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Atlas da Lusofonia Angola - Introdução

Introdução

INTRODUÇÃO Cabo Verde, Guiné Bissau, S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique são países lusófonos, que ajudámos a formar ao longo de séculos e em relação aos quais desfrutamos do privilégio de os conhecer melhor do que qualquer outro país. Estamos nas melhores condições para lhes transmitir experiência e fornecer ajuda para enfrentarem o período mais difícil, mas também mais gratificante, de gerir a paz e de restaurar a felicidade e o bem estar das populações martirizadas pela guerra. Assim, devemos ter atenção que na manobra sócio-económica em proveito das populações, a primeira prioridade, em ambientes rurais que baseiam a sua subsistência, ou até a sua sobrevivência, em culturas tradicionais comunitárias ou familiares, é garantir estabilidade física para se dedicarem às suas culturas durante todo o ciclo de cada um dos produtos base que constituem a sua alimentação. É necessário estudar a população, o ambiente social tradicional e o grau de segurança de que desfrutam. As comunidades que estão sujeitas a acções armadas de grupos que pretendem controlá-las e, quando esses grupos têm projectos diferentes quanto ao modo de gerir a sua relação com as populações, é necessário estudar os comportamentos desses grupos e as suas capacidades para perturbarem a estabilidade necessária à produtividade das culturas de subsistência. É também necessário definir a organização e os objectivos de cada um dos grupos e procurar controlá-los de modo a não prejudicarem a actividade produtiva das culturas de subsistência, e fazer o levantamento dos apoios externos que possam ter e procurar controlá-los ou neutralizá-los. Em todas as acções sócio-económicas de grande envergadura é necessário um estudo da situação que envolve:  O estudo da população, que por sua vez envolve:  o estudo das etnias;  o estudo das línguas;  o estudo das religiões.  o estudo, ou o levantamento da cultura de subsistência;  o levantamento do modo como as comunidades estão organizadas:  chão tradicional;  localização tradicional;  apoio à construção ou reconstrução das moranças ou casas tradicionais.  Planear um apoio sanitário tradicional:  em relação às populações;  em relação aos gados;  Localização das lavras e campos de cultura.  Avaliação dos recursos hídricos - extremamente escassos nalgumas regiões de África. Quanto à situação das populações:  Fazer o levantamento das que estão:  sob controlo da autoridade legítima constituída;  sob controlo da autoridade do grupo ou dos grupos armados que desejam controlá-las;  ou ainda, sob controlo duplo. Planeamento das acções de apoio As acções de apoio dos grupos armados afectos ao poder constituído devem estabelecer uma quadrícula:  para dar segurança e apoio às populações;  para dar segurança à actuação dos serviços do Estado actuando, em proveito das populações;  para dar apoio à rede de escolas rurais para garantir o seu funcionamento e a segurança dos alunos, dos professores e das instalações;  para dar apoio a trabalhos de obras públicas;  para apoio de transportes:  Rurais;  Rodoviários;  Aéreos;  Marítimos, ou fluviais.  para dar apoio ao abastecimento de água através de:  Poços;  Barragens; e  Furos artesianos. Uma vez estudados os aspectos anteriormente referidos e feito o levantamento dos aspectos que venham a impor uma regionalização da manobra, há que definir os limites de cada região e onde deverá ser exercido esforço principal, dado que é sempre difícil empenhar de um modo semelhante os meios, sempre escassos, em todas as regiões que carecem de apoio. Toda a população rural de Angola, por exemplo, garante a sua alimentação recorrendo, exclusivamente, àquilo que produz, portanto, para garantir a sobrevivência e a subsistência das populações rurais, temos de fazer outros estudos de situação sobre os pontos de vista de:  Recursos hídricos;  Culturas tradicionais alimentares;  Pastagens;  Condições de armazenamento;  Apanhas silvestres Em relação aos recursos hídricos convém lembrar que nalgumas regiões não há águas profundas, portanto, só se pode contar com a água das chuvas, barragens e pequenos poços. Nas zonas sob influência das marés, ou nas bacias de grandes rios ou lagos é que é possível recorrer à captação de água profunda. Em relação às culturas tradicionais:  Respeitar as culturas tradicionais;  Fazer o ciclo das culturas tradicionais em cada região;  Utilizar as alfaias tradicionais, introduzindo-lhe apenas alguns melhoramentos com materiais novos mas que não alterem as suas características próprias;  Recuperar terrenos para as lavras tradicionais;  O recurso a adubos e pesticidas deve ser acompanhado de grandes cautelas;  A preparação das lavras para as culturas tradicionais deve respeitar rigorosamente as práticas locais. As ajudas externas em relação às actividades agrícolas tradicionais não devem ir além da:  Recuperação de lavras tradicionais abandonadas;  Melhoria de sementes;  Apoio no transporte dos viveiros para as lavras e das lavras para os locais de armazenagem. Em relação às pastagens e à sua armazenagem, quando não houver instalações apropriadas, criar silos-trincheira, perto dos locais tradicionais de pastagem que deverão ser carregados no fim da época das chuvas e abertos, progressivamente, durante o período seco. Em relação aos alimentos para humanos respeitar as práticas tradicionais. Quanto às apanhas silvestres, devem iniciar-se o mais tarde possível, e quando os produtos armazenados constituam a reserva indispensável para as futuras sementeiras, ou quando não seja possível importar ou obter sementes da cultura tradicional já aclimatadas. Quando houver necessidade de proceder ao reordenamento das populações, há que estudar muito bem os factores que condicionam a implantação dos novos aldeamentos e que são:  A aptidão dos solos;  Relação entre a área agricultável e a população a instalar;  Hábitos e direitos vinculados à actividade agrícola tradicional de cada etnia;  Definição dos chãos;  Possibilidades de expansão futuras; e  Condições de acesso às vias de comunicação. O plano director do reordenamento deve, face ao ciclo das culturas e ao regime de chuvas, que estão intimamente ligadas ao desenvolvimento do ciclo, respeitar a estabilidade das populações, desde o início da sementeira até ao fim da apanha. O período em que as populações podem ser deslocadas deve ser bem determinado e acordado com as próprias populações. A experiência colhida noutras zonas e noutras situações constitui sempre um auxílio para a compreensão da importância da Acção Sócio-Económica a exercer junto das populações que carecem de apoio. A experiência e os ensinamentos colhidos através de mais de uma dezena de anos no desenvolvimento de Manobras Sócio-Económicas tem aplicação nos países africanos que lutam para alcançar estabilidade interna, nas operações da Nações Unidas de manutenção da paz e nas acções humanitárias. 1. O estabelecimento de dispositivo de quadrícula (tipo companhia ou pelotão):  permite um maior controlo do território e dos movimentos militares que se opõem à paz;  permite um maior controlo da população;  estabelece uma ligação afectiva entre a “força da paz” e a população, que deve ser cultivada e sustentada;  permite uma melhor pesquisa de informações e detecção de meios e forças que se opõem à paz;  obriga à realização de frequentes acções de patrulhamento com pequenos efectivos, apeados ou transportados, e as constantes operações de reabastecimento, que facilitam o controlo da área e o abastecimento das populações e uma boa ligação entre elas;  permite uma mais eficaz acção psicológica sobre a população com o objectivo de manter o estado de paz;  permite apoio social e sanitário e desenvolvimento económico; 2. A formação militar na anti-guerrilha, ao privilegiar o combate individual, o combate com pequenos efectivos e técnicas policiais, é facilmente adaptável às missões de manutenção de paz:  Permite uma eficaz neutralização de irregulares;  habitua o combatente a actuar em pequenos grupos com elevada capacidade de reacção;  desenvolve o espírito no combatente de viver com a população e não entre a população, nem contra a população. 3. A constituição de reservas com elevada mobilidade permite:  a actuação rápida em reforço de pequenas unidades avançadas;  a realização de patrulhamento utilizando helicópteros ou aviões ligeiros;  a evacuação de feridos ou doentes entre a população. 4. A implantação de um sistema de transportes logísticos permite:  apoiar as deslocações das populações e dos bens que estas produzem;  o apoio à ONG na sua acção para minorar o sofrimento da população;  a aquisição da produção agrícola excedentária para o abastecimento das forças de manutenção da paz com evidentes benefícios para a população. 5. O estabelecimento de uma rede de comunicações permite:  Apoiar as ONG’s;  Actuar em caso de emergência médica. Em complemento e em reforço da acção militar devem ser também elaborados planos nos domínios psicológico e económico. As manobras sócio-económicas conduzidas nos vários teatros de operações provocaram sempre dificuldades à subversão.  Verificou-se em Angola, por três vezes.  Em Moçambique nos anos 1967-1970  E na Guiné nos anos 1968-72 A captação das populações fragilizou o binómio subversão/população. A experiência e os resultados espectaculares destas acções em apoio da população que chamaremos acções humanitárias deveria ser passada:  Às Nações Unidas  Às ONG’S  Às Unidades, que em termos bilaterais, actuem como cooperantes  Aos próprios países africanos que ainda não conseguiram estabilizar os aspectos sócio-económicos e de bem estar das suas populações rurais e suburbanas, martirizadas por muitas dezenas de anos de guerras e confrontos sociais que lhes têm provocado a fome, a sede, a doença e a morte. Estamos envolvidos nas acções resultantes da formação da Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD), mas não podemos deixar de nos manter em condições de ajudar os países da África Lusófona, para o que temos também que os ajudar a equacionar os riscos e ameaças que impendem sobre os seus territórios que possam pôr em perigo a sua unidade e a sua independência. A Europa já deu sinais seguros de que nos elegeu para ajudar a gerir o apoio a África escolhendo já um Comissário Europeu português. Os EUA e a Rússia não dispensam o nosso envolvimento na cooperação tanto em relação a Angola como em relação a Moçambique. Por isso, concluo com a afirmação de que está certa a orientação do esforço português na área da avaliação dos riscos e ameaças  primeiro na Europa; e  segundo na África Central e Austral A Europa caminha no sentido da:  Moeda única;  das Forças Armadas europeias, o que passa pela revisão das Constituições dos países membros da União e da Aliança, prevendo o serviço militar nacional e europeu;  da tranquilização dos Países da Federação Russa marcados pelo receio da ameaça do Ocidente; para poder vir a ser uma potência global respeitada no contexto mundial1. Em relação ao Continente Africano, para além das acções de cooperação e de intercâmbio com os países de expressão portuguesa, torna-se necessário adaptar o conceito estratégico lusófono dando relevo à vertente atlântica e pôr os poderes funcionais de Portugal e de Cabo Verde, com expressão histórica nos triângulos estratégicos atlânticos, que podem voltar a ser valorizados e postos ao serviço da comunidade lusófona, prolongando-os para o Sul onde o Brasil e Angola se projectam, e dando-lhes ligação ao Atlântico Norte, através de Cabo Verde e da Guiné e ao Índico, ao longo da costa moçambicana. Citando o Professor Doutor, Rodrigues Areia, da Universidade de Coimbra: "Tal como fomos perdulários com as especiarias da Índia e com o ouro do Brasil, parece que ainda não percebemos as enormes potencialidades de mediação cultural do património que continuamos a esconder e a esquecer de que, somos depositários porque a vicissitude da história o atirou para as nossas mãos"2. 1 Pedro Cardoso, A Conferência Intergovernamental de 1996 - Prospectiva de Defesa e Segurança Regional e Nacional, IDN, "As Ameaças e os Riscos aos Interesses vitais Europeus, possíveis áreas de pesquisa e cenários de crises potenciais", pp.9-26. 2 M.L. Rodrigues Areia, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, Departamento de Antropologia e especialista de Antropologia "Africana-Angolana", no colóquio do Departamento de Sociologia e Comunicação Social da Universidade da Beira Interior, subordinada ao tema "Luso-Tropicalismo - Uma Teoria Social em Questão", in A Miscigenação em "Casa-Grande & Zenzala", p.152.