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Actas do 1º Colóquio Saudade Perpetua

2017, Actas do 1º Coloquio Saudade Perpetua parte 1 e 2

O Grupo Saudade Perpétua foi fundado no Facebook em 10 de Julho de 2011. Inicialmente, foi inspirado na experiência enriquecedora que tinha como membro de um outro grupo dito “secreto” existente nas redes sociais, o qual se destinava à partilha e discussão de imagens antigas de Portugal ou de portugueses, criado pela reconhecida olissipógrafa Marina Tavares Dias. A minha ideia foi tentar transpor o conceito, de grupo de partilha fechado mas suficientemente abrangente para abarcar desde académicos a curiosos, a um tema mais vasto, ainda que perfeitamente delimitado: o Romantismo em Portugal. Assim, o propósito inicial do Grupo Saudade Perpétua, e que ainda se mantém, era o de permitir a partilha, num ambiente confinado mas informal, de fontes, pesquisa inédita e curiosidades sobre as vertentes estética, cultura e social do Romantismo em Portugal. Urbanismo, Arquitectura, Escultura, Tumulária, Azulejaria, Estuques, Pintura, Gravura, Fotografia, Artes Aplicadas, Moda e Publicidade, Costumes e Curiosidades, eram apenas alguns dos tópicos possíveis. O Romantismo em Portugal, sobretudo na sua vertente estética, não é uma área em que haja muitos investigadores “fiéis”, se assim podemos dizer. Mas muitos dos investigadores que insistem em pesquisar o tema, nas suas mais diversas vertentes, foram entrando para o Grupo Saudade Perpétua. Ao longo dos anos que se seguiram, o Grupo raramente teve mais do que 150 membros, mas, entre eles, pontuam verdadeiros especialistas em certas áreas do saber relacionadas com o Romantismo ou com o século XIX em geral. Por esse motivo, e porque, durante muito tempo, o lado estético e cultural do Romantismo foi sendo menosprezado em Portugal (com excepção, talvez, da vertente literária e, mais recentemente, de abordagens de carácter regional e local, como os congressos sobre o Porto Romântico, na Universidade Católica), predominando, sim, as análises sociais, políticas e económicas, percebi que faltava um espaço em que os investigadores pudessem formalmente partilhar os seus trabalhos já estruturados, não só para os demais membros do Grupo Saudade Perpétua, mas também para fora do mesmo. Inicialmente, pensei na edição de uma revista, enquadrada por um centro de investigação – neste caso, o CEPESE: Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade(Universidade do Porto). Porém, tal ideia revestia-se de várias dificuldades e limitações. Ora, desde o início, foi hábito do Grupo Saudade Perpétua realizar eventos para os membros e seus convidados, que invariavelmente incluíam visitas a alguns edifícios e espaços do Romantismo menos conhecidos ou menos acessíveis ao público em geral. Por isso, entendi que havia condições para que o Grupo organizasse um evento que tivesse também uma componente de divulgação do conhecimento científico produzido pelos membros. Além disso, alguns dos mais prolixos investigadores do Romantismo em Portugal não aderiram às redes sociais e, portanto, um evento científico permitiria que pudessem também participar com os seus contributos. Foi assim que nasceu o 1º Colóquio “Saudade Perpétua”, assinalando o 5º aniversário do Grupo Saudade Perpétua. Foi o primeiro evento científico em Portugal dedicado ao Romantismo proposto e dinamizado por um grupo com carácter informal, que não é uma associação sequer. Outubro de 2017 Francisco Queiroz (coordenador da edição e fundador do Grupo Saudade Perpétua)

Duas páginas da Vida de Santa Ana, obra editada em português pela Litograia Sauer e Barigazzi, de Bolonha (posterior a 1886). Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro1 Resumo O espaço religioso privado era projetado consoante o desejo do proprietário. Na grande maioria, foi integrado no interior da habitação. Também encontramos casos em edifício próprio, ligado ou não à habitação. Na segunda metade do século XIX, este espaço continuou a ser incorporado na habitação mas, num contexto mais alargado e complexo. A habitação foi projetada para responder às novas necessidades da burguesia, interligando-se eicazmente os espaços interiores, de forma a separar as zonas de estar das de serviço. De uma maneira geral, a motivação para a sua construção deveu-se à concretização espiritual de um desejo. Num determinado projeto, foi para perpetuar um facto ocorrido na vida íntima do seu proprietário; noutro, o de oferecer a uma comunidade um espaço religioso. Aqui foram reunidos cronologicamente projetos arquitetónicos de espaços religiosos privados, da autoria de arquitetos, de construtores civis e de artistas, que deiniram uma época na história da arquitetura portuguesa. O estudo centrou-se nos exemplares ediicados em Lisboa e arredores de 1884 a 1910, embora haja um projeto elaborado para Mirandela. Palavras-chave: Capela, Oratório, Vitral, Arquitetura, Religiosidade, Lisboa, Estoril 1 Arquiteto e investigador. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 477 Introdução A palavra capela, consultada em vários dicionários, signiica: lugar no vão da parede de igreja onde existe um altar; templo de pequena dimensão num povoado ou fora, onde em geral não existe senão um altar; pequena igreja privativa de palácio, casa nobre, convento e colégio. Nas mesmas fontes, a palavra oratório signiica: um compartimento que, numa casa, se transforma em capela e se consagra à oração; espécie de armário ou nicho onde se arma como que um altar com imagens de santos; uma capela doméstica (Machado, 1991) (Silva; Moreno; Cardoso Júnior; Machado, 1945) (Faria, 1850-1855). Contexto histórico A construção de edifícios religiosos tem como origem a fé humana e algo que despoleta essa motivação, que pode ser um milagre, um voto, uma graça, perpetuar um acontecimento, ou então para uma população ter um espaço religioso para celebração e de referência espiritual. A capela integrada na habitação era muitas vezes aberta ao exterior para celebrações comunitárias, tais como missas, batizados2 ou casamentos. Também encontramos capelas isoladas, geralmente em pontos mais elevados, onde se podiam celebrar festas em honra do orago, pela população. Finalmente, também eram construídas capelas privadas em núcleos urbanos já consolidados. Na cidade de Lisboa, a capela secular do Palácio Castelo Melhor era uma das mais representativas em termos de espaço, desenho arquitetónico e espacialidade. Na década de 80 do século XIX o palácio foi vendido ao Marquês da Foz, promotor das grandes obras de remodelação de todo o conjunto. A capela foi englobada e dissimulada no projeto arquitetónico, ao gosto 2 No decurso das nossas investigações genealógicas temos vindo a encontrar batismos realizados em capelas privadas, embora em pequeno número, pois liturgicamente o batismo é realizado nas igrejas paroquiais. 478 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Beaux-Arts, só percetível exteriormente pelo campanário setecentista e vãos da fachada norte. No ano de 1891, o palácio foi fotografado após a grande campanha de obras (Portugal, 1891). A capela ainda existia, mas foi posteriormente desmantelada pelo proprietário3. A capela também foi geralmente construída no interior da habitação, num determinado ponto e conforme o desejo do seu proprietário, como a capela no Palácio Sinel de Cordes, construída na segunda metade do século XVIII. Sobreviveu ao incêndio de 21 de Dezembro de 1909, que destruiu várias salas deste edifício, onde estava na altura a Legação de Itália (Carvalho, 1910: 18-24). 1 – Capela no Palácio Sinel de Cordes (Achilles e Benoliel, 1910: 22). Nos espaços interiores, há o costume de se usarem os oratórios, conforme o tamanho e objetivo devocional. Podiam conter uma ou mais imagens, ou outros objetos ligados ao culto. O material mais utilizado foi a madeira: consoante a sua qualidade, foi trabalhada de acordo com o efeito pretendido. Estes materiais e apropriações têm evoluído até aos dias de hoje e o período aqui tratado não foi exceção. Na Casa Francisco de Magalhães Dominguez4, em Lisboa - que parece ter sido construída no século XVIII, por causa das alusões a azulejaria setecentista, havia pelo menos dois oratórios. Um ao gosto Luiz XV sobre uma cómoda, com a imagem de Cristo cruciicado, no quarto do seu proprietário, decorado com mobiliário da época do Rei D. João V. Havia também um oratório pequeno no quarto do ilho António (então com 11 anos), decorado com peças ao gosto das duas épocas referidas (Santos Tavares, 1903a: 26-27). Aqui não encontramos o oratório associado a uma presença feminina. Na mesma cidade, mas na zona de 3 As colunas interiores foram removidas e aplicadas na fachada principal do Museu Militar em Lisboa. 4 Esta habitação foi demolida e era na atual rua Dr. Almeida Amaral, próxima ao Campo Mártires da Pátria. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 479 São Bento, na Casa Alfredo Guimarães foram descritos em 1903 três oratórios. Esta habitação parece ter sido construída na segunda metade do século XVIII, devido às alusões a azulejaria de motivos decorativos e de pinturas do período pombalino e da Rainha D. Maria I. As salas foram decoradas segundo várias épocas passadas e, numa ante-sala, havia um sofá, uns contadores, um relógio e um oratório, entre outras peças, e todas decoradas à época de D. Maria I, o que levou Santos Tavares a perguntar se o “…estylo aqui predominante é de D. Maria I? – O predominante é – replica com a sua “habitual” vivacidade nervosa Alfredo Guimarães – ainda que, como vê, haja moveis de epocas anteriores; mas, apezar d’isso, a harmonia é completa. – Não gosta do estylo D. João V? – perguntámos, por não havermos ainda surprehendido aquelles motivos ornamentaes. – Vae vêr o meu quarto de cama – constesta-nos – ahi, é essa decoração escolhida. E Alfredo Guimarães, abrindo a porta que dá para a ante-sala onde nos achávamos, conclue: – Eil-o. É este um outro recanto precioso d`aquelle lar. Commodas, cama, arca, papeleiras, oratorio, é tudo da epoca; e, enquamto expressamos a nossa admiração. Alfredo Guimarães, entreabrindo a porta de uma janella, commentou: – Um pouco mais efeminado… e seria o de Madre Paula. Mas já o nosso olhar, indiscreto como o exigem estas jornadas pela casa alheia, desvenda sobre um movel alguns livros, e o nosso interlocutor de nos explicar n’uma provocada ironia: – Esses é que não são da epoca… Não o eram, efectivamente; mas n’aquelle contraste revelava-se ainda o espirito culto do nosso amigo. E, mostrando-nos os livros: – A ultima peça de Alfred Capus, e um romance de Balzac. Estava satisfeita a nossa curiosidade.” (Santos Tavares, 1903b: 117-118) O terceiro oratório estava num pequeno espaço, no quarto da ilha de Alfredo Guimarães. Era ao gosto de D. Maria I e tinha um Cristo cruciicado. A restante decoração era no mesmo gosto e com tapetes de Arraiolos (Santos Tavares, 1903b: 117-118). 480 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Este gosto por épocas passadas caracteriza todo o século XIX mas, em Portugal parece ter havido uma predileção pela época do Rei D. João V e pela de sua neta, a Rainha D. Maria I5. O primeiro foi um dos períodos áureos da nossa história, do absolutismo monárquico e de riquezas que vinham do Brasil. O mobiliário foi realizado em madeiras exóticas, cuja maestria e qualidade do seu trabalho ainda hoje são admirados. Não nos surpreende porém, que por estas razões, esta época foi eleita no início do século XX para a decoração interior. O período da Rainha D. Maria I é o oposto. As pinturas, o mobiliário e toda a decoração é delicada, em tons pastel e feminina. O oratório também era usado nas salas de estar privadas, como na de D. Maria Mascarenhas Barreto, 8ª marquesa de Fronteira, no seu palácio em Benica. Esta sala tem estuques setecentistas e a maioria do mobiliário que a compunha em 1911 era oitocentista. Tinha várias cadeiras, cadeirões, estantes com livros, mesa de centro, mesinhas com livros, chaise-longue e um oratório. Este tinha a imagem de Nossa Senhora, com jarras, e estava assente sobre um móvel (Rocha Martins, 1911: 532). 2 – Quarto de dormir de Alfredo Guimarães (Santos Tavares, 1903b: 117). 3 – Sala de D. Maria Mascarenhas Barreto, 8ª marquesa de Fronteira, em Benica (Rocha Martins, 1911: 532). 5 Na publicação Illustração Portugueza, entre outras do inal do século XIX e início do XX, observamos que, em muitas habitações, determinados espaços foram decorados com peças relativas aos dois períodos mencionados. Os espaços foram essencialmente quartos de cama, salas de estar e gabinetes. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 481 Nas habitações modestas, geralmente e quando havia possibilidade, o oratório estava na sala ou no quarto de cama, em cima de uma cómoda ou outro tipo de móvel, ornado com jarrinhas para lores e outras decorações religiosas. Esta presença espiritual na vida quotidiana entra em declínio no século XIX, o que suscitou a construção de espaços religiosos inspirados em épocas passadas, sobretudo no período românico e bizantino. A Basilique du SacréCœur em Paris é exemplo paradigmático. Foi construída num promontório do bairro de Montmartre, em memória da guerra Franco-Prussiana de 1870 a 1871. Tem duas estátuas equestres, de São Luís Rei de França e de Santa Joana d’Arc, santos católicos franceses. Na mesma época é construída a Catedral do Sangue Derramado em São Petersburgo, em memória do atentado de 1881 contra o Czar Alexandre II da Rússia. Foi construída ao gosto seiscentista russo, contrastando com a arquitetura setecentista de uma cidade virada para a Europa. Na cidade de Roma, algumas igrejas foram redecoradas, construídas de raiz ou restauradas de acordo com esta tendência estilística. Esta teve como fundamento a procura da pureza cristã, do misticismo e da fé, sem adornos excessivos. A fonte de inspiração foi a época dos templários, a vida exemplar e a obra dos santos (Agrawal, 1990: 236) (Curran, 2003). A mesma corrente estilística estendeu-se ao graismo e ornamentação. Desta forma, a Igreja solidiicava a sua presença, como guia espiritual, numa época conturbada, com crises sociais e políticas. 4 – Basilique du Sacré-Cœur (Fotograia do autor). 5 – Interior da Capela do Sanatório de Sant`Anna, com os candeeiros elétricos ao gosto Arte Nova já desaparecidos (Achilles e Vidal & Fonseca, 1908: 34). 482 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Em Portugal, o gosto pela época do românico e bizantino começa a ser divulgado no inal do século XIX. O exemplo paradigmático é a Capela do andar térreo do Palácio da Ajuda. O projeto é da autoria do arquiteto Miguel Ventura Terra, recentemente chegado de Paris, provavelmente encomendado pela Rainha D. Maria Pia por volta de 1896. O projeto teve como objetivo redecorar três espaços para serem transformados na entrada, na sacristia e na capela. A fonte de inspiração foi o período românico, com ínimos detalhes ao gosto gótico, expresso no desenho construtivo, no mobiliário e nos vitrais, entre outras peças. Curioso notar-se, a partir desta altura, o gosto pelo românico ter sido a fonte de inspiração para a construção de edifícios religiosos, nomeadamente o projeto da Capela do Asilo da Ajuda (1901) e a Capela do Sanatório de Sant’Anna (1901 a 1908), ambas da autoria do 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 483 arquiteto Rosendo Garcia de Araújo Carvalheira. O complexo do sanatório foi construído na Parede e contou com a colaboração dos arquitetos Álvaro Augusto Machado, Manuel Joaquim Norte Júnior, António do Couto de Abreu e Adolfo António Marques da Silva (Costa Campos, 1908) (França, 1966: 335)6. Ao gosto bizantino, o arquiteto italiano Nicola Bigaglia projetou, entre 1900 a 1908, a capela do Palácio Centeno em Lisboa. A abside foi decorada com pinturas policromas, tinha um altar e era iluminada por uma clarabóia. Apesar de todos os esforços e nos “… tempos que vão correndo, em que a descrença se pretende impôr sem que ao homem a quem se arranca a fé se ofereça outra cousa que não seja a rude evidencia das necessidades da vida, é-nos grato registar nas paginas d’esta Revista a ediicação, em Lisboa, de mais um templo – a Capella do Coração Eucharistico de Jesus. O novo templo cuja construcção, muito solida e elegante, levou cinco anos, deve-se aos esforços da Confraria de Nossa Senhora do Carmo e aos do reverendo padre Antonio Rodrigues Soares, thesoureiro da freguezia dos Anjos.” (Castilho, 1910: 237) No artigo, referem que a fachada principal era ao gosto gótico, assim como as ferragens. Efetivamente há essas referências mas, na generalidade, o edifício é ao gosto românico, patente no desenho dos vãos, da cimalha e noutros detalhes. O projeto é da autoria do arquiteto Alfredo de Ascensão Machado (Collares, 1905a: 267) e foi construída na Rua Capitão Renato Baptista entre dois edifícios, com a fachada principal recuada. As portas tinham candeeiros a gás, adaptados aos elementos arquitetónicos e realçando-os. O interior é de uma só nave, tem dois altares laterais, um altar-mor, uma sacristia e a torre sineira (construída sobre a sacristia, devido à exiguidade do lote). A disposição em planta, a espacialidade, o desenho dos altares e outros pormenores decorativos são ao gosto seiscentista. Esta persistência em modelos tradicionais foi complementada anacronicamente por elementos arquitetónicos, por pinturas, por lâmpadas e por sacrários ao gosto românico, gótico e bizantino. 6 Para muitos críticos de arte portugueses, o neo-românico na arquitetura foi uma forma de valorizar a identidade nacional e como resposta ao Ultimatum britânico. Na documentação portuguesa de inal do século XIX e início do XX essa intenção, até hoje, não foi expressa. O que temos lido são muitos textos sobre a questão da casa à portugueza e de vários autores. 484 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro São todas estas experiências espaciais e estilísticas que os projetistas portugueses exploraram no último quartel do século XIX e início do XX. Os projetos escolhidos que abordamos em seguida foram ordenados cronologicamente, de forma a entendermos a sua evolução. Na descrição de cada projeto, usamos a palavra capela ou oratório, conforme vem nos desenhos técnicos e nas fontes escritas da época. Os projetos aqui reunidos tiveram como base as publicações periódicas sobre arquitetura do início do século XX, entre outras. Posteriormente, a informação foi complementada com documentação camarária e onde se descobriram outros projetos. Estes foram elaborados para cidade de Lisboa e arredores, embora incluamos um projeto feito para Mirandela. Os projetos são na sua maioria da autoria de arquitetos, de construtores civis e de outros artistas, deinindo uma época na história da arquitetura portuguesa. O exemplar mais tardio é de 1884 e os mais recentes são de 1910. Esta última data é signiicativa, visto ser a da revolução republicana e de se ter separado o Estado da Igreja. 6 – Fachada principal da Capela do Coração Eucarístico de Jesus (Castilho, 1910: 237). 7 –Pagela com o Menino Jesus ao gosto Arte Nova, lores estilizadas e a legenda Le Sauveur du monde (anterior a 1901). Pertenceu à bisavó do autor, a Senhora Dona Maria Isabel de Resende. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 485 8 – Planta da habitação da Casa Luís António Xavier (Collares, 1902b: 17). 486 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Projetos 1884 – Casa Luís António Xavier, Rua da Costa do Castelo n.º 2, Lisboa A habitação e oicinas de Luís António Xavier foram construídas num terreno em declive, havendo “…, porém, logo de principio a vencer uma grande diiculdade, especialmente em vista da economia exigida, que foi a necessidade da construção d’um grande muro de supporte, que, em vista da sua altura, deveria ser muito dispendioso. O architecto porém, obviou da maneira mais racional a essa grande diiculdade, e por fórma tal, que com o menor volume de alvenarias que é possível para um caso d’estes, fez uma muralha de supporte, tendo a devida base, jorramento, sapatas, etc., mas disposta em cylindros reforçados com gigantes, tendo a respectiva secção envolvida na parede posterior da casa, obtendo um conjunto solido e de absoluta coniança, o que se prova pelo tempo decorrido depois da sua construcção, realisada ha bastante tempo. Constitue, pois o projecto de que vimos tratando, além da boa distribuição interior, fachadas accommodadas a um restricto orçamento, como foi recommendado, a solução d`um problema que só um architecto, tão distincto e meticuloso como este nosso colaborador, póde conseguir, tendo sempre em vista alliar a elegancia à solidez, não esquecendo a parte economica.” (Collares, 1902b: 19). O arquiteto foi António José Dias da Silva. Na habitação, a planta não tem as designações dos espaços (AML, 1884, l. 1). A sul e para poente, parece ser as salas, e os quartos de cama. A norte é a cozinha e a instalação sanitária. Da sala de jantar há um terraço e varanda exterior para o jardim. No quarto virado a sul, com porta para a escadaria principal e o corredor interno da habitação, há um pequeno nicho. Este tem uma cruz desenhada e o que parece ser um altar, resguardado no interior e muito intimista. Este espaço foi aproveitado do ângulo que a fachada cega faz com a parede interior. O edifício encontra-se bem preservado. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 487 1890 a 1907 – Casa Biester, Estrada da Pena n.º 16 a 18, Sintra Na década de 90, do século XIX, Frederico Biester encomendou o projeto para uma moradia ao arquiteto José Luís Monteiro, enquadrada por um jardim e parque7. O estilo arquitetónico imposto “… pelo seu primitivo proprietário, e que é um romano-gothico inglez, a casa Biester está assente n’um rincão das faldas da serra de Cintra, de onde se disfructa um dos mais maravilhosos panoramos do mundo, no centro de uma exuberante vegetação, onde quadram bem os seus telhados pontagudos e as suas torres de agulha, proprios dos paizes de nevoeiros frequentes, como succede naquelle local.” (Collares, 1911a: 50) A Casa Biester é visível “… de qualquer lado de onde seja olhada, já pela situação que lhe deu Monteiro, já pela maneira por que o illustre jardineiro-paysagista Nogré traçou o parque, a casa Biester, com o seu ar gracioso de redução de castello antigo, dá, entretanto, bem a impressão de estabilidade e força que o ambiente e a sua importancia requeriam.” (Figueiredo, 1908: 15) O rés-do-chão da habitação é composto da seguinte maneira: entrada principal e um Hall central. Deste, parte-se para o gabinete (virado a sul, decorado ao gosto da época clássica, com um pequeno gabinete deinido pelo volume vertical que está no ângulo das fachadas sul e nascente), para a antiga sala de bilhar (virado a nascente), para o salão, para a sala de jantar (estes dois últimos virados para norte e com vista sobre Sintra, decorados, e a sala de bilhar ao gosto romano-gothico), uma copa e a escadaria principal (viradas para poente, assim como a escadaria de serviço). No primeiro andar são os quartos de cama, os de vestir, as instalações sanitárias, a capela, a sacristia e a “abside”. Estes últimos espaços parece que fazem parte dos restantes aposentos mas, com particularidades espaciais e decorativas muito peculiares. O acesso não é imediato, nem nos parece ter 7 Os restantes intervenientes foram: Leandro de Sousa Braga (boiseries e mobiliário), Luigi Manini (pinturas decorativas), Baeta (pintura de arauto na entrada), Paul Baudry (frescos), Rafael Bordalo Pinheiro (azulejos), José da Quinta (guarnição metálica do fogão da sala de jantar), Domingos António de Sousa Meira (estuques), Champ Vert (vitrais), Hubert de Paris (vitrais), F. Nogret (jardim), mestre Costa (carpintaria) e seu sobrinho Carlos da Costa Soares (carpintaria). 488 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 9 – Fachada principal e lateral, com o volume no cunhal do gabinete e da capela (Fonseca, 1908: Intercalar VII). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 489 sido essa a intenção. No patamar da escadaria principal, pode-se ir para a esquerda, para uma antecâmara e depois para o corredor dos aposentos, ou seguir em frente para a varanda coberta exterior. Nesta varanda, podemos entrar na sacristia ou na capela. A entrada para o seu interior foi deliberadamente separada dos aposentos. A capela foi decorada com pinturas, enquadrando-se no projeto arquitetónico, com um certo gosto Arte Nova. O teto é um céu azul estrelado, dando-nos a impressão de limite. A “abside” ica no ângulo da capela, formada pelo referido volume vertical. Tem um altar, vãos com vitrais coloridos e duplo pé-direito. Desta forma, sentimo-nos elevados a um patamar superior e etéreo, sugerindo subtilmente a presença divina, intensiicada pela luz coada dos vitrais coloridos. A sacristia comunica internamente com os aposentos, sendo esta talvez a entrada particular dos proprietários para a capela. 10 – Interior da capela Biester; os dois quadros entre as colunas e os vãos já não fazem parte da decoração atual (Fonseca, 1908: 15). 11 – Planta do primeiro andar da Casa Biester (Fonseca, 1908: 16). 490 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro A capela da Casa Biester é uma das mais interessantes aqui analisadas. De grande valor arquitectónico, decorativo e espacial, onde tudo foi conjugado harmoniosamente como um todo. O edifício, depois da morte de Frederico Biester, passou para a sua mulher, Amélia de Freitas Chamiço. Pouco tempo depois faleceu e foi sua tia, a Senhora Dona Claudina Ermelinda de Freitas Guimarães Chamiço, a herdeira de todos os bens (ver Costados Número 1). O edifício é propriedade privada e foi recentemente restaurado. 1893 – Casa Dr. António Maria de Lencastre, Praça Marquês de Pombal n.º 2, Lisboa Em 1893, o médico António Maria de Lencastre8 encomendou o projeto para construção de uma moradia. O autor do projeto é desconhecido e o construtor foi Hermano de Carvalho (AML, 1893, l. 1). O núcleo central era o Hall com a escadaria principal, que tinha um vitral, uma clarabóia e duplo pé-direito. Este espaço era decorado com lambris em madeira, estuques com um pelicano e suas crias nas paredes, uma enorme lareira ao gosto renascença. De um lado, era a sala, do outro a sala de jantar. Do outro lado era a cozinha, a escadaria de serviço e a capela. Este espaço, na planta inicial, foi destinado aos aposentos de um criado, com escadaria exterior para o logradouro. Não sabemos se foi durante a construção esta mudança, ou posteriormente. A capela tinha lambris e o teto forrados a madeira. Os vãos exteriores tinham janelas duplas. As interiores são em vitral, motivo padronizado com amarelo e círculos com vidro azul. Uma das janelas, entre outra e a porta exterior, tem dois vitrais. Estes são da autoria do vitralista suíço Adolph Kreuzer e datados de 1891. Num, é Nossa Senhora, no outro a Virgem com 8 Na documentação consultada, na Câmara Municipal de Lisboa e nos registos paroquiais, o próprio assina sempre Lencastre e não Lancastre, como tem aparecido escrito recentemente. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 491 12 – Virgem com o Menino ao colo e São José, em vitral datado de 1891 e fabricado em Zurique (Fotograia do autor). 13 – Fachada principal da capela Dr. Manuel de Castro Guimarães (Achilles, 1909: Intercalar II). o Menino ao colo e São José. O altar estava integrado com o ritmo sugerido pelo design dos lambris. O desenho arquitetónico deste espaço é inspirado na época medieval e da renascença. Anos depois, o edifício foi alugado pelo Club Militar Naval. A capela foi transformada em bar e integralmente retirada aquando da demolição do edifício no início da década de 90 do século passado, assim como outras peças de valor. 492 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 1897 – Palacete e Capela Dr. Manuel de Castro Guimarães, Travessa da Cruz do Torel n.º 1 a 3, Lisboa A habitação do futuro Conde de Castro Guimarães foi construída9, em 1885, sobre as ruínas de um palácio que então pertencia ao Duque de Loulé, destruído por um incêndio. O autor do projeto foi o arquiteto José Luís Monteiro, que também riscou as cocheiras e cavalariças (AML, 1885a, l. 1) (AML, 1885b, l. 1). O desenho arquitetónico foi inspirado na cultura árabe e na italiana. Este novo edifício foi adossado a outro, que também era habitação, com uma ala a sul. Nesta, morreu, no dia 9 de Junho de 1897, a mãe do proprietário. Passados 6 meses, entrou na Câmara Municipal de Lisboa um pedido para a sua demolição e construção de uma capela, também segundo projeto do arquiteto José Luís Monteiro (AML, 1897, l. 1). Por cima da porta, tinha inscrito em latim uma dedicatória à illustre senhora (Collares, 1902a: 35) (Collares, 1909: 4) (ver Costados Número 2). Devido a este facto, a capela adaptou-se ao terreno onde estava a antiga construção, com uma escadaria exterior, com ligações internas e sem uma orientação cardial especíica. O novo edifício foi erigido ao gosto da época românica, expresso no volume, no desenho arquitetónico dos vãos e noutros detalhes. No interior, o teto era em madeira e estuque, com pinturas simulando um céu estrelado, em pedra e alvenaria. Nas paredes e vergas dos vãos interiores, havia pinturas decorativas, ao gosto medieval. De uma só nave, tinha duas capelas laterais no altar. Este era semicircular em planta e tinha três portas, que comunicavam internamente com o edifício primitivo. O altar foi desenhado pelo arquiteto e posteriormente foi colocado um órgão. 9 Os restantes intervenientes foram: Joaquim da Costa e Silva (construtor do palacete, das cocheiras e das cavalariças), Formilli (artista, autor do desenho arquitetónico da sala de respeito), arquiteto Cesare Ianz (desenho arquitetónico da sala sobre a loggia), Joaquim António Vieira (construtor e autor da decoração da antiga sala de jantar que passou depois a biblioteca); Cardoso, Dargent & C.ª (autores do jardim de inverno), Vieillard & Touzet (construtores da capela), Baeta (decorações na capela) e órgão para a capela (colocado em 1908 e encomendado na cidade de Braga) (Collares, 1909: 4). Não sabemos se as intervenções nos referidos espaços são contemporâneos ou posteriores à época de construção da habitação, visto o edifício ter tido várias ampliações e modiicações até 1909. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 493 14 – Altar e órgão no interior da capela (Achilles, 1909: 3). 15 – Planta do rés-do-chão (Collares, 1909: 2). Anos depois, em 1904, entrou um projeto para construção de um jardim de inverno, em dois pisos (AML, 1904, l. 1). Foi construído entre a habitação principal e a capela. A sala de jantar passou a biblioteca e a nova sala de jantar10 foi instalada no núcleo primitivo, próxima à capela. 10 O desenho arquitetónico foi da autoria do arquiteto francês Camus e executado pela Casa Vieira & C.ª (Collares, 1909: 4). 494 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 1898 – Casa Condes de Taboeira, Rua da Arriaga n.º 9 a 9A, Lisboa No ano de 1898 começou a ser construída uma moradia para o casal João Cardoso Valente, futuro 1º conde da Taboeira11, e María Aurora Ângela de Muñoz y Puig. O arquiteto escolhido foi Miguel Ventura Terra e foi construída pela irma Vieillard & Touzet (AML, 1898b, l. 1) (Collares, 1904b: 251). A moradia foi construída no interior de um lote de gaveto, de forma a tirar o maior partido possível da vista a sul sobre o Rio Tejo. Da entrada principal, a norte, entrava-se para um vestíbulo e, deste, para o Hall. Este espaço com duplo pé-direito, eximiamente explorado na obra do arquiteto, é o eixo distribuidor e separador das diferentes zonas. Para norte, estavam virados o escritório e a sala de bilhar. Para poente, duas salas. Para sul, o salão e a sala de jantar, separados por uma antecâmara, englobados num volume e com varanda exterior. Para nascente, a escadaria de serviço, a copa e o Monte-plats. 16 – Fachada principal da Casa Condes de Taboeira (Collares, 1904b: 249). 17 – Planta do primeiro andar da Casa Condes de Taboeira (Collares, 1904b: 249). 11 Agraciado com o título de conde pelo Rei D. Carlos, por decreto de 19 de Julho de 1901. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 495 No piso superior, em planta, há nitidamente dois aposentos, um para norte e outro para sul. Estes eram compostos cada um por um quarto de vestir, um quarto, um toilette e uma antecâmara. Nos aposentos virados a Norte havia um oratório, aparentemente de uso privado. Este espaço, de forma rectangular com as extremidades em ângulo, foi construído no cunhal da fachada norte e poente. Sobressaía da fachada e exteriormente era ao gosto românico. Contrastava arquitetonicamente com as restantes fachadas, mas integrava-se harmoniosamente. No último piso, estavam os quartos dos criados e outras dependências. Para norte era o atelier, com uma varanda exterior. A fachada exterior deste espaço era decorada com um friso de frescos ou em azulejo (Fevereiro, 2015: 26). No decorrer do século XX foi bastante alterada e é hoje a Embaixada do Iraque. 1898 – Presbyterian Church, Rua da Arriaga n.º 11, Lisboa Os mesmos construtores do anterior projeto foram autores do projeto para a Presbyterian Church (AML, 1898a: l. 1) (Santos, 1996). É um conjunto de dois edifícios, unidos mas separados por muros exteriores e, interiormente, por um pátio. O primeiro é a moradia para o pastor. O segundo é a igreja. Estes são unidos internamente por um escritório, separando assim o espaço de culto público da habitação. O desenho arquitetónico da igreja tem referências do período gótico. O telhado é de duas águas. Na fachada principal e na de tardoz, o frontão é quebrado, sugerindo uma nave central e duas laterais. No interior, o teto é em madeira, com os vigamentos à vista, e em planta de uma só nave. A forma deste edifício foi posteriormente explorada em edifícios industriais pelos mesmos construtores, como na primitiva Central Tejo e na fábrica de massas A Napolitana, em 1909 (Fevereiro, 2011: 603-608). O edifício é nos dias de hoje a St. Andrews Church of Scotland. 496 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 1900 – Palacete Cármen Graziela Castilla da Rocha ou Seixas, Praça Marquês de Pombal n.º 18, Lisboa De autor desconhecido, o projeto deste palacete12 foi elaborado para Cármen Graziela Castilla da Rocha. Pouco tempo depois da sua construção, passou para Carlos Seixas. O centro da habitação é deinido pela escadaria, de forma circular, em torno da qual há corredores. Termina numa cúpula e clarabóia. Desta forma, temos a separação de diferentes zonas, suas ligações e hierarquias. Logo de início, foi contemplado um espaço religioso. Este situa-se no primeiro andar, onde estão os quartos de cama e instalações sanitárias, na extremidade das fachadas laterais. A entrada principal está no eixo simétrico da referida escadaria. Tem uma antecâmara, que contrasta com o teto em forma de cúpula da capela. Nas plantas, é sugerido que tivesse forma circular e o parquet com uma cruz, envolta numa moldura. Nos cortes foram sugeridos vitrais para as janelas interiores, iluminadas pelas exteriores (AML, 1900: l. 1). O desenho arquitectónico e decorativo remete-nos para uma capela aristocrata setecentista, mas integrada numa habitação burguesa do início do século XX. Esta moradia igurou nas ilustrações do famoso artigo Lisboa Monumental da autoria de José Valentim Fialho de Almeida (Almeida, 1906: 398) (Fevereiro, 2011: 85-86). O edifício é hoje a sede de Camões, Instituto da Cooperação e da Língua. 1901 – Casa Lambertini, Avenida da Liberdade n.º 166 a 168, Lisboa A Casa Lambertini foi projetada pelo arquiteto e construtor italiano Nicola Bigaglia. O seu proprietário foi Michele Angelo Lambertini, proprietário da famosa loja de instrumentos musicais com o seu apelido. 12 O construtor foi António Pedro da Silva. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 497 18 – Oratório da Casa Lambertini (Nullus, 1906: 510). No processo de obra, existente em arquivo, notamos a falta de vários desenhos técnicos. Estes foram, felizmente, identiicados e aguardamos que sejam repostos. Devido a esta omissão não podemos constatar se o oratório, fotografado e descrito em 1906, foi contemplado no projeto original. No primeiro andar, eram a sala de visitas, a saleta, o toilette, os quartos de cama e o oratório decorado ao gosto “… Luiz XVI onde Machado de Castro se vê representado n’um grupo – Santa Anna, S. Joaquim e a Virgem, afóra miniaturas de Conceição e Silva, um esplendido cruciixo de marim, etc.” (Nullus, 1906: 504) Na fotograia publicada, diz-se que é ao gosto Luiz XV. De forma a valorizar este oratório, foram colocadas imagens atribuídas ao conceituado escultor Joaquim Machado de Castro. No altar, estavam jarras com lores e decoração em relevo. O edifício entrou numa profunda campanha de obras e ampliação na década de 30 do século passado. 1902 – Capela de Nossa Senhora da Piedade, Rua de Olivença n.º 2, Estoril No ano de 1893, Bernardo Pinheiro Correia de Melo, secretário do rei D. Carlos e futuro 1.º Conde de Arnoso, mandou construir em Cascais uma casa de veraneio ao gosto minhoto. A moradia foi bastante elogiada e outros seguiram o exemplo (Fevereiro e Antunes, 2013: 51-60). Nos anos imediatos construíram-se outras residências do mesmo gosto, como a que foi erigida no Estoril, em 1896, para António Viana da Silva Carvalho, com vista sobre o mar. O autor do projeto foi o construtor civil lisboeta Joaquim António Vieira (AHMC, 1896, l. 1). O desenho arquitetónico é sóbrio e as proporções eram equilibradas mas, nos últimos anos, a moradia foi 498 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 19 – Fachada principal da Capela de Nossa Senhora da Piedade (Fotograia do autor). ampliada. Anos depois da sua construção é entregue um projeto para construção de uma capela. O autor parece ser Francisco Vilaça, segundo fontes no Arquivo Municipal de Cascais (AHMC, 1902, l. 1)13. A capela é um edifício independente, orientada de sul para norte, com a entrada principal voltada a este último ponto cardial. O desenho arquitetónico é inspirado nas congéneres setecentistas, ao gosto barroco do tempo do Rei D. João V, em voga no inal do século XIX. Na entrada principal há uma galilé e, no interior, o templo é de uma só nave. Tem uma torre sineira e a segunda torre não foi construída, conforme sugerido no projeto original. A abside tem características arquitetónicas do período românico e bizantino, que contrastam com o restante edifício. A capela é propriedade particular e não está aberta ao público. 1902 – Palacete Mendonça, Rua Marquês de Fronteira n.º 18 a 28, Lisboa No ano de 1902 foi projetado pelo arquiteto Miguel Ventura Terra um palacete para o capitalista Henrique José Monteiro de Mendonça (ver Costados Número 3). Ficou terminado em 1909 e foi galardoado com o Prémio Valmor14. 13 O construtor civil responsável foi Francisco António de Magalhães. 14 Os restantes intervenientes foram: João Pedro dos Santos (construtor n.º 68), José Pedro dos Santos (marcenaria), Jorge Pereira (esculturas), Manuel João da Costa (dourador), José António de Almeida (cantaria), Pedro Pardal Monteiro (cantaria), Jacob Lopes da Silva (serralharias), Cruz & Franco (estuques), Jacquemet, Mesnet & Cie (sistema de aquecimento) e Rafael Bordalo Pinheiro (decoração em cerâmica na sala de almoço). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 499 É uma obra de qualidade excecional, a nível arquitectónico, construtivo, decorativo e funcional. Todos os espaços de novo giram em torno do núcleo principal, denominado Hall, o qual tem a escadaria principal, perfeitamente proporcionada e iluminada. No andar nobre temos para sul o átrio principal, eixo distribuidor de duas zonas distintas. Para poente temos os salões para visitas (ao gosto Louis XV, Louis XVI e Império), dispostos interiormente em eixo e que comunicam para o jardim de inverno. Para nascente temos uma antecâmara que antecede o gabinete de trabalho, resguardando assim este último. Do Hall, comunicamos com a sala de jantar, virada a norte, e com a escadaria secundária e elevador. Depois do elevador há a sala de almoço, virada a nascente; a norte há uma instalação sanitária e a copa, que também comunica com a sala de jantar e a cozinha, na cave. Esta eicaz distribuição interna cria diferentes níveis de privacidade, de aparato, e relete o modo de viver da alta burguesia, nomeadamente na sucessão em eixo visual dos salões, que poderiam servir para baile, para música ou outros entretenimentos. O salão Império poderia ser usado para servir o café depois do jantar, visto comunicar com a sala de jantar. No piso superior são os quartos e as instalações sanitárias. A copa, a sala e o oratório estão virados a norte, estando estes dois últimos por cima da sala de jantar. A inclusão destes dois espaços remete-nos para uma certa privacidade e aconchego familiar, visto estarem virados para o parque envolvente. A presença espiritual é assim expressa pelo oratório, que tem o teto, os lambris, e um móvel, com espelho em madeira. Toda esta decoração ao gosto Jugendstil assemelha-se com a do gabinete de trabalho e com a da sala de almoço15. O piso superior segue quase a mesma distribuição mas, a sul, há o Atelier com loggia. Este foi também decorado ao gosto Jugendstil, como os espaços atrás referidos. Esta decoração moderna estendeu-se ao mobiliário remanescente16. Nos cortes analisados, o desenho arquitectónico e decoração propostos por Ventura Terra diferem do existente, exceto o átrio e o Hall (Collares, 1911b: 35) (AML, 1902, l. 1). 15Tem um candeeiro de suspensão, com pesos, para gás, ao gosto Arte Nova em cromo-níquel. 16 As madeiras empregues nas salas de jantar, de almoço, e noutras salas, vieram diretamente da ilha de São Tomé. Foram trabalhadas nos diversos trabalhos que as decoram e o artista que as trabalhou foi José Pedro dos Santos. Noutra publicação, diz-se que o artista se chamava José Pedro de Sousa, e que o trabalho e 500 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 20 – Planta do primeiro andar do Palacete Mendonça (Collares, 1911b: 34). Na visita realizada por nós, no dia 23 de Julho de 2016, veriicamos a existência de grande parte da luminária original para parede e teto, sendo a maioria composta por candeeiros mistos para gás e eletricidade. A nível de azulejaria, notamos o seguinte: os painéis no jardim de inverno estão assinados “M. Just., Caldas da Rainha, 1906”; os painéis decorativos de uma das instalações sanitárias estão assinados “Hel. Eisenbart, 1905”. O edifício encontra-se em bom estado de conservação. 1904 – Capela Nossa Senhora do Monte, Mirandela Na obra do arquiteto Alfredo Maria da Costa Campos (ver Costados Número 4) há um projeto para uma capela, encomendado por J. Pereira, para “… ser executado n’uma propriedade do concelho de Mirandella. competência demonstrados eram pouco vulgares (Collares, 1911b: 35-36). Desde 2011 que temos vindo a recolher informação acerca do trabalho de artistas, fornecedores e manufaturas que intervieram em projetos de arquitetura no início do século XX. Ora, o nome deste artista só aparece associado a esta obra. Não sabemos se foi efetivamente o projetista desde extraordinário conjunto de mobiliário e decoração, marcadamente Jugendstil, ou o seu executante. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 501 502 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” A pequenina, mas interessante capella, é ediicada para commemoração de familia, no cume de um monte e sob a invocação de N. S. do Monte. De uma grande simplicidade, como o exige o im que se propõe, o seu orçamento, segundo os preços locaes deve regular por 8000$000 réis. A construcção é de alvenaria, cantaria e tijolo, aproveitando da cobertura o madeiramento como elemento decorativo. O resto da decoração interior é em estuques.” (Collares, 1904a: 139) Nos desenhos então publicados, constatamos que o projeto se baseou nos templos religiosos construídos naquela região nos séculos anteriores. Tanto a nível de planta, como de volumetria, como do campanário no topo da cumeeira e na fachada principal, entre outras características. O que o afasta dos seus congéneres é o desenho arquitectónico da porta principal, encimado ao que parece pelo brasão da família, da cimalha, do campanário, entre outros pormenores, ao gosto românico. Contrastando com este último, a janela lateral foi projetada ao gosto gótico. O corte pelo interior informa-nos que o soalho seria de madeira, o teto no mesmo material e com as vigas à mostra. Este seria decorado e terminaria no altar, aparentemente projetado ao gosto românico. A investigação encetada não nos permitiu concluir se esta capela foi construída. 21 – Projeto da Capela Nossa Senhora do Monte, conforme foi publicado em A Construcção Moderna (Collares, 1904a: 137). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 503 1905 – Casa General Augusto Sebastião de Castro Guedes Vieira, Avenida Fontes Pereira de Melo n.º 41, Lisboa Esta moradia começou a ser construída em 1905 para o General Augusto Sebastião de Castro Guedes Vieira (AML, 1905a, l. 1), cunhado do famoso ator Augusto Rosa. O autor do projeto foi o seu primo Ernesto Higino Vieira Dias, condutor de obras públicas17 (ver Costados Número 5). O desenho arquitetónico era sóbrio, sendo o da verga dos vãos o mais elaborado. Aqui, o oratório e a despensa são o núcleo central da habitação, em torno do qual havia um corredor, separando assim diferentes zonas. A nascente era a entrada e a sala de espera, espaço de transição para o interior do lar e para o quarto de hóspedes. Os restantes espaços a nascente eram o escritório, a sala e o toilette. A norte eram os quartos de cama. A poente, a instalação sanitária, a sala de jantar e a cozinha. A sul era o quarto da criada e o já referido quarto para hóspedes. O oratório, na descrição, no corte e em planta, parece ter tido uma grande superfície envidraçada. Esta estava à mesma altura, e pouco mais abaixo, que as bandeiras das portas interiores. A porta estava virada para a zona dos quartos. O sótão não era aproveitado (Collares, 1907: 66). O edifício foi ampliado, em 1937, pela proprietária Laura Pimentel. O autor do projecto foi então Artur Schiappa Monteiro de Carvalho, engenheiro civil. Foi demolido em Maio de 2016. 1905 – Capela de Nossa Senhora da Conceição, Avenida Marginal n.º 6368B, São João do Estoril Na Avenida Marginal, em São João do Estoril, António José de Carvalho mandou construir uma capela, numa malha urbana já consolidada, com várias 17 O construtor civil responsável foi António Pio dos Santos. 504 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro moradias e edifícios. Não sabemos qual o motivo para a sua ediicação, se para uso privado ou comunitário. O autor do projeto parece ter sido o arquiteto Manuel Joaquim Norte Júnior18 (AHMC, 1905, l. 1)19. O desenho arquitetónico é inspirado no período românico. Expresso na volumetria, na porta, no óculo e no campanário (construído no eixo de simetria e na cumeeira), entre outros detalhes. O interior é de uma só nave. O altar está separado por um arco de volta perfeita e tem duas portas laterais para a sacristia. A capela encontra-se aberta ao culto em dias especíicos semanais. 22 – Fachada principal da Capela de Nossa Senhora da Conceição (Fotograia do autor). 18 Na investigação realizada desde 2011 constatamos o seguinte: a grande maioria dos projetos conhecidos de Norte Júnior entre 1903 a 1920 não estão assinados. No colóquio organizado em 2014 sobre a vida e obra do arquiteto, focámos essa constatação. O projeto da capela não está assinado mas, o tipo de letra, o desenho e outras particularidades parecem ser da autoria de Norte Júnior, daí a nossa atribuição. 19 O portão em ferro foi feito por J. M. Pires. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 505 1905 – Casa Francisco de Paula Osório Saraiva, Avenida da Republica n.º 32, Lisboa Na então Avenida Ressano Garcia, foram adquiridos três lotes para construção. Estes faziam um “L”, com entrada secundária pela Avenida Hintze Ribeiro (hoje Miguel Bombarda). Nos lotes virados para a Ressano Garcia foi construída uma moradia, ladeada por dois portões. No jardim havia um tanque, uns canteiros e uma horta. O proprietário foi o engenheiro civil e capitão de Infantaria Francisco de Paula Osório Saraiva (ver Costados Número 6). Não sabemos o autor do projeto e o construtor foi João Maria Sequeira. Esta moradia também igurou nas ilustrações do famoso artigo Lisboa Monumental, atrás referido. O desenho arquitetónico, disposição em planta e o núcleo central parecem ter sido inspirados no trabalho do arquiteto italiano Andrea Palladio. Da entrada principal, entrava-se para um vestíbulo e uma escadaria. Ao cimo desta estava uma antecâmara. Para norte era a sala de entrada (com terraço exterior coberto) e depois a sala de visitas. Para sul era o escritório (com terraço exterior coberto, simétrico ao anterior) e a sala de bilhar. Para nascente era o átrio central, com triplo pé-direito e janelas exteriores no topo. Este era o núcleo central da habitação, separando por zonas distintas os espaços interiores. Para norte era um quarto, com terraço exterior, a escadaria de serviço, e um corredor virado a nascente. Neste, para norte, estava a despensa e a cozinha. Do outro lado era o oratório e a sala de jantar. A sala de jantar estava no eixo de simetria do átrio central, separada deste por uma antecâmara. Terminava numa loreira, semicircular em planta, e num terraço exterior com uma escadaria para o jardim. Do outro lado da sala de jantar, e simetricamente, havia uma sapateira, em vez do oratório, e um corredor. Para sul era a sala de costura e um quarto. Na mesma orientação cardial havia outro quarto, com terraço exterior coberto, uma antecâmara para uma instalação sanitária e a referida sala de bilhar (AML, 1905c, l. 1). Nesta habitação, o oratório estava situado na zona de serviço, como uma presença espiritual para todos os que nela habitavam ou trabalhavam. 506 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro A moradia foi demolida em 1942. O mesmo Francisco de Paula Osório Saraiva parece ter sido quem mandou construir duas moradias no Monte Estoril (AHMC, 1898a, l. 1) (Fevereiro, 2011: 187). Na década de trinta do século passado foram alteradas para posto telégrafo. Hoje em dia estão devolutas. 1905 – Casa Senhora Dona Olympia de Macedo Branco, Avenida da República n.º 45 a 45A e Avenida Visconde de Valmor n.º 29, Lisboa No lado oposto ao da Casa Francisco de Paula Osório Saraiva, começou a ser construída, no mesmo ano, uma moradia para a Senhora Dona Olympia de Macedo Branco (ver Costados Número 7). O autor do projeto foi o arquiteto Álvaro Augusto Machado (Collares, 1905b: 113-114) e foi construída por Vieillard & Touzet. Este projeto teve, com base na “… economia desejada pela proprietaria, todas as janellas (...) construidas em tijolo, revestido de cimento e ingindo a tinta de oleo.” (AML, 1905b, l. 2) Álvaro Machado originalmente conjuga dois volumes, unidos por um corpo onde estava a escadaria e vestíbulo principal. Este estava no eixo do ângulo das duas avenidas. No exterior, tinha um terraço com escadaria e portão exterior, funcionando como uma antecâmara. Nos volumes referidos, as seis janelas do rés-do-chão acentuavam a perceção de horizontalidade. No primeiro andar, foi “subtraído” um bocado e havia uma porta-janela com varanda, cuja largura era superior aos vãos atrás referidos, acentuando uma certa verticalidade. Desta manipulação volumétrica, adveio o interior da habitação, dividido por zonas. No volume para a Avenida da República, no rés-do-chão, havia um vestíbulo (com entrada exterior para o referido terraço), uma saleta e um salão. Estes espaços estavam separados por um corredor interno e, do outro lado, estava o escritório, o oratório e a sala de costura. Aqui, o oratório separava o ambiente masculino do feminino, além de ser uma presença espiritual. No outro volume estava a sala de bilhar 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 507 (com entrada exterior para o terraço mencionado) e a sala de jantar. Havia outro corredor, a cozinha (com vestíbulo para a entrada de serviço e uma instalação sanitária para os criados), a copa, a despensa e a instalação sanitária. No piso superior eram os quartos de cama e uma instalação sanitária (AML, 1905b, l. 1) (Fevereiro, 2011: 133-162). Esta moradia foi demolida em 1966. 23 – Planta do rés-do-chão da Casa Senhora Dona Olympia de Macedo Branco (Collares, 1905b: 113). 1906 – Casa José Cândido Branco Rodrigues, Avenida da República n.º 36 e Avenida Visconde de Valmor n.º 27, Lisboa No lote de gaveto oposto à da Casa Olympia de Macedo Branco foi construída uma moradia para José Cândido Branco Rodrigues, fundador do Instituto dos Cegos «Branco Rodrigues» (C. A., 1909: 187-189) (ver Costados Número 8). Começou a ser construída em 1906 (AML, 1906, l.1) e icou terminada em 1908, obtendo a Menção Honrosa do Prémio Valmor. O arquiteto foi Manuel Joaquim Norte Júnior20. 20 Os restantes intervenientes foram: António Francisco Guerreiro (construtor n.º 151), Manuel Pires 508 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Esta moradia foi elogiada na imprensa da época, como exemplo inspirador para as futuras construções daquela zona de Lisboa (Collares, 1909: 90). Foi construída dentro do lote, com muros em pedra e ferro. O edifício era formado pela conjugação original de três volumes. O primeiro volume era o vertical, que continha o vestíbulo (os vãos tinham vitrais), a caixa de escadas e, no terceiro piso, a sala de bilhar. Adossado a este, para norte, havia um segundo volume que tinha um Gabinete da Senhora, o qual tinha um oratório privado. Os vãos destes espaços tinham uma quadrícula. O terceiro volume estava situado a sul, cujas fachadas avançavam ou recuavam conforme o interior, privilegiando assim a intimidade doméstica. No rés-do-chão havia o escritório e a sala de jantar, virados para a avenida. A zona da cozinha e apoio estavam viradas para a fachada tardoz e lateral. Um corredor em forma de “T” separava cada zona. No primeiro andar era a sala, o quarto de hóspedes, o quarto de cama, o toilette, o guarda-roupa e a instalação sanitária. O volume vertical era o mais expressivo de todos, pelo seu desenho arquitetónico, pelos vãos com vitrais e pela varanda da sala de bilhar. O aspeto geral dava a impressão de movimento, o “… que lhe dá um aspecto de um ediicio medieval, com o seu torreão que em um dos angulos domina a massa geral da construcção, a casa Branco Rodrigues agrada á vista sem nos fatigar com a minucia do seu detalhe primoroso. O mais importante aspecto da casa é pelo lado da Avenida Ressano Garcia. Predominando na sua composição reminiscencias do estylo romanico, lembra pela imponente loggia que encima a entrada principal e pela varanda que lhe serve de coroamento uma das modernas villas italianas. O arco que sustenta o terraço ao sul do terreão mais ainda accentua este caracter especial.” (Machado, 1908: 37-38) Os cunhais tinham um aparelho rústico e o revestimento era em pedra irregular. Esta solução foi original, pois na maioria dos edifícios o revestimento em pedra irregular restringia-se ao rés-do-chão. A moradia foi demolida em 1950. (construtor n.º 25, pela Companhia de Crédito Ediicadora Portugueza), Vicente Joaquim Esteves (serralharia) e Cláudio Augusto de Azambuja Martins (vitrais). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 509 24 – Casa José Cândido Branco Rodrigues, na fachada lateral o volume onde era o oratório e o Gabinete da Senhora. A fachada lateral da Casa Francisco de Paula Osório Saraiva é visível no lado direito (Fonseca e Achilles, 1908: Intercalar XX). 25 – Planta do rés-do-chão da Casa Branco Rodrigues (Collares, 1909: 89). 1906 – Capela Nossa Senhora da Conceição, Rua das Palmeiras n.º 2 a 4, Alto do Estoril No Alto do Estoril foi construída uma capela para D. Henrique de Alarcão. O autor do projeto foi o construtor civil cascalense José Teixeira dos Santos. A capela tem pormenores ao gosto românico mas, nos vãos laterais, as vergas são ao gosto gótico. No interior há uma só nave, com o altar num presbitério. Este foi desenhado ao gosto setecentista, com um óculo virado a poente (AHMC, 1906, l. 1). Não sabemos qual a intenção na construção desta capela. Parece ser de uso privado e exclusivo dos proprietários. Foi construída no jardim de uma moradia erigida em 1898, segundo projeto do desenhador Paul Leonard Gaston Landeck (AHMC, 1898b, l. 1). Os dois edifícios encontram-se bem preservados. 510 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 1906 – Quinta dos Lagos, Largo Fernando Formigal de Moraes n.º 9, Sintra Na Quinta dos Lagos foi construída uma moradia para Fernando Formigal de Morais. A propriedade também é conhecida por Parque Amélia, em homenagem a Amélia Rosa de Jesus Formigal, mãe do anterior. O pai era Domingos José de Morais, conhecido industrial. A moradia foi construída a meio do parque, num terreno em declive, e projetada pelo arquiteto Francisco Carlos Parente da Silva (ilho do arquiteto Domingos Parente da Silva)21. O portão principal ica no limite norte da propriedade, tendo sido projetado pelo arquiteto Norte Júnior. O caminho adapta-se ao terreno, serpenteando entre arvoredo, até chegar a um promontório onde está a moradia. Desta forma, tinha-se uma vista sobre a paisagem envolvente e para os principais monumentos, hoje tapada pela vegetação. A moradia é formada pela intersecção de volumes. Estes separam cada zona de acordo com a função, além de um determinado enquadramento paisagístico e de relação com o parque exterior, através de varandas, de terraços e de escadarias. A esse conjunto de volumes, foi adossado um vertical, que é a torre. Está recuada em relação às fachadas e, no rés-do-chão, é a entrada principal; nos restantes pisos, é a escadaria que conduz ao mirante. Desta forma, o interior da habitação ica resguardado. Este vestíbulo tem outra porta que conduz ao interior da capela. Esta foi adossada à torre, tem uma escadaria exterior de dois lanços e está virada para o promontório referido. No interior há uma nave e um presbitério com altar. As paredes interiores foram “… ornadas a lambrís de azulejos recortados e pintados com assumptos sacros. Tem um bello altar em lioz, e, como em geral todas as peças da ediicação é elegante e de bom gosto.” (Collares, 1908: 30) Os azulejos são da autoria do pintor José António Jorge Pinto. As cercaduras são ao gosto românico (Fevereiro, 2011: 569) e a restante decoração é ao gosto setecentista. A capela foi dedicada a Santa Rosa e inaugurada, assim como a casa, no dia 15 de Agosto de 1909. A inauguração foi assinalada por “… benemeritos actos de caridade, seguindo a tradição de familia em que a crença de nossos maiores e o espirito 21 Os restantes intervenientes foram: Zacarias Gomes Lima (construtor n.º 49), Manuel Joaquim Norte Júnior (arquitecto, projectista do portão principal em ferro forjado), Cláudio Augusto de Azambuja Martins (vitrais) e José António Jorge Pinto (azulejos). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 511 512 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” caridoso são proverbiaes. Assim, numa justa compreensão da amorável lei cristan, o acto religioso da sagração da capela, pelo sr. arcebispo de Mitilene, foi seguido da distribuição de vestuario a 250 creanças pobres, quasi todas ilhas de operarios que trabalharam nas obras da sua casa, em numero de uns cem, e que tambem receberam fatos novos. Quantas alegrias de almas e quantas bençãos do ceu não se espalharam sobre aquella inauguração! O relato de uma festa assim entra nos dominios da Chronica do Bem, já que, infelizmente, tanto ha a registar na Chronica do Mal.” (Silva, 1909: 195) Na inauguração, esteve toda a família Formigal de Morais e seus convidados. O desenho arquitetónico da moradia, da torre com mirante e da capela, é ao gosto românico, realçado por detalhes ao gosto da casa à portugueza. 26 – Fotograias da festa de inauguração da Quinta dos Lagos (Novaes, 1909: 260). Coleção do autor. 27 – Planta do rés-do-chão da Quinta dos Lagos (Collares, 1908: 30). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 513 1908 a 1910 – Casa Eloy Castanha ou Quinta da Fonte da Prata, Bairro da Quinta da Fonte da Prata, Moita A Casa Eloy Castanha (ver Costados Número 9) ou Quinta da Fonte da Prata já estava construída em 1910. O autor do projeto foi o desenhador e construtor civil Guilherme Eduardo Gomes (ver Costados Número 10). O desenho arquitetónico foi inspirado no tipo de “… casa solarenga, de que ainda se vêem restos nas nossas provincias, dando talvez a nota da verdadeira architectura nacional, assumpto que, embora muito discutido, não esta ainda bem esclarecido.” (Collares, 1910: 130) Guilherme Eduardo Gomes parece ter-se dedicado especialmente à observação da arquitetura portuguesa, percorrendo “… o país em todas as direcções e em todos os pontos tem colhido elementos de estudo para o seu trabalho e dispersos por diferentes terras, existem já felizes adaptações devidas ao seu esforço, boa vontade e grande gosto artístico.” (Collares, 1915: 106) Efetivamente, na obra do projetista constatamos que, a partir de 1899, dedicou-se à questão da casa à portugueza, como na obra que temos vindo a levantar. O projeto para Eloy Castanha tem semelhanças com “… uma residencia do seculo XVIII ediicado no seculo XX, mas que parece ter, realmente a antiguidade que a sua arquitectura indica.” (Collares, 1915: 106) A janela no ângulo da fachada foi copiada do Palácio de Sintra. Os painéis em azulejo exteriores foram pintados por Pereira Cão, pseudónimo do pintor José Maria Pereira Júnior. Os lambris em azulejo do terraço foram copiados, em aguarela, pelo projetista, dos existentes no Convento da Madre de Deus. Os lambris interiores da sala da música também foram copiados da mesma forma, mas são do Convento de Santa Marta. Estes azulejos copiados foram posteriormente pintados e cozidos na fábrica do Rozeira. Na sala de jantar, o lustre do teto foi desenhado por Guilherme Eduardo Gomes. O mobiliário era antigo, devidamente restaurado, e outro copiado ielmente dos modelos tradicionais portugueses (Collares, 1914: 17-20). O edifício desenvolve-se em vários corpos, interligados entre si. A fachada principal encontra-se orientada para sudeste. Ao lado do torreão sul, foi construída a “… capelinha, parte obrigada das antigas casas solarengas, cuja tradição se vae perdendo, mostra bem, exteriormente, a posição em que foi colocada na fachada, 514 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro tendo a sua porta antecedendo o adro, seguindo-se depois a fachada principal, a qual tem por sobre a porta o rosaceo, com vitrais de côres, que dá ao interior um claridade difusa e mistica.” (Collares, 1914: 18) 28 – Fachada principal do torreão e da capela (Guedes, 1914: 17). 29 – Planta do rés-do-chão da Casa Eloy Castanha (Collares, 1914: 18). A capela foi construída entre o torreão e o corpo principal da habitação, sem aparente ligação com o seu interior. A fachada encontra-se recuada em relação aos referidos corpos, com um muro em alvenaria e degraus. Na fachada principal estava o sino, com um suporte em ferro. O desenho da porta é ao gosto manuelino. O interior é ao gosto seiscentista, nomeadamente nos lambris em azulejo e desenho arquitetónico. O presbitério tem um altar, ao gosto setecentista, e no projeto original foi proposta uma clarabóia, que não foi realizada. O mobiliário original era composto por genulexórios e por cadeiras ditas rabo-de-bacalhau. A forma como esta capela foi construída parece indicar que estava aberta para todos os habitantes ou trabalhadores desta quinta. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 515 Infelizmente, o edifício está devoluto e muitos painéis em azulejo desapareceram. 30 – Interior da capela (Guedes, 1914: 18). 1910 – Vila Catatau, Estrada de Benica n.º 198 a 200, Lisboa A Vila Catatau foi construída no interior de um terreno, sobrelevado em relação à Estrada de Benica. Para sobressair a nova moradia e relacioná-la com o referido arruamento, demoliu-se um edifício para se construir um muro, um portão e uma escadaria para a moradia. A proprietária era a Senhora Dona Elvira Augusta Correia de Freitas Rosa e o autor do projeto 516 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro foi o arquiteto Manuel Joaquim Norte Júnior (AML, 1910a, l.1)22. A moradia desenvolvia-se de forma inovadora num corpo horizontal, adaptando-se ao angulo que a extremidade sul fazia com o referido arruamento. Na fachada principal havia o mirante, cujo corpo dava a impressão de verticalidade em contraste com o referido corpo. A moradia tinha uma escadaria exterior para a entrada principal na fachada lateral, seguida do Hall, ponto de distribuição para as diferentes zonas ou espaços que eram: a sala virada a sul para a fachada principal, com terraço exterior coberto; o escritório para nascente; a escadaria principal também para nascente; um corredor longitudinal; uma sala de costura para poente e uma saleta, também virada a poente. No corredor havia portas para a sala de jantar, que tinha um terraço para poente e uma estufa para norte. Do outro lado do corredor era a sala de estudo, uma sala, a escadaria de serviço, a cozinha e a copa. No primeiro andar eram os quartos, os toilettes, as instalações sanitárias e uma capela. Este espaço situava-se por cima da saleta do rés-do-chão. As janelas viradas a sul tinham uma quadrícula, simulando vitral (a janela do rés-do-chão tinha um desenho arquitetónico diferente). A janela virada a poente tinha o mesmo desenho que as restantes nesse piso, mas a caixilharia era diferente, pois era para iluminar o altar no seu interior. Os vitrais eram da oicina de Cláudio Augusto de Azambuja Martins e os móveis e madeiramentos da Marcenaria Moderna (Collares, 1912b: 66). Nesta habitação, a capela estava acessível a todos os seus habitantes pelo Hall do primeiro andar, mas também tinha uma entrada pelo toilette de um dos aposentos. Na cave, havia uma despensa, a casa forte, a sala de bilhar e várias arrecadações. No sótão, havia o quarto para engomados, a instalação sanitária, o referido mirante e vários quartos. A Vila Catatau foi demolida em 1965. 