselho Superior de Defesa Nacional, em 25 de Novembro de 1960, deliberou: - evitar novos compromissos com a NATO; - manter ligações militares com a Espanha com vista à defesa Pirenaica; - aumentar o esforço de defesa do Ultramar; - rever o Plano de Defesa Interna do conjunto do território nacional. O Presidente do Conselho em discurso pronunciado na Assembleia Nacional a 30 de Novembro de 1960, refere: “(...) o Governo tem espírito aberto a todas as modificações de estrutura administrativa, menos às que possam atingir a unidade da Nação e o interesse geral (...)”. Esta declaração foi considerada pelos aliados de Portugal, a “primeira vez” que o Presidente do Conselho havia referido a necessidade de evolução do Ultramar, associando essa ideia a uma progressiva autonomia. 29 Apesar de tudo, mantém-se a passividade governamental, em especial na área financeira, em relação ao crescer das ameaças em África. O apoio das Nações Unidas às independências foi dado expressamente em 14 de Dezembro de 1960, quando a Assembleia Geral, através da Resolução A/1514 (XV), adoptou a assim intitulada “Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais”, segundo a qual deviam ser tomadas “(...) medidas imediatas nos territórios sob tutela, não autónomos, e em todos os outros que ainda não tenham obtido a independência, para transferir todos os poderes para os povos desses territórios, sem nenhuma condição nem reserva, conforme a sua vontade e os seus votos livremente expressos e sem nenhuma distinção (...)”, acrescentando, “(...) toda a tentativa que vise a destruição parcial ou total da unidade nacional e da integridade territorial de um país é incompatível com os objectivos e os princípios da Carta da ONU (...)”26, trecho que Salazar interpretava como abrangendo o caso português, mas que fora a paixão que dominava aqueles assuntos que não permitira que se fizesse “(...) justiça conforme os textos (...)”27. A interpretação da carta, e nomeadamente do Art.º 73º, sofreu alterações de fundo com esta resolução, que veio assim determinar a prática descolonizadora da ONU. Para Salazar, o Art.º 73º não aludia à independência dos territórios de que se ocupava, mas apenas à possibilidade de governo próprio, o que se lhe afigurava significar administração autónoma exercida pelos naturais e compatível com muitas formas de enquadramento num estado28. Para ele, o mal não residia no fornecimento de informações; fornecê-las ao abrigo do Art.º 73º sim, poderia ser prejudicial, pois, assim, aceitava-se imperativamente a orientação aí definida para determinadas soluções políticas, que colidiam ou podiam colidir com a doutrina constitucional portuguesa29. 26 Resolução A/1514 (XV) de 14 de Dezembro de 1960. Oliveira Salazar, “Discursos e notas políticas”. Coimbra: Coimbra Editora, 1967, Vol. VI, p. 309. 28 Idem, p. 312. 29 Idem, p. 316. Oliveira Salazar entendia o princípio da autodeterminação como um fundamento e uma legitimação da independência dos povos, “(...) quando o seu grau de homogeneidade, consciência ou maturidade política lhes permite governar-se por si com benefício para a colectividade. Mas é indevidamente invocado quando não existe nem aproximadamente sequer a noção de interesse geral de um povo solidariamente ligado a determinado território. Em tal hipótese a autodeterminação levará ao caos ou à substituição de soberania efectiva mas nunca à independência e à liberdade. (...)”. In Oliveira Salazar, “Apontamentos sobre a situação internacional”. Lisboa: Secretariado Nacional da Informação, 1956, p. 12. 27 30 Podemos considerar que entre 1958 e 1962, no percurso da ante-guerra para a guerra, o regime de Salazar vai atravessar uma grave crise. Este percurso, e o que ele acarretou de mobilização de opiniões e de fracturas nas mesmas, iniciou-se com as eleições presidenciais disputadas por Humberto Delgado em 1958, continuou com o movimento que ficou conhecido por "dos Claustros da Sé", o sequestro do paquete “Santa Maria”, a tentativa de golpe militar de Botelho Moniz e o golpe de Beja, sendo que, a partir de Março de 1961, o pano de fundo passou a ser a guerra em Angola. Aquela já se havia iniciado em Dezembro, na baixa do Cassanje e em Catete, o que deu origem a algumas prisões. Um reforço tardio do orçamento, da ordem dos 900.000 contos, foi o que permitiu fazer face aos acontecimentos. Depois, em 4 de Fevereiro grupos armados com armas rudimentares assaltam a esquadra da PSP, em Luanda. Esta acção é seguida de tumultos em Luanda, na sequência dos quais o governo toma a decisão desastrosa de proibir a entrada de jornalistas estrangeiros e nacionais no território; decisão tomada e anunciada ainda no próprio dia 4. Entretanto, foram fixadas residências ao Dr. Agostinho Neto, em Cabo Verde e a Joaquim Pinto de Andrade, na Ilha do Príncipe. Face aos acontecimentos, a Libéria, em 23 de Fevereiro pede uma reunião do Conselho de Segurança da ONU contra Portugal. Os EUA iniciaram contactos a vários níveis, para conseguir sinais de uma tendência para a liberalização da política ultramarina portuguesa, que permitissem o apoio dos EUA a Portugal, no debate sobre aquela política, que iria ter lugar nas Nações Unidas. Os norte-americanos chegaram ainda mais longe, e recomendaram, junto do Presidente do Conselho e do embaixador em Washington, que fosse feita uma declaração de intenção de aceitação do princípio da autodeterminação para Angola, Moçambique e outros territórios, dado que haviam sido processadas informações, (veiculadas através dos Serviços de Informações dos Estados Unidos, classificadas de muito seguras, passadas em 4 de Março ao Gabinete do Ministro da Defesa Nacional) de que a União dos Povos de Angola (UPA), que actuava no Congo-Kinshasa, decidira provocar incidentes violentos no distrito do Congo, em Angola, na noite de 15/16 de Março, com uma duração 31 prevista de 10 dias, para chamar a atenção da ONU, onde iria realizar-se o debate sobre Angola. Esta comunicação foi imediatamente transmitida ao Quartel-General da Região Militar de Angola, onde foi arquivada com a indicação de que o assunto era do conhecimento do Q.G.. Na altura as notícias e os boatos eram tantos que os gabinetes civis e militares tinham dificuldade em analisar as notícias. No entanto, é de lamentar a atitude do Quartel-General. Pelo menos tinha passado a notícia para os comandos militares da área e para as autoridades administrativas que na altura já estavam bem ligadas e não tinha havido o efeito de surpresa, o que talvez tivesse evitado um tão grande número de vítimas. O debate nas Nações Unidas teve início a 13 e a votação teve lugar a 15, não tendo sido alcançada a maioria necessária. Os EUA votaram pela primeira vez contra Portugal e, nessa noite, no Norte de Angola, como estava planeado, são barbaramente assassinados 1200 europeus e 6000 africanos Bailundos que trabalhavam nas fazendas de café do Congo Português. Esta acção desencadeou graves perturbações de ordem política que culminaram com uma remodelação ministerial em que o Presidente do Conselho decidiu sobraçar a pasta da Defesa Nacional e entregar a pasta do Ultramar ao Professor Adriano Moreira e confirmou e assumiu a decisão, que já do anterior vinha sendo preparada:  de defesa eficaz de Angola;  e de garantia da vida, do trabalho e da tranquilidade das populações. Para tal era necessário “andar rapidamente e em força” para garantir a continuidade da política de integridade nacional. É decidida, face à situação geral em África, a concentração de poderes em Angola e Moçambique, que teve início com a nomeação do Almirante Sarmento Rodrigues como Governador e Comandante-Chefe de Moçambique, a quem, no acto de posse, presidido pelo Ministro Adriano Moreira foram definidas as zonas onde deveria exercer o esforço da sua acção e que eram os distritos de Cabo Delgado, do Niassa e de Tete, e com o General da Força Aérea Venâncio Deslandes, como Governador e Comandante-Chefe de Angola, a quem, em cerimónia semelhante, Adriano Moreira definiu a missão de erradicar o terrorismo, tarefa que seria mais facilitada com a concentração dos poderes 32 civil e militar, sendo ainda criado em cada uma das Províncias Ultramarinas, um Corpo de Voluntários. Internacionalmente desencadearam-se ataques a Portugal com uma violência sem precedentes. A proibição da entrada de jornalistas e a repercussão interna face aos acontecimentos, e os desentendimentos entre o Presidente do Conselho e o Ministro da Defesa Nacional geraram um ambiente, quer em Angola quer na metrópole, que provocou uma intervenção rápida do Presidente do Conselho, com uma remodelação ministerial, em que assumiu a pasta da Defesa Nacional. Este período que ficou conhecido pela “Abrilada” (13 de Abril) foi seguido pelo embarque das primeiras tropas de reforço para Angola, a 22 de Abril que desembarcaram em Luanda a 1 de Maio. O Secretário de Estado norte-americano Dean Rusk, na reunião da NATO, volta a insistir com o Ministro dos Negócios Estrangeiros em dois pontos: necessidade de fazermos propaganda nos EUA para esclarecer e persuadir a opinião pública americana àcerca da política portuguesa em África e a necessidade de realizarmos urgentes reformas nas nossas Províncias Ultramarinas. O Ministro do Ultramar Prof. Adriano Moreira faz um discurso que respondia em termos nacionais, internacionais e ultramarinos a muitos dos problemas para os quais Portugal ainda não tinha encontrado as resoluções adequadas entitulado “A Batalha da Esperança”. Numa entrevista em 31 de Junho, entre De Gaulle e Kennedy, que considerava que Portugal estava agarrado a rígidas políticas coloniais, De Gaulle concordou que a atitude portuguesa era inflexível e obsoleta, mas que, empurrar Salazar, poderia causar uma revolução em Portugal e estabelecer um Estado Comunista na Península Ibérica. Kennedy preconizou uma posição progressiva em relação a Angola na ONU. E o primeiro passo foi decretar um embargo oficial de venda de armas para Portugal. Pelo decreto nº 43761, de 29 de Junho, são criados os Serviços de Centralização e Coordenação de Informações (SCCI) em cada uma das Províncias Ultramarinas. Em 30 de Junho Salazar volta a discursar reafirmando a decisão de resistir “O Ultramar Português e a ONU” -. 33 Novo aviso dos EUA, em 7 de Agosto, não expresso, mas que anuncia a atitude agressiva da União Indiana em relação a Goa – com o aviso encoberto – de aspirações intervencionistas de outras nações em relação a território português. O Governo Português dá um sinal claro de cedência, revogando, em 6 de Novembro, o decreto-lei de 20 de Maio de 1954 e estabelecendo a cidadania a todos os indígenas do Ultramar Português e a igualdade entre os portugueses da metrópole e do Ultramar. Salazar decidiu manter o uso de facilidades nos Açores, sem a renovação formal do Acordo das Lajes, o que empurrou os americanos para uma política de moderação, em relação a Angola, conseguindo alterar nas moções afroasiáticas, independência para autodeterminação. Kennedy em audiência ao MNE português, a 20 de Outubro, declara que o problema fundamental em África é que a mesma caia sob o domínio soviético e por isso apoia a autodeterminação. Entretanto a União Indiana integrou no seu território Dadra e Nagar-Aveli e a 17 de Dezembro inicia a invasão dos restantes territórios portugueses do Estado da Índia. Portugal solicitou uma reunião do Conselho de Segurança por causa da invasão dos territórios do Estado da Índia e o Conselho condenou a União Indiana, mas a União Soviética apôs o seu veto. Em 1962, inicia-se a formação das primeiras unidades de comandos (Zemba e depois Quibala), em Angola. O Rei Luanica da Barotzelândia mostra-se hostil à penetração de movimentos nacionalistas angolanos, por outro lado, no Congo estão sediados a quási totalidade dos partidos nacionalistas angolanos e é conhecida a cedência de campos de treino militar a UPA, o que começa a ser contestada pelo MPLA. O Abade Youlou mantém uma presidência expectante em relação à situação em Angola, enquanto que Tchechelle, “maire” de Pointe-Noire (Ponta Negra), tem ambições sobre Cabinda, moderadas pela presença de forças francesas que são favoráveis a Portugal. Os Estados Unidos, em Maio de 1963, começam a revelar uma mudança na política em relação a Portugal e abandonam a ideia de conseguir o rápido colapso da política ultramarina. 34 Em 1965, Salazar ao conceder posse à nova Comissão da União Nacional, em 18 de Fevereiro, afirma: “Sem espectáculo e sem alianças, orgulhosamente sós”, no entanto tínhamos apoios importantes da República da África do Sul, da Alemanha, da França e da Espanha. Em 15 de Março de 1966 é fundada a UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola presidida por Jonas Malheiro Savimbie e a 16 de Maio é aberta a frente Leste, Terceira Região do MPLA e em Leopoldville, hoje Kinshasa, uma multidão indefinida, invade e incendeia a 24 de Setembro a Embaixada portuguesa naquela cidade. Em Setembro de 1968, Marcello Caetano substitui Salazar com anuência dos militares, que, segundo ele, teriam condicionado a sua aceitação à manutenção da defesa do Ultramar e à rejeição da solução federativa. Com esta substituição, pensava-se numa abertura do regime através da política “renovação na continuidade”, sem contudo se abandonar o esforço militar em África: a União Nacional passa a Acção Nacional Popular e a PIDE a DGS (Direcção Geral de Segurança); verifica-se um atenuar da censura na imprensa; Caetano acaba com os exílios de Mário Soares e de D. António Ferreira, Bispo do Porto; aprova uma nova legislação sindical; realiza eleições para a Assembleia Nacional em 1969 e em 1973; visita a Guiné, Angola e Moçambique; conduz a revisão da Constituição em 1971; contudo propôs a recondução do Almirante Américo Tomás para um terceiro mandato na Presidência da República. No fundo, uma mudança apenas de forma, em vez de transformações profundas, pois na globalidade permaneceria um regime político anti-democrático e de partido único, passando os poderes a ser partilhados, de forma instável, entre a Presidência da República e a Presidência do Conselho de Ministros. Na revisão da Constituição efectuada em 1971, é revogado quase clandestinamente o Título VII que recolhera o antigo Acto Colonial, que é considerado pelo Prof. Adriano Moreira “(...) a primeira manifestação oficial do abandono do conceito multiconstitucional permitindo que os territórios portugueses fora da Europa tenham estatuto de regiões autónomas (...)”. A contestação e os maiores desafios ao regime acabariam por partir de oficiais que o haviam apoiado. A 9 de Novembro de 1973, 136 oficiais reúnemse num monte alentejano para arrancar com o Movimento dos Capitães e a 22 35 de Fevereiro de 1974 é publicado o livro “Portugal e o Futuro”, do general Spínola. O Presidente do Conselho, a 5 de Março de 1974, usa da palavra na Assembleia Nacional sobre o Problema do Ultramar, solicitando uma afirmação sobre um rumo a seguir. Após larga discussão foi votada uma moção de apoio à política do governo. A 15 de Março, o Movimento dos Capitães avança com o Levantamento das Caldas, que foi dominado. O Presidente do Conselho demite os Generais Costa Gomes e António de Spínola, chefe e vice-chefe dos Estado-Maior General das Forças Armadas. Pouco mais de um mês após o frustrado Levantamento das Caldas, os militares reunidos no Movimento das Forças Armadas (MFA), na madrugada do dia 25 de Abril lançam uma vasta operação em Portugal e no Ultramar, visando o derrube do regime que defendia as operações militares em África e que prosseguia uma ditadura de 48 anos. Dirigido na sua maioria por jovens capitães, o golpe que ficou conhecido como a "Revolução dos Cravos" consegue derrubar o regime e abrir cominho para implantação de um Estado Democrático. Ao princípio da madrugada do dia 26 de Abril de 1974, O general António de Spínola, já Presidente da Junta de Salvação Nacional, criada no dia 25, faz a leitura da Proclamação do MFA. Com a criação da Junta de Salvação Nacional foram extintas a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa e é organizada uma estrutura constitucional transitória até à instauração da nova Constituição. Entretanto parte para Angola o Ministro da Cooperação, do 1º Governo Provisório, e forma-se o Conselho de Estado que resolveu fazer uma interpretação dos termos em que estava redigido o "Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas" que, em relação ao Ultramar atribuía, no número oito do capítulo B competências ao Governo Provisório, em relação à política ultramarina, tendo em atenção que a sua definição competirá à Nação, orientar-se pelos seguintes princípios: a) reconhecimento de que a solução das Guerras do Ultramar é política e não militar; b) criação de condições para um debate franco e aberto a nível nacional, do problema ultramarino; 36 c) lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz. A interpretação que foi dada provoca a queda do 1º Governo Provisório sem contudo se conhecer claramente o sentido dessa interpretação. Com a posse do 2º Governo Provisório passa-se a conhecer, a interpretação do alcance do nº 8 do Capítulo B do Programa do MFA - que passou a ser autodeterminação e independência para todos os territórios ultramarinos, o que perturba de um modo irreversível todo o processo de descolonização, tanto em Portugal como nas ex-Províncias Ultramarinas. Os acontecimentos de 28 de Setembro culminam com a renúncia de António de Spínola à Presidência da República a 30 do mesmo mês. A 10 de Novembro começa a chegar a Angola material de guerra, com apoio do governo local, destinado a armar o MPLA. Em 15 de Janeiro de 1975 é estabelecido em Alvor um Acordo, entre o Estado Português e a FNLA, MPLA e a UNITA, que ficou conhecido pelo Acordo de Alvor, que fixa a proclamação da independência de Angola para 11 de Novembro desse ano. Em consequência da crise de 11 de Março de 1975, é criado o Conselho da Revolução, sendo extintos a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado e criada também a Assembleia do MFA, da qual fazia parte o Conselho da Revolução. Para apoiar os retornados nacionais foi criado em Março, na Presidência do Conselho de Ministros, o Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais (IARN) e um ano preciso após a revolução, realizam-se as eleições para a Assembleia Constituinte. Em Agosto, no auge do chamado verão quente, nove militares portugueses elaboram o chamado Documento dos Nove e em seguida é divulgado o documento do Comando Operacional do Continente (COPCON) como resposta revolucionária ao Documento dos Nove, sendo suspenso a vigência do Acordo de Alvor a 22 desse mês. O conflito e a descolonização de Angola internacionaliza-se cada vez mais, chegando as primeiras tropas cubanas a 23 de Outubro. Os Estados Unidos da América a 4 de Novembro encerram a missão em Angola na sequência de violentos confrontos entre os três movimentos de libertação rivais. 37 A cerimónia de proclamação da independência, com transferência formal de poderes, foi feita sem incidentes, tendo regressado a Lisboa as últimas forças portuguesas e o Alto Comissariado de Angola. Porém, o novo Estado acabaria por cair numa luta fratricida que dura até aos nossos dias Ainda temos que esperar uns largos anos para serem disponibilizados aos historiadores e aos investigadores documentos autênticos que virão a ser revelados dos arquivos classificados nacionais e estrangeiros e na posse dos movimentos e organizações que se envolveram na descolonização durante os longos catorze anos em que Portugal teimou em manter a sua política de “Unidade da Nação” para explicar o que é que motivou, em 9 de Novembro de 1973, 136 oficiais de várias tendências e origens para arrancarem com o Movimento dos Capitães. Hoje numa nova conjuntura, o esforço português em relação aos novos países africanos lusófonos é o da cooperação na defesa da língua e de outros interesses comuns. 2. As linhas de fronteira As fronteiras de Angola foram definidas por negociações de Portugal com a Inglaterra, Bélgica, França e Alemanha. Em 1830 a ocupação efectiva de Angola era já uma preocupação, mas reduzida no Norte a São Salvador do Congo (actual M’Banza Congo), Cassanje, Ambaca, Encoje, Luanda, Ambriz e a Sul Caconda e Humbe (figura xxx ). A delimitação das fronteiras-Angola 38 Catarata/rápido Figura – A delimitação das fronteiras-Angola. Se desde o séc. XV, algumas nações europeias disputavam a consolidação de posições costeiras em África e não uma real e efectiva ocupação do hinterland desconhecido, dado o Continente Africano não ser objectivo prioritário, organizando-se apenas a instalação, em certos pontos considerados estratégicos, de postos fortificados, que tinham como primordial função servir de escala, apoio e feitorias, na segunda metade do século XIX emerge um novo rumo, passando aquele Continente, por motivos de diversa ordem, desde os religiosos e humanitários, aos económicos, estratégicos, de mera curiosidade científica, mas sobretudo devido a uma mutação do sistema internacional, a ser uma zona de confluência das potências europeias. 39 Sob pressão da opinião pública, motivada pelas explorações dos viajantes como Stanley e Livingstone, que revelaram aspectos do interior do continente até aí geralmente ignorados, e sob o estímulo do desenvolvimento económico e tecnológico das definições subsequentes ao triunfo do Liberalismo e à Revolução Industrial, o Continente Africano passou assim a representar um cenário de rivalidades e interesses das grandes potências, às quais interessava o controlo das riquezas e de um mercado em território africano, mas sobretudo para impedir que os rivais se antecipassem e preenchessem o vazio. Nesta ordem de ideias, para fazer face às exigências de espaços de recurso e para alastramento, formularam a expansão ultramarina como uma missão civilizadora. A redescoberta de África, depois das independências americana e brasileira, foi um fenómeno complexo, que não partiu dos governos nem obedeceu a grandes estratégias previamente definidas. A expansão para dilatação da Fé ou por motivos económicos levou os portugueses a colaborarem decisivamente no processo de colonização. A França desenvolvia na África Ocidental e Central um metódico plano de acção “(...) em que as considerações de prestígio desempenhavam um papel mais importante que os interesses económicos (...)”30. A Grã-Bretanha tinha interesses económicos e estratégicos um pouco por todo o planeta, embrenhava-se em todos os sítios, quer para proteger posições adquiridas, quer na procura de novos campos de acção. Esta redescoberta de África provocou uma afluência de emigrantes europeus de espírito aventureiro na procura de realizar fortunas fabulosas31. Leopoldo II da Bélgica, sob o explícito pretexto de promover a civilização na África Austral e procurando travar o plano de expansão inglês, com o aparente objectivo de penetrar em África com fins científicos e humanitários, fundou, em Bruxelas a Associação Internacional Africana, que acabou por servir o desejo belga de alcançar a posse do Congo. Os Franceses, por intermédio do explorador Brazza, também disputavam a exploração do Congo. A margem direita do Zaire(actual rio Congo), no Stanley Pool, foi alcançada por Brazza a 1 de Outubro de 1880, fundando um posto no 30 31 Renouvin, Pierre, “História de las relaciones internacionales, Siglos XIX e XX”. Madrid: Akal, 1982, p. 476. Brunschwig, Henri, “A partilha de África”. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1972, p. 21. 40 local onde hoje existe Brazzaville. A Bélgica, através de Stanley, só aí chegou em 27 de Julho de 1881, ficando, assim, limitada à margem esquerda do rio. A Alemanha em 1883 também entra na corrida para África, mas pela mão dos particulares. Estes pelo menos aparentemente, tomam a iniciativa de conquistar posições que o Governo Imperial acederá depois a reconhecer e proteger. Em pouco mais de um ano, adquire o Sudoeste Africano Alemão (actual Namíbia), estabeleceu protectorados no Togo e Camarões e, em apenas cinco semanas, funda a colónia da África Oriental Alemã (integrante da actual Tanzânia). A 10 de Novembro de 1875, cria-se em Portugal a Sociedade de Geografia de Lisboa, base principal do expansionismo português. Porém, os exploradores portugueses só em Julho de 1877 partem de Benguela. Separaram-se no Bié em duas missões que vão atravessar o continente. Serpa Pinto vai até Durban, e Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo seguem até Laca, ao Norte. Destas explorações não resultou nenhuma ocupação efectiva. O ideário expansionista português contou com os apoios do movimento republicano, de algumas indústrias e empresas comerciais e financeiras interessadas em África “(...) propulsionadas pelo Estado e protegidas por pautas aduaneiras e privilégios de outra ordem (...)”32, apesar de o pensamento colonial procurar mais a salvaguarda dos direitos históricos sobre o imenso sertão do que a construção de um império económica e moralmente forte. Os expedicionários foram seguidos pelas missões religiosas, nomeadamente as protestantes, que se instalaram preferencialmente nas colónias que eram controladas pelas suas nacionalidades de origem; porém, ao abrigo da liberdade religiosa, bem depressa se espalhavam nas colónias de outros países. Mas, sem dúvida que foram os militares, nomeadamente no século XIX e meados do século XX, que tiveram um papel de primazia no processo de colonização, ocupação e pacificação dos territórios ultramarinos, predominância devida à ausência “(...) ou quase ausência de outras forças sociais do que propriamente a uma vontade deliberada por parte dos militares em assumirem esse papel de relevo (...)”33. 32 33 Grupo de Pesquisa sobre a Descolonização Portuguesa, “A Descolonização Portuguesa - Aproximação ao seu estudo”. Lisboa: Instituto Democracia e Liberdade, 1979, Vol. I, p. 8. Mota, Salvador Magalhães, “A Importância e a estratégia dos militares em África no séc. XIX”. In 41 Portugal, com base num direito histórico, reivindica a posse do Congo, onde se encontrava concentrado todo o comércio da região, colocando-se em situação embaraçosa, face às iniciativas belgas. O Governo Português não possuía apoio diplomático capaz para fazer face aos ataques belgas, nem as colónias tinham acção militar e forças próprias; as ordens religiosas haviam desaparecido e a “(...) Propaganda Fidei, dirigindo com carácter internacional as Missões, já de si contrariava a acção portuguesa de carácter nacionalista, procurando não só reduzir a acção de Portugal no Oriente, como introduzir estrangeiros nas restantes colónias (...)”34. A preocupação inglesa perante as atitudes desenvolvidas pelas outras potências europeias com interesses coloniais foi notória. Adoptando uma táctica de antecipação, Londres prontifica-se a negociar com Portugal um tratado no qual fosse encontrada uma solução quanto à região do Congo, estabelecendo-se na zona uma defesa para evitar a penetração de outras potências e, ao mesmo tempo, desta forma, retaliar a Alemanha e a França. O Governo Britânico, que propôs negociações, face a pressões de outras potências, acabou por recuar. Portugal ocupou militarmente Pointe Noire (Ponta Negra). Esta situação conduziu ao abandono pela parte da Inglaterra de algumas das anteriores objecções e levou-a a aceitar a autoridade portuguesa nas regiões contestadas, assinando com Portugal, em 26 de Fevereiro de 1884, o Tratado do Zaire. As primeiras dificuldades da demarcação das fronteiras de Angola surgem em 1846 com a Inglaterra que contestava a posse dos territórios da costa ocidental do Continente Africano, entre os paralelos de 5º 12´e 8º de latitude Sul, ou seja, entre a margem direita do rio Congo e o sul de Ambriz. O problema da fronteira Norte vai procurar uma solução através do Tratado do Zaire, assinado em Londres, no qual a Inglaterra reconhecia a soberania do Rei de Portugal e dos Algarves sobre a parte da Costa Ocidental de África, situada entre os 8º e 5º12´de latitude Sul, e no interior: no rio Congo (antigo rio Zaire), 34 “Africana”. Porto: Centro de Estudos Africanos, Universidade Portucalense, N.º 13, (Março de 1994), p. 46. Villas, Gaspar, “História Colonial”. Lisboa: Estado-Maior do Exército,1938, p. 345. 42 o limite seria Nóqui, na costa entre os 8º e os 5º12´ de latitude Sul, a fronteira interior coincidiria com os limites de tribos da costa e marginais 35 (figura xxx delimitação das fronteiras-Angola A ). Face às fortes contestações da França, Alemanha, da Associação Internacional Africana e da opinião pública inglesa, a demarcação por sua majestade britânica nunca chegou a acontecer. Após difíceis negociações na Conferência de Berlim de 1884-1885, chega-se a um compromisso e assina-se a 14 de Fevereiro de 1885 uma convenção entre Portugal e a Associação Internacional do Congo, em cujo Art.º III se fixavam as fronteiras “ (...) ao norte do Zaire, a recta que une a embocadura do rio que se lança no oceano Atlântico, ao sul da Bahía de Cabinda, junto de Ponta Vermelha, a Cabo Lombo; o paralelo deste último ponto prolongado até à sua intersecção com o meridiano da confluência do Culacalla com o Lu-culla; o meridiano assim determinado até ao seu encontro com o rio Lu-culla ; o curso do Lu-culla até à confluência do Chiluango (Luango Luce). O curso do rio Zaire (Congo) desde a sua foz até à confluência do pequeno rio de Uango-Uango; o meridiano que passa pela foz do pequeno rio de Uango-Uango, entre a feitoria holandesa e a feitoria portuguesa, de modo que deixe esta última em território português, até ao encontro deste meridiano com o paralelo de Nóqui; o paralelo de Nóqui até à sua intersecção com o Cuango; a partir deste ponto, na direcção do Sul, o curso do Cuango (...)”36(figura xxx e xxx A delimitação das ). fronteiras-Angola e A delimitação das fronteiras-cabinda 35 José de Almada, “Tratados Aplicáveis ao Ultramar”. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1943. Vol. VI, pp. 17 e seguintes. 36 Idem, Vol. IV, pp. 151-154. 43 Ponta Chamba Baía de Cabinda Ponta Vermelha Figura – A delimitação das fronteiras. Após divergências surgidas em Cabinda, a 25 de Maio de 1891, negoceia-se nova convenção que regulava praticamente de forma definitiva, os limites de fronteira, não só na margem direita do rio Congo, mas também entre a foz deste rio, na margem esquerda, e o rio Cuango. A demarcação da fronteira do Nordeste também não ocorreu sem dificuldades. A chamada questão da Lunda surge após a ocupação pela Bélgica do antigo Império Lunda e na zona do Alto Cassai, em 1890, onde criou o distrito do Cuango Oriental. As divergências assentavam basicamente na interpretação do texto da convenção de 14 de Fevereiro de 1885. A 31 de Dezembro, os dois governos decidem entabular negociações directas, no que dizia respeito ao exercício da influência e ao direito de soberania nos territórios compreendidos entre os cursos do Cuango, o paralelo de 6º de latitude Sul, e a linha divisória das águas que pertencem à bacia do rio Cassai, entre os paralelos 6º e 12º de latitude Sul, sendo assinado em 25 de Maio de 1891 um tratado, que fixa a actual fronteira. A demarcação definitiva foi conseguida só 44 pela Declaração e Protocolo de Bruxelas, a 24 de Março de 1894 e 5 de Julho de 1913, respectivamente. A 22 de Julho de 1927, foi assinada em Luanda a convenção de rectificação de fronteira na Lunda, por se ter reconhecido a inexistência do afluente do rio Cassai, já referido no tratado de 15 de Maio de 1891. Assim, Portugal cedeu à Bélgica uma área de cerca de 3 km perto de Nóqui, recebendo como troca uma outra, um pouco maior, no Dilolo37 (fig.xxx ). .A delimitação das fronteiras-Angola As negociações com a França foram também muito diversificadas. A proposta portuguesa para delimitação dos domínios franceses e portugueses no Congo data de 1883, sendo renovada no ano seguinte, tratando-se ao mesmo tempo das fronteiras da Guiné. As intenções portuguesas extendiam-se ao território compreendido entre os rios Chiluango e Massabi (actual rio Lubinda), ao passo que a França insistia para que a fronteira seguisse o curso apenas do primeiro daqueles rios, desde a sua confluência com o rio Lucula até à sua foz. Face às concessões feitas na Guiné, Portugal garantia a posse do rio Massabi. Assim, em 12 de Maio de 1886, foi assinada em Lisboa uma convenção, em cujo Artº. III se estabeleceu que a fronteira seguiria uma linha, com início na ponta Chamba, situada na confluência dos rios Loémé e Lubinda e se manteria a igual distância destes rios; desde a nascente mais setenterional do rio Luali acompanharia a linha de cumeada que separava a bacia do rio Loémé da Bacia do rio Chiluango, até ao meridiano de 10º30´de longitude Leste de Paris, acompanhando este mesmo meridiano até ao encontro com o rio Chiluango, que ali era já fronteira entre Portugal e o Estado Livre do Congo (figura xxx ). Em 12 de Janeiro de 1901 A delimitação das fronteiras-cabinda foi assinado em Paris o protocolo relativo ao traçado da fronteira que interpretava e completava a Convenção de 1886. Em relação à Alemanha, com quem se veio a definir a fronteira Sul do território, as negociações levaram cerca de um ano. O acordo surgiu pela Declaração de 30 de Dezembro de 1886, segundo a qual, a fronteira seguia o curso do rio Cunene até às cataratas que se formam no Sul do Humbe, ao atravessar a serra Canná, de onde seguia o paralelo até ao rio Cubango, o curso deste até aldeia de Andara, que se mantinha na esfera de influência 37 Idem, pp. 169-197. 45 alemã e dali a fronteira seguia em linha recta na direcção do Leste até aos rápidos de Catima no rio Zambeze (figura xxx ). Três A delimitação das fronteiras-Angola décadas depois, visto terem surgido diferendos com a África do Sul, nomeadamente no que diz respeito à identificação das cataratas do Cunene, procedeu-se à delimitação da fronteira com aquela República, através do acordo de 22 de Junho de 1926. Assim, concordou-se que a linha de fronteira era a linha de mediania daquele rio, desde a sua foz até um determinado ponto das cataratas Ruacana. Os trabalhos de demarcação no terreno foram aprovados em 1931. Com a Rodésia as negociações decorreram num clima inflamado de paixões e de nacionalismo, pois ocorrera o Ultimatum inglês de 11 de janeiro 1890. As pretenções inglesas de unir o Cabo ao Cairo (fig. xxx Mapa Rosa Inglês com as intenções portuguesas do mapa cor-de-rosa (figura xxx Português ) colidiam mapa cor-de-rosa ), aceites pelos Tratados de 1886 com a Alemanha e com a França. A 13 de Agosto de 1887 a Inglaterra protestou formalmente contra aqueles Tratados. A 20 de Agosto de 1890 foi assinada em Londres uma extensa convenção sobre limites, pelo qual a linha divisória ocidental separadora das esferas de influência portuguesa e britânica na África Central, partindo dos rápidos de rio Catima, seguiria o talvegue do Alto Zambeze até à sua confluência com o rio Cabompo (Moçambique) e daí o talvegue deste rio até à sua origem. Assim Portugal ficou com importantes territórios em Angola. Contudo este tratado não foi ratificado, dando origem a dois modus vivendi, sendo finalmente assinado em Londres o Tratado de 11 de Junho de 1891(fig. Xxx e xxx Mapa Rosa Último/ ). fronteiras Luso-Britânicas em 1890-1891 O acordo do primeiro modus vivendi foi assinado a 14 de Novembro de 1890 em Londres, e tinha a validade de seis meses; nele Portugal obrigava-se a decretar a livre navegação do rio Zambeze e do rio Chire (Moçambique), e do rio Pungue (Moçambique), a facilitar as comunicações entre os portos portugueses do litoral e a esfera de acção da Grã-Bretanha, nomeadamente no tocante a comunicações postais e às recovagens, reconhecendo ambas as partes os limites fixados no tratado de 20 de Agosto, não aceitando nenhuma das potências fazer tratados, aceitar protectorados ou exercer qualquer direito de soberania dentro das esferas de influência assinadas à outra, sem que por esse facto qualquer das potência se julgasse obrigada a reconhecer como 46 decidida qualquer questão relativa aos territórios citados, durante as negociações de 20 de Agosto de 189038. O segundo modus vivendi assinado em 13 de Maio de 1891, prorrogava o prazo do primeiro até 14 de Junho seguinte. Pelo Tratado de 20 de Agosto de 1890, Portugal mantinha todos os territórios sobre os quais exercia alguma aparência de ocupação efectiva, assegurando ainda amplas zonas não ocupadas no interior de Angola, no Sudoeste do lago Niassa (Moçambique) e no Alto Zambeze, ficando ainda com um corredor de 20 milhas entre Angola e Moçambique, onde podia construir estradas, caminhos de ferro e linhas telegráficas. No Tratado de 11 de Junho de 1891, Inglaterra reservou para si todo o hinterland produtivo, abandonando Portugal o planalto de Manica (Moçambique), em troca de uma área maior entre o Tete e Zumbo (Moçambique), a Norte do rio Zambeze. Aceitava-se que a linha divisória coincidiria com o Zambeze superior, partindo dos rápidos de Catima, até ao ponto em que aquele rio entrasse no reino de Barotze, confundindo-se a partir daí para cima com a fronteira ocidental desse reino, ou seja “(...) a parte do leito do Zambeze adjacente ao Cabompo e o curso deste rio eram substituídos pela linha ocidental que constitui a fronteira ocidental do Barotze, desde um ponto situado a montante dos rápidos de Catima, no lugar onde o Zambeze entra pelo Barotze (...)”39. A Inglaterra acabou por levantar objecções quanto à fronteira ocidental do Barotze, acabando a questão por ser submetida a arbitragem ao Rei de Itália, cuja sentença data de 30 de Maio de 1905. Os limites ali fixados eram os seguintes: “(...) a linha recta desde os rápidos de Catima, até ao ponto em que a aldeia de Andara encontra o Cuando; a margem oriental deste rio até à intersecção com o meridiano de 22º Leste de Greenwich; este meridiano até junto da intersecção com o meridiano de 24º Leste de Greenwich, e, enfim, este meridiano até à fronteira do Estado Independente do Congo (...)”, desenhando-se assim as fronteiras interiores de Moçambique e Angola, gorando-se definitivamente, as pretensões portuguesas de unir a costa à contra-costa. 4 Idem, Vol. V, pp. 34-35. 39 Luís de Matos, “A fixação das fronteiras de Angola”. Separata de Angola - Curso de extensão universitária, ano lectivo 1964-1965. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, p. 28. 47 A principal causa da ocupação tardia do enclave de Cabinda pelos portugueses deve-se à sua disputa entre portugueses, franceses, ingleses e holandeses. Portugal apesar de considerar intangíveis os seus direitos sobre o território e com intenções de firmar a sua soberania, recorre à fórmula jurídica do Tratado, assinando três Tratados de Protectorado com “príncipes e mais cavalheiros, actuais chefes e governadores” em representação dos “povos”40 que habitavam os territórios que integravam os “reinos” de N’Goio e do Kakongo (fig. Xxx Os reinos após os acordos com França ). Este recurso era do maior interesse para portugueses e cabindas, pois os primeiros não necessitavam assim de disponibilizar recursos de que não dispunham no momento para efectuar a ocupação efectiva, e as elites políticas daqueles povos, em constante pressão de belgas, franceses e ingleses, pretendiam “a protecção da bandeira de Portugal”, vista como a melhor opção para a defesa dos seus interesses, pois “a nação com quem mantinham mais e constantes relações, tanto comerciais como de hábitos de linguagem”41 era a portuguesa; como aliás já tinha ficado expresso num protesto, de 19 de Março de 1883, assinado por dignitários do Loango e pelo Mafuca de Pointe-Noire (Ponta Negra), na sequência do ataque da corvetta francesa Sagittaire, levado a cabo alguns dias antes contra as suas aldeias na costa. A população insurgiu-se contra estes incidentes pois sabiam ser “destinados a estabelecer a soberania de uma nação estrangeira sobre esta região portuguesa”42. 40 Acta do Tratado de Chinfuma, 29 de Setembro de 1893. Tratado de Simulambuco. 42 “Jornal das Colónias”, Ano 8º, N.º 369, de 26 de Maio de 1883; in “Angolana”. Pp. 726-727. 41 48 Figura – Os reinos após os acordos com França. Fonte: Mapa da Corte de la côte de Loango reproduzido na obra .de Proyart. No seguimento destes incidentes, a 29 de Setembro desse ano, o CapitãoTenente Guilherme Augusto Brito Capelo, firmava com os chefes locais, no morro de Chinfuma, em Lândana um documento “pelo qual ficasse bem autenticado o protectorado e soberania de Portugal sobre os territórios que se estendem do rio Massabe até Molembo”43, este documento ficou conhecido como o Tratado de Chinfuma (fig. Xxx A delimitação das fronteiras-cabinda). A 26 de Dezembro do ano seguinte, foi a vez do delegado do Governo Português, José Emílio dos Santos Silva, celebrar com os “príncipes, governadores, regentes e chefes dos povos Kakongo e Massabe” o Tratado de Chicamba. No primeiro dia do mês de Fevereiro de 1885, e numa altura em que ainda estava a decorrer a Conferência de Berlim (1884-1885), foi a vez dos “príncipes e governadores de Cabinda”, por sua “inteira, plena e livre vontade” e em nome 43 Acta do Tratado de Chinfuma, 29 de Setembro de 1893. 49 dos povos que governavam declararam pretender ficar “sob o protectorado de Portugal, tornando-se de facto súbditos da Coroa Portuguesa, como já o éramos por costume, hábitos e relações de amizade” 44 , passando assim o antigo reino de N´Goio a protectorado (fig. Xxx Os reinos após os acordos com França). 3. Resistência à colonização portuguesa A ocupação do território, reduzia-se inicialmente às zonas costeiras de Luanda e Benguela. A Norte, a tentativa de ocupação rumo à foz do rio Congo fica-se por Ambriz (conquistada em 1855). Para o interior a conquista caracterizou-se por uma longa série de confrontos localizados, pontuada por uma intervenção militar de maior amplitude, traçando-se o fim da influência portuguesa na região em que começam as dos estados da Lunda (NE de Angola) e do Cassanje (figuraxxx 44 Situação Militar em 1974 ). Tratado de Simulambuco. 50 Figura – Situação militar em 1974.. Angola só a partir de meados do século XIX conheceu uma presença efectiva da colonização portuguesa. A História da ocupação e da resistência a esse processo é uma história de sangue, de guerras, campanhas e razias, do rio Congo ao rio Cubango, do Atlântico ao rio Zambeze. Entre 1848 e 1926 podemos contar com cerca de 190 acções e campanhas, que exigiram o empenhamento directo de mais de 30 mil soldados durante um total de 21 anos e dois meses em 48 anos (1879-1926)45, sendo que em 1940-1941 ainda se combatia, rebentando a subversão armada em 1961. 45 René Pélissier, “História das Campanhas de Angola – Resistência e revoltas 1845-1941”. Lisboa: Ed. Estampa, pp. 19, 239-242. 51 Uma das campanhas mais difícil para os portugueses e que subsiste no imaginário popular foram realizadas contra os Dembos46 pelo General João de Almeida. O Poder português atacou por diversas vezes ao longo de um período de três anos até à sua submissão em 1910; porém, devido às difíceis condições, a ocupação dos Dembos só ficou completa em 1919 (figura xxx principais acções militares (1846/1926) ). Foi no Norte do território que a partir dos anos 50 começam a surgir embriões dos futuros movimentos com ideias oposicionistas ao sistema português. Inicialmente podemos considerar que assentavam numa base etno- nacionalista. Uns eram defensores do uso da força e hostis à presença portuguesa (UPA, MPLA, UNITA) outros eram defensores da não violência e da colaboração com Portugal (MDIA, NGWIZACO, NTOBAKO)47. Em 1956 aparece o MIA (Movimento para a Independência de Angola), depois MDIA (Movimento de Defesa dos Interesses de Angola) de Pierre M´Balá, e o PLUA (Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola) que, após fusão, originaram o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Surge o NTOBAKO, de Angelino Alberto, com pretensões de criação de uma comunidade multi-racial de pretos, brancos e mestiços angolanos, preconizando mesmo a criação de um Estado Luso-Angolano, apoiado pela colaboração sincera e honesta do povo português48. Este líder ligou-se ao Governo-Geral e Comando-Chefe de Angola com um bureau, tendo recuperado para o controlo deste 200 mil Bacongos do Distrito do Congo (NW de Angola, junto ao rio Cuango). Povo que fala Kimbundu e que vive a menos de 150 quilómetros a nordeste de Luanda. Comissão de Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974)”. 6º. Vol., Aspectos da Actividade Operacional, Tomo I, Angola-Livro 1, Estado-Maior do Exército, pp. 68-85. 48 Declarações a 3 de Agosto de 1963 em Brazaville. In Arquivo Nacional - Torre do Tombo, AOS/CO/ PC - 78I, Mensagens sobre a situação político-militar 1962-1966. 46 47 52 3.1 Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) INTRODUZIR SIMBOLO Ainda em Angola, emerge a UPNA, posteriormente, a conselho dos americanos, UPA (União dos Povos de Angola), de Holden Roberto (Bispo Baptista), de raíz etno-nacionalista e quase exclusivamente Baconga. Esta união foi a responsável pelo desencadear da subversão activa, na baixa do Cassanje e na zona algodoeira do Catete (figuraxxx Situação Militar em 1974 ), em Dezembro de 1960, e pelo genocídio de Bailundos e Europeus, por alguns dias a partir da noite de 15 para 16 de Março de 196149. A resposta militar portuguesa a esta sublevação Baconga prolongou-se por oito meses, entrando as tropas portuguesas em 9 de Agosto em Nambuangongo (figuraxxx Situação Militar em 1974 ), capital simbólica dos sublevados, finalizando as operações em 8 de Outubro. Em Março 1962 a fusão da UPA e do PDA (Partido Democrático de Angola) origina a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), cujos antecedentes remontam a 1954, vindo a constituir o GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio). A transformação em FNLA desvincula a UPA tribalmente. O seu “Quartel-General” era em Leopoldville (actual Kinshasa), onde contavam com o claro apoio de Mobutu Sese Seko, cunhado do dirigente Holden Roberto. Após a saída de Jonas Savimbi e de Alexandre Taty, em 1964 e 1965, respectivamente, o suporte base da FNLA era novamente apenas Bacongo e a sua actividade ficou reduzida à fronteira com o Zaire (actual República Democrática do Congo). Mantinha ainda pequenos grupos de guerrilha a Sul do Bembe, em direcção a Nambuangongo e de Luanda. Apenas em 1970 abre uma frente a partir do Catanga, no sector oriental (figuraxxx Situação Militar em 1974 ). Apesar do apoio do zairense, Mobutu não lhes consentia uma hostilidade frontal com o Poder Português, pois em território angolano residiam alguns milhares de catangueses refugiados ou exilados; além do mais o Zaire (actual República Democrática do Congo) utilizava o porto do Lobito, através do 49 Viana de Lemos, “Duas crises Duas crises – 1961 e 1974”. Amadora: Edições Nova Gente, 1977, pp. 28 e 35. 53 caminho de ferro de Benguela, para efectuar as suas exportações (figuraxxx Situação Militar em 1974 ). Em Tunis (capital da Tunísia), de 25 a 31 de Janeiro de 1960, realizou-se a 2ª Conferência dos Povos Africanos, que contou com a presença de Holden Roberto, presidente do movimento independentista UPA. Este reivindicou a independência para Angola num quadro africano, solicitando ainda que fosse inscrito na XV sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas o problema do Ultramar Português. 3.2 Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) INTRODUZIR BANDEIRA As suas origens remontam a 1956, tendo sido iniciado por um núcleo de intelectuais africanos, com diversos perfis ideológicos, denotando no entanto, uma forte ligação ao Partido Comunista Português. A designação de MPLA oficialmente só aparece a 31 de Janeiro de 1960, em Tunis. Entre os membros fundadores destacam-se Viriato da Cruz, Ilído Machado, Matias Miguéis, Lúcio Lara e Mário Pinto de Andrade. Os primeiros manifestos foram distribuídos com a designação MIA (Movimento para a Independência de Angola). Alguns dos fundadores tinham militado em organizações de estrutura incipiente, como o Partido Comunista de Angola (PCA-1955), o Partido da Luta dos Africanos de Angola (PLUA-1956) e o Movimento para a Independência de Angola (MIA), este alicerçado a um nacionalismo africano puro. O MPLA estava implantado nomeadamente entre Kimbundoss, em Luanda e ao longo do eixo desta cidade com Salazar (actual N´Dalatando)-Malanje. Depois progrediu por estrutura celular por todas as cidades do território, assentando no operariado negro e mestiço, professores, funcionários públicos, quadros religiosos e alguns quadros superiores africanos existentes. 54 Estabeleceu ligações fortes com a Argélia, Guiné (Conacry), URSS e seus satélites, Congo, Marrocos, Suécia, Noruega, entre outros. Com o apoio da República Popular do Congo conseguiu instalar a guerrilha no enclave de Cabinda, e recrutar alguns quadros Kikongos. O alargar das suas acções subversivas ao Leste permitiu-lhe actuar em chão Lunda-Kioco, Umbundo e Cuanhama; porém, a sua aceitação pelas populações nunca foi grande. Na região tinha áreas geográficas de especial implantação que originaram grupos de pressão internos. Os mais importantes são os grupos de Lunda (Eduardo dos Santos, Rui Mingas), de Catete (Agostinho Neto, Roberto de Almeida), e de Ambaca (Joaquim Pinto de Andrade, Lopo do Nascimento, Iko Carreira) – figura xxx Situação Militar em 1974. A adesão da comunidade branca verificava-se entre aqueles que tinham ligações com o Partido Comunista. O MPLA aparece ideologicamente definido, tornando-se com o tempo evidente a sua raiz marxista-leninista. Ao nível militar a sua actuação foi iniciada com o assalto às prisões da cidade e de uma esquadra em Luanda a 4 de Fevereiro de 1961. Com a chegada de Agostinho Neto a Leopoldville (actual Kinshasa), em 1962, o Movimento é reorganizado. Em 1963, ao serem expulsos do Zaire (actual República Democrática do Congo) e ao não poderem ter acesso à fronteira norte do país, as dificuldades foram crescentes. A partir desse momento estabelece-se no Congo (Brazzaville), de onde atacaram Cabinda, iniciando as hostilidades em 1964. Nas florestas de Dembos (N do rio Cuanza) também haviam combatentes do MPLA, mas sem retaguarda para norte ficaram isolados logisticamente. A partir da independência da Zâmbia, em Outubro de 1964, abrem uma frente no Leste do território, onde, em Fevereiro de 1966 desenvolvem a primeira acção armada, no Distrito do Moxico (área entre os rios Cassai e Cuando)., alastrando ainda a guerra à região do Cuando Cubango. Em 1968 infiltram-se na Lunda (NE de Angola), a oeste, e no Bié (cuja capital é o Cuito) em 1969, chegando ao rio Cuanza em 1970. Em 1973, face às distancias das linhas de abastecimento e a dissidências internas (nomeadamente a “revolta do leste” protagonizada por Daniel 55 Chipenda, e da “Revolta activa” liderada pelos irmãos Andrade), o MPLA foi forçado a abandonar a frente Leste, circunscrevendo-se a sua actividade militar praticamente a Cabinda. Esta fraqueza militar seria compensada pelo êxito diplomático, através do reconhecimento da OUA, como sendo o MPLA a única organização combatente em Angola (Junho de 1968). O período de transição para a independência permite uma consolidação nas cidades e uma grande adesão dos quadros existentes e na quase totalidade de brancos e mestiços que permaneceram no território. Após os Acordos de Alvor, o seu predomínio generaliza-se pelo território, controlando Luanda e as principais cidades. O MPLA proclamou em 11 de Novembro de 1975, em Luanda, a República Popular de Angola. 3.3 União Nacional para a Independência total de Angola (UNITA) INTRODUZIR BANDEIRA Jonas Malheiro Savimbi, secretário-geral da UPA e ministro do Negócios Estrangeiros do GRAE, entra em rota de colisão com Holden Roberto, abandona o FNLA e refugia-se na Suíça, onde juntamente com Tony da Costa Fernandes concebem a base de um novo movimento. Savimbi após recusar aderir ao MPLA, inicia em Julho de 1965 um curso de guerrilha na China. A UNITA oficialmente nasce a 15 de Março de 1966 na aldeia Chokwé de Muangai. A primeira acção contra os portugueses verifica-se a 4 de Dezembro de 1966. A sua actividade militar inicia-se a partir da Zâmbia, atingindo em Janeiro de 1968 o Saurimo (outrora Henrique de Carvalho), limite norte da sua actividade. Contando com o apoio especialmente entre Umbundos, não se conseguiu implantar nos meios urbanos, sendo a sua zona de grande influência definida pelo rio Cassai - Buçaco (actual Camanongue) - Luso (actual Luena) – 56 Cassanje - rio Lungué Bungo50. A guerrilha deste movimento penetrou no Distrito do Bié, realizando algumas incursões na estrada que liga Luso (actual Luena) a Gago Coutinho (actual Lumbala N’Guimbo) e a sul desta localidade 51 (figura xxx Situação Militar em 1974 ). A Leste de Luena, na zona adjacente ao caminho de ferro de Benguela, a influência era mista entre a UNITA e o MPLA, de quem foi grande rival pelo controlo do Leste. As suas debilidades levam-na a procurar alianças com o Poder Português na luta contra o mesmo inimigo, o MPLA. Após a tomada técnica do Poder de forma unilateral pelo MPLA, a UNITA abandona Luanda e instala-se em Nova Lisboa (actual Huambo), proclamando a 11 de Novembro de 1975 a República Democrática de Angola. 3.4 Movimentos independentistas do enclave de Cabinda – Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) A AREC (Association des Ressortissantes de L´Enclave de Cabinda) foi fundada em 1958 pela comunidade cabindense radicada em Leopoldville (actual Kinshasa). Os seus dirigentes mais destacados eram descendentes, em grande parte, de famílias de linhagem indígena quando do Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro de 1885. Para eles, Cabinda era um protectorado de Portugal, distanciando-se assim dos outros movimentos independentistas. A sigla MLEC (Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda) surge em 1960 e em 1963 altera a sua designação para FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda), com Luís Ranque Franque como líder (fig.xxx Áreas de 50 Aniceto Afonso e Matos Gomes, “Guerra colonial – Angola-Guiné-Moçambique”. Lisboa: Diário de Notícias, 1998, p. 140. 51 Josep Sánchez Cervelló, “A Revolução portuguesa e a sua influência na transição espanhola (1961-1976)”. Lisboa: Assírio e Alvim, 1993, p. 83. 57 ). Este movimento nunca teve importância militar real e, face à Guerilha coincidência das datas do reclamar da independência do enclave, com a descoberta de importantes jazigos de petróleo, foi acusada de representar os interesses das companhias petrolíferas exploradoras do carburante. Após a assinatura dos Acordos de Alvor, Angola torna-se um país independente a 15 de Novembro de 1975. FLEC/FAC FLEC/R Figura – Áreas de guerrilha. 58