22 Os restantes intervenientes foram: Manuel Pires (construtor n.º 25 pela Companhia de Crédito Ediicadora Portugueza), Vicente Joaquim Esteves (serralharia), Gabriel Constante (decorações), Manuel Viegas (decorações), Marcenaria Moderna (capela), Julio Gomes Ferreira & C.ª Ld.ª (instalações eléctricas) e Cláudio Augusto de Azambuja Martins (vitrais). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 517 31 – Fachada lateral da Vila Catatau, a capela destaca-se pelo desenho dos vãos e a respetiva caixilharia (Collares, 1912b: 65). 32 – Planta do primeiro andar da Vila Catatau (Collares, 1912a: 2). 518 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 519 1910 – Vila Sousa, Alameda Linhas de Torres n.º 22 e Azinhaga de Entremuros, Lisboa A moradia construída para José Carreira de Sousa foi galardoada com o Prémio Valmor de 1912. O autor do projeto foi o arquiteto Norte Júnior (Collares, 1912c: 90)23, onde explorou de novo a relação do edifício com a rua, como no anteriormente descrito. Neste caso, o jardim funcionava como um promontório sobre a alameda, com uma cascata e canteiros. A moradia estabelecia ligações com a envolvente através de escadarias e de terraços. Desenvolvia-se num corpo horizontal com o mirante na fachada principal, virado a poente, dando de novo a impressão de verticalidade. A entrada principal era na fachada lateral e, no patamar, havia uma porta para o vestíbulo e uma independente para o escritório. O vestíbulo era de novo o ponto de distribuição para a sala, para a sala de bilhar (ambas a poente e para a fachada principal) e para o corredor longitudinal. Do lado esquerdo deste corredor, para norte, era o referido escritório, a saleta, a retrete e a sala de costura. Do lado direito era a sala de jantar, que também tinha uma porta para a sala de bilhar, com um terraço e escadaria exterior para sul. O corredor terminava num segundo vestíbulo, separando assim as zonas sociais da cozinha e dos quartos de cama. O corredor continuava e, para sul, era a cozinha, a copa, a despensa, a lavagem de pratos (estes comunicavam com a sala de jantar), a escadaria de serviço, e os três quartos de cama. Para norte era o quarto de cama principal, uma instalação sanitária e o toilette, que, no projeto inicial, tinha uma entrada privada para a capela. Desta forma, o carácter intimista do culto estava reservado aos proprietários. Porém, durante a construção, o volume da capela muda. Esta passou a estar no im do corredor, acessível a todos os moradores. O desenho arquitetónico da capela era sóbrio, com inluências do românico, e tinha um vão no altar (AML, 1910b, l.1). A Vila Sousa encontra-se devoluta. 23 Os restantes intervenientes foram: Zacarias Gomes Lima (construtor nº 49), Castro (cantarias), Manuel Soares Trigo (estuques) e Benvindo António Ceia (pinturas decorativas interiores). 520 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Conclusão O estilo arquitetónico mais recorrentemente utilizado neste período foi o românico. A volumetria, o despojamento e os elementos decorativos sóbrios foram explorados de maneira muito distinta por cada um dos projetistas. Em alguns projetos, o interior foi desenhado no mesmo gosto mas, noutros, recorreu-se a conceitos espaciais e decorações de séculos posteriores, com especial ênfase no século XVII e no XVIII. Efetivamente, ao gosto deste último século foram construídas algumas capelas. Neste período, o interior doméstico era dividido por zonas, que se complementavam e com uma função especíica. Nalgumas o espaço religioso foi incorporado nas áreas reservadas aos elementos femininos, como salas para costura ou nas extremidades dos aposentos privados. Noutros, estava no centro do lar, como uma presença perene e espiritual para todos. Contudo não há um io comum a todos estes espaços religosos, o que parece indicar um desejo muito especíico por parte do proprietário ao encomendar o projeto. A maioria destas habitações com espaços religiosos foram demolidas, tendo sobrevivido poucos registos fotográicos do seu interior. A motivação para a sua construção tem como principio a fé. Por outro lado, há um desejo terreno, que é a ascensão de uma burguesia sequiosa de se fortalecer através dos valores aristocráticos, além de ser uma airmação pessoal e de poder no campo social. Todos estes edifícios simbolizam o apogeu do modo de viver e de se expressar da burguesia, que gradualmente desapareceu na alvorada do século XX. 33 – Ilustração na obra Vida de Santa Ana, editado em português pela Litograia Sauer e Barigazzi, Bologna, posterior a 1886. Pertenceu à trisavó do autor, a Senhora Dona Teresa Alexandrina Ermelinda Machado da Câmara. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 521 Anexo No decurso da investigação efetuámos uma pesquisa genealógica de algumas das individualidades mencionadas. Aqui apresentamos linhas de costado, datas e outras informações inéditas, como é o caso do referente ao arquiteto Alfredo Maria da Costa Campos. As linhas de costado aqui desenvolvidas têm como objetivo compreender que tipo de família habitava nos edifícios analisados, de modo a melhor entendermos o projeto arquitetónico e a forma como foi deinido o seu interior. Nas linhas de costado, seguimos a seguinte ordenação: (*) signiica nascimento, (†) signiica óbito e (c.) data aproximada do nascimento. O local inicia na sede de concelho, seguido da freguesia. Costados Número 1 – Família Biester e suas ligações24 1º 1. Ernesto Augusto Biester * Alemanha, Lübeck, São Pedro. Casou com Mariana Inocência Verdier (2.º, n.º 3), ilhos: 2. Antónia * Lisboa, Sacramento 03.09.1781 2. Ernesto Augusto Biester * Lisboa, Sacramento 02.03.1783. Casou Lisboa, Encarnação 27.01.1806 com Isabel Justina Loureiro (3.º, n.º 3) 2. Mariana Ernesta Biester * Lisboa, Sacramento 18.12.1785. Casou Lisboa, Sacramento 07.05.1814 com António Mazzioti * Lisboa, Loreto (ilho de Vicente Mazzioti25 e de Gertrudes) 2. Frederico Biester * Lisboa, Sacramento c.1789 † Lisboa, Sacramento 11.09.1865 às 8:30H. Casou Lisboa, Sacramento 23.04.1827 com Maria da Luz de Ataíde * Lisboa, Encarnação (4.º, n.º 5), ilhos: 24 Para mais informação sobre a família Biester, consultar a obra Genealogias de São Tomé e Príncipe (Forjaz, 522 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 3. Ernesto Biester * Lisboa, Encarnação 17.08.1828 3. Maria da Assunção Biester * Lisboa, Encarnação 15.08.1829. Casou Lisboa, Sacramento 05.04.1851 com José Pedro de Barros de Lima * Porto, São Nicolau (ilho de José Pedro de Barros Lima e de Ana Margarida da Graça Fernandes) 3. Amália Biester * Lisboa, Encarnação 05.06.1830 3. Frederico * Lisboa, Encarnação 06.07.1831 3. Frederico Biester * Lisboa, Mártires 16.02.1833 † Lisboa, Mercês Rua do Século, Palácio Ratton 29.04.1899 às 11:30H. Casou Lisboa, Sacramento 22.09.1870 com Amélia de Freitas Chamiço (5.º, n.º 4) 3. Rosa Mariana Biester * Lisboa, Mártires 13.11.1834. Casou Lisboa, Sacramento 27.11.1858 com José da Silva Mendes Leal * Lisboa, Socorro (ilho de José da Silva Mendes Leal e de Maria Domingas da Ascenção Botelho Barbosa) 3. Adolfo * Lisboa, Mártires 12.12.1836 2º 1. Jean Lecussan. Casou com Jeanne Dardignac, ilho: 2. Miguel Lecuçan ou Lucussan ou Lecussan Verdier * França, Saint-Bertrand-de-Comminges (?), Aurignac, freguesia de São Pedro. Casou Lisboa, Madalena 22.08.1743 (registado de novo a 28 de Agosto de 1760, por o original se ter perdido no incêndio posterior ao terramoto) com Antónia Teresa Vieira * Porto de Mós, Santa Maria ou Nossa Senhora dos Murtinhos (ilha de Domingos de Matos Cardoso e de Felícia Caetana Vieira), ilhos: 3. Ana Isabel Lecuçan Verdier * Lisboa, São Nicolau 23.02.1745 3. Mariana Inocência Lecuçan Verdier * Lisboa, São Nicolau 15.12.1750. Casou com Ernesto Augusto Biester (1.º, n.º 1) 3. Timóteo Lewsan ou Lecuçan Verdier * Lisboa, São Nicolau 03.10.1752. Casou Lisboa, Sacramento com Helena Frizoni * Lisboa, São Paulo, ilhos: 2012) e Claudina de Freitas Guimarães Chamiço (Gomes, 2010). 25 Comendador da Ordem de Cristo. Casou a primeira vez Lisboa, Sacramento com Francisca Adelaide de Metzener * Lisboa, São Mamede † Lisboa, Encarnação, ilha de Arnaldo Henrique Metzener e de Francisca. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 523 4. Lucrécia * Lisboa, Sacramento 27.12.1786 4. Ana Verdier * Lisboa, Sacramento 01.07.1786. Casou Lisboa, Mártires 05.11.1804 com o primo Daniel Frizoni (ilho de Fortunato Frizoni e de Lucrezia …mache) 3. Helena * Lisboa, Sacramento 13.04.1790 3. Mariana Verdier * Tomar, São João Baptista. Casou Lisboa, Mártires 15.05.1811 com João Batista Billiot * Rússia, São Petersburgo, São Luís (ilho de Francisco Billiot e de Henriqueta Futone (?)) 3. Antónia Verdier * Tomar, São João Baptista. Casou Lisboa, Mártires 05.11.1816 com Gaspar Winteler * Suíça, Les Moulins (ilho de Friedrich Winteler e de Rosina Sendereuher) 3. Carlota João Verdier * Tomar, São João Baptista. Casou Lisboa, Mártires 05.11.1820 com José Basílio Rademaker (7.º, n.º 4) 3.º 1. Domingos Jorge Ferreira. Casou com Isabel Antónia Joaquina de Melo, ilhos: 2. Ana Isabel Joaquina Ferreira. Casou Lisboa, São Paulo Oratório das Casas de Domingos Jorge Ferreira (cavaleiro do Hábito de Cristo) 05.06.1781 com Domingos Gomes Loureiro * Vila Nova de Famalicão, Sezures (ilho de Manuel Gomes e de Rosa Maria Loureiro), ilhos: 3. Isabel Justina Loureiro * Lisboa, Mártires. Casou com Ernesto Augusto Biester (1.º, n.º 2) 4.º 1. António da Rosa. Casou com Ana…, ilho: 2. Jerónimo da Rosa. Casou Sobral do Monte Agraço, Sapataria 29.06.1727 com Apolónia Maria Teresa * Sobral do Monte Agraço, Sapataria26, ilho: 26 Filha de Sebastião Coelho (alferes) e de Maria Ferreira, os quais foram também pais de João Coelho e de Francisca * Sobral do Monte Agraço, Sapataria bp 06.09.1711 524 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 3. Sebastião Coelho de Ataíde * Sobral do Monte Agraço, Santo Quintino 29.05.1733. Casou Lisboa, São Martinho Oratório da Cadeia do Limoeiro27 15.10.1755 com Mariana Quitéria * Sobral do Monte Agraço, Santo Quintino 07.11.1733 (ilha de João da Costa * Sobral do Monte Agraço, Sobral do Monte Agraço e de Antónia Francisca * Sobral do Monte Agraço, Santo Quintino), ilho: 4. Joaquim Coelho de Ataíde * Sobral do Monte Agraço, Santo Quintino 22.02.1760. Casou Lisboa Santos-o-Velho (registado na da Encarnação) Ermida Nossa Senhora dos Prazeres do Conde de Lumiares 31.11.1797 com Rosa Mariana Lider28, ilhos: 5. Maria da Luz de Ataíde * Lisboa, Encarnação. Casou com Frederico Biester (1.º, n.º 2) 5. Joaquim Coelho de Ataíde. Casou Lisboa, Encarnação 18.09.1833 com Maria da Conceição Josefa * Lisboa, São Sebastião da Pedreira (ilha de José T… ou Tuxo (?) e de Maria Madalena Tev…) 5.º 1. Braz de Oliveira Chamiço. Casou com Ana Luísa, ilho: 2. Fortunato de Oliveira Chamiço * Porto, São Nicolau. Casou com Cândida Margarida de Oliveira (ilha de António José Soares da Costa e de Custódia Claudina Pacheco), ilhos: 3. Eduardo Chamiço * Porto, São Nicolau. Casou Porto, Cedofeita Igreja de São Martinho 11.07.1857 com Ema Paulina Archer * Porto, Santo Ildefonso (ilha de Tomás Archer e de Leonor José de Pinho e Sousa) 3. Francisco de Oliveira Chamiço * Porto, São Nicolau 24.02.1819 † Lisboa, Mártires 21.03.1888. Casou Lisboa, Mártires 18.12.1848 com Claudina Ermelinda de Freitas Guimarães (6.º, n.º 3) 27 O casamento também foi registo na freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Santo Quintino, Sobral de Monte Agraço. 28 Filha do Capitão José André Lider * Lisboa, Pena ou Santa Justa e de Tomásia Maria Fravega (?) * Lisboa, Loreto (Igreja dos Italianos), os quais casaram Lisboa, São Sebastião da Pedreira 21.08.1774, ele 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 525 3. Fortunato de Oliveira Chamiço. Casou com Ana Margarida de Freitas Guimarães (6.º, n.º 3), ilha: 4. Amélia de Freitas Chamiço * Lisboa, Encarnação 28.07.1843 † Lisboa, Mercês Rua do Século, Palácio Ratton 14.12.1900 às 23H (não fez testamento). Casou com Frederico Biester (1.º, n.º 3) 6.º 1. José Bernardo de Freitas. Casou com Josefa Maria, ilho: 2. Manuel José de Freitas Guimarães. Casou com Ana Augusta Cândida Cyco * Porto, Miragaia (ilha de Tomé Francisco Cyco e de Joana Margarida), ilhos: 3. Claudina Ermelinda de Freitas Guimarães Chamiço * Porto, Miragaia 12.12.1821. Casou com Francisco de Oliveira Chamiço (5.º, n.º 3) 3. Ana Margarida de Freitas Guimarães. Casou com Fortunato de Oliveira Chamiço (5.º, n.º 3) 7.º 1. Jan Rademaker. Casou com Lubrelia (?), ilho: 2. Daniel Rademaker * Amesterdão. Casou Lisboa, Santa Maria dos Olivais 30.05.1741 com Elena Duggan * Irlanda, Cork (ilha de Morgan Duggan e de Mary Barron), ilho: 3. Daniel Rademaker * Lisboa Santa Justa 07.1751 (o assento original queimou-se e criou-se outro a 3 de Janeiro de 1767). Casou Lisboa, São Sebastião da Pedreira 13.05.1781 com Mariana Antónia Josefa da Rocha Correia da Silva * Lisboa, São Sebastião da Pedreira29, ilhos: ilho de Inácio Ponce e de Luísa Maria Lider, ela ilha de António Maria Fravega e de Luísa Maria Rosa. 29 Filha de José Caetano da Rocha e Silva e de Luísa Joaquina Josefa de Seixas e Andrade, casou depois de viúva em Lisboa, Mercês 08.08.1804 com o primo José António de Campos e Andrade * Lisboa, Mercês, ilho de José António Sérgio de Andrade e de Helena Rita de Seixas. 526 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Do 1.º casamento: 4. José Basílio Rademaker * Lisboa, Encarnação 23.05.1789. Casou com Carlota João Verdier (2.º, n.º 3) 4. Maria do Carmo Rademaker * Lisboa, Encarnação 20.01.1791. Casou Lisboa, Ajuda 16.07.1810 com Diogo José de Magalhães Montes * Lisboa, Ajuda (ilho de Estêvão António de Montes e de Francisca Micaela dos Anjos) Número 2 – Família Conde de Castro Guimarães30 1.º 1. Vicente de Castro Guimarães * Porto, Sé. Casou com Luísa Maria do Carmo da Silva e Abreu * Lisboa, Socorro, ilho: 2. Luís de Castro Guimarães * Lisboa, Madalena 19.08.1805 † Lisboa, Santa Justa 08.03.1881 às 6H. Casou Lisboa, São José Capela de Nossa Senhora da Glória no Palácio dos Condes de Lumiares 27.11.1845 com D. Maria Nazarena do Santíssimo Sacramento da Conceição da Glória Inácia Miguel Antónia Ana Luísa Gonzaga Teresa Josefa Francisca de Assis Domingas Mónica Jerónima da Cunha e Menezes * Lisboa, São José 31.07.1821 † Lisboa, Pena 09.06.1897 às 23H (ilha de D. José Manuel da Cunha Faro Menezes Portugal Gama Carneiro e Sousa 4º Conde de Lumiares e de D. Luísa Henriqueta de Menezes Silveira e Castro), ilhos: 3. José de Castro Guimarães * Lisboa, Santa Justa 11.06.1847 3. Vicente de Castro Guimarães * Lisboa, Santa Justa 06.12.1848. Casou Lisboa, São José Capela de Nossa Senhora da Glória no Palácio dos Condes de Lumiares 10.06.1877 com a prima D. Maria da Glória do Santíssimo Sacramento da Cunha Faro e Menezes (ilha de D. José Manuel da Cunha Faro e Menezes Portugal da Silveira, 6º conde de Lumiares e de Ana Amélia de Jesus Maria Pinto de Sousa Coutinho) 30 Para informação sobre esta família consultar Anuário da Nobreza de Portugal (Corrêa, 1985) e A Descendência Portuguesa de El-Rei D. João II (Canedo, 2006). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 527 3. Manuel Inácio de Castro Guimarães * Lisboa, Santa Justa 28.08.1858 1º conde de Castro Guimarães. Casou Lisboa, Beato Igreja da Madre de Deus 01.05.1882 (registado na dos Mártires) com Maria Ana de Andrade * Lisboa, Mártires (ilha de António José de Andrade e de Emília Gomes da Silva Reis) Número 3 – Família Mendonça 1.º 1. Henrique José Monteiro de Mendonça * Lisboa, Santa Isabel. Teve de Gabriela Florentina de Jesus * Galiza, Vigo, o seguinte ilho: 2. Henrique José Monteiro de Mendonça * Lisboa, Encarnação 18.01.1826. Casou Lisboa, Encarnação 06.11.1849 com Henriqueta Soia Azimont (2.º, n.º 3), ilhos: 3. Ernestina Soia Monteiro de Mendonça * Lisboa, Encarnação 18.06.1851. Casou Lisboa, Encarnação 04.01.1879 * com Alexandre José Calleya Alves * Lisboa, Mártires (ilho de Alexandre José Alves e de Isabel Maria Aldosser Caleia), ilho: 4. Henrique de Mendonça Alves * Lisboa, São Sebastião da Pedreira 04.12.1879 as 21H † Lisboa 18.01.1951 3. Alfredo * Lisboa, Encarnação 26.06.1852 3. Georgina Luísa Monteiro de Mendonça * Lisboa, Encarnação 23.04.1856 3. Pedro * Lisboa, Encarnação 23.04.1858 3. Henrique José Monteiro de Mendonça * Lisboa, Encarnação 04.02.1864 às 15H † Lisboa, São Sebastião da Pedreira 01.11.1942. Casou Lisboa, São Sebastião da Pedreira 28.6.1890 com Carolina dos Santos Pinto * Ilha de São Tomé e Príncipe, Nossa Senhora da Conceição c.1874 (ilha natural de Alfredo dos Santos Pinto e de Antónia Afonsa da Costa Quaresma), ilhos: 528 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 4. João Pinto Monteiro de Mendonça * Lisboa, Coração de Jesus 03.07.1892 às 5:30H (padrinho Nicolau dos Santos Pinto, estudante em Lisboa) † Lisboa, Benica 08.08.1988. Casou Lisboa, São Sebastião da Pedreira 22.11.1965 com Olga Dorotheia Müster * Alemanha, Bremerhaven c.1898 † 18.10.1985 (ilha de Fritz Hugo Carl Arthur Müster e de Maria Viriginie) 4. Maria Luísa Monteiro de Mendonça * Lisboa, Coração de Jesus 31.10.1893 às 5H † Lisboa 08.03.1948 4. António Pinto Monteiro de Mendonça * Lisboa, Coração de Jesus 23.02.1896 às 6:15H 4. Alfredo Pinto Monteiro de Mendonça * Lisboa, Coração de Jesus 20.01.1898 às 6:30H 2.º 1. Jean Baptiste d`Azimont. Casou com Marie Pader, ilho: 2. Antoine d’ Azimont * Toulouse, Saint-Estève. Casou Lisboa, Mártires 22.06.1820 com Caetana Leonor Domingas da Cruz * Lisboa, Santa Catarina (ilha de Valentim Matias e de Maria Rita), ilhos: 3. Henriqueta Soia Azimont * Lisboa, bp Igreja São Luís dos Franceses. Casou com Henrique José Monteiro de Mendonça (1.º, n.º 2) 3. Constâncio * Lisboa, Encarnação 21.11.1839 Número 4 – Família Campos e suas ligações 1.º 1. Henrique Francisco da Cruz * Lisboa, Conceição Nova. Casou com Josefa Caetana * Vila Franca de Xira, Vialonga, ilho: 2. Joaquim Flávio da Cruz Soares ou de Sousa * Lisboa, Conceição Nova bp 22.08.1723. Casou Lisboa, Anjos 01.02.1749 com Maria Joaquina do Céu de Miranda * Lisboa, Socorro (ilha de Tomás José e de Leonor Josefa da Silva), ilhos: 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 529 3. Ana * Lisboa, Anjos 05.12.1757 3. António Rafael Dâmaso de Sousa * Lisboa, Anjos 11.12.1762. Casou Lisboa, Anjos 13.01.1790 com Maria Clementina Gonzaga de Campos * Almada, Caparica 24.09.176431, ilhos: 4. Ana * Almada, Caparica 06.04.1791 4. Maria Joana de Campos e Sousa * Almada, Caparica 23.11.1792. Casou Lisboa, Pena 06.05.1822 com José da Nóbrega Botelho * Lisboa, Santa Isabel (ilho de José da Nóbrega Botelho e de Joana Justina Galveia) 4. Francisca Xavier de Campos e Sousa * Almada, Caparica 03.12.1794. Casou Lisboa, Anjos 26.01.1813 com Gregório Manuel Rodrigues (viúvo de Joaquina da Conceição † São Silvestre d`… do Patriarcado de Lisboa, ilho de J…. ou Inocêncio (?) Rodrigues e de Maria Josefa da Gama) 4. Paulo Maria de Campos e Sousa * Almada, Caparica 08.09.1796 (moço da Câmara de Sua Majestade em 1822). Casou Lisboa, Socorro 16.08.1815 com Joana Tomásia da Cantuária Sinel de Cordes (2.º, n.º 5), ilhos: 5 Maria da Assunção de Campos e Sousa * Lisboa, Socorro c.1827. Casou Lisboa, São Vicente de Fora 11.05.1861 com João Baptista Moreira * Lisboa, Anjos c.1819 (viúvo de Madalena da Puriicação † Lisboa, Santa Engrácia, ilho de pais incógnitos), ilhos: 6. João Baptista Moreira 5. António Maria de Campos * Lisboa, Anjos 28.09.1823 (major do Exército). Casou duas vezes: 1º Angra do Heroísmo, Sé 01.11.1849 com Rosália Augusta * Chaves, Vilarinho das Paranheiras (?) † Leiria, Assunção (ilha de José Joaquim Pereira de Madureira e de Maria Rosa); 2º Lisboa, Anjos 05.10.1889 com Rosa da Costa de Sousa * Porto, Sé c.1844 (ilha de Pedro António da Costa e de Maria da Costa de Sousa), ilhos: 31 Filha de Álvaro José Nunes de Sousa * Cascais, Cascais (alferes) e de Ana Maria Eufémia * Almada, Caparica, os quais casaram em Almada, Caparica 25.12.1761, neta paterna de Salvador Nunes e de Rosa Maria de Campos, os quais casaram Lisboa, Mártires, neta materna de Salvador Nunes de Abreu * Mazagão (?) e de Teresa Maria de Sousa * Almada, Caparica, os quais casaram Almada Caparica 17.05.1732, ele ilho de João Gonçalves de Castillo (?) e de Francisca Pereira de Brito, ela ilha de capitão Manuel Ribeiro dos Santos e de Catarina Maria de Sousa. 530 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Do 2º casamento: 6. Alfredo Maria da Costa Campos * Porto, Miragaia 28.03.1867 às 22H † Lisboa, Anjos Calçada do Desterro n.º 10 14.03.1911 às 8H (arquitecto). Casou Lisboa, São Jorge de Arroios 03.09.1892 com a prima Hermínia Adriana Magalhães (2.º, n.º 7), ilhos: 7. António * Lisboa, Anjos 07.08.1896 às 8H 7. Nadège Campos * Lisboa, Anjos 26.05.1904 à 1H † Lisboa, Santo Condestável 22.04.1993 4. Joaquina Emília de Campos e Sousa * Almada, Caparica 17.09.1800. Casou Lisboa, Charneca 30.05.1825 com Bernardino Tinoco de Sande e Vasconcelos * Lisboa, Anjos (ilho de Francisco Tinoco de Sande e Vasconcelos (Sargento-Mor) e de sua 1ª mulher Maria Sátira (?) ou Sabina (?) da Rosa) 4. Joaquim * Almada, Caparica 03.08.1802 2º 1. Pedro Machado. Casou com Catarina Vaz, ilhos: 2. Francisco Machado * Santa Maria de Grelhas (?). Casou Lisboa, São Nicolau 03.04.1719 (registado de novo a 30.01.1760) com Ana Josefa de Pasi * Sobral do Monte Agraço, Sobral do Monte Agraço (ilha do Doutor Diogo de Pasi e de Maria de Oliveira), ilhos: 3. Paulino Machado de Pasi * Lisboa, São Nicolau. Casou Lisboa, São Nicolau 26.04.1746 (registado de novo a 08.02.1757) com Ana Joaquina Rosa de Andrade * Lisboa, São Paulo (ilha de José da Costa de Andrade e de Joana Margarida de Mendonça), ilho: 4. Luís José Sinel de Cordes * Lisboa, São José 23.06.1759. Casou Lisboa, Pena 06.09.1784 com Maria do Carmo Camila de Melo e Morais * Lisboa, São José (ilha de capitão João António de Morais e de Mariana Teresa da Conceição), ilhos: 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 531 5. Joana Tomásia da Cantuária Sinel de Cordes * Lisboa, São Vicente de Fora. Casou Lisboa, Socorro 16.08.1815 com Paulo Maria de Campos (1.º, n.º 4) 5. Maria José Bento Sinel de Cordes * Lisboa, Alcântara. Casou Lisboa, Pena 23.06.1808 com Joaquim José de Sousa * Lisboa, Socorro (ilho de Bento Lau (?) de Sousa e de Ana Rita), ilha: 6. Maria Hemitéria Guilhermina de Sousa * Lisboa, Pena. Casou com Adelino de Freitas Magalhães * Soure (ilho de José António da Cunha Magalhães e de Belmira Lusitana de Freitas), ilha: 7. Hermínia Adriana Magalhães * Soure, Soure 11.05.1859 † Lisboa, Santa Isabel 04.02.1950. Casou com o primo Alfredo Maria da Costa Campos (1.º, n.º 6) 5. Rita Eusébia Sinel de Cordes * Lisboa, São Vicente de Fora. Casou Lisboa, Pena 06.12.1822 com João Maria (ilho de João Luís Casimiro de Matos e de Mariana Balbina) 5. Joaquim Umbelino Sinel de Cordes * Lisboa, Anjos. Casou Lisboa, Socorro 03.02.1826 com Maria Cecília da Conceição * Lisboa, Coração de Jesus (ilha de Francisco José de Paula Gomes da Silva e de Joana Tomásia) 5. Maria Augusta Rita da Conceição Sinel de Cordes * Lisboa, Anjos. Casou Lisboa, Socorro 04.12.1815 com Francisco Dionísio de Seixas Sotomaior * Faro, Sé (ilho de José Alberto de Seixas Sotomaior e de Teresa Maria Joaquina de Sequeira Nogueira Mimoso) Número 5 – Família Dias e Castro Guedes 1.º 1. José Rodrigues Pando (?). Casou com Maria Eugénia, ilho: 2. Manuel Joaquim Dias * Setúbal, São Julião. Casou Lisboa, Sé 06.11.1814 com Mariana Luísa das Neves (2.º, n.º 4), ilhos: 532 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 3. Francisco Eduardo Dias * Lisboa, Sé (retroseiro). Casou Lisboa, Sé 06.07.1856 com Maria da Conceição Vieira (3.º, n.º 3), ilhos: 4. Ernesto Higino Vieira Dias * Lisboa, São Nicolau 11.01.1864 † Lisboa, Camões 12.11.1939 (condutor de obras públicas). Casou Lisboa, Santa Justa 21.06.1890 às 12H com Hermínia Adelaide Pombeiro * Lisboa, Madalena c.1872 (ilha de Joaquim Augusto Pombeiro e de Gertrudes Maria de Jesus Ferreira) 2.º 1. Pedro Gomes. Casou com Maria de Amorim, ilho: 2. Domingos Gomes * Arcos de Valdevez, Monte Redondo. Casou Lisboa, São Paulo 03.07.1765 com Lourença Maria * Arruda dos Vinhos, Arranhó (ilha de José Lourenço e de Maria Jerónima), ilho: 3. José António Gomes Pincete * Lisboa, Santo Estêvão. Casou Lisboa, Encarnação 16.07.1790 com Ana Joaquina Rosa * Lisboa, Encarnação (ilha de João Pacheco Soares * Oliveira de Azeméis, Pinheiro da Bemposta e de Luísa Maria Cordeiro * Loures, Bucelas), ilhos: 4. Francisco Herculano Gomes Pincete * Lisboa, Santa Justa 25.09.1805. Casou duas vezes: 1.º Lisboa, São José 25.10.1834 com Maria Madalena Branco * Lisboa, Encarnação † Lisboa, Madalena (ilha de José Gonçalves Branco e de Francisca Rosa); 2.º Lisboa, Santa Catarina 15.03.1846 com a cunhada Francisca Rosa Branco * Lisboa, Encarnação 4. Mariana Luísa das Neves * Lisboa, São Mamede 05.08.1791. Casou com Manuel Joaquim Dias (1.º, n.º 2) 3.º 1. Domingos José Vieira. Casou com Maria Gonçalves, ilhos: 2. Domingos José Vieira * Guimarães (negociante). Casou duas vezes: 1º 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 533 Santarém, São Salvador com Maria da Assunção da Silva † Lisboa, São João da Praça 14.12.1830 (ilha de Joaquim Duarte da Silva e de Maria do Rosário); 2º Lisboa, Conceição Nova 06.07.1833 com Maria do Ó Chaves Gonçalves (ilha de Francisco da Costa Chaves e de Maria Doroteia, tinham mais um ilho chamando Libânio da Costa Chaves), ilhos: Do 1º casamento: 3. António Barnabé Vieira * Lisboa, São João da Praça 11.06.1826 (negociante). Casou Lisboa, São Nicolau 19.05.1860 com Maria Inês da Piedade e Sousa * Santarém, Salvador c.1828 (ilha de José Joaquim Fernandes de Sousa e de Joana Margarida do Castelo Benedita Pires, neta paterna de Manuel José Fernandes e de Josefa da Cruz, neta materna de António Pires e de Maria Bárbara) 3. Maria da Conceição Vieira * Lisboa, São João da Praça 02.12.1827. Casou com Francisco Eduardo Dias (1.º, n.º 3) 3. Emília * Lisboa, São João da Praça 14.06.1829 Do 2º casamento: 3. Maria José da Costa Vieira * Lisboa, Madalena 04.04.1835 † Sintra, Queluz 11.08.1892 às 7H. Casou Lisboa, Sé 09.09.1850 com Augusto Sebastião de Castro Guedes 1º Visconde de Castro Guedes (4.º, n.º 4) 4.º 1. Manuel Rodrigues Guedes. Casou com Catarina Francisca, ilho: 2. José António Rodrigues Guedes * Guarda, Jarmelo, Pomares. Casou Lisboa, Ajuda 06.08.1778 com Maria Joaquina de Castro * Caldas da Rainha, Serra do Bouro (ilha de Carlos José de Almeida e de Maria Antónia), ilhos: 3. Fausto João de Castro Guedes * Lisboa, Ajuda. Casou Lisboa, Encarnação 25.06.1825 com Maria Inácia do Carmo * Lisboa, Santa Encarnação 534 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro (ilha de João Gonçalves * Galiza, Orense, Santa Maria do Campo e de Maria Joaquina da Piedade * Lisboa, Santa Encarnação, recebidos na dos Mártires) 3. Joaquim José de Castro Guedes * Lisboa, Santa Engrácia (oicial de Marinha). Casou Lisboa, Encarnação 07.08.1816 com Gertrudes Maria da Encarnação * Lisboa, Encarnação (ilha de João Gonçalves * Galiza e de Maria Joaquina * Lisboa, Encarnação, recebidos na freguesia dos Mártires), ilhos: 4. Adelaide * Lisboa, Encarnação 24.04.1820 4. Augusto Sebastião de Castro Guedes * Lisboa, Conceição (Capitão de Fragata, Conselheiro) 1º visconde de Castro Guedes. Casou Lisboa, Sé 09.09.1850 com Maria José da Costa Vieira (3.º, n.º 3), ilhos: 5. Augusto Sebastião de Castro Guedes Vieira * Lisboa, Santo André 04.05.1853 (general). Casou Lisboa, Sé 31.01.1880 com a prima Maria Augusta de Sá Vasconcelos de Castro Guedes (4.º, n.º 5) 5. Leonor Augusta Vieira de Castro Guedes * Lisboa, Sé 18.09.1868 às 16H. Casou Lisboa, Sé 20.09.1897 com Augusto Rosa (actor) (ilho de João Anastácio Rosa e de Adelaide Augusta Videira, tinham um ilho chamado João Rosa) 4. José Joaquim de Castro Guedes * Lisboa, Encarnação c.1826. Casou Lisboa, Santo André 22.06.1868 com Henriqueta Adelaide Loring (5.º, n.º 3) 4. João Maria de Castro Guedes * Lisboa, Encarnação. Casou Lisboa, São José 01.02.1845 com Maria José de Sá e Vasconcelos (7.º, n.º 4), ilha: 5. Maria Augusta de Sá Vasconcelos de Castro Guedes * Lisboa, Coração de Jesus 27.08.1857. Casou com o primo Augusto Sebastião de Castro Guedes Vieira (4.º, n.º 5) 5.º 1. Jacob Loring ou Loving. Casou Estados Unidos da América, Boston com Margareth Brao (?), ilhos: 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 535 2. William Loring (morador em Lisboa) 2. Joseph Loring * Boston (protestante). Casou Lisboa, Encarnação 26.08.1807 com Mariana Emília Carrère (6.º, n.º 3), ilhos: 3. Emília Soia Loring * Lisboa, Encarnação 21.01.1809. Casou Lisboa, Santa Justa 16.10.1830 com Sebastião José da Costa * Lisboa, Santa Justa (ilho de José Joaquim da Costa (casou primeira vez com Cecília Catarina Bárbara † Lisboa, São João da Praça) e de Margarida do Carmo Bontempo * Lisboa, Loreto, os quais casaram em Lisboa, Sacramento 23.01.1799, neto materno de Francisco Xavier Bontempo e de Mariana da Silva) 3. Henriqueta Adelaide Loring * Lisboa, São Paulo 01.03.1818. Casou com José Joaquim de Castro Guedes (4.º, n.º 4) 3. Carolina Ema Loring * Lisboa, São Paulo 20.04.1821. Casou Lisboa, São José 16.09.1848 com António José Teixeira * Lisboa, Anjos32 6.º 1. Jean Carrère. Casou com Marie Taviem, ilho: 2. Pierre Carrère * França, Bayonne, Santa Maria. Casou Lisboa, São Paulo 04.02.1784 com Teresa Violante d’ Erville * Lisboa, Mercês (ilha de Henri Claude d’ Erville e de Mariana Joaquina), ilhos: 3. Joana Maria Carrère * Lisboa, Sacramento. Casou Lisboa, São Paulo 14.07.1806 com Johann Stephan Barandon * Prússia, Berlim (protestante, ilho de Paul Barandon e de Maria Heinrike) 3. Mariana Emília Carrère * Lisboa, Encarnação. Casou com Joseph Loring (5.º, n.º 2) 3. Júlia Soia Emília Carrère * Lisboa, Encarnação. Casou Lisboa, São Paulo 18.11.1813 com Carlo Cavigioli * Itália, Alessandria (filho de Raimundo 32 Filho de António Eusébio Teixeira Machado * Lisboa, Santo André e de Teresa de Jesus Perpétua de Faria * Lisboa, Anjos, os quais casaram em Lisboa, Anjos 18.02.1814 (testemunhas José Maria Lopes de Faria e Luís Heudeviges Teixeira Machado), neto paterno do Doutor António José Teixeira Machado e de Ana Rita Xavier, neto materno de João Lopes de Faria e de Maria Antónia de São Boaventura. 536 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Cavigioli e de Margarita Bezio, tinham mais um filho chamado Pietro Cavigioli) 7.º 1. Narciso António. Casou com Maria de Sá e Vasconcelos, ilho: 2. Manuel de Sá e Vasconcelos * Anadia, Vila Nova de Monsarros. Casou Lisboa, São Sebastião da Pedreira 02.11.1773 com Luzia Maria Joaquina * Lisboa, Santa Isabel ou São Sebastião (ilha de António Ferreira Temudo e de Maria Francisca), ilhos: 3. Francisco Manuel de Sá e Vasconcelos * Lisboa, São Sebastião da Pedreira 08.01.1789 (alferes no regimento de cavalaria n.º 7). Casou Lisboa, São Sebastião da Pedreira 24.05.1811 com Maria do Carmo Lúcia ou Lina Pereira de Azevedo Sousa e Seita * Coruche, Coruche (ilha de António de Seita e de Angélica Pereira de Azevedo) 4. Maria José de Sá e Vasconcelos * Lisboa, São Sebastião da Pedreira 29.05.1814. Casou com João Maria de Castro Guedes (4.º, n.º 4) Número 6 – Família Saraiva e suas ligações 1.º 1. José Rodrigo da Costa. Casou com Maria do Carmo, ilhos: 2. Ana do Carmo 2. Bernardo António (doutor) 2. Inácio Rodrigo da Costa Saraiva * Viseu, Boa Aldeia. Casou com Maria Leopoldina Osório (ilha de João António e de Maria Osório), ilhos: 3. José Osório Saraiva * Viseu, Boa Aldeia 27.04.1854 † Lisboa, Camões 25.06.1938 (Delegado Procurador Régio na Vila de Reguengos de Monsaraz). Casou Lisboa, São Cristóvão e São Lourenço Capela/Oratório 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 537 dos Viscondes do Rosário 15.07.1889 com Maria Clementina do Conde (4.º, n.º 6) 3. Francisco de Paula Osório Saraiva * Viseu, Boa Aldeia 06.03.1856 (capitão de Infantaria e engenheiro civil). Casou Lisboa, Lumiar 29.01.1896 com Ana Albina (2.º, n.º 3) 2.º 1. Ana Albina * Arouca, Arouca c.1852 (batizada como exposta no Hospício dos Expostos na Diocese do Porto). Casou duas vezes: 1º Lisboa, São José 25.01.1890 com António Rodrigues dos Santos Almeida * São Pedro do Sul, São Pedro do Sul (3.º, n.º 2); 2º Lisboa, Lumiar 29.01.1896 com Francisco de Paula Osório Saraiva (1.º, n.º 3) 3.º 1. António de Almeida Canhões. Casou com Antónia Rita Rodrigues dos Santos, ilho: 2. António Rodrigues dos Santos de Almeida * São Pedro do Sul, São Pedro do Sul c.1815. Casou duas vezes 1.º com Antónia Rozo Cardoso * Brasil, Pará c.1822 † Lisboa, Santa Justa 12.02.1880 (ilha do Coronel António Bernardo Cardoso e de Francisca Rozo); 2.º com Ana Albina (2.º, n.º 1), ilhos: Do 1.º casamento: Sem sucessão. Do 2.º casamento: 2. Antónia Albina dos Santos de Almeida * Lisboa, São José 08.04.1872 às 20H (perilhada em 1887 e legitimada pelo casamento dos pais) 538 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 4.º 1. Baltazar Martins Sodré. Casou com Maria da Costa (?) de Melo, ilho: 2. Manuel Fernandes de Miranda. Casou Santa Cruz, Guadalupe 12.11.1730 com Vitória Espínola de Bettencourt (ilha de António do Conde Sodré e de Maria de Ávila de Bettencourt), ilho: 3. António do Conde Sodré * Santa Cruz, Guadalupe. Casou duas vezes: 1.º Santa Cruz, Guadalupe 13.06.1759 com Maria do Rosário (ilha de Francisco Correia Picanço e de Filipa de Jesus); 2.º Guadalupe 17.08.1775 com Maria do Rosário * Guadalupe (ilha de António José Lobão e de Maria de M…a), ilhos: Do 1.º casamento: 4. António do Conde Sodré. Casou Guadalupe 21.02.1792 com sua prima Maria Antónia de São José (ilha de José Ferreira (?) e de Inês Correia (?)) Do 2.º casamento: 4. João José do Conde 4. Rosa do Conde 4. Mateus do Conde dos Anjos * Açores, Graciosa, Santa Cruz, Guadalupe. Casou Santa Cruz, Guadalupe 10.07.1813 com Joaquina de Melo Pacheco * Guadalupe (ilha de Manuel José da Cunha Pacheco e de Maria da Glória) 4. Teodósio José do Conde * Guadalupe. Casou Guadalupe 09.06.1816 com Maria de Melo Pacheco * Guadalupe (ilha de João dos Santos de Melo Pacheco e de Maria de Melo), ilho: 5. Manuel José do Conde * Guadalupe 05.04.1817 1º Visconde do Rosário. Casou com Eufrosina Ermelinda do Nascimento * Brasil, São Salvador da Baía, Santana c.1829 † Lisboa, São Cristóvão e São Lourenço 28.01.1889 às 16H (ilha natural de Maria Clementina da Silva Pimentel), ilhos: 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 539 6. Manuel José do Conde Júnior 6. Amélia Carolina Conde 6. Ana Eufrosina Conde 6. Eufrosina Ermelinda do Nascimento do Conde * São Salvador da Baía, Sé c.1858. Casou Lisboa, São Cristóvão e São Lourenço Capela/Oratório dos Viscondes do Rosário 19.11.1881 às 16:30H com Joaquim dos Santos Lima * Nelas, Santar c.1846 (negociante, ilho de José dos Santos e de Ludovina Cândida), ilho: 7. Álvaro dos Santos Lima * Lisboa, São Cristóvão e São Lourenço 1884 † 27.07.1958 (engenheiro mecânico). Casou Lisboa, Coração de Jesus 25.11.1907 com Teresa Tavares de Oliveira * Gouveia, Lagarinhos c.1883 † 22.09.1936 (ilha de José da Silva Tavares e de Maria Helena) 6. Maria Clementina do Conde. Casou três vezes 1.º com Manuel dos Santos Neves † Lisboa; 2.º Lisboa, São Cristóvão e São Lourenço Capela/Oratório dos Viscondes do Rosário 27.05.1882 com António Teixeira de Moraes * Chaves, Redondelo c.1850 † Lisboa, Lisboa, São Cristóvão e São Lourenço 06.06.1887 às 10:45H (negociante, ilho de Manuel Teixeira de Moraes e de Júlia Rodrigues); 3.º com José Osório Saraiva (1.º, n.º 3), ilhos: Do 2º casamento: Sem sucessão. Número 7 – Família Branco e suas ligações 1.º 1. Manuel José de Sousa. Casou com Leonor Tomásia, ilho: 2. Joaquim Máximo de Sousa Monteiro (farmacêutico). Casou com Maria Clara Clementina Rodrigues de Macedo (ilha de José Rodrigues Caetano e de Mariana Rita de Macedo, tinham um ilho chamado Joaquim Júlio Rodrigues de Macedo), ilhos: 540 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 3. José Augusto de Sousa Monteiro 3. Joaquim Augusto de Sousa de Macedo Monteiro (Conselheiro Padre) 3. Maria Adelaide de Sousa de Macedo 3. Arménio Máximo de Sousa Macedo * Cantanhede, Cantanhede 09.05.1856. Casou Lisboa, Santa Isabel 29.12.1890, com Maria da Natividade Mendes da Fonseca * Seia, Torrozelo 20.04.1858 (ilha de Albino José Marques e de Ana Casimira Mendes da Fonseca) 3. Olímpia Branca de Sousa de Macedo * Cantanhede, Cantanhede 01.09.1861 às 2H. Casou Lisboa, Santos-o-Velho 05.11.1881 com Carlos Augusto Branco (2.º, n.º 4) 2.º 1. João Francisco Branco. Casou com Francisca Isabel, ilho: 2. Ricardo Francisco Félix Branco * Lisboa, Encarnação. Casou com Francisca Maria da Trindade * Lisboa, Sacramento (ilha de António Caetano Arsénio e de Leandra Marcelina da Trindade), ilhos: 3. Francisco de Paula Branco 3. Domingos Félix Branco * Lisboa, São José 23.03.1816. Casou Lisboa, São José 30.04.1853 com Henriqueta Soia da Silveira Viana (3.º, n.º 3), ilho: 4. Carlos Augusto Branco * Lisboa, São José 20.03.1854 † Lisboa, Anjos 13.04.1902 às 22H (negociante). Casou com Olímpia Branca de Sousa de Macedo (1.º, n.º 3), ilha: 5. Virgínia Soia de Macedo Branco * Lisboa, São José 20.04.1883 às 4H † Lisboa, Anjos 15.02.1961 às 14:30H. Casou Lisboa, Anjos 22.06.1903 com Artur Baptista Fernando Rocha (4.º, n.º 3) 3.º 1. João António Viana. Casou com Josefa Maria, ilhos: 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 541 2. José António Viana 2. João António Viana * Lisboa, Madalena. Casou Lisboa, Sé 18.01.1813, com Maria Febrónia Barbosa da Silveira * Lisboa, São José (ilha de José Maria Barbosa da Silveira e de Ana Teresa Febrónia, tinha um irmão chamado Nicolau João Barbosa da Silveira), ilha: 3. Henriqueta Soia da Silveira Viana * Lisboa, Conceição Nova 23.12.1819. Casou com Domingos Félix Branco (2.º, n.º 3) 4.º 1. Fernando Joaquim de Sousa Rocha * Portugal, Cana (?). Casou com Maria Joaquina Ramos de Araújo * São Salvador da Baía (ilha de Joaquim Ramos de Araújo e de sua primeira mulher, casou depois com Maria do Carmo), ilhos: 2. Carlota Augusta Rocha 2. Fernando Maria de Sousa Rocha * Angra do Heroísmo, Sé 15.03.1812 † Angra do Heroísmo, Sé 18.12.1842. Casou Angra do Heroísmo, Sé Oratório das Casas de Fernando Joaquim de Sousa Rocha 30.11.1835 com Maria Madalena de Bettencourt de Vasconcelos e Lemos (5.º, n.º 3), ilho: 3. Fernando Maria de Sousa Rocha * Angra do Heroísmo, Sé 06.01.1841 (advogado). Casou Angra do Heroísmo, Terra Chã 20.06.1863 às 15H (registado na freguesia da Sé) com Maria Carlota Pamplona da Silva Baptista * c. 1845 (6.º, n.º 5) 4. Artur Baptista Fernando Rocha * Angra do Heroísmo, Sé 01.05.1873 às 20H † Lisboa, Anjos, 13.02.1953 (médico). Casou com Virgínia Soia de Macedo Branco (2.º, n.º 5), ilha: 5. Maria Guilhermina de Macedo Branco Rocha * Setúbal, São Julião 14.04.1904 às 14H † Lisboa, Anjos 27.02.1983. Casou 26.12.1927 com José Pereira da Silva da Costa (Capitão de Mar e Guerra) 542 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 5.º 1. Vital de Bettencourt de Vasconcelos e Lemos33. Casou com Maria Madalena Victória de Castelo-Branco do Canto, ilho (entre outros): 2. Bento José de Bettencourt e Vasconcelos de Lemos Castelo-Branco * Angra do Heroísmo, Sé 03.04.1787 † Angra do Heroísmo, Sé 27.01.1852. Casou Angra do Heroísmo, São Pedro Ermida de Nossa Senhora da Oliveira 23.10.1815 (registado na freguesia da Sé) com Maria de Bettencourt Teixeira de Sampaio * Angra do Heroísmo, Sé 06.10.1785 † Angra do Heroísmo, Sé 09.11.1859 (ilha de Francisco José Teixeira de Sampaio e de Eulália Floriana Gualberta Cabral de Melo Carvão), ilhos: 3. Maria Madalena de Bettencourt de Vasconcelos e Lemos * Angra do Heroísmo, Sé 06.08.1819 † Angra do Heroísmo, Sé 02.06.1842. Casou com Fernando Maria de Sousa Rocha (4.º, n.º 2) 3. Francisca de Bettencourt Vasconcelos e Lemos. Casou com George Philipps Dart, ilha: 4. Maria de Sampaio Dart * Angra do Heroísmo, Sé. Casou Angra do Heroísmo, São Mateus Capela de Nossa Senhora das Mercês 19.07.1862 (registado na freguesia da Sé) com Cândido Pacheco de Mello Forjaz de Lacerda * Angra do Heroísmo, Sé 1º Visconde de Nossa Senhora das Mercês (ilho de João Pereira Forjaz Sarmento de Lacerda e de Maria José Menezes Pacheco de Melo) 6.º 1. Manuel António dos Santos. Casou com Maria da Silva Baptista, ilho: 2. António da Silva Baptista * Vila Nova de Gaia, Avintes. Casou Angra do Heroísmo, Sé 12.04.1856 com Maria Carlota Pamplona Côrte-Real (7.º, n.º 2), ilhos: 33 Esta família vem desenvolvida na obra Genealogias da Ilha Terceira (Mendes; Forjaz, 2007). 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 543 3. Jacinto da Silva Baptista * Angra do Heroísmo, Sé 18.12.1838 3. Henrique da Silva Baptista * Angra do Heroísmo, Sé 06.02.1840 3. António * Angra do Heroísmo, Sé 01.08.1841 3. Maria Carlota Pamplona da Silva Baptista * Angra do Heroísmo, Sé 17.01.1844. Casou com Fernando Maria de Sousa Rocha (4.º, n.º 3) 3. Carlos * Angra do Heroísmo, Sé 26.09.1847 Todos os ilhos foram legitimados pelo casamento dos pais. Os assentos de batismo foram registados a 30 de Junho de 1860, conforme estão nos assentos paroquiais da freguesia da Sé de Angra do Heroísmo. 7.º 1. Francisco Pamplona Machado Côrte-Real. Casou com Mariana Teodora do Rego ou Moniz Barreto, ilha: 2. Maria Carlota Pamplona Côrte-Real. Casou duas vezes: 1.º Angra do Heroísmo, São Bento Oratório das Casas do Capitão-Mor José Maria do Carvalhal da Silveira 28.07.1831 com João Moniz Corte-Real * Cascais, Cascais † antes de 1856 (ilho de João Moniz Côrte-Real e de Joaquina do Carmo de Moura Portugal); 2.º com António da Silva Baptista (6.º, n.º 2) Número 8 – Família Branco Rodrigues 1.º 1. José Maria Rodrigues. Casou Lisboa, Conceição com Vitorina Carlota do Nascimento (ilha de António Anastácio do Nascimento e de Ana Maria), ilhos: 2. Silvério José Rodrigues 2. José Cândido Rodrigues * Lisboa, São Nicolau 01.08.1825 (empregado no Bando de Portugal). Casou Lisboa, Mercês 03.06.1857 com Maria José Branco Rodrigues (2.º, n.º 4), ilho: 544 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 3. José Cândido Branco Rodrigues * Lisboa, Mercês 18.10.1861 às 15:45H † Cascais, Estoril 18.10.1926 às 20H. Casou Lisboa, São Mamede 31.12.1915 com Emília Maria Pereira * Lisboa, Socorro (ilha de Manuel João Pereira e de Maria da Nazaré Maio), ilha: 4. Maria José Branco Rodrigues * Lisboa, São Paulo 08.11.1908 às 11:30H 2.º 1. Lorenzo Rodriguez. Casou com Maria Rosa, ilho: 2. José Rodriguez * Galiza, Mélon, Santa Maria. Casou Lisboa, Sé 17.04.1792 com Maria do Vale * Lisboa, Castelo (ilha de Domingos de Sousa e de Josefa Maria), ilho: 3. José Rodrigues * Lisboa, Sé 01.10.1795 bp 18.10.1795. Casou Lisboa, São Paulo Oratório das casas de José Alves Branco na Rua do Alecrim 22.05.1817 com Maria José Alves Branco de Pimentel Maldonado (3.º, n.º 3), ilhos: 4. António Romão Branco Rodrigues 4. Maria José Branco Rodrigues * Lisboa, São Paulo 31.10.1833. Casou com José Cândido Rodrigues (1.º, n.º 2) 4. José Maria Alves Branco 3.º 1. João Alves Branco. Casou com Joana Teresa, ilho: 2. José Alves Branco * São Salvador da Baía, Sé. Casou Lisboa, Santa Catarina Oratório das casas de José Inácio Borques 07.01.1793 com Ana Rita de Pimentel Maldonado * Lisboa, Mercês (ilha de José Inácio Borques e de Ana Josefa Joaquina Ancora), ilhos: 3. José * Lisboa, Encarnação 30.10.1795 3. Maria José Alves Branco de Pimentel Maldonado * Lisboa, Encarnação 02.06.1797. Casou com José Rodrigues (2.º, n.º 3) 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 545 Número 9 – Família Castanha 1.º 1. Salvador Castanha. Casou com Maria Castanha, ilho: 2. José Castanha * Ilha de Malta, Gudja. Casou Lisboa, Madalena 09.04.1817 com Inês Maria do Carmo * Barreiro, Barreiro34, ilho: 3. Salvador José Castanha * Lisboa, Madalena. Casou Lisboa, Campo Grande Ermida de Santo António do Barão de Samora Correia 16.06.1853 (registado no de Santa Justa) com Carolina Amália do Carmo Basto (2.º, n.º 4), ilhos: 4. Eloy António Basto Castanha * Lisboa, Santa Justa 14.04.1862 às 9:23H. Casou Lisboa, Sacramento 12.08.1889 com Eugénia Pires * Lisboa, Sacramento c.1868 (ilha de Emídio Xavier Pires e de Adelaide Guilhermina Teixeira) 2.º 1. António Gomes da Silva. Casou com Custódia Maria Mondes, ilhos: 2. Francisco Gomes de Freitas Guimarães 2. João Gomes de Freitas Guimarães * Guimarães, Sande (São Lourenço). Casou Lisboa, Sé 14.04.1793 com a prima Maria do Carmo de Jesus * Lisboa, Madalena (ilha de António José Teixeira Delgado e de Francisca Xavier de Freitas), ilha: 3. Amália Teodolinda das Dores * Lisboa, Sé 12.01.1809. Casou Lisboa, Sé 15.01.1832 com Elói António Basto * Lisboa, Sé 22.11.1793 (ilho de António José Gomes Basto * Mondim de Basto, Mondim de Basto e de Rita Maria Pimentel * Sesimbra, Santiago, recebidos em Arrentela, Seixal), ilha: 34 Filha de António Moreno (?) e de Josefa Maria, viúva de Rosário Formoza * Ilha de Malta, Gudja † Lisboa, Madalena, ilho de Salvador Formoza e de Rosa Maria, os quais casaram em Lisboa, Madalena 30.01.1814. 546 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro 4. Carolina Amália do Carmo Basto * Lisboa, Santa Justa. Casou com Salvador José Castanha (1.º, n.º 3) Número 10 – Família Gomes e suas ligações 1.º 1. Vicente Gómez y Tojar * Andaluzia, Granada (doutor). Casou com Anna Pratt * Londres, ilhos: 2. Vicente Pedro Joaquim Pratt Gómez * Gibraltar (chefe de contabilidade do caminho de ferro). Casou Setúbal, São Julião 14.10.1872 com Dilara Pacheco da Silva (ilha de João José da Silva e de Ana de Jesus Maria Pacheco35) 2. Guilherme João Gomes (empregado nos Caminhos-de-Ferro, súbdito britânico) * Gibraltar. Casou Lisboa, Sé 03.09.1866 com Maria Augusta da Costa Carvalho Leitão (viúva de N † Lisboa, Coração de Jesus), ilhos: 3. Carolina Augusta Gomes * Lisboa, Mercês. Casou Lisboa, Mercês 08.08.1887 com Manuel da Veiga Ottolini * Lisboa, Benica 2. Alexandre Miguel Gomes (engenheiro, empregado público, batizado na religião protestante). Casou com Guilhermina Augusta * Lisboa, São Paulo 21.12.184136, ilhos 3. Pedro Augusto Gomes 3. Guilherme Eduardo Gomes (desenhador e construtor) * Lisboa, São Mamede 11.06.1865 (batizado na religião católica, padrinho Manuel da Veiga Ottolini e madrinha Guilhermina Sousa). Casou Lisboa, Anjos 07.05.1892 com Edviges da Conceição de Sousa * Lisboa, Socorro 35 Tinham também um ilho chamado João José Pacheco da Silva, e a mãe Ana de Jesus Maria Pacheco tinha um irmão solteiro em 1872 chamado João José Pacheco. 36 Filha de André António Domingues * Galiza, São Salvador de Soutomaior e de Marcelina de Faro * Galiza, São Martinho Bargea de Mera, os quais casaram Lisboa, São Paulo 20.01.1836, neta paterna de Lourenço Domingues e de Manoela Languinhos. A avó Marcelina de Faro casou a primeira vez com Pedro Bento Moinhos. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 547 07.12.1870 às 3:15H37, ilhos: 4. Eduardo Gomes * Lisboa, São Mamede 14.12.1892 às 8H † Lisboa, Lapa 08.03.1962 às 18:30H. Casou Oeiras 1912 com Maria Hebe? De Carvalho Gonçalves * Porto Cedofeita 37 Filha de Francisco Guilherme de Sousa * Rio de Janeiro, Sacramento c.1849, engenheiro agrónomo, e de Revocata da Paixão da Silva Franco * Lisboa, Santa Justa c.1848, os quais casaram em Lisboa, Santa Engrácia 12.09.1867, neta paterna de António Batista de Sousa * Minho e de Guilhermina K..el de Sousa * Rio de Janeiro, neta materna de António Francisco Franco e de Maria das Dores da Silva. 548 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro Bibliograia Achilles (1909). “Casa de habitação do Sr. Dr. Manuel de Castro Guimarães : Architecto, Sr. José Luiz Monteiro”. A Architectura Portugueza, N.º 1, Janeiro de 1909. Achilles e Benoliel (1910). “A Legação de Italia : Antes e depois do incendio”. Illustração Portugueza, N.º 202, 3 de Janeiro de 1910. Achilles e Vidal & Fonseca (1908). “Sanatorio de Sant`Anna (Parede) : Architecto, Rozendo Carvalheira”. A Architectura Portugueza, N.º 9, Setembro de 1908. Agrawal, R. R. A Casa – The Medieval Revival and Its Inluence on the Romantic Movement. New Delhi: Abhinav Pubns, 1990. Almeida, José Valentim Fialho de (1906). “Lisboa Monumental I”. Illustração Portugueza. N.º 36, 29 de Outubro de 1906. Arquivo Histórico Municipal de Cascais (AHMC), Joaquim António Vieira (1896), Projecto para construcção d`uma casa no Estoril, propriedade do Ex.mo Snr. Antonio Vianna. EST/83, l. 1. AHMC (1898a), Projecto da Casa do Ex-mo Snr Francisco de Paula Osorio Sarai- va, Largo da Palmeira no Mont´Estoril. EST/131, l. 1. AHMC, Paul Leonard Gaston Landeck (1898b), Planta da casa do Ex.mo Snr. Diogo Joaquim de Mattos, no Alto d`Estoril. EST/150, l. 1. AHMC, Francisco Vilaça (1902), Projecto da Capella que o Ex.mo Sr. Dr. Antonio Vianna pretende construir na sua propriedade sita no Estoril. EST/230, l. 1. AHMC, Manuel Joaquim Norte Júnior (1905), Projecto de Capella que Antonio Jose de Carvalho deseja ediicar no seu terreno junto a Estrada Real em S. João do Estoril. EST/411, l. 1. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 549 AHMC, José Teixeira dos Santos (1906), Projecto da Capella que o Ex.mo Sr. D. Henrique de Alarcão pretende construir no Estoril. EST/421, l. 1. Arquivo Municipal de Lisboa (AML), António José Dias da Silva (1884), Projecto da casa que Luiz Antonio Xavier pretende construir no seu terreno sito na costa do castello, próximo à rua do milagre de S.to Antonio, segundo a planta geral junta. 64/1/ ªREP/PG/18841, l. 1. AML, José Luís Monteiro (1885a), Projecto de cavallariça, cocheira, palheiro e quartos para creados que Manoel de Castro Guimaraes deseja construir junto ao seu prédio no Pateo do Thorel. 2984/1ªREP/PG 18851, l. 1. AML, José Luís Monteiro (1885b), Projecto que apresenta Manoel de Castro Guimaraes em substituição do que foi approvado pela Ex.ma Camara em 22 de Novembro de 1884 para a construcção d`um predio no seu terreno sito na Travessa do Thorel nº 29-31- freguesia da Pena. 543/1ªREP/PG 18851, l. 1. AML (1893), Projecto António Maria de Lencastre. 4918/1/ªREP/PG/18931, l. 1. AML, José Luís Monteiro (1897), Projecto capela Dr. Manuel de Castro Gui- marães. 5546/1/ªREP/PG/18971, l. 1. AML, Vieillard & Touzet (1898a), Projecto de construção de uma egreja Presbyte- riana e uma casa de habitação para o pastor a construir na rua do Arriaga d`esta cidade. 3689/1/ªREP/PG/18981, l. 1. AML, Miguel Ventura Terra (1898b), Projecto João Cardoso Valente. 2925/1/ ªREP/PG/18981, l. 1. AML (1900), Projecto Cármen Graziela Castilla da Rocha. 2634/1/ªREP/ PG/19001, l. 1. AML, Miguel Ventura Terra (1902), Projecto Henrique José Monteiro de Men- donça. 3522/1/ªREP/PG/19021, l. 1. 550 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Francisco Arruda de Melo Cota Fevereiro AML, Cardoso, Dargent & C.ª (1904), Projecto de um jardim de inverno para o Ex.mo Sr. Manoel de Castro Guimarães. 1811/1/ªREP/PG/19041, l. 1. AML, Ernesto Higino Vieira Dias (1905a), Projecto de casa que Augusto Sebastião de Castro Guedes Vieira, pretende mandar construir no seu terreno na Avenida Fontes Pereira de Mello. 4303/1/ªREP/PG/19051, l. 1. AML, Álvaro Augusto Machado (1905b), Projecto que a Ex.ma Srª D. Olympia de Macedo Branco, deseja construir no seu terreno situado no angulo da Avenida Ressano Garcia e Rua Visconde Valmôr. 6001/1/ªREP/PG/19051, l. 1. AML (1905c), Projecto para o prédio que o Ex-mo Snr Francisco de Paula Osorio Saraiva deseja construir no seu terreno sito na Avenida Ressano Garcia, com serventia pela Avenida Hintze Ribeiro, lotes nº 64-65-68. 6001/1/ªREP/PG/19051, l. 1. AML, Manuel Joaquim Norte Júnior (1906), Projecto de casa de habitaçao que Branco Rodriguez pretende ediicar no seu terreno limitado pelas Avenidas: Ressano Garcia e Visconde Valmôr, freguesia S. Sebastião da Pedreira, 3º bairro. 1558/1ªREP/ PG/19061, l. 1. AML, Manuel Joaquim Norte Júnior (1910a), Projecto de uma casa de habitação que Elvira Augusta Correia de Freitas Rosa pretende construir no seu terreno sito na Estrada d`Alfarrobeira n.os 443 a 444 freguesia de Bemica – 3º Bairro. 4115/1ªREP/ PG/19101, l. 1. AML, Manuel Joaquim Norte Júnior (1910b), Projecto de uma casa para habitação propria que Jose Carreira de Souza pretende construir no seu terreno sito na Alameda do Lumiar. 5604/1ªREP/PG/19101, l. 1. C. A. 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A Construcção Moderna, N.º 87, 20 de Fevereiro de 1902. Collares, E. Nunes (1904a). “Capella na propriedade do ex.mo sr. J. Pereira : No concelho de Mirandella : Architecto sr. Costa Campos”. A Construcção Moderna, N.º 138, 20 de Julho de 1904. Collares, E. Nunes (1904b). “Casa da ex.ma sr.ª Condessa de Taboeira: Na rua Arriaga : Architecto, sr. Ventura Terra”. A Construcção Moderna, N.º 152, 10 de Dezembro de 1904. Collares, E. Nunes (1905a). “Capela na rua Renato Baptista : Em Lisboa: Na propriedade do ex.mo sr. Joaquim Antonio de Carvalho: Architecto, sr. Alfredo d`Ascenção Machado”. A Construcção Moderna, N.º 154, 1 de Janeiro de 1905. Collares, E. Nunes (1905b). “Projecto para a Casa da Ex.ma Sr.ª D. Olympia de Macedo Branco: No ângulo da Avenida Ressano Garcia e Rua Visconde de Valmôr: Auctor, o architecto Alvaro Machado”. A Construcção Moderna, N.º 171, 10 de Julho de 1905. Collares, E. 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A Construcção Moderna e as Artes do Metal, N.º 343, 5 de Abril de 1911. Collares, E. Nunes (1911b). “Palacete do Ex.mo Sr. Henrique José M. de Mendonça: Na rua Marquez de Fronteira: Architecto, sr. Ventura Terra”. A Architectura Portugueza, N.º 9, Setembro de 1911. Collares, E. Nunes (1912a). “Villa Catatau: Casa da Ex.ma Sr. ª D. Elvira Augusta C. de Freitas Rosa: Em St.º Antonio da Convalescença (estrada de Bemica) : Architecto, sr. M. J. Norte Junior”. A Architectura Portugueza, N.º 1, Janeiro de 1912. Collares, E. Nunes (1912b). “Villa Catatau: Propriedade da Ex.ma Sr. ª D. Elvira Augusta Correia de Freitas Rosa: Em Santo Antonio da Convalescença, estrada de Bemica : Architecto, sr. Norte Junior”. A Construcção Moderna e as Artes do Metal, N.º 369, 5 de Maio de 1912. Collares, E. Nunes (1912c). “Villa Souza: Casa do Ex.mo Sr. José Carreira de Souza: Na Alameda do Lumiar : Architecto, sr. Norte Junior”. 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Occidente, N.º 1105, 10 de Setembro de 1909. 11 - Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 47 6 – 557 557 Antigo elemento decorativo da sala de jantar Óleo sobre tela, 77 x 384 cm Posterior a 1887 Associação de Colecções O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal Tiago Henriques Resumo O estudo que se apresenta centra-se na documentação que subsiste e que diz respeito à casa denominada do Pau de Bandeira, localizada no bairro da Lapa, em Lisboa. A correspondência estudada permite uma aproximação aos objectos que actualmente subsistem, assim como facilita a compreensão de algumas opções tomadas para a decoração interna do edifício. O levantamento fotográico efectuado é o único registo gráico de muitos dos detalhes referidos na documentação. Palavras-chave: Conde de Valenças, Rafael Bordalo Pinheiro, Artes Decorativas, Arquivo, Lapa, Arquitectura 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 559 I – O encomendador 1. O 1º Conde de Valenças: apontamento biográico Luís Leite Pereira Jardim, académico, diplomata e amigo das artes e dos artistas1, foi uma relevante igura da sociedade portuguesa de inais do século XIX. Nasceu em Coimbra, e foi baptizado na freguesia de Santa Justa a 15 de Setembro de 18422, num meio social de consideráveis recursos económicos e elevado nível cultural. O Conde de Valenças foi o secundogénito nascido do casamento de Manuel dos Santos Pereira Jardim e Guilhermina Amália Leite Ribeiro Freire, primeiros Viscondes de Monte São. A formação do Conde de Valenças foi iniciada no Colégio de S. Bento de Coimbra, onde teve como colega e amigo Zeferino Brandão, que nos informa em artigo publicado em 1887, que ambos entraram na Universidade de Coimbra3, onde no primeiro ano tiveram como professor o Visconde de Monte São. O mesmo amigo informa que, no decorrer desses anos, se dedicaram a ler romances, a publicar versos e a escrever contos amorosos. Também datam do mesmo período as intervenções do Conde de Valenças na Crysalida4, folhetim literário dirigido por Duarte de Vasconcelos5. Terá sido nos anos de universidade que Luís Jardim iniciou a amizade com João Penha6, que mais tarde vem a ser atestada pela volumosa correspondência epistolar que conservamos em arquivo. 1 – Luís Leite Pereira Jardim Fotograia de Emílio Biel Colecção do autor 1 Arquivo da Casa de Louriçal (=ACL), Correspondência / Valenças / Caixa 2 / maço 21 / doc. n.º 1. Carta não datada, de Francisco Vilaça a Luís Leite Pereira Jardim. 2 SOARES D´ALBERGARIA, Augusto de Athayde – Livro de Família I. Edição do Autor, 2014, p. 264. No entanto em ZÚQUETE, Afonso, dir.; CARLOS, João, il.; SILVA, J. Ricardo da, il.– Nobreza de Portugal e do Brasil, vol. III. Lisboa: Editorial Enciclopédia, 1961, p. 470, é dito que nasceu a 15 de Janeiro de 1844. 3 A FOLHA DO COMMERCIO: jornal commercial, agricola industrial, noticioso, litterario, artistico e theatral, IV ano, n.º 154. Lisboa: Rua da Procissão 150, p. 1. 4 A FOLHA DO COMMERCIO, op. cit., p. 1. A edição da Crysalida foi iniciada em 1863, e terá terminado em inais de 1864. Foi administrada por Duarte de Vasconcelos, Teóilo Braga e J. Simões Dias. 5 Juiz de Direito do Ultramar. 6 ACL, VAL / maço 21A / n.º 1, estão inventariadas 63 cartas enviadas por João Penha a Luís Leite Pereira Jardim. 560 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques 561 No ano de 1871, após brilhantíssimo percurso académico, onde se doutorou na Faculdade de Direito, tornando-se doutor de borla e capelo, o Conde de Valenças ascendeu ao lugar de lente da Universidade de Coimbra. Em 1875 foi nomeado membro da comissão encarregada de redigir o Código do Processo Criminal, o que motivou a sua transferência de residência para Lisboa. Em 1878 casou com Guilhermina Anjos, ilha do grande argentário e industrial António Lopes Ferreira dos Anjos. Alguns anos mais tarde, foi eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa, deputado e, inalmente Par do Reino. Em 1890 é nomeado ministro plenipotenciário junto da Corte de Viena. Foi sócio da Academia Real das Ciências, e condecorado com diversas ordens nacionais e estrangeiras. O título de Conde de Valenças foi mercê de D. Luís I, em duas vidas, por decreto datado de 3 de Março de 1887. Consta que o Conde de Valenças terá morrido em consequência do choque provocado pela implantação da República Portuguesa7, tendo expirado no dia 16 de Outubro de 1910. 2. A Casa do Pau de Bandeira A Casa do Pau de Bandeira, como é conhecida na família, situa-se no número 4 na rua do Pau da Bandeira, na freguesia da Lapa aristocrática, como disse Norberto de Araújo, ao referir-se às ruas de Buenos Aires, São Domingos e ruas adjacentes deste bairro lisboeta. Apenas nos deteremos nos detalhes estruturais da casa que sejam apontados na correspondência conservada no nosso espólio. O historial do edifício não é claro. Encontram-se diversas referências ao facto de o palácio ter sido ediicado por um dos titulares Porto Covo da Bandeira, para o seu ilho que não teria apreciado a construção. No entanto, não encontrámos qualquer informação que sustente esta suposição de forma incontestável. A estrutura original era constituída por dois pisos, águas furtadas e meia cave. A fachada enquadra-se dentro dos cânones estilísticos da 7 SOARES D´ALBERGARIA, Augusto de Athayde – op. cit., p. 264. 562 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques segunda metade do século XIX e os espaços interiores eram distribuídos de forma simétrica. No fundo Valenças conservamos uma carta remetida por Blumberg8, datada de 9 de Fevereiro de 1885, onde este informa o Conde de Valenças do seguinte: “Encontrei já um palacio com jardim, muito bom e bonito, q. se vende. Precisava fallar a V. Ex.ª sobre este assumpto, pedia o favor a V. Ex.ª de mandar-me dizer se podia ter a honra d´o esperar hoje em minha casa, no cazo de não poder ser o posso procurar no escritorio de V. Ex.ª. Tenho q. dar a resposta com a maior urgencia.” 9 2 – Vista da fachada principal do Palácio Valenças 1987 Colecção de António Simões de Almeida 8 Não foi possível apurar quem era exactamente o remetente do documento. No entanto, existiu uma família judaica em Lisboa que fez uso do sobrenome Blumberg nos anos aproximados aos deste documento. 9 ACL, VAL / maço 6 / n.º 12, carta de Blumberg a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 9 de Fevereiro de 1885. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 563 O documento supracitado é a primeira referência explícita que detectámos no fundo Valenças que refere a Casa do Pau de Bandeira, que aquando da sua aquisição, já existia com o formato que a caracterizou até à sua venda em 1987 por descendentes dos Condes de Valenças a António Simões de Almeida10. Em 1887, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou o processo de alterações11 ao edifício de inspiração neogótica que já existia, tendo sido construídos, de ambos os lados da fachada nobre, dois terraços de calcário, suportados por quatro pilares, que acentuaram ainda mais a simetria original da fachada, permitindo também o acesso ao espaço exterior das salas do segundo piso, que serviam como salões de recepção. A decoração de todos os espaços internos icou a cargo de uma equipa versátil de artíices, pintores e académicos nacionais de assinalável mérito. A fachada Sudeste, no local de uma reentrância, foi aproveitada com a criação de uma galeria 12 em ferro, na qual foram utilizados módulos repetitivos de ferro, nos gradeamentos das guardas, nas estruturas de suporte dos pavimentos assim como na cobertura. A varanda superior desta galeria era totalmente envidraçada com grandes janelas que protegiam o ambiente interior e simultaneamente serviam de auxiliar de iluminação das salas contíguas. Atribuímos o projecto desta galeria ao arquitecto Adães Bermudes13, que em carta datada de 16 de Setembro de 1888, escreve ao Conde de Valenças apresentando alguns detalhes que podemos relacionar, sem margem de dúvidas, com o projecto decorativo deste espaço: “Tive a honra de mostrar o desenho à Ex.ma Snr.ª Condessa, que se dignou aproval-o; ico esperando a opinião muito esclarecida de V. Ex.ª Como V. Ex.ª vê, adoptei um “motivo” de caracter moderno, que oferecesse silhuetas interessantes, afastando-se dos lambrequins rendilhados que tem nestes casos largo emprego por se encontrarem nas Fundições ja promptos, e a tanto por metro. 10 Agradeço as facilidades concedidas por António Vasco Jardim Hintze Ribeiro, Gabriela Maria Jardim Hintze Ribeiro, e Maria Jardim Hintze Ribeiro. 11 Arquivo Municipal de Lisboa, processo: 3873/1ªREP/PG/1887. 12 Nos diversos documentos que fazem referências às obras e encomendas para o espaço em causa, é sempre utilizado o termo galeria. 13 Arnaldo Redondo Adães Bermudes (1864-1948), nascido no Porto, mas com origem galega, foi um arquitecto, professor de arquitectura e político português. Notabilizou-se como um dos mais importantes impulsionadores do movimento Arte Nova em Portugal, tendo recebido diversos prémios Valmor. O seu percurso académico foi iniciado na academia Portuense de Belas Artes, tendo passado pela École des Beaux-Arts de Paris. 564 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques Segundo o meu plano as columnas icariam coroadas por baldaquinos ou doceis, ligados entre si por fachas ornadas de simples molduras e de glyphos ou ornamentos cavádos, que destacariam no fundo negro de toda a peça em dourado e nas tintas predominantes dos azulejos.” 14 3 – Vista da casa do Pau de Bandeira a partir da zona baixa do jardim 1986 Colecção Particular 14 ACL, VAL / maço 9 / n.º 11, carta de Arnaldo Adães Bermudes a Luís Leite Pereira Jardim. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 565 Em carta datada do mesmo ano, Constantino Pereira15, que mereceu o tratamento de Mestre por parte de Rafael Bordalo Pinheiro16, informou o Conde de Valenças do seguinte: “na semana passada fui as Caldas por cauza do Azulejo para o teto e paredes da galeria e mandei moldes; e Tive de sujeitar ao trabalho que o ha a fazer, as diversas formas de azulejo que ja existem na fabrica o qual me deu bastante trabalho para assim poder facilitar o seu fabrico. O Snr. Raphael [Bordalo Pinheiro] tem ali muito que fazer ou bem hade pintar ou dezenhar ou tratar da organização das oicinas, apesar de ali haver gente muito habil naquele genero de trabalho, falta ali um homem thecnico para tomar conta do trabalho […] isto é uma grande falta em uma fabrica que tende a desenvolverse […] As grades da galeria estão bastante adiantadas, quando não seja um desenho de gosto o que é certo é que é um trabalho de grande importancia e que se assemelha as grades da escada do Marquez da Foz.” 17 4 – Detalhe do lambrequim da galeria 1986 5 – Vista interior da galeria 1986 Colecção Particular 15 Constantino Augusto Pereira, pela correspondência, podemos depreender que seria um encarregado de obras. No entanto, nada foi possível apurar sobre a sua vida ou formação. 16 Veja-se o catálogo Leilão de Manuscritos, Autógrafos e Fotograias. Livraria Luís Burnay, Dezembro de 2008, p. 91. 17 ACL, VAL / maço 15 / n.º 13, carta de Constantino Augusto Pereira a Luís Leite Pereira Jardim. 566 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques O documento supracitado faz referência inequívoca aos padrões de azulejos, e aos formatos, criados propositadamente para a aplicação na galeria, pois os espaços onde os azulejos deveriam ser aplicados entre as estruturas metálicas, tinham medidas e encaixes que não correspondem aos formatos tradicionais do azulejo. Devemos supor que a relação estabelecida com a escadaria do Marquês da Foz, se relacione com o facto de a escadaria que descia da galeria para o jardim tivesse os elementos de ligação dos módulos metálicos e os corrimões em latão dourado, atendendo a que nenhuma semelhança existe do ponto de vista estético entre as duas obras. 6 – Fragmentos de azulejos da galeria Colecção Particular Fotograia de Joana Hintze Ribeiro Garrido, 2016 7 – Detalhe da estrutura que sustentava a varanda da galeria 1986 A leitura da carta escrita por Constantino Pereira levaria a supor que os azulejos da galeria teriam sido produzidos na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha18, como se pode depreender pelas referências a Bordalo Pinheiro. No entanto, os dois únicos exemplares que conhecemos, que sobreviveram à demolição da galeria, possuem marca da Fábrica de Alcântara19. As relações do Conde 18 A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha foi fundada a 30 de Junho de 1884 por Rafael Bordalo Pinheiro e pelo seu irmão Feliciano Bordalo Pinheiro. Em 2008 foi adquirida pelo grupo Visabeira, que lhe assegurou a continuidade produtiva e histórica. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 567 de Valenças com a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha já remontariam pelo menos a 1885, ano em que recebe uma carta remetida por Feliciano Bordalo Pinheiro, na qual lhe é pedida intercessão a favor da fábrica: “Tomo a liberdade de recomendar a V. Ex.ª o pedido que havia feito em favor da nossa fabrica, para se dignar empregar a sua valiosissima inluencia, para que a estação do Caminho de ferro nas Caldas da Rainha, seja collocada nas condições mais favoraveis para este estabelecimento, um dos que n´esta localidade maiores interesses pode proporcionar à Companhia.” 20 Em documento ao qual não foi possível aceder directamente, que se encontra parcialmente transcrito na descrição de um lote de manuscritos leiloados (o número 253 relativo a Rafael Bordalo Pinheiro), o artista esclarece esta questão do seguinte modo: “Custa-me muito não ser eu que lhe faça os seus azulejos, mas atendendo a que tem de acabar depressa vejo que é impossível e não desejo que ique com um trabalho maior” 21 O exterior da Casa do Pau de Bandeira foi estruturado em torno de arruamentos empedrados no jardim, com sarjetas e bocas de lobo que existiram até meados dos anos 80 do século XX, que asseguravam a dispersão das águas para que a totalidade da zona ajardinada fosse irrigada convenientemente. Socorrendo-nos novamente das palavras de Constantino Pereira, sabemos que, em 1888, “Ja se principiou a pintar o aviario, tambem dei comesso a calcetar os passeios em volta do palacio a mozaico”22. O termo mosaico neste caso concreto, corresponde ao que actualmente denominamos por calçada à portuguesa. Em consequência das obras de adaptação do exterior do edifício, a cargo do arquitecto paisagista Francisco Caldeira Cabral, a totalidade destes arruamentos e estruturas de apoio ao jardim desapareceram. Uma parcela considerável da lora centenária do jardim foi 19 A Fábrica de Loiça de Alcântara foi fundada em 1885, em 1886 passou para a irma Lopes & Co., que terá sido a sua proprietária até ao seu encerramento em meados de 1936. Esta fábrica era especializada em loiças estampadas e pintadas à mão, sendo a sua maior produção a loiça de uso comum. 20 ACL, VAL / maço 8 / n.º 6, carta de Feliciano Bordalo Pinheiro a Luís Leite Pereira Jardim. 21 Veja-se o catálogo Leilão de Manuscritos, Autógrafos e Fotograias. Livraria Luís Burnay, Dezembro de 2008, p. 92. 22 ACL, VAL / maço 15 / n.º 13, carta de Constantino Augusto Pereira a Luís Leite Pereira Jardim. 568 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques conservada e aproveitada, para a manutenção do espírito romântico que a área envolvente da piscina actualmente possui, correspondendo aproximadamente ao espaço ocupado pelo antigo lago do jardim. É evidente, na quase totalidade da correspondência, muito particularmente a que se situa no ano de 1889, o aparecimento de conlitos entre o Conde de Valenças e os diversos artistas que trabalharam na obra da casa do Pau de Bandeira. Será de supor que estes conlitos tenham sido fruto dos atrasos que foram impostos às obras, e a eventuais despesas superiores ao que haveria sido inicialmente acordado. 8 – Aviário do jardim Rocha & C. Phot. c. 1890 Colecção Particular 9 – Entrada da Casa do Pau de Bandeira Rocha & C. Phot. c. 1890 Colecção Particular 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 569 570 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” 571 Actualmente funciona, no antigo edifício, o hotel Olissipo Lapa Palace, após grandes campanhas de reformas estruturais feitas no edifício, ocorridas na década de oitenta do século XX, como já icou dito anteriormente. Foram arquitectos intervenientes Alberto Cruz, Manuel Cruz, e coordenador da obra Joaquim Mendia (mais tarde, numa nova venda do ediico ao grupo Orient Express interveio o arquitecto Mike Scott). A maioria das opções tomadas na reforma do edifício não respeitaram a estrutura original da casa, tendo sido destruída de forma irremediável a importante galeria e a quase totalidade dos elementos decorativos originais. O programa decorativo realizado por Lucien Donat, Graça Viterbo e Pedro Leitão, tal como a campanha de reforma estrutural, não conservou os ambientes internos autênticos, os quais actualmente praticamente nada respeitam o programa decorativo original, programa esse que, em muitos dos casos, segundo a tradição oral familiar, foi idealizado pelo próprio Conde de Valenças. Por este motivo, as imagens efectuadas pouco tempo antes da venda do edifício são importantes testemunhos documentais que permitem ilustrar as obras referidas na correspondência que conservamos, e que na maioria dos casos são o único registo gráico dos trabalhos de alguns dos mais importantes artistas nacionais, do último quartel do século XIX. 10 – Sala Rosa 1986 Colecção António Simões de Almeida 572 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques II – Espaços e objectos 1. A casa de entrada A casa de entrada, ou vestíbulo do edifício, localizava-se no centro da fachada virada para a rua do Pau de Bandeira. Interiormente, o espaço delimitava o vestíbulo das restantes áreas da casa, tendo duas entradas laterais que davam acesso a outras dependências, e um guarda-vento de gosto sóbrio, com o monograma do Conde de Valenças em vidro fosco gravado, emoldurado por cantaria de gosto neoclássico. 11 e 12 – Vestíbulo c. 1987 Colecção António Simões de Almeida 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 573 Presumimos que a decoração existente no vestíbulo ao tempo da alienação da propriedade já no século XX, não corresponda ao que seria o projecto original para este espaço. Em carta remetida por Constantino Pereira, o Conde de Valenças é informado do seguinte: “Emquanto a caza de entrada forão chamados os Srs. Januario Correa Bonifacio para dar um orçamento da pintura das fachas de tecto e paredes o qual pedirão 300:000 mil réis pelo seu trabalho. Sendo chamado o Snr. Gorjão este pede 250:000 réis. O Sr. Manuel João pelo trabalho de douradura pede 90:000 réis e o Snr. Luiz Venancio 60:000 réis. Eu calculo que a caza completa de toda a pintura e douradura que não importa em menos de 4.200:000 (isto não incluindo as telas) o que acho muito para uma caza de entrada. A pintura é muito mais ina e milhor gosto do que a da sala de bilhar. Eu ja falei a alguem para fazer um croqui muito mais simples e bonito. Com isto não desejo melindrar otrem, é simplesmente fazer economia. Não mandei a mais tempo orçamento desta caza porque Manuel João tinha ido para Évora e eu queria ouvir a sua opinião. ás horas que estou escrevendo a V. Ex.ª é que me troxe o orçamento.” 23 A 12 de Setembro de 1888, também Rafael Bordalo Pinheiro escreveria ao Conde de Valenças colocando a seguinte questão, “o que V. S.ª resolve sobre o plano da casa d´entrada […] para que mais tarde me não diga que obras dirigidas por mim ou sobre planos meus sahem demasiado caros”24. A decoração que subsistiu, e na qual não existiam indícios de intervenções posteriores, não tinha estuques dourados, e se os teve, foram repintados – como sugerem as imagens a que tivemos acesso. O arquitecto Adães Bermudes, em 1891, encontrando-se em Paris, daria o aviso de que já teria enviado um orçamento para ornatos em staf e carton-pierre, materiais considerados moderníssimos 25, e que segundo Bermudes não eram produzidos em Portugal, e seriam bastante adequados à decoração dos dois espaços. A contratação 23 ACL, VAL / maço 15 / n.º 13, carta de Constantino Augusto Pereira a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 1888. 24 O documento não se encontra no nosso espólio, mas encontra-se descrito no catálogo Leilão de Manuscritos, Autógrafos e Fotograias. Livraria Luís Burnay, Dezembro de 2008, p. 92. 25 DODD, George – Curiosities of Industry. London: George Routledge and Co., 1858, p. 19. 574 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques que Adães Bermudes fez para o vestíbulo e para a escada da casa 26, terá sido aplicada apenas à escada e não ao vestíbulo. Conforme se pode veriicar, nas imagens que retratam estes espaços, o carton-pierre ainda subsistia na década de oitenta do século XX, no revestimento integral dos vãos da escadaria, para os quais o Conde de Valenças teria sido prevenido, de que seriam as “unicas despezas d´alguma importancia” 27. A análise da correspondência que diz respeito à casa de entrada indicia que a opção escolhida, e mantida, de acordo com o que as imagens sugerem, tenha sido a solução que Constantino Pereira considerou mais económica, pois é a única que apresenta programa decorativo semelhante ao que é descrito na correspondência. No ano de 1891, Adães Bermudes ainda terá apresentado um novo projecto, que o próprio considerou dispendioso, e informou o Conde de Valenças que “Á primeira vista parece caro; mas na realidade, é baratissimo”, terminando a mesma carta airmando: “se considerar-mos os preços, a lentidão e incompetencia dos nossos industriaes e operarios. Alem de que para este trabalho de ornamentação não ha ahi ninguem habilitado”28. Ainda é conhecido o paradeiro de uma das pinturas que ornamentavam o espaço imediato ao vestíbulo, na escadaria principal da casa. Na parede direita do segundo lance da escadas existia uma pintura que representava a praia do Alfeite, assinada por António Monteiro Ramalho Júnior que terá sido adquirida pelo Conde de Valenças na Exposição de Quadros Modernos de 1882. A pintura encontra-se registada no catálogo da exposição, com o número trinta e dois, com o valor de cem mil reis, e em artigo publicado pela revista Ocidente, onde se encontra uma reprodução da mesma pintura em desenho, encontramos a informação de que foi “comprado pelo sr. Dr. Luis Jardim (desenho do mesmo auctor)” 29. São conhecidos diversos trabalhos do mesmo pintor, que se presume tenham sido feitos em companhia do seu mestre Silva Porto, que apresenta trabalhos com panorâmicas semelhantes, nos mesmos anos e com as mesmas localizações. O óleo que reproduz a praia do Alfeite, com as suas “aguas, d’um socego 26 ACL, VAL / maço 9 / n.º 11, carta de Adães Bermudes a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 11 de Outubro de 1891. 27 Idem. 28 ACL, VAL / maço 9 / n.º 11, carta de Adães Bermudes a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 1891. 29 29 OCCIDENTE: Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro, 5º Anno – Volume V - n.º 115. Lisboa: Lallemant Frères, 1882, p. 52. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 575 13, 14, 15 e 16 – Escadaria principal c. 1980 Colecção Particular 576 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques somnolento, são soberbamente tocadas, bordadas d ’espumas claras e manchadas d ’esverdeamentos fluctuantes d ’algas. E todo o quadro, com o monte verdejante que, salpicado de casarias brancas, vae subindo, ao fundo, até ao azul sereno da atmosphera inundada de sol, é d’uma perspectiva excellente, e d’um efeito geral esplendido”30, serviu a decoração da escadaria da Casa do Pau de Bandeira até meados de 1986, e ainda se encontra em posse da família. 17 – Praia do Alfeite António Ramalho Júnior 1881 Óleo sobre tela Colecção Particular Fotograia de Joana Hintze Ribeiro Garrido, 2017 30 OCCIDENTE, op. cit., p. 50-51. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 577 2. A sala gótica, ou da esgrima A decoração desta sala, na correspondência denominada sala gótica, e na tradição oral familiar conhecida como a sala da esgrima, originalmente era toda feita com talha em madeira de carvalho, completada com estuque na parte superior das paredes, com o tecto em estuque relevado com lores de lis douradas criando pontos de luz; e as portas, das quais resta uma original, com as ferragens em aço polido ao gosto medieval. Por esta sala era possível aceder directamente à biblioteca/escritório do Conde de Valenças, assim como ao torreão, por uma porta camulada pela talha contínua que forrava a parede, onde se encontrava a tina para banhos e outras dependências de uso particular. A sala era iluminada por vitrais igurativos de gosto “gótico”, os quais originalmente revestiam todas as janelas desta sala. Foram recolocados no espaço actualmente ocupado pela recepção do hotel. Este importante conjunto de vitrais foi encomendado em Paris, ao atelier de Charles-François Champigneulle e ilhos31. Desconhecemos em que data, e não foi possível encontrar quaisquer referências a esta encomenda na correspondência que conservamos. No entanto devemos referir que se trata de um dos mais conceituados ateliers, que forneceu diversas catedrais e palácios europeus, de entre os quais destacamos o Palácio Yusupov (São Petersburgo). Nas imagens mais antigas que se conservam e que representam interiores e exteriores da casa, já são visíveis os vitrais que inicialmente ornavam esta sala. Em 1888, informa Constantino Pereira o seguinte: “Sala gotica. O lamby que faltava aos lados da chaminé estão concluidos, emquanto a canteria da dita esta muito adiantada. Para a proxima semana principio a dar olio nas paredes emquanto ao parquet e trabalhos de intalhador vão igualmente bastante adiantados.” 32 31 Louis-Charles-Marie Champigneulle (1853-1905), foi segundo ilho de Charles-François Champigneulle, mestre vidreiro. Os seus trabalhos foram distinguidos com diversas medalhas, tendo inclusive sido nomeado membro do júri que atribuía as medalhas honoríicas na arte do vidro, em diversas exposições universais realizadas em Paris. 32 ACL, VAL / maço 15 / n.º 12, carta de Constantino Augusto Pereira a Luís Leite Pereira Jardim. 578 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques 18 – Assinatura do atelier CharlesFrançois Champigneulle Fotograia do autor, 2016 19 – Vitrais da sala gótica Fotograia do autor, 2016 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 579 A lareira que se encontrava ao centro desta sala, originalmente possuía no medalhão central o escudo com as armas e coronel do Conde de Valenças. Aquando da venda da propriedade, o mesmo foi salvaguardado pela família. O retrato que é contemporâneo dos primeiros anos da casa, permite veriicar que esta sala se encontrava desprovida de mobiliário, sendo apenas visível um cadeirão de gosto medieval, uma cadeira e um mocho, e algumas espadas japonesas penduradas num dos cogulhos da lareira. Uma análise atenta da imagem sugere que todo o mobiliário fará parte da encomenda da própria sala, pois todas as peças apresentam elementos heráldicos e semelhanças na gramática decorativa adoptada. 20 - Sala da esgrima c. 1890 Fotograia de Francesco Rocchini Colecção Particular 21 – Cogulho da sala da esgrima Madeira Leandro Braga Fotograia do autor, 2016 A 25 de Setembro de 1888, Rafael Bordalo Pinheiro já teria concluído os desenhos para o fecho das janelas e portas da sala, assim como o desenho que serviu para as armas que ornavam o fogão, que também terá sido concebido por Bordalo Pinheiro, que, aliás, manifestou dúvidas de carácter heráldico, prevenindo o Conde de Valenças de que não sabia se a “divisão 580 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques que izemos do brazão pode ser permitida pelas leis da heráldica que desconheço completamente” 33. Em carta não datada, mas que podemos apontar para 188834, remetida por Francisco Vilaça35, que trabalhou como decorador e pintor da casa do Pau de Bandeira, o Conde de Valenças é informado de que: “É hoje quinta-feira e ahi lhe envio o cogulho para as portas da sala gothica. É um trabalho de Leandro Braga e por isso peço a V. Ex.ª que se não gostar o não deixe destruir.”36 Na sequência desta carta, Francisco Vilaça remete outras ao Conde de Valenças onde apresenta diversas recomendações para visitas ao atelier de Leandro Braga37, de forma consistente durante um longo período. Juntamos, a esta informação, o facto de, por norma, as obras em que Vilaça era contratado simultaneamente eram adjudicadas a outros membros do Grupo do Leão38, nos quais se inserem Leandro Braga e todos os restantes artistas nacionais que intervieram directamente na decoração do edifício. 33 Veja-se o catálogo Leilão de Manuscritos, Autógrafos e Fotograias. Livraria Luís Burnay, Dezembro de 2008, p. 92. 34 A correspondência faz referência a factos ocorridos em datas anteriores a 1889. 35 Francisco Vilaça (1850-1915), arquitecto, pintor e decorador português. A sua obra ainda não se encontra devidamente estudada, sendo raras as referências aos seus trabalhos, na bibliograia consultada. Os trabalhos que terá efectuado e dirigido e que actualmente maior destaque têm são a reforma efectuada ao palácio do Beau Séjour, e a Torre de S. Sebastião, actualmente Museu Condes de Castro Guimarães em Cascais, onde terá conduzido e adaptado o projecto original de Luigi Manini. 36 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (10) , carta de Francisco Vilaça a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 37 Leandro Braga (1839-1897) era ilho do armador de igrejas André de Sousa Braga. Muito cedo lhe foi reconhecido o mérito artístico, tendo sido discípulo do entalhador Inácio Caetano e do escultor Anatole Calmels, notabilizando-se em diversas empreitadas onde trabalhou com os mestres, de entre as quais se destaca o arco triunfal da Rua Augusta em Lisboa e o dossel do trono na Câmara dos Pares. Ao longo do tempo Leandro Braga recebeu importantes encomendas particulares, para as quais executou obras de talha: no palácio da Ajuda, fez decoração para a casa de jantar, encomenda de D. Maria Pia, assim como para o atelier e para o boudoir, que tem muitas semelhanças à decoração que mais tarde faz para o salão Luís XV do palácio do Marquês de Valle Flor; por ocasião do casamento do então Duque de Bragança, D. Carlos, decorou algumas salas do palácio de Belém, e executou o leito nupcial de D. Carlos e D. Amélia, estilo Luís XV. Também trabalhou na decoração e na mobília da casa de jantar, ao gosto do século XVI, do Conde de Cabral; fez a decoração do chalé dos Duques de Palmela em Cascais; a escada e gabinete Renascença, a grande sala de baile e a sala Luís XVI do palácio do Marquês da Foz na avenida da Liberdade; o salão, a casa de jantar, um gabinete e a capela do chalé de Frederico Biester, em Sintra. 38 Em ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (14), Francisco Vilaça escreve ao Conde de Valenças a sugerir a aquisição de uma pintura que teria estado exposta na Cervejaria Leão de Ouro em Lisboa, “Essa tela é a mesma que esteve o ano passado na exposição do Leão, ainda por concluir”. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 581 Apesar da inexistência de provas de que a totalidade do trabalho da sala da esgrima seja obra de Leandro Braga, atendendo aos motivos anteriormente expostos e aos objectos ainda existentes, pensamos poder airmar que se trata de um trabalho integral, proveniente do atelier deste escultor nacional. Na correspondência de Francisco Vilaça ao Conde de Valenças onde o escultor Leandro Braga é referido, encontra-se referência a uma informação, que presumimos inédita, acerca de uma pintura que existiu no leito onde a Rainha D. Amélia terminou os seus dias em Yvellines (Versailles)39. Assim nos informa Vilaça: “Sinto não poder mostrar a cama de S. M. a Rainha para a qual executei um quadrinho genero Boucher, mas como o espelho não será enviado p.ª Cascáes senão na segunda-feira, e n´elle existe uma pintura do mesmo genero, se V. Ex.ª, e a Exma. Senhora Condessa, me quiserem honrar com a sua apreciação poderão vêl-o na oicina do Braga.” 40 O supracitado leito, destruído em consequência da morte da Rainha D. Amélia, teria um espelho41 que faria parte do conjunto encomendado. Por uma outra carta, Vilaça recomenda ao Conde de Valenças uma visita ao atelier de Leandro Braga, pedindo o favor de ser informado de quando faria esta visita, para ver o respectivo espelho. Finalmente, em 12 de Setembro de 1888, Rafael Bordalo Pinheiro relata ao Conde de Valenças que, tendo visitado a obra da casa do Pau de Bandeira, encontrara a obra muito adiantada, e tinha dado indicações a Manuel João da Costa, dourador, para dar início às obras de douradura, com indicações expressas para alteração da cor de fundo da madeira, de modo a torná-la mais escura. 39 Existe uma imagem desta mesma cama na obra NOBRE, Eduardo – AMÉLIA Rainha de Portugal. Quimera Editores, 2006, p. 179. 40 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (12), carta de Francisco Vilaça a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 41 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (11), carta de Francisco Vilaça a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 582 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques 3. A sala do bilhar A divisão da casa do Pau de Bandeira que se encontra melhor documentada é a denominada sala do bilhar. Esta sala, para a qual existia acesso directo pelo vestíbulo da casa, também é uma daquelas para a qual existe menos registo gráico. No entanto, praticamente todos os elementos referidos na correspondência foram fotografados. Veriica-se que a mais antiga alusão às obras nesta sala saiu do aparo de Constantino Pereira, que a 19 de Julho de 1888 diz: “A sala do bilhar já está toda invernizada só espera pelas lores do Snr. Bordallo Pinheiro e pelas telas do Snr. Villaça, e incluzo remeto uma carta deste Snr. e V. Ex.ª por ella verá o adiantamento das ditas”42, informando na mesma carta que as respectivas lores já estavam cozidas, e que seriam pintadas e não vidradas, para obter o efeito pretendido. O espólio fotográico que se conserva em posse da família, infelizmente, não reproduz as lores, que presumimos seriam em cerâmica, e que eventualmente serviriam de ornato ao tecto desta divisão. O conjunto epistolar de Francisco Vilaça, como já icou dito, na sua maioria não se encontra datado, e, por esse motivo, a correspondência que citaremos, com interesse para a decoração da sala do bilhar, poderá não estar devidamente ordenada. No entanto, as fontes serão apresentadas de forma sequencial e , aparentemente, mais correcta cronologicamente. No primeiro documento remetido por Vilaça relativo à sala do bilhar, é pedido ao Conde de Valenças que lhe seja adiantado o dinheiro para a obra, pois não era possível “provêr como desejava ás despesas de aviamento que me são necessarias para a execução dos trabalhos da sala de bilhar”43. Na mesma carta, Vilaça refere que havia falado com Rafael Bordalo Pinheiro a esse respeito e que este lhe haveria dito que se entendesse com o encomendador das obras. Imediatamente, remete nova carta na qual recomenda o portador da mesma, o dourador Manuel João da Costa, que Vilaça desejava que fosse encarregue dos dourados da sala de bilhar44, assim como da superintendên- 42 ACL, VAL / maço 15 / n.º 3, carta de Constantino Pereira dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 1888. 43 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (4), carta de Francisco Vilaça dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 44 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (3), carta de Francisco Vilaça dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 583 cia das pinturas lisas da mesma sala, pois era homem da sua inteira coniança e aiançava que era um dourador de muita prática em trabalhos semelhantes, tal como no cuidado na sua execução. 22 – Detalhe dos puxadores da sala do bilhar 1986 Colecção Particular 23 – Detalhe da decoração mural 1986 Colecção Particular Sem motivo aparente que permita esclarecer as razões que o justiicam, Francisco Vilaça escreve uma enorme carta, acompanhada de “nota historica” sobre a obra da sala do bilhar, que, pelo seu interesse, entendemos transcrever integralmente, atendendo a que como – já icou dito – em determinados momentos torna-se óbvia a existência de conlitos entre o Conde de Valenças e os artistas. Neste caso em particular, o prejuízo a favor de Vilaça, aparentemente, terá sido de importância: “Certo de que V. Ex.ª julga proceder com o cavalheirismo e rectidão que lhe são peculiares, e que, só por esquecimento está comettendo uma grave injustiça para comigo decido-me a enviar a V. Ex.ª uma nota historica (permitta-me a expressão) do trabalho que executei na sala de bilhar. Peço a V. Ex.ª que a leia com attenção. O esquecimento de V. Ex.ª colloca-me na necessidade de relembrar-lhe cousas que 584 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques desejaria calar, mas o pezar que sinto ao vêr tão mal apreciado o meu procedimento é tal, que a expansão impoem-se… Eu creio conhecer suicientemente a V. Ex.ª para airmar a mim mesmo que V. Ex.ª está convicto de que procedeu bem. Estou tão convencido de que V. Ex.ª esqueceu tudo quanto entre nós se passou. Tenho esperado todos os dias a visita de V. Ex.ª para saber o que determinou a respeito do quadro que falta na sala de bilhar. Continuarei a esperar a esse respeito as ordens de V. Ex.ª. Quanto a preço já o disse a V. Ex.ª – nada – e, peço-lhe que não insista sobre este ponto. […] Nota historica dos trabalhos de decoração da sala do bilhar. O trabalho que me foi proposto constava de 4 panneaux (070 x 1,60) e um grande (3,60 x 1,60) que deviam ser pintados a claro-escuro em azul (grisaille genre vignette.). O meu orçamento para este trabalho, ou antes, o calculo approximativo que iz, e que V. Ex.ª aceitou, foi de r. 600.000, não incluindo material, e mais despesas. Esta quantia era por mim dividida da seguinte forma, os 4 panneaux pequenos a 75.000 r. cada um e o grande 300.000. Nada mais razoavel. Ora, succedeu que, depois de tres experiencias prévias duas das quaes foram destruidas pelos pintores (experiencias de que eu prescindia e que me foram impostas), icou assente contra minha opinião que se executasse o trabalho em azul como tinhamos ajustado. Executei com efeito d´esse modo os 4 panneaux, e colloquei-os nos respectivos lugares completamente acabados. – O resultado foi o que eu tinha previsto, e V. Ex.ª determinou que se abandonasse aquelles, e se izesse outro genero de trabalho. Se, n´essa occasião, eu procedesse como outro qualquer teria feito, pedindo o pagamento do trabalho concluido, e fazendo novo ajuste para o novo trabalho que nada tinha com o primeiro abandonado e que sendo muito mais diicil custaria mais caro, V. Ex.ª acharia isso razoavel porque o era, e eu lucraria muito mais. – Eu porem sentindo-me já amigo de V. Ex.ª, (e creia que sou) e lembrando-me da gentileza com que sempre procedêra comigo puz de parte o interesse, e disse-lhe que faria o novo trabalho pelo mesmo preço do outro deixando a V. Ex.ª a liberdade de indemnizar-me como entendesse do trabalho perdido sem culpa minha. – Em seguida, iz outro panneau com fundo dourado. Esse como os outros tambem não agradou a V. Ex.ª e foi então que a minha primeira e constante ideia prevaleceu. Permitta agora V. Ex.ª apenas como nota historica que o algarismo diga alguma cousa. Não contanto senão as telas acabadas segundo o calculo primitivo (75.000 r.) tenho 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 585 eu um prejuizo de 375.000 r, recebi ao todo 820.000 dos quaes deduzindo 86.000 (telas, tintas, fretes xxx) restam 714.000 icando o meu prejuizo em 261.000. – V. Ex.ª dá-me por conseguinte 134.000 r. como indemnisação de 261.000. Não me queixei; agradeci, e confessei-me satisfeito. Sómente, para arcar com as diiculdades em que me vejo, e que resultam do prejuizo que tive na sala do bilhar, procurei um meio delicado e pedi a V. Ex.ª que me adiantasse a importancia de um quadro que me tinha encomendado. Estou certo de que se V. Ex.ª não tivesse esquecido tudo o que aqui lhe relembro exultaria com o meu pedido por ter uma occasião de corresponder de algum modo a delicadesa do meu desinteresse. Faço-lhe esta justiça, e serei sempre – porque eu não me esqueço – De V. Ex.ª V.or e amigo obr.mo F Villaça” 45 Na sequência desta carta, presumimos que o Conde de Valenças tenha solucionado o assunto de caracter económico com Vilaça, pois por um outro documento, veriicamos a insistência do encomendador junto de Constantino Pereira para que proviesse grades para uma tela que estaria para chegar, e Vilaça airma: “desejo terminar os trabalhos da sala de bilhar com a maxima rapidez”46. Voltando ao assunto da “nota historica”, previne também o Conde de Valenças do seguinte: “Cabe aqui dizer a V. Ex.ª que, não quero que os novos trabalhos a fazer p.ª a sala de bilhar ultrapassem o orçamento que dei em principio, apesar do trabalho perdido, e embora a nova pintura seja mais trabalhosa, sei que V. Ex.ª tem gasto muito com a sala de bilhar e não quero contribuir p.ª que lhe ique mais cara”47. Termina a carta conirmando a sua disponibilidade para continuar a trabalhar nas obras, assim como expressando o desejo de que o Conde de Valenças não se arrependesse de ter coniado o trabalho a artistas nacionais, e muito particularmente ao próprio Francisco Vilaça. 45 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (9), carta de Francisco Vilaça dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 46 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (14), carta de Francisco Vilaça dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 47 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (14), carta de Francisco Vilaça dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 586 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques As últimas duas cartas de Vilaça que dizem respeito à sala do bilhar, já após a resolução do entrave causado pelas pinturas, têm um carácter mais amistoso e que relecte o restabelecimento da boa relação entre ambos. É citada uma visita de Rafael Bordalo Pinheiro e de Columbano Bordalo Pinheiro à casa, que, segundo airma Vilaça, teriam apreciado muito a sala do bilhar, e em particular um banco que deveria ter “o forro do estrado encarnado vivo, igual ao da barra que serve de fundo às ventardas da sanca”48. 24 – Detalhe de um dos cantos do tecto da sala de bilhar 1986 Colecção Particular 48 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (18), carta de Francisco Vilaça dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 587 25 e 26 – Pinturas de Francisco Vilaça para a sala do bilhar Óleo sobre tela Colecção Particular Fotograias de Joana Hintze Ribeiro Garrido, 2016 588 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques De acordo com a ilustração que se apresenta, onde se podem distinguir as vespas a servir de decoração no tecto, Vilaça relata que a ideia “das vespas ao centro da esteira”49 fora de Rafael Bordalo Pinheiro, que, aliás, terá também sugerido a possibilidade da colocação de uma bola de bilhar a formar um lorão no tecto, em conjunto com as vespas. A 31 de Outubro de 1888, o Conde de Valenças foi informado por Bordalo Pinheiro de que as vespas, assim como as lores de cerâmica que serviriam para a decoração da sala, já estariam prontas para sair do forno da Fábrica das Caldas da Rainha50. Esta mesma sala teria as portas pintadas com os mesmos padrões que as paredes, e o lustre central terá sido uma encomenda direccionada no sentido da decoração da sala, pois também ele tinha bolas de bilhar como elementos decorativos, assim como os respectivos abat-jours em vidro opalino que acompanhavam a mesma gramática decorativa do friso das paredes. Apesar da completa destruição do interior da sala de bilhar, onde aparentemente trabalharam em conjunto Francisco Vilaça e Rafael Bordalo Pinheiro, temos conhecimento do paradeiro de dois dos “panneaux” que foram citados na correspondência, e de que aqui deixamos as reproduções. 4. A sala de baile A sala de baile da casa do Pau de Bandeira, é o único espaço interno que teve a gramática decorativa original minimamente respeitada. Foram enviadas de Paris, por Adães Bermudes, 3 cartas datadas de 7, 8 e 11 de Outubro no ano de 1891 e que apresentam algumas informações relacionadas com a decoração da sala de baile. A 7 de Outubro, é remetida para Lisboa, uma carta na qual Adães Bermudes informa o Conde de Valenças acerca da diiculdade que existia para serem encontrados blocos de mármore suicientemente grandes, nos quais fossem esculpidas colunas com dimensão para o efeito pretendido, e que haveria a necessidade de contactar os proprietários das jazidas que forneciam os respectivos mármores, demonstrado a sua preocupação ao airmar: 49 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (18), carta de Francisco Vilaça dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 50 Veja-se o catálogo Leilão de Manuscritos, Autógrafos e Fotograias. Livraria Luís Burnay, Dezembro de 2008, p. 92. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 589 27 – Detalhe do tecto da sala de baile 1986 Colecção Particular 28 – Um dos aspectos da sala de baile, sem as pinturas nos respectivos lugares 1986 Colecção Particular 29 – Sala de baile, com as pinturas originais Primeira década do século XX Colecção Particular 30 – Detalhe dos capitéis da sala de baile Fotograia do autor, 2016 590 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques “São as colunas que me dão mais cuidado. Os marmores vermelhos, sem veios brancos, taes como o “Rouge Antique” e a “Griotte Francesa” são belissimos mas muito caros; a “Griotte Flamenga”, o “Languedoc” etc, são tambem mui bellos, mas os veios brancos predominam ás vezes sobre os vermelhos. O efeito não é feio mas é absolutamente contrario ao efeito decorativo que eu tinha em vista e por tanto creio que se devem escolher os blocos, n´este sentido, para as collumnas.” 51 Na mesma carta, Adães Bermudes demonstra o desinteresse que tinha pelos gessos pintados a imitar mármores quando diz ao Conde de Valenças que, “Se V. Ex.ª mandar fazer esses objectos em escayolla ou escariolla, icam quasi pelo mesmo, levam mais tempo, e ainal isso está para o marmore como o pechisbeque para o ouro”. A carta datada de 8 de Outubro sugere que os capitéis das colunas seriam de bronze. No entanto, não foi possível apurar se os capitéis que actualmente existem no espaço que originalmente correspondia à sala de baile são, efectivamente, os originais. A correspondência refere uma série de industriais, no entanto a ausência das respostas do Conde de Valenças não nos permite saber quais terão sido os escolhidos para fornecer os mármores e os capitéis. Por entre as sugestões apresentadas, destacam-se a casa Parfonry em Paris, Val d´Osne e Mr. Evrard, em Anvers. Originalmente, o programa decorativo da sala de baile era fortemente marcado pela série de 7 painéis, cada um com 250 centímetros de altura, que Columbano Bordalo Pinheiro pintou para este espaço, denominada “A dança através dos tempos”, temática perfeitamente enquadrada na utilização que a sala deveria ter. O tecto, decorado com estuque relevado, pintado e dourado, ao centro tinha uma tela embutida, e as restantes nas paredes laterais — a totalidade destas obras foi criação de Columbano. Muitos dos personagens retratados nas pinturas seriam amigos e familiares do Conde de Valenças. Socorrendo-nos das memórias de António Teixeira Lopes, somos informados de que, nos últimos meses de 1892, encontrando-se o autor em Lisboa para entregar o busto da Condessa de Valenças, 51 ACL, VAL / maço 9 / n.º 11, carta de Adães Bermudes dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 7 de Outubro de 1891. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 591 “Nesse mesmo salão andavam a ser ixadas, nas paredes, as admiráveis telas decorativas do grande pintor Columbano, e que representavam a dança através dos tempos”52. Sobre este conjunto de pinturas, Fialho de Almeida escreveu: “Columbano Bordalo acaba de mostrar a meia dúzia de íntimos, no seu atelier do Pátio Martel, trabalhos de decoração executados por encomenda do conde de Valenças, para a sala de baile do mesmo senhor. O interesse provocado nos visitantes, por esta obra de Columbano, a mais ampla do artista, e a mais superiormente executada de quantas até agora lhe saíram das mãos, avaliar-se-á na razão das contrastantes opiniões que ela logrou provocar em espíritos que, sobre a nenhuma educação do museu, tinham ainda a restringir-lhe as vistas críticas todos os parti pris da cor do artista, essa cor pessoal que tantos iliam num defeito óptico, tendo o cinzento por tom predominante. A pintura é a óleo, e consta dum tecto que não pudemos ver, e foi pintado in situ, e de sete panneaux de cerca de três metros de alto, e de largura diferente, que serão aplicados às molduras de estuque do salão de baile a que se destinam. Nestes últimos desenrola-se uma espécie de revista histórica da dança, por quadros concretos, abrangendo os ciclos em que o costume mais pitorescamente disse com esta arte de dar à perna, em que tanto se compraz nas horas de ócio, a humanidade”53. 31, 32 e 33 – Três dos sete painéis da sala de baile Columbano Bordalo Pinheiro 1891 Créditos fotográicos: Veritas Art Auctioners 52 TEIXEIRA LOPES, António — Ao correr da pena. Memórias de uma vida… Câmara Municipal de Gaia, 1968, p. 130. 53 FIALHO DE ALMEIDA, José Valentim — Os Gatos. Círculo de Leitores, 1988, p. 163. 592 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 593 594 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 595 5. O busto da Condessa de Valenças A mais antiga menção ao busto da Condessa de Valenças, encomendado a António Teixeira Lopes, é facultada pelo próprio nas suas memórias, quando airma que, após uma exposição, lhe fora encomendado o busto da Condessa, “uma formosíssima e distinta igura que se prestava a uma obra muito decorativa”54. Apesar de,o mesmo volume de memórias, acrescentar que considerava a Condessa de Valenças “uma das mais elegantes damas da nossa aristocracia. Esse busto, não obstante o seu efeito decorativo, é manifestamente inferior ao outro”. O outro que Teixeira Lopes refere, era o busto esculpido no mesmo ano e que retratava Madame Michon. Os dois bustos foram destinados ao Salon de Paris55, que abriu em Maio de 1892, correspondendo a Teixeira Lopes, o número 311156 do respectivo catálogo, que elenca as duas esculturas. Encontrando-se em Paris a 10 de Novembro de 1892, Teixeira Lopes escreve pela segunda vez ao Conde de Valenças a requisitar um pagamento relacionado com o busto, e a 11 de Dezembro do mesmo ano, chegado do Congresso Jurídico que teria tido lugar em Madrid, em cópia da carta enviada a Teixeira Lopes, o destinatário é informado do seguinte: “hoje escrevo a V. Ex.ª para lhe dizer, que mantenho o contrato que izemos, de nesta sua casa, de o reembolsar da segunda parte da importância […] pelo busto encomendado e principiado no verão de 1889”57. Ainda nas suas memórias, Teixeira Lopes reproduz uma notícia que teria sido publicada no Comércio do Porto a 11 de Maio de 1892, onde o escritor francês La Fresnaye haveria dito sobre o busto da Condessa de Valenças: “O busto da Senhora Condessa de Valenças, apesar das suas boas qualidades de nobreza e elegância, não iguala o de Madame Michon. Verdade é que a luz crua que recebe não lhe é favorável”58. Encontrando-se Adães Bermudes em Paris em Agosto de 1889, em visita ao atelier de Teixeira Lopes, redigiu uma carta integralmente dedicada a este busto, e que transcrevemos: 54 TEIXEIRA LOPES, António – op. cit., p. 91. 55 TEIXEIRA LOPES, António – op. cit., p. 109. 56 Catalogue illustré de Peinture et Sculpture du Salon de 1892. Ludovic Baschet, éditeur, 1892. 57 ACL, VAL / maço 9 / n.º 14, cópia de carta de Luís Leite Pereira Jardim a António Teixeira Lopes, datada de 11 de Dezembro de 1892. 58 TEIXEIRA LOPES, António – op. cit., p. 122. 596 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques “Fui hoje ao atelier do Teixeira Lopes ver o busto da Exma. Snr.ª Condessa, e trouxe de lá impressão excellente. Elle tem conseguido obter extraordinarias inezas de modelação sem alterar o que na cabeça ha de typico e caracteristico; e estou persuadido que este trabalho icará uma obra-prima d´esculptura se elle poder acabar o marmore d´après nature. Os cabellos e as roupas estão admiravelmente tratados; os braços, para não sofrerem a mutilação ordinaria, terminam n´uma ècharpe imperio que se compõem muito bem com o grande laço que, collocado a um dos lados do corpo, destroe a monotonia das linhas. D´esse lado escapa-se, abraçando o supedaneo do busto, uma grinalda que deixa entrever entre as lores e as folhas que a compõem, uma corôa condal. Numa palavra; — um trabalho superior e delicado. Teixeira Lopes vai pedir ao photographo, que teve a honra de retratar a Snr.ª Condessa, um exemplar d´essa photographia, mas dado o caso de a não poder obter pedirá então a V. Ex.ª que lhe ceda uma por algum tempo.” 59 34 – Condessa de Valenças 1889 Escultura de António Teixeira Lopes Paradeiro desconhecido 59 ACL, VAL / maço 9 / n.º 11 (4), carta de Adães Bermudes dirigida a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 2 de Agosto de 1889. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 597 Ainda no ano de 1892, no Ateneu do Porto, Veloso Salgado e Teixeira Lopes organizaram nova exposição, e uma vez mais o busto da Condessa de Valenças seria exposto, tendo chegado no vapor Saint Jacques na segunda metade do mês de Agosto daquele ano. Mais tarde, Teixeira Lopes dirá que aquela exposição lhes deu “dinheiro, trouxe mais encomendas e, sobretudo, lançou-nos, grangeando-nos muitos amigos e apreciadores sinceros”60. Em mês incerto, mas com toda a certeza antes do inal do ano de 1892, Teixeira Lopes, ao encerrar a exposição no Ateneu, deslocou-se a Lisboa, onde instalou o busto no salão de baile da casa do Pau de Bandeira, local para onde a encomenda havia sido destinada. 6. O retrato da Rainha Santa A correspondência remetida por Francisco Vilaça ao Conde de Valenças que não trata de assuntos relacionados com as obras efectuadas na casa do Pau de Bandeira, em grande parte diz respeito a pinturas que o remetente desejava vender ao Conde de Valenças, maioritariamente em termos de “urgência”. Uma parcela considerável desta documentação é redigida em casos de necessidade eminente, de modo a suprir diiculdades económicas, quase sempre expressas em termos como: “Se o quadro a pastel que envio a V. Ex.ª […] tiver a fortuna de agradar-lhe, V. Ex.ª tirar-me-ha certamente do embaraço em que estou” 61, ou “Diiculdades serias obrigam-me a recorrer ainda uma vez a V. Ex.ª. Dirijo-me directa, e francamente a V. Ex.ª porque sei que encontro em V. Ex.ª um amigo das artes, e consequentemente dos artistas” 62. Terá sucedido, em diversas ocasiões, Vilaça expor as suas pinturas com outros artistas, e só mais tarde acabava por lhes baixar os preços, de modo a ser “mercantil por escripto já que verbalmente o não posso ser”63, e deste modo encontrava comprador para as mesmas no seu benfeitor. Os preços das pinturas eram estabelecidos, em correspondência, por comparação com outros artistas: 60 TEIXEIRA LOPES, António — op. cit., p. 129. 61 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (21), carta de Francisco Vilaça a Luís Pereira Jardim, sem data. 62 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (22), carta de Francisco Vilaça a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 63 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (13), carta de Francisco Vilaça a Luís Pereira Jardim, sem data, no máximo datada de 1893. 598 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques “Na exposição esteve esse meu quadro com o preço de 400 réis, bem perto, uma tela de Silva Porto que o meu distincto collega tinha executado em 22 dias, igurava com o preço de 600 réis. Eu gastei com esse meu trabalho mais de 4 meses. Se eu pedir 250 réis V. Ex.ª achará caro?” 64 Uma pintura em particular interessou-nos, pois é a única que Vilaça refere diversas vezes, um retrato da Rainha Santa Isabel de Portugal, datado de 1893, surgindo a primeira menção na correspondência a esta pintura em Janeiro de 1898. Enquanto este texto era preparado, a leiloeira Cabral Moncada, a 26 de Setembro de 2016, levou à praça a pintura da Rainha Santa que Vilaça referiu, e que aqui reproduzimos. Esta pintura, é a única de temática religiosa que encontramos referida em toda a documentação que conservamos, proveniente do espólio do Conde de Valenças. 35 – Rainha Santa Isabel Francisco Vilaça 1893 Cabral Moncada Leilões / Vasco Cunha Monteiro 64 Idem. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 599 Esta pintura, que terá feito parte da colecção particular do Conde de Valenças, a 5 de Janeiro de 1898 foi pedida por Francisco Vilaça em empréstimo, para um artigo que seria publicado em “Revista consagrado ás Rainhas”65, pois, segundo o pintor, no dia anterior tinha sido procurado por um fotógrafo que desejava fotografar a pintura, para que esta fosse reproduzida. Na mesma carta, o pintor, para além do pedido de licença para a reprodução da pintura, requereu a autorização da citação do Conde de Valenças enquanto proprietário da mesma, e pedia que a pintura fosse enviada no próprio dia, pois deveria ser fotografada ao meio-dia, na galeria da Academia das Belas Artes. A correspondência permite compreender que a pintura não foi enviada no dia em que foi pedida, pois em carta posterior Vilaça volta a insistir: “Pedia-lhe o favor de enviar-me pelo portador a Santa Izabel, aim de se fazer hoje, ou amanhã, a photographia de que falei a V. Ex.ª e que eu tenciono oferecer a S. M. a Rainha. Logo que seja tirada a photographia reenviarei o quadro a V. Ex.ª ” 66 Não tendo nós acesso à correspondência remetida pelo Conde de Valenças, não nos foi possível esclarecer o que possa ter atrasado o empréstimo da pintura. No entanto, em documento posterior, voltamos a encontrar insistência no mesmo pedido: “pedia-lhe com instancia, que me enviasse a S.ta Izabel porque desejo, (e é para mim altamente conveniente) mostral-a á Rainha e á Snr.ª Marqueza da Fóz”67. Em nenhum dos documentos consultados, foi possível recolher dados suicientes para consultar a tal revista onde eventualmente a pintura tenha sido reproduzida, nem foi encontrada evidência documental que ateste que efectivamente a pintura tenha sido utilizada para o im que inicialmente Francisco Vilaça a requisitou. 65 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (5), carta de Francisco Vilaça a Luís Pereira Jardim, datada de 5 de Janeiro de 1898. Não nos foi possível apurar que publicação eventualmente tenha publicado o artigo. 66 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (6), carta de Francisco Vilaça a Luís Pereira Jardim, sem data. 67 ACL, VAL / maço 21 / n.º 1 (11), carta de Francisco Vilaça a Luís Pereira Jardim, sem data. 600 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques 7. O ex-libris do 1º Conde de Valenças Por entre o preciosismo dos apreciadores de arte, e muito particularmente dos biblióilos, a grande maioria têm o seu ex-libris, para os favorecer com esse derradeiro requinte de arte, como airmava o estudioso Fausto Moreira Rato. O Conde de Valenças não foi excepção e, em 1904, em carta remetida por Joaquim de Araújo68, encontramos alguns dos motivos que eventualmente podem ter conduzido a determinadas opções que o ex-libris Valenças sintetiza. O interesse que Luís Jardim manifestava pela heráldica era manifesto em diversos apontamentos de elementos heráldicos visíveis em muitos dos objectos que serviam à decoração da casa do Pau de Bandeira, assim como ter aceite que fossem apresentadas propostas para a sua entrada no Conseil Héraldique de France, Instituto Araldico de Roma, Cercle Héraldique de Paris, entre outros. Na maioria dos casos, as propostas foram assinadas por Joaquim de Araújo, instando com interesse em termos como: “Aguardo com urgencia a autorização para propor V. Ex.ª no Instituto Araldico, e se porventura V. Ex.ª me pode dar uma copia (mesmo em bilhete de visita) do seu brasão de armas, muito me obsequeia.” 69 Nenhum outro poderia ser melhor conselheiro em matéria ex-libristíca do que Joaquim de Araújo, que, a partir de 1901, iniciou a publicação do raríssimo Archivo de Ex-Libris Portugueses, e, como já foi dito, em 1904 presta conselhos ao Conde de Valenças. Os termos foram os seguintes: “Com relação ao seu ex-libris tenho pena, pela publicação, de que ainda o não mandasse fazer […] porque sendo V. Ex.ª um homem de arte e um homem rico, deve mandar fazel-o no Stern de Paris. Esse gravador acaba de fazer tambem com um elegante palacete a marca de meu amigo João Santiago do Porto: icou uma das sete maravilhas do mundo. A oitava deve ser o do meu amigo e Sr. Conde de Valenças. 68 Joaquim de Araújo (1858-1917), escritor, poeta e diplomata português. Em testemunho de gratidão, o governo português terá pago todas as suas despesas após a sua morte, como forma de reconhecimento pela vida que dedicou à divulgação da cultura portuguesa. 69 ACL, VAL / maço 10 / n.º 11, carta de Joaquim de Araújo a Luís Leite Pereira Jardim, sem data. 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 601 Eu não conheço, ou antes, não tenho relações pessoaes com o Stern, gravador de merito, que abriu os ex-libris para o Afonso Cabral, Manuel d´Albuquerque, José do Canto, Ernesto do Canto, Penha Longa e João Santiago. O seu endereço, é: Stern, graveur 47 – Passage Panoramas Paris Mande-lhe V. Ex.ª a fotograia ou grav. do seu chalet como m´a enviou a mim, dizendo-lhe as dimensões em que quer a chapa, e elle lhe fará uma obra-prima: uma obra prima, em toda a accepção da palavra. Mas não se esqueça, meu am.º e sr. Conde. Os politicos esquecem tanto a Arte…” 70 A análise da versão inal do ex-libris que o Conde de Valenças veio a encomendar permite veriicar que foi aceite a sugestão da reprodução da residência da família Valenças em Sintra. A chapa foi aberta pela casa Stern de Paris. No entanto, o desenho foi produzido por Nicola Bigaglia, que utilizou elementos que recordam a janela do Convento de Cristo em Tomar, sendo conhecidos exemplares deste ex-libris impressos a três cores diferentes. 70 ACL, VAL / maço 10 / n.º 11 (2), carta de Joaquim de Araújo a Luís Leite Pereira Jardim, datada de 17 de Fevereiro de 1904. 602 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Tiago Henriques 8. Considerações inais Em conclusão, diremos que este fundo reúne um conjunto de documentos que se revestem de muito interesse para o esclarecimento da forma como a Casa do Pau de Bandeira, que no seu tempo foi considerada uma casa de grande fausto foi redecorada. Desde logo a coerência da documentação, assim como as circunstâncias que a mesma refere, permitem aprofundar o conhecimento dos detalhes que de forma global no panorama português, não se encontram suicientemente documentados. Este breve testemunho relativo ao fundo Valenças que conservamos, permite lançar alguma luz acerca do modo como era a relação entre os encomendadores e os artistas portugueses no último quartel do século XIX, assim como o esclarecimento deinitivo da autoria de algumas das peças artísticas que constituíam o recheio da casa, actualmente dispersas ou perdidas deinitivamente. 36 – Ex-Libris do 1º Conde de Valenças Colecção do autor 37 – Sala Luís XV 1986 Colecção António Simões de Almeida 12 - O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 558 – 603 603 Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra (20/2/1851-17/8/1901)1 Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão)2 Resumo Sebastião Sanhudo, hoje um nome muito esquecido no panorama cultural e artístico português, foi, todavia, um dos mais reconhecidos e justiicadamente mais meritórios humoristas/caricaturistas, retratistas, cronistas gráicos e litógrafos do Portugal de Oitocentos. É imperativo, pois, convocar para a memória dos homens este vulto das artes gráicas de imprensa e do humorismo português, que na sua época era das mais conhecidas iguras do país e do Norte em particular, quer pela sua vida de trabalho, quer pelo círculo de relações pessoais que conseguiu estabelecer em torno de si e que se compunha dos mais reputados criadores culturais e agentes de intervenção da sociedade do Porto da altura (artistas, jornalistas, capitalistas, advogados, deputados, teatrólogos, prelados, professores, comediógrafos, empresários, médicos, militares, fotógrafos, cineastas e iguras de proa das mais reputadas instituições da Invicta). Nascido em Ponte do Lima em 20/2/1851, aí fez os seus estudos primários, e onde, desde cedo, se revelou nele uma singular habilidade para o desenho, “que cultivou livremente, sem mestres, nem orientadores”, e ao qual dispensou um grande carinho não só na aprendizagem, mas também na sua prática, que, aliás, não mais o deixará de acompanhar pelo percurso da sua vida. Nos inícios da década de 70 veio para o Porto para assentar praça como voluntário, onde terá permanecido durante cinco anos. Ainda como militar requereu, em 13 de Outubro de 1871, e foi aceite, a sua inscrição, na Academia Portuense de Belas-Artes, para frequentar as aulas de desenho histórico, leccionadas por Tadeu Maria d’Almeida Furtado e nesta Academia esteve inscrito durante os anos lectivos de 1871 a 1874, pelos quais foi transitando sempre com aprovação e mérito singular, não tendo no entanto cumprido os regulamentares cinco anos de frequência e 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 605 aprovação, necessários para o bom terminus desse percurso académico. Foi, igualmente, aluno do Instituto Industrial (1870-1872). Foi um dos mais lídimos litógrafos do seu tempo, tendo fundado em 1877 a Litograia Portuguesa, de importância modelar que, por se manter sempre na vanguarda da técnica e pelos primores gráicos nela compostos e sempre reconhecidos, deu um importante contributo às artes da gravura, assim como, pelo carácter do seu proprietário, tantas vezes serviu para a edição de obras aperiódicas - que congraçavam nomes maiores das letras e das artes - que em muito concorreram para minorar sofrimentos e carências em edições de muniicência. Como caricaturista foi, pelos seus pares, reconhecido como um autor de cunho próprio no seu traço gráico, diverso da abrangente escola rafaelita. Amigo e colaborador (como correspondente no Norte), dos periódicos humorísticos, de Rafael Bordalo Pinheiro e Leal da Câmara, que nele encontraram um contributo gráico de valia, pois nele reconheciam um autor de méritos irmados na área do humor e com um traço muito singular e pessoal, que assim contribuía com o seu olhar crítico e a sua posição no Norte do país para enriquecer os periódicos destas iguras de Lisboa. Foi fundador dos periódicos humorísticos: O Pae Paulino (15/7/1877-26/4/1879; Sanhudo sai a 7/1/1878 - seu primeiro ensaio a nível proissional no campo das artes do humor e da caricatura), Piparotes (6/1/1889-17/2/1889) e O Sorvete (9/6/187830/12/1900 - o mais longevo periódico de humor de Oitocentos e um dos mais duradoiros de sempre), periódico, este, que foi o seu maior legado a esta área tão importante da imprensa e que para sempre perpetua o seu nome. Engendrou vários almanaques que acompanharam a sua produção periódica humorística. A maior parte deles, tais como a Galeria do Sorvete (1879 e 1881), a Procissão de Celebridades Portuenses (1884), o Almanack do Sorvete para 1888 e O Cosmorama (1901), são notórias obras-primas, quer pelo seu carácter de inovação, quer pela mestria da sua consecução. Foi um dos pioneiros da arte das crónicas e narrativas em Histórias aos Quadradinhos, ou bandesenhismo, no nosso país, tendo desde o início da sua produção dedicado grande parte da sua obra a esta forma de arte tão singular e à altura tão revolucionária e inovadora. Colaborou, e subvencionou, inúmeras publicações aperiódicas com ins beneméritos e humanitários, revelando em mais esta actuação a sua reconhecida e ampla faceta de homem bom e generoso, sempre disposto a ajudar. Como retratista foi um dos mais assinaláveis e conseguidos autores, alcançando, através do seu meticuloso e hábil traço, verdadeiras obras de psicograia de todos aqueles sobre os quais verteu o seu olhar e a sua arte ímpar. 606 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Sanhudo teve uma posição muito prognóstica no humor, quando confrontado com Bordalo, uma vez que este se centrava numa sátira pessoal dos intervenientes políticos enquanto o primeiro se centra mais no ataque às políticas. Esta antevidência de Sanhudo aparecerá, grosso modo, ulteriormente – com a chegada do modernismo, em inais da primeira década do século XX – ao desenho de humor, optando por essa centralidade nas políticas, pela ironia à sociedade e seus sistemas, fazendo-se uma focagem sobre a vida citadina, com as respectivas assimetrias entre classes e o choque das clivagens materiais e onde se nota uma inlexão, que se opera, identicamente, ao nível esquemático e temático. Isto faz de Sanhudo um autor muito à frente do seu tempo. O reconhecimento, quer pela totalidade da sua produção, quer pela sua personalidade, junto dos seus pares (Bordalo Pinheiro, Leal da Câmara, Alfredo Mâncio, Cândido da Cunha, Manuel Monterroso), bem como pelas inúmeras e variegadas publicações, nacionais e estrangeiras, que dele e da sua obra dão conta, com muito apreço e singularizando-o, fazem-no uma referência no panorama do humor. O cômputo geral, e a principalidade, da obra deste litógrafo, cronista, retratista, ilustrador, humorista e caricaturista é um dos maiores repositórios de documentação literária e gráica sobre o Oitocentos português a todos os níveis. Irrefragável manancial para a História e para o Património. Palavras chave: História da imprensa; história da banda-desenhada; história do humor; história da caricatura; história do Porto; litograia; retrato; humor; caricatura; Sebastião Sanhudo. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 607 Fig. 1 – Retrato litográico de Sanhudo acompanhado da sua artística assinatura. Fonte – O Cosmorama – Almanach do Sorvete para 1902 por S. Sanhudo. Porto: Litograia Portuguesa, 1901, [sem página atribuída]. A família Sebastião Sampaio de Sousa Sanhudo nasceu na freguesia de Santa Maria dos Anjos da Vila de Ponte do Lima no dia 20 de Fevereiro de 1851. Foi ilho legítimo de Inácio José de Sousa Sanhudo (antigo Secretário da Administração do Concelho) e de Maria José de Lima Sampaio, moradores na Rua do Carrazido da Vila de Ponte do Lima3. Foram-lhe impostos os Santos óleos na pia baptismal de Santa Maria dos Anjos, da Vila de Ponte do Lima, por José António da Cunha, prior dessa igreja, no dia oito do mês de Março, e teve por padrinhos nessa cerimónia 608 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Sebastião Correia de Sá Brandão (Porto, Cedofeita, 18/03/1818-05/07/1874), de quem ele herda o patronímico4 (representado na cerimónia por António José da Silva Machado, solteiro, desta Vila), e sua mulher a Sr.ª D. Joana Maria do Rosário Francisca de Sales Pereira da Silva de Sousa e Menezes (Ponte de Lima, Bertiandos, 27/09/1827-23/07/1896)5 (representada por Carlos Joaquim da Cunha e Lima Sampaio, tio materno do baptizado). Quando nasceu tinha já três irmãos mais velhos, de seus nomes João Inácio da Cunha e Sousa6, Carlos e Inácio de Sousa Sanhudo, e viria a contar com quatro irmãos mais novos, Virgínia, Emília da Conceição, Casimiro e Alexandre de Sousa Sanhudo, perfazendo uma família nuclear de dez elementos. Terá casado nos primeiros cinco anos da década de setenta de Oitocentos com Maria José Aires de Azevedo, de Vila Real, de quem teve dois ilhos: Isabel Maria Aires de Sousa Sanhudo (com geração) e Carlos Alberto Aires de Sousa Sanhudo, nascido em 1874, e que falecerá precocemente, com apenas treze anos de idade, em meados do mês de Março de 18877. A sua ilha Isabel casou com António Luís Soares Duarte Júnior8 de quem teve dois ilhos o Dr. António Sanhudo Soares Duarte9 – que deu continuação à família, até aos nossos dias – e a senhora D. Maria Helena Sanhudo Soares Duarte10. Estudos primários. Serviço militar Terá sido em Ponte do Lima que fez os seus estudos primários (temos como certa a sua conclusão, pois que estes seriam imprescindíveis para a sua admissão por parte da Academia Portuense de Belas-Artes11), e onde, desde cedo, se revelou nele uma singular habilidade para o desenho, que cultivou livremente, sem mestres, nem orientadores12, mas ao qual dispensou um grande carinho não só na aprendizagem, mas também pela sua prática, que, aliás, não mais o deixará de acompanhar pelo percurso da sua vida. Também pela sua terra natal terá sido, segundo testemunhos dispersos13, instruído na arte de litógrafo (a sua formação, a não se ter realizado aí, ape- 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 609 nas poderia ter sido feita nas escolas militares), arte esta que lhe permitirá mais tarde abalançar-se como industrial do ramo. Veio mais tarde para o Porto – pelos inícios da década de setenta – onde assentou praça como voluntário. No entanto, parece, segundo alguns registos, que a rígida vida de caserna não se coadunava de todo com o seu feitio alegre, despreocupado e folgazão, pois frequentemente se via castigado, pelas inúmeras faltas à disciplina militar que cometia, valeu-lhe a boa mão de seu padrinho D. Sebastião, da Casa de Bertiandos, que o terá encaminhado, aquando da sua passagem a pronto, para a secretaria do Quartel-general da Divisão. Aqui usufrui de maiores regalias, uma das quais terá sido maior disponibilidade de tempo, a qual utilizou para dar largas à sua eterna vocação de artista do desenho. Terá continuado a prevaricar, com sucessivas faltas ao serviço, e um dia foi chamado pelo seu superior, mas demonstrando enorme capacidade de improviso, retira de um rolo de cartão um desenho do busto deste, justiicando as suas faltas com o enorme desforço que tinha aplicado nesta tarefa, e que fazia tenção de lhe entregar justamente nessa ocasião. Tão gratiicado icou o seu superior hierárquico, que depois de lhe agradecer o gesto, mais uma vez o perdoou pelas faltas cometidas...14 Pela conferência das datas – de inscrição na Academia de Bellas-Artes (1871) e baixa do serviço militar (1877) para se estabelecer como industrial litografo – terá passado pelo menos cinco anos no activo militar. Uma experiência que não lhe terá corrido de feição, para a qual não teria o talhe adequado, no que concerne à estrita disciplina e rigor de comportamento, ou que pura e simplesmente não lhe interessava como carreira uma vez que, desde novo, sempre denunciou um carácter artístico, mas percurso esse que lhe virá a dar um conhecimento aprofundado de hierarquias e modus vivendi, que muito profícuo lhe foi para as múltiplas caricaturas que virá a gizar, nos seus futuros periódicos de humor. 610 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Academia Portuense de Bellas-Artes Ainda como militar requereu, em 13 de Outubro de 1871, e foi aceite a sua inscrição, na Academia Portuense de Belas-Artes15, para frequentar as aulas de desenho histórico, leccionadas por Tadeu Maria d’Almeida Furtado16, que era secretário da dita Academia.17 Por esta altura era director interino, o escultor da Real Casa de Sua Majestade Manuel da Fonseca Pinto – professor proprietário da aula de escultura18 – e o vice-inspector era o conde de Samodães19 (cargo que ocupou de 1865 a 1875)20. Nesta Academia esteve inscrito durante os anos lectivos de 1871 a 1874, pelos quais foi transitando sempre com aprovação, muitas vezes com distinção, como estudante de desenho histórico, não tendo no entanto cumprido os regulamentares cinco anos de frequência e aprovação, necessários para o bom términus desse percurso académico. De referir que no livro de matrículas desta Academia ele aparece mencionado como militar tanto no primeiro ano de matrícula (1871), bem como no terceiro (1873), o que nos leva a concluir que pelo menos durante esse tempo esteve sempre como efectivo; fazendo dele aquilo que hoje se convencionou designar como trabalhador estudante, e que de algum modo poderá servir de justiicação à irregularidade do seu percurso académico. Pois ou isso, ou um diletantismo de carácter, uma certa inconvencionalidade que se vem denotando, na diiculdade em cumprir disciplinarmente, o que a ter acontecido ele modiicou com presteza, pois veremos como ele, tanto como industrial assim como humorista responsável por publicações marcantes nessa área, sempre soube cumprir e ser reconhecido como proissional probo e proprietário/artista cumpridor das suas responsabilidades e encargos. Pela conferência do livro de matrículas, para os diversos anos da sua frequência, das inscrições efectuadas na mesma altura, e para os mesmos 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 611 anos, encontramos como seus colegas durante a sua permanência nessa Academia, os seguintes nomes21: Colegas de Sebastião Sanhudo na Academia Portuense de Belas-Artes Anos Nomes José Júlio Moreira (comerciante) António Ferreira da Fonseca Henrique de Jesus Ferreira (estudante) (1871/72 22) 1.º ano José Gramacho Vianna (estudante) Seraim Rodrigues dos Santos (escultor) João Coelho de Magalhães Júnior (estudante) José Júlio Moreira 2.º ano António Ferreira da Fonseca José Gramacho Vianna Henrique César de Araújo Pousão (estudante) (1872/7823) 3.º ano Augusto Maria Coelho Pinto (escultor) Gaspar da Cunha Berrance Júnior (1872/7524) 4.º ano Gaspar da Cunha Berrance Júnior Não nos foi possível, contudo, apurar, pelos registos da Academia, se ele terá feito parte, conjuntamente com outros companheiros da carreira artística, de determinado movimento académico, desses que se registam nessa Academia, e dos quais alguns deixaram história.25 Da sua carreira escolar, mais alguns elementos se puderam colher pelos registos da vetusta Academia. 612 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Assim, e para o ano de 1872, terminus da sua primeira matrícula na aula de desenho histórico, e por veriicação das Actas das conferências gerais da Academia se pode saber que [...] foi aprovado [...] com dez e seis valores [16] o estudante do primeiro ano Sebastião de Souza Sanhudo26[...]. Mais icamos a saber ao conferir a Correspondência para o Governo no relatório n.º 15 enviado ao ministro do reino [António Rodrigues Sampaio27]: Quanto a exames dos 16 matriculados em desenho histórico, izeram exame dez, que foram aprovados, sendo um do quinto anno, um do terceiro, quatro do segundo, e quatro do primeiro. [...] e o do primeiro anno Sebastião de Souza Sanhudo obtiveram elogios com 16 valores28. Ficamos assim a saber que obteve aqui ex-aequo com um aluno do segundo ano [Francisco Begonha] um segundo lugar em exame, sendo apenas ultrapassado por um aluno do terceiro ano [José Júlio de Sousa Pinto], de todo, uma excelente classiicação. Já no segundo ano, a 7 de Outubro de 1872, para além de requerer inscrição na aula de desenho histórico, requereu também, e foi aceite, por cumprir os pré-requisitos, inscrição ao primeiro ano de arquitectura civil, o qual terá frequentado, sob orientação de Manuel d’Almeida Ribeiro, professor titular dessa aula (professor desta aula nomeado por decreto de 30 de Agosto de 186529), mas onde não foi admitido a exame, em consequência das faltas que deu ou da insuiciência dos trabalhos30, como se pode inferir pela conferência ordinária da Academia de 4 de Julho de 1873; (fará parte dos oito alunos que perderam o ano, no que concerne a esta aula, pois dos dezoito matriculados, dez alunos izeram exame com aprovação, não tendo havido reprovações)31. No que diz respeito ao desenho histórico podem-se coligir os seguintes dados: [...] dos quinze matriculados a desenho histórico, izeram exame oito que foram approvados [...]32; Sanhudo obteve aprovação com dez e seis valores [16] [...] e foi julgado digno de elogio33. No ano lectivo de 1873-74, já no seu terceiro ano de desenho histórico, conforme se pode conferir pela pauta de valores atribuídos pelos trabalhos apresentados trimestralmente34, icamos a saber que Sanhudo apenas obteve nota no primeiro e no terceiro trimestre, respectivamente treze e catorze valores, não tendo sido classiicado no segundo trimestre. Não deixou por isso de, em exame inal, icar aprovado com quatorze valores35. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 613 Referimos apenas, pois é procedente, que este ano registou um acréscimo nas matrículas a exame, assim encontravam-se matriculados vinte e seis alunos, e vinte e sete foram os que izeram exame e icaram aprovados36. Ainda como aluno do 3.º ano de desenho histórico irá participar (única vez durante a sua permanência na Academia) na 11.ª Exposição Trienal da Academia de Belas-Artes do Porto, que inalmente, após dois adiamentos anuais37, se realizou no ano de 1874. Aí levou dois trabalhos, o primeiro é uma Psyche de Nápoles, torso com cabeça desenhada a esfuminho pelo gesso (Alt. 0,63 – Larg. 0,49) para exame do 3.º ano, no qual foi aprovado em conferência geral da Academia de 31 de Agosto de 1874; sendo o segundo um retrato, por uma fotograia (Alt. 0,66 – Larg. 90) do comandante da divisão militar, o General José de Vasconcelos Correia38, depois 2.º conde de Torres Novas39 40. Para o mesmo ano de 1874, e como era usual, procedeu ao respectivo pedido de inscrição às aulas de desenho histórico, pedido esse que foi naturalmente aceite, dada a sua aprovação em exame no ano transacto. Porém aqui veremos que, de novo, se vai repetir a situação ocorrida em 1873, no seu terceiro ano. Neste caso ela é mais gravosa pois que ele apenas obteve classiicação, de catorze valores, no primeiro trimestre41, não tendo sido classiicado nem no segundo, nem no terceiro, em consequência das faltas que deu ou por insuiciência dos trabalhos que apresentou42. Por estas razões não foi admitido a exame – como reporta a acta da conferência ordinária da Academia de 30 de Junho de 1875 43. Ao que parece a pouca assiduidade ao dever estrito e rigoroso, não se quedou apenas pelos deveres militares, Sanhudo parece revelar um espírito inquieto, típico de artista, que se conforma mal com a marcação do tempo e suas estritas obrigações. E por esse facto, ou singularidade de carácter, não mais se encontram referências à passagem de Sanhudo por essa Academia. Dos regulares cinco anos de permanência, temos pois, que Sebastião Sanhudo apenas completou três, tendo por isso icado incompleta a sua formação artística, no que concerne aos assuntos da Academia44. Tinham assim terminado, nesse im de ano de 1874 os seus dias de académico. 614 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 2 – Desenho a carvão de João Inácio da Cunha e Sousa realizado pelo seu irmão Sebastião Sanhudo no Porto a 12 de Abril de 1874. Fonte – Foto do autor. A Litograia Portuguesa Quando obteve a baixa do serviço militar, estabeleceu-se em 1877 com uma oicina litográica, a Litograia Portuguesa a vapor de Mendonça & Sanhudo45, podendo inalmente dar livre curso à sua vocação artística. Sendo senhor do seu domínio, soube garantir com esforço e aprumo, prazos e garantias, fazendo como industrial ordenado, uma oicina que, a breve trecho, adquiria larga e profícua clientela, que reconhecia no seu trabalho uma perfeição, que lhe iria granjear até ao im dos seus dias um suporte material. Teve dois sócios neste empreendimento. Um foi o seu irmão mais velho, João Inácio da Cunha e Sousa46, que foi co-fundador da Litograia Nacional47 por volta de 189548, rico negociante da cidade da virgem, que durante 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 615 toda a sua vida procurou apoiar seu irmão Sebastião e que foi o sócio capitalista deste empreendimento, sendo os outros dois sócios trabalhadores. Esta escritura pública, de uma sociedade em nome colectivo, entre o sócio capitalista João Inácio da Cunha e Sousa e os dois sócios trabalhadores, Estêvão Tiago Pessanha de Mendonça e Sebastião de Sousa Sanhudo, dá origem em 19 de Abril do ano de 1877 à Litograia Portuguesa, que se veio a situar na Rua do Laranjal49 entre os números de porta 112 e 116, na freguesia de Santo Ildefonso (que, no entanto, ao longo de toda a sua existência veio a mudar de instalações). Na sua oicina, e como era hábito desta época convivial, se criou uma tertúlia, e um centro de arte, onde gravitavam amigos e iguras de referência. Entre tantos outros dos seus amigos e companheiros de tertúlias, muitos a quem, por diversas vezes, caricaturou nos seus periódicos, podemos encontrar: Emídio de Oliveira50; Joaquim da Costa Carregal51; Eduardo Pinto de Almeida; Ciríaco de Cardoso52; Guilherme Gomes Fernandes53; Luís da Terra Viana54; Jaime Filinto55; Firmino Pereira56; Justino Guedes57; Adriano Granate; José Ribeiro de Miranda Júnior; Ilídio Carneiro; António de Castro; Jeremias Carneiro; major Francisco Leite Arriscado58; João de Oliveira Ramos59; Francisco Mendes de Araújo60; Guedes de Oliveira61; Marcos Guedes62; Dr. Bernardo Lucas63; Arnaldo Soares; José Arnaldo Nogueira Molarinho64; Gualdino de Campos65; Rev. Sebastião de Vasconcelos66; Rev. António Xavier Dias de Pinho; Monsenhor José Francisco da Piedade; João Tavares; Marques de Oliveira67; António José da Costa Couto Sá de Albergaria68; António Cruz69; Manuel Monterroso70; Eduardo Reis; António Caldeira; Eng.º Estevão Torres; Francisco Caldas de Barros; Dr. Ferreira Mendes; José Vieira de Azevedo; António da Silva Cunha71; José de Sousa Rangel; Tomás Garcia; José Teixeira da Silva Braga72; Aurélio da Paz dos Reis73; Eugénio de Montalegre e ainda os seus companheiros e amigos humoristas, Rafael e Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro bem como Leal da Câmara. Mas nos periódicos podemos ainda colher informações de grande utilidade, tais como sejam o crescimento seguro e reconhecido desta oicina litográica (caso d’O Sorvete de 3 de Janeiro de 1886, onde indica que esta oicina já possui 20 e tantos empregados74) que vai granjeando clientela pela 616 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) qualidade e apuro dos trabalhos que executa e por isso, por diversas vezes, tem de mudar de instalações, como forma a ampliar a sua capacidade de resposta às inúmeras e crescentes encomendas, bem como a poder instalar mais e melhor maquinaria, o que fez desde o seu início, mantendo-se esta unidade industrial sempre na vanguarda da técnica. Os primores saídos desta litograia foram reconhecidos tanto internamente como externamente. Assim, no Almanak de 189375, bem como n’O Sorvete76, descobrem-se os prémios que esta oicina havia já granjeado: Premiada na Exposição Vinícola do Palácio de Cristal em 1880 [com a medalha de prata77]; na Exposição Agrícola Lisbonense em 1885 [com a medalha de cobre78]; na Exposição Industrial Portuense em 1887; na Exposição Industrial Portugueza em 1888 e na Exposição Universal de Paris em 1889 [com uma menção honrosa79]. O Almanak de 189680 informa que esta litograia realiza a preços sem competencia: Retratos, mappas, facturas, letras de cambio, timbres, bilhetes de visita, illustracões de livros e jornaes, estampas, recibos, catalogos iliustrados, brazões, cartazes, circulares, listas para eleições, etiquetas, etc. Chromos, trabalhos em todas as côres, envernizados, a ouro, etc., etc. E O Sorvete81 assevera esta oicina litográica ser capaz de produzir uma longa lista de artigos: diplomas; facturas; etiquetas de luxo para vinhos, licores, farmácias e confeitarias; cartões de loja e de visita; vistas de estabelecimentos, ilustrações para livros e jornais; retratos em gravura e a lápis para obras ilustradas; rótulos coloridos para frutas e conservas; cartazes e todos os trabalhos concernentes de litograia. Na parte inferior do anúncio conseguimos ainda ver, ao lado de uma ilustração de uma máquina litográica, a informação: duas machinas de impressão, movidas a vapor. Machinas aperfeiçoadas para cortar picar e gravar. Três prelos braçaes de ferro. Pessoal habilitado. O n.º 450, de 16 de Janeiro de 1887 acrescenta: etiquetas para fazendas; acções de Bancos, Companhias, Letras, Cheques e Memorandos; Mapas; Estampas de Santos; Cartazes coloridos para estabelecimentos… 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 617 O n.º 272, de 28 de Julho de 1895 adiciona: letras de câmbio; timbres; recibos; catálogos ilustrados; brasões; circulares; listas para eleições; cromos, trabalhos em todas as cores, envernizados a ouro, etc., etc. No n.º 24, de 30 de Maio de 1897 aduz: está habilitada a executar todo e qualquer trabalho de impressão a cores ou a preto, ouro, prata e outras purpurinas, gargantilhas com todos os dizeres; rótulos em branco. Já a partir do n.º 69 de 2 de Outubro de 1898 82 começa a imprimir alguns exemplos de vistas e postais; de acontecimentos industriais; de estabelecimentos fabris ou comerciais; de tomadas de vista de edifícios ou pontes do Porto; rótulos de medicamentos, num claro sinal das suas capacidades de reproduzir/suprir qualquer tipo de necessidade da sua clientela. Registamos as diversas designações por que este estabelecimento fabril passou, pois que essa informação aclara algum conhecimento sobre os seus proprietários: No Novo Almanak do Porto para 187883 , bem como no Almanak do Porto e seu districto para 1879 e no de 188184, aparece com a designação: Litograia a vapor de Mendonça e Sanhudo, sita à Rua do Laranjal n.º 11485. Inclusivamente no Almanak para 1881, na p. 468, apura a informação dos proprietários, indicando serem eles Sebastião Sanhudo & Irmão. No Almanak para 188286 surge a designação Sanhudo & Irmão, Laranjal 114. O mesmo se repetindo no Almanak para 1884 e no de 188587, nestes, apenas, acrescentado de um S. (de Sebastião) aposto antes do apelido de Sanhudo. Para o Almanak de 188688, tanto como no de 1887, 1888 e 1889, a única alteração que se produz é a indicação da mudança de endereço postal, o que é indicador da mudança de instalações, neste caso para a Rua de Santa Catarina n.os 144 a 148. Também O Sorvete de Janeiro de 188689 dá a indicação que os proprietários desta Litograia são João Inácio e Sebastião Sanhudo. N’O Comércio do Porto de Janeiro de 188790 vem referenciada, não só, já esta litograia com a designação de Litograia Portuguesa, bem como, se apontam os seus proprietários como sendo os Srs. Sanhudo e Irmão. 618 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 3 – O Sorvete comemora os seus 10 anos de existência e Sanhudo aproveita para fazer reclame à sua Litograia Portuguesa - ao tempo ainda na Rua de Santa Catarina -, da qual dá aqui uma imagem da fachada. Podemse ver aí representadas algumas das medalhas correspondentes aos muito prémios nacionais e internacionais que esta unidade fabril conquistou ao longo da sua existência. Sanhudo, à direita, apresenta-se como um efebo, segurando vários chapéus (clerical, republicano e monárquico), símbolos de equidistância política, matriz que sempre procurou, e soube, manter. A própria legenda, da imagem, reforça esta mensagem de imparcialidade política: Vivam os progressistas! Vivam os regeneradores! Vivam os republicanos! Vivam os Miguelistas!. Fonte – O Sorvete. N.º 449, 10.º Ano. Porto: 1 de Janeiro de 1887 (capa). 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 619 Já no Almanak para 189091 veriicamos, pela primeira vez, a designação desta oicina fabril como Litograia Portuguesa (informação que se repete e conirma nos Almanak’s para 1891 e 1892), ainda com a indicação de S. Sanhudo & Irmão como respectivos proprietários. No Almanak para 1893 surge referenciado como proprietário J. J. da Cunha e Sousa (estamos convictos que o segundo ‘J.’ é uma gralha tipográica e deveria corresponder na verdade a um ‘I’, equivalendo ao nome do irmão mais velho de Sebastião: João Inácio da Cunha e Sousa). Mas no Almanak de 1895 aparece indicado como proprietário S. Sanhudo o que se repetirá, tal-qualmente, para os anos de 1896 a 1901, mas aí já com uma nova indicação de mudança de instalações, desta feita para a Rua de S. Lázaro92 n.º 42993 . Por im no Almanak para 190294, ano após o falecimento de Sebastião Sanhudo, vemos assinalados como proprietários: S. Sanhudo, sucessores. Podemos acrescentar que no ano de 1907, no cabeçalho do semanário de caricaturas O Monoculo, do qual era director artístico Armando Basto (e que era propriedade da empresa S. Sanhudo, sucessores), director e administrador Artur Alves Barbosa, aparece a indicação desta Litograia, à Rua de S. Lázaro, n.os 429 e 433, onde era efectuado o trabalho litográico95. No que respeita aos seus proprietários, temos de dizer que apenas nos documentos oiciais96, da fundação desta empresa, deparamos com o nome de Estêvão Tiago Pessanha de Mendonça. De facto, este sócio industrial não só, não mais lhe encontrámos referência, como a breve trecho desaparecerá, sem conseguirmos aduzir as razões em concreto desse seu desvanecimento. A verdade é que a muito breve passo esta empresa passa a ser conhecida como a ‘Litograia do Sanhudo’ e em nenhuma circunstância, ou acontecimento, o outro sócio industrial deu notícia da sua permanência, ou importância, neste empreendimento e suas respectivas actividades. E se encontramos a indicação de João Inácio da Cunha e Sousa e seu irmão Sebastião Sanhudo como sócios em diversas circunstâncias, acontecimentos e registos porém nenhuma outra referência existe a Estêvão Tiago Pessanha de Mendonça, somos obrigados a concluir da sua desistência da sociedade. 620 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) No que concerne à mudança de instalações por parte desta oicina fabril, que se processa grosso modo de década para década97, podemos reconhecer três situações bem distintas: a primeira, o facto de quando as instalações são arrendadas, o preço desse arrendamento variar com o tempo e por vezes, numa oicina que se pretende competitiva, também se dar a necessidade de procurar novos espaços a um preço mais vantajoso; a segunda, esta situação espelhar também, de algum modo, um incremento de solidez inanceira, que permitia que esse tipo de deslocações, ampliação de máquinas e capacidade de resposta, se efectuasse e uma terceira, que terá também a ver com a deslocalização dos eixos centrais de um burgo, suas vivências e a tentativa de procurar novas centralidades, que colocassem esta oicina no novo eixo de palpitação da cidade, quer do público em geral, quer junto duma clientela a que se destinava, que seriam ao tempo indivíduos de alguma forma ligados a um patronato maioritariamente comercial98. Uma outra questão se pode e deve explicitar: esta oicina litográica, pelo número de funcionários que inscrevia na sua laboração, deve ser considerada uma indústria litográica ou, pelo contrário, inscrever-se-ia melhor numa classiicação de indústria com uma feição oicinal99? Quanto a este aspecto David Justino100 esclarece-nos que eram consideradas industrias fabris os estabelecimentos que empregassem pelo menos dez operários. Ora como esta empresa emprega a breve trecho cerca de vinte101, podemos, pois, concluir tratar-se efectivamente de uma indústria no sentido mais cabal do termo. No que diz respeito aos trabalhos saídos desta litograia102 eles foram de elevada qualidade e importância103 e rivalizam na qualidade e importância com os da Litograia Nacional e da Invicta, consideradas as melhores por esta época, assim o reconhece O Século como o é também reconhecido por Luís Humberto Marcos 104, numa palestra proferida no Museu Municipal de Ponte de Lima, em 18 de Fevereiro de 2011, Humor servido com Sorvete, airmando: que [esta litograia] rapidamente se tornou uma indústria conhecida e importante na cidade. E acrescenta: A reputação de Sebastião Sanhudo como litógrafo conirma-se quando outros denominam a sua litograia como a “Litograia do 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 621 Fig. 4 - Um dos bonitos, e tecnicamente exímios, reclames de Sanhudo à sua entidade industrial, a Litograia Portuguesa. Além das inúmeras informações inclusas - sobre os inúmeros tipos de trabalhos que esta unidade fabril realiza - podemos ver um operário em plena função laboral numa máquina a vapor e em cada plinto uma imagem de dois dos mais importantes vultos para a imprensa e para a impressão: Senefelder e Gutenberg. Fonte – O Sorvete. N.º 137, 3.º Ano. Porto: [s. d.] [início de 1881 – 2 de Janeiro (Domingo) ?] (im). 622 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Sanhudo”. Largas centenas de reproduções litográicas foram espalhadas por livros, calendários, anúncios, mapas e pela imprensa portuguesa, com um estilo realista, mas crítico, irónico e fazendo uso dos meios e técnicas do seu tempo105 . E por Guilherme Felgueiras dizendo: da qual [Litograia Portuguesa] sairam muito primores gráicos 106. Também n’O Comercio do Porto de Janeiro 1887 107 se regista uma notícia, onde se pode conirmar não só o apreço que existe por esta oicina na cidade, bem como a qualidade técnica dos trabalhos aí executados: Litograia Portuguesa – Os empregados desta importante oicina que, e como é sabido, pertence aos Srs. Sanhudo e Irmão, solenizaram no dia 1 do corrente o 10º ano de fundação daquele estabelecimento industrial, bem como o 2º da sua instalação na casa que ocupa na rua de Santa Catarina. Todas as dependências da Litograia estiveram expostas durante o dia, tendo os visitantes ocasião de apreciar a beleza e a perfeição de muitos trabalhos que ali se achavam patentes e entre os quais sobressaia um cartão – anúncio do estabelecimento delicadamente desenhado e impresso. À noite a frontaria do edifício esteve iluminada. Entre os primores produzidos nesta litograia vemos as soberbas vinhetas, por ele desenhadas, em trompe l’oeil e que ele publica, com regularidade, no seu periódico O Sorvete108 e n’O Cosmorama 109 Almanach do Sorvete para 1900 (que será editado postumamente, em 1902) e alusivas ao seu, e a outros, estabelecimentos comerciais ou industriais110. São de elevado apuro de desenho e talento compositivo, tal como os incontáveis retratos litografados de personalidades (arte em que Sanhudo era exímio111), de todas as áreas, assim como acontecimentos, de vária ordem e autênticas imagens de ‘fotorreportagem’ em litograia, que Sanhudo faz publicar nos seus periódicos. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 623 Fig. 5 - Capa do número programa d’O Pae Paulino, onde vemos à esquerda Sanhudo, ao cento Agostinho Albano e à direita Moutinho de Sousa. Este efeito muito singular de apresentar ao público leitor do periódico os seus responsáveis, virá a ser emulado, aquando da saída deste por parte de Sanhudo, por Ruy Vaz na capa do n.º 25 do 1.º ano, mas não atingindo nem o brilho, nem a ductilidade compositiva de Sanhudo. Fonte – O Pae Paulino. [s. d.] (15 de Julho 1877 ?) (capa). 624 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Os periódicos humorísticos fundados por Sebastião Sanhudo O Pae Paulino (15/7/1877-26/4/1879)112 O carácter irreverente, alegre e jovial de Sanhudo e o seu temperamento crítico e interventor, continuava latente, e eis que ainda em 1877, aparece como fundador/ilustrador de O Pae Paulino113 – nome de um dos “bravos do Mindelo”114 , um negro brasileiro, bandarilheiro e intervalleiro115, que após as lutas liberais se icaria pelo Porto (morre em 1870), icando como uma igura típica desta cidade –, o primeiro periódico de caricaturas verdadeiramente digno desse nome, que se publicou no Porto116. O Pae Paulino era um semanário humorístico, com escritório no Passeio das Virtudes, depois na Picaria e mais tarde no Campo Mártires da Pátria, e que tinha em Agostinho Albano da Silveira Pinto117 o director, e em António Moutinho de Sousa118 o administrador, director, editor e proprietário. Costa Carregal aparecerá, concomitantemente, como proprietário entre os números 8 e 30 do primeiro ano de publicação119. Foi publicado de 15 de Julho de 1877 (data do número programa)120 a 26 de Abril de 1879 121. Saía às segundas-feiras (excepto o número programa). Tanto neste periódico, como depois n’O Sorvete, Sanhudo apresenta histórias aos quadradinhos, fazendo dele um dos pioneiros desta arte em Portugal. E o mais curioso é que outros desenhadores do Porto se apressaram a seguir os passos de Sebastião Sanhudo, pois na ‘Gazeta da Holanda’ também vamos achar balões em HQ assinadas “Marraschino & Cª” (1878). Também no mesmo ano, em ‘O Pist-Arola’ encontramos HQ assinadas J. S. Menezes. Estávamos a seis anos dos ‘Apontamentos Sobre a Picaresca Viagem do Imperador Rasilb pela Europa’ (de Bordalo)122. Em 1878 publicará o Almanach de Caricaturas Pae Paulino123, que contou com a colaboração de Alberto Malheiro, Casimiro Pereira, Sá de Albergaria, Alberto Goês, Gaspar Leite, Mattos Carvalho, Rodrigues Lúcio, Eugénio de Mont’Alegre, Ruy de Lencastre, Luiz d’Airó, Pai Thomaz, João de Deus Silvestre, V. M. Homem, e outros. Esta publicação terá visto a luz do dia por inais do ano de 1877, conforme se pode depreender por leitura do 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 625 Fig. 6 - A propósito da inauguração da ponte ferroviária Maria Pia conta-se uma história aos quadradinhos - arte em que Sanhudo é um dos pioneiros em Portugal - com alguns acontecimentos da cidade. Fonte – O Pae Paulino. N.º 15, 1.º Ano. Porto: 5 de Novembro de 1877, pp. 2-3. aviso de saída da mesma exarado no periódico O Pae Paulino124. O almanaque d’O Pae Paulino não foge ao tradicional e multisecular modelo dos almanaques125. Também ele cumpre a praxe do calendário com informações religiosas, indicando dias santos de guarda e festas ecuménicas126; faz outorga aos seus leitores de informações de carácter precioso para o seu quotidiano e não desfrutará de carácter de periodicidade. Para além disto oferece aos leitores prosa e poesia jocosa/humorística e histórias aos quadradinhos que vertem a sua atenção sobre aspectos da mundanidade desses tempos. Este almanaque vive de pequenas, saborosas e desopilantes achegas, emprestadas por diversos colaboradores, que para além das informações de carácter utilitário, concedem a este tipo de publicação uma inclinação de lazer e entretenimento, para as horas de ócio dos leitores, sugerindo tópicos 626 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) de conversação com pilhéria leve e descontraída. Nunca os textos são de profunda, ou demasiado analítica, observação, assim, não sendo pesados, sugestionam a uma continuada leitura dos artigos, poemas e informações. Cumpre, deste modo, a sua função despreocupada, dentro das publicações periódicas menos sérias. Quanto às caricaturas que vão polvilhando por aqui e por ali este almanaque, são de execução leve e despreocupada, não se nota no seu tratamento grande preocupação de rigor, ou cuidado de talhe, antes sugestionando descontração e celeridade do traço, na procura de não se tornarem demasiado pesadas, ou conspícuas, ao olhar, de forma a não o demorarem, deixando-o, dessa forma, solto para o jogo de rotação livre e descontraída que parelha melhor com o estilo da escrita empregue. Veja-se para conirmar tal juízo as igurinhas que ilustram as páginas 17 a 22, em Modos de ver. O periódico O Pae Paulino fez modiicações no seu cabeçalho por quatro vezes127. Excluindo a última das modiicações, em todos os cabeçalhos podemos ver estirado a todo o comprimento do cabeçalho e do título, que nele repousa, essa paradigmática igura do Porto liberal que foi o verdadeiro, e real, ‘Pai Paulino’, velha glória do liberalismo combativo. São, no global, cabeçalhos de belo efeito estético, boa elaboração na composição e que surtem um efeito muito apelativo. Luís Humberto Marcos128 airma que: este jornal aparece já com uma linha inovadora contar uma história da realidade a partir de quadrinhos 129. Nele fez Sebastião Sanhudo o seu ensaio inicial a nível de periódicos humorísticos, e nele revela já uma característica que mais tarde n’O Sorvete ampliará de forma sistemática: o seu aparecimento em auto-caricatura, qual espectador interveniente nos assuntos que recolhe do seu dia-a-dia e dos periódicos noticiosos. Ele, que viria a revelar toda a sua maestria n’O Sorvete, mostra já aqui todo o seu talento, originalidade e empenho em retratar os personagens e os acontecimentos do burgo portuense e da nação. Também aqui é já possível notar algumas das suas reconhecidas características, como seja um maior enfoque às políticas do que aos políticos (esta característica faz de Sanhudo, um autor muito à frente da sua época), e uma particular atenção aos acontecimentos teatrais, alguns dos quais aparecem em grande destaque nas capas do periódico. Mas Sebastião Sanhudo 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 627 abandonará o projecto em 7 de Janeiro de 1878, e chegará mais tarde (1879) a advertir os leitores quanto ao seu já prolongado abandono desse periódico: Constando-me que ainda hoje se apregoa e vende por essas ruas o meu almanach de caricaturas, Pae Paulino, para o ano de 1878 – declaro que sou estranho a essa venda, pois que para ella não dei auctorisação a pessoa alguma 130. Por outras três vezes, encontramos n’O Sorvete referência a este periódico131. Após a saída de Sanhudo apareceram outros colaboradores artísticos132, sem no entanto terem atingido a sua craveira. Ele foi o melhor colaborador artístico deste periódico, apresentando caricaturas de feição muito singular, grande ductilidade de traço, escorreição de perspectiva e litograias em que era um mestre de reconhecidos méritos. Dos setenta e cinco números consultados, apenas vinte seis ostentam na capa uma litograia de uma igura de vulto local, regional ou nacional. Este periódico faz comentário a notícias nacionais e internacionais133. Fig. 7 - Singularíssima forma de, em retrato-charge antropomórico, caricaturar inúmeros intervenientes dos mais variados quadrantes da sociedade, a propósito da exposição ornitológica no Palácio de Cristal. Fonte – O Pae Paulino. N.º 21, 1.º Ano. Porto: 17 de Dezembro de 1877, p. 4. 628 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Na rubrica Galeria do Pae Paulino faz pequenos esbocetos biográicos, apresenta obras em prosa e poesia de Machado de Assis134, Alexandre Dumas Filho, Faustino Xavier de Novais135, Ramalho Ortigão, Ernesto Cibrão136, Luís Augusto Palmeirim137, Rozendo Moniz Barreto; dá com o título A Vida Academica, artigos sobre uma disputa em verso entre Guerra Junqueiro e o poeta João de Oliveira Penha Fortuna138, da lavra de Gonçalves Crespo139 (n.º 24, 2.º ano, 9 de Dezembro de 1878, p. 2; n.º 25, 2.º ano, 16 de Dezembro de 1878, p. 2; n.º 26, 2.º ano, 23 de Dezembro de 1878, p. 2; n.º 27, 2.º ano, 30 de Dezembro de 1878, p. 2; n.º 28, 2.º ano, 6 de Janeiro de 1879). Tem folhetins em verso (n.º 12, 1.º ano, 15 de Outubro, 1877, p. 2, de A. G. (Augusto da Gama?)140. N.º 13, 1.º ano, 22 de Outubro de 1877, p. 2, de Faustino Xavier de Novais...). Insere no n.º 12, 2.º ano, 16 de Setembro de 1878 um poema de António Simões de Cabedo141 – Resposta do regedor. Faz anúncio e breve comentário a espectáculos teatrais. Publica adivinhas ortográicas e literárias. Faz breves esboços de vários ‘tipos’: nacionais (do n.º 9, 1.º ano, 24 de Setembro de 1877 ao n.º 35, 1.º ano, 25 de Março de 1878), das ruas (à ‘famosa’ Maria Henriqueta de Melo Lemos e Alvelos142 no n.º 22, 1.º ano, 24 de Dezembro, 1877), da cidade (n.º 25, 1.º ano, 14 de Janeiro de 1878, n.º 26, 1.º ano, 21 de Janeiro de 1878, n.º 33, 1.º ano, 11 de Março de 1878 e n.º 8, 2.º ano, 19 de Agosto de 1878), genéricos (n.º 8, 2.º ano, 19 de Agosto de 1878), das letras (n.º 10, 2.º ano, 2 de Setembro de 1878), o Sr. ... (do n.º 34, 1.º ano, 18 de Março de 1878 ao n.º 27, 2.º ano, 30 de Dezembro de 1878). Faz anúncio a casas comerciais, publicações literárias e escolares, almanaques, tarifas de serviços ferroviários e bilhetes do Caminho de Ferro do Minho e Douro... Como era hábito nos periódicos humorísticos ilustrados o texto literário coincide apenas ocasionalmente com os assuntos tratados pelos caricaturistas nos seus trabalhos, pois, no geral, concorrem em paralelo. Mas O Pae Paulino foi apenas o ensaio para o jornal humorístico de maior longevidade do século XIX, um dos mais duradoiros de sempre e um dos de maior nomeada: O Sorvete. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 629 Fig. 8 - Ilustração que se baseia na obra de Pierre Blanchard: Thesouro de meninos: resumo de Historia Natural, para uso da mocidade de ambos os sexos e instrucção das pessoas, que desejão ter noções da Historia dos tres Reinos da Natureza; traduzida do francez, e ofrerecida á Mocidade Portugueza por Matheus José da Costa. Supõe-se que a primeira edição desta obra seja ainda do século XVIII. Fonte – O Pae Paulino. N.º 5, 1.º Ano. Porto: 27 de Agosto de 1877 (capa). 630 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Fig. 9 – Capa do primeiro número d’O Sorvete, com Sanhudo apresentando-se ao seu público. Fonte – O Sorvete. N.º 1, 1.º Ano. Porto: 9 de Junho de 1878 (capa). Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) O Sorvete (9/6/1878-30/12/1900)143 Aparece em 9 de Junho de 1878, e será ele a consagrar o seu fundador, editor e caricaturista como uma igura cara da sociedade e que por causa dele deve ser considerado um dos pioneiros da caricatura no Porto144. Durante 22 anos e meio será o acepipe domingueiro de todos quantos o lêem, e uma indispensável companhia de todos os lares que por ele ansiosamente esperavam todos os domingos. Era também relexo da personalidade que o criara: era O Sorvete do Sanhudo ou o Sanhudo d’ O Sorvete. Nele se retrata uma crónica alegre da sociedade com suas virtudes e vícios, tudo sem ataques soezes ou ferozes, pois o seu autor era uma pessoa de leveza de conceitos com boa disposição e sem maldade145. De cunho singular, vivendo muito de auscultar as tertúlias dos cafés portuenses, dos teatros, dos salões, das ruas e dos periódicos noticiosos, abandonando a sátira mordaz e a crítica directa, Sanhudo conseguiu, sem intuitos estéticos superiores (embora as suas aptidões e formação académica o patenteiem), comentar com graça e ironia a vida da sua cidade, do seu país e nalguns casos do mundo. Neste periódico onde se identiica o autor como um dos precursores da Banda Desenhada no nosso país. Neste jornal, desenhos de pequenas dimensões, por vezes simpliicados, dispõem-se em tiras, notando-se a preocupação em ”fazer falar” aqueles desenhos simples, mas com atitudes, expressões e movimentos146. O proprietário foi sempre Sanhudo e, excluindo poucos números147, foi ele, sempre, também o seu ilustrador/caricaturista. A direcção literária esteve entregue a Sá de Albergaria, João Diniz, Júlio Serra, Sebastião Sanhudo, Eduardo de Barros Lobo (Beldemónio), Júlio Vasco, António Cruz (Braz de Paiva), Mendes de Araújo (Vicente Galhardo) e Marcos Guedes148. Uma das vertentes mais assinaláveis d’O Sorvete, em comparação com os seus coetâneos, e não só, foi a qualidade dos seus redactores literários e a sua razoável estabilidade no corpo de colaboradores dessa publicação. Isto já para não mencionar o facto de ter sido Sanhudo quem, quase sempre, esteve ao leme das ilustrações e caricaturas deste periódico. Foi editor e administrador José Vasques149. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 631 Fig. 10 – Capa do n.º 137 d’O Sorvete. Sobre um globo terrestre, que sobrevoa um Porto fortemente industrializado - e que por tal era designado da ‘Manchester portuguesa’ -, aparece Júlio Vasco (redactor literário) e Sanhudo. Sob o chapéu-de-chuva vermelho a igura do delegado de saúde Vieira Pinto. Fonte – O Sorvete. N.º 137, 3.º Ano. Porto: [s. d.] [início de 1881 – 2 de Janeiro (Domingo) ?] (capa). 632 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) O periódico foi publicado, quase sempre, aos domingos, entre 9 de Junho de 1878 e 30 de Dezembro de 1900. Sanhudo que, com o seu traço original e de cunho muito singular, soube, ao longo das décadas, agenciar cuidadosa e sabiamente os seus interesses, seguindo adiante sem arruinar ninguém com o seu humor, que a todos deleitou e fez companhia no percurso desses tempos de vastas transformações e convulsões. Foi companheiro de incontáveis personalidades e soube fazer ao longo de toda a sua vida proissional por não desmerecer da crítica, ou dos seus colegas de proissão. Pôde efectuar colaboração com muitos dos melhores, que por ele, e pelo seu trabalho, nutriam uma sincera amizade e respeito – casos de Rafael Bordalo Pinheiro e Leal da Câmara – que nele reconheceram um espírito solidário e amigo e convidá-lo-ão para correspondente gráico, no Norte, dos seus periódicos humorísticos. Uma peculiaridade de Sanhudo, com a qual já havíamos deparado n’O Pae Paulino e que aqui podemos constatar amiúde, é o facto, singular, de aparecer em auto-retrato recorrentemente. Verdadeiro cronista dos usos, costumes, acontecimentos e personalidades, assim aparece ele, a cada passo, comentando, analisando e vigiando como ‘boneco’ entre os seus demais ‘bonecos’. Quanto aos cabeçalhos, este foi um dos periódicos que mais vezes modiicou a sua apresentação gráica150. Seria algo fastidioso comentar aqui os cinquenta e cinco cabeçalhos e capas151 que esta publicação comportou. Apenas fazemos referência que, para além dos cabeçalhos que apenas inscreviam o título em letras sugestivas ou por vezes mais despojadas de grande estilização, teve-os muito estilizados, com riqueza igurativa de apelativa modelação, em que à sinuosidade do título se juntavam inúmeras iguras que em muito os harmonizavam. Não surpreende esta tão forte aposta ao nível dos cabeçalhos, uma vez que eles eram o rosto visível dos periódicos e funcionavam como um pórtico, sugestivo e apelativo, para que o leitor expendesse a quantia necessária à sua aquisição, ou subscrição. Neste tipo de obras tão recorrentemente ignoradas, de forma injustiicada e revelando alguma ignorância, podem, todavia, colher-se, de forma única, muitas informações sobre os mais variados assuntos e personalidades. Nelas se extraem, de igual maneira, muita obra literária e/ou gráica, 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 633 que apenas nestas se pode encontrar. E disto mesmo damos aqui um, de milhares de exemplos possíveis: O Sorvete, além de noticiar a próxima edição152 do Cancioneiro Alegre…153 , de Camilo Castelo Branco, fez posteriormente publicar os contundentes textos de resposta aos críticos151 da lavra dele. Grato, o autor155, na rúbrica A Critica Benevola, no im do livro Os criticos do Cancioneiro Alegre, lavra um préstito de reconhecimento e reproduz o texto que havia sido inscrito nesse periódico. Ademais, em relação à obra publicada em livro156, existe n’O Sorvete157, no im do texto dedicado a Sérgio de Castro, um verbete, De remissa, com resposta às críticas de Luís Silva Gaio que não existe no livro. Sanhudo que tinha um pé no teatro, outro nos salões, outro nos cafés...158 soube auscultar bem o pulsar do seu tempo, revelando no seu periódico a maior acuidade e foco aos assuntos locais, regionais, nacionais e até internacionais. Das colaborações gráicas de José Vasques destacamos sobretudo as correctas vistas litográicas159 da sua autoria, mais que as suas caricaturas. Já George Abelous, entre o n.º 92, 22.º ano, 2.ª série, 19 de Março de 1899 (im), e o n.º 108, 22.º ano, 2.ª série, 9 de Julho de 1899 (im), executa a traço linear e sob o formato de histórias aos quadradinhos, trabalhos narrativos em caricatura, prenhes de pilhéria. Rarissimamente fazendo recurso à legenda, na senda de Honoré Daumier160 e de Caran d’Ache161, obtém, no entanto, um efeito muito sugestivo e uma total compreensão dos temas graciosos que aborda. São inúmeros os casos em que este periódico forrageia imagens de pura fotorreportagem avant la lettre, sejam eles de calamidades naturais, de crimes, de acontecimentos de toda a espécie - quer nacionais, quer internacionais -, servindo como um imenso manancial documentativo, sobre todos os aspectos, para o último terço do século XIX. Teve suplementos a números editados entre: o n.º 5, 1.º ano, 1.ª série, 7 de Julho de 1878 e o n.º 29, 19.º ano, 2.ª série, 1 de Agosto de 1897. Teve desdobráveis, desde o suplemento ao n.º 185, 4.º ano, 27 de Novembro de 1881 até ao n.º 169, 23.º ano, 2.ª série, 30 de Dezembro de 1900. Patenteou periódicos com um vasto espectro cromático, entre o n.º 58, 2.º ano, 1.ª série, 13 de Julho de 1879 e o n.º 169, 23.º ano, 2.ª série, 30 de 634 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 11 – O desmoronamento na Ribeira a 27/1/1879 e a Derrocada nos Guindais em 3/6/1898. Dois assinaláveis casos do que hoje se chama fotorreportagem. Fonte – O Sorvete. N.º 35, 1.º ano, 3.ª série. Porto: 2 de Fevereiro de 1879, p. 292 e O Sorvete. N.º 53, 20.º ano. Porto: 3 de Junho de 1898, p. 5. Dezembro de 1900. Não era muito habitual à época, sendo igualmente neste aspecto muito vanguardista e de longe muito mais recorrente do que Bordalo nesse cariz162. Possui esta publicação várias rubricas em que literariamente se fazem esquiços, jocosos ou divertidos, dando variada tipologia de pessoas e personalidades163. Faz anúncio a casas comerciais, ou a particulares e seus ofícios (bordadores, dentistas, fabricante de artigos de viagem...), publicações literárias e 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 635 escolares, outros periódicos (caso d’O Charivari, A Vida Moderna, A Ilustração Universal...), almanaques, tarifas de serviços ferroviários e bilhetes do Caminho de Ferro do Minho e Douro, peças musicais editadas em disco, entre outros. Faz anúncio e comenta peças teatrais, actividades circenses, actuações aeronáuticas, escaladas a edifícios, enim, àquilo que ia decorrendo na cidade164. Fig. 12 – Bento de Freitas Soares como um nababo e o exímio violinista Augusto Marques Pinto, dois exemplos dos dezasseis insertos na Galeria do Sorvete em 1879 e em 1881. Fonte – Galeria do Sorvete N.º 2 [ sai a 22 de Setembro de 1879 – cf. O Sorvete. N.º 68, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 21 de Setembro de 1879 (p. 158) ]. Porto: Tipograia Ocidental – Litograia Portuguesa e Galeria do Sorvete N.º 2 [ O Sorvete. N.º 160, 4.º Ano. Porto: 5 de Junho de 1881 (Domingo) ]. Porto: Tipograia Ocidental – Litograia Portuguesa. 636 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Como suplemento a O Sorvete publicará em 1879 e em 1881 a Galeria d’O Sorvete165, que teria como subtítulo: Álbum de Caricaturas dos Homens Mais Célebres do Porto e Arredores166. Esta Galeria tem a singular importância de instituir o modelo de caricatura e esboço biográico que será depois replicado pelo Album das Glórias167 de Bordalo. Na sua primeira leva publica, entre 22/9/1879 e 20/11/1879, o retrato-charge e respectiva biograia de 5 personalidades168 , para na segunda leva, em 1881, o fazer em relação a mais 8 individualidades169. Publicou em 8 de Junho de 1884170 o Almanach do Sorvete – Procissão das Celebridades Portuenses171. É muito mais que um simples almanaque, creio até que a palavra almanaque aqui apenas se circunscreve à apresentação do calendário, pois que o que esta obra singular é na verdade é um imenso mostruário172 de cinquenta e seis caricaturados173 aos quais se apõe um esboço biográico174 e comentários pela pena de António Cruz. Esta obra dá a conhecer uma vasta plêiade de personalidades, dos mais heteróclitos campos da sociedade, quer nas suas isionomias, quer, porque de alguma maneira psicógrafa, na vertente do carácter, nas suas peculiaridades (quer sejam físicas, de maneirismos, de traje, de comportamento) ou através das aptidões proissionais do retratado. O humor explicita-se, no desenho caricatural, fazendo recurso a muitos desses axiomas, assim como perpassa através da abordagem, com pilhéria singular, dos textos de recurso biográico que os acompanham. É como que um vasto estudo social e imagético do círculo de relações do autor e de algumas das iguras mais gradas do burgo nortenho no Oitocentos. No dealbar de 1888, aparece à venda, por 200 réis, um Almanak d’O Sorvete175 para esse ano, que se informa estar disponível em todas as livrarias e quiosques e que traz em história aos quadradinhos de caricaturas a reportagem da viagem da Ex.ª Família Real pelo Norte do país176. Foi publicado postumamente177 O Cosmorama178 – Almanach do Sorvete para 1902, com impressão multicromática da Litograia Portugueza e com uma capa da autoria de Manuel Monterroso. Este almanaque parece agregar cinco obras que semelham ser autónomas, pelas características, assim como, pela separação distintiva entre elas (com uma capa para cada parte per si). As cinco partes constitutivas do almanaque são: o calendário acima 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 637 Fig. 13 - Henrique Carlos Pinto de Miranda; Padre Francisco José Patrício e José Augusto Correia de Barros, 3 dos 56 retratados pela Procissão de Celebridades Portuenses. Fonte – Almanach do Sorvete – Procissão de Celebridades Portuenses - 1884, p. 17; Almanach do Sorvete – Procissão de Celebridades Portuenses - 1884, p. 77 e Almanach do Sorvete – Procissão de Celebridades Portuenses - 1884, p. 93. 638 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 14 - Sanhudo revela uma inventiva muito particular, engendrando, com os tipicismos dos lugares, ou a partir de pessoas nativas ou singulares desses locais, oitenta brasões de armas muito peculiares. Fonte – Cosmorama - Almanach do Sorvete para 1902, pp. 82 e 83. apontado; O Cosmorama-dois dedos de cavaco para passar tempo por S. Sanhudo, Porto-As ruas do Porto (que até apresenta um prefácio sui generis em formato de caricatura. Manifesta, esta parte, dos mais singulares exemplos de humor literário em prosa, numa pouco habitual correlação com a caricatura que os encima e ilustra. Retrata situações totalmente paradoxais dos caricaturados que entram em consonância, ou em conlito, com os respectivos nomes das ruas); Brazões de cidades e vilas de Portugal (oitenta brasões, puramente da inventiva de Sanhudo, engendrados a partir dos tipicismos de cada localidade e com grande pendor humorístico); Variações (onde cria uma sugestiva relação entre a caricatura e a legenda) e O Cosmorama-Secção de annuncios do Porto (série de vinte e cinco reclames publicitários de variadas casas comerciais e industriais da cidade, de remédios em voga ou 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 639 de marcas, por exemplo, de vinhos. Aqui é onde se compagina a melhor ilustração das capacidades de Sanhudo como Litógrafo, bem como das aptidões da sua Litograia). Perante esta singularíssima publicação não conseguimos deixar de elucubrar, caso porventura o autor tivesse vivido uma vida mais longa, que tipo de publicação engendraria a seguir a esta, pois que o seu húmus criativo veio sempre num crescendo contínuo, desde o seu primeiro almanaque até esta obra derradeira. Fig. 15 - A Litograia Portuguesa, de Sanhudo, era uma reconhecida empresa na impressão litográica de rótulos e gargantilhas para garrafas, rótulos e etiquetas para farmácia, retratos, mapas, facturas, letras de cambio, timbres, bilhetes de visita, ilustrações de livros e jornais, estampas, recibos, catálogos ilustrados, brasões, cartazes, circulares, listas para eleições, etiquetas, entre outros. Neste grupo de quatro anúncios (dos 25 insertos no Cosmorama) podemos constatar da diversidade de ramos e empresas que estes cobrem. Nalguns casos o reclame inscreve um texto mais enunciador, ou até galvanizador, das qualidades da casa comercial em questão, como é neste caso o reclame à fábrica de coroas e lores artiiciais A la ville de Paris, já noutros casos socorre-se de informação escrita mais contida, fazendo mais vasto recurso a elementos decorativos múltiplos, em cartelas e esquadrias de vária feição que se amalgamam com titulaturas ondulantes, e elementos algo modernizantes, tudo conjugando um grande cinetismo, como é o caso da fábrica de camisas e roupa branca Arte da Moda, ou ainda em casos algo híbridos em que estes diferentes recursos se mesclam, como são o caso para a casa de triciclos das renomadas marcas Clement e Phébus e muito expressivo sobretudo no caso dedicado à Papelaria Moderna. Gostaríamos de convocar a atenção para os fundos utilizados pela esmagadora maioria destes reclames comerciais, uma vez que não sendo monocromáticos, e quando o são inscrevem vários gradientes em tonalidades bem distintas, sendo esta mais uma forma de concitar planimetrias e perspectivas várias, ritmos e densidades multiformes. Isto contribui muito para o apelo e esmero inal das ilustrações. Fonte – Cosmorama - Almanach do Sorvete para 1902, pp. 120 e 121. 640 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) O Sorvete nunca necessitou, para o seu duradoiro sucesso e muita valia, de publicar outra coisa que não ilustrações humorísticas de lavra nacional e de autores nacionais. O mesmo não aconteceu com os de Bordalo que, logo desde o Psit!!! em 1877179 até A Parodia em 1907180 (fazendo-o para lá da morte do seu fundador), publicou inúmeros autores estrangeiros, desenhos ao modo de criadores além-fronteiras decalcando-os para a temática nacional e coeva, bem como incontáveis gravuras extraídas de periódicos de todo o mundo. Sanhudo revela nas suas composições: as suas aptidões de traço aliadas a uma exímia técnica, a todos os níveis; a escorreita maleabilidade na iguração das personagens, delineadas ao mínimo pormenor e dispostas de forma a enunciar o cinetismo das suas produções; o acerto na perspectiva e a escala são esmeradas; os textos luem junto com o lado gráico; o polimorfo e variegado cromatismo, justaposto com rigor e clara deinição; em tudo criando conjuntos exemplarmente harmoniosos, valeram-lhe ser Fig. 16 - Calendário para o ano de 1898. Fazemos referência ao polimorfo cromatismo, justaposto com rigor e clara deinição; mas ressalvamos de igual forma, a escorreita maleabilidade na iguração das personagens, delineadas ao mínimo pormenor e dispostas de forma a enunciar o cinetismo da composição. A perspectiva e a escala são esmeradas em toda a representação e nos estandartes o texto lui com o aspecto gráico, criando um conjunto em tudo exemplarmente harmonioso. Fonte – O Sorvete. N.º 32, 20.º Ano. Porto: 2 de Janeiro de 1898 (centrais). 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 641 Fig. 17 – O retrato-charge de Correia de Barros - onde as rédeas que esse segura semelham, de forma jocosa, os muitos cordelinhos por ele puxados, num eufemismo referente aos inúmeros cargos que este ocupou - e a caricatura do ministro da Fazenda Mariano Cirilo de Carvalho, por ocasião da contestação do Imposto do Selo. Fonte – Piparotes. N.º 2, 1.º Ano. Porto: 13 de Janeiro de 1889, pp. centrais (p. 2) e Piparotes. N.º 3, 1.º Ano. Porto: 20 de Janeiro de 1889, pp. centrais (p. 2) reconhecido um dos mais lídimos litógrafos e caricaturistas do Oitocentos, e de sempre. Airma Alberto Bessa que: Animados pela aura que bafejara o semanário de Sanhudo, outros apareceram então, pretendendo fazer-lhe concorrência, sem o conseguirem, porque aos seus ilustradores faltava aquela scentelha de génio necessária aos verdadeiros caricaturistas. E desistiram a breve trecho181. Piparotes (6/1/1889-17/2/1889)182 Durante uma das interrupções d’O Sorvete, em 1889183, Sebastião Sanhudo funda e surge como director artístico do Piparotes184, com direcção literária de Sousa Rocha, que não obteve grande sucesso comercial e desapa642 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) recerá de imediato, ao cabo de haver publicado pouco mais de meia dúzia de números185. Mantinha a tradicional saída dos periódicos de Sanhudo aos domingos (o n.º 4, 1.º ano, 28 de Janeiro de 1889, que sai a seguir ao suplemento que foi editado ao n.º 3, saiu a uma segunda-feira). Faz, em prosa e em verso, comentário a notícias de âmbito nacional e parlamentar, a artigos de periódicos noticiosos, a queixas enviadas pelos leitores, a espectáculos teatrais; na rubrica Cosmorama faz a crónica dos acontecimentos da semana... No Piparotes..., que tem um cabeçalho ostentando, apenas, o título e subtítulo do periódico, em letras sóbrias e discretas, apreciamos enxameando, por aqui e por ali, as tais diminutas efígies a negro186, que apenas Fig. 18 - O encontro entre D. Luís I e Luciano de Castro a propósito da Comissão Vinícola. Assinale-se a pilhéria conseguida pela apresentação da igura do rei como um cansado ancião, que traja roupão de quarto e touca de dormir, enquanto o presidente do concelho aparece em impoluta libré de gala. Se confrontarmos a legenda com a ilustração avaliamos do extremo de paradoxo, ao fazer o anverso de indumentária entre o amo com um ar frugal de trajo e o governante que pelo garbo semelha mais ser a igura cimeira na representação. Fonte – Piparotes. N.º 7, 1.º Ano. Porto: 17 de Fevereiro de 1889, pp. centrais (pp. 2 e 3). 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 643 Fig. 19 – Diploma de sócio protector da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto. Fonte – O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IV, n.º 1. Porto: Maio 1948, p. 11. servem para motivo decorativo. Para além desses (e sempre nas páginas centrais), acompanhamos o trabalho de Sanhudo, que compõe caricaturas, com muito rigor, boa expressividade e natural composição dos corpos, para ilustrar questões dos mais variados quadrantes da sociedade, política, teatros, economia... Sempre assistidas de legenda, ou título com subtítulo, que enfatiza o traço e esclarece pormenores, dilucidam sobre os intervenientes ou as questões a serem tratadas. 644 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Sanhudo após esta breve aparição do periódico humorístico Piparotes, regressará à edição, a breve trecho, com uma nova série d’O Sorvete logo nos inícios de Janeiro do ano de 1890187. Outras obras de Sebastião Sanhudo ou com a sua colaboração artística Concebeu, cerca de 1880, o diploma de sócio protector188 da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto189. Na obra Les Luziades travesties…190, 1883, de Jacques Robert Mesnier (Scarron II), é possível apreciar seis estampas litográicas da lavra de Se- Fig. 20 – As estampas litográicas elaboradas para a obra Les Luziades Travesties… Fonte – Les Luziades travesties parodie en vers burlesques, grotesques et sérieux. Voyage maritime et pédestre du grrrand portugais Vasco da Gama, por J. R. M. Scarron II – Porto : J. [Jacques] R. [Robert] Mesnier, éditeur. Porto: Typ. de A. J. da Silva Teixeira, 1883, [s. pag.]. 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 645 bastião Sanhudo. Compõe-nas, com traço esmerado, que de algum modo se entretecem com o texto da mesma. Embora os versos que acompanham os desenhos litografados não sejam retirados do texto da obra, fazem-lhe clara e directa menção e nele embebem o sentir e o sentido, ajudando a um profícuo entretecimento conjunto. Ilustrou a capa d’O Brinde191, cujo gerente e proprietário foi Mariano Silvestre de Jesus, que teve um número único, de 1884-1885. Esta publicação tinha por inalidade auxiliar os pescadores da Costa da Caparica, que por causa de um temporal tinham perdido casas e embarcações192. Num álbum de autógrafos e desenhos, que D. Ana Maria Antónia de Sousa Holstein193, directora à época do colégio Luso-Italiano, organizou entre os anos de 1884 e 1885, para o qual colaboraram nomes de grande nomeada na vida artística portuense, destaca-se o verosímil retrato de Camilo Castelo Branco, assinado por Sebastião Sanhudo e datado do ano de 1885194. No ano de 1885, em 1 de Fevereiro, faz publicar, a suas expensas, o Porto Andaluzia195, num gesto de solidariedade para com as vítimas das catástrofes naturais aí ocorridas196 e que devastaram essa zona197. Através da sua Litograia Portuguesa, associa-se ao movimento de solidariedade para com as vítimas dos terramotos ocorridos em Granada, na Andaluzia, nos alvores de 1885, e faz editar totalmente a suas expensas198, dois mil exemplares, a quatro cores, que prima pelo cuidado gráico […] os desenhos são todos originais199, de um periódico com número único, Portugal-Hespanha 200 , um in-fólio de dezasseis páginas, e que concitou vasta e excelsa colaboração, quer artística (22), quer literária (48)201. Deveu-se esta iniciativa aos esforços dos alunos da Academia Portuense de Belas Artes. Ainda em 1885 colabora com o número único de O Andaluz202, de oito páginas numeradas, a duas colunas, com o preço mínimo de 50 réis, publicado pelos alunos do Colégio de S. Carlos, no Porto, compondo um cabeçalho, a partir de uma imagem da Fotograia Moderna203, que ilustra bem, quase com cinetismo, a força destruidora do cataclismo natural que assolou a região da Andaluzia204. Sanhudo em inícios de 1886 é nomeado sócio efectivo da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto205. Virá também a ser, mais tarde, 646 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 21 – Capa do aperiódico O Brinde. Na capa vemos o desenho, de boa realização litográica nos sombreados, de Sanhudo que compõe um miúdo esmoler com um fácies torturado, de chapéu estendido e por baixo a legenda (apodo de feição ecuménica) de Casimiro Dantas: Quem dá ao pobresinho empresta a Deus. // Fazer na terra o Bem agrada aos Ceus. Fonte – O Brinde. Lisboa: Typ. Mattos Moreira, 1885 (N.º único). – As estampas litográicas elaboradas para a obra Les Luziades Travesties… Fig. 22 – Desenho de Camilo incluso num álbum de autógrafos e desenhos, que D. Ana Maria Antónia de Sousa Holstein, directora à época do colégio Luso-Italiano, organizou entre os anos de 1884 e 1885. Fonte – BOAVENTURA, Manuel de – “Camilo?!... O inimigo!...”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VIII, n.º 2. Porto: Fevereiro 1968, p. 39. Fig. 23 – Capa do imperiódico Porto Andaluzia. Litograia que revela bem da devastação provocada pela calamidade, ladeada à esquerda pela imagem da estátua ‘O Porto’. Surge essa aqui simbolizada pela escultura tão afamada no Porto de antanho, com as cores azul e branco da pátria portuguesa, que ampara o desconsolo de uma igura feminina, com as cores de Espanha, por baixo deste conjunto cruzam-se duas penas e aposto sobre elas cruzam-se as insígnias heráldicas das duas nações com respectivo paquife. Sobre todo o conjunto vemos o título da publicação em que a palavra Porto de novo reproduz as cores azul e branco e Andaluzia o vermelho e amarelo. Todo o conjunto litográico resulta estilisticamente muito harmonioso, apelativo e correcto. Fonte – Porto-Andaluzia: a imprensa portuense aos povos de Andaluzia. Porto: Lithographia Portuguesa, Imprensa da “Folha da Tarde” de Ferreira de Brito, 1885 (N.º único, 1 de Fevereiro de 1885). Fig. 24 – À esquerda embaixo o verista e escorreito retrato litográico de João Correia. Fonte – Portugal-Hespanha: a beneicio das victimas dos terramotos de Granada: publicação promovida por um grupo de alumnos da Academia de Bellas Artes do Porto. Porto: Litograia Portuguesa a vapor, Tipograia Ocidental, 1885 (N.º único, Março de 1885). Fig. 22 – Desenho de Camilo incluso num álbum de autógrafos e desenhos, que D. Ana Maria Antónia de Sousa Holstein, directora à época do colégio Luso-Italiano, organizou entre os anos de 1884 e 1885. Fonte – BOAVENTURA, Manuel de – “Camilo?!... O inimigo!...”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VIII, n.º 2. Porto: Fevereiro 1968, p. 39. Fig. 25 – Cabeçalho, a partir de uma imagem da Fotograia Moderna, que ilustra bem, quase com cinetismo, a força destruidora do cataclismo natural que assolou a região da Andaluzia. Fonte – O Andaluz – publicado pelos alumnos do Collegio de S. Carlos em favor das victimas dos terremotos d’Andaluzia. Porto: Typ. da Discussão, [s. d.] [1885?]. Fig. 26 – Ilustração caricatural à célebre história, inventada por António Feijó, com o título O Mistério da Estrada de Ponte do Lima, onde narra sobre a célebre quadrilha de bandidos Os Carecas de Faldejães. Sanhudo, sempre informado e atento, retrata-o numa litograia jocosa, muito conseguida, com o título: Os carecas de Ponte do Lima. Esta benignidade, por antinomia à história de Feijó, cria o humor. Fonte – O Phantasma. Porto: Imprensa Civilização, 1892, capa. (Número especial de Fevereiro). Fig. 27 – O desenho de um ancião orante que solicita consolo para as famílias e os pescadores da Póvoa e da Afurada. Fonte – Lagrimas e Conforto – a beneicio das victimas do mar em 27 de Fevereiro de 1892 / publicado pelos alumnos da Academia de Bellas Artes do Porto. Porto: Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, Lith. Portugueza a Vapor, 1892. o tesoureiro desta Associação. Em Fevereiro de 1892 colaborou no número especial206 d’O Phantasma207, de Alfredo Mâncio208, que no cabeçalho inscreve a designação Charitas209. Sanhudo compõe a capa com uma ilustração caricatural à célebre história210, inventada por António Feijó211, com o título O Mistério da Estrada de Ponte do Lima212 (émula, na titulatura, com a criada por Eça e Ramalho213), onde narra sobre a célebre quadrilha de bandidos Os Carecas de Faldejães, a qual será recriada por Sá de Albergaria no seu periódico O Porto Comico214. Sanhudo, sempre informado e atento, retrata-o numa litograia jocosa, muito conseguida, com o título: Os carecas de Ponte do Lima215. Mas este careca, de Sanhudo, é mais benigno, anda de dia, leva um ramo de lores na 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 649 dextra e, como se pode ler na legenda, dirige-se para uma batalha de lores. Esta benignidade, por antinomia à história de Feijó, cria o humor216. Ainda em 1892 Sebastião Sanhudo - que com o seu jeito preparou todas as litograias e as imprimiu na sua Litograia Portuguesa - colabora em Lágrimas e Conforto217, uma publicação218 a propósito de um naufrágio ocorrido a 27 de Fevereiro de 1892219, levada a cabo pelos alunos da Academia de Belas-Artes do Porto, e tendo como meta ajudar a minorar a dor das vitimas (pescadores da Póvoa e Afurada) ajudando-as na necessidade com o produto da venda desta220. Fig. 28 – Sanhudo apresenta-se (em auto-caricatura), como correspondente do Porto, aos leitores d’A Corja! de Leal da Câmara. Um diminuto Câmara defronta um gigante Sanhudo numa jocosa alegoria provocatória e à direita uma caricatura de Leal da Câmara e de Marques Guedes, por Sanhudo, para o n.º 2 d’A Corja! Aqui dá-se o inverso nas proporções de ambos! Fonte – A Corja!. Ano I, n.º 1. Lisboa: 29 de Junho de 1898, p. 3 e A Corja!. Ano I, n.º 2. Lisboa: 3 de Julho de 1898, p. 3. 650 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Sobre estas sabemos bem, os estudiosos da imprensa, que as publicações aperiódicas com caracter humanitário e ilantrópico singravam, sobretudo, quando não apenas, pelos nomes de vulto que conseguiam congraçar na sua edição. Nelas, por vezes, abona mais a notoriedade do nome do colaborador do que a colaboração per si. O nome e sua proeminência eram o chamariz e o motor propulsor de venda. Venda, esta, que quanto mais conseguida, melhor provia ao desiderato inal de muniicência. Tratar de sobre elas fazer um enunciado passa, pois obrigatoriamente, por ressalvar a lista de pessoas que a elas deram o seu préstito. Contudo, como muitas vezes escapam à consulta e à visibilidade cimeira, quando cotejadas com obras consideradas de nomeada, insertas noutras Fig. 29 – Capa do livro de Sá de Albergaria De raspão. Fonte – ALBERGARIA, Sá de – De raspão – Collecção de artigos humoristicos de critica politica, litteraria e de costumes publicados no “Jornal de Noticias de 1890 a 1900” – volume I. Porto: Mendonça Neves & C.ª edits., 1900. 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 651 publicações, sabemos, todavia, bem demais, que é nestas que se lobrigam, por vezes, as peças inéditas ou de crédito que mais ninguém cuidou de encontrar. Sendo, irmãmente, por isso, um fecundo repositório de cabal importância para o investigador e para o académico. No ano de 1898 vamos encontrá-lo como correspondente gráico no Porto do periódico recém-fundado, em Lisboa, por Leal da Câmara A Corja (que teve uma curta duração, de cerca de três meses e meio, entre 29/6 a 16/10/1898221), mantendo-se assim na ‘vanguarda’ da sátira ilustrada222. Sanhudo faz a Correspondência do Porto do n.º 1 até ao n.º 5223. Porém não aparece a sua habitual rubrica no n.º 7 d’A Corja. Em vez dela aparece um verbete, sobre o estúrdio poeta do Porto, Eduardo de Artayett224, do próprio Leal da Câmara, que se diz surpreso pois que não havia recebido a habitual colaboração do seu amigo e redactor no norte. Leal da Câmara aduz isso ao facto, talvez, de ele ainda não ter enviado nenhum desenho para o periódico de Sanhudo, O Sorvete225. Fez a capa do livro de Sá de Albergaria226, De raspão227, que foi publicado em 1900228. A capa sob motivos vegetalistas recorta um guarda da ‘mancipal’ em namoro com uma sopeira, duas comadres, mais acima dois anciãos, todos em alegre comentário, e do lado esquerdo um leitor atento da folha do Jornal de Noticias, periódico que publicou os artigos deste conhecido humorista e que este livro compila229. O nome do autor cruza com o do título, numa composição composta de galhos e produzindo um efeito de movimento de ascensão e horizontalidade muito eicaz e apelativo. Sebastião Sanhudo foi colaborador artístico d’A Illustração Moderna, que tinha em Oliveira Passos seu director literário, e em Marques Abreu o seu director artístico. O seu nome desaparecerá de colaborador, em 1901, na transição do n.º 11 para o n.º 12230, assinalando, assim, o seu desaparecimento. Encontrámos, deste autor, uma obra que estamos convictos ser inédita. Trata-se dum desenho/caricatura231, que por comparação com outras obras de humor gráico232, pensamos, com alguma certeza, representar o 2.º conde de Samodães. Retrata-o já com alguma idade, de peril do lado direito, trajando com o habitual garbo e com um ar circunspecto de grande igura da nação233. 652 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 30 – Desenho inédito de Sanhudo do 2.º conde de Samodães. Fonte – Foto do autor. Fig. 31 – Caricaturas de Bordalo Pinheiro insertas n’O Sorvete. Faz referência a Sanhudo e a ele próprio; aos governantes em Lisboa; à saída de Leal da Câmara de Lisboa; à viagem de D. Pedro II do Brasil e do calote que deu a Henriqueta Alvelos como proprietária do Hotel do Louvre no Porto (em Março de 1872) e no im aos ‘famosos’ carecas de Ponte do Lima. Fonte – O Sorvete. N.º 122, 3.º Ano. Porto: 19 de Setembro de 1880 (pp. centrais). Em relação ao seu trabalho pode-se ainda acrescentar que soube fazer ao longo de toda a sua vida proissional por não desmerecer da crítica, ou dos seus companheiros. Pôde efectuar colaboração com muitos dos melhores, que por ele, e pelo seu trabalho, nutriam uma sincera amizade e respeito – caso, entre outros, de Rafael Bordalo Pinheiro, Leal da Câmara, Cândido da Cunha, Alfredo Mâncio e Manuel Monterroso. Fig. 32 – Caricaturas que acompanham as notícias necrológicas sobre Sanhudo. Fonte – Jornal de Noticias. 14.º Ano, n.º 197. Porto: 18 de Agosto de 1901, capa e Diario de Noticias. 37.º Ano, n.º 12:826. Lisboa: 18 de Agosto, 1901, capa (col.as 10 e 11). 654 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 33 – Ilustração feral de Alfredo Mâncio n’O Phantasma e à direita ilustração editada n’A Paródia. Fonte – O Phantasma. 2.ª Série, n.º 21. Ponte do Lima: 20 de Setembro de 1901, capa e A Parodia. 2.º Ano, n.º 85. Lisboa: 28 de Agosto, 1901, p. 3 (275). O im da vida, o reconhecimento post-mortem e as homenagens No mês de Junho de 1901, Sanhudo acompanhou alguns amigos e companheiros numa digressão por Santo Tirso, Famalicão e Vizela, porém já denotava algumas diiculdades motoras e teve que ser amparado nas entradas e saídas da carruagem234. Na revista Brasil-Portugal, de 16 de Agosto de 1901, podemos ler que está bastante doente o caricaturista do ‘Sorvete’, Sebastião Sanhudo. Já no número se13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 655 guinte, de 1 de Setembro de 1901, na lista de óbitos, indica que morreu, no Porto, Sebastião Sanhudo235. Sebastião Sanhudo, após uma breve, mas intensa, vida de trabalho e reconhecimento, por parte do público, e dos seus pares – como o fez, por mais do que uma vez, Raphael Bordallo Pinheiro –, irá falecer no dia 17 de Agosto de 1901, às cinco horas da manhã, na freguesia da Sé do Porto, na rua de S. Lázaro n.º 429. Foi vítima de uma encefalite236. Faleceu sem Sacramentos237, com a idade de cinquenta anos. Não tendo feito testamento, deixou a ilha menor, Isabel. Foi sepultado no Cemitério de Agramonte no dia 19 de Agosto238. Inúmeros foram os jornais internacionais, nacionais, regionais e locais, bem como outro tipo de publicações, que um pouco por toda a parte izeram notícia da sua morte, tendo algumas dessas publicações inscrito um preito de homenagem ao homem, ao trabalho e à vida deste, com inclusão de resenhas bio-bibliográicas. Entre os que izeram notícia do seu falecimento e respectivos responsos fúnebres, contam-se: O Commercio do Porto239 ; O Primeiro de Janeiro240; Jornal de Noticias241 ; O Norte242 ; Diario da Tarde243; O Seculo244; Diario de Noticias245; A Provincia246; A Parodia247 ;O Phantasma248; A Noticia249; Jornal do Brasil 250; Cidade do Rio251 . Tanto o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias, A Paródia e O Phantasma inscrevem para além da notícia do seu passamento, uma caricatura ilustrativa do artigo, revelando, num tempo em que a ilustração no periodismo jornalístico não era tão prolíica como hoje, sendo ao contrário quase inexistente, uma funda intenção de destaque, quer pelo relevo da sua obra enquanto industrial de litograia, e caricaturista de nomeada, quer enquanto amigo de alguns dos redactores que izeram a notícia necrológica. Ressalvando a melhor qualidade da ilustração publicada pel’O Phantasma, da lavra de Alfredo Mâncio, todas as demais são de mediana qualidade compositiva do traço, porém frustes na sua consecução técnica, possivelmente pela má 656 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 34 – Sanhudo por várias vezes chamou à atenção, nos seus periódicos (em especial n’O Sorvete), sobre o estado de indigência daqueles valorosos combatentes que nos territórios ultramarinos, em especial em África, lutaram com bravata e desinteresse a favor da pátria. Fê-lo dentro da sua conscienciosa civilidade e talvez porque muitas vezes se confrontou com estes soldados, que pelas ruas da Invicta procuravam, através da espórtula, fazer frente ao estado famélico a que chegaram, ante uma grosseira indiferença que grassava, em relação a eles, por parte dos diferentes governos. Em muitos casos fê-lo comparando com o estado de muniicência com que era mantido na prisão o régulo Gungunhana, não porque - estamos certos pelo conhecimento do seu carácter probo - desconsiderasse que se deviam dar condições condignas a um valoroso chefe de estado, como o era Gungunhana, mas porque lhe fremia a consciência, bem formada de cidadão com sentido de urbanidade, ante o esquecimento a que eram votados os soldados que haviam granjeado a defesa da pátria e dos seus valores cimeiros. Aqui volta a fazê-lo e coloca este (na página da esquerda), que é apenas o representante de tantos, a morar no Campo dos Martyres da Patria. E aqui não há paroxismo ou antinomia com o nome da rua, pois que ele, em sã consciência, os considera - tal como aqueles que deram origem a esse topónimo - de mártires de uma pátria que os desmerece. Na página da direita coloca um ancião, numa chamada de atenção, nalguma medida similar com o caso anterior. Este foi arregimentado para combater no tempo do cerco do Porto, em prole duma rainha que, como diz na legenda, nunca viu, contendeu sofrendo todas as inclemencias na maldita guerra onde apanhou muita chibatada e muita fome, pelejou contra a sua vontade, porém mora na Praça dos Voluntários da Rainha. Aqui faz-se o uso do humor como uma poderosa arma de arremesso contra as consciências, no sentido de as alertar e tornar despertas. E fá-lo usando não só o recurso da imagem gráica portentosa, mas de igual modo através dos textos de estentóreo convite à relecção e à acção, pelo mudar de atitudes. Sanhudo, nesta sessão do almanaque chamada Ruas do Porto, convoca toda a sua inventiva para através de topónimos, e do humor, fazer apelos muito signiicativos sobre questões muito sérias e prementes da sociedade. E nisto podemos bem veriicar como o humor, com inteligência e diligência, é uma arma muito incisiva. Fonte – Cosmorama - Almanach do Sorvete para 1902, pp. 36 e 37. 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 657 qualidade do papel. Teremos, contudo, de ressalvar que se a caricatura editada pel’A Parodia é de facção alheia, e de pouca qualidade, pelo menos, Sanhudo teve direito a ilustração252 (veja-se que aquando da morte de Celso Hermínio, em 1904, A Parodia apenas editou uma nota escrita). Os periódicos noticiosos mantinham, ainda, pelos alvores do século XX, a multisecular crença na supremacia da palavra escrita como forma primeva de notícia, ou descritiva, sobre a composição imagética253, possivelmente na senda duma convicção de que o periodismo era o sucedâneo, hodierno, da grande literatura254. Fig. 35 – Caricaturas de Sanhudo publicadas no Portugal Artístico e reeditadas no livro Têas de Aranha de Eduardo Sequeira. Fonte – Portugal Artístico: publicação illustrada da Livraria Magalhães & Moniz. Porto: Livraria Magalhães & Moniz-Editora, 1905, pp. 529, 531 e SEQUEIRA, Eduardo – Têas de Aranha. Porto: Livraria Magalhães & Moniz-Editora, 1905, pp. 107, 111. 658 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) De salientar que nos anúncios necrológicos do seu falecimento, para além dos nomes dos familiares – Maria José Ayres Sanhudo, Isabel Sanhudo, Maria Virgínia Sanhudo e Emília Sanhudo255 – encontramos os dos amigos Francisco Leite Arriscado256, António da Silva Cunha257 e Marcos Guedes258, amigos de tão longa data, e de tão grande intimidade, que enileiravam na alma do artista ao nível de família, lugar que assim e ali ocupam, pareando com essa, no amparo dessa hora de dor. De igual forma a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto através do seu primeiro secretário da direcção – Bernardo de Almeida Lucas259 – fez anúncio necrológico àquele que tinha sido seu tesoureiro, associando-se assim a esse preito de homenagem. Sebastião Sanhudo foi também colaborador artístico d’A Ilustração Moderna, que tinha em Oliveira Passos seu director literário, e em Marques Abreu o seu director artístico. O seu nome desaparecerá de colaborador, na transição do número 11 para o 12260, assinalando assim o seu desaparecimento. Memória crítica O esquecimento da sua pessoa e obra – que se veio a operar a posteriori, como acontece a tantos, pois que o tempo dirime tudo o que toca com demora – não se operou no imediato. O seu nome e obra gráica reaparecerão, em muitas publicações, pelo mérito que o seu trabalho e singularidade única conseguiram congraçar. Logo após o seu falecimento foi publicado, ainda da sua lavra, O Cosmorama-Almanach do Sorvete para 1902261, de impressão multi-cromática e com uma capa da facção de Manuel Monterroso (Dr.), que assim se associou a esta homenagem justíssima àquele que durante quase vinte e três anos – vinte e cinco se contarmos com esta publicação – alegrou, ou contrariou, porém sem maldade, tantos milhares de lares, com a sua análise jocosa de uma sociedade da qual tinha feito uma parte interventora, e que tentou com desforço melhorar. Se o não conseguiu, fez pelo menos nesse sentido uma tentativa demorada, activa e empenhada. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 659 Fig. 36 – Caricaturas de Amorim Viana e do “Magalhães das Hortas”, na obra de Alberto Pimentel: A Praça Nova. Embaixo a caricatura de Amorim Viana de melhor recorte urbanístico, desenho e composição gráica, publicada n’O Sorvete. Fonte: PIMENTEL, Alberto A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 218, 233 e O Sorvete. N.º 97, 3.º Ano. Porto: 4 de Abril de 1880 (capa). 660 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 37 – O desenho publicado na revista Portucale e o original editado no Almanack do Sorvete – Procissão de Celebridades em 1884. Fonte – Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. IV, n.º 19. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1931, p. 34 e Almanach do Sorvete – Procissão de Celebridades Portuenses - 1884, p. 177. No ano de 1905, viram os escaparates das livrarias vir a lume de edição, um mensário de grande qualidade, quer pela sua colaboração literária, quer artística, que se intitulou Portugal Artístico, e era dirigido por Eduardo Sequeira. Para a qualidade desta publicação contribuiriam as suas ilustrações cuidadas e o seu apelativo arranjo gráico. Pois também aqui foi prestado um preito de homenagem a Sanhudo, pela inclusão de duas caricaturas suas a ilustrar um conto262 da autoria do director do mensário, de seu título: O sermão do Snr. Abbade. O periódico Gazeta de Noticias263, do Rio de Janeiro, num artigo de Oliveira Passos, publicado sobre o pintor Cândido da Cunha264, no ano de 1910, faz ressalva que os seus pais queriam devotá-lo à carreira comercial. Mas ele era pouco atreito a essa futura proissão. E um dia alguém terá reparado na sua habilidade para o desenho e aconselhou seus pais, que mesmo com esforço, o deviam encaminhar para o Porto para poder receber formação nessa área. Depois do desaire que sofreu ao visitar a oicina de Marques Pinto (pintor de tabuletas), essa pessoa sugeriu a sua mãe uma visita ao atelier de Sanhudo. E foi aí que o futuro pintor, encontrando esse 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 661 Fig. 38 – Caricatura de Camilo, a propósito do lançamento do seu livro A Corja, n’O Sorvete e que 88 anos depois fará a capa da revista Seara Nova. Fonte – O Sorvete. N.º 135, 3.º Ano, Porto: 19 de Dezembro de 1880 (capa) e Seara Nova: revista de doutrina e critica. Ano XLVI, n.º 1475. Lisboa: Setembro de 1968, capa. a desenhar para o seu O Sorvete, entre o maravilhado e confuso com o que viu, e num lance de desabafo e satisfação terá dito à progenitora: Vê minha mãe é isto que eu quero estudar e saber!... E mais aduz indicando que Sanhudo, comovido com o que ouvira, lhe presta de imediato os esclarecimentos para a matrícula na Academia Portuense de Belas-Artes e que desejou ser elle proprio a apresental-o naquele estabelecimento de instrução artistica. Atesta mais: que Candido da Cunha, ainda hoje, enternecidamente, recorda o interesse que Sanhudo por elle manifestou265. Em Outubro do ano de 1911 Jose de Parres Sobrino, no periódico La correspondencia de España, rasga apreciações laudatórias aos periodistas portugueses dizendo: que suelen ser cultos, impetuosos, violentos e apasionadísimos en 662 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) sus ataques e y en sus polémicas. Manejan bien la sátira, la ironía y la caricatura. Su ingenio y su gracejo pueden compararse, y á veces superan, a los de Francia, España, Itália y Bélgica, países más similares á ellos por el idioma, el carácter y las costumbres. […]. E acrescenta que os mais afamados periódicos humorísticos são, de Lisboa, o Antonio Maria de Bordalo e, do Porto, O Sorvete de Sanhudo, a quem qualiica de escritor y dibujante notabilíssimo266. Pelo ano de 1916, deparamos na obra, sobre o Porto, de Alberto Pimentel: A Praça Nova267, com duas caricaturas de Sanhudo. A primeira é de Pedro Amorim Viana268, sendo a segunda do, designado, Magalhães das Hortas, um linheiro rico, janota, macróbio, que todas as tardes na Praça Nova cultivava a arte equestre269. No ano de 1918 a Gazeta de Coimbra, num conjunto de verbetes dedicados aos Jornaes do Porto, assinados por Alberto Bessa, tratando d’O Sorvete intitula este como um dos mais interessantes semanários illustrados que se teem publicado no Porto. Acrescenta dizendo que teve um primoroso caricaturista e que fez epoca no Porto, como nenhum outro jornal do seu género e que a sua collecção é de alto valor como documento de critica histórica270. Fig. 39 – Desenho do Guarda-linha Dâmaso; feito em Ermesinde no mês de Dezembro de 1890. Fonte – Foto do autor. 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 663 Fig. 40 – Árvore genealógica de Sanhudo, que patenteia 8 gerações da sua família. Inicia-se com os seus quintos-avós - embaixo na imagem - e remata - no topo - com os seus dois ilhos: Isabel Maria e Carlos Alberto Aires de Sousa Sanhudo. Toda a árvore é desenhada numa feição muito vegetalista, exceptuando os quintos-avós que têm os seus nomes inscritos em grandes blocos, sugerindo pedras angulares e fundadoras. Desenhada por ele a 29/7/1892, em Ponte do Lima. Fonte – Foto do autor. Aparece também como colaborador271 da Portucale272 – Revista ilustrada de cultura literária, cientíica e artística273, que no Porto foi fundada274 por Augusto Martins275, Cláudio Basto276 e Pedro Vitorino277.278 Ainda, nesta revista, aparece no seu n.º 19, de Janeiro-Fevereiro de 1931, ilustrando um artigo que Pedro Vitorino dedica ao escultor Soares dos Reis; um desenho do rosto desse, da lavra de Sanhudo279. No ano de 1938, em Março, na Secção Retrospectiva do Salão da Sociedade de Belas-Artes em Lisboa, viram-se trabalhos de Sanhudo expostos, pareando com outros amigos e companheiros desta área, como: Manuel Macedo, Nogueira da Silva, Rafael Bordalo Pinheiro e muitos outros. Uma homenagem a esse que nunca vacilou, mesmo perante a enfermidade, de propugnar por uma sociedade melhor, combatendo por isso com o labor intenso do seu trabalho. Alberto Meira, na revista Prisma de 1939280, nos seus habituais verbetes sobre caricaturistas portugueses, dedica-lhe (no seu IX verbete) um estudo da sua obra e pessoa, ressaltando-lhe as singulares qualidades. No ano de 1968 uma caricatura, de Sanhudo (do ano de 1880 e 1883, e que haviam já sido publicadas n’O Sorvete281), alusiva à publicação, por parte de Ernesto Chardron282, do livro A brasileira de Prazins, de Camilo Castelo Branco, compõe a capa de Setembro da revista Seara Nova283. Nela está, do lado esquerdo, o editor Chardron sobraçando a edição d’A brasileira de Prazins, em segundo plano avistam-se um conjunto de livros entre os quais se vê o Eusébio Macário (romance satírico ao realismo e naturalismo literário), enquanto que, em primeiro plano surge Camilo, com uma pena gigante, Fig. 41 – A estampa esfragística editada pelos C.T.T. no ano de 2005 e com a efígie de Sanhudo. Fonte – Foto do autor. 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 665 varrendo um conjunto de diminutas e insigniicantes igurinhas (a corja). Apresenta-se a legenda, embaixo, que diz: Camilo – a crítica da cegueira e a cegueira da crítica…284 percebendo nós, então, que o autor varre, sem pena, os críticos. A obra A revolução de 31 de Janeiro de 1891285, memorativa do centenário da revolta do Porto e publicada em 1991, ilustra-se com caricaturas d’O Sorvete286 e esta obra, bem como o nome de Sanhudo, são aí amiudadas vezes referidos287, em mais uma irrefragável nota do valor histórico, imagético e documental deste periódico e do seu cronista gráico. No dia 27 do mês de Dezembro do ano de 2001 o Museu Nacional de Imprensa, sito no Porto, promoveu uma exposição sobre Sebastião Sanhudo288, solidarizando-se assim numa memoração da passagem do centenário da sua morte, contando com a colaboração de alguns dos seus familiares como: António Monteiro Novais289; as irmãs Maria Germana Sanhudo Soares Duarte Rodrigues e Maria da Graça Sanhudo Soares Duarte Rodrigues290 e Maria Helena Soares Duarte Barbosa291. Aí estiveram patentes alguns exemplos da sua vastíssima obra gráica de imprensa, com alguns dos exemplares em presença dos seus mais emblemáticos periódicos de caricatura O Pae Paulino e O Sorvete, bem como o desenho Guarda Linha Damaso de Dezembro de 1890, Ermesinde. Esta exposição evocativa, com o título Sanhudo: o Caricaturista do Porto, decorreu, na galeria de exposições temporárias deste museu, até inais de Fevereiro de 2002292. Em Ponte de Lima, sua terra natal, esteve patente, no edifício da Torre da Cadeia Velha, de 29 de Julho até 22 de Setembro de 2002, uma exposição em homenagem a Sebastião Sanhudo, que além de alguns exemplos da sua obra gráica de imprensa, pôde contar, a título de empréstimo, com alguns objectos e itens de uso pessoal (tais como um sinete com o seu monograma S.S. e uma faca de cortar papel) e algumas fotograias (cerca de seis) deste autor e alguns familiares (entre os quais a sua esposa Maria José Ayres de Azevedo e sua ilha Isabel Maria Ayres de Sousa Sanhudo). Pôde-se ver um auto-retrato a crayon; uma litograia comemorativa do centenário da inauguração da Ponte ferroviária do Porto D. Maria Pia; a bonita árvore genealógica da sua família293, da facção deste autor; um desenho de Sebastião Sanhudo a fumar; um desenho a lápis, colado em cartão, deste com bengala; um quadro com desenho Guarda Linha Damaso de Dezembro de 666 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Fig. 42 – Notícia a propósito dos desenhos que o periódico Popular, de Lisboa, em 28/1/1897, atribuía a Jorge Castelo Branco mas que O Sorvete de 7 de Fevereiro de 1897 informa serem da lavra de Sanhudo, inspirados na obra de Camilo e publicados n’O Sorvete de 25 de Dezembro de 1880. Fonte – O Sorvete. N.º 8, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 7 de Fevereiro de 1897, pp. 6-7. 13 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 667 Fig. 43 – Aqui se patenteiam as caricaturas originais de Sanhudo, publicadas n’O Sorvete de 25 de Dezembro de 1880, que bebem inspiração nos personagens do livro A Corja de Camilo, e que serviram de modelo a Jorge Castelo Branco para os seus desenhos. Como se pode veriicar os originais de Sanhudo são mais conseguidos quer na plasticidade das isionomias, assim como na composição mais dúctil do corpo das iguras, conseguindo assim mais naturalidade e veracidade. Fonte – O Sorvete. N.º 136, 3.º Ano. Porto: 25 de Dezembro de 1880, p. 604. 1890, Ermesinde; um quadro com desenho “O cidadão” José António Pinto, fabricante de caixas, 24 de Abril de 1883 e um desenho a carvão do seu irmão João Inácio da Cunha e Sousa de 12 de Abril de 1874. A propósito, existe no acervo do Museu dos Terceiros de Ponte de Lima uma obra de Sebastião Sanhudo (o retrato mencionado acima, que identiicámos como sendo de seu irmão primogénito João Inácio da Cunha e Sousa), um desenho de seu irmão primogénito João Inácio da Cunha e Sousa que integra uma Exposição 20 Peças à Procura de um Mecenas294. Reproduzimos, agora, aqui uma notícia do Jornal de Notícias (online), para que se note que o nome de Sanhudo ainda assoma do fundo do tempo, pareando com os nomes mais grados, de todos os tempos, do humor gráico nacional: Caricaturistas em selos ( 2005-06-12) Os CTT apresentam hoje a emissão ilatélica “Caricaturistas portugueses”, através da qual homenageiam alguns dos mais marcantes desenhadores de Imprensa nacionais. A emissão consta de uma folha miniatura com 11 selos, todos com taxa de 0.30 cêntimos, e uma vinheta sem valor que evoca os 130 anos do Zé Povinho através de uma citação de Ramalho Ortigão. Oito dos selos reproduzem auto-retratos de Rafael Bordallo Pinheiro, Sebastião Sanhudo, Celso Hermínio, Leal da Câmara, Francisco Valença, Stuart de Carvalhais, Augusto Cid e António Antunes. O “Guarda Ricardo”, de Sam, e Almada Negreiros visto por João Abel Manta iguram em dois outros selos, enquanto que na 11ª estampilha está representado o Zé Povinho. A apresentação da emissão terá lugar, às 15.30 horas, no Museu Nacional de Imprensa, no Porto, durante a inauguração da exposição “Zé Povinho, 130 anos”. Aquela emissão dos CTT será também apresentada hoje nas Caldas da Rainha, na Loja 107, Livraria Lda, na Rua Heróis da Grande Guerra, às 17 horas, onde terá lugar obliteração de correspondência com um carimbo especial “Zé Povinho”, sendo na mesma altura apresentado o livro “Rafael Bordalo Pinheiro - Fotobiograia”, da autoria de João Paulo Cotrim. A emissão surge um ano depois de “Heróis portugueses da Banda Desenhada” que destacou oito heróis dos quadradinhos lusos, como Quim e Manecas (de Stuart de Carvalhais), Simão Infante (de Raul Correia e Eduardo 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 669 Teixeira Coelho), Tomahwk Tom295 (de Vítor Péon) e Jim del Mónaco (de António Simões e Luís Louro), entre outros296. Como se referiu no jornal Público297: se existisse um barómetro para avaliar a notoriedade pública dos “vip” do Porto (e arredores) da segunda metade do século XIX, o facto de ter sido caricaturado por Sebastião Sanhudo […] seria, por certo, um dos elementos a ter em conta… Cremos, ademais, que depois de tudo o que icou exposto, podemos airmar, com veracidade e justiça, que o dito barómetro serviria para avaliar mais do que apenas pessoas, podendo incluir, com a mesma equidade, acontecimentos do mais vasto leque político-social, económico, religioso, consuetudinário, vivencial da urbe, comercial e industrial, do ensino, do urbanismo… enim de tudo aquilo que ao Porto, ao país e até, em alguns casos, ao mundo disse respeito. E temos de acrescentar que o seu periódico, O Sorvete, se vendia não só no Porto, nem só no país. Embora, estamos em crer, em mais escasso número, nas outras colónias portuguesas298. Acrescentaríamos que posto tudo o que acabamos de elencar, em que tantas edições, em diversos anos após a morte do autor; bem como consagrados criadores, de várias áreas, ao continuarem a selecionar, por vezes entre tantas obras, as de Sanhudo; assim como exposições de irrefragável qualidade, em que pareia com nomes cimeiros de diversas expressões plásticas; patenteiam bem do seu valor artístico e técnico, tanto como da sua intemporalidade. Abrimos uma pequena nota para dar conta de mais um facto, com relevância, sobre a divulgação da obra de Sanhudo: quando o ilho mais velho de Camilo299 (outro dos maiores cronistas do Porto, este nas letras), Jorge Castelo Branco300 (que sempre desde novo sofreu de alguma misantropia, que ao longo dos anos degenerou em alienação), começou a dar importante preocupação a seus pais, sua mãe Ana Plácido quase tinha saudades do tempo em que o seu Jorge desenhava qualquer trecho de paisagem ou copiava as caricaturas de Sanhudo…301 e a reprodução de retratos e caricaturas que Jorge encontrava em publicações periódicas, principalmente ‘O Sorvete’, do Porto302. Em 2011 o Município de Ponte de Lima homenageou a passagem dos 160 anos sobre o nascimento do seu conterrâneo com uma exposição evocativa303 desta personalidade de grande relevância a nível nacional como litógrafo, 670 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) retratista e caricaturista304 e com uma palestra. Luís Humberto Marcos, o director do Museu Nacional da Imprensa, nessa alocução, proferida no Auditório da Biblioteca Municipal de Ponte de Lima, a 18 de Fevereiro de 2011, enalteceu as qualidades do homem hostil à má disposição, ao mau humor, à antipatia, à impaciência e à ignorância, do industrial de créditos reconhecidos e do artista singular, com o título Sanhudo: humor como sorvete, airmou: O que falta é mais Sanhudos na actualidade, não sei se estamos demasiado adormecidos. Não existe tanta frontalidade como havia naquela época305. Ainda neste ano, a 4 de Abril, decidiu, e muito justamente, o município limiano outorgar o nome deste seu ilustre e reconhecido ilho ao jardim da marginal, adjacente ao Passeio 25 de Abril, que se chamará jardim Sebastião Sanhudo306. Transcrevemos o texto da respectiva acta deliberatória do município: 5.3 – PROPOSTA DE ATRIBUIÇÃO DO NOME DE “SEBASTIÃO SANHUDO” A UM ESPAÇO PÚBLICO - A Câmara Municipal, deliberou, por maioria, com a abstenção do Sr. Vereador do PSD [Dr. Filipe Agostinho Cruz Viana], atribuir o nome de “Jardim Sebastião Sanhudo” ao jardim adjacente ao Passeio 25 de Abril307. E desse modo Ponte do Lima honra aquele que dali partiu e sempre digniicou, com a sua natureza e labor, as suas raízes. Falta apenas que a Invicta preste uma condigna e devida homenagem a este reputado industrial e artista, que nesta urbe desenvolveu grande parte da sua vida e do seu labor e que com ambos soube enaltecer e distinguir, para sempre, singularmente esta cidade. Hoje, quase cento e dezasseis anos após o seu desaparecimento físico, ao redescobrirmos o passado, através do seu nome, percurso e obra, escrevemos a história e a ele fomo-lo da lei da morte libertando. Enquanto houver memória, existe vida308. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 671 Notas: 1 A alocução proferida no 1.º Colóquio Saudade Perpétua, e este artigo, foram fundamentados num mais vasto estudo que deu origem à nossa Tese de doutoramento com o título: Sebastião Sanhudo: Imprensa, Humor, Caricatura e o Porto da Segunda Metade do Século XIX à Primeira Metade do Século XX. Porto: [s. n.], 2015. Tese de doutoramento em Estudos do Património apresentada na Universidade Católica Portuguesa. 2 vols.; a qual deve ser consultada para aprofundar os assuntos aqui apresentados de forma mais sincrética. 2 Licenciado e Mestre em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Doutor em Estudos do Património pela Universidade Católica Portuguesa (com uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia – FCT). 3 Livro dos Assentos de Baptismo, Arquivo Distrital de Viana do Castelo, Fundo Paroquial de Ponte do Lima (Vila), Livro 11, Datas Extremas 1845-1860, Fls. 8, 9v, Cota 3.15.1.13. 4 Filho da 2.ª condessa de Terena e 2.ª viscondessa de São Gil de Perre, neto materno do 1.º marquês de Terena, 2.º conde de Bertiandos por casamento, Moço Fidalgo com exercício no Paço, Par do Reino, bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, Tenente-coronel, Comandante do primeiro Batalhão Nacional de Caçadores do Porto, Cavaleiro da muito nobre e antiga Ordem da Torre Espada do Valor e Lealdade, deputado da nação portuguesa. 5 Filha do 1.º conde de Bertiandos e 2.ª condessa de Bertiandos, representante do título de viscondessa, com grandeza, de Bertiandos, dama das Rainhas D. Estefânia e D. Maria Pia, sucessora na Casa dos Biscaínhos, senhora da casa e quinta do Paço de Bertiandos. 6 (Ponte de Lima, 1821-Porto, 1905). A Actualidade. 11.º Ano, n.º 30. Porto: 5 de Fevereiro de 1884, p. 2, col.ª 5 (refere que era presidente da Associação Benéica dos Empregados de Comércio no Porto). Cujo descendente varão e primogénito o comendador Inácio Alberto de Sousa, fundador (com o seu pai João Inácio da Cunha e Sousa) da Litograia Nacional, casou com Ângela Maria Bandeira Russel, deu continuação ao negócio litográico, naquela que ainda hoje existe e dá pelo nome de Litograia Lusitana, (hoje) à Praça Mouzinho de Albuquerque, n.º 197, e que até ao inal da década de 80, do século XX, ainda era propriedade dos descendentes – os Russel de Sousa. 7 O Sorvete. N.º 457, 10.º Ano. Porto: 3 de Abril de 1887, p. 58. 8 Que por linha materna pertence à casa dos condes de Azevedo. Técnico da Alfândega do Porto, ilho do Eng. António Luís Soares Duarte (que foi também licenciado em Farmácia. Como engenheiro montou a Fábrica do Gás em Massarelos, sendo ele também quem inaugurou a linha do carro eléctrico para Massarelos, conduzindo o primeiro ‘americano’ que atingiu aquela zona ribeirinha) e de sua mulher a Senhora Dona Antónia Narcisa Otelinda Azevedo da Silva Falcão, dos condes de Azevedo. 9 (Porto, Sé, 5.5.1905-). Licenciado em Ciências Económicas, técnico da Alfândega do Porto. 10 SANHUDO, António – Os Sanhudos, (II vol.). S/l [Porto]: s/n [Escola Tipográica da Oicina de S. José], 1978, pp. 105-107. 11 Regulamento Interno da Escola Portuense de Bellas-Artes, de 1897. Já o decreto fundador da Academia Portuense de Belas Artes, de 22 de novembro de 1836, especiicava apenas «saber ler, escrever e contar» como condição de admissão. O aproveitamento no curso de Desenho Histórico e em anatomia precedia o ingresso em Pintura Histórica. Um dos principais problemas do ensino desse período era o (quase) analfabetismo dos alunos, situação que se começa a alterar a partir dos anos 70-80. Essa situação foi denunciada por Joaquim de Vasconcelos nos seus estudos sobre a reforma do ensino e a instituição do ensino industrial. 12 MEIRA, Alberto – “Verbetes Biográicos – XIII – Sebastião Sanhudo”, In O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 2. Porto: Junho de 1946, pp. 45-46. 13 SOUSA, Osvaldo Macedo de – História da arte da caricatura de imprensa em Portugal. Vol. I (1847-1910). Lisboa: Humorgrafe /S.E.C.S., 1998, p. 187. 14 C. SARAIVA & C.ª – “Correspondência dos leitores”, In O Tripeiro. Vol. VI, 3.ª Série, 2.º Ano, n.º 33 (153). Porto: 1 de Maio de 1927, pp. 142-143. 672 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 15 Livro das matrículas dos discípulos ordinários da aula de desenho da Academia Portuense de Bellas-Artes. Porto: Typographia de J. Pereira da Silva & Filho,1865. REIMÃO, Rute; CRUZ, Maria João – Inventário do Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Porto: F.B.A.U.P., 1999, APBA/F1-4/02 EBAP/D3/02 C-288 – Processos individuais [dos alunos ]. 16 Depois de declinar nomeação a 2.º agregado à cadeira, [...] foi nomeado substituto por Carta Régia de 14 de Dezembro de 1842, e professor proprietário por decreto de 6 de Julho de 1866. IDEM, Ibidem, APBA/F1-3/11 C- 69 – Relação dos Professores que tem havido nesta Academia. 17 Sanhudo frequentou (1870-1872), também, o ensino industrial (desenho linear e línguas), o que não era inusitado, sendo ate um regime seguido por diversos alunos. 18 Professor desta aula por decreto de 2 de Março de 1842. IDEM, Ibidem, APBA/F1-3/11 C- 69 – Relação dos Professores que tem havido nesta Academia. 19 2.º conde de Samodães – Francisco de Azeredo Teixeira de Aguilar (nasceu em Cambade, concelho de V. N. de Gaia, a 16/7/1828, quando seu pai se encontrava no exílio e sua mãe homiziada a im de escapar às perseguições miguelistas, e m. no seu palacete na rua da Porta do Sol em 6/10/1918. Foi 2.º conde e 2.º visconde, o referido ilho único dos 1.os condes. Grã-cruz da ordem Pianna – instituída por Pio IX, historiador, presidente da Sociedade Nacional Camoneana, presidente do Real Hospital de Crianças Maria Pia... Bacharel formado em Matemática pela Universidade de Coimbra, engenheiro civil e militar pela Escola do Exército de Lisboa, par do Reino, por sucessão, ministro de Estado honorário, deputado da Nação, presidente da Câmara Municipal do Porto, adido honorário de legação, académico honorário, grã-cruz da Ordem de Carlos III, de Espanha, presidente perpétuo da Associação Católica do Porto, capitão de engenharia (de que pediu a demissão), etc. Educado pelos religiosos do colégio da Lapa no Porto, frequentou depois as faculdades de Matemática e Filosoia da Universidade de Coimbra, sendo premiado em todos os anos. A sua formatura em Matemática teve lugar a 31/5/1849, com as maiores classiicações. Combateu pelo lado do governo da rainha D. Maria II contra as forças da revolta da Maria da Fonte. Em 1846, reaberta a Universidade, ainda se matriculou, mas foi pelas autoridades da junta do Porto mandado para Ovar. Como deportado, de onde conseguiu fugir para bordo de um navio espanhol, que recolhia perseguidos pela Junta. Assim conseguiu, através de várias peripécias, atingir Vigo e dessa cidade veio a Valença apresentar-se ao barão do Casal, que comandava as forças cabralistas ali aquarteladas Ficou servindo sob as ordens daquele, até que veio por mar para Lisboa. Foi ajudante-de-campo sucessivamente dos generais barão da Ponte e barão de Almofala e em 1847 entrou no Porto com as tropas de Saldanha, vitoriosas sobre aquele movimento revolucionário. Depois da convenção de Gramido, que pôs termo à guerra civil voltou para Coimbra a completar o curso que os sucessos políticos tinham interrompido duas vezes. Em 1849 matriculava-se nos cursos de engenharia-militar e civil na Escola do Exército, e ao mesmo tempo cursava o curso complementar da Escola Politécnica. Pouco depois era promovido a tenente para Infantaria n.º 6. Quando Saldanha se pôs à testa do movimento da Regeneração, houve uma reunião de oiciais no Porto, no palácio da Torre da Marca. De uma grande independência de carácter Azeredo discordou da actuação do marechal na parte referente ao modo como se queria levar a efeito a reforma da Carta. Isso valeu-lhe como represália ser nomeado para um regimento aquartelado em Angra do Heroísmo, o que colidia com a continuação dos seus estudos. Considerando-se atingido por uma injusta perseguição na qual apenas se castigava o desassombro com que expusera a sua opinião numa reunião em que os presentes eram convidados a exprimir o seu parecer, pediu a demissão de oicial do exército. A violência governativa que o tinha levado a esse extremo, caíra mal na opinião pública e foi eleito deputado por Lamego. Foi então continuar o seu curso de Engenharia como civil, que concluiu em 1852. Representou brilhante papel no Parlamento pela sua enorme cultura e grande rectidão de carácter. Houve uma proposta para a sua reintegração no Exército, dadas as especiais circunstâncias em que dele saíra, mas o marechal duque de Saldanha nunca lhe perdoou e a proposta, apoiada por 66 deputados de todos os partidos icou sem efeito. Acabada essa legislatura, o conde de Samodães recolheu à vida privada. Em 1855 foi presidente da Câmara Municipal do Porto. A morte de seu pai, em 1857, fê-lo herdar a qualidade de par do Reino, de que tomou posse a 18/11/1858. Foi governador civil do Porto, sob um governo progressista, e ministro da Fazenda no ministério do bispo de Viseu, em 1868. Gradualmente se afastou da política activa, para se consagrar a actividades ligadas aos seus sentimentos de católico fervoroso e de 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 673 homem de grande saber e benemerência. Durante 40 anos foi inspector da Academia de Belas-Artes do Porto; presidente da Acção Católica durante 20 anos; presidente da Sociedade Humanitária e provedor da Misericórdia do Porto. Todas as exposições e manifestações culturais e cientíicas realizadas na capital do Norte, o tiveram como presidente das respectivas comissões. Foi fundador e director da Companhia Vinícola do Norte de Portugal. Poliglota extraordinário, além das línguas vivas mais conhecidas da Europa, falava latim com elegância. Chefe incontestado do partido católico no Porto prestou à causa da Igreja os mais relevantes serviços., que pelos Papas Pio IX e Leão XIII lhe foram sempre reconhecidos, O 2.º conde de Samodães casou a 7/1/1849 com D. Henriqueta Adelaide Vieira de Magalhães, ilha dos 1.os viscondes de Alpendurada. Escritor luente deixou numerosas obras entre as quais: Memória histórica do Palácio de Cristal [s.d.]; Noções Elementares Sobre a cultura das Amoreiras e a Criação dos Bichos-de-Seda Para Servir de Guia aos sericultores (Porto, 1865); Relatório e Proposta de Lei Apresentados à Camara dos senhores Deputados na Sessão de 18 de Maio de 1859 (Lisboa, 1869); O Marquês de Pombal (Porto, 1872); O Marquês de Pombal, Cem Anos Depois da Sua Morte (Porto, 1882); A Seraina do Carmelo – Homenagem a Santa Teresa de Jesus (Porto, 1882)… Como jornalista colaborou no: Boletim Carlista, Periódico dos Pobres, A Lei, Imprensa e Lei, Brás Tisana, O Nacional, Jornal do Porto, O Primeiro de Janeiro, A Palavra (de que foi fundador e director), Correio Nacional, Boletim da Liga dos Lavradores do Douro, Douro Agrícola e em numerosas revistas literárias, cientíicas e agrícolas. Traduziu do alemão Apologia do Cristianismo, em 5 vols; Estudo Acerca da Franco-Maçonaria, pelo Bispo de Orléans; A Vida do Santo Padre Pio IX de Joseph Blun entre tantas outras, algumas que também prefaciou. Foi seu ilho primogénito e sucessor o conselheiro Francisco de Paula de Azeredo, ministro de Estado. Deixou posteridade, mas não nos consta que o título fosse renovado por autorização régia no exílio. O título de visconde foi criado por Dec. de 20/5/1835 e a elevação a conde por Dec. de 26/7/1842. A renovação no 2.º titular teve lugar como visconde por Dec. de 28/2/1840 e a elevação do mesmo a conde por Dec. de 1/3/1849. Armas: escudo esquartelado de 1, Azeredos; 2, Teixeiras; 3, Carvalhos, e 4, Aguilares. Coroa de conde e por timbre, o dos Azeredos). CORREIA, António Mendes; SÉRGIO, António; PEREIRA, António Armando Gonçalves; GODINHO, António Maria; ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins; FONSECA, João de Sousa (dirigida por...) – Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s.d.]. Vol. XXVI, p. 872; O Sorvete. N.º 321, 7.º Ano. Porto: 6 de Julho de 1884 (capa) (recebeu a Grã-cruz da ordem Pianna instituída por Pio IX); O Sorvete. N.º 430, 9.º Ano. Porto: 15 de Agosto de 1886 (desdobrável); O Sorvete. N.º 17, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 22 de Abril de 1888 (p. 2, centrais, im) (sobre a peregrinação a Roma para beijar o pé do Santo Padre, a troça feita na Régua a estes devotos, o Sr. Conde de Samodães, o peregrino mor); ZÜQUETE, Afonso Eduardo Martins (Dir.) – Nobreza de Portugal e do Brasil. Lisboa: Edições Zairol, 2000. Vol. III, pp. 278-279; O Tripeiro. 6.ª Série, Ano II, n.º 5. Porto: Maio 1962, p. 131 (F) e O Tripeiro. 6.ª Série, Ano XII, n.º 11. Porto: Novembro 1972, p. 338. 20 IDEM – Ibidem, APBA/F1-3/11 C-69 – Relação dos Professores que tem havido nesta Academia. 21 IDEM, Ibidem, APBA/F1-4/03-11 EBAP/D3/06-02 C-161 (1865 – 1888) – Livro de Matrículas em desenho (alunos ordinários 1839 a 1910), Fls. 35v, 39, 45v, 52. 22 http://arquivo.fba.up.pt/alumniH.html (2012/02/29; 14.54h). 23 http://arquivo.fba.up.pt/alumniH.html (2012/02/29; 14.57h). 24 http://arquivo.fba.up.pt/alumniG.html (2012/02/29; 14.59h). 25 Sabemos que fez parte do movimento associativo, juntando-se com antigos condiscípulos do Instituto Industrial e da Academia Portuense na fundação do Centro Artístico Portuense (1880) - o primeiro projeto de ensino artístico livre dirigido autonomamente por artistas -, Sanhudo sendo seu sócio efetivo e tendo colaborado nas suas iniciativas, nomeadamente na produção / impressão litográica do álbum de desenhos distribuído, aos actores, por ocasião do espetáculo de angariação de fundos, em 1880 (sócios efectivos e comissão promotora do espectáculo: José David de Azevedo Barros, Sebastião Sanhudo, Marques Guimarães, Francisco Aguiar dos Santos, Ferreira de Brito e Joaquim Marinho). O Centro Artístico participou com o sorteio de obras de Soares dos Reis, Marques de Oliveira, Sousa Pinto, Júlio Costa, Pousão, Alberto Nunes, Marques Guimarães, Gonçalo Artur da Cruz, Aguiar dos Santos e José David, e uma medalha de José de Sousa (Camões). Também Joaquim de Vasconcelos fez questão de estar presente no sarau. Participaram os actores: Júlio Moutinho, Joaquim Costa, José de Almeida e 674 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) José Nicolau da Costa e Liz, coadjuvados pelas atrizes Cármen e Amélia Garraio. Cf. MONCÓVIO, Susana Maria Simões – O Centro Artístico Portuense (1880-1893): socialização do ensino, da história e da arte moderna no Portugal de Oitocentos. Porto: [s. n.], 2015, pp. 373-376. Tese de Doutoramento em História de Arte Portuguesa, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 26 IDEM – Ibidem, APBA/C/01 EBAP/A/02 C-114 [7 Out. 1842 – 31 Out. 1896] – Actas das conferências gerais da Academia, p. 52v. 27 PEREIRA, António Manuel – Governantes de Portugal desde 1820 até ao Dr. Salazar. Porto: Manuel Barreira, Editor, Livraria Simões Lopes, 1959. 28 REIMÃO, Rute; CRUZ, Maria João – Inventário do Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Porto: F.B.A.U.P., 1999, APBA/F1-1/05 EBAP-D1-02 C-127 [1865 a 1874] – Correspondência para o governo; pp. 118v, 120v. 29 IDEM – Ibidem, APBA/F1-3/11 C-69 – Relação dos Professores que tem havido nesta Academia. 30 IDEM – Ibidem, APBA/F1-1/12 [1871] – 20 Out. 1902 C-58A – Avisos e editais – Doc. 4. 31 IDEM – Ibidem, APBA/F1-1/05 EBAP-D1-02 C-127 [1865 a 1874] – Correspondência para o governo, p. 139v. 32 IDEM – Ibidem, pp. 138, 139v. 33 IDEM – Ibidem; APBA/C/01 EBAP/A/02 C-114 [7 Out. 1842 – 31 Out. 1896] – Actas das conferências gerais da Academia, pp. 59-60v. Sendo aqui a sua graduação, com base nas notas atribuídas em exame, de um terceiro lugar, relativo, pois que o primeiro é ocupado ex-aequo por três alunos: o quartanista José Júlio de Sousa Pinto, Francisco Begonha – do terceiro ano – e Henrique César de Araújo Pousão – do primeiro ano; no cômputo geral uma boa classiicação. 34 IDEM – Ibidem, APBA/F1-1/12 [1871] – 20 Out. 1902 C-58A – Avisos e editais – Doc. 6. 35 IDEM – Ibidem, APBA/C/01 EBAP/A/02 C-114 [7 Out. 1842 – 31 Out. 1896] – Actas das conferências gerais da Academia, pp. 61v-62v. Não se justiica fazer aqui hierarquia de posição em relação aos demais alunos, visto que o seu lugar não se encontra entre os três primeiros. 36 IDEM – Ibidem, APBA/F1-1/05 EBAP-D1-02 C-128 [1874 a 1882] – Correspondência para o governo, Fl. 2. Deve-se a discrepância, em relação aos inscritos, ao facto de existirem outros alunos, que estando matriculados noutros anos, ou noutra condição, procederam ao exame. 37 A Exposição trienal da Academia de Belas-Artes do Porto atravessou um périplo de acontecimentos, que lhe obstaculizaram a sua realização, fazendo com que ela nem sempre se realizasse trienalmente. Uma das razões foi, por exemplo, a inexistência de um local, onde a dita se pudesse realizar com as condições necessárias. Todo esse moroso e doloroso processo se pode acompanhar nas, por vezes longas e ansiadas, missivas que o conde de Samodães e a Academia despachavam, regularmente, sob a forma de correspondência para o governo (REIMÃO, Rute; CRUZ, Maria João – Inventário do Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Porto: F.B.A.U.P., 1999 (APBA/F1-1/05 EBAP-D1-02 C-127 [1865 a 1874] – Correspondência para o governo, pp. 117v, 119, 136v), à atenção do seu ministro do reino [no caso, ainda, António Rodrigues Sampaio - cf. PEREIRA, António Manuel – Governantes de Portugal desde 1820 até ao Dr. Salazar. Porto: Manuel Barreira, Editor, Livraria Simões Lopes, 1959, p. 38], e onde ele dava conta das suas vicissitudes, anseios, petições, realizações, bem como do desenvolvimento escolar dos seus instruendos. De referir que o problema de alojamento do Museu Portuense e das aulas da Academia (disseminadas por espaços isicamente separados), foram quesitos que se arrastaram por longas décadas, desde a criação destas instituições no primeiro triénio de Oitocentos, e com responsabilidades assacadas ora a um, ora a outro poder, não se vendo por isto, e muito mais, resolução para premências e diiculdades que tanto aligiam quem tinha que desenvolver projectos pedagógicos, ou de gerir instituições, por vezes em absoluto estado caótico de total ausência de condições. 38 (Santarém, Torres Novas, 31/08/1804-Porto, 23/07/1883). Grã-cruz da Ordem da Torre e Espada (1875). 39 2.º conde de Torres Novas (Dec. de D. Luís I, de 2/7/1877) após o passamento de seu irmão [o General António César de Vasconcelos Correia, 1.º conde de Torres Novas (Santarém, Torres Novas, 09/02/17971 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 675 Lisboa, 11/11/1865). 1.º visconde de Torres Novas (12/9/1855), 1.º conde de Torres Novas (12/9/1855), Par do Reino Electivo (1862-1865), General de Divisão de Cavalaria, Comandante-Geral da Guarda Municipal (1836), Ministro do Reino (1831), Ministro da Justiça (1831), 93.º Governador da Índia (1855 e 1864), Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Título criado por D. Pedro V, Rei de Portugal, por decreto de 12/9/1855]. 40 Catálogo das obras apresentadas na 11.ª Exposição Trienal da Academia Portuense de Belas-Artes. Porto: Manuel 41 REIMÃO, Rute; CRUZ, Maria João – Inventário do Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Porto: F.B.A.U.P., 1999 (APBA/F1-1/12 [1871] – 20 Out. 1902 C-58A – Avisos e editais – Doc. 10). 42 IDEM – Ibidem, Doc.13. 43 IDEM, Ibidem, APBA/B/01 EBAP/A/01 C-105-A [10 Out. 1849– 6 Out. 1883] – Actas das conferências ordinárias da Academia, Fls. 184 – 184v. 44 Se bem que os cursos tivessem um programa organizado para cinco anos curriculares, todavia era habitual os alunos frequentarem apenas os primeiros, não os impedindo, tal facto, de virem a ocupar cargos públicos, ou singrarem em carreiras artísticas. 45 Na Rua do Laranjal (actual sítio da Avenida dos Aliados), 112-116. 46 (Ponte de Lima, 1825-Porto, 1905). 47 Que virá a icar para seu ilho, o comendador Inácio Alberto de Sousa (1874-6/1/1948) que veio a casar com Ângela Maria Bandeira Russell e desta teve dois ilhos, dos quais o primogénito, António Russel de Sousa (Porto, Sé, 21/1/1897-Porto, Massarelos, 24/7/1969), Presidente da Comissão Concelhia do Porto da União Nacional, Procurador à Câmara Corporativa (II Legislatura), Presidente do Grémio Nacional dos Industriais de Litograia e Rotogravura, Presidente da Comissão Municipal de Assistência do Porto, comendador, inanceiro e industrial gráico – cf. http://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/ DeputadosAN_1935-1974/html/pdf/s/sousa_antonio_russel_de.pdf (2010/10/13; 4h) icou com o negócio litográico, transformando aquela que depois, mais tarde, por razões políticas, em que convinha deixar cair a designação Nacional, se veio a designar como Litograia Lusitana [sediada, a partir de 1947, na Praça de Mouzinho de Albuquerque, vulgo Rotunda da Boavista, na rua particular Meneses Russell, 197. A Real (a partir de 1878. Agraciada por decreto de 14/11/1877 com o título de Real) Tipograia e Litograia Lusitana foi adquirida (a Apolino da Costa Reis, que a fundara em 1865) em 1941 por Inácio Alberto de Sousa, que assim a juntou ao seu património industrial litográico anterior, a Litograia Nacional] num marco da indústria litográica de Portugal. No ano de 1956 foi editada uma brochura para comemorar a inalização da segunda fase de construção de um bairro habitacional destinado aos funcionários da Litograia Nacional, sito no bairro das Antas. Presidiu a esta cerimónia António Russel de Sousa, ilho de Inácio Alberto de Sousa, neto de João Inácio da Cunha e Sousa e sobrinho-neto de Sebastião Sanhudo, que na Torre das Donas, em Ponte de Lima, recebe todos os funcionários e suas respectivas famílias oferecendo-lhes um almoço ( – cf. Litograia Nacional. Porto: Brochura da Litograia Nacional, 1956). Em 1976 esta empresa estava ainda nas mãos do Comendador António Russel de Sousa (– cf. SANHUDO, António – Os Sanhudos, (II vol.). S/l [Porto]: s/n [Escola Tipográica da Oicina de S. José], 1978, p. 104), que depois da sua morte a deixará à sua ilha Maria Gabriela Dias de Almeida Russel de Sousa (Porto, Bonim, 22/10/1921-) ( – cf. http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=515492 (2010/10/13; 4.16h), sendo a gestão da empresa levada a cabo pelo seu marido o Dr. Fernando Adolfo Roch Martins Barbosa (Porto, Massarelos, em 1/11/1920-), que por inais da década de oitenta a acabará por vender a um grupo estrangeiro. 48 SANHUDO, António – Os Sanhudos, (II vol.). S/l [Porto]: s/n [Escola Tipográica da Oicina de S. José], 1978, p. 104. 49 Esta rua conjuntamente com outras como a rua Elias Garcia, a rua de D. Pedro e a rua dos Lavadouros foram arrasadas para dar lugar ao novo arranjo urbanístico da Avenida dos Aliados em 1915. 50 (Porto, 3/11/1853-Porto, 6/7/1920). Pseudónimos: KAPA e DELTA, estes em colaboração com Jaime Filinto; BÁRNABA, SPADA e OLÍMPIO. Poeta e jornalista – director e fundador da Folha Nova, fundou O Clube ainda estudante, escreveu n’A Actualidade, Jornal de Finanças de que foi redator principal em 1905, ainda em 1905 Jornal de Notícias, fundou O Jornal de Viagens, redigiu o Diário do Comércio, colaborou n’O Século, lançou a ideia e foi seu primeiro secretário-geral da Sociedade de Geograia Comercial. Procurador à Junta Geral do Distrito do Porto, comissário distrital do Real de Água (1890), comissário distrital dos 676 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Álcoois, comissário junto das fábricas de fósforos. Fundou e foi presidente do Clube de Propaganda Democrática do Norte. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s. d.], vol. 19, p. 361, col.ª 2. 51 (1848-30/3/1897). Poeta da Folha Nova, fundador da Tipograia Costa Carregal (1865), proprietário d’O Pae Paulino). O Sorvete. N.º 16, 19.º Ano. Porto: 4 de Abril 1897 (capa) (morte) (do amigo leal e exímio artista); Os Pontos, n.º 15, 2.ºAno. Porto: 11 de Abril de 1897 (capa e notícia biográica pelo seu passamento na p. 2); O Antonio Maria. Vol. XII, 2.ª Série, n.º 446. Lisboa: 8 de Maio de 1897, p. 2 (pelo seu passamento). 52 Domingos Ciríaco de Cardoso (Porto, Largo da Batalha, 8/8/1846-Lisboa, 11h, sexta-feira, 16/11/1900, de tuberculose). Cognome: COARICY. Filho de João Cardoso, o João de Massarelos, e de Maria Teodoro Cardoso. Deveu a seu pai os primeiros ensinamentos musicais. Aos quatorze anos entrou como violinista no Real Teatro de S. João, tocava muito bem violoncelo e viola. Foram seus professores de música Carlos Angelo Dubini e [Giovanni] Franchini, foi seu professor de violino Nicolau Medina Ribas. Maestro, compositor e empresário teatral. Falava luentemente o francês, o italiano e o espanhol. Era possuidor de ilustração invulgar e dado a um bom cavaco e uma chalaça com o seu grupo de tertulianos, ora no seu camarim-escritório no Teatro D. Afonso, ora nos cafés Lisbonense ou no Suisso: João Ramos, Jaime Filinto, Firmino Pereira, Alberto Armada, João Chagas, Eduardo de Sousa, Guedes d’Oliveira, Joaquim Costa, Luiz Botelho, Heliodoro Salgado, Emídio d’Oliveira, Lopes Teixeira e Alberto Bessa. Pelo último quartel do século XIX, começaram a tornar-se habituais os concertos ao ar livre, e a direção do Palácio de Cristal teve a ideia de formar uma banda para tocar música nos seus jardins. Estes eram dados à noite na Avenida das Tílias, e para o cargo de regente dessa contratou Ciríaco, que veio também a ser regente da Companhia Lírica que por ali esteve. Amigo inseparável de Bordalo, como ele cruzou o oceano, em 1873, para uma ‘aventura brasileira’, que ambos vivenciaram. No Brasil obteve um retumbante êxito. Também estanciou o seu talento por Paris em 1877. Arrendatário do Teatro Baquet e do Teatro D. Afonso propugnou pela ópera em português, o pequeno resultado inanceiro do empreendimento fez com que na época de 1988-89 fosse contratado por Afonso Taveira para dirigir a orquestra do Teatro do Príncipe Real, e aí prognosticamente, tentou introduzir no Porto os concertos sinfónicos, mas foi uma tentativa prematura, pois segundo o dogma da época quem queria ouvir música ia ao teatro lírico), associando o seu valor musical ao mérito de libretistas como Gervásio Lobato e D. João da Câmara, Ciríaco escreveu música para: O Burro do Senhor Alcaide, O Solar dos Barrigas, O Testamento da Velha, Cócó, Reineta e Facada, que depois subiu á cena com o título de Bibi & C.a, operetas; para as revistas A Tourada, de Marcelino de Mesquita e Gualdino Gomes, Ali à preta!, de Guedes de Oliveira, Ramerrão, de Acácio de Paiva e Esculápio [Eduardo Fernandes]; para o Moleiro de Alcalá [de Alberto Bessa e Guedes de Oliveira] e Relógio Mágico, tradução de Garrido; Doze mulheres de Japhet, tradução de Lopes Teixeira e para várias outras peças. Em 1891 esteve em Lisboa a dirigir a orquestra do Teatro Avenida onde num mês escreveu, ensaiou e fez estrear em 14 de Agosto, um dos seus mais retumbantes êxitos: O Burro do Sr. Alcaide. Contava então 45 anos de idade. Era amigo do músico e compositor José Francisco Arroio e do maestro Manoel Benjamim. O Tripeiro. Vol. II, 1.ª Série, 2.º Ano, n.º 50. Porto: 10 de Novembro de 1909, pp. 217-18; O Tripeiro. Vol. VI, 3.ª Série, 2.º Ano, n.º 36 (156). Porto: 15 de Junho de 1927, capa, pp. 178-192; O Tripeiro. Vol. VII, 4.ª Série, n.º 2 (172). Porto: Dezembro de 1930, p. 18; O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 4. Porto: Agosto de 1946, capa, pp. 74, 84-88; O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 6. Porto: Outubro de 1946, p. 143; O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 9. Porto: Janeiro de 1947, pp. 202-203; O Tripeiro. 5.ª Série, Ano V, n.º 6. Porto: Outubro 1949, pp. 126127; O Tripeiro. 5.ª Série, Ano V, n.º 8. Porto: Dezembro 1949, pp. 183 (IL), 185; O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XII, n.º 5. Porto: Setembro 1956, (p. 152-IL); O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XIV, n.º 6. Porto: Outubro 1958, pp. 167-169 (F, IL-SANHUDO); O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XIV, n.º 7. Porto: Novembro 1958, pp. 197-198 (IL-SANHUDO); O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XIV, n.º 8. Porto: Dezembro 1958, p. 255; O Tripeiro. 6.ª Série, Ano II, n.º 2. Porto: Fevereiro 1962, pp. 39-41 (F); O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 82; O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 6. Porto: Junho 1964, p. 187 (F cortejo cívico de homenagem à sua memória); O Tripeiro. 6.ª Série, Ano V, n.º 12. Porto: Dezembro 1965, pp. 368-369 (IL-SANHUDO); O Tripeiro. 6.ª Série, Ano X, n.º 3. Porto: Março 1970, pp. 68-71; O Tripeiro. Série Nova, vol. III, Ano III, n.º 3. Porto: Março 1984, p. 70; O Sorvete. N.º 134, 3.º Ano. Porto: 12 de Dezembro de 1880 (p. 589); O Sorvete. N.º 139, 3.º Ano. Porto: 9 de Janeiro de 1881 (capa); O Sorvete. N.º 158, 4.º Ano. Porto: 1881 (benefício); O 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 677 Sorvete. N.º 159, 4.º Ano. Porto: 1881 (Galeria d’O Sorvete – biograia e caricatura); O Sorvete. N.º 160, 4º Ano. Porto: 1881 (benefício); O Sorvete. N.º 191, 5.º Ano. Porto: 8 de Janeiro 1882 (centrais) (benefício com O Processo do Rasga); O Sorvete. N.º 260, 6.º Ano. Porto: 6 de Maio de 1883 (p. 567) (participa no sarau Clube Gymnastico Portuense); O Sorvete. N.º 126, 14.º Ano. Porto: 25 de Setembro 1892 (capa) (apresenta no Príncipe Real a opereta O Burro do Senhor Alcaide); O Sorvete. N.º 24, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 30 de Maio 1897 (à noite no Teatro do Príncipe Real); O Sorvete. N.º 166, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 18 de novembro de 1900 (p. 2) (morte). 53 (Baía, 6/2/1850-Lisboa, Hospital de S. José, 31/10/1902). Veio para o Porto com três anos de idade e aos treze parte para Inglaterra onde estudou nos colégios de Saint Edward em Everton e Saint Mary’s em Ascott, próximo de Birmingham. Com 19 anos estabelece residência no Porto. Fundou em 1874 a Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto. Quase todo o material desta foi pago à sua custa. Mais tarde saíu desta e fundou, e foi seu comandante, o chamado Corpo de Salvação Pública (designado o Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, a partir do ano de 1946), os Bombeiros Municipais. Fundou uma casa comercial de material de incêndios. Inventou diversos aparelhos de combate a incêndios e introduziu modiicações noutros. Em 1877 foi nomeado Comandante do Corpo de Bombeiros e em 31/12/1885 Inspector de Incêndios do Porto. Destacou-se, entre muitas outras ocorrências, no ataque ao incêndio do Teatro Baquet em 1888. Nos congressos de Londres, de Junho de 1893, de Lião, em Julho de 1894, e de Paris, em 18 de Agosto de 1900 (no hipódromo de Vincennes), os bombeiros portuenses, sob a sua orientação, obtiveram assinalados êxitos, especialmente no de Paris, onde obtiveram o primeiro prémio (entre 20 países a concurso, completando o desaio em apenas 2,56 minutos), alcançando o campeonato do Mundo (e o prémio de 1500 francos), o que teve ruidoso eco, não só em Portugal como em todo o Mundo. Foi proprietário, fundador e dirigente do periódico O Bombeiro Voluntário (1877-1890) e colaborou em vários outros jornais. Existe na Praça com o seu nome (anterior Largo ou Praça de Sta. Teresa, Feira da Farinha ou Praça do Pão), no Porto, um busto evocativo da autoria do escultor Bento Cândido Silva, inaugurado em 1915. Dandy e poliglota (falava cinco idiomas). Recebeu a Ordem da Torre e Espada. O Sorvete. N.º 86, 2.º Ano. Porto: 18 de Janeiro, de 1880 (p. 305); O Sorvete. N.º 400, 9.º Ano, Porto 10 de Janeiro de 1886 (desdobrável) (novo Inspector-Geral dos Incêndios); Os Pontos. N.º 35, 5.º Ano. Porto: 26 de Agosto de 1900 (centrais), O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XI, n.º 3. Porto: Julho 1955, pp. 84-85; MOREIRA, Alberto – “A Sociedade de Geograia Comercial do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano II, n.º 5. Porto: Maio 1962, p. 146 e Enquadramento Urbano do Edifício da Reitoria da U. Porto - Praça de Guilherme Gomes Fernandes. Nota Biográica de Guilherme Gomes Fernandes (1850-1902), in http:// sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?P_pagina=1006568 (2014/08/01; 18.59h). 54 Luís da Terra Pereira Viana (aeronauta, poeta da Folha Nova, jornalista, bombeiro voluntário, comissário da polícia). O Sorvete. N.º 300, 7.º Ano. Porto: 10 de Fevereiro de 1884 (p. 43) (sobe no aeróstato com Castanet). 55 Pseudónimos: KAPA e DELTA, estes em colaboração com Emídio de Oliveira; SUB-TIL. Poeta da Folha Nova; jornalista, Correio do Norte. 56 (Porto, 1885-Porto, 1918). Escritor (O Porto de outros tempos), jornalista (Comércio Portuguez, A Lucta), crítico de arte, teatrólogo. Usou o pseudónimo F. P. Cf. O Sorvete. N.º 312, 7.º Ano. Porto: 4 de Maio de 1884 (capa) (Sobre a sua saída do jornal A Lucta). 57 Justino Guedes Roque Gameiro (Alcanena, Minde, 23/2/1862-Lisboa, Santos,). Litógrafo reputado, com oicina em Lisboa, onde esteve quase toda a sua vida e onde produziu reconhecidos trabalhos em cromo litograia. Justino Guedes: Um Grande Minderico, in http://minde-online.blogspot.com/2008/08/justino-guedes-um-grande-minderico.html (2012/02/03; 1.56h) e O Tripeiro. 5.ª Série, Ano I, n.º 11. Porto: Março de 1946, p. 253. 58 (Barcelos, 23/12/1855-Porto Cedofeita, 30/5/1932). Filho de João Luís Arriscado e de Maria Cândida Geraldes Arriscado. Casado com Laura Augusta Albuquerque Seabra – cf. Projecto Germil: Genealogia em registos militares, in http://arqhist.exercito.pt/germil/details?id=7246 (2015/02/21; 2.05h). Major, inspector da polícia, amigo de Sanhudo. É reformado com a graduação de General de Brigada, em 2/11/1910 e com o soldo mensal de 96$000 réis, o Coronel do Regimento de Infantaria n.º 12 – cf. Diário do governo, in http://dre.pt/pdfgratis/1910/11/04600.pdf p. 588 (2012/02/20; 3.08h). O Sorvete. N.º 68, 13.º Ano. Porto: 16 678 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) de Agosto de 1891 (capa) (o comissário da 3.º divisão de policia, airma: - agiota que seja encontrado a agiotar...ao Aljube vá parar!); O Sorvete. N.º 82, 13.º Ano. Porto: 20 de Novembro de 1891 (centrais) (oferta por parte de Sua Majestade o Sr. Dom Carlos I da sua espada, para compensar a quebra da espada deste, que usou para fazer debandar quem altercava em torno do Rei, na sua vista ao Porto em 1891. Hoje encontra-se no Ateneu Comercial do Porto, legada por ele – a este propósito podemos ler na vitrine da sala de visitas do Ateneu, onde se expõe essa espada, um verbete que indica o seguinte: Espada legada ao Ateneu Comercial do Porto pelo associado senhor General Francisco Leite Arriscado. Extracto do testamento do referido associado: “Lego ao Atheneu Commercial do Porto, de que sou sócio há muitos anos, as insígnias da Ordem Militar de Cristo, constantes de Cruz de oiro com diamantes e pedras inas e Comenda de prata, para ornamento da sua bandeira nas suas festas solemnes, como distinctivo de Graça da Comenda da referida Ordem Militar com que foi distinguida aquela prestante Associação pelo Governo. // Lego mais ao mesmo Atheneu Commercial do Porto, para ser conservada no seu museu, a espada com que tive a honra de ser brindado por Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Carlos Primeiro, no dia em que, pela primeira vez, entrou n’esta cidade do Porto, depois da sua coroação como Rei d’este Paiz, que Elle tanto amou e tanto engrandeceu durante o seu reinado”) e Os Pontos. N.º 14, 1.º Ano. Porto: 5 de Abril de 1896 (capa, p. 2) (Capitão Francisco Leite Arriscado, comissário da polícia da 3.ª divisão). 59 (1835-1909) Cognome: PAI RAMOS. Jornalista, Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. O Sorvete. N.º 30, 20.º Ano. Porto: 19 de Dezembro de 1897 (capa) e O Sorvete. N.º 61, 20.º Ano. Porto: 7 de Agosto de 1898 (p. 2) (um artigo de relexão sobre a proissão de jornalista, dedicado a este). 60 Francisco Mendes de Araújo. Pseudónimo: VICENTE GALHARDO, por exemplo n’O Sorvete e n’O Tripeiro em 15/1/1919, p. 28. Poeta; jornalista; redator d’O Sorvete; administrador do bairro ocidental do Porto – cf. Diario da Tarde. Ano IV, n.º 189. Porto: 19 de Agosto de 1901, p. 1, col.ª 2; cônsul?. Escreveu o poema Os queixaes do Valido sobre a queda do ministério de Fontes Pereira de Melo. 61 Henrique António Guedes de Oliveira. (Baião, Campelo, Ingilde, 24/1/1865 -Gondomar, Rio Tinto, 13/2/1932). Pseudónimo: TITO LITHO. Jornalista, autor dramático, professor e director da ESBAP, comendador da ordem de S. Tiago. Fundou com Marcos Guedes a Tipograia Guedes. Fez ainda parte da Comissão de Estética da Câmara Municipal do Porto. Desde muito novo revelou interesse pelo jornalismo e pelas actividades tipográicas. Com apenas treze anos, começou a revelar inclinação para as artes, participando como colaborador em folhas humorísticas e em jornais operários (A Rabeca do Diabo, O Protesto e A Voz do Operário, de Lisboa, e ainda em O Operário, do Porto). Era ainda correspondente de outros periódicos, como atesta a sua participação no jornal O Bejense, em 1880, com apenas 15 anos de idade. Também publicou livros de poesia satírica, que revelaram a sua sensibilidade e atenção para as questões sociais. Tinha também fortes inclinações para a política, sendo a sua educação vincadamente socialista e republicana. Personalidade multifacetada publicou em 1883, com 18 anos, o seu primeiro livro de versos, Cáusticos, e diversos folhetos panletários também em verso, tais como Os Vendilhões do Templo, Os Cafres, etc., utilizando como pseudónimo Tito Litho, através do qual impôs o seu humor sarcástico, criticando a sociedade da época. Mais tarde aparece como redactor do jornal humorista Zé Povinho, em parceria com Dionísio Ferreira dos Santos Silva, e na revista o Tam-Tam. Irá ao longo dos tempos participar em muitas outras publicações de cariz humorístico. O reconhecimento dos seus dotes literários abriu-lhe oportunidades de colaboração com a imprensa mais cotada, quer no campo humorístico, nomeadamente n’ A Parodia e n’ O Sorvete, quer em jornais como a República Portuguesa, O Primeiro de Janeiro (onde em 1894 fazia parte dos quadros e colaborou com os seus escritos em rubricas como Calendário Histórico, Tauromaquia Alegre e Tribuna Livre) e muitos outros. Também desenvolveu intensa actividade como produtor das artes de palco, exposições de pintura. Teve grandes ligações ao meio artístico e literário da época, nomeadamente com Rafael Bordalo Pinheiro, com quem colaborou na revista A Parodia, na secção designada O Porto na Paródia ou A Paródia no Porto, acompanhado do caricaturista, Manuel Monterroso. Produziu e escreveu algumas peças para os teatros da cidade e algumas delas tiveram enorme êxito, não só em Lisboa e Porto mas também no Brasil, como foi o caso da revista Ali à …preta! (1897), com música de Ciríaco de Cardoso. Interessou-se também pela fotograia cerca de 1885. Numa primeira fase, esteve associado à irma Sala & Irmão, então dirigida por Fulgêncio da Costa Guimarães. Associaram-se no ano seguinte e a irma passou a designar-se Guimarães & Guedes, Sucessores de Sala & Irmão. Em 1892 fundou a Fotograia Guedes, na Rua de Santa Catarina, n.º 262, embora continuasse ligado à 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 679 irma anterior que se manteve activa até 1894. Em 1898 será o primeiro a introduzir inovações na arte da fotograia, como o processo Eastman, permitindo assim a produção de provas mais acessíveis Participou na Exposição Industrial Portuguesa de 1897, expondo fotograias e platinotipias. Em 1904 concorreu à Exposição de S. Luís e, no ano seguinte, fez a reportagem fotográica do Carnaval no Porto, tendo editado uma colecção de postais. A partir de 1905 o seu irmão Constantino Guedes passou a fazer parte da irma. Pela sua casa passaram inúmeras iguras destacadas da vida social, política e artística, tais como Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, Palmira Bastos, entre muitas outras personalidades. Era também um espaço de divulgação de trabalhos de artistas em início de carreira realizando no seu estúdio exposições de arte. Concorreu a várias exposições nacionais e internacionais que lhe granjearam alguns prémios. Possuía a Medalha de Ouro da Exposição Internacional Portuguesa, Diploma e Medalha de Ouro de Vermeil na Exposição Universal de Dijon. O valioso espólio fotográico que a Câmara Municipal detém permite-nos conhecer a cidade de inais do séc. XIX e inícios do séc. XX, em múltiplas facetas: retratos de famílias de vários estratos sociais, aspectos da cidade, artistas de teatro, personalidades políticas, paisagens, vivências do quotidiano, como a matança do porco, o combate ao fogo dos bombeiros, as touradas, etc. Em 1898 organizou a Sociedade de Belas-Artes, em colaboração com Marques da Silva, Teixeira Lopes e outros artistas, oicializada apenas em 1905 e designada como Sociedade Portuense de Belas-Artes. Durante muitos anos pertenceu aos corpos gerentes da Associação de Jornalistas e Homens de Letras. Guedes de Oliveira assina a maioria dos editoriais do Miau! e muitos outros pequenos textos em prosa e em verso – Miau! Semanário humorístico, que se publicou no Porto, entre 21 de Janeiro e 26 de Maio de 1916, totalizando 19 números. Era propriedade da «empreza miau!», tinha como editor Mário d’Oliveira, e na redacção: Guedes de Oliveira, Leal da Câmara (1876-1948) e Manuel Monterroso (1875-1968) – uma tríade de artistas que já era conhecida do público e, à data, andava empenhada em agitar a vida cultural do Porto, através de um programa de tertúlias e exposições de arte. Era cliente assíduo do Café Camanho e do Café Suisso. O Sorvete. N.º 274, 6.ºAno. Porto: 12 de Agosto de 1883 (capa); O Sorvete. N.º 43, 20.º Ano. Porto: 20 de Março de 1898 (centrais) (no Príncipe Real a sua revista Ali... À Preta!); O Tripeiro. 5.ª Série, Ano V n.º 6. Porto: Outubro 1949, p. 127 (IL); CORREIA, Rita – MIAU!, in http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/Miau.pdf (2012/02/02; 6.56h), Os Pontos. N.º 26, 10.º Ano. Porto: 18 de Junho de 1905 (capa, p. 2) e Arquivo Foto Guedes, in http://balcaovirtual.cm-porto.pt/PT/cultura/arquivos/arquivomunicipal/ arquivosprivados/arquivofotoguedes/Paginas/arquivofotoguedes.aspx (2012/04/26; 19.43h). 62 Marcos da Silva Nunes Guedes (Poiares da Régua, 30/4/1858-Porto, 1925). Poeta, director literário d’O Sorvete, jornalista, redator d’ O Primeiro de Janeiro – durante 29 anos; colaborador d’O Século; com Guedes de Oliveira fundou a Tipograia Guedes. Correspondente do Correio da Manhã do Rio de Janeiro – cf. Correio da Manhã. Ano IV, n.º 1.125. Rio de Janeiro: 12 de Julho de 1904, p. 3, col.as 1 e 2). O Sorvete. N.º 108, 14.º Ano. Porto: 22 de Maio, 1892 (centrais) (a suspirar pela sua amada a atriz Geraldine); O Sorvete. N.º 82, 22º Ano, 2.ª Série. Porto: 8 de Janeiro de 1899 (capa) (este conjuntamente com Sanhudo vêm agradecer a todos aqueles que lhes deram os parabéns pela passagem do 21.º aniversário d’O Sorvete). 63 Bernardo de Almeida Lucas (1865-1950). Poeta, advogado, deputado. Filho de Marcelino de Almeida Lucas (contabilista da Sandeman, comandante dos Bombeiros Voluntários de Gaia). O Sorvete. N.º 331, 7.º Ano. Porto: 7 de Setembro de 1884 (p. 288) (sobre a publicação para breve de um livro de versos – Vespertinos). 64 (Guimarães, Rua das Lamelas 122, 25/9/1828-15/2/1907. Gravador e abridor de cunhos para medalhas, amigo de Sanhudo). O Sorvete. N.º 135, 3.º Ano. Porto: 19 de Dezembro de 1880 (p. 597) e O Sorvete. N.º 107, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 1 de Julho de 1899 (centrais) (brinca dizendo que este trabalha na feitura de uma medalha para atribuir aqueles que dão vivas ao governo, ou que no calor de um jantar político dão vivas a um ou outro político). 65 Jornalista. Publica com César Augusto Pereira das Neves (1841-1920. Músico, poeta, professor, tipógrafo) o Cancioneiro de Músicas Populares em 1893 (3 vols: 1893/95/98). O Sorvete. N.º 162, 15.º Ano. Porto: 11 de Junho, 1893 (p. 6, im) (publica com César das Neves o Cancioneiro de Músicas Populares); O Sorvete. N.º 78, 20.º Ano. Porto: 4 de Dezembro de 1898 (p. 6) (sobre o terceiro e último volume deste magníico cancioneiro coligido pelo professor de música César das Neves, o jornalista Gualdino de Campos e o notável amador de coisas populares Francisco Nogueira); O Sorvete. N.º 103, 22 º Ano, 2.ª Série. Porto: 4 de Junho 680 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) de 1899 (pp. 3, 6, 7) (Álvaro Cabral e Marcos Guedes coligem cantigas populares nos arraiais do Senhor de Matosinhos e oferecem-nas para o Cancioneiro; novidades sobre a publicação deste) e O Sorvete. N.º 112, 22 º Ano, 2.ª Série. Porto: 13 de Agosto de 1899 (p. 3) (mais um artigo ressalvando a qualidade deste cancioneiro na recolha das tradições musicais populares portuguesas). 66 Sebastião Leite de Vasconcelos (Porto, 3/5/1852-Roma, 29/1/1923). Fundador da Oicina de S. José, bispo de Beja em 19/12/1907, arcebispo de Damieta em 15/12/1919. Irmão de José Leite de Vasconcelos Cardoso Pereira de Melo (Ucanha, 7/7/1858-Lisboa, 17/4/1941, professor universitário, linguista, ilólogo, arqueólogo, etnógrafo, jornalista) e do conceituado comerciante no Rio de Janeiro e comendador Artur Leite de Vasconcelos. O Sorvete. N.º 28, 12.º Ano. Porto: 2 de Novembro de 1890 (im) (a Oicina de S. José, – inauguração – 1/11/1890 – fundada por este benemérito). 67 João Marques da Silva Oliveira (Porto, 23/8/1853-9/10/1927). Pintor que junto com Silva Porto é considerado dos introdutores do naturalismo e da pintura de ar livre em Portugal. O Sorvete. N.º 345, 7.º Ano. Porto: 14 de Dezembro de 1884 (im) (Sanhudo louva na pessoa deste [ Correia de Barros ] a compra por parte da câmara de um quadro dele) e O Sorvete. N.º 254, 17.º Ano. Porto: 17 de Março de 1895 (capa) (parabéns pela recuperação da doença que o tinha acamado). 68 (Arouca, São Miguel do Mato, Quinta da Lameira, 15/8/1850-Porto, 22/12/1921). Filho do advogado António José da Costa Couto e de Maria de Sá Rabello Albergaria. Assentou praça no Porto no Batalhão de Caçadores n.º 9. Professor em diversos colégios. Dedicou-se acima de tudo ao jornalismo e actividade literária. Escritor publicou, primeiro Noites do Porto – histórias e lérias (1879); Os meus pecados: humorismos innocentes (1888) e entre outros o romance em cinco volumes O Segredo do Eremita (1902); A irmã Doroteia e Os Filhos do Padre Anselmo (1904). Dirigiu diversos jornais e foi redactor do Jornal de Notícias onde durante dez anos – 1890 a 1900 – manteve a popular e humorística secção De Raspão que viria a ser compilada em livro e editada em 1900. Poetastro, humorista, publicou inúmeras peças de teatro, comediógrafo (revistas: Beijos de Burro; Domingos, Dias Santos & C.ª; O Porto por um canudo; Pastilhas do diabo; O século das Luzes; Por cima e por baixo) que com a sua opereta O Diabo Louro inaugurou em 1870 o Teatro de Carlos Alberto no Porto. Tem também as operetas Brasileiro Pancrácio (que também foi representada em Lisboa no Teatro da Trindade); Jogo, vinho e mulheres; O ovo da galinha pinta; a ópera O Arco de Santana. Fez parte da redação de diversos periódicos humorísticos, como Parvónia Ilustrada, Maria Rita, Os Pontos, foi director literário d’O Sorvete, tendo sido também redator e proprietário d’O Porto Comico (1880), este periódico foi buscar o seu nome a uma rubrica (O Porto Comico: revista séria dos acontecimentos graves), que Sá de Albergaria tinha mantido d’O Sorvete. N.º 70, 2.º Ano. Porto: 5 de Outubro de 1879, p. 174, em diante. Jornalista no Gazeta do Porto, Dez de Março e d’A Voz Pública. Usou o pseudónimo: GABRIEL DA RASA e JOÃO CHORINCA. O Sorvete. N.º 41, 1.º Ano, 4.ª Série. Porto: 16 de Março 1879 (p. 334) (cada um dos responsáveis do jornal, defende um partido, Sanhudo declara-se progressista e Sá de Albergaria regenerador...ironia claro. Mas espelha muito do oportunismo dos políticos); O Sorvete. N.º 44, 1.º Ano, 4.ª Série. Porto: 6 de Abril 1879 (p. 358) (cada um dos responsáveis do jornal, defende um partido, Sanhudo agora declara-se regenerador e Sá de Albergaria progressista...nova ironia); O Sorvete. N.º 66, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 7 de Setembro de 1879 (im) Noites do Porto, [: histórias e lérias. Porto: João E. da Cruz Coutinho, Editor, 1879], reclame à edição do novo livro do responsável literário deste periódico: Sá de Albergaria); O Sorvete. N.º 83, 2.º Ano. Porto: 1 de Janeiro, de 1880 (capa) (ele e Sá de Albergaria apresentam-se dando o exemplo para o início do novo ano); O Sorvete. N.º 96, 2.º Ano. Porto: 28 de Março, de 1880 (p. 384) (apresentam Os Judas do público – para dar o exemplo põem-se em destaque ele e Sá de Albergaria); O Sorvete. N.º 403, 9.º Ano. Porto: 31 de Janeiro de 1886 (p. 11) (impressões, em poema, sobre a peça deste comediógrafo: O Porto por um canudo); O Sorvete. N.º 139, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 15 de Abril de 1900 (p. 7) (a festa a Sá de Albergaria no Teatro Carlos Alberto); O Sorvete. N.º 150, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 8 de Julho de 1900 (capa, p. 6-7) (sobre a publicação em livro, das crónicas em periódicos deste autor, com o título De Raspão, de que Sanhudo desenhará a capa); LEITE, Arnaldo – O “Porto 1900”: crónicas. Porto: Livraria Figueirinhas, 1952, pp. 243-265; OLIVEIRA, Manuel Alves de; RÊGO, Manuela – O grande livro dos portugueses. [S. l.] [Lisboa]: Círculo de Leitores, D.L. 1990, p. 16, col.ª 3 e “O escritor Sá de Albergaria”, in Gazeta de Notícias. Ano XLVI, n.º 335. Rio de Janeiro: 24 de Dezembro de 1921, p. 5, col.ª 6. 69 António Rodrigues da Cruz (Porto,-Porto, 14/10/1905). Pseudónimo BRAZ DE PAIVA e MOMO. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 681 Jornalista – Voz do Porto, Jornal da Manhã, Jornal de Notícias, (colaborou nos jornais humorísticos – O Sorvete, A Mosca, Os Pontos – do qual foi director), comediógrafo, escritor e tradutor de teatro, empregado superior dos Caminhos de ferro do Minho e Douro. Escreveu em colaboração com Sá de Albergaria a revista do ano O Porto por um canudo e com Gualdino de Campos a opereta a Princesa das Canárias. Traduziu muitas outras operetas. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s. d.], vol. 8, p. 159, col.ª 1. 70 Manuel Aníbal da Costa Monterroso. (Amarante, Lomba, 1/2/1875-Matosinhos, 28/2/1968). Parente do médico e coronel Fernando de Miranda Monterroso. Médico, professor de Anatomia Artística e Higiene na Escola de Belas-Artes do Porto, delegado de saúde (durante 41 anos), médico da Assistência Nacional aos Tuberculosos (durante 40 anos), médico legista do Instituto de Medicina Legal do Porto, major médico miliciano na Grande Guerra, cavaleiro da Ordem de S. Tiago da Espada, medalha de prata da Cruz Vermelha, medalha de cobre de Socorros a Náufragos, medalha de honra do Clube Fenianos Portuenses, desenhador, caricaturista e ceramista. Filho de António José da Costa e de Libânia Adelaide de Vasconcelos Monterroso. Foi casado com Glória Ribeiro da Silva Monterroso. Desde muito cedo despertou para a caricatura tendo aos cinco anos, apenas, feito uma boa caricatura de sua prima. Fez os estudos primários na escola da Lomba, tendo mais tarde prosseguido os seus estudos no Porto no Colégio Vasconcelos, na Rua de Santa Catarina, de José Cardoso Monteiro de Vasconcelos e onde teve como companheiros os futuros condes de Castro e Solla, o visconde de Vila Moura e os Ermidas. Em 1897 segue a tradição familiar ao inscrever-se no curso de medicina na Escola Médico-cirúrgica do Porto, onde em terminou o curso em Agosto de 1902. Nesta Escola foi aluno, entre outros, de Roberto Frias, Azevedo Maia, Maximiano Lemos, Ferreira da Silva, Cândido de Pinho e João Lebre. Este último mestre teve grande inluência na capacidade com que Manuel Monterroso dominou a Anatomia, quer do ponto de vista gráico, quer teórico. Foi colega de Campos Monteiro, Armando Chaves, Carteado Mena, Vitorino de Magalhães, Eduardo de Oliveira, Guilherme Prata, José de Sousa Lamy, entre outros. No im do curso, em 1902, apresentou a tese “Tuberculose e sanatório”. Na festa de despedida dos quintanistas participou na decoração e co-escreveu em verso a música da farsa “Os Filhos de Minerva” (com prólogo e quatro actos: A revolta do Olimpo, O jantar dos quintanistas, A última serenata e No regresso), apresentada no Real Teatro de S. João em 14 de Maio. Logo de seguida, deu início à carreira médica. Foi admitido no Dispensário Antituberculoso do Porto, no qual exerceu a actividade de médico da Assistência Nacional aos Tuberculosos, e foi nomeado para o cargo de Subdelegado de Saúde do Porto e, mais tarde, de Delegado. Foi como proissional da Medicina que lutou contra o tifo exantemático, com Ricardo Jorge, e contra a Pneumónica. Durante a I Guerra Mundial exerceu Medicina como Major Médico Miliciano. Integrou a comissão que lançou as bases do Instituto de Medicina Legal, onde veio a ser Médico Legista. Foi médico especialista dos Caminhos-de-Ferro Portugueses e escreveu “A Salubridade Habitacional no Porto (1929-1933)”, em 1934. Este médico-artista publicou trabalhos criativos e humorísticos em vários periódicos, portugueses e estrangeiros: Pontos nos ii, Os Pontos, A Parodia (do qual foi correspondente no Porto), A Brasileira, para o qual concebeu o cabeçalho, O Vira, Arte, O Povo, A Águia, ABC, Sempre Fixe, Limia, Comércio, A Pátria, A Luz, O Petardo, A Montanha, Cocorocó, A Maria Rita, A Capital, A Lanterna, O Tripeiro, O Primeiro de Janeiro, Diário de Notícias, O Século, O Comércio do Porto, Ilustração Portuguesa, Faro de Vigo, Le Barbare, Le Rire da França. Em 1902, aceitando o repto lançado por Marcos Guedes, ajudará a dar à estampa, postumamente, o almanaque O Cosmorama que Sanhudo tinha preparado para o ano de 1900. Para este compõe uma capa muito ao estilo de Sanhudo. Outras actividades em que se envolveu constaram da organização do cortejo carnavalesco do Clube dos Girondinos (1906), da participação na Exposição-bazar para recolha de fundos, destinada à instalação da Sociedade de Belas-Artes do Porto (1907), da edição de um álbum de bilhetes-postais ilustrados (1912), da participação no Álbum de Desenhos, cujas receitas reverteram em favor do Asilo Portuense da Mendicidade e no Folheto de Cordel – Legendário de Quimeras do Quintanista Pedro Veiga. Manuel Monterroso foi, também, ilustrador de diversas obras de autores como Guedes de Oliveira, António de Lemos, Sarmento Beja, Raul Tamagnini, José de Castro e Arnaldo Leite. Entre os seus amigos contavam--se humoristas como Sebastião Sanhudo (de quem ele dizia que foi sua referência na caricatura e se considerava seu discípulo), Almeida e Silva, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, Celso Hermínio, Armando de Basto, Francisco Teixeira, Jorge Colaço, Jorge Cid, Francisco Valença, Arnaldo Ressano Garcia, Leal da Câmara, 682 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) os espanhóis Ramon Cilla (pai e ilho), o francês Maurice Neuman e Rafael Bordalo Pinheiro que o tinha como um dos discípulos preferidos, a par do seu ilho Manuel Gustavo. Conviveu, também, com artistas como António Carneiro, Acácio Lino e Amadeo de Souza-Cardoso, seus conterrâneos, e Joaquim Lopes, bem como com personalidades como João Chagas, Alexandre Braga e Sampaio Bruno. Pertenceu ao grupo dos Fantasistas, foi sócio-honorário do novo “Grupo dos Humoristas Portugueses” (1935) e colaborou (até ao n.º 7 de Março) no efémero jornal Miau! (do qual foi co-fundador e o qual durou entre 21 de Janeiro e 26 de Maio de 1916), de Leal da Câmara. Coleccionou obras artísticas, fruto de trocas e de ofertas. Por inluência de Rafael Bordalo Pinheiro moldou peças cerâmicas, jarras, nomeadamente. Entre os anos 40 e 60 participou em várias exposições na Sociedade Nacional de Belas-Artes; no IV Salão Provincial da Feira, em 1956; no Salão de Festas do Coliseu do Porto, onde, em 1960, expôs individualmente desenhos e cerâmica (esta exposição repetiu-se em Lisboa, na SNBA, em 1961); e na Exposição de Médicos Artistas, nas comemorações dos 25 anos da fundação da Ordem dos Médicos, no Porto, em Coimbra e em Lisboa. Manuel Monterroso Interveio em diversas causas de beneicência e associou-se a exposições e homenagens públicas: à Exposição de Artistas Portugueses de 1935, com trabalhos oferecidos ao Grande Sorteio Nacional de Arte, cuja receita revertia para os monumentos a Silva Porto, Henrique Pousão e Artur Loureiro; à organização da Exposição de Pintura de Alberto Ayres de Gouveia, na SNBA, em 1941; ao Livro de Ouro – Homenagem a Acácio Lino, em 1942; à exposição retrospectiva e homenagem ao pintor Júlio Ramos, em 1943; ao centenário do nascimento de Rafael Bordalo Pinheiro e à exposição póstuma de Amarelhe, em 1946; e à exposição de homenagem a Leal da Câmara, no Ateneu Comercial do Porto, em 1951. Do seu currículo académico consta ter sido professor de Anatomia Artística na Escola de Belas-Artes do Porto. Retirou-se após várias décadas de exercício público de Medicina, mas continuou a praticá-la no sector privado. Foi agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem de S. Tiago e foram-lhe oferecidas a Medalha de Honra do Clube Fenianos Portuenses, a Medalha de Cobre do Instituto de Socorros a Náufragos e a Medalha de Prata da Cruz Vermelha. Em 1968, quatro anos após a morte da mulher, Glória Ribeiro da Silva Monterroso, este grande cientista, humanista e artista veio também a falecer na casa de Matosinhos, no dia 28 de Fevereiro. O seu espólio – composto por telas, desenhos, azulejos, móveis, cerâmica e livros –, foi doado à Câmara Municipal de Amarante, de acordo com os seus desejos. Foi cliente e frequentador do Café Camanho. 71 António da Silva (Cunha) (CUNHA DA “CONFIANÇA”). Industrial, proprietário da Camisaria Coniança (que foi ilmada, em 1896, por Aurélio da Paz dos Reis). Amigo inseparável do Elísio de Melo e do Ferreira Gonçalves. Esteve alguns anos no Brasil, na Baía, donde trouxe um importante pecúlio que lhe permitiu criar uma camisaria, muito reputada, no Largo dos Lóios, ao lado da Livraria Magalhães & Moniz. Com o incremento da sua casa comercial mudá-la-á para a Rua de Santa Catarina, para o lugar onde se havia encontrado o Teatro de Santa Catarina. Abriu depois uma elegante sucursal, deste seu empreendimento, em Lisboa, na Rua Augusta, à esquina da Betêsga. Pertenceu à Camara Municipal do Porto onde deixou obra. Foi presidente do club dos Fenianos do Porto – cf. SARAIVA, José – Á porta do Lino: colecção de notas saúdosas da vida portuense nos últimos sessenta anos. Famalicão: Tip. “Minerva” de Gaspar P. de Sousa & Irmão, 1933, pp. 52-59. 72 José Teixeira da Silva Braga Júnior (-26/4/1904). Filho de José Teixeira da Silva Braga (Fafe, 1811-1890). Capitalista; prior da Ordem Terceira da Santíssima Trindade. Exerceu o cargo de Vice-cônsul do Brasil no Porto. Associado provincial (18/3/1897) da Academia Real das Ciências de Lisboa. Proprietário do Palacete Braguinha, que herdou de seu pai, hoje F.B.A.U.P. No seu palacete construiu estufas onde acolheu variegadas espécies da fauna sul-americana. Era, tal como seu pai, chamado de Braguinha. Charivari. N.º 4, 7.º Ano. Porto: 11 de Junho de 1892 (im); O Sorvete. N.º 73, 20.º Ano. Porto: 30 de Outubro de 1898 (centrais, p. 6) (homenageia este pela magniica exposição de crisântemos que expôs nos jardins do Palacete Teixeira Braga); O Sorvete. N.º 74, 20.º Ano. Porto: 30 de Outubro de 1898 (capa) (exposição de crisântemos no Jardim Público da Cordoaria); SEQUEIRA, Eduardo – “Chronica”, in Jornal de Horticultura Prática, vol. XXII, 1891. pp. 44-45; http://www.acad-ciencias.pt/processos/b/jtsbraga/photo.html (2012/02/02; 20.10h) e U. Porto - Edifícios com história: Palacete Braguinha, in http://sigarra.up.pt/up/pt/ web_base.gera_pagina?p_pagina=1006582 (2012/02/02; 20.30h). 73 (Porto, 28/7/1862 -Porto, 18/9/1931). Floricultor, fotógrafo amador, proprietário d’A Flora Portuense 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 683 (1893), cineasta – rodou cerca de 40 películas, político, vereador, director do Ateneu Comercial do Porto. Um dos revoltosos do 31.º de Janeiro de 1891. Considerado o ‘pai’ do cinema nacional. A Semana Alegre. N.º 20, 1.º Ano. Porto: 21 de Janeiro de 1893 (capa) e Almanak do Porto e seu districto para 1894. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1893. 74 O Sorvete. N.º 399, 9.º Ano. Porto: 3 de Janeiro de 1886. 75 Almanak do Porto e seu districto para 1894. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1893. 76 Entre muitos outros números, que ostentam as medalhas, estes mencionam-nas por escrito: O Sorvete. N.º 244, 17.º Ano. Porto: 6 de Janeiro de 1895 (centrais) (pagina inteira); O Sorvete. N.º 271, 17.º Ano. Porto: 21 de Julho de 1895 (im) (muda de instalações) (página inteira); O Sorvete. N.º 272, 17.º Ano. Porto: 28 de Julho de 1895 (im) (muda de instalações) (página inteira); O Sorvete. N.º 277, 17.º Ano. Porto: 15 de Setembro de 1895 (im) (página inteira); O Sorvete. N.º 24, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 30 de Maio de 1897 (im) (página inteira); O Sorvete. N.º 83, 22.º Ano. Porto: 8 de Janeiro de 1899 [data corrigida] (capa). 77 O Sorvete. N.º 450, 10.º Ano. Porto: 16 de Janeiro de 1887 (contracapa). 78 O Sorvete. N.º 450, 10.º Ano. Porto: 16 de Janeiro de 1887 (contracapa). 79 O Sorvete. N.º 199, 16.º Ano. Porto: 25 de Fevereiro, 1894 (página inteira). 80 Almanak do Porto e seu districto para 1896. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1895. 81 O Sorvete. N.º 137, 3.º Ano. Porto: [s. d.] [início de 1881 – 2 de Janeiro]. 82 Casos também d’O Sorvete. N.º 1, 18.º Ano, 2.ª Série. Porto: 20 de Dezembro de 1896 (capa); O Sorvete. N.º 69, 20.º Ano. Porto: 2 de Outubro de 1898 (centrais); O Sorvete. N.º 77, 20.º Ano. Porto: de 27 de Novembro de 1898 (im) e O Sorvete. N.º 84 de 15 de Janeiro de 1899 (capa e im). 83 Novo Almanak do Porto para 1878. Porto: Typ. e Livraria Peninsular de José de Matos Carvalho, 1877. 84 Almanak do Porto e seu districto para 1879. Porto: Imprensa Popular de A. G. Vieira Paiva, 1878, p. 214 e Almanak do Porto e seu districto para 1881. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1880, p. 236. 85 Aparece Litograia Mendonça & Sanhudo, Rua do Laranjal, mas sita no n.º 116, no Almanak do Porto e seu districto para 1878. Porto: Imprensa Popular de A. G. Vieira Paiva, 1877, p. 208. Esta discrepância pode-se compreender pelo hábito antigo de atribuir uma numeração, a cada vão do edifício, quer fosse ele uma porta de acesso, quer fosse uma fenestração. Este processo foi levado a efeito em 1860 por José Freire de Serpa Pimentel [ Coimbra, 21/11/1814-Peso da Régua, Loureiro, 22/1/1870, Cemitério da Lapa. 2.º visconde de Gouveia, par do reino, Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, autor da segunda geração romântica, irmão do também poeta António de Serpa Pimentel, destacou-se como poeta medievista e dramaturgo. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, exerceu vários cargos de magistratura, como o de juiz de Direito e governador civil do Porto, e assumiu vários postos literários, como os de sócio do Conservatório Dramático e do Instituto de Coimbra. Em 1838, ano em que publicou o seu primeiro drama, D. Sisnando, Conde de Coimbra, fundou o Teatro Académico de Coimbra, dirigido por uma Academia Dramática que tinha como órgão a Crónica Literária da Nova Academia Dramática, que Serpa Pimentel dirigiu e onde deixaria uma vasta colaboração. Ao longo da sua vida, colaborou em vários outros periódicos, tais como os jornais de poesias O Trovador e O Novo Trovador, a Revista Universal Lisbonense, O Panorama, O Mosaico, O Prisma e A Ilustração. Publicou e/ou fez representar muitos dramas históricos, de entre os quais O Almansor Aben-Afan (1840) e D. Sancho II (1846). Em 1839 e 1840, publicou respetivamente os volumes de poesias Solaus, Cancioneiro e Tradições cavaleirosas da minha pátria, inspirados pelo gosto pelos poemas narrativos de cunho épico e popular introduzido por Almeida Garrett. Juntamente com João de Lemos e Luís Augusto Palmeirim, Serpa Pimentel seria assim o grande responsável pela proliferação das xácaras e dos solaus característica do nosso segundo romantismo. Tanto na sua obra dramática como na sua poesia lírica sobressaem as pinturas históricas, de onde ressaltam as iguras dos grandes heróis nacionais, os motivos fúnebres e fantásticos e a evocação dos lugares simbólicos da pátria e, particularmente, de Coimbra. Bibliograia: D. Sisnando, 1838 (drama); Solaus, 1839 (poesias); O Almansor Aben-Afan, 1840 (drama); Tradições cavaleirosas da minha pátria, 1840 (poesias); O Infanção das Trovas, 1844 (poesias); D. Sancho II, 1846 (drama); Cancioneiro, 1849 (poesias) ] em que a numeração das 684 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) ruas, antigamente, começava pela esquerda ia até ao im da rua, dava a volta e subia pelo lado direito – cf. O Tripeiro. 6.ª Série, Ano II, n.º 1. Porto: Janeiro de 1962, p. 12 e O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VI, n.º 1. Porto: Janeiro de 1966, p. 14. 86 Almanak do Porto e seu districto para 1882. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1881, p. 362. 87 Almanak do Porto e seu districto para 1884. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1883 e Almanak do Porto e seu districto para 1885. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva Editor, 1884, p. 299. 88 Almanak do Porto e seu districto para 1886. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1885, p. 175. 89 O Sorvete. N.º 399, 9.º Ano. Porto: 3 de Janeiro de 1886, p. 2, col.ª 2. 90 O Comércio do Porto. Porto: 4 de Janeiro de 1887, p. 2, col.ª 2. 91 Almanak do Porto e seu districto para 1890. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1889, p. 289. 92 A Rua de S. Lázaro (que antes se designava por Caminho do Padrão de Campanhã) conjuntamente com a Rua do Reimão (que em 1835 se designou por Rua 29 de Setembro) fundiram-se e deram lugar à actual Av. Rodrigues de Freitas. 93 No Almanak para 1899 o número da porta que aparece é o 428, o que será efetivamente uma gralha de tipograia, pois embora aqui de novo apontemos a mesma razão da atribuição de numeração a qualquer vão que se inscreve na fachada dos edifícios e neste caso existem três vãos (sendo duas portas e uma janela) como amplamente se pode conferir pelos diversos anúncios litográicos e publicitários desta oicina inscritos n’O Sorvete, a verdade é que também podemos veriicar, amplamente, que esses três vãos tinham uma numeração que ia do n.º 429 ao n.º 433 – cf. O Sorvete. N.º 271, 17.º Ano. Porto: 21 de Julho de 1895 (im, página inteira); O Sorvete. N.º 272, 17.º Ano. Porto: 28 de Julho de 1895 (im, página inteira); O Sorvete. N.º 273, 17.º Ano. Porto: 4 de Agosto de 1895 (im, página inteira); O Sorvete. N.º 274, 17.º Ano. Porto: 11 de Agosto de 1895 (im, página inteira); O Sorvete. N.º 276, 17.º Ano. Porto: 1 de Setembro de 1895 (capa); O Sorvete. N.º 277, 17.º Ano. Porto: 15 de Setembro de 1895 (im, página inteira); O Sorvete. N.º 279, 17.º Ano. Porto: 29 de Setembro de 1895 (capa-im-rodapé); O Sorvete. N.º 280, 17.º Ano. Porto: 6 de Outubro de 1895 (capa-im-rodapé); O Sorvete. N.º 1, 18.º Ano, 2.ª Série. Porto: 20 de Dezembro de 1896 (capa); O Sorvete. N.º 3, 19.º Ano, 2.ª Série: Porto: 1 de Janeiro de 1897 (capa e im); O Sorvete. N.º 24, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 30 de Maio de 1897 (im, página inteira); O Sorvete. N.º 69, 20.º Ano. Porto: 2 de Outubro de 1898 (pp. centrais); O Sorvete. N.º 77, 20.º Ano. Porto: 27 de Novembro de 1898 (capa); O Sorvete. N.º 82, 22.º Ano, 2.º Série. Porto: 8 de Janeiro de 1899 (capa); O Sorvete. N.º 84, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 15 de Janeiro de 1899 (capa e im) e O Sorvete. N.º 155, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 12 de Agosto de 1900 (pp. centrais). 94 Almanak do Porto e seu districto para 1902. Porto: Livraria Archivo Jurídico, Typographia Século XX, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1901, p. 243. 95 SOUSA, Osvaldo Macedo de – História da arte da caricatura de imprensa em Portugal. Lisboa: Humorgrafe /S.E.C.S., 1998, vol. I (1847-1910), pp. 505, 509. 96 Além destes apenas encontramos referência ao apelido - Mendonça - na informação sobre o nome da irma comercial constante nos almanaques (no Almanak do Porto esta empresa aparece mencionada como Mendonça & Sanhudo apenas entre 1877 e 1880, depois será renomeada para S. Sanhudo & Irmão; e a partir de 1895 aparece apenas como seu proprietário Sebastião Sanhudo). 97 Fundada em 1877 na rua do Laranjal (n.os 112 a 116), muda para a rua de Santa Catarina (n.os 144 a 148) em 1885 e inalmente para a rua de S. Lázaro (n.os 429 a 433) em 1895. 98 CRUZ, Maria Antonieta – Os Burgueses do Porto, na segunda Metade do século XIX. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida, 1999, p. 345. 99 SERÉN, Maria do Carmo; PEREIRA, Gaspar Martins – “O Porto Oitocentista”, in RAMOS, Luís A. de Oliveira (Dir.), História do Porto. Porto: Porto Editora, 1995, pp. 432 e 433. 100 JUSTINO, David – A Formação do Espaço Económico Nacional (Portugal 1810-1913). Lisboa: Assírio Bacelar, Col. Documenta Histórica, vol. II, 1989, p. 147. 101 O Sorvete. N.º 399, 9.º Ano. Porto: 3 de Janeiro de 1886, informa que esta indústria já possuía mais 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 685 duma vintena de empregados. 102 Bem assim como aos da Litograia Nacional de seu irmão, podemos acrescentar. 103 Como se pode ler no catálogo: Pelos séculos d’O Século [ed. lit.] Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo; coord. José Vicente Serrão; textos Ana Maria Rodrigues... [et al.]. Lisboa : IAN/TT, 2002, p. 48. 104 Director do Museu Nacional de Imprensa, no Porto. 105 MARCOS, Luís Humberto – Humor servido com Sorvete, in http://www.publidiario.pt/cs/index. php?option=com_content&view=article&id=48:humor-servido-com-sorvete&catid=1:ponte-de-lima&Itemid=4 (2012/02/24; 00.45h). 106 FELGUEIRAS, Guilherme – “Memorial do Porto através da Caricatura”, O Tripeiro. 6.ª Série, Ano III, n.º 11. Porto: Novembro de 1963, p. 331. 107 O Comércio do Porto. Porto: 4 de Janeiro de 1887, p. 2, col. 2. 108 O Sorvete. N.º 83, 2.º Ano. Porto: 1 de Janeiro de 1880 (im) (página inteira); O Sorvete. N.º 137, 3.º Ano. Porto: [s. d.] [início de 1881 – 2 de Janeiro] (im) (página inteira) (Rua do Laranjal, 116; S. Sanhudo & Irmão); O Sorvete. N.º 450, 10.º Ano. Porto: 16 de Janeiro de 1887 (contracapa); O Sorvete. N.º 451, 10.º Ano. Porto: 23 de Janeiro de 1887 (contracapa) (igual ao n.º450); O Sorvete. N.º 452, 10.º Ano. Porto: 30 de Janeiro de 1887 (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 453, 10.º Ano. Porto: 6 de Fevereiro de 1887 (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 454, 10.º Ano. Porto: 13 de Fevereiro de 1887 (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 455, 10.º Ano. Porto: 20 de Fevereiro de 1887 [data corrigida] (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 456, 10.º Ano. Porto: 2 de Março de 1887 (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 457, 10.º Ano. Porto: 3 de Abril de 1887 (contracapa) (igual ao n.º450); O Sorvete. N.º 458, 10.º Ano. Porto: 10 de Abril de 1887 (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 459, 10.º Ano. Porto: 17 de Abril de 1887 (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 460, 10.º Ano. Porto: 24 de Abril, de 1887 (contracapa) (igual ao n.º 450); O Sorvete. N.º 191, 16.º Ano. Porto: 1 de Janeiro, 1894 (im) (página inteira); O Sorvete. N.º 199, 16.º Ano. Porto: 25 de Fevereiro, 1894 (página inteira); O Sorvete. N.º 244, 17.º Ano. Porto: 6 de Janeiro de 1895 (centrais) (pagina inteira); O Sorvete. N.º 271, 17.º Ano. Porto: 21 de Julho de 1895 (im) (muda de instalações) (página inteira); O Sorvete. N.º 272, 17.º Ano. Porto: 28 de Julho de 1895 (im) (muda de instalações) (página inteira); O Sorvete. N.º 273, 17.º Ano. Porto: 4 de Agosto de 1895 (im) (muda de instalações) (página inteira); O Sorvete. N.º 274, 17.º Ano. Porto: 11 de Agosto de 1895 (im) (muda de instalações) (página inteira); O Sorvete. N.º 275, 17.º Ano. Porto: 25 de Agosto de 1895 (desdobrável) (muda de instalações); O Sorvete. N.º 276, 17.º Ano. Porto: 1 de Setembro de 1895 (rodapés laterais na capa e im) (muda de instalações); O Sorvete. N.º 277, 17.º Ano. Porto: 15 de Setembro de 1895 (im) (página inteira); d’O Sorvete. N.º 278, 17.º Ano. Porto: 22 de Setembro de 1895 até a’O Sorvete. N.º 280, 17.º Ano. Porto: 6 de Outubro de 1895 (capa-im-rodapé); O Sorvete. N.º 24, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 30 de Maio de 1897 (im) (página inteira); d’O Sorvete. N.º 1, 18.º Ano, 2.ª Série. Porto: 20 de Dezembro de 1896 até a’O Sorvete. N.º 57, 20.º Ano. Porto: 9 de Julho de 1898 (capa-im); O Sorvete. N.º 64, 20.º Ano. Porto: 28 de Agosto de 1898 (capa); O Sorvete. N.º 69, 20.º Ano. Porto: 2 de Outubro – 1898 (centrais) (insere anúncio); d’O Sorvete. N.º 77, 20.º Ano. Porto: 27 de Novembro de 1898 até a’O Sorvete. N.º 81, 20.º Ano. Porto: 27de Dezembro de 1898 (capa); O Sorvete. N.º 83, 22.º Ano. Porto: 8 de Janeiro de 1899 [data corrigida] (capa); O Sorvete. N.º 84, 22.º Ano. Porto: 15 de Janeiro de 1899 (capa e im); O Sorvete. N.º 86, 22.º Ano. Porto: 29 de Janeiro de 1899 (capa) (igual ao n.º 83); O Sorvete. N.º 92, 22.º Ano. Porto: 19 de Março de 1899 (capa) (igual ao n.º 83); O Sorvete. N.º 107, 22.º Ano. Porto: 1 de Julho de 1899 (capa) (igual ao n.º 83); O Sorvete. N.º 110, 22.º Ano. Porto: 30 de Julho de 1899 (capa) (igual ao n.º 83); O Sorvete. N.º 155, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 12 de Agosto e 1900 (centrais). 109 O Cosmorama, Almanach do Sorvete para 1902, por S. Sanhudo. Porto: Litograia Portuguesa, 1902. 110 Ver a soberba qualidade compositiva destas litograias na Secção de Annuncios do Porto, no im deste Almanach. Embora todo ele esteja enxameado de outros belos exemplos da arte litográica. 111 Aproveitamos para referir que ele aparece referenciado como desenhador de retratos, nos Almanaques de: 1881, 1882, 1884, 1885 sito na Rua do Laranjal 116; no de 1886, na Rua de Santa Catarina 144-148; no de 1887, 1888, 1889, 1890 na Rua de Santa Catarina 146; no de 1891 e 1892, na Rua de Santa Catarina 146; no de 1893, 1894, 1895, 1896, 1897, 1898 na Rua do Heroísmo 17; no de 1899 Rua de S. Lázaro 429 – Cf. 686 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Almanak do Porto e seu districto para 1881 até 1899. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva Editor, 1881-1898. 112 O Pae Paulino. Periódico de camara-optica. Porto: Typ. Occidental, Lith. Portugueza a vapor, Litograia (de D. A.) Ruiz & Filho, Typographia de Bernardino D’Abreu Gonçalves, 1877-1879. N.º programa, 15 de Julho de 1877 a n.º 44, 2.º Ano, 26 de Abril de 1879 (1891, 1 número, 3 de Agosto). 2 folhas a 3 colunas. Alt. 48-50,5 cm-Larg. 33,5-35 cm. Caricatura na pp. 1 e 4. Custo de 20 réis. 93 n.os (sem contar com o número único de 1891). 113 Que teve um busto feito por Rafael Bordalo Pinheiro, na sua Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, em barro vidrado, com decoração policromada, camisa com rendas e chapéu aos gomos, sobre peanha verde com inscrição do seu nome e datado de 1894 – cf. http://www.cml.pt/cml.nsf/artigos/ F6752704B2712AC68025790A004E2E24 (2013/10/30; 22.38h). 114 Nome dado – durante o decurso da gloriicação dos heróis das Guerras Liberais (Guerra Civil Portuguesa, que decorreu entre os anos de 1828-1834 e que opôs, como forças litigantes, as forças do partido constitucionalista liderado pela Rainha D. Maria II e o seu pai D. Pedro I – do Brasil e IV de Portugal – defensor de um regime liberal, às do partido tradicionalista de D. Miguel I, defensor da manutenção de um regime mais absolutista) – aos vencedores dessa guerra e que haviam desembarcado na antiga Praia dos Ladrões (em Arnosa de Pampelido, no limite das freguesias de Lavra e Peraita), depois rebaptizada Praia da Memória, em 8/7/1832, a norte do Porto e onde se encontra um obelisco memorativo desse Desembarque do Mindelo. Os protagonistas – D. Pedro e D. Miguel – destas Guerras Liberais foram caricaturados por Honoré Daumier (Marselha, 20 ou 26/2/1808-Valmondois, 10/2/1879), ilustre caricaturista e mestre da litograia, em 1833, numa ilustração onde se vê a disputa da coroa portuguesa entre os dois irmãos. 115 BESSA, Alberto – “Jornaes do Porto – O Pae Paulino”, in Gazeta de Coimbra. Ano VI, n.º 592. Coimbra: 4 de Abril de 1917, p. 2, col.ª 2. 116 IDEM, Ibidem, p. 2, col.ª 2. 117 (1839-/5/1900). Agostinho Albano da Silveira Pinto (1839-/5/1900). Escritor, jornalista portuense que colaborou em diversos periódicos literários e políticos, juntamente com Borges de Avelar e Urbano Loureiro redigiu o Diário da Tarde (1871-1874; o mais anti-burguês dos jornais do Porto). Fez parte da redacção do Pirilampo, jornal do género do Pimpão, que causou sensação no Porto, chegando a ser o terror das autoridades do distrito. Publicava-se à noite, e os garotos que vendiam andavam munidos de lanternas de furta-fogo, berrando pregões atordoadores. Foi director d’O Pae Paulino, pelo menos até ao seu número 7 pois essa indicação desaparecerá dos cabeçalhos no seu número 8. Publicou o livro de contos humorísticos Antes de soprar à luz (1871), Os pomos d’Eva – doze contos em camisa (1884), o romance Amor e Palavras (1867) e traduziu o drama de Faniot Os Apostolos do Mal cujo o último acto ele refez, além das operetas Orfeu nos Infernos, Órgãos de Mostoles, Amar sem conhecer... Neto de Agostinho Albano da Silveira Pinto e ilho de Albano Antero da Silveira Pinto. Como seu avô, era conhecido pelos seus dois primeiros nomes. PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 77; O Sorvete. N.º 144, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 20 de Maio de 1900 (p. 3) e CORREIA, António Mendes; SÉRGIO, António; PEREIRA, António Armando Gonçalves; GODINHO, António Maria; ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins; FONSECA, João de Sousa (dirigida por...) – Ob. Cit.. Vol. I, p. 722, col. 2. ...terrível pela originalidade imprevista da sua troça...como se lê: GOMES, Luís F. – Jornalistas do Porto e sua Associação. Porto: Edição Associação dos Jornalistas e Homens de letras do Porto, 1925, p. 39. 118 (Porto, 10/10/1834-Porto, 27/4/1898). Destinado, pelos pais, a uma vida comercial, contrariando a sua vocação teatral, resolve rumar, em 1858, para o Brasil, onde durante alguns anos desenvolve uma vida dedicada ao teatro. Entrou para o Teatro do Gymnasio, no Rio de Janeiro, a 3/4/1858. Voltou a Portugal no ano de 1863. Homem muito ligado ao teatro. Foi ensaiador e também empresário do Real Teatro de S. João, Teatro D. Maria e Teatro Baquet. Ensaiador no Teatro da Trindade em Lisboa. Actor, ourives, escritor, poeta e autor dramático; administrador, director, editor e proprietário d’O Pae Paulino. Casou, a 28/7/1858, com a actriz Ludovina de Vecchi (ilha da actriz Gabriela de Vecchi – Porto, 18/12/1821-Baía, 7/7/1882), que morrerá 2 anos depois. Casou depois com a actriz Amélia Simões, ilha do actor Simões (José Simões Nunes Borges; Viseu, Beijós, 10/3/1826-Lisboa, 2/2/1904) e irmã da actriz Lucinda Simões 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 687 (Lisboa, 17/12/1850-Lisboa, 21/5/1928). Este casamento terminou em divórcio. IDEM – Ibidem, p. 138, O Sorvete. N.º 27, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 29 de Junho de 1897 (Terça-feira); O Sorvete. N.º 28, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 4 de Julho de 1897 (Domingo) e BASTOS, Sousa – Diccionario do Theatro Portuguez. Lisboa: Imprensa Libanio da Silva, 1908, p. 176, col.ª 1. 119 O Pae Paulino. N.º 8, 1.º Ano. Porto: 17 de Setembro de 1877 e O Pae Paulino. N.º 30, 1.º Ano. Porto: 18 de Fevereiro de 1878. 120 Zé Povinho fez 100 anos – Exposição Comemorativa – Centro de Artes Plásticas dos Coruchéus. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1976, p. 168. 121 Teve um número extemporâneo: O Pae Paulino. N.º 1, 2.ª Série, Segunda-feira 3 de Agosto de 1891 que teve como ilustrador um vulto maior da arte litográica: António de Sousa Nogueira [António de Sousa Nogueira Júnior (Porto, freguesia de S. Nicolau, 9/9/1854-Porto, 15/11/1921). Desenhador, litógrafo e gravurista, colaborou ainda nos periódicos Pontos e Vírgulas, Os Pontos, Comércio do Porto, Comédia Ilustrada, O Pae Paulino (1891, 2.ª Série), O Cunha. Medalha de prata na Exposição Universal de Paris em 1900]. 122 Cf. DEUS, António Dias de – Os Comics em Portugal-Uma História da Banda Desenhada. Lisboa: Edições Cotovia e Bedeteca de Lisboa, 1997, p. 53. 123 Almanach de caricaturas Pae Paulino por Sebastião Sanhudo. Porto: Tipograia Ocidental – Livraria Civilização (edição), 1878. 64 páginas. Alt. 20,5 cm-Larg. 15 cm. Preço 120 réis. 124 O Pae Paulino. N.º 9, 1.º Ano. Porto: 24 de Setembro de 1877 – Almanack de Caricaturas Pae Paulino para 1878 (sairá brevemente); ou Sebastião Sanhudo Almanack de Caricaturas Pae Paulino para 1878 (sairá brevemente) respectivamente no: O Pae Paulino. N.º 11, 1.º Ano. Porto: 8 de Outubro de 1877; O Pae Paulino. N.º 12, 1.º Ano. Porto: 15 de Outubro de 1877 e O Pae Paulino. N.º 13, 1.º Ano. Porto: 22 de Outubro de 1877. 125 Mantendo uma tradição longeva, que irradia raízes até ao séc. XV, com os almanaques começados a imprimir em Mayence (Ou Mainz. Alemanha, Estado do Reno-Palatinado) a partir de 1448, este tipo de publicações, que não seguem o carácter jornalístico normal, são, no entanto, das primevas publicações periódicas que vários países europeus vêm surgir no seu panorama editorial. Transcrevemos um pequeno segmento do texto de José Tengarinha, para dilucidar que mais de quatrocentos anos de história, em muito pouco, quase nada, alteraram a forma e o conteúdo destas publicações, senão leia-se: Estas publicações têm conteúdo e características muito semelhantes: publicavam informações sobre os astros e signos, religiosas, calendários e relação dos dias santos de guarda, conselhos práticos, etc., como as congéneres estrangeiras. Projectavam-se sobre um futuro pautado pelos astros e pela divisão do tempo, só mais tarde se ligando ao presente, como os almanaques, repositórios de factos e dados úteis e curiosos do mundo em que se vivia. // Apresentavam frontispício, geralmente formato in-4.º, sendo variável o número de páginas e o preço (o ‘Reportório’ de 1582 tinha 152 páginas numeradas e era vendido a 70 réis). // Exceptuando os prognósticos de Paulo da Mota, que aparecem em dois anos seguidos, para as restantes publicações seria forçado falar em regularidade, sequer em periodicidade de longa amplitude, ao contrário do que acontece em outros países – em França [...] o primeiro calendário que aparece em Paris, em 1491,[...] será reeditado durante mais de dois séculos [...] – [de todo notável]. Reconheceremos, porém, que algumas têm continuidade, através dos mesmos redactores e impressores, e uma frequência que resulta da preocupação de actualização das informações - cf. TENGARRINHA, José – História da imprensa periódica portuguesa. 2.ª ed. Revista e aumentada. Lisboa: Editorial Caminho, 1989, pp. 31-32. O almanaque, com efeito, é o livro disciplinar que coloca os marcos, traça as linhas, dentro das quais circula, com precisão, toda a nossa vida social - cf. QUEIROZ, Eça de – Notas Contemporâneas. Lisboa: Edição “Livros do Brasil”, 1980. Apud ROMARIZ, Andrea Germano de Oliveira – O «Almanaque de lembranças luso-brasileiro»: um ensaio para um projecto maior. Lisboa: [s. n.], 2011, p. 11. Dissertação de mestrado em Estudos Românicos – Cultura Portuguesa apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 126 Para cada dia refere a invocação do Santo padroeiro, ou da festa sacra a que corresponde. 127 O Pae Paulino. Número programa, [s. d.] [15 de Julho de 1877?]; O Pae Paulino. N.º 3, 1.º Ano. Porto: 13 de Agosto de 1877; O Pae Paulino. N.º 26, 1.º Ano. Porto: 21 de Janeiro de 1878 e O Pae Paulino. N.º 48, 1.º Ano. Porto: 24 de Junho de 1878. 128 Director do Museu Nacional de Imprensa, no Porto. 129 MARCOS, Luís Humberto – Humor servido com Sorvete, in http://www.publidiario.pt/cs/index. 688 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) php?option=com_content&view=article&id=48:humor-servido-com-sorvete&catid=1:ponte-de-lima&Itemid=4 (2012/02/24; 01.01h). 130 O Sorvete. N.º 42, 1.º Ano, 4.ª Série. Porto: 22 de Março 1879, p. 347. 131 O Sorvete. N.º 4, 1.º Ano. Porto: 30 de Junho de 1878 (capa), O Sorvete. N.º 16, 1.º Ano, 2.ª Série. Porto: 22 de Setembro, 1878 (capa) e O Sorvete. N.º 50, 1.º Ano, 4.ª Série. Porto: 18 de Maio 1879 (centrais). 132 Ruy Vaz; Menéres; Diabo; J. Brito; Careta. 133 A exemplo: Exposição Agrícola – Palácio de Cristal – no n.º 12, 1.º ano, 15 de Outubro de 1877; Ponte Maria Pia – inauguração – no n.º 15, 1.º ano, 5 de Novembro de 1877, n.º 16, 1.º ano, 12 de Novembro, 1877 – fogo francês, barracada, n.º 17, 1.º ano, 19 de Novembro de 1877; Exposição Ornitológica – Palácio de Cristal – no n.º 21, 1.º ano, 17 de Dezembro de 1877; Ponte sobre o Rio Lima – Viana do Castelo – inaugurada em 27 Junho de 1878 – no n.º 48, 1.º ano, 24 de Junho de 1878; Guerra do Oriente – entre russos e otomanos – no n.º 29, 1.º ano, 11 de Fevereiro de 1878, n.º 40, 1.º ano, 29 de Abril de 1878, n.º 41, 1.º ano, 6 de Maio de 1878, n.º 42, 1.º ano, 13 de Maio de 1878, n.º 43, 1.º ano, 20 de Maio de 1878, n.º 44, 1.º ano, 27 de Maio de 1878; Tratado de S. Stefano no n.º 41, 1.ºano, 6 de Maio de 1878, p. 4, n.º 44, 1.º ano, 27 de Maio de 1878 (capa), n.º 45, 1.º ano, 3 de Junho de 1878 (p. 4); Congresso de Berlim no n.º 1, 2.º ano, 1 de Julho de 1878... 134 Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21/6/1839- Rio de Janeiro, 29/9/1908). Poeta, romancista, crítico e dramaturgo, jornalista, Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Publicas, membro do Conservatório Dramático Brasileiro... 135 (Porto, 17/2/1820-Rio de Janeiro, 16/8/1869). Ourives, poeta, escreveu comédias e farsas, editor de ‘O Bardo’... – cf. SILVA, Inocêncio Francisco da – Diccionario bibliographico portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1972, tomos II, p. 254 e IX, pp. 205, 446. A feição predominante deste poeta foi a sátira, não sob a sua forma cruel e pessoal, mas antes na forma impessoal e cortês. A vida romântica do Porto dos meados do século XIX deu copiosa matéria para que a sua musa jocosa se exercitasse em composições notáveis de graça e harmonia – cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s. d.], vol. 18, pp. 965-966. No Café Águia Douro se reunia o Clube Patriota, que fomentou em 1868 o motim da ‘Janeirinha’, composto por: Delim Maia, Camilo, António Luís Ferreira Girão, Faustino Xavier de Novais, Costa e Almeida, Arnaldo Gama, Amorim Viana... Usou os seguintes pseudónimos: PADRE CAETANO no Porto e Carta, SATURNO no Periódico dos Pobres, LÍNGUA DANADA no Ecco Popular. Enquanto correspondente do Viriato de Viseu, da Nação e do Peneireiro, usa os pseudónimos: PANTALEÃO PANTANA, JOSÉ VALVERDE E CORUJA. Usou o pseudónimo BERNARDO no Correio Mercantil – cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s. d.], vol. 18, pp. 965-966 e LISBOA, Eugénio (Coordenação) – Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Mem Martins: Publicações Europa-América, D.L.1991 a 2000, vol. II., pp. 91-92. Usou ainda o pseudónimo de J. G. – cf. SILVA, Inocêncio Francisco da – Ob. cit., tomos IX, p. 205 e XXIII, p. 127, e FONSECA, Martinho Augusto – Subsidios para um Diccionario de Pseudonymos, Iniciaes e Obras Anonymas de escriptores Portuguezes, contribuição para o estudo da litteratura portugueza. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1896, p. 133. 136 Ernesto Pêgo de Kruger Cibrão (Valença do Minho, 22/7/1836-1919). Aos dezasseis anos assentou praça no regimento de Artilharia 3, cursou a Escola Politécnica do Porto da qual teve de desistir por doença, escritor, jornalista, poeta, dramaturgo, director de uma companhia de seguros. 137 Luís Augusto Xavier Palmeirim. (Lisboa, 9 de Agosto de 1825-Lisboa, 4/12/1894). Proveniente de uma família de militares de alta patente, frequentou o Colégio Militar e tomou parte na rebelião da Maria da Fonte, entre 1846 e 1847, ao serviço da Junta do Porto, contra a ditadura de Costa Cabral. Poeta, militar, jornalista, comediógrafo, chefe de repartição do ministério de obras públicas, comércio e industria, director do real conservatório de música de Lisboa, deputado às cortes em várias legislaturas e aí se ocupou por diversas vezes com as questões da arte, comendador, cavaleiro, sócio efectivo da Academia Real das Ciências, vogal da Comissão de Censura Dramática, a ele se deve a construção do Teatro do Conservatório... Foi amigo de Herculano, Castilho, Rebelo da Silva, Mendes Leal, Bulhão Pato, Silva Tulio… Foi cognominado de ‘Beranger Português’. São muito conhecidos os seus poemas: O Guerrilheiro, A Vivandeira, O Veterano e Camões, este último foi muitas vezes recitado pelo actor Rosa pai. Publicou os livros: 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 689 Os excêntricos do meu tempo e Galeria de iguras portuguesas. No teatro obtiveram imenso êxito as suas comédias: O sapateiro de escada, Como se sobe ao poder, A domadora de feras e Dois casamentos de conveniência. Imitou de Sardou Os amigos íntimos e fez magníicas traduções do Marquês de la Seiglière, do Primo e o Relicário, do João Baudry e da Chuva e o bom tempo. Escreveu a pedido de António Pedro, a cena cómica Ginástica doméstica, que não chegou a ser representada por morte do artista. SILVA, Inocêncio Francisco da – Ob. cit., tomos V, p. 228 e XIII, p. 348 e BASTOS, Sousa – Dicionário de Teatro Português. Coimbra: Minerva, 1994, pp. 214-215. 138 (Braga, 29/4/1839-4/2/1919). Inscreveu-se em Coimbra em Teologia mas não prosseguiu; Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra em 1873; poeta; advogado; em 1874 era Juiz Ordinário do Julgado da Sé de Braga; em 1887 passa a exercer a advocacia em Braga; fundou e de 1868 a 1873 dirigiu o jornal literário A Folha, Microcosmo Literário, que se publicou em Coimbra e que teve por companheiros de redacção Gonçalves Crespo, Simões Dias, Francisco Gomes de Amorim, Guerra Junqueiro, Cândido de Figueiredo; em Braga e em 1875 redigia a revista literária República das Letras, que se publicava no Porto e de que saíram apenas três fascículos. Cantou as mulheres, o vinho, o presunto. Boémio, durante a passagem estudantil por Coimbra; tocado pela amargura e o infortúnio, nos últimos anos de vida. João Penha, um dos nomes do parnasianismo português. Publicou sete obras: Rimas, Viagem Por Terra ao País dos Sonhos, Por Montes e Vales (prosa), Novas Rimas, Ecos do Passado, Últimas Rimas e Canto do Cisne. “Vão maus os tempos d’agora / Para as cousas de poesia; / Cresce a onda: a prosa fria / Tudo invade e nos devora” – cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s. d.], vol. 20, pp. 983, col.ª 2 e 984, col.ª 1; BOTELHO, Luiz; Farrapos – jornal de um impressionista. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz, Editores, 1892, p. 139; O Pae Paulino. N.º 24, 2.º Ano. Porto: 9 de Dezembro de 1878, p. 2; O Pae Paulino. N.º 25, 2.º Ano. Porto: 16 de Dezembro de 1878, p. 2; O Pae Paulino. N.º 26, 2.º Ano. Porto: 23 de Dezembro de 1878, p. 2; O Pae Paulino. N.º 27, 2.º Ano. Porto: 30 de Dezembro de 1878, p. 2; O Pae Paulino. N.º 28, 2.º Ano. Porto: 6 de Janeiro de 1879 (Na rubrica Galeria do Pae Paulino, dá com o título: A Vida Academica artigos sobre uma disputa em verso entre Guerra Junqueiro e o poeta João de Oliveira Penha Fortuna, da lavra de Gonçalves Crespo) e FIGUEIREDO, Cândido de – Cartas Inéditas de oitenta e cinco escritores portugueses da segunda metade do século XIX e do primeiro quartel do século actual – prefaciadas e anotadas por... Rio de Janeiro: H. Antunes & C.ª - Editores, [s. d.], p. 29. 139 António Cândido Gonçalves Crespo (Rio de Janeiro, 11/3/1846-Lisboa, 11/6/1883). [Escritor] poeta, Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, deputado, redactor do Diário da Câmara dos Pares. Era ilho de António Gonçalves Crespo. Veio para Portugal, onde foi educado e se formou em Direito no ano de 1875. Foi eleito deputado às legislaturas de 1879 e 1881, por um dos círculos da Índia e foi nomeado redactor do Diário da Câmara dos Pares em 1880. Já em Coimbra, no tempo de estudante, se interessava por questões literárias. Colaborou, nesse período, no jornal A Folha. Faz, mais tarde, parte da redacção do Jornal-do-Comércio, de Lisboa; em Coimbra colaborou em: Folha, Instituto, Mosaico e Literatura Ocidental; no Partido Liberal e República das Letras de Braga; Harpa e Renascença, do Porto; Artes e Letras, Ocidente e Cenáculo, de Lisboa. Em 1870 publicou o primeiro volume de versos, Miniaturas, e em 1882 o segundo, intitulado Nocturnos. Foi casado com a escritora e poetisa Maria Amália Vaz de Carvalho, de colaboração com quem escreveu, em 1882, o livro Contos para os nossos ilhos, que foi aprovado oicialmente para uso das escolas primárias. Gonçalves Crespo era sócio do Instituto de Coimbra e da Academia Real das Ciências de Lisboa. As suas obras completas foram mais tarde publicadas, depois da sua morte, e em 1898 Rodrigues Veloso reuniu, num pequeno volume, as Poesias (não encontradas na edição das suas «Obras completas») – cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s. d.], vol. 12, p. 565, col.ª 1. 140 Augusto Dias Dantas da Gama (Porto, 9/3/1859-7/5/1927). Escritor e jornalista, deputado, presidente da Administração da Companhia do Caminho de Ferro de Ambaca. Filho de Arnaldo de Sousa Dantas da Gama e irmão de Guilherme Dias Dantas da Gama. 141 António Justino Simões de Cabedo (Lisboa, 1823-24/12/1862). Escritor humorista de certo merecimento e poeta lamartiniano. Amanuense da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, membro da Associação de Professores. Grande amigo de Feliciano de Castilho, que o recolheu no seu jazigo do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Colaborou com assiduidade no Boletim Geral de Instrução Pública (do qual era proprietário o visconde de Ribamar). Escreveu o Trabalho em Dia do Ano Bom, nota que vem publicada 690 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) no tomo I da versão dos Fastos de Ovídio, de Castilho. Em 1860 publica O doutor a daguerreótipo. Escreveu, ainda, Cartas Satíricas e Cacholetas Literárias [1861]. MACHADO, Fernando Falcão – “Os Cabedos de Setúbal”, in Boletim da Junta de Província da Estremadura. N.os 24/25, p. 242, nota 37 e Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Página Editora, D.L. 1998, vol. 5, p. 262, col.ª 1. 142 (c. 1825-1904). Irmã do 1.º visconde do Serrado (titulo de 8/5/1873; por D. Luís I) – cf. Anuário da Nobreza de Portugal. Lisboa: Instituto Português de Heráldica, 1985, III vol., tomo I, p. 796 e ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (Dir.) – Nobreza de Portugal e do Brasil. Lisboa: Edições Zairol, 2000, vol. III, p. 381. Os Alvelos são descendentes do glorioso Martim Moniz – cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, [s. d.], vol. 2, p. 213, col.ª 1. Gerente do Hotel do Louvre (esquina da Rua D. Manuel II e Rua do Rosário; onde depois esteve também a sede do M.U.D; o cineclube do Porto…). Foi este hotel o escolhido pela embaixada do Brasil para aí instalar, em Março de 1872, D. Pedro II, imperador do Brasil (ilho do nosso D. Pedro IV) e sua mulher D. Teresa Cristina Maria, que aí se demoraram oito dias. No inal da estada, foi-lhes apresentada a conta: 4.500.000 réis. O imperador achou que era um exagero e saiu sem pagar. A dona do hotel queixou-se aos tribunais e o processo foi-se arrastando durante anos, até que o tribunal deu, como era lógico, razão a hoteleira. E ei-la que abala para o Brasil a cobrar a divida. E tal escândalo por lá armou, que dois portugueses, há muito radicados em terras de Vera Cruz, acharam por bem liquidar a conta e meter a senhora de novo no barco para Portugal. O hotel veio a acabar e a senhora faleceu, quase na miséria, aí para os lados do Carvalhido – cf. PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 80-81, 154 e DIAS, Teo – Ruas da minha terra – Porto, in http://ruasdoporto.blogspot.pt/2006/09/rua-do-rosrio.html (2012/03/25; 20.27h) aqui refere-se como proprietária do hotel uma senhora de ascendência francesa, uma senhora, muito bela, dada a muitas convivências masculinas, o que lhe terá dado um grande desafogo inanceiro, de seu nome Maria Huguette de Melo Lemos e Alves. Vd., sobre a viagem dos imperadores a obra, CORTE REAL, José Alberto; ROCHA, Manuel António da Silva; CASTRO, Augusto Mendes Simões de – Viagem dos imperadores do Brasil em Portugal. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1872. 143 O Sorvete – Periodico para rir – Órgão do partido Progressista, Órgão do partido Regenerador, Órgão desainado do partido Sebastianista, Órgão do partido Clerical, Órgão do partido Miguelista, Órgão do partido Republicano – Periódico humorístico – Revista cómica – Órgão de todos os partidos / Periódico humorístico – Jornal de Caricaturas – Órgão de todos os partidos / Periódico humorístico – Jornal de Caricaturas / Órgão de todos os partidos – Publicação semanal – Semanário de Caricaturas – Semanário de Caricaturas por Sebastião Sanhudo – Folha cómica para rir, sem ferir / Orgão oicial dos ridículos da sociedade / Publicação semanal de S. Sanhudo – Jornal de Caricaturas / Noticioso, Crítico, Progressista, Republicano, Miguelista, de Modas, Financeiro, Litterário, Poético, etc. (Não é charadistico). Publicação semanal de Sebastião Sanhudo. Porto: Imprensa Litterario Commercial, Typographia Occidental, Imp. Internacional de Ferreira de Brito e A. Monteiro, Lith. Portugueza, a vapor, Typographia Popular, 1878-1900. N.º 1, 1.º Ano, 9 de Junho de 1878 a n.º 169, 23.º Ano, 30 de Dezembro de 1900. Regra geral 4 folhas a 2 colunas. Alt. 31,5-34 cm-Larg. 23-24,5 cm (entre 3/1/1892 e 25/12/1892 mediu: Alt. 30-32 cm-Larg. 23 cm). Regra geral caricatura nas pp. 1, 4-5 e 8. Custo de 20 réis (para Portugal; preço diferente para o Brasil e África Portuguesa). Nos subtítulos do periódico marca-se clara intenção de equidistância política. 144 FELGUEIRAS, Guilherme – “Memorial do Porto através da Caricatura”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano III, n.º 11. Porto: Novembro de 1963, pp. 330-331. 145 MEIRA, Alberto – “Verbetes Biográicos – XIII – Sebastião Sanhudo”, In O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 2. Porto: Junho de 1946, pp. 45-46. 146 MARCOS, Luís Humberto – Humor servido com Sorvete, in http://www.publidiario.pt/cs/index. php?option=com_content&view=article&id=48:humor-servido-com-sorvete&catid=1:ponte-de-lima&Itemid=4 (2012/02/24; 01.44h). 147 José Vasques (n.º 49, 2.º Ano. Porto: 11 de Maio de 1879, ilustra todo este número por motivo de grave doença da mãe de Sebastião Sanhudo. Ilustrará também no n.º 48, 1.º Ano, 4.ª Série. Porto: 4 de Maio de 1879 a capa, com um retrato de Silva Porto (pintor); a capa do n.º 51. Porto: 25 de Maio de 1879, com um retrato de Marques d’Oliveira; a capa do n.º 88, 2.º Ano. Porto: 1.º de Fevereiro de 1880, com um retrato de José Maria de Assis; no n.º 132, 3.º Ano. Porto: 28 de Novembro de 1880, p. 571, im, com croquis da nova ponte sobre o Douro; no n.º 183, 4.º Ano. Porto: 13 de Novembro de 1881, capa, p. 84, com um re1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 691 trato da actriz Amélia Garraio; no n.º 260, 6.º Ano. Porto: 6 de Maio de 1883, im, com vistas do zimbório a construir e fachada da Rua Fernandes Tomás, do edifício da Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade; no n.º 325, 7.º Ano. Porto: 27 de Julho de 1884, capa, com o retrato de Emídio Navarro, autor do livro Quatro dias na Serra da Estrella). Colaboração, com uma caricatura, de José Júlio Moreira, que foi companheiro de Sanhudo na Academia Portuense de Belas-Artes, nos dois primeiros anos do curso (n.º 78, 2.º Ano. Porto: 30 de Novembro de 1879, im do periódico). Colaboração gráica de Nogueira [António de Sousa Nogueira Júnior (Porto, freguesia de S. Nicolau, 9/9/1854-Porto, 15/11/1921). Desenhador, litógrafo e gravurista, colaborou ainda nos periódicos Pontos e Vírgulas, Os Pontos, O Commercio do Porto, Comédia Ilustrada, Pae Paulino (1891, 2.ª Série), O Cunha. Medalha de prata na Exposição Universal de Paris em 1900], com várias vistas da Fabrica Coniança (n.º 199, 16.º Ano. Porto: 25 de Fevereiro de 1894, im). Colaboração gráica de George Abelous no: n.º 92, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 19 de Março de 1899, im; n.º 94, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 2 de Abril de 1899, im; n.º 96, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 16 de Abril de 1899 (na capa, colaboração gráica de F. A. Ribeiro; no im, colaboração gráica de George Abelous); n.º 97, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 23 de Abril de 1899 (na capa, colaboração gráica de Júlio Costa; no im, colaboração gráica de George Abelous); n.º 100, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 14 de Maio de 1899, im; n.º 103, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 4 de Junho de 1899, im; n.º 108, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 9 de Julho de 1899, im. 148 Sá de Albergaria (a partir do n.º 5, 1.º Ano, 1.ª Série. Porto: 7 de Julho de 1878, faz esta referência). Director literário: Sá de Albergaria (a partir do n.º 25, 1.º Ano. Porto: 24 de Novembro de 1878, faz esta referência). Directores Literários: João Diniz e Júlio Serra (Suplemento do n.º 57. Porto: 9 de Julho de 1879). Director Literário: Júlio Serra (a partir do n.º 58, 2.º Ano, 1.ª Série. Porto: 13 de Julho de 1879). Redactores: Júlio Serra e Sebastião Sanhudo (a partir do n.º 61, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 3 de Agosto de 1879). Redactores: Júlio Serra, Sá d’Albergaria e Sebastião Sanhudo (a partir do n.º 64, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 24 de Agosto de 1879). Redacção: Sá d’Albergaria e Sebastião Sanhudo (proprietário) (a partir do n.º 66, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 7 de Setembro de 1879). Redactores: Sebastião Sanhudo e Sá d’Albergaria (a partir do n.º 97, 3.º Ano. Porto: 4 de Abril de 1880). Director literário: E. (Eduardo) de Barros Lobo (Beldemónio) (a partir do n.º 105, 3.º Ano. Porto: 30 de Maio de 1880). Director literário: Júlio Vasco (a partir do n.º 112, 3.º Ano. Porto: 11 de Julho de 1880). Redactor: Braz de Paiva (a partir do n.º 213, 5.º Ano. Porto: 11 de Junho de 1882). Textos de: António Cruz, Braz de Paiva (são o mesmo: BRAZ DE PAIVA era o pseudónimo de António Cruz) (a partir do n.º 243, 6.º Ano. Porto: 7 de Janeiro de 1883). Textos de: António Cruz (a partir do n.º 263, 6.º Ano. Porto: 27 de Maio de 1883). Redactores: Mendes de Araújo e António Cruz (a partir do n.º 327, 7.º Ano. Porto: 10 de Agosto de 1884). Redigido por: VICENTE GALHARDO (pseudónimo de Francisco Mendes de Araújo) (n.º 378, 8.º Ano. Porto: 2 de Agosto de 1885; n.º 399, 9.º Ano. Porto: 3 de Janeiro de 1886; n.º 406, 9.º Ano. Porto: 21 de Fevereiro de 1886). Texto de: Vicente Galhardo (n.º 461. Porto: 22 de Maio de 1887). Direcção literária de: Vicente Galhardo (n.º 462, 10.º Ano. Porto: 29 de Maio de 1887). Redigido por: Vicente Galhardo (n.º 463, 10.º Ano. Porto: 5 de Junho, de 1887). Texto: Marcos Guedes (apresenta-se aos leitores numa carta no n.º 55, 20.º Ano. Porto: 26 de Junho de 1898, p. 2). Texto de: Marcos Guedes (n.º 56, 20.º Ano. Porto: 3 de Julho de 1898). Direcção literária de: Marcos Guedes (n.º 57, 20.º Ano. Porto: 9 de Julho de 1898). 149 Editor responsável: José Vasques (Porto, 1852-19/8/1886. Foi aluno da Academia Portuense de Belas-Artes, gravador na Litograia Portugueza de Sebastião Sanhudo, ilustrou vários números e foi editor e administrador d’O Sorvete) (a partir do n.º 97, 3.º Ano. Porto: 4 de Abril de 1880). Administrador Editor responsável: José Vasques (a partir do n.º 105, 3.º Ano. Porto: 30 de Maio de 1880). Administrador: José Vasques (a partir do n.º 142, 3.º Ano. Porto: 30 de Janeiro de 1881; a partir do n.º 213, 5.º Ano. Porto: 11 de Junho de 1882; a partir do n.º 243, 6.º Ano. Porto: 7 de Janeiro de 1883; a partir do n.º 263, 6.º Ano. Porto: 27 de Maio de 1883; a partir do n.º 327, 7.º Ano. Porto: 10 de Agosto de 1884; n.º 348, 8.º Ano. Porto: 4 de Janeiro de 1885; n.º 378, 8.º Ano. Porto: 2 de Agosto de 1885 – indica no im do periódico; n.º 402, 9.º Ano. Porto: 24 de Janeiro de 1886; n.º 406, 9.º Ano. Porto: 21 de Fevereiro de 1886; n.º 410, 9.º Ano. Porto: 21 de Março de 1886). 150 Acompanhado nesta peculiaridade pelo Pontos e Vírgulas (Pontos e Virgulas – Semanario Illustrado de Arte e Caricaturas. Porto: Typ. Gutenberg, Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, Papelaria e Typographia Academica e Lith. União, Lith. Coniança, Lith. Nacional. N.º 1, 1.º Ano, 1 de Outubro de 1893 a n.º 13, 692 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 3.º Ano, 28 de Dezembro de 1895) e batido neste aspecto ‘aos pontos’, pel’Os Pontos (Os Pontos – Semanário de caricaturas – Semanario ilustrado – Os Pontos – Os Pontos – Semanário de caricaturas. Porto: Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, Lithographia Nacional. N.º 1, 1.º Ano, 5 de Janeiro de 1896 a n.º 51, 10.º Ano, 10 de Dezembro de 1905. Continuação do Pontos e Vírgulas agora com esta designação). 151 Houve um período de tempo que o periódico teve capas externas (d’O Sorvete. N.º 450, 10.º Ano. Porto: 16 de Janeiro de 1887 a’O Sorvete. N.º 460, 10.º Ano. Porto: 24 de Abril de 1887). 152 O Sorvete. N.º 45, 1.º Ano, 4.ª Série. Porto: 13 de Abril de 1879 (pp. 367, 370); O Sorvete. N.º 47, 1.º Ano, 4.ª Série. Porto: 27 de Abril de 1879 (p. 383). 153 CASTELO BRANCO, Camilo – Cancioneiro Alegre de poetas portuguezes e brazileiros. Commentado por (...). Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron – Editor, 1879. Que terá edição em formato de livro na obra: CASTELO BRANCO, Camilo – Os criticos do Cancioneiro Alegre. Porto-Braga: Livraria Internacional de Ernesto Chardron – Editor, 1879. 154 O Sorvete. N.º 52, 2.º Ano, 1.ª Série. Porto: 1 de Junho de 1879 (Sergio de Castro) (pp. 27-30); O Sorvete. N.º 54, 2.º Ano, 1.ª Série. Porto: 15 de Junho de 1879 (caricatura de Camilo alusiva aos críticos) (capa); O Sorvete. N.º 56, 2.º Ano, 1.ª Série. Porto: 29 de Junho de 1879 (Carlos Lobo D’Avila) (pp. 58-59); O Sorvete. N.º 60, 2.º Ano, 1.ª Série. Porto: 27 de Julho de 1879 (Marianno Pina) (Gaspar da Silva) (p. 94); O Sorvete. N.º 61, 2.º Ano, 1.ª Série: Porto: 3 de Agosto de 1879 (Arthur Barreiros) (p. 102). O «Sorvete», n’estes últimos números, teem-no abrilhantado alguns d’aquelles artigos em prosa, refulgentes e cortantes como o aço, que o Snr. Camilo Castello Branco vibra com pujança, entre nós inimitável, no campo da polemica – cf. O Primeiro de Janeiro. 11.º Ano, n.º 178. Porto: 5 de Agosto de 1879, p. 2, col.ª 1. 155 Que foi mencionado e/ou caricaturado por Sanhudo em inúmeras ocasiões: O Sorvete. N.º 22, 1.º Ano, 2.ª Série. Porto: 3 de Novembro de 1878 (p. 173) (depois do descarrilamento [do comboio às 4.50 h da tarde do dia 11/10/1878, na composição que seguia de Vila Nova de Famalicão para o Porto, onde Camilo seguia, icando ferido]); O Sorvete. N.º 27, 1.º Ano, 3.ª Série. Porto: 8 de Dezembro de 1878 (p. 228) (tradução de A Formosa Lusitania); O Sorvete. N.º 56, 2.º Ano, 1.ª Série. Porto: 29 de Junho de 187 (p. 59) (publicação do Eusébio Macário); O Sorvete. N.º 66, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 7 de Setembro de 1879 (p. 142) (Eusébio Macário); O Sorvete. N.º 84, 2.º Ano. Porto: 4 de Janeiro de 1880 (a propósito da sua pertença ao partido realista); O Sorvete. N.º 88, 2.º Ano. Porto: 1 de Fevereiro de 1880 (p. 318) (livro Camilo A snr.ª Rattazzi); O Sorvete. N.º 99, 3.º Ano. Porto: 18 de Abril de 1880 (capa) (a propósito de mais um duelo); O Sorvete. N.º 106, 3.º Ano. Porto: 6 de Junho de 1880 (capa); O Sorvete. N.º 133, 3.º Ano. Porto: 5 de Dezembro de 1880 (p. 578) (sobre publicação de A Corja); O Sorvete. N.º 134, 3.º Ano. Porto: 12 de Dezembro de 1880 (p. 587) (sobre publicação de A Corja); O Sorvete. N.º 135, 3.º Ano. Porto: 19 de Dezembro de 1880 (capa) (publicação de A Corja); O Sorvete. N.º 136, 3.º Ano. Porto: 25 de Dezembro de 1880 (p. 604) (typos do romance A Corja) (caricaturas de Sanhudo); O Sorvete. N.º 248, 6.º Ano. Porto: 11 de Fevereiro de 1883 (centrais) (Chardron edita A Brasileira de Prazins); O Sorvete. N.º 358, 8.º Ano. Porto: 15 de Março de 1885 (centrais) (celebra o aniversário natalício do grande autor – 16/3/1825); O Sorvete. N.º 366, 8.º Ano. Porto: 10 de Maio de 1885 (p. 147) (encómio ao livro Maria da Fonte); O Sorvete. N.º 373, 8.º Ano. Porto: 28 de Junho de 1885 (capa) (sobre a morte do autor e o surgimento do Visconde de Correia Botelho); O Sorvete. N.º 397, 8.º Ano. Porto: 20 de Dezembro de 1885 (p. 394) (alude à publicação dos Serões de São Miguel de Seide); O Sorvete. N.º 407, 9.º Ano. Porto: 28 de Fevereiro de 1886 (p. 42) (alude à chegada do terceiro volume dos Seroens de S. Miguel de Seide, encomia a rasgo o editor Costa Santos); O Sorvete. N.º 7, 12.º Ano. Porto: 8 de Junho de 1890 (capa, p. 2) (morte); O Sorvete. N.º 8, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 7 de Fevereiro de 1897 () (sobre uns desenhos que o jornal Popular de Lisboa atribui a Jorge Castelo Branco mas que segundo O Sorvete foram desenhados por Sanhudo a partir do livro de Camilo A Corja); O Sorvete. N.º 136, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: [18 de Março] de 1900 (p. 2) (publica uma poesia [de Outubro de 1850] inédita de Camilo Castelo Branco, dedicada à reeleita abadessa do mosteiro de S. Bento da Avé-Maria, D. Ana Delina d’Andrade). 156 CASTELO BRANCO, Camilo Os criticos do Cancioneiro Alegre. Porto-Braga: Livraria Internacional de Ernesto Chardron – Editor, 1879. 157 O Sorvete. N.º 52, 2.º Ano, 1.ª Série. Porto: 1 de Junho de 1879 (Sergio de Castro) (pp. 27-30). 158 O que no critério de Júlio César Machado era o melhor para se ser um bom observador, e que no seu entendimento faltou sempre ao seu bom amigo e ailhado Bordalo Pinheiro. Cf. PINHEIRO, Rafael 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 693 Bordalo – Album de Caricaturas – Flores Românticas: phrases e anexins da língua portuguesa. Com um prefácio por Júlio Cezar Machado. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira e Cª, 1876, pp. 28-29. 159 A exemplo: O Sorvete. n.º 260, 6.º ano, 6 de Maio de 1883 (im), em que executa correctas vistas do zimbório – a construir – e fachada do edifício da Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade. 160 (Marselha, 20 ou 26/2/1808-Valmondois, 10/2/1879). Gravurista francês, caricaturista, notável litógrafo, pintor e escultor, cujas obras oferecem muitos comentários sobre a vida social e política na França no século XIX. Um desenhista prolíico, que produziu mais de 500 pinturas, 4000 litograias, 1000 gravuras em madeira, 1000 desenhos, 100 esculturas. Ele foi, talvez, melhor conhecido pelas suas caricaturas de iguras políticas e sátiras sobre o comportamento de seus compatriotas embora, postumamente, o valor da sua pintura também tenha sido reconhecido. 161 O caricaturista Emmanuel Poiré dito Caran d’Ache (Moscovo, 6/11/1858-Paris, 26/2/1909). Caran d’Ache é uma tradução da palavra russa ‘karandash’ que signiica lápis e que provém, por sua vez da palavra turca ‘karadash’, que signiica pedra preta - usado para escrever sobre um ‘karatash’ que signiica pedra preta. A empresa suíça, Caran d’Ache, de material de desenho foi nomeada em sua honra. Chegou à França em 1877. A partir de 1886 ele publica os seus desenhos humorísticos, entre outras publicações, em: Le Chat Noir, Le Tout-Paris, La Vie Militaire, La Caricature, Le Journal, Le Courrier Français, Le Figaro, L’Illustration, La Revue Illustrée, La Chronique Parisienne. Em 1898-99 , Caran d’Ache também foi cofundador, editor, designer e animador do jornal ... Psst!, satírico semanal anti-Dreyfus. Nesta aventura editorial antissemita foi associado durante toda a sua duração (85 entregas) ao seu amigo Jean-Louis Forain , pintor, gravador e, como ele, um desenhador, mas de forma mais negra do que Caran d’Ache. Um de seus projetos mais famosos é o atalho que ele fez, 14 de Fevereiro de 1898, nas colunas do Le Figaro, uma disputa familiar sobre o caso Dreyfus para ilustrar a divisão profunda da sociedade francesa a este respeito, na viragem do século XIX para o XX – cf. TILLIER, Bertrand – Emmanuel Poiré, dit Caran d’Ache, in http://www. archivesdefrance.culture.gouv.fr/action-culturelle/celebrations-nationales/2009/arts/emmanuel-poire-dit-caran-d-ache (2012/01/24; 20.41h). 162 O primeiro periódico a ter cor de Bordalo foi (a capa, centrais e p. 8) O Antonio Maria de 1/1/1880 (mas adverte não o voltar a fazer, devido ao custo da cromolitograia). Apenas aparecerá cor, de novo, a partir de Janeiro de 1881. A partir daí fá-lo-á com alguma regularidade. Antes existiu somente cor no Psit!!! hebdomadario comico illustrado, publicado no Rio de Janeiro, mas limitando-se às capas do n.º 6, 1.º ano, 20 de Outubro de 1877 e n.º 7, 1.º ano, 27 de Outubro de 1877. Depois reaparecerá n’A Parodia. 163 O Snr... (n.º 42, 1.º ano, 4.ª série, 22 de Março de 1879, p. 342, ‘O Snr. Publico’; n.º 43, 1.º ano, 4.ª série, 30 de Março de 1879, pp. 350, 353, ‘O Snr. Cura’ (o Abade do Bonim, Padre Manuel Ferreira Coutinho de Azevedo (1872-1906). Galeria Comica (Reis e Reisetes) (n.º 58, 2.º ano, 1.ª série, 13 de Julho de 1879, p. 83, Luiz XIV; n.º 59, 2.º ano, 1.ª série, 20 de Julho 1879, p. 91, Luiz XIII; n.º 61, 2.º ano, 1.ª série, 3 de Agosto 1879, p. 106, Amadeu [Amadeu de Sabóia (1845-1890) – duque de Aosta e irmão da Rainha D. Maria Pia de Portugal, que aceitou o convite do general Prim para ocupar o trono de Espanha, tendo sido proclamado rei em 16/11/1870. Foi forçado a abdicar em Fevereiro de 1872, tendo regressado a Itália – cf. QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho – As Farpas – Crónica mensal da política, das letras e dos costumes. 2.ª ed. S. João do Estoril: Principia – Publicações Universitárias e Cientíicas, 2004, p. 613]. Galeria de Homens Célebres: (n.º 311, 7.º ano, 27 de Abril de 1884, capa) Biógrafo de A. F. da Costa Guimarães (António Ferreira da Costa Guimarães. Comerciante, fundador da Associação dos Proprietários do Porto...). Galeria de Homens Conhecidos: (n.º 368, 8.º ano, 24 de Maio de 1885, capa) Lopes da Dança (António de Oliveira Lopes (1853-1927). Cognome: Lopes da dança. Professor de dança). Retratos Femininos: (n.º 385, 8.º ano, 20 de Setembro de 1885, p. 303) Margarida de Navarra; (n.º 387, 8.º ano, 4 de Outubro de 1885, p. 319) Ninon de Lenclos. Typos das Ruas: (n.º 384, 8.º ano, 13 de Setembro de 1885, p. 291) ‘O Homem da Cosmorama’. Typos Celebres: (n.º 438, 8.º ano, 17 de Outubro de 1886, p. 7 e n.º 440, 8.º ano, 31 de Outubro de 1886, p. 8) ‘O Velhinha’. Peris a Giz – espelho onde o leitor pôde vêr-se a si ou ao seu semelhante: (n.º 23, 11.º ano, 2.ª série, 17 de Junho 694 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) de 1888, p. 3) ‘O Pretendente’; (n.º 24, 11.º ano, 2.ª série, 24 de Junho de 1888, p. 7) ‘O Pobre Diabo’ e ‘O Massador’; (n.º 25, 11.º ano, 2.ª série, 1 de Julho de 1888, p. 3) ‘O Pedante’. Typos: (n.º 26, 11.º ano, 2.ª série, 8 de Julho de 1888, p. 6) ‘O Merceeiro’; (n.º 27, 11.º ano, 2.ª série, 15 de Julho de 1888, p. 7) ‘O Sachrista’; (n.º 28, 11.º ano, 2.ª série, 22 de Julho de 1888, p. 7) ‘O Barbeiro’; (n.º 29, 11.º ano, 2.ª série, 29 de Julho de 1888, p. 3) ‘O Boticario’; (n.º 31, 11.º ano, 2.ª série, 12 de Agosto de 1888, p. 6) ‘O Galopim’; (n.º 33, 11.º ano, 2.ª série, 26 de Agosto de 1888, p. 6) ‘O Republicano’; (n.º 147, 15.º ano, 26 de Fevereiro de 1893, p. 6) ‘O Janota’ e ‘O Sachrista’; (n.º 149, 15.º ano, Porto, 12 de Março de 1893, p. 6) ‘O Usurario’. Typos do Porto: (n.º 141, 15.º ano, Porto, 15 de Janeiro de 1893, p. 3) Conselheiro Costa e Almeida [ António Ribeiro da Costa e Almeida (Viseu, 21/9/1828-27/10/1903). Morador na Rua do Laranjal, freguesia de Santo Ildefonso. Bacharel em direito, professor (habilitação superior) e reitor do Liceu Central do Porto, fundador em 1852, com Amorim Viana, Delim de Oliveira Maia e Arnaldo Gama da revista literária e ilosóica A Península. Em 29/3/1852, aquando do naufrágio do vapor Porto, à entrada da barra do Douro, tentou com Ricardo Browne, Delim Maria de Oliveira Maia, Arnaldo de Sousa Dantas da Gama e José de Azevedo Pereira da Silva salvar os náufragos e por isso foi agraciado com o grau de cavaleiro da Torre e Espada *. No Café Águia Douro (do qual era frequentador) se reunia o Clube Patriota, que fomentou em 1868 o motim da Janeirinha, composto por: Delim Maia, Camilo, António Luís Ferreira Girão, Faustino Xavier de Novais, Costa e Almeida, Arnaldo Gama, Amorim Viana... Deputado nas legislaturas de 1868-69 e 1869-70. Governador civil do Porto desde 1888 (cargo de que se demitiu), vereador da Câmara Municipal do Porto em 1890-91, vice-presidente em 1890-92 e presidente da Câmara Municipal do Porto em 1893-95. Cf. O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 6. Porto: Outubro 1946, p. 121, O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IV, n.º 10. Porto: Fevereiro 1949, p. 233(IL), O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XI, n.º 9. Porto: Janeiro 1956, p. 274(IL), O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XII, n.º 2. Porto: Junho 1956, p. 51, O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XII, n.º 4. Porto: Agosto 1956, p. 127, O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XII, n.º 9. Porto: Janeiro 1957, p. 267, O Tripeiro. 6.ª Série, Ano I, n.º 8. Porto: Agosto 1961, p. 232, O Tripeiro. 6.ª Série, Ano III, n.º 3. Porto: Março 1963, p. 89(IL); MARÇAL, Horácio – “Ainda os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 6. Porto: Junho 1964, p. 182; O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VIII, n.º 3. Porto: Março 1968, p. 90; O Tripeiro. 7.ª Série, (Série Nova), vol. X, Ano X, n.º 1. Porto: Janeiro 1991, p. 22(P); O Tripeiro. 7.ª Série, vol. XIII, Ano XIII, n.º 3/4. Porto: Março/Abril 1994, p. 89(IL), * CORREIA, Lívio – O vapor “Porto”. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e (coord.) – Actas do I Congresso O Porto Romântico. Porto: UCE-Porto, 2012, vol. II, p. 425 (grau da Torre e Espada); Charivari. N.º 43, 2.º Ano. Porto: 4 de Agosto de 1888, p. 337 (capa); CRUZ, Maria Antonieta – Os Burgueses do Porto na segunda Metade do século XIX. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida, 1999, p. 480, nota 2, 642. Tese de doutoramento em História Moderna e Contemporânea apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1994 ]; (n.º 142, 15.º ano, 22 de Janeiro de 1893, p. 6) Dr. Vasques de Mesquita; (n.º 144, 15.º ano, 5 de Fevereiro de 1893, p. 3) Emygdio de Oliveira. 164 DUARTE (DE CIFANTES E LEÃO), Rui Manuel da Costa Fiadeiro – Artes e letras no humorismo portuense dos inais do séc. XIX e início do séc. XX. Porto: [s. n.], 2007, pp. 92-103, 146-149. Dissertação de mestrado em História da Arte em Portugal apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 4 vols. 165 Galeria do Sorvete. Porto: Tipograia Ocidental – Litograia Portuguesa, 1879 e 1881. Alt. 33-34 cm -Larg. 23-24 cm. Preço – 40 reis avulso, 30 reis por assinatura [ cf. O Sorvete. N.º61, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 3 de Agosto de 1879 ] 60 reis cada fascículo [ cf. O Sorvete. N.º 68, 2.º Ano. Porto: 21 de Setembro de 1879 ]. 166 Aparece em ARANHA, Brito; [et al.] – Le Portugal: géographique, etnologique, administratif, économique, littéraire, artistique, historique, politique, colonial, etc. Paris: Librairie Larousse, D.L. 1900, p. 357 e SOUSA, Osvaldo Macedo de – História da arte da caricatura de imprensa em Portugal, Lisboa: Humorgrafe /S.E.C.S., 1998, vol. I (1847-1910), p. 202, referenciada como sendo uma obra, por este autor, editada em 1878, mas na verdade será mais crível ser o subtítulo da Galeria do Sorvete, como podemos constatar pela leitura d’O Sorvete. N.º 63, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 17 de Agosto, de 1879, pp. 118, 121, Galeria do Sorvete Album de Caricaturas dos Homens mais Celebres d’esta Invicta Cidade, etc, etc e O Sorvete. N.º 66, 2.º Ano, 2.ª Série. Porto: 7 de Setembro de 1879 (pp. Centrais, em rodapé), inserto num dos avisos de saída da Galeria do Sorvete, onde se pode ler: [...] Galeria do Sorvete, Album de caricaturas dos homens mais notáveis d’esta cidade [...]. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 695 O próprio Catalogo de Philosophia da Biblioteca Publica Municipal do Porto dividido em duas partes contendo a 1.ª a Historia da Philosophia a 2.ª a Philosophia com índices alfabéticos dos nomes dos auctores, traductores e comentadores, e das designações alatinadas dos logares d’impressão e sua traducção nos nomes por que modernamente são conhecidos. Porto: Imprensa Comercial, 1883, p. 70, na entrada concernente a’O Sorvete airma: N. B. Tem anexo ao 1.º anno Galeria do Sorvete, álbum de caricaturas de homens mais celebres do Porto e seus arredores – n.os 1 a 5 (referia-se, está claro, à primeira leva da Galeria do Sorvete, de 1879). 167 Nas suas três séries verá a luz de edição em 1880-1883/1885 e 1902. 168 Adriano de Abreu Cardoso Machado (Monção, 7/7/1829-Porto, 25/5/1891); Bento de Freitas Soares (Vila do Conde, Rua da Igreja, 10/8/1822- Vila do Conde, Rua da Igreja, 13/2/1887, sucumbiu à doença e foi sepulto em jazigo da família no cemitério público); 2.º conde de Samodães (Cambade, concelho de Vila Nova de Gaia, 16/7/1828, quando seu pai se encontrava no exílio e sua mãe homiziada a im de escapar às perseguições miguelistas-6/10/1918, no seu palacete na Rua da Porta do Sol); Augusto de Carvalho Vasques de Mesquita (Porto,1839-Porto,1906); Delim Maria de Oliveira Maia (Porto, 8/9/1829-Porto, Rua de Santa Catarina, 1h e pouco da tarde, 1/1/1887, na noite de 2/1/1887 teve os responsos fúnebres na Igreja da Trindade, decorada por António Patrício e presididos pelo Abade de Sto. Ildefonso. Foi sepulto no Cemitério de Agramonte). 169 Domingos Ciríaco de Cardoso (Porto, Largo da Batalha, 8/8/1846-Lisboa, 11h, sexta-feira, 16/11/1900, vítima da tuberculose); Augusto Marques Pinto (Porto, 16/10/1838-Porto, 19/3/1888, sucumbiu ao tifo agravado com tuberculose cerebral. Cemitério de Agramonte, repousa no jazigo do irmão Amândio Marques Pinto); José Augusto Correia de Barros (Porto, Outubro de 1835-1908); Emília Eduarda (Lisboa, 1/1/1845-Porto, 29/2/1908. Uma congestão pulmonar fulminou-a no palco do Salão da Porta do Sol. Está sepulta no Cemitério de Agramonte, sec. 25 - jaz. 577, em jazigo que os portuenses lhe mandaram erigir e encimado por busto da actriz, da lavra de Teixeira Lopes); Júlio Soller (Lisboa, 14/11/1843-Lisboa, 21/12/1908); Joaquim de Almeida (Aldegalega, hoje Montijo, 5/10/1838-Lisboa, 22/7/1921); António Soares dos Reis (Gaia, Mafamude, 14/10/1847- Gaia, 16/2/1889, suicidou-se); Emília das Neves e Sousa (Benica, 5/8/1820-Lisboa, 19/7/1883). 170 Como se lê n’O Sorvete. N.º 317, 7.º Ano. Porto: 8 de Junho de 1884, im (saiu hoje, 1.º vol.). 171 Almanach do Sorvete – Procissão de Celebridades Portuenses. 1.º Vol. Porto: Litograia Portuguesa, 1884. 240 páginas. Alt. 15 cm-Larg. 9,5 cm. 172 De ressalvar a particular afeição que se denota aqui pela classe dos artistas, sobretudo do teatro, que em maior quantidade enxameiam este opúsculo. Os políticos são poucos. Os companheiros de imprensa, alguns. Não será de estranhar esse facto, uma vez que, pelos idos de Oitocentos, o Porto tinha não só uma fervilhante actividade cultural, como identicamente de ‘palco cénico’, ao ponto de um actor, ou actriz, quando era legitimado pelo público portuense, nos seus inúmeros teatros, sentir que o corolário da sua carreira estava garantido. Mesmo actores e actrizes do palco ou do canto lírico internacionais viam nos palcos da Invicta como que um barómetro ao reconhecimento das suas aptidões. 173 Camilo; Dr. Henrique Carlos de Miranda; Dr. Alves Mendes; Luís Botelho; Firmino Pereira, Borges de Avelar; Fernando Reis; Oliveira Ramos; Matos Angra; Alves da Veiga; Mendes de Araújo; Dr. Júlio de Matos; Amorim Viana; João de Deus; Júlio Gama; conde de Samodães (2.º); Padre Patrício; Santos Cardoso; Rodrigues de Freitas; Cardeal D. Américo; Correia de Barros; actor Gama; actor Cardoso; actor Santos; actor Álvaro; actor/tenor Wanimelli; actor Soller; actor Dias; actor José Ricardo; actriz Amélia Garraio; actriz Amélia Virgínia; actriz Belmira Sanguinetti; actriz Emília Eduarda; actriz Aurélia dos Santos; actor Amaral; Sanguinetti; actor Foito; maestrino Frederico; Magalhães das Hortas; Ciríaco de Cardoso; Alfredo Carvalhaes; Soares dos Reis; Francisco José Resende; Tadeu Furtado; actriz Tomásia Veloso; Ernesto Pires; Guilherme Gomes Fernandes; Vasco Leão; Vasques de Mesquita; Dr. Francisco de Paula da Silveira Pinto; José Duarte de Oliveira Júnior; Emídio de Oliveira; Augusto Garraio; Paulo Barbosa; Dr. Ricardo Gomes Costa; António Cruz. 174 Segue o modelo instituído pela Galeria do Sorvete de caricatura seguida de esboço biográico. 175 Almanak do Sorvete para 1888 por Sebastião Sanhudo. Porto: Litograia Portuguesa, 1888. Preço 200 réis. – cf. O Sorvete. N.º 1, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 1 de Janeiro de 1888 (im) (faz anúncio à saída – sahiu e está à venda… – do Almanaque do Sorvete para o ano de 1888, com o custo de 200 réis, com a descrição da 696 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) viagem da família Real ao norte do país em caricaturas); O Sorvete. N.º 7, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 12 de Fevereiro de 1888 (faz anúncio à saída do Almanaque do Sorvete para o ano de 1888, com o custo de 200 réis, com a descripção da viagem da família real ao norte do paíz, em caricaturas) e O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 2. Porto: Junho de 1946, p. 45. 176 Pontos nos ii. Ano III, n.º 138. Lisboa: 29 de Dezembro de 1887, p. 2 (410), acusa a recepção desta publicação e diz: recebemos este elegante livro, um dos mais recomendaveis no seu género, pela forma a um tempo inofensiva e beliscante porque trata um sem numero de episodios de sensação, espirituosamente comentados pelo lapis jovial do nosso collega portuense. 177 Uma vez que esta se destinava ao ano de 1900, conforme se pode veriicar pelo publicidade a esta publicação, que se encontra desde O Sorvete. N.º 123, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 5 de Novembro de 1899 (em que airma a qualidade e a indisputável diferença deste Almanak. Diz também que irá publicar as caricaturas das iguras mais em destaque na sociedade portuense e ainda as armas de todas as cidades e villas de Portugal) até O Sorvete. N.º 134, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 18 de Fevereiro de 1900. Todo O Cosmorama é feito para o ano de 1900; apenas é actualizado com a inclusão de um utilíssimo calendário, para o ano de 1902, com informação diária dos santos de invocação respectivos, e acrescida de informação sobre os respectivos ciclos de observação das fases da Lua. Este calendário foi incluso aqui derivado ao atraso da publicação do almanaque. Mas sai também com o calendário do ano de 1900. 178 O Cosmorama – Almanach do Sorvete para 1902 por S. Sanhudo. Porto: Litograia Portuguesa, 1901. 130 páginas (sem paginação atribuída). Alt. 22 cm-Larg. 15,5 cm. Nome dado originalmente a uma espécie de diorama que continha uma sequência de vistas de vários países. Muito na ‘berra’, nos tempos idos de Oitocentos, estava esta descoberta pelos segredos revelados pela fecunda arqueologia, também pelo sentido da viagem e deslumbre pelo ignoto e longínquo, e consequentemente o embevecimento por determinadas técnicas que izessem maravilhar os homens com imagens de paragens longínquas. Neste gosto e fascínio se inscreve também o cinematógrafo e a sua capacidade de colocar imagens em movimento. 179 Psit!!! hebdomadario comico illustrado. N.º 7, 1.º ano. Rio de Janeiro: 27 de Outubro de 1877, com desdobrável anexo no im do periódico inserindo um desenho de: De Filippe. 180 A Parodia. 8.º Ano, n.º 188. Lisboa: 20 de Abril de 1907, pp. 4-5 (desenho de Manuel Gustavo ‘d’aprés’ Caran d’Ache). 181 BESSA, Alberto – “Caricatura e desenho humorístico”, in Civilização – grande magazine mensal. 4.º Ano, n.º 87. Porto: Julho de 1931, p. 22. 182 Piparotes – Semanario politico de caricaturas. Porto: Typographia Occidental. Piparotes. N.º 1, 1.º Ano. Porto: 6 de Janeiro de 1889 a Piparotes. N.º 7, 1.º Ano. Porto: 17 de Fevereiro de 1889. 2 folhas (cor-de-rosa, expressamente fabricado para esta publicação – como se pode ler nos n.os d’O Sorvete apontados, que fazem anúncio de transição, daquele para este periódico) de texto a 4 colunas. Alt. 46,5-47 cm-Larg. 32,5-33 cm. Caricaturas nas páginas centrais. Custo de 20 réis. 183 Na mais longa interrupção do periódico, que durou um ano e quatro semanas. 184 Faz advertência do desaparecimento d’O Sorvete e deixando como ‘herdeiro’ Piparotes – cf. O Sorvete. N.º 47, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 16 de Dezembro, 1888 (p. 3) (despedida d’O Sorvete, que anuncia o seu im para o dia 31 de Dezembro, anúncio da nova publicação Piparotes); O Sorvete. N.º 48, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 23 de Dezembro 1888 (capa, p. 2, centrais, p. 7, im) (despedida d’O Sorvete aos seus leitores, anúncio da nova publicação Piparotes) e se pode, também, ver no Piparotes. N.º 1, 1.º ano. Porto: 6 de Janeiro de 1889 (capa), até ao Piparotes. N.º 5, 1.º ano. Porto: 3 de Fevereiro de 1889 (capa). 185 Piparotes. N.º 1, 1.º Ano. Porto: 6 de Janeiro de 1889 a Piparotes. N.º 7, 1.º Ano. Porto: 17 de Fevereiro de 1889 (sete números). 186 Piparotes. N.o 1, 1.º Ano. Porto: 6 de Janeiro de 1889 a Piparotes. N.º 7, 1.º Ano. Porto: 17 de Fevereiro de 1889. Ver imagem do cabeçalho e das efígies a negro no vol. II, p. 493, na minha Tese de doutoramento. 187 O Sorvete. N.º 1, 12.º Ano. Porto: 19 de Janeiro de 1890 (pp. 2, 7) (sobre a reaparição d’O Sorvete, os agradecimentos aos colegas da imprensa que continuaram a enviar os seus periódicos para a redacção e às companhias teatrais que só depois de muito instadas cancelaram os lugares reservados, explicação sobre o atraso [ segundo informa este periódico estava anunciado para reaparecer no dia 5 de Janeiro ] do reaparecimento – que se deveu ao facto de o papel importado do estrangeiro não cumprir nem os prazos 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 697 de entrega nem os requisitos e ter sido a direcção forçada a mandar fabricar papel de qualidade de lavra nacional). 188 Desenho litografado passado em nome do Dr. José Carlos Lopes (1838- ), como sócio protector desta Associação, diploma n.º 303. Professor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, médico, poeta e biblióilo distinto. Irmão de Pedro Ivo [pseudónimo de Carlos Lopes (Porto, 15/1/1842-Porto, 4/10/1906). Irmão de José Carlos Lopes. Escritor e poeta], pai de José Carlos Lopes, ilho (advogado, poeta). – cf. O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IV, n.º 1. Porto: Maio 1948, p. 11 (IL-SANHUDO – diploma dos Bombeiros Voluntários do Porto) e BRUNO, [José Pereira de Sampaio] – Portuenses illustres. Porto: Magalhães & Moniz, 1907, tomo II, pp. 298-299. 189 Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto (fundada por Guilherme Gomes Fernandes em 1874. Quase todo o material desta foi pago à sua custa. Mais tarde saiu desta e fundou o chamado Corpo de Salvação Pública, os Bombeiros Municipais) – cf. O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XI, n.º 3. Porto: Julho 1955, p. 84 (IL) e O Sorvete. N.º 86, 2.º Ano. Porto: 18 de Janeiro de 1880, (p. 305) (sarau musical e dramático em benefício da...); O Sorvete. N.º 276, 6.º Ano. Porto: 26 de Agosto de 1883, (capa, p. 692) (festa do seu 8º aniversário); O Sorvete. N.º 277, 6.º Ano. Porto: 2 de Setembro de 1883, (centrais) (festa do 8º aniversário); O Sorvete. N.º 314, 7.º Ano. Porto: 18 de Maio de 1884, (im) (sarau equestre e gymnastico pelo Circo Olympico do Palacio de Cristal em favor desta); O Sorvete. N.º 318, 7.º Ano. Porto: 15 de Junho de 1884, (p. 191, im) (sucesso do sarau); O Sorvete. N.º 319, 7.º Ano. Porto: 22 de Junho de 1884, (p. 195) (sobre os saraus passados); O Sorvete. N.º 378, 8.º Ano. Porto: 2 de Agosto de 1885, (im) (festa no Palácio); O Sorvete. N.º 37, 12.º Ano. Porto: 4 de Janeiro de 1891, (im) (festa dos bombeiros voluntários do Porto); O Sorvete. N.º 164, 15.º Ano. Porto: 25 de Junho de 1893, (centrais) (os Bombeiros municipais do Porto voltam do Congresso de Londres com a medalha de superioridade); O Sorvete. N.º 223, 16.º Ano. Porto: 12 de Agosto de 1894, (im) (premiados no torneio de Lyon); O Sorvete. N.º 122, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 29 de Outubro de 1899, (centrais) (agrade a estes a limpeza que estes fazem na cidade a propósito da... da...[ peste]); O Sorvete. N.º 141, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 29 de Abril de 1900, (p. 2) (sobre duas conferências proferidas a propósito da cura desta maleita, uma na Associação de Bombeiros Voluntários outra no Centro Comercial, feitas pelos médicos Arantes Pereira e Júlio Cardoso – airma o redactor que de palavras e conclusões (ademais em nada novas) já todos estão fartos, mas medidas conclusivas e efectivas...nada); O Sorvete. N.º 157, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto; 26 de Agosto de 1900, (capa) (bombeiros portuenses dirigidos por G. G. Fernandes voltam triunfadores do torneio em França [em Vincennes]). 190 Les Luziades travesties parodie en vers burlesques, grotesques et sérieux. Voyage maritime et pédestre du grrrand portugais Vasco da Gama, por J. R. M. Scarron II – Porto : J. [Jacques] R. [Robert] Mesnier, éditeur. Porto: Typ. de A. J. da Silva Teixeira, 1883. Vd., pequeno apontamento sobre esta obra em: BOTELHO, Luiz – Farrapos: jornal de um impressionista. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz, Editores, 1892, pp. 204-206. 191 O Brinde. Lisboa: Typ. Mattos Moreira, 1885 (N.º único). Preço de 60 réis, constituído por quatro páginas, numeradas, a duas colunas, a preto e branco. 192 Colaboraram, literariamente, nesta publicação nomes cimeiros das letras nacionais: José de Sousa Monteiro, Argus Júnior (poema), J. da C. Talhadas (texto e poema), Guiomar Torresão, Bulhão Pato, Augusto Ribeiro, Manuel F. F. Mendes (poema), António Castanheira, João de Deus (poema), Augusto F. A. Peixoto, A. Batalha Reis, júlio Rocha, J. Inácio de Araújo. Mariano de Jesus informa no im (p. 4) que a receita deste número único servirá para cobrir as despesas de uma récita, a realizar no próximo 18 de Janeiro n’um dos melhores teatros particulares de Lisboa e a receita dessa récita reverterá, a favor dos pescadores da Costa da Caparica. Informa ainda mais: que não são marcados preços aos bilhetes, depreendemos pois que cada um daria o que entendesse por bem, num claro gesto de apelo à generosidade dos espectadores. 193 (Milão, Sant’Alessandro, 22 /11/1863- Porto, Paranhos, 15/4/1930). Filha de D. Frederico de Sousa Holstein, nascida em Milão, seria, possivelmente, parente do Duque de Palmela, ainda que nos livros de genealogia da nobreza não exista qualquer referência a ela ou ao seu progenitor. Em 30/8/1888, data em que apresentou a candidatura ao lugar de professora dos Liceus Secundários Femininos, sendo uma das primeiras candidatas, declarou já residir no Porto há 11 anos. Na sua carta de apresentação, indica que frequentou o Liceu do Porto, onde se submeteu a exames, tendo obtido as classiicações de Bom e 698 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Distinto, e que lecionava as línguas portuguesa e francesa num estabelecimento de instrução primária e secundária desde há cinco anos. Ana de Sousa Holstein candidatou-se aos lugares de docente das disciplinas de Português, Literatura, Francês, Pedagogia e Higiene ou Economia Doméstica no futuro Liceu Feminino do Porto. Uma vez que o processo de criação dos Liceus estagnou, autorizou o pai a retirar os documentos anexos à candidatura que se encontrava na Direcção Geral de Instrução Pública, os quais foram devolvidos a 4/12/1893 a D. Frederico de Sousa Holstein. No Anuário Comercial de 1892 para 1893 aparece referência a Ana de Sousa Holstein que, entretanto, teria casado, pois o último nome é agora Mendonça. Era nessa altura diretora do colégio Luso-Italiano, sito na Rua do Bonjardim, 503-513, no Porto, em parceria com D. Raquel de Sousa Holstein. No entanto, no Anuário de 1894 e subsequentes, deixa de haver qualquer referência quer ao colégio quer a Ana Holstein. ESTEVES, João; CASTRO, Zila Maria Osório (dir.); ABREU, Ilda Maria Assunção e Silva Soares de; STONE, Maria Emília Triste Amoedo da Câmara (coord.) – Feminae: dicionário contemporâneo. Lisboa: Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, 2013, p. 91, col.as 1-2. 194 BOAVENTURA, Manuel de – “Camilo?!... O inimigo!...”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VIII, n.º 2. Porto: Fevereiro 1968, p. 39 (IL-SANHUDO) e O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VIII, n.º 2. Porto: Fevereiro 1968, p. 47. 195 Porto-Andaluzia: a imprensa portuense aos povos de Andaluzia. Porto: Lithographia Portuguesa, Imprensa da “Folha da Tarde” de Ferreira de Brito, 1885 (N.º único, 1 de Fevereiro de 1885). 196 Deu conta, ainda, desta catástrofe, nos: O Sorvete. N.º 351, 8.º Ano. Porto: 25 de Janeiro de 1885 (centrais) (Andaluzia, nossa irmã – total devastação, pelos recentes abalos de terra) e O Sorvete. N.º 355, 8.º Ano. Porto: 22 de Fevereiro de 1885 (p. 63) (festa no Palácio em favor das vítimas na Andaluzia). 197 Nesta publicação, de oito páginas a três colunas, participaram literariamente: Teóilo Braga (com um verso logo no frontispício do aperiódico), Manuel M. [Maria] Rodrigues (d’O Commercio do Porto), [João de] Oliveira Ramos (d’O Primeiro de Janeiro), Alfredo Campos (poesia; correspondente do Jornal da Manhã), Firmino Pereira (do Commercio Portuguez), Jaime Filinto (poesia; da Folha Nova), Sousa Viterbo (do Jornal da Manhã), João Chagas (d’O Primeiro de Janeiro), C. Sequeira (redactor do Exército Português, colaborador do Jornal da Manhã), Adolfo Pimentel (do Jornal da Manhã), Paio Peres (poesia; da Folha Nova), Padre Guilherme Dias (da Reforma), Guilherme G. [Gomes] Fernandes (do Bombeiro Portuguez), Guedes de Oliveira (poesia; da Discussão), Joaquim d’Azuaga (correspondente e colaborador da Folha da Tarde), Padre F. [Francisco] J. [José] Patrício (do Commercio Portuguez), Aníbal Morais (da Folha Nova), Xavier de Carvalho (poesia; colaborador da Folha da Tarde), Padre Artur Brandão (da Voz do Christão), Alberto Bessa (da Discussão), Duarte de Oliveira Júnior (do Jornal de Horticultura Pratica), Heliodoro Salgado (da Democracia Commercial), C. Mendes (poesia; colaborador do Commercio Portuguez), Manuel de Moura (poesia; da Folha da Tarde), Olivia Telles da Silva e Menezes (do Commercio Portuguez), João Saraiva (poesia; da Folha Nova), Guiomar Torrezão (da Folha da Tarde), Ferreira Mendes (do Jornal da Manhã), José Caldas (da Actualidade), Eduardo Lopes (da Lucta), Borges d’Avelar (do Commercio Portuguez), Sá de Albergaria (do Dez de Março), Emídio de Oliveira (da Folha Nova), Hamilton de Araújo (poesia; da Folha Nova), Castro Neves (da Lucta), António d’Almeida Porto, Júnior (poesia; da Folha da Tarde), António Cruz (poesia; do Jornal da Manhã), F. Oliveira (da Folha da Tarde), Trindade Coelho (do Jornal da Manhã), Diogo Souto (poesia), E. A. Gonçalves (d’O Primeiro de Janeiro), Gualdino de Campos (texto e poesia; do Jornal da Manhã) e Ferreira de Brito (da Folha da Tarde). Eclética colaboração literária, como se pode veriicar, em que tanta gente de renome não faltou à chamada para esta publicação ilantrópica. 198 É preciso não descurar que os jornalistas pertenciam à época ao grupo da burguesia e, face aos mais pobres estes homens assumiam-se como beneméritos, relectindo solidariedade e necessidade de apaziguar os possíveis conlitos sociais – cf. CRUZ, Maria Antonieta – Os Burgueses do Porto, na segunda Metade do século XIX. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida, 1999, p. 500. 199 PEREIRA, Maria da Conceição Meireles – “Caridade Versus Filantropia – Sentimento e Ideologia A Propósito dos Terramotos da Andaluzia (1885)”, in Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, pp. 829-841. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, p. 835. 200 Portugal-Hespanha: a beneicio das victimas dos terramotos de Granada: publicação promovida por um grupo 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 699 de alumnos da Academia de Bellas Artes do Porto. Porto: Litograia Portuguesa a vapor, Tipograia Ocidental, 1885 (N. único, Março de 1885). Preço 200 réis. 201 Colaboraram artisticamente: A. Granate (cabeça do jornal), J. A. Ribeiro (alegoria, na capa), Soares dos Reis (o desamparado, desenho de Tomás Costa), Marques de Oliveira (costume dos arrabaldes do Porto), Silva Porto (estudo), Bordalo Pinheiro (reminiscências de Granada), Sebastião Sanhudo (retrato de João António Correia), José Nogueira (lovelace), José Vasques (dois amigos), Torquato Pinheiro (paisagem das Devesas), Marques Guimarães (juízo de Salomão, esboceto), J. Costa (estudo), C. Rocha (Clarisse), A. Silva (estudo), Teixeira Lopes (S. Sebastião), Francisco M. O. Carvalho (projecto de monumento alusivo ás vítimas dos terramotos), Francisco José Rezende (a caridade triunfando do ódio), Tomaz Costa (costume d’Ovar), Rodrigo Soares (um político), Alberto Nunes (estudo), Adolfo Nunes (estudo) e António Molarinho (cabeça d’expressão). A nível literário colaboraram: conde de Samodães, Tadeu Maria de Almeida Furtado, João Penha, Alves Mendes, Alexandre Braga, António Feijó, J. Simões Dias, J. Alves Mateus, J d’Oliveira Ramos, Trindade Coelho, Pereira Caldas, Emídio de Oliveira, Cunha Viana, Guerra Junqueiro, Jaime Filinto, Carlos Braga, Borges de Avelar, Gualdino de Campos, Til (Francisco Carrelhas), visconde de Pindela, Joaquim de Araújo, António Molarinho, Mendes de Araújo, (José Sampaio) Bruno, Júlio César Machado, Padre Moura, João Pinheiro Chagas, João Saraiva, Hamilton de Araújo, António Nobre, Xavier de Carvalho, Queiroz Veloso, Júlio de Mascarenhas, Alfredo Campos, M. de Carvalho, Oliveira Mascarenhas, Amador de Morais, Eduardo Freitas, Eurico, Santos Cardoso, visconde de Benalcanfor, Silva Lisboa, Adolfo d’Artayett, Estevão Torres, padre Patrício, Alves da Veiga, Bento Barroso e B. V. Sena Freitas. 202 O Andaluz – publicado pelos alumnos do Collegio de S. Carlos em favor das victimas dos terremotos d’Andaluzia. Porto: Typ. da Discussão, [s. d.] [1885?]. 203 (1883) na Rua da Picaria. De Leopoldo Cirne. Sucede esta casa à Nacional. Publica em 1884 a revista A Arte Photographica, uma das mais importantes de inais do século. 204 Colaboraram a nível literário: Borges de Avelar (Professor da Cadeira de Inglez), Alfredo Maia (poesia), Joaquim Ferreira Moutinho, Alexandre Gomes (aluno), Manuel M. Rodrigues, Hamilton de Araújo (poesia), Francisco de Faro e Oliveira (professor da cadeira de litteratura), Jacob Bensabat (Professor da Cadeira de Inglez), A., F., Francisco Pina Vaz, J. R. Ferreira da Silva, Mucio Carlos, Guedes de Oliveira (poesia), T. de Faria (Professor da Cadeira de Desenho), António Vitorino da Mota (Professor da Cadeira de Introducção), Estevão Torres, Emídio de Oliveira, Silva Dias (Professor da Cadeira de Desenho), Henrique Marinho (poesia), Trindade Coelho, Eugénio Teixeira (aluno), J. Leite de Vasconcelos (poesia), F. A. de Carvalho Lamas, A., Silva Matos, A. Rodrigues Monteiro (aluno), Raposo Botelho (Professor da Cadeira de Geometria), João Saraiva (um texto e um poema), Jaime Filinto (poesia), Augusto Luso (Professor da Cadeira de Geographia), Joaquim Baptista Alves de Lemos, Sá de Albergaria, Raul Brandão (aluno), José Agostinho de Oliveira, Tybalt (poesia), José Saraiva (aluno), Roberto Negro (poesia) e Fernando Moutinho (aluno). 205 O Sorvete. N.º 404, 9.º Ano. Porto: 7 de Fevereiro de 1886. 206 De oito páginas a duas colunas. 207 O Phantasma. Porto: Imprensa Civilização, 1892, capa, [p. 3, col.ª 2; p. 6, col.as 1 e 2]. (Número especial de Fevereiro). O Phantasma, o primeiro periódico humorístico de Ponte de Lima, foi publicado entre 1892 e 1901. Proprietário e ilustrador Alfredo Mâncio, com a colaboração de Sebastião Sanhudo. Ano 1, N.º 1 (10 de Janeiro de 1892) – n.º 20 (18 de Março de 1895), teve um interregno de quase dois anos entre o n.º 8 (Setembro de 1892) e o n.º 9 (Agosto de 1894); n.os da 2.ª Série, n.º 21 (20 de Setembro de 1901). Alfredo A. B. Botelho (editor). Ponte de Lima: Abílio de Abreu Malheiro (editor), 1894-1895. 22 n.os: il.; 34 cm. Preço 40 réis. Mensal. Quinzenal a partir do n.º 9 (5 de Agosto de 1894). O n.º 21, e último, d’O Phantasma, teve lugar numa segunda série imperiódica. Este último número foi dedicado a Sebastião Sanhudo, seu amigo e artista colaborador nos seus periódicos. 208 Alfredo Augusto Bacelar Botelho Mâncio (Valença, Ganfei, 8/8/1868-Ponte de Lima, 24/12/1905). Poeta, jornalista, caricaturista e Escrivão de Direito na comarca de Ponte do Lima. Fundou, e ilustrou, os periódicos humorísticos ilustrados: O Phantasma (Ponte de Lima, 10/1/1892-20/9/1901); O Monoculo [Ponte de Lima, n.º 1 (único), 21/6/1896; publicado na Litograia Nacional de João Inácio da Cunha e Sousa, 700 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) irmão de Sanhudo – e Tipograia do Lima, em Ponte de Lima]; O Bohemio [Viana do Castelo – mas as suas caricaturas recaem sobre o quotidiano de Ponte de Lima; n.º 1 (e único), 1896]; Piparotes [Ponte de Lima, n.º 1, 24/6/1899-n.º 2 (último), 21/8/1899]. Dirigiu o periódico O Commercio. Semanário noticioso, litterário e defensor dos interesses locaes (Ponte de Lima), editado por Duarte B. da Costa entre Dezembro/1904-1906. O aperiódico Caridade [Valença do Minho, 2/7/1899 (Festa militar em Julho de 1899)] é atribuído a este autor. Considerava-se discípulo de Sebastião Sanhudo – cf. http://gib.cm-viana-castelo. pt/documentos/20100331122655.pdf (2013/10/1; 2.25h) e http://gib.cm-viana-castelo.pt/documentos/20080515152553. pdf; pp. 37, 47 (nota 30) (2013/10/2; 13.36h). 209 MEIRA, Alberto – “Verbetes Biográicos – XIII – Sebastião Sanhudo”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 2. Porto: Junho de 1946, p. 45. 210 Que havia criado notícia n’O Commercio do Lima. 5.º Ano, n.º 249. Ponte de Lima: 1 de Setembro de 1880, p. 3, col.ª 2 (epístola datada de 29 de Agosto). E que depois fará eco n’O Primeiro de Janeiro. 211 António Joaquim de Castro Feijó (Ponte de Lima, Rua de S.to António, 1/6/1859-Suécia, Estocolmo, 20/6/1917). Diplomata e ilustre poeta. Depois dos estudos preparatórios em Ponte de Lima e em Braga, em 1877 matriculou-se em Direito na Universidade de Coimbra, formação que concluiu em 1882. Terminado o curso, exerceu temporariamente a advocacia, mas depressa abandonou a proissão, para que não se sentia vocacionado, em favor da carreira diplomática. Em 1886, em concurso público, foi nomeado Cônsul, partindo para o Brasil, primeiro como Adido na Legação do Rio de Janeiro e depois como Adido de Portugal no Rio Grande do Sul, para onde parte a 5 de Novembro. Em 1888, foi colocado no Consulado de Pernambuco. Em 1891, partiu para Estocolmo, “cidade boreal”, onde é colocado como Cônsul Geral e Encarregado de Negócios interino, juntamente com o Ministro de Portugal, visconde de Soto Maior. Em 1900, foi nomeado Cônsul Geral e Encarregado de Negócios em Estocolmo e em Copenhaga, na Dinamarca. Em 1906, apresentou credenciais como Ministro Plenipotenciário junto da Corte da Noruega. São inúmeros, aliás, os ditos graciosos e as situações anedóticas protagonizadas pelo poeta e diplomata limiano, homem divertido, de convívio desejado, repetidamente alcunhado de “OPÍPARO FEIJÓ”, por Guerra Junqueiro, Eça de Queiroz e outros amigos. A mulher de Eça, ademais, preocupada com a saúde valetudinária do marido, seriava as cartas deste pois considerava que ele desmandava o marido, e outros amigos, para excessos gastronómicos. Relacionou-se com os espíritos mais esclarecidos do seu tempo, dentro e fora da literatura – 1.º visconde de Soto Maior (António da Cunha de Soto Maior Gomes Ribeiro de Azevedo e Melo, igura imensamente notável, seu íntimo amigo e embaixador em Estocolmo de 1856 a 1894), Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, António Cândido, visconde de Pindela, conde de Arnoso, conde de Sabugosa, Luís de Magalhães, Manuel da Silva Gaio, João Penha, Luís de Castro Osório, Guerra Junqueiro, Jaime de Magalhães Lima, Trindade Coelho, Alberto de Oliveira, entre tantos outros. A nível regional, manteve relações próximas, ou mesmo de amizade, com o Padre Araújo Lima, João Gomes de Abreu de Lima, o conde de Bertiandos, Gaspar de Queiroz Ribeiro, o Conselheiro Vieira Lisboa, o Dr. António Inácio Pereira de Freitas, etc – cf. MARTINS, José Cândido de Oliveira – António Feijó (1859 - 1917), in http://www.cm-pontedelima.pt/igura.php?id=3 (2013/10/7; 17.45h) e http://www.embassyportugal.se/index.php?option=com_content&view=article&id=66%3Alista-dos-representantes-diplomaticos&catid=59%3Arelacoes-diplomaticas&Itemid=125&lang=pt (2013/10/7; 20.56h). Vd. FEIJÓ, António – Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004, 2 vols. 212 Longa, de sessenta páginas, carta escrita ao seu amigo João Gomes de Abreu de Lima, de Estocolmo a 11 Março de 1912 (embora apenas expedida por ele em 16 de Março; publicada pela primeira vez na Limiana, Revista Literária Pontelimense. N.º 1. Viana do Castelo: Julho de 1912, pp. 12-27), onde evoca a famosa história, dos idos de 1880, referente aos Carecas de Faldejães e que depois A. Campos Matos, num estudo recente, editou em livro: O Mistério da Estrada de Ponte do Lima, António Feijó e Eça de Queiroz. Lisboa: Livros Horizonte, 2001. Parte da história é de novo dada à estampa no Boletim Municipal. Ano 6, n.º 15. Ponte de Lima: Março de 2002, p. 21. Damos aqui apenas um bocadinho da história para que se perceba a trama urdida a que Feijó se refere na epístola: Um homem a cavalo vai pelas duas da manhã Ponte do Lima para Coura, pela estrada de Faldejães, depois de atravessada a velha ponte, quando é alertado pelos gritos de alguém que jaz na berma da estrada amarrado de pés e mãos, a pouca distância da casa das senhoras Gama (Casa da Ferreira). Tem o rosto desigurado e deita sangue pela boca. Parece moribundo. O cavaleiro apeia-se para socorrê-lo, mas subitamente 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 701 sente no pescoço um objecto metálico. Volta-se e vê uma mulher mascarada e completamente careca que lhe aponta ao peito um lorete. A seu lado igualmente um homem mascarado e careca, num francês de acento espanhol, ameaça-o com um revolver, de sofrer o mesmo destino do «traidor» que ali jaz, se tentar resistir. A um apito seu vários mascarados carecas arrastam o moribundo, desaparecendo na noite. 213 ORTIGÃO, Ramalho, QUEIROZ, Eça de – O mistério da estrada de Sintra. Lisboa: Livr. de A. M. Pereira, 1870 (primevamente editado no Diário de Notícias sobre a forma de cartas anónimas, entre 24 de Julho e 27 de Setembro de 1870. Foi em 2007 adaptado ao cinema por Jorge Paixão da Costa) 214 A quadrilha dos carecas [de Ponte do Lima], texto por Sá de Albergaria e caricaturas da lavra de Ignotus, e que à época tanto intrigou os leitores. Desenrola-se entre O Porto Comico – Semanario humoristico. N.º 11, 1.ª série. Porto: 11 de Setembro de 1880, pp. 84-85 e O Porto Comico – Semanario humoristico. N.º 27, Ano 2, 2.ª Série. Porto: 1 de Janeiro de 1881, p. 216. No n.º 28, Ano 2, 2.ª Série. Porto: 8 de Janeiro de 1881, aparece de novo, apenas em caricaturas na p. 219, com o título Novas aventuras dos carecas, e no im diz que continua, mas não mais terá continuidade. DUARTE (DE CIFANTES E LEÃO), Rui Manuel da Costa Fiadeiro – Artes e letras no humorismo portuense dos inais do séc. XIX e início do séc. XX. Porto: [s. n.], 2007, pp. 104; 168. Dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 4 vols. e “O escritor Sá de Albergaria”, in Gazeta de Noticias. Ano XLVI, n.º 335. Rio de Janeiro: 24 de Dezembro de 1921, p. 5, col.ª 6. Este periódico foi buscar o seu nome a uma rubrica (O Porto Comico: revista séria dos acontecimentos graves) que Sá de Albergaria tinha mantido d’O Sorvete. N.º 70, 2.º Ano. Porto: 5 de Outubro de 1879, p. 174, em diante. 215 Esta história fará ainda eco n’O Phantasma. N.º 13. Ponte do Lima: 7 de Outubro de 1894, p. 3, col.ª 2; O Commercio do Lima. 5.º Ano, n.º 251. Ponte de Lima: 15 de Setembro de 1880, p. 1, col.as 1-4; p. 3, col.as 3-4 (anúncio ao folhetim); O Commercio do Lima. 5.º Ano, n.º 252. Ponte de Lima: 22 de Setembro de 1880, p. 1, col.as 1-4; p. 2, col.as 1-4; p. 4, col.as 1-2 (anúncio ao folhetim); O Primeiro de Janeiro. 12.º Ano, n.º 211. Porto: 12 de Setembro de 1880, p. 1, col.ª 6 (entre outros) e O Sorvete. N.º 122, 3.º Ano. Porto: 19 de Setembro de 1880 (caricaturas de Bordalo, páginas centrais do periódico). 216 Além das caricaturas de Sanhudo, encontramos as de: L. Nog. (?) e Alfredo Mâncio (nas páginas centrais) e de A. A. Santos (?) (no im). Colaboraram literariamente nesta publicação: João de Morais, J. Reis, A. Freitas, Nascimento, Alfredo Rodrigues, C. Vale, Domingos Terroso (poesia), P. Lima, Augusto Forte Gatto (poesia alusiva à tal guerra das lores à qual se dirige o careca de Sanhudo), C. Pereira, A. J. J. Freitas (poesia), Policarpo da Gama (sobre a batalha das lores), Fiuza, C. Pereira (sobre a batalha das lores), João Gomes (poesia), A. Rodrigues, V. Rocha (poesia), C. Pereira (poesia) e Alfredo Mâncio. 217 Lagrimas e Conforto – a beneicio das victimas do mar em 27 de Fevereiro de 1892 / publicado pelos alumnos da Academia de Bellas Artes do Porto. Porto: Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, Lith. Portugueza a Vapor, 1892. Preço 100 réis. 218 Jornal de Notícias. 5.º Ano, n.º 72. Porto: 24 de Março de 1892, dá notícia desta publicação; FERREIRA, Augusto – “«Lágrimas e Conforto» – a solidariedade da arte”, in O Tripeiro. Série Nova, Ano I, n.º 3. Porto: Fevereiro de 1982, pp. 28-29 e MEIRA, Alberto – “Verbetes Biográicos – XIII – Sebastião Sanhudo”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano II, n.º 2. Porto: Junho de 1946, pp. 45-46. 219 Cf. Jornal de Notícias. 5.º Ano, n.º 51. Porto: 28 de Fevereiro de 1892 (que faz notícia de 1.ª página até ao n.º 58. Porto: 8 de Março de 1892) -> Jornal de Notícias. 5.º Ano, n.º 84. Porto: 7 de Abril de 1892 (nos números seguintes, ocasionalmente, dá pequenos acrescentos noticiosos); O Sorvete. N.º 98 [97], 14.º Ano. Porto: 6 de Março de 1892 (desdobrável) (naufrágios por causa do temporal); O Sorvete. N.º 110, 14.º Ano. Porto: 5 de Junho de 1892 (im) (entrega às vítimas do naufrágio da Afurada da lancha Porto, fruto duma subscrição levada a cabo pela redacção d’ O Comércio do Porto). 220 Neste número único, para o qual se conseguiram concitar uma vasta panóplia de esforços e de colaboradores, contribuíram Mota Ribeiro oferecendo todo o papel necessário; os directores da Empresa Literária e Tipográica, instalada na extinta rua de D. Pedro (Rua de Elias Garcia), que chamaram a si a responsabilidade da composição e impressão. Como colaboradores artísticos estiveram: Marques de Oliveira, Marques Guimarães, J. d’Almeida e Silva, Vitorino Ribeiro, João Augusto Ribeiro, Cândido da Cunha, José Rafael, Torcato Pinheiro, António Ribeiro, Sebastião Sanhudo, A. Nunes Santos, Joaquim Gonçalves, Artur Guimarães, Artur Carvalho, Teixeira Lopes Júnior, António T. Carneiro Júnior, 702 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Reis Maia, Vitorino Melo, Francisco Gouveia, Alice Grilo, Tomás Moura, Vasco Ferreira, Oliveira Passos, Carlos Leituga, Costa Alves. Entre os poetas, prosadores, oradores e cronistas contam-se: Alves Mendes, Moreira Freire, Rodrigues de Freitas, conde de Samodães, Bento Carqueja, Manuel M. Rodrigues, Bernardo Lucas, Álvaro Vasconcelos, Joaquim de Araújo, Manuel de Moura, João Saraiva, João Diniz, Oliveira Passos, Teixeira Basto, Arnaldo de Lacerda, Luís Botelho, Barnabá (Emídio de Oliveira), António Cruz, Alfredo Alves, Manuel Ramos, Mariares da Silva, Jaime Filinto, Gualdino de Campos, Henrique Marinho, Sousa Rocha, João Gouveia, Firmino Pereira, Marcos Guedes, Fernando de Magalhães, Diniz Neves, Acácio Trigueiro, Heitor Jorge e Carlos Silva. E embora não estivesse ixado no Porto, até João de Deus atendeu à chamada. O 2.º conde de Samodães que nessa altura desempenhava o cargo de inspector daquela Academia, além de colaborar nela, louvou o gesto dos jovens artistas dizendo: a mais nobre das paixões é a de fazer o bem, e quem se sente fadado para arte e a cultiva, forçosamente é dominado por ela. // […] // Acompanho-os nesta cruzada de bem fazer e gostosamente tomo nela um humilde lugar. 221 A Corja. Ano I, n.º 1. Lisboa: 29 de Junho de 1898 a A Corja. Ano I, n.º 17. Lisboa: 16 de Outubro de 1898. 222 SOUSA, Osvaldo Macedo de – História da arte da caricatura de imprensa em Portugal. Lisboa: Humorgrafe /S.E.C.S., 1998. Vol. I (1847-1910), p. 401. 223 A Corja. Ano I, n.º 1. Lisboa: 29 de Junho de 1898, p. 3; A Corja. Ano I, n.º 2. Lisboa: 3 de Julho de 1898, p. 3; A Corja. Ano I, n.º 3. Lisboa: 10 de Julho de 1898, p. 3; A Corja. Ano I, n.º 5. Lisboa: 31 de Julho de 1898, p. 3. Leal da Câmara diz, no n.º 4 (17 de Julho), p. 4, col.ª 2, que esta habitual rubrica não aparece pois chegou demasiado tarde do Porto. Manterá, contudo, no seu periódico, a rubrica Correspondência do Porto (agora, sobretudo, com texto, como havia já feito no n.º 7) até A Corja!. Ano I, n.º 10. Lisboa: 11 de Setembro de 1898, p. 4, col.ª 1. 224 Eduardo Augusto de Vasconcelos de Artayett (Porto,1866-Porto,1922). Poeta, dandy, director d’O Intermezzo, onde utilizou o pseudónimo de EURICO. Usou também o MEFISTO FÉLIX. Militou desde muito novo no Partido republicano Português. Era irmão de Adolfo, José e Alberto de Artayett. O Intermezzo foi colaborado por Júlio Brandão, Alberto de Oliveira, Rocha Peixoto, Joaquim de Lemos, D. João de Castro, Raúl Brandão, Joaquim de Araújo, Alexandre Braga, ilho, Vasco Ortigão de Sampaio, Camilo Pessanha, etc. Fez parte da irrequieta geração de António Nobre, João Saraiva, Hamilton de Araújo, Queiroz Veloso, Heliodoro Salgado, Eduardo Sequeira, Xavier de Carvalho e outros, que se reuniam no Restaurante Camanho, na Praça de D. Pedro. Colaborou no Bouquet literário, Pérola e muitos outros jornais literários, sendo elegante na prosa que no Intermezzo subscrevia com o pseudónimo ‘Eurico’, dando-lhe o título a Carteira do Idealista; os seus versos românticos são o relexo da bondade que o caracterizava. Era muito conhecido e estimado na cidade do Porto pela sua graça, citando-se ainda hoje muitos dos seus ditos de espírito. CORREIA, António Mendes; SÉRGIO, António; PEREIRA, António Armando Gonçalves; GODINHO, António Maria; ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins; FONSECA, João de Sousa (dirigida por...) – Ob. Cit.. Vol. III, p. 406, col. 1. 225 A Corja. Ano I, n.º 7. Lisboa: 28 de Agosto de 1898, p. 4, col. 1. 226 António José da Costa Couto Sá de Albergaria (São Miguel do Mato, Arouca, 15/8/1850-Porto, 22/12/1921-2?). Dedicou-se acima de tudo ao jornalismo e actividade literária, professor em diversos colégios, escritor publicou entre outros o romance em cinco volumes O Segredo do Eremita, dirigiu diversos jornais e foi redactor do Jornal de Notícias onde durante dez anos – 1890 a 1900 – manteve a popular e humorística secção De Raspão que viria a ser compilada em livro e editada em 1900, poetastro, humorista, publicou inúmeras peças de teatro, comediógrafo que com a sua opereta O Diabo Louro inaugurou em 1870 o Teatro de Carlos Alberto no Porto, fez parte da redacção de diversos periódicos humorísticos, foi director literário d’O SORVETE, tendo sido também redactor e proprietário d’O Porto Cómico. Usou o pseudónimo: GABRIEL DA RASA e JOÃO CHORINCA. 227 ALBERGARIA, Sá de – De raspão – Collecção de artigos humoristicos de critica politica, litteraria e de costumes publicados no “Jornal de Noticias de 1890 a 1900” – volume I. Porto: Mendonça Neves & C.ª edits., 1900. Sá de Albergaria foi redactor do Jornal de Noticias, onde durante dez anos – 1890 a 1900 – manteve a popular e humorística secção De Raspão que viria a ser compilada em livro e editada em 1900. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 703 228 O carácter leve e faceto destes breves textos que ele foi publicando durante uma década, revelam que o seu êxito derivou não só pela sua mestria de escritor e humorista, mas pela sua extreme capacidade de por a nota alegre do seu espirito inamente ironico na apreciação dos factos que a isso se prestem, como dele diz Aníbal Passos no prefácio da obra. Mas estes setenta e sete textos fazem em duzentas e cinquenta e uma páginas a análise galhofeira à política, aos acontecimentos, aos costumes, aos vícios, à relação entre as pessoas, às peculiaridades do país. DUARTE (DE CIFANTES E LEÃO), Rui Manuel da Costa Fiadeiro – Artes e letras no humorismo portuense dos inais do séc. XIX e início do séc. XX. Porto: [s. n.], 2007, p. 74. Dissertação de mestrado em História da Arte em Portugal apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 4 vols. 229 IDEM, Ibidem, p. 133. 230 A Illustração Moderna – Revista de Litteratura e Arte. 2.º Ano, n.º 11. Porto: Agosto de 1901 e A Illustração Moderna – Revista de Litteratura e Arte. 2.º Ano, n.º 12. Porto: Novembro de 1901 (cabeçalhos técnicos). 231 Obra esta que nos foi, gentilmente, cedida pelo senhor António Monteiro Novais (Sanhudo de Portocarreiro), que nos aiançou ser um inédito, e que ele possui na sua colecção. 232 De Sanhudo, em: O Sorvete. N.º 108, 3.º Ano. Porto: 13 de Junho de 1880 (capa); O Sorvete. N.º 128, 3.º Ano. Porto: 31 de Outubro de 1880 (capa, centrais); O Sorvete. N.º 136, 3.º Ano. Porto: 25 de Dezembro de 1880 (p. 606); O Sorvete. N.º 150, 4.º Ano. Porto: 27 de Março de 1881; Suplemento a’O Sorvete. N.º 186, 4.º Ano. Porto: 8 de Dezembro de 1881; O Sorvete. N.º 189, 4.º Ano, Porto: 25 de Dezembro 1881 (centrais); O Sorvete. N.º 194, 5.º Ano. Porto: 29 de Janeiro de 1882 (centrais); O Sorvete. N.º 221, 5.º Ano. Porto: 8 de Agosto de 1882 (desdobrável); O Sorvete. N.º 223, 5.º Ano. Porto: 20 de Agosto de 1882 (centrais); O Sorvete. N.º 321, 7.º Ano. Porto: 6 de Julho de 1884 (capa); Suplemento a’O Sorvete. N.º 348, 8.º Ano. Porto: 4 de Janeiro de 1885; O Sorvete. N.º 365, 8.º Ano. Porto: 3 de Maio de 1885 (p. 138 centrais); O Sorvete. N.º 371, 8.º Ano. Porto: 14 de Junho de 1885 (centrais); O Sorvete. N.º 430, 9.º Ano. Porto: 15 de Agosto de 1886 (desdobrável); O Sorvete. N.º 435, 9.º Ano. Porto: 26 de Setembro de 1886 (centrais); O Sorvete. N.º 17, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 22 de Abril de 1888 (p. 2, centrais, im). 233 DUARTE (DE CIFANTES E LEÃO), Rui Manuel da Costa Fiadeiro – Sebastião Sanhudo: Imprensa, Humor, Caricatura e o Porto da Segunda Metade do Século XIX à Primeira Metade do Século XX. Porto: [s. n.], 2015, p. 468. Tese de doutoramento em Estudos do Património apresentada na Universidade Católica Portuguesa. 2 vols. 234 Diário da Tarde. Porto: 19 de Agosto de 1901, p. 1. 235 Brasil-Portugal: revista quinzenal illustrada. Ano III, n.º 62. Lisboa: 16 de Agosto de 1901, p. 4, col. 2 e Brasil-Portugal: revista quinzenal illustrada. Ano III, n.º 63. Lisboa: 1 de Setembro de 1901, p. 4, col. 3. 236 Livro de Enterramento das Ordens (1891 a 1918). Fl. 84, n.º 6102. 237 Poderá ser um indicador da sua posição, ou neste caso ausência dela, em relação à fé. 238 No jazigo que o seu amigo major Francisco Leite Arriscado possuía, desde 25 de Julho de 1901, no talhão da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, na 10.ª secção, sepultura com o registo n.º 311 – cf. Quarta Conservatória do Registo Civil do Porto. Livro dos registos de óbito, icha n.º 3492, assento n.º 290 do ano de 1901, diário n.º 14823. Assinado pelo pároco António Dias Pinto Valdez ou Vellez (?) e Arquivo Histórico Municipal do Porto. Livro de Enterramento das Ordens (1891 a 1918). Fl. 84, n.º 6102. Em 27 de Setembro de 1915 os seus restos mortais serão transladados deste jazigo para o Cemitério Municipal Ocidental (Cemitério de Agramonte). O seu irmão João Inácio da Cunha e Sousa aí possui um mausoléu familiar – cf. Arquivo Histórico da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo. Livro dos Irmãos Agregados. 1901, Fl. 57; Livro dos Irmãos Sepultados, Agosto de 1901 e Setembro de 1915 e Arquivo Histórico Municipal do Porto. Livro de Enterramento das Ordens (1891 a 1918). Fl. 84, n.º 6102. 239 O Commercio do Porto. Ano XLVIII, n.º 196. Porto: 18 de Agosto de 1901, p. 1, col.ª 8; O Commercio do Porto. Ano XLVIII, n.º 197. Porto: 20 de Agosto de 1901, p. 2, col.ª 3; O Commercio do Porto. Ano XLVIII, n.º 201. Porto: 24 de Agosto de 1901, p. 3, col.ª 4; O Commercio do Porto. Ano XLVIII, n.º 220. Porto: 15 de Setembro de 1901, p. 2, col.ª 8. 240 O Primeiro de Janeiro. 33.º Ano, n.º 195. Porto: 18 de Agosto, 1901; O Primeiro de Janeiro. 33.º Ano, n.º 200. Porto: 24 de Agosto, 1901; O Primeiro de Janeiro. 33.º Ano, n.º 219. Porto: 15 de Setembro, 1901. 241 Jornal de Noticias. 14.º Ano, n.º 197. Porto: 18 de Agosto de 1901; Jornal de Noticias. 14.º Ano, n.º 198. 704 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Porto: 20 de Agosto de 1901; Jornal de Noticias. 14.º Ano, n.º 202. Porto: 24 de Agosto de 1901; Jornal de Noticias. 14.º Ano, n.º 221. Porto: 15 de Setembro de 1901. 242 O Norte. 2.º Ano, n.º 492. Porto: 18 de Agosto de 1901, p. 3, col.ª 2; O Norte. 2.º Ano, n.º 493. Porto: 20 de Agosto de 1901, p. 2, col.ª 2; O Norte. 2.º Ano, n.º 497. Porto: 24 de Agosto de 1901, p. 3, col.ª 6; O Norte. 2.º Ano, n.º 516. Porto: 15 de Setembro de 1901, p. 3, col.ª 3. 243 Diario da Tarde. Ano IV, n.º 189. Porto: 19 de Agosto de 1901, p. 1, col.ª 1. 244 O Seculo. 21.º Ano, n.º 7049. Lisboa: 18 de Agosto de 1901, p. 2, col.ª 7; O Seculo. 21.º Ano, n.º 7050. Lisboa: 19 de Agosto de 1901, p. 2, col.ª 6. 245 Diario de Noticias. 37.º Ano, n.º 12:826. Lisboa: 18 de Agosto, 1901, capa (col.as 10 e 11); Diario de Noticias. 37.º Ano, n.º 12:827. Lisboa: 19 de Agosto, 1901, p. 2, col.ª 9. 246 A Provincia. N.º 186, ano XVII. Porto: 17 de Agosto de 1901, p. 2, col.ª 1; A Provincia. N.º 187, ano XVII. Porto: 19 de Agosto de 1901, p. 2, col.as 2 e 3; A Provincia. N.º 192, ano XVII. Porto: 24 de Agosto de 1901, p. 3, col.ª 5; A Provincia. N.º 211, ano XVII. Porto: 16 de Setembro de 1901, p. 2, col.ª 3; A Provincia. N.º 212, ano XVII. Porto: 17 de Setembro de 1901, pp. 1 e 2, col.as 5 e 1 (respectivamente). 247 A Parodia. 2.º Ano, n.º 85. Lisboa: 28 de Agosto, 1901, pp. 2 (274) e 3 (275). 248 O Phantasma. 2.ª Série, n.º 21. Ponte do Lima: 20 de Setembro de 1901, capa. 249 A Noticia. Ano VIII, n.º 210. Rio de Janeiro: 4-5 de Setembro de 1901, p. 2, col.ª 6. 250 Jornal do Brasil. Ano XI, n.º 251. Rio de Janeiro: 8 de Setembro de 1901, pp. 2 (col.ª 10) e 3 (col.ª 3). 251 Cidade do Rio. Ano XIV, n.º 293. Rio de Janeiro: 9 de Setembro de 1901, p. 2, col.ª 1. 252 Como o havia feito aquando da morte do genial caricaturista e litógrafo francês Cham [pseudónimo de Charles Amédée de Noé (Paris, 26/1/1818-Paris, 6/9/1879)], a quem Bordalo chama de mestre – cf. O Antonio Maria. Ano 1, 1.ª Série, n.º 18. Lisboa: 9 de Outubro de 1879, p. 7 (144). 253 Quiçá porque cressem, erroneamente, que a ilustração se destinava a publicações de lirismo literário, frivolidade feminina, ou de divulgação genérica (geográica, etnográica, arquitectónica…) e que levaria a uma subalternização do texto e seu autor. Caso assim fosse davam-se conta, obviamente, da concupiscência do olhar pela imagem e adivinhavam o futuro. Quem por este tempo quisesse ver ilustrações de qualidade técnica e desenho esmerado teria, genericamente, que procurá-las em publicações como, a exemplo: O Panorama: jornal litterario e instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis (Lisboa: na Imprensa Nacional; na Imprensa da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis; na Imprensa do Panorama, 1837-1868. Série 1, Vol. 1, n.º 1. Lisboa: 6 de Maio de 1837 a Série 5, Ano 3, Vol. 18, n.º 52. Lisboa: 1868), Archivo pittoresco: semanário illustrado (Lisboa: Typographia de Castro, Irmão & C.ª, 1857-1868. Ano 1, vol. 1, n.º 1. Lisboa: 1 de Julho de 1857-Ano 11, vol. 11, n.º 52. Lisboa: Dezembro de 1868), O Occidente: revista illustrada de Portugal e do estrangeiro (Lisboa: O Occidente, 1878-1915. N.º espécimen [1877]. Ano 1, Vol. 1, n.º 1. Lisboa: 1 de Janeiro de 1878-Ano 38, Vol. 38, n.º 1315. Lisboa: 10 de Julho de 1915), O Tripeiro: repositorio de noticias portucalenses (Porto: 1908-. Vol. I, 1.ª Série, 1.º Ano, n.º 1. Porto: 1 de Julho de 1908-), ou nos periódicos humorísticos ilustrados, que estes sim davam cabal primazia às novas tecnologias de inserção de ilustrações e acreditavam na qualidade informativa e formativa da imagem. Vd., para mais informação sobre ilustração e periodismo, nesses tempos: SILVA, João Lourival da Rocha Oliveira e – O Panorama, 1837-1844: jornalismo e ilustração em Portugal na primeira metade de Oitocentos. Porto: [s. n.], 2012. Tese de doutoramento em Ciências da Informação (Jornalismo) apresentada na Universidade Fernando Pessoa. Walter Benjamin, que esteve na base de muitos daqueles que pensaram sobre a fotograia e o cinema, considerou que estes meios, perdiam muito da “aura” e do “aqui e agora”, perante as demais formas arcanas da arte. Não pôde prever - em muito do que considerou, nesses idos da primeira metade do século XX, na sua obra seminal A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (ensaio publicado pela primeira vez em 1936) - o aparecimento da História de Arte como matéria de ensino e investigação académica, e poderia ter previsto com maior acuidade, pelo menos, o mercado de obras de arte, que sobreveio com exponencialidade. Mas reservou um lugar primacial à fotograia do humano, sobretudo do rosto, como lugar de charneira, que ele considerava ainda mantinha um elo com os preceitos que temia entrassem em deriva fora desse axioma, para ele, crucial. Cf. BENJAMIN, Walter - A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. http://baixacultura.org/biblioteca/artigos-ensaios-papers/1-1-a-obra-de-arte-na-era-de-sua-re1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 705 produtibilidade-tecnica/ (2017/06/17; 14.38h). E a maioria dos periódicos humorísticos ilustrados são, ainda hoje, a grande fonte de recolha e conhecimento da imagem de inúmeras personalidades desses tempos de antanho, com a publicação, nalguns casos sistemática, de ilustrações dos seus semblantes. Porém, estudos mais recentes asseveram e bem: A imagem (impressa) ...pode constituir--se num lugar de memória que cristaliza, numa representação única, uma história, uma propaganda, um ensinamento, ou ser então construída como a igura moral, simbólica, analógica, que fornece o sentido global do texto, que uma leitura descontínua e vagabunda poderia fazer perder. [...] Ligada a actos essenciais da vida, a decisões ou a compromissos importantes, a imagem, apesar de objecto impresso em série, encontra-se investida de uma carga afectiva e de um valor existencial que a tornam única para quem a possui. Cf. CHARTRIER, Roger (coord.) – As utilizações do objecto impresso (séc. XV a XIX). Algés: Difel, 1998, p. 16; ou ainda: A gravura artística no livro não é apenas um factor de alindamento estético, mas ainda de exegese dos textos que ilustra. A gravura, subsidiária dos textos, pode também tornar-se determinante na sua génese e na sua inspiração: daí a sua importância literária e cultural, ignorada geralmente pelos críticos. Cf. MARTINS, José Vitorino de Pina – Para a História da Cultura Portuguesa do Renascimento:A Iconograia do livro impresso em Portugal no Tempo de Dürer. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1972, p. 126. 254 Recordem-se as palavras de Herculano, em 1838, a exemplo: Se a arte de escrever foi o mais admirável invento do homem, o mais poderoso e fecundo foi certamente a Imprensa – cf. TENGARRINHA, José – História da imprensa periódica portuguesa. Lisboa: Portugália Editora, [s. d.] [1965], p. 104. E as, já citadas, palavras de Feliciano de Castilho: Este século é tão destruidor como criador, matou a livraria e pôs em seu lugar o Jornalismo. Assim devia ser, porque este século é popular. Os livros eram a muita ciência para poucos homens; os jornais são um pouco de ciência para todos – cf. O Recreio, Jornal das Familias. N.º 8. Lisboa: Agosto de 1841, p. 182 e MATTOSO, José – História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1992, V vol., p. 692. 255 Irmãs do falecido. 256 (Barcelos, 23/12/1855-Porto, Cedofeita, 30/5/1932). Major, comissário da polícia da 3.ª divisão, sócio do Ateneu Comercial do Porto. O Coronel do Regimento de Infantaria n.º 12 é reformado com a graduação de General de Brigada em 2 de Novembro de 1910 e com o soldo mensal de 96$000 reis. 257 Industrial proprietário da Camisaria Coniança. 258 Marcos da Silva Nunes Guedes (Poiares da Régua, 30/4/1858-Porto, 1925). Poeta, jornalista, director literário d’O Sorvete. Redactor d’ O Primeiro de Janeiro – durante 29 anos; colaborador d’O Século; com Guedes de Oliveira fundou a Tipograia Guedes. 259 (1865-1950). Poeta, advogado e deputado. Filho de Marcelino de Almeida Lucas. 260 A Ilustração Moderna – Revista de Litteratura e Arte. 2.º Ano, n.º 11. Porto: Agosto de 1901 e A Ilustração Moderna – Revista de Litteratura e Arte. 2.º Ano, n.º 12. Porto: Novembro de 1901 (cabeçalhos técnicos). 261 O Cosmorama-Almanach do Sorvete para 1902. Porto: Litograia Portuguesa, 1902. 262 Conto e caricaturas foram reeditadas no livro do mesmo Eduardo Sequeira, Teias de Aranha, Porto, 1905, pp. 107 e 111, considerado uma preciosidade bibliográica pelos nomes que irmam as ilustrações, tais como: Alfredo Keil, Alfredo Marçal Brandão, A. Pinto da Costa, António José da Costa, António Teixeira Lopes, António Fernandes de Sá, Flávio Pais, Joaquim Vitorino Ribeiro, José de Brito, José Joaquim Teixeira Lopes, José Júlio Gonçalves Coelho, José Marques da Silva, D. Júlia Molarinho, Júlio Costa, Manuel San Romão, Marques Guimarães, Marques de Oliveira, Sebastião Sanhudo, Tomás Costa e Veloso Salgado. Ilustre panóplia esta de autores reputadíssimos e consagrados. 263 PASSOS, Oliveira – “Os artistas portugueses – Candido da Cunha”, in Gazeta de Noticias. Ano XXXVI, n.º 337. Rio de Janeiro: 4 de Dezembro de 1910, pp. 3-4. 264 António Cândido da Cunha (Barcelos, 11/11/1866-Porto, 16/10/1926). Pintor, poeta. Discípulo de João Correa, Jean-Paul Laurens e Benjamin Constant. Vd. OLIVEIRA, Roberto Vaz de – Homens do Porto – Barcelos e Vila da Feira, in http://www.prof2000.pt/users/avcultur/aveidistrito/boletim13/page40.htm (2014/11/11; 00.07h). 265 Artigo, este, émulo de parte do editado (pp. 323-326), pelo mesmo Oliveira Passos, no Portugal Artístico: publicação illustrada da Livraria Magalhães & Moniz. Porto: Livraria Magalhães & Moniz-Editora, 1905, pp. 321-331 e datado (no Portugal Artístico) de Junho de 1904. 266 SOBRINO, Jose de Parres – “Los partidos monarquicos”, in La correspondencia de España. Ano LXII, n.º 19.615. Madrid: 26 de Outubro de 1911, p. 1, col.ª 5. 706 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 267 PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916. 268 (Lisboa, Rua do Caldeira (actual Fernandes Tomás), Santa Catarina do Monte Sinai, 21/12/1822-Lisboa, em casa do marido de uma sobrinha, o tenente da guarda municipal, António Joaquim de Andrade, no Quartel do Carmo, 15h, 25/12/1901, meio desacordado de lucidez). Cognominado de ‘O NEWTON’. Teve 13 irmãos. Escritor, tradutor, jornalista e fundador em 1852, com Delim de Oliveira Maia, António Ribeiro da Costa e Almeida e Arnaldo Gama da revista literária e ilosóica A Península, colaborou noutros jornais, escreveu artigos ilosóicos e matemáticos – evolução em série dos cosenos e dos senos dos arcos múltiplos, vol. XIII do Instituto, p.134 e na Revista de ciências matemáticas um artigo sobre um teorema de Villarceau relativo ao tóro. Ilustre matemático, formou-se bacharel em 1848 pela Universidade de Coimbra. Foi professor da cadeira de lógica no Liceu Nacional de Lisboa. Lente da secção de matemática na Academia Politécnica do Porto em 1851. No Café Águia Douro, se reunia o Clube Patriota, que fomentou em 1868 o motim da Janeirinha, composto por: Delim Maia, Camilo, António Luís Ferreira Girão, Faustino Xavier de Novais, Costa e Almeida, Arnaldo Gama, Amorim Viana... Escreveu Defesa do racionalismo ou análise da fé, 1866. Em 1874 traduziu as Memórias de Madame Lafarge. 269 A de Amorim Viana na p. 218 (é semelhante, mas menos gráica, àquela que O Sorvete. N.º 97, 3.º Ano. Porto: 4 de Abril de 1880 (capa), havia já publicado, sendo a do Sorvete muito melhor e mais bem conseguida no pormenor do desenho e composição) e a do Magalhães da Hortas na p. 233 (havia já sido publicada no Almanack do Sorvete – Procissão de Celebridades Portuenses, de 1884, na sua página 165. Pensamos, ademais, que esta (a do Magalhães da Hortas), como outros casos, é a única imagem que chegou até hoje, dalgumas personagens bem conhecidas do antanho, o que demonstra o que já airmámos da importância da ilustração provida por este tipo de publicações periódicas ou aperiódicas). Aproveitamos para acrescentar que a caricatura, de Amorim Viana, publicada no livro de Alberto Pimentel será de novo reproduzida, como ilustração ao verbete biográico do ‘Newton’, n’O grande livro dos portugueses. [S. l.] [Lisboa]: Círculo de Leitores, D.L. 1990, p. 50, col.ª 2, embora aqui sem o entorno urbanístico, que podemos observar no livro de Alberto Pimentel: A Praça Nova. Igual à deste livro de Alberto Pimentel é sim a que vem publicada no Almanack do Sorvete – Procissão de Celebridades Portuenses, de 1884, na sua página 61. 270 BESSA, Alberto – “Jornaes do Porto – O Sorvete”, in Gazeta de Coimbra. Ano VII, n.º 689. Coimbra: 16 de Março de 1918, pp. 1-2, col.ª 6 e col.ª 1 (respectivamente). Já em “Jornaes do Porto – Album de Caricaturas dos Homens mais celebres do Porto e seus arredores”, in Gazeta de Coimbra. Ano V, n.º 464. Coimbra: 5 de Janeiro de 1916, p. 1, col.ª 6; lhe fazia referência. 271 O seu nome aparece indicado nos cabeçalhos técnicos, como colaborador, com desenhos, dos seguintes números desta publicação: Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. IV, n.º 19. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1931, p. 357; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. V, n.º 25. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1932; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. VI, n.º 31. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1933; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. VII, n.os 37-38. Porto: Janeiro-Abril de 1934; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. VIII, n.º 43. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1935; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. IX, n.os 49-50. Porto: Janeiro-Abril de 1936; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. X, n.os 55-56. Porto: Janeiro-Abril de 1937; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XI, n.º 61. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1938; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XII, n.º 67. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1939; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XIII, n.º 73. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1940; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XIV, n.º 79. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1941; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XV, n.º 85. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1942; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XVI, n.º 91. Porto: Janeiro-Fevereiro de 1943; Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XVII, n.os 97-98. Porto: Janeiro-Abril de 1944 e Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. XVIII, n.os 103-104. Porto: Janeiro-Abril de 1945. 272 Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Porto: [s. n.], 1928-1966. 273 Na sua segunda série, composta por trinta números que se publicam no Porto entre Fev./1946 a Julho/ Dezembro de 1950. Dirigida por Amorim de Carvalho (director entre 1946-); Kol d’Alvarenga (director 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 707 entre 1946-); Pina de Morais (director entre 1946-51?) e Veiga Pires (director entre 1946-51?). 274 Corria o ano de 1928 (Jan.). 275 Augusto da Silva Martins (Maia, 31/05/1885 – Porto, 04/03/1932). Professor, matemático, vereador municipal da Câmara do Porto entre os anos de 1923 e 1925, director da revista Portucale entre 1928-32. No dia 23 de Junho de 1910, aos 25 anos de idade, tendo no júri Adolfo Coelho, conclui o Curso de Habilitação para o Magistério Secundário em Matemáticas, Ciências Físico-Químicas e Histórico-Naturais e Desenho. O ensino será a actividade que, nas suas palavras, “desempenhará com maior paixão”. O carácter interventivo da sua natureza levara-o, muito cedo, a integrar o grupo denominado Amigos do ABC, formado por volta de 1908, no Porto, e que se propunha contribuir para a melhoria do estado educacional do país. Mais tarde será um dos fundadores da Renascença Portuguesa (organismo que criará as Universidades Populares), dirigindo durante alguns anos A Águia. Desenvolveu ainda actividade no âmbito editorial tendo organizado a Empresa Industrial Gráica do Porto e criado as Edições Marânus. Com Pedro Vitorino e Cláudio Basto funda a revista Portucale, a que se encontra ligado até ao im da vida. Para além de inúmeros manuais escolares, a obra pedagógica de Augusto Martins é composta por um conjunto de escritos que se encontra espalhado pelas publicações periódicas em que colaborou regularmente, por exemplo: A Águia, A Vida Portuguesa, Revista dos Liceus, A Tribuna, Portucale. O matemático e o professor são, pois, as tónicas dominantes da vida de Augusto Martins, que contribuiu, através do seu trabalho e dos seus escritos, para a consolidação do ensino desta disciplina nos liceus portugueses. Tem vasta bibliograia (consultar Biograia de algumas personalidades do Oitocentos, na minha Tese de doutoramento). Trabalhos sobre o autor: MOREIRA, Joaquim (Org.) – Personalidade, vida e obra de Augusto Martins. [S. l.: s. n., s. d.]. CORREIA, Luís Grosso – “Liceu Carolina Michaëlis – Porto”, in Liceus de Portugal. Porto: 2003. VIANA, Luís – MARTINS, Augusto. In NÓVOA, António (Dir.), Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições Asa, 2003, pp. 875-877, com adaptações. Cf. Augusto Martins, in http://correiodaeducacao. blogs.sapo.pt/71785.html (2010/10/29; 00.20h) e BIBLIO. Boletim Informativo da Biblioteca Professor Silva Dias. 2.ª Série, n.º 3, Outubro 1999, in http://www2.fcsh.unl.pt/chc/pdfs/BIBLIO3.pdf p. 12 (2010/10/29; 00.48h). (para biograia completa ver Biograia de algumas personalidades do Oitocentos, na minha Tese de doutoramento). 276 Cláudio Filipe de Oliveira Basto (Viana do Castelo, 23/08/1886 - Carcavelos, 02/05/1945). Professor, etnólogo, ilólogo, director da revista Portucale entre 1928-45. Fez o liceu em Viana do Castelo, o curso geral, e em Braga, o complementar. Fez o curso médico-cirúrgico no Porto, defendendo a tese Alma doente. A génese da psicastenia (impressa em 1912). Antes, participara na greve académica de 1907, de que terá sido um dos mentores no Porto, e está até entre os alunos que rejeitaram ser perdoados, não se apresentando a exames (Miscelânea, p. 9). Nessa época fundou com Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e Álvaro Pinto a revista Nova Silva, de que se desligou quando no segundo número se fez crítica pessoal a Afonso Costa (10). Concluído o curso em 1911, não se dedicou porém à medicina - repetindo o que acontecera com José Leite de Vasconcelos -, ainda que, paralelamente ao professorado, tenha exercido durante anos funções de médico-escolar e em não poucos escritos se debruçasse sobre linguagem e costumes da medicina. Mas a actividade principal foi a docente, no liceu da sua Viana, fosse em disciplinas de ciências fosse nas de letras. Também leccionou na Escola de Ensino Normal, na Escola Primária Superior João da Rocha e em escolas industriais. Quando em 1944 icou doente, era professor efectivo da Escola Industrial de Faria Guimarães, no Porto. Diga-se aliás que mesmo a proissão de professor a exerceu com desprendimento pela carreira, privilegiando a disponibilidade para a investigação e a presença por Viana. Preparou edição anotada de Os Lusíadas (1930; 2.ª ed., 1935; 3.ª ed., 1945), prefaciou uma reprodução fac-similada de uma das edições de 1572 (1943) e escreveu artigos de camonologia. Tem ainda obra de cronista, iccionista, poeta: Ironia Galante, 1912; Flores do frio, 1922; O Doutor Diabo, 1928. (Para informação biográica e bibliográica mais completa, veja-se a Miscelânea de Estudos à Memória de Cláudio Basto, organizada por Hermínia Basto, Porto, 1948. Seguimos também o verbete sobre Cláudio Basto na Biblos. Enciclopédia VERBO das Literaturas de Língua Portuguesa, 1, 1995, cc. 606-607, da autoria de Telmo Verdelho; o artigo de Manuel de Paiva Boléo, «J. da Silva Correia, J. Leite de Vasconcelos, David Lopes e Cláudio Basto», publicado na Revista Portuguesa de Filologia, 1, 1947, pp. 613-624; 622-624; e, de Justino Mendes de Almeida, «Cláudio Basto, notável investigador vianês», Estudos Regionais. Revista de cultura do Alto Minho, 5, Junho 1989, pp. 39-51.). 708 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Cf. Cláudio Filipe de Oliveira Basto, in http://cvc.instituto-camoes.pt/hlp/biograias/cbasto.html (2010/10/28; 23.24h) e BIBLIO. Boletim Informativo da Biblioteca Professor Silva Dias. 2.ª Série, n.º 3, Outubro 1999, in http://www2.fcsh.unl.pt/chc/pdfs/BIBLIO3.pdf p. 12 (2010/10/29; 00.24h). (biograia completa em Biograia de algumas personalidades do Oitocentos, na minha Tese de doutoramento). 277 Pedro Vitorino Ribeiro (20/2/1882-10/11/1944). Director da revista Portucale (entre 1928-44), médico, arqueólogo, historiador da arte... (ilho de Joaquim Vitorino Ribeiro (1849-1928, pintor). Cursara Medicina, e pela fotograia se interessava com entusiasmo, deu grande apoio ao ensino, tendo feito um interessante álbum de fotograias dermatológicas, do qual só uma parte se salvaguardou. Dedicando-se à História, escreveu acerca da cidade do Porto, Medicina Popular e Deuses da Medicina – cf. http://www. dermo.pt/revistas/vol63n2/Vol64-N2-Abril-Junho2005.pdf, p. 15 (2010/10/29; 00.34h) e BIBLIO. Boletim Informativo da Biblioteca Professor Silva Dias. 2.ª Série, n.º 3, Outubro 1999, in http://www2.fcsh.unl.pt/chc/ pdfs/BIBLIO3.pdf p. 12 (2010/10/29; 00.24h). 278 PIRES, Daniel – Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940). Lisboa: Grifo – Editores e Livreiros, Lda., 1996, p. 284. 279 Portucale: revista ilustrada de cultura literária, scientíica, e artística. Vol. IV, n.º 19. Porto: Janeiro- -Fevereiro de 1931, pp. 26-34. Esta ilustração pouco mais é que a reprodução apenas da cabeça da caricatura que Sanhudo fez de Soares dos Reis para o Almanack do Sorvete – Procissão de Celebridades (1884), na sua página 177. 280 MEIRA, Alberto – “Caricaturistas Portugueses – Sebastião Sanhudo”, in Prisma: revista trimestral de ilosoia, ciência e arte. N.º 1, III Ano. Porto: Fevereiro de 1939, pp. 65-66. 281 O Sorvete. N.º 135, 3.º Ano, Porto: 19 de Dezembro de 1880 (capa) (publica A Corja) e O Sorvete. N.º 248, 6.º Ano. Porto: 11 de Fevereiro de 1883 (centrais) (Chardron edita A Brasileira de Prazins). 282 O Sorvete. N.º 24, 1.º Ano, 2.ª Série. Porto: 17 de Novembro de 1878 (p. 194), O Sorvete. N.º 110, 3.º Ano. Porto: 28 de Junho de 1880 (pp. 396-397) e O Sorvete. N.º 135, 3.º Ano. Porto: 19 de Dezembro de 1880 (capa) (publicação de A Corja). 283 Seara Nova: revista de doutrina e critica. Ano XLVI, n.º 1475. Lisboa: Setembro de 1968, capa. 284 Esta legenda, aposta à caricatura de Sanhudo, remete para um texto; de DIAS, Augusto da Costa – “A crítica da cegueira e a cegueira da crítica”, in Seara Nova: revista de doutrina e critica. Ano XLVI, n.º 1475. Lisboa: Setembro de 1968, pp. 290-296; exegético à obra e aos críticos de Camilo (ex. Régio). 285 MARQUES, A. H. de Oliveira (coord.) – A revolução de 31 de Janeiro de 1891. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1991. 286 Ilustrações nas pp. 48 (O Sorvete. N.º 41, 12.º Ano. Porto: 8 de Fevereiro de 1891, capa), 53 (O Sorvete. N.º 43, 12.º Ano. Porto: 22 de Fevereiro de 1891, centrais), 69 (O Sorvete. N.º 45, 12.º Ano. Porto: 8 de Março de 1891, capa), 74 (O Sorvete. N.º 45, 12.º Ano. Porto: 8 de Março de 1891, centrais). 287 Referências feitas nas pp. 43 (onde refere O Sorvete n.º: 41, 42, 43, 45 de 1891 e ainda os n.os 116, 121, 125, 127, 132, 138, 146, 150, 153), 47, 49, 51, 52, 55, (91- índice de nomes), 95 (índice de publicações periódicas, onde refere de novo O Sorvete n.os: 80-83, 116, 121, 125, 127, 132, 138, 146, 150, 153). Vd. para outros n.os o Apêndice Documental em entrada: Assuntos tratados pelo periódico: Política). 288 “O Porto (oitocentista) a rir”, in Público. Porto: 9 de Janeiro de 2002, p. 56. 289 (Porto, Miragaia, 31/8/1932-). Jornalista e autor de dois trabalhos que, há décadas, fazem a genealogia da família Sanhudo e seus diversos ramos. 290 Bisnetas de Sebastião Sanhudo. 291 Bisneta de Sebastião Sanhudo. 292 “Museu da Imprensa evoca centenário de Sanhudo”, in Jornal de Notícias, Ano 114, n.º 215. Porto: 2 de Janeiro de 2002. 293 Árvore genealógica de Sanhudo, que patenteia 8 gerações da sua família. Inicia-se com os seus quintos-avós e remata com os seus dois ilhos: Isabel Maria e Carlos Alberto Aires de Sousa Sanhudo. Toda a árvore é desenhada numa feição muito vegetalista, exceptuando os quintos-avós que têm os seus nomes inscritos em grandes blocos, sugerindo pedras angulares e fundadoras. Desenhada por ele, com a idade de 41 anos, a 29/7/1892, em Ponte do Lima. 294 Cf. http://www.museudosterceiros.com/ver.php?cod=0F0B0C (2010/09/01; 3.04h). É o n.º 17 desta exposi1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 709 ção, indica as dimensões de 51x 41 cm e tem como montante para restauro o valor de 1.080 euros. Após a nossa visita a esta exposição no ano de 2002, na qual vimos e fotografámos este desenho, encontrámos, nesta ligação da internet, uma entrada com uma imagem desta obra, onde o nome do retratado se identiicava como sendo J. J. da Cunha e Sousa (com as duas iniciais capituladas, mas com gralha na segunda, contudo, pudemos identiicar, e informar, que se tratava de João Inácio). O nome vem referido numa tira de papel e acrescenta, apenas, que era de um benfeitor da Confraria do Santíssimo Sacramento (existindo em Ponte de Lima uma Confraria com essa designação). Tem, ainda, as seguintes inscrições: SS. Sanhudo. des. Porto 12 de Abril de 1874 (por baixo do retrato, de ambos os lados, direito e esquerdo); Litograia Nacional (fundada por este seu irmão e seu sobrinho, ilho deste irmão) 288 Cl. Faria (no reverso). 295 Erro gráico, deveria dizer Tomahawk Tom (o mais famoso herói de Vítor Péon, que apareceu em 19/10/1950 n’O Mundo de Aventuras. 1.ª série, n.º 62). Vítor Péon (Angola, Luanda, 3/4/1923-1991) foi um dos mais prolíicos desenhadores portugueses, tendo trabalhado para muitas publicações nacionais e algumas estrangeiras. Desenhou para O Mosquito, O Pluto, Diabrete, Mundo de Aventuras, Condor, Audácia, Tintin, Titã, Valente, Cavaleiro Andante, Camarada, tendo mais tarde editado o Vítor Peón Magazine. Desenhou igualmente para a editora britânica Fleetway. Alguns dos seus trabalhos tiveram como argumentista Roussado Pinto e houve diversas reedições das histórias que desenhou, tanto no Mundo de Aventuras como em muitas outras publicações, por exemplo no Jornal da BD. Cf. REZENDES – Mania dos quadradinhos, in http://quadradinhos.blogspot.pt/2010/01/um-original-de-tomahawk-tom-de-vitor.html (2013/10/04;00.54h) e REZENDES – Mania dos quadradinhos, in http://quadradinhos.blogspot.pt/2005/01/o-mundo-de-aventuras.html (2013/10/04; 01.10h). 296 Cf. PINA, F. Cleto e – “Caricaturistas em selos”, in http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_ id=485221 (2010/10/6; 5.25h). 297 Público. Porto: 9 de Janeiro de 2002, p. 56. 298 Como se pode veriicar na adenda concernente a este periódico (na minha Tese de doutoramento) e que faz questão de estipular, na entrada sobre preços do mesmo, os ditos para a África e Brasil. 299 Isto se excluirmos a mais que provável (para os estudiosos da vida e da obra deste autor) iliação de Manuel Plácido Pinheiro Alves (Porto, 11/8/1858-Póvoa de Varzim, 17/9/1877) como ilho natural de Camilo com Ana Plácido. 300 Jorge Camilo Plácido Castelo Branco (Lisboa, 26/6/1863-10/9/1900). Misantropo e alienado foi internado no Hospital Conde Ferreira, acompanhado pelo Dr. Ricardo Jorge e pelo editor portuense Eduardo da Costa Santos, em 2 de Agosto de 1886 e saiu, pouco melhor, em 27 de Outubro de 1886 – cf. PIMENTEL, Alberto – O Torturado de Seide. Lisboa: Livraria de Manoel dos Santos, 1922, p. 59. 301 IDEM, Ibidem, p. 110. 302 PIMENTEL, Alberto – Os Amores de Camilo. Lisboa: Libanio & Cunha - Editores, 1899, pp. 379-380. A este propósito podemos ver n’O Sorvete. N.º 8, 19.º Ano, 2.ª Série. Porto: 7 de Fevereiro de 1897, pp. 6-7 (sobre uns desenhos que o jornal Popular, de Lisboa, atribui a este [Jorge Castelo Branco], mas que segundo O Sorvete foram desenhados por Sanhudo, como se atesta n’O Sorvete. N.º 136, 3.º Ano. Porto: 25 de Dezembro de 1880, p. 604). 303 Que esteve patente entre 18 de Fevereiro e 22 de Março de 2011, na Biblioteca Municipal de Ponte de Lima. 304 Exposição: Sebastião Sanhudo - 160 Anos de Nascimento (1851-2011), in http://www.cm-pontedelima.pt/ evento.php?id=531 (2012/02/24; 07.40h). 305 MARCOS, Luís Humberto – Humor servido com Sorvete, in http://www.publidiario.pt/cs/index. php?option=com_content&view=article&id=48:humor-servido-com-sorvete&catid=1:ponte-de-lima&Itemid=4 (2012/02/24; 07.55h). 306 SÁ, Sónia - Ponte de Lima: Câmara aprova “Jardim Sebastião Sanhudo” em homenagem ao “maior caricaturista do Norte”, in http://radiogeice.com/geicefm/index.php/noticias/2572-ponte-de-lima-camara-aprova-jardim-sebastiao-sanhudo-em-homenagem-ao-maior-caricaturista-do-norte (2012/02/24; 22.42h). 307 Arquivo da Câmara Municipal de Ponte de Lima. Divisão Administrativa e Financeira. Reunião de 4 de Abril de 2011 no Edifício dos Paços do Concelho, acta n.º 7/2011 (Assuntos diversos, alínea 5.3, Fls. 2, 5). Gentilmente cedida, e a quem muito agradecemos, por José Augusto Velho Dantas, do Museu dos 710 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Terceiros de Ponte de Lima. 308 O autor deste artigo tem procurado divulgar a vida e a obra de Sebastião Sanhudo e, nesse sentido, para além dos textos já publicados e aqui referidos, fez, ainda, seis comunicações e uma palestra – quer a nível da Universidade, quer noutra instituição –, que aqui se mencionam: O humorismo nas artes gráicas dos inais do séc. XIX a inícios do séc. XX: Sebastião Sanhudo. Porto: Universidade Católica do Porto: Auditório de Pós-graduações, 2010; Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo: o homem, o industrial-litógrafo e o cronista-caricaturista (1851-1901). Porto: Universidade Católica do Porto, 2011 (Comunicação no âmbito do I Congresso O Porto Romântico, que foi promovido pelo CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes – e pela Escola das Artes da Universidade Católica do Porto e que decorreu no dia 29 de Abril de 2011. O texto desta comunicação poder-se-á encontrar nas respectivas actas deste congresso); Personagens do Porto de Oitocentos: a propósito das caricaturas da “Procissão das Celebridades Portuense (1884)”. Porto: Universidade Católica do Porto, 2011 (Comunicação no âmbito do I Congresso O Porto Romântico, que foi promovido pelo CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes – e pela Escola das Artes da Universidade Católica do Porto e que decorreu no dia 30 de Abril de 2011. O texto desta comunicação poder-se-á encontrar nas respectivas actas deste congresso); O Porto Oitocentista e alguns Personagens Ilustres e Esquecidos. Águeda: Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, 2012 (palestra de abertura do programa de actividades relativas à Comemoração do Dia Internacional dos Museus de 18 de Maio de 2012); Tertúlias oitocentistas no Porto. Porto: Universidade Católica do Porto, 2014 (Comunicação no âmbito do II Congresso O Porto Romântico, que foi promovido pelo CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes – e pela Escola das Artes da Universidade Católica do Porto e que decorreu no dia 11 de Abril de 2014, e para a qual, entre muitas outras fontes, usámos ilustrações e informação retirada da sua obra. O texto desta comunicação poder-se-á encontrar nas respectivas actas deste congresso); Figuras picarescas no Porto na segunda metade do século XIX. Porto: Universidade Católica do Porto, 2014 (Comunicação no âmbito do II Congresso O Porto Romântico, que foi promovido pelo CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes – e pela Escola das Artes da Universidade Católica do Porto e que decorreu no dia 11 de Abril de 2014, e para a qual, entre muitas outras fontes, usámos ilustrações e informação retirada da sua obra. O texto desta comunicação poder-se-á encontrar nas respectivas actas deste congresso); Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo: a sua vida e a sua obra (20/2/1851-17/8/1901) (Comunicação no dia 25 de Junho no âmbito do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” que foi promovido pelo Grupo de Investigação “Património, Cultura e Turismo” do CEPESE Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (Universidade do Porto) e pelo Grupo “Saudade Perpétua” e que decorreu nos dias 24 a 26 de Junho de 2016, no Auditório do Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, Gaia; DUARTE (DE CIFANTES E LEÃO), Rui Manuel da Costa Fiadeiro – Sebastião Sanhudo: Imprensa, Humor, Caricatura e o Porto da Segunda Metade do Século XIX à Primeira Metade do Século XX. Porto: [s. n.], 2015. Tese de doutoramento em Estudos do Património apresentada na Universidade Católica Portuguesa. 2 vols. 1 3 - Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo – a sua vida e a sua obra 604 – 711 711 Maria Peregrina de Sousa (Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, 1861) Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» Elen Biguelini1 CAPES-BR, CHSC Resumo Maria Peregrina de Sousa (1809-1894) foi uma reconhecida escritora portuguesa, tendo publicado grande número de romances em folhetins (ao menos quarenta e cinco), em diversos periódicos do país. Sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa (1823-1864), também se dedicou à literatura, apesar de não ter alcançado tanta notoriedade. Embora vivessem numa quinta nos arredores do Porto, as duas escritoras participaram no movimento literário da época e publicaram no periódico A Grinalda (1855-1869). Este artigo pretende analisar a obra destas duas senhoras neste periódico literário, no qual textos femininos eram aceites - algo que não era comum em meados do século XIX. Usando tanto a História Cultural quanto a Crítica Literária Feminista, este trabalho tem como objetivo entender o trabalho destas mulheres que escreveram em Portugal, compreender as opiniões que elas expressaram em seus textos, bem como as temáticas em que se ixaram. Pretende-se ampliar o conhecimento acerca das mulheres e escritoras em Portugal, na primeira metade do século XIX. Palavras-chave: História das Mulheres, Maria Peregrina de Sousa, Portugal, século XIX. 1 Elen Biguelini é doutoranda em Altos Estudos em História pela Universidade de Coimbra, como bolsista de Doutoramento Pleno no Exterior pela CAPES-BR. É formada em História pela Universidade Federal do Paraná e em Design de Moda pela Universidade Tuiuti do Paraná, Mestre em Estudos Feministas pela Universidade de Coimbra. Tem como interesses as áreas relacionadas ao estudo da história das mulheres, da história das mulheres que escrevem, da literatura feminina e da crítica literária feminista, bem como da história da família, do amor e do casamento, e da educação das mulheres. 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 713 Introdução Durante o século XIX, a autoria feminina passou a se tornar mais comum em Portugal. O aumento do nível de alfabetização entre as mulheres, um maior número de periódicos e sua especialização, facilitou a sua presença e crescente aceitação no meio literário. A partir de 1842, alguns jornais do Porto e de Lisboa começaram a publicar pequenos romances folhetins e poesias assinados por uma obscura portuense. Estes textos foram revelados posteriormente por António Feliciano de Castilho, como de Maria Peregrina de Sousa. A escritora vivia com o pai e a irmã mais nova, Maria do Patrocínio, também poetisa (cuja obra carece de estudo), em Moreira da Maia, nos arredores do Porto. Maria Peregrina de Sousa nasceu no dia 13 de fevereiro de 1809, ilha de António Ventura de Azevedo e Sousa (?-1856) e D. Maria Margarida de Sousa Neves (?-1833). Segundo a própria autora, em carta para António Feliciano de Castilho publicada como introdução do romance Henriqueta, a autora com 20 anos aprendeu francês2, e posteriormente inglês e italiano sem o auxílio de professores3. Começou sua vida literária escrevendo pequenas histórias em francês, que eram lidas a seus irmãos, Maria do Patrocínio e António Mateus de Azevedo e Sousa. No entanto, a partir de 1842 começou a enviar seus textos para alguns periódicos portugueses, que os publicaram. O Archivo Popular foi o primeiro periódico a aceitar a obra da autora4, sendo seguido por muitos outros. Maria Peregrina vivia afastada da cidade e da sociabilidade, na quinta de seu pai em Moreira da Maia. Longe dos críticos, escrevia como hobby, sem grandes pretensões literárias. Segundo António Feliciano de Castilho, quando este descobriu sua identidade, “vêr-se conhecida não inspirou á nossa escriptora nem vaidade nem covardia. Tinha trabalhado, estudado, produzido, sem ambição” 5. Ainda menos conhecida que sua irmã mais velha - que provavelmente a terá iniciado nas artes literárias e poéticas, foi Maria do Patrocínio; também ilha de António Ventura de Azevedo e Sousa e de D. Maria Margarida de 2 António Feliciano de Castilho, “Maria Peregrina de Sousa”, In Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, José Máximo de Castro Neto Leite e Vasconcelos (Lisboa: Imprensa Nacional, 1861), 292. 3 Castilho, “Maria Peregrina de Sousa”, 304. 4 Foi neste periódico que encontrámos a primeira publicação de sua obra, o conto Erica e Batilde, que surgiu no primeiro número deste periódico em seu sexto volume, equivalente ao ano de 1842. Neste periódico encontram-se outros 10 textos de sua autoria. Archivo Popular, Vol. 6. n.º 1, 2, 3 de 1842. 5 Castilho, “Maria Peregrina de Sousa”, 274. 714 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Elen Biguelini Sousa Neves. Nasceu em 1823, possivelmente no mesmo local em que sua irmã, e faleceu em 12 de abril de 1864, às 8 para as 9 da manhã, em sua casa na rua do Almada, no Porto, aos 41 anos6. Sobre a vida desta autora poucos são os factos conhecidos, visto que sua biograia só pode ser feita a partir das palavras de sua irmã mais velha a António Feliciano de Castilho7. Após o falecimento da irmã mais nova, Maria Peregrina de Sousa passou a morar com duas amigas no Porto, onde veio a falecer em 21 de novembro de 18948, deixando parte de sua herança para estas senhoras, D. Maria Augusta de Carvalho Miranda e D. Rita de Cássia de Carvalho Miranda. Apesar de manterem-se de certa forma afastadas da sociedade, estas duas autoras tiveram diversos poemas publicados no periódico A Grinalda: periódico de poesias inéditas, que teve seu primeiro volume em 1855, seguido de volumes nos anos de 1857, 1860, 1862, 1864 e 1869. Cada um destes tomos equivale a 12 números do periódico, que apresentam 10 páginas de poesias de diversos autores, tais como Francisco Joaquim Bingre, J. M. Nogueira Lima, seu editor, Cândido Furtado, Ramalho Ortigão, entre outros. Com edição de João Marques Nogueira Lima e J. M. B. Carneiro, A Grinalda apresenta também diversos textos de autoria feminina, sendo que a grande maioria dos 12 números mensais apresenta no mínimo uma poesia escrita por mãos femininas nas suas primeiras páginas. 1 – Retalho do Mundo, romance por Maria Peregrina de Sousa, 1859 6 Arquivo Histórico Municipal do Porto, Administração do Bairro de Santo Ovídio, Registo do testamento com que faleceu Maria do Patrocínio de Sousa (1864), Livro n.º 14, A-PUB/5030, ls. 64-65v. e Registo do testamento de Maria Peregrina de Sousa (1894), Livro n.º 68, A-PUB/5102, ls. 20v.-25. 7 Castilho, “Maria Peregrina de Sousa”. 8 Arquivo Histórico Municipal do Porto, Registo do testamento de Maria Peregrina de Sousa (1894), Livro n.º 68, A-PUB/5102, ls. 20v.-25. 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 715 Embora esta revista portuense tenha publicado textos de outras escritoras, entre as quais Catarina Máxima de Figueiredo, Antónia Gertrudes Pusich, D. Hortênsia Paulina de Lima Barbosa e D. Maria Isabel (de Lima Barbosa?), este estudo analisa apenas a colaboração das duas irmãs. A primogénita aparece com um total de 14 obras, tanto poemas quanto baladas, distribuídas entre os três primeiros e os dois últimos volumes do periódico9. Maria do Patrocínio, por sua vez, tem oito obras nos primeiros quatro tomos do jornal. Uma obra, As bruxas de Chavascal, vem assinada por Maria do Patrocínio, mas o número subsequente informa que, na verdade, fora escrito pela irmã. Para além destes, dois poemas foram escritos à memória da mais jovem, em razão do seu falecimento, um por Maria Isabel (de Lima Barbosa)10 e outro por Hortênsia Paulina de Lima Barbosa11. Percebemos que as temáticas trabalhadas por Maria Peregrina reletem aquelas por ela apresentadas em outros periódicos portugueses: o temor da escrita, as xácaras e a valentia portuguesa, o amor, e as bruxas. A primeira obra de uma das irmãs já surge no número 6 do primeiro volume do periódico. Foi Bati, não abriram, na qual Maria Peregrina de Sousa escreveu sobre a experiência de “Trançar em grinalda / Que tecem os bardos”, uma alegoria do periódico como uma grinalda com belas lores, onde “não crescem abrolhos”12. Nesta sua primeira aparição no periódico, a folhetinista parece pedir permissão para ter sua obra colocada entre as “lores” de outros poetas. 2 – Capa do periódico A Grinalda, em 1855 9 Respectivamente de 1855, 1857 e 1860; e 1864 e 1869. 10 A Grinalda, Vol. 5, n.º 4 de 1864, 49-51. 11 A Grinalda, Vol. 5, n.º 10 de 1864, 140-148. 12 A Grinalda, Vol. 1, n.º 6 de 1855, 81. 716 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Elen Biguelini No volume seguinte, de 1857, o periódico traz Parábola da Minha Vida, na qual a autora relaciona sua poesia, e sua participação na Grinalda, a um jardim, mantendo a metáfora utilizada no primeiro poema: “Em jardim me vi formoso, Tão alegre, tão mimoso, Que outro nunca vi assim; Longas ruas espaçosas, Flores mil, todas viçosas, Julguei vêr n’este jardim 13. Ao mesmo tempo em que foi aceite pelas lores / poetas, ela foi renegada (por ser mulher e autora?) e sua aventura neste jardim (a Grinalda, a poesia, a autoria?) faz com que: “Em terra cahi prostrada!... / De saudades rodeada / Abracei funérea cruz” 14. Ao longo da História, as mulheres que escreveram utilizaram de artimanhas de defesa, como forma de se protegerem daquilo que Gubar e Gilbert chamam de anxiety of authorship15. Para estas duas autoras, que observam a autoria feminina inglesa, as mulheres quando escrevem consciente ou inconscientemente apresentam um medo relacionado ao ato da escrita. Este temor ou ansiedade se apresenta em algumas características e estratégias que representam uma defesa da escrita. Estas mesmas estratégias podem ser observadas em autoras portuguesas. São elas, por exemplo, o uso do anonimato, a descrição de suas obras como inferiores, em muitos casos justiicando esta inferioridade com sua feminilidade16. A forma como Maria Peregrina se auto-diminui é um destes artifícios, na qual as autoras sublinham a sua suposta inferioridade e, assim, tanto se colocam como dignas de valor, por terem ousado, quanto indignas de “intervir” no meio literário, masculino e superior. 13 A Grinalda, Vol. 2, n.º 2 de 1857, 17. 14 A Grinalda, Vol. 2, n.º 2 de 1857, 18. 15 Sandra Gilbert e Susan Gubar, The madwoman in the Attic. The woman writer and the nineteenth-century literary imagination (New Haven: Yale University Press, 1984). 16 Exemplos da anxiety of authorship na obra de autoria feminina portuguesa da primeira metade do século XIX, podem ser encontrados em Biguelini, Elen, “«A pezar de sua imperfeição» Tradutoras conhecidas e anônimas de Portugal na primeira metade do século XIX”, In Ricci, Debora; Silva, Fábio Mário da; Rita, Annabela, et. al., Feminino plural: literatura, língua e linguagem nos contextos italiano e lusófono / Femminile Plurale: letteratura, lingua e linguaggi in ambito lusofono e italiano (Lisboa: Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, 2016), 93-103. 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 717 A grande maioria de suas obras no periódico, no entanto, são o que a autora denomina “chácara”: O termo que esta autora usa por diversas vezes é uma das diversas variantes encontradas por Maria Leonor Machado de Sousa para a literatura gótica17. Para a autora “A xácara, sinónimo de romance (ou, na forma arcaica rimance), trata-se do termo que, na literatura peninsular, corresponde à balada europeia, curto poema épico cantado e, na forma popular, transmitido oralmente”. Estes textos são semelhantes às baladas, e aparecem de duas formas: macabra e tradicionalista. Maria Peregrina escreveu xácaras com ambas as temáticas. 3 – Detalhe da contracapa do periódico A Grinalda (1857) A primeira destas obras da autora já aparece no primeiro volume do periódico, e é Sam Domingos de Sovereira, a história de um valente português que tem neste santo seu padroeiro18. Observamos a frequência desta temática na obra de Maria Peregrina de Sousa, seja em suas xácaras, seja nas poesias e romances. A Triste Luzia, por sua vez, relata a história de uma jovem solitária que encontra algumas freiras a quem conta suas tristezas. Filha de um rico senhor, amava um jovem a quem foi negada sua mão. Após a negativa paterna, o amante decidiu fugir, e ela o seguiu, mas não chegou a tempo de impedir que ele partisse em um navio. Destituída, passou a viver perambulando pela margem, até que as freiras a convidaram a entrar para o convento19. 17 Maria Leonor Machado de Sousa, O «horror» na literatura portuguesa (Amadora: Instituto de Cultura Portuguesa, 1979), 28. 18 A Grinalda, Vol. 1, n.º 8 de 1855, 113-115. 718 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Elen Biguelini Já o canto campestre, O Valentão¸ é a história do “Tio Zé”, que teme os barulhos noturnos, mas estes são apenas o barulho do fuso de sua sobrinha20. Por sua vez, Náo Catarinense é um diálogo entre o capitão e o Diabo, sendo que o Diabo recusa todas as prendas que o capitão tenta lhe vender por sua vida, e acaba perdendo pela fé do herói21. D. Carlos e D. Clara são amantes. Um cavalheiro os observa e relata ao pai da princesa o que viu. O rei jura a morte de sua ilha, mas ela é salva pelo amante, que entra no castelo vestido de monge, e eles se casam22. A Origem do Canavial relata a história de uma princesa que chega a casa de seu amado cavaleiro somente a tempo de descobrir que ele se casara com outra. Ela morre, e ele ao descobrir, falece de dor 23. As casarias medonhas é a história de uma personagem, não descrita, que é obrigada a passar a noite em uma casa mal assombrada, mas que ao rezar recebe a resposta daquele que a assombra, levando-a a um tesouro24. E a história de Lázaro Martins relata a vida de um valente português que salva seu capitão25. A bruxaria é uma temática recorrente na obra de Maria Peregrina de Sousa, pelo que também aparece no periódico portuense. No poema As bruxas do chavascal, a autora relata uma noite de São João na qual o não nomeado herói vai ao chavascal. Lá encontra diversas mulheres, que seriam bruxas, mas das quais ele não teria medo: Notei mulheres a lavar; Mas afeito á escuridão, Ganhei animo, que sempre Entre ovelhas fui leão. – «Ó meninas, digo afoito, Se quereis vou ajudar… Pelos geitos que estou vendo Tendes muito que lavar.» – 19 A Grinalda, Vol. 2, n.º 4 de 1857, 49-52. 20 A Grinalda, Vol. 2, n.º 8 de 1857, 113-114. 21 A Grinalda, Vol. 2, n.º 9 de 1857, 131-134. Posteriormente também publicada em Páginas deste Mundo, de Castro Faria, 1954. 22 A Grinalda, Vol. 2, n.º 11 de 1857, 161-163. 23 A Grinalda, Vol. 2, n.º 12 de 1857, 177-179. 24 A Grinalda, Vol. 3, n.º 3 de 1860, 33-34. 25 A Grinalda, Vol. 3, n.º 6 de 1860, 84-87. 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 719 – «Eu cá não temo mulheres.» – Disse pouco resoluto, E parti… mas o caminho Pelo sol trazia luto.26 Ainda que estas bruxas não lhe tivessem causado temor, o herói nunca mais foi ao local. A obra é, claramente um texto gótico, no qual a autora descreve um acontecimento sombrio que causa medo ao herói, que eventualmente demonstra sua coragem. Podemos concluir que Maria Peregrina publicou um pequeno número de textos na revista A Grinalda, atendendo ao conjunto da sua obra, pois são conhecidos folhetins seus em dezoito periódicos portugueses e brasileiros, além da publicação de livros. A obra de Maria do Patrocínio, por sua vez, é mais escassa. Possivelmente porque tenha vindo a escrever muito menos que sua irmã. Infelizmente a obra desta senhora permanece em muito perdida, e é graças ao periódico A Grinalda que temos acesso a um pequeno número de seus poemas, sendo peculiar o volume 3 deste periódico, de 1860, que apresenta mais textos da irmã mais nova do que de Maria Peregrina. O pequeno espólio da obra de Maria do Patrocínio, no entanto, demonstra sua dor, física e emocional. O Abysmo é um pequeno poema no qual a autora trata da morte, uma “horrível atracção”. Este poema, não vem datado, mas indica que a autora sofria de alguma doença que a consumiu: Suor gelado sobre a fronte sinto, E sinto o corpo fraquejar-me já; A vista turva, allucinada a mente…. Ai! n’este p’rigo quem me salvará?!...27 26 A Grinalda, Vol. 2, n.º 3 de 1857, 36. 27 A Grinalda, Vol. 1, n.º 9 de 1855, 129. 720 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Elen Biguelini Mas este sentimento era confortado por uma presença, uma voz amiga: Um braço amigo sobre mim s’estende; Voz de conforto me aconselha e diz: Não mais t’exponhas a fataes acasos; Vive em socego para ser feliz! 28 Seria esta a voz da irmã, ou mesmo do pai, lhe trazendo o desejo de vida? Infelizmente, não temos dados biográicos suicientes para conirmar esta possibilidade. No entanto, seu falecimento próximo e a repetição desta temática indiciam que sim: Maria do Patrocínio padecera de alguma doença que desconhecemos e esta se reletiu na sua poesia. Outro poema de sua autoria, presente no periódico, demonstra a simpatia para com as pessoas deicientes e necessitadas de auxílio. Em O Cego relata a afabilidade desta senhora àqueles que pedem esmola: Ao triste que pede Esmola lhe dão: Sem vista, sem pão, Sem madre nem pae. Estranho a prazeres, Estranho a carinhos, Se rosas procuro, Ofendem-me espinhos.29 O cego não conhece nem felicidades, nem abraços amigos. Está preso em sua própria situação. De sua autoria também encontramos O sino da Minha Aldéa e a Primavera. No primeiro, a poetisa descreve os barulhos que acompanham o amanhecer em Moreira da Maia30, enquanto o segundo recebe a primavera e as lores, mas inaliza com a airmação da autora de que: 28 A Grinalda, Vol. 1, n.º 9 de 1855, 129. 29 A Grinalda, Vol. 3, n.º 2 de 1860, 19. 30 A Grinalda, Vol. 2, n.º 3 de 1857, 33-35. 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 721 Mas não me aprazem os amenos dias; Preiro invernos de cruel fereza; Preiro o raio sobre o mar em furia Á musica geral da natureza.31 Novamente a negatividade se repete, ela prefere o inverno. Os belos dias não lhe fazem bem. Ao contrário da opinião aqui demonstrada, em Deos e as lores a autora relaciona Deus a um jardineiro32. Com a mesma temática, encontramos, no quarto volume do periódico, a última obra de Maria do Patrocínio, assinada em 14 de junho de 1861. Em Vozes da Natureza, a poetisa novamente relaciona natureza e fé33. Contrastando com as temáticas das obras já mencionadas, um poema de Maria do Patrocínio honra uma celebração religiosa portuense. Em São João a poetisa descreve a festa e suas alegrias: São João. Ao estalar das fogueiras Fogem os negros pesares; São João é festejado Sobre a terra e sobre os mares. Eu izera eternamente, Se poder me dera Deos, As fogueiras estalar, Subir foguetes aos céos. N’esta noite de feitiços Ninguem se queira deitar! Ai! Que pena, que esta noite Tenha por im de acabar. 34 31 A Grinalda, Vol. 2, n.º 10 de 1857, 145. 32 A Grinalda, Vol. 3, n.º 7 de 1860, 49-52. 33 A Grinalda, Vol. 4, n.º 3 de 1862, 33-34. 34 A Grinalda, Vol. 3, n.º 6 de 1857, 84. 722 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Elen Biguelini 4 –Capa do periódico A Grinalda, em 1857 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 723 As fogueiras são uma alegria momentânea. Nesta noite, ninguém quer deitar, todos querem observar a beleza da festa. E a dor de Maria do Patrocínio parece sumir entre as luzes da celebração. Nestes seis volumes da Grinalda, podemos claramente perceber o quanto a perda da irmã abalou Maria Peregrina. Os primeiros três volumes do jornal apresentam obras de ambas irmãs. Visto que a mais velha produzia mais, também tinha mais textos publicados. No quarto volume, no entanto, percebemos uma mudança, sendo que há neste ano mais publicações de Maria do Patrocínio. Ainda assim, a partir deste volume são escassos também os textos de Maria Peregrina, visto que o volume cinco foi publicado no ano do falecimento da irmã mais nova, em 1864, o que coincide com um período estagnado da produção de Maria Peregrina. No quinto volume da Grinalda, ainda que não tenhamos observado grande produção destas duas senhoras portuenses, sua presença continua constante, visto que o falecimento de Maria do Patrocínio igura na obra de outras senhoras que publicaram neste periódico, D. Maria Isabel e sua irmã D. Hortênsia Paulina, e através de uma resposta de Maria Peregrina: Que vozes saudosas, de terna amizade, De longe echoaram no meu coração! Foi balsamo puro que, ás penas que sofro, Trouxeram teus versos, em triste canção. Este tributo saudoso, Esse canto fadado Ficará, querida amiga, Em meu coração gravado. Nunca tive estro nem lyra, Apenas soube rimar; Agora menos ainda Teria o dom de cantar. 724 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Elen Biguelini Quis memorar minha irmã, Como tu… em vão tentei… Ah! não pude… quebro a penna: Nunca mais versejarei. Porto, 9 de Janeiro de 1865. Maria Peregrina.35 Maria Peregrina sente uma dor tão grande com a perda da irmã, que decide parar de escrever, não tem mais forças para pegar a pena, e “nunca mais versejará”. Este sentimento é repetido para seu amigo, António Feliciano de Castilho, que, em carta enviada para a autora após o falecimento da irmã, tenta incentivá-la a retornar à pena: Sua mana cessou de padecer e V. Exa chora por ella. Eis ahi a verdade, mas porque hade V. Exa chorar por ella, se ella cessou de padecer? Eis aqui a razão que nas primeiras horas, nos primeiros dias, e ainda nos primeiros mezes, se não vê, nem se quer ouvir, mas a que depois animo illustrado, e sobretudo com fé, não pode deixar de se render. (…) Esperemos que apoz ella lhe voltará tambem o gosto de escrever, que para os raros espíritos como o de V. Exa é também uma necessidade da sua natureza.36 A produção de Maria Peregrina, no entanto, nunca voltará a ser a mesma após o falecimento da irmã. Sua presença no periódico A Grinalda é um exemplo disto, pois, após o volume quatro, o periódico publica apenas duas obras de sua autoria, uma o já mencionado poema, outra a xácara S. Francisco de Xavier, que encontra-se no volume 6, de 1869, mas que é datada de dezembro de 1858, ou seja, seis anos antes do falecimento da irmã. Este pequeno texto relata a vida do santo do mesmo nome 37. 35 A Grinalda, Vol. 5, n.º 5 de 1864, 65-66. 36 Carta de 12 de dezembro de 1845. Ana Cristina Comadulli da Cunha. Presença de A. F. de Castilho nas letras oitocentistas portuguesas: sociabilidades e difusão da escrita feminina (Tese de Doutoramento, Universidade Federal Fluminense, 2014), 319. 37 A Grinalda, Vol. 6, n.º 5 de 1864, 65-69. 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 725 Os poemas de Maria do Patrocínio aqui mencionados, e os que publicou no Recreio das Damas e no Almanaque Luso-Brasileiro 38, constituem toda a produção literária que identiicámos desta autora. A produção de sua irmã, no entanto, é dispersa por diversos periódicos de Portugal e do Brasil, diicultando uma inventariação de sua obra completa. O volume dois da Grinalda é o que apresenta mais textos destas duas autoras, sendo que, dos doze meses, apenas dois não têm uma poesia de uma das irmãs. Percebeu-se que a obra de Maria Peregrina segue as temáticas sobre as quais escreveu em outros periódicos: o sobrenatural, as baladas, o romance de cavalaria e – não presente aqui – romances folhetim; enquanto sua irmã optou por escrever pequenos poemas sobre o quotidiano e a natureza. Na Grinalda podemos observar um pouco da diversidade dos textos de Maria Peregrina, bem como suas opiniões, mas o que marca mais fortemente as poucas páginas assinadas por estas duas senhoras neste periódico é a sororidade, bem como a perda que leva, por im, a grande folhetinista a não mais produzir. Concluímos que neste periódico estas duas escritoras tiveram um espaço considerável, tendo sua obra aceite não apenas por seus editores como pelo público. Para além disto, podemos airmar que, no periódico A Grinalda, Maria do Patrocínio e Maria Peregrina de Sousa conversavam com outras mulheres autoras, como se observa no exemplo das poesias inspiradas no falecimento da irmã mais nova; sendo que, nos poucos doze números mensais, nossas autoras criam e fomentam amizades entre poetisas. Finalmente, notamos a contribuição deste periódico para a autoria feminina, visto a sua abertura a textos de mulheres que escreveram. 38 “A jarra de Flores”. Almanaque de Lembranças de Portugal e do Brasil, 1860, 207. 726 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Elen Biguelini Referências Bibliográicas Bibliograia de Maria Peregrina de Sousa e Maria do Patrocínio de Sousa no periódico A Grinalda. Volume 1. Ano de 1855 Nº 6. Bati, não abriram. M. P. (Maria Peregrina. Revelado no índice), 81. Nº 8. S. Domingos de Sovereira. M. P. (Maria Peregrina. Revelado no índice). 113-115. Nº 9. O Abysmo. Maria do Patrocínio, 129. Volume 2. Ano de 1857 Nº 2. Parábola da Minha Vida. Maria Peregrina, 17-18. Nº 3. O sino da minha Aldeia. Maria do Patrocínio, 33-35. As bruxas do chavascal. (Maria Peregrina. Revelado no nº 4), 35-37. Nº 4. A triste Luzia. Maria Peregrina, 49-52. Nº 6. Riquezas de um momento. Maria Peregrina, 81. Nº 8. O valentão (conto campestre). Maria Peregrina, 113-114. Nº 9. A nau catarineta. Maria Peregrina, 131-134. Nº 10. A primavera. Maria do Patrocínio, 145. Nº 11. D. Carlos e D. Clara . Maria Peregrina, 161-163. Nº 12. Origem do Cannavial. Maria Peregrina, 177-179. Volume 3. Ano de 1860 Nº 2. O Cego. Maria do Patrocínio, 19-20. Nº 3. Os casarios medonhos. Conto Popular. Maria Peregrina, 33-35. Nº 6. O São João. Maria do Patrocínio, 84. Lazaro Martins. Maria Peregrina, 84-87. Nº 7. Deos e as lores. Maria do Patrocínio, 99. Nº 10. O desalento. Maria do Patrocínio, 147. Volume 4. Ano de 1862 Nº 3. Vozes da Natureza. Maria do Patrocínio, 33-34. Volume 5. Ano de 1864 Nº 5. A minha amiga D. Maria Isabel. Maria Peregrina, em resposta ao poema sobre o falecimento da irmã, 65-66. Volume 6. Ano de 1869 Nº 5. S. Francisco Xavier. Maria Peregrina, 65-69. 14 - Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 712 – 729 727 Fontes e Bibliograia Arquivo Distrital do Porto Óbitos da Paróquia da Vitória, Porto, Livro 39 O, l. 15. Arquivo Histórico Municipal do Porto Administração do Bairro de Santo Ovídio, Registo do testamento com que faleceu Maria do Patrocínio de Sousa (1864), Livro n.º 14, A-PUB/5030, ls. 64-65v. Administração do Bairro de Santo Ovídio, Registo do testamento de Maria Peregrina de Sousa (1894), Livro n.º 68, A-PUB/5102, ls. 20v.-25. Archivo Popular: semanario pittoresco. António José Cândido Cruz, editor (Lisboa: Typ. de A. J. C. da Cruz, 1837-1843). Grinalda (A), periódico de poesias inéditas. Nogueira Lima e J. M. B. Carneiro, editores (Porto, Typographia de Sebastião José Pereira, 1833-1857). 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O ofício de tabelião levou Abílio Monteiro a mudar-se para a Maia e, consequentemente, a afastar-se da formação da referida corporação de bombeiros. Na Maia, Abílio Monteiro deparar-se-ia com um território acanhado e fortemente rural. Os conhecimentos e a experiência trazidos da cidade do Porto viriam a ser bem adaptados e aplicados ao concelho da Maia, num afã de criação institucional e de desenvolvimento da imprensa local. Aqui, onde desempenhou vários cargos e onde se fez notar em aspectos inusitados da economia local, Abílio Monteiro contou com o suporte do inluente “brasileiro de torna-viagem” Visconde de Barreiros, natural de S. Miguel de Barreiros, inanciador de uma boa parte dos melhoramentos introduzidos na sua freguesia, à época. Paralelamente à actividade de notário, em que se destacou por ter sido editor de uma publicação periódica especializada, Abílio Augusto Monteiro dedicou-se também, entre outras coisas, à questão dos métodos de ensino da caligraia, ao problema da falsiicação de documentos, e ao uso da caligraia como método de diagnóstico de personalidade, tendo sido, aliás, pioneiro em Portugal da Grafologia e da Perícia de Escrita Manual. Palavras-chave: Abílio Augusto Monteiro, Porto, Maia, século XIX, Grafologia 1 e 2 Daniela Alves e Hélder Barbosa são Licenciados em Turismo e Mestres em Turismo e Desenvolvimento de Negócios pelo Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo (ISCET). Desenvolvem investigações em torno do património material e imaterial do Porto e da Maia no grupo de investigação CHIP (Culture, Heritage and Identity in Porto) e no Clube UNESCO da Maia (CUMA), tendo já publicados alguns trabalhos nessas áreas. Co-autores do livro “Histórias e Memórias das Quintas da Freguesia da Maia” (2016), publicado pela Fundação Gramaxo. 3 Francisco Queiroz é Licenciado, Mestre e Doutor em História da Arte pela Universidade do Porto. É coordenador adjunto do Grupo de Investigação “Património, Cultura e Turismo” do CEPESE e fundador do grupo “Saudade Perpétua”. Tem trabalhos publicados em diversas áreas, desde a História da Arquite- tura à História da Família, passando também pela Psicologia da Escrita. 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 731 1. A juventude Abílio Augusto Monteiro nasceu no dia 25 de novembro de 18514, na freguesia de S. Pedro de Miragaia (Porto), na rua que, àquela data, era conhecida como do Calvário (onde nasceu também Almeida Garrett) e que atualmente é a rua Dr. Barbosa de Castro. Com base em vários almanaques oitocentistas do Porto, é possível inferir uma permanência duradoura dos progenitores de Abílio – António Luís Monteiro e Ana Maria da Glória – nesta artéria da cidade, onde, como era habitual, se conjugavam, num mesmo edifício, a componente residencial e o local de trabalho. Oriundo da freguesia da Sé (Coimbra)5, António Luís Monteiro (1797-1877)6 desempenhou a função de tabelião na cidade do Porto, mantendo o escritório na sua casa da rua do Calvário7. O tabelião Monteiro acabou por falecer com 79 anos de idade, no dia 27 de março de 18778, na rua da Rainha (atual rua Antero de Quental). Através do seu testamento, é possível comprovar que, para além de Abílio Augusto Monteiro, o casal António Luís Monteiro e Ana Maria da Glória teve mais três ilhos: Carolina, Emília e António Fig. 1 – Abílio Augusto Monteiro (retrato publicado em 1908) Luís, que viria a ser também tabelião. Todavia, o texto da derradeira vontade de António Luís Monteiro não revela os bens patrimoniais existentes àquela data, muito embora o seu nome seja precedido pela palavra “Ilustríssimo” e sucedido pela palavra “proprietário”9. De facto, e disso dão conta várias licenças de obra emitidas pelo Município do Porto, António Luís Monteiro foi proprietário de imóveis compreendidos entre a parte alta da cidade A.D.P., Paróquia de Miragaia, Batismos, 1845-1857, l. 85. A.U.C., Paróquia da Sé Nova (Coimbra), Batismos, 1795-1814, l. 55. 6 Opondo-se ao regime absolutista de D. Miguel, António Luís Monteiro fez parte das tropas liberais que, em 8 de julho de 1832, desembarcaram um pouco a norte do Porto, tendo, pois, pertencido aos chamados “Bravos do Mindelo”. 7 Em diversos almanaques compreendidos entre a década de 1830 e a década de 1860, António Luís Monteiro consta como tabelião, com escritório no número 5 da rua do Calvário. 8 A.D.P., Paróquia de Cedofeita, Óbitos, 1877, l. 21v. 9 A.H.M.P., Administração do Bairro de Cedofeita, Registo do testamento com que faleceu António Luís Monteiro, casado com Ana Maria da Glória Monteiro, 1877 (cota: TG-b/631 - l. 2-3). 4 5 732 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz (rua 9 de julho) e a Foz (rua de Cima, atual rua do Alto de Vila). Entre 1848 e 1860, foram diversas as obras que mandou executar nestes seus imóveis10. Os primeiros vinte anos de Abílio Augusto Monteiro terão sido passados na cidade do Porto, possivelmente com certa proximidade à elite burguesa da época, como consequência da proissão do seu pai. A primeira aparição pública de Abílio Augusto Monteiro, de que temos conhecimento, dá-se através de um comunicado de 3 de agosto de 1868, quando tinha apenas 17 anos. Neste comunicado, publicado dois dias depois no jornal “O Comércio do Porto”11, Abílio Augusto Monteiro vem em defesa de Carlos Silva, que uns tempos antes chegara ao Porto para dar lições de caligraia, lições essas que haviam sido frequentadas e bastante apreciadas pelo jovem Abílio. Ora, Carlos Silva expusera ao público portuense os resultados do melhoramento da caligraia dos seus alunos, com exemplos do antes e do depois das aulas frequentadas. Perante tão grandes melhoramentos, foi lançada a suspeita de que o próprio Carlos Silva izera do seu punho os exercícios de caligraia expostos, e, alegadamente, com recurso a magnetismo - suspeita que Abílio Monteiro vem refutar no dito comunicado, dando o exemplo de ele próprio e do modo como as aulas de Carlos Silva o ajudaram a melhorar decisivamente a caligraia. Reira-se que Carlos Silva (Lisboa, 10 de fevereiro de 1830 - Lisboa, 27 de maio de 1890) era ilho de António Venâncio da Silva e de Máxima Silva. Segundo o Dicionário Bibliográico Português, Carlos Silva era “Professor de Calligraphia em varios estabelecimentos de instrucção de Lisboa e tido, segundo a voz publica, por um dos mais insignes entre os da sua arte”12. Até 1870, Carlos Silva tinha publicado já cinco obras, uma das quais com reedições13. Após 1870, Carlos Silva publicou mais livros A.H.M.P., Licença de obra n.º 412/1848 (cota: D-CMP/7 (10) - l. 48); Licença de obra n.º 106/1853 (cota: D-CMP/7 (16) - l. 52-54); Licença de obra n.º 211/1857 (cota: D-CMP/7 (20) - l. 29-30); Licença de obra n.º 449/1858 (cota: D-CMP/7 (22) - l. 157-159); Licença de obra n.º 305/1860 (cota: D-CMP/7 (25) - l.153-154). 11 “COMMUNICADO. Lendo o seu acreditado jornal «O Commercio do Porto» n.º 174, deparei com um communicado do ill.mo snr. Carlos Silva, no qual o mesmo senhor declarava, que alguem mal intencionado tem espalhado que as provas inaes de seus discipulos são escriptas pelo dito senhor, e para obter os inaes documentos os magnetisava! É do meu dever, snr. redactor, levantar tambem a minha voz, ainda que fraca, em abono de s. s.a, protestando contra tão falsos, como infames boatos, e declarando positivamente que as pessoas que teem a honra de frequentar a aula de calligraphia de s. s.a são quem escrevem no ultimo dia de lição nas provas do seu adiantamento. Ao ill.mo snr. Silva mais uma vez me repito agradecido pela completa mudança que em 15 lições obtive no meu talho de letra; e lhe peço que não desespere da sua brilhante carreira, e tenha s. s.a a certeza de que a cidade invicta sabe apreciar o artista habil e honrado. Sou, etc., De V., etc., Abilio Augusto Monteiro. Porto, 3 de agosto de 1868”. Cf. “O Commercio do Porto”, 5 de agosto de 1868. 12 Diccionario bibliographico portuguez, Tomo IX, Letras C-G, p. 45. 13 (1) Theoria da escripta simpliicada e inteligivel contendo as 68 regras para a formação da letra ingleza. Lisboa, Typ. de M. F. das Neves & C.a, 1853; (2) O Paleographo em escala calligraphica. Manuscripto adoptado nos principaes collegios da capital e das provincias. Lisboa, Lithographia de Palhares, 1870 (12ª edição). Em 1880, ia já na 78ª edição! A primeira edição desta obra, que chegou às centenas de reedições e ainda na década de 1940 se publicava, terá saído em 1864; (3) O Perceptor da infancia. Regras de civilidade para os meninos. Compendio approvado pelo Conselho superior de Instrucção Publica. Lisboa, Typ. de Vicente Alberto dos Santos, 1866; (4) Codigo Infantil. Regras de civilidade para meninas. Compendio para uso nos collegios. Lisboa, Imprensa de J. G. de Sousa Neves, 1867; (5) O segundo e novo paleographo em escala calligraphica. Lisboa, Lithographia Palhares, 1869. 10 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 733 sobre caligraia e temas conexos14, tendo granjeado fama apreciável. Em 1873, é considerado como um dos “cavalheiros que mais teem trabalhado para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da arte calligraphica, não só em Portugal, como no Brazil”, arte essa que tinha nesses “ultimos anos attingido um grau de perfeição extraordinario”15. Carlos Silva foi diretor do Instituto Caligráico, estabelecido em Lisboa quase desde o início da sua carreira como professor de caligraia. Foi premiado com a medalha de prata na Exposição Nacional das Indústrias Fabris, em 1888; era formalmente o professor de caligraia das escolas municipais e também o calígrafo da Cúria Patriarcal. Vários anos após a morte, ainda a sua caligraia era citada num periódico humorístico como exemplo de perfeição16. É possível que as suspeitas sobre os resultados excecionalmente bons do método que Carlos Silva usava para o ensino da caligraia tenham sido lançadas por António Caetano Ferreira Silva, antigo guarda-livros, estabelecido “com aula de co- Fig. 2 – Notícia publicada num jornal de Ponta Delgada, bem demonstrativa da fama que Carlos Silva tinha no início da década de 1870 (“Gazeta da Relação”, 30 de abril de 1870) Fig. 3 – Frontispício de uma das muitas reedições da Calligraphia de Carlos Silva 14 É disso exemplo a obra Bouquet de letras manuscritas - Exercícios de Caligraphia, que estava à venda em 1880, segundo o “Diario Illustrado” de 27 de março de 1880. 15 “Diário Illustrado”, 20 de agosto de 1873. 16 “O Petardo”, n.º 12, 15 de dezembro de 1902. 734 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz mércio há mais de 30 anos” na rua de Santo António (atual rua 31 de Janeiro), no Porto. Este, pouco depois de Carlos Silva ter chegado ao Porto, anunciou na imprensa que passava a dar também aulas de caligraia, até por não se justiicar que forasteiros ministrassem tais aulas na cidade. De facto, Carlos Silva não foi o primeiro a vir ao Porto com tal propósito. Antes, havia estado na cidade Fernando Nunes Godinho17, professor de Desenho Linear no Liceu de Vila Real (em 1867). Antes deste, temos ainda notícia de ter estado no Porto o conhecido calígrafo catalão Pedro Sebastiá Vila, em 1865 (e alguns anos antes18), ao que parece deixando discípulos no seu método de “caligraia inglesa”, que havia sido objeto de uma publicação em Portugal no ano de 1855. Carlos Silva terá tido grande inluência nos interesses futuros de Abílio Monteiro. Sensivelmente o mesmo podemos airmar quanto ao gosto do pai deste pela História do Direito. De facto, aproveitando alguns textos compilados pelo pai19, e com apenas 19 anos, Abílio Monteiro publicou em 1870 um livro, ao qual foi dado o título Antiguidades Curiosas. Esta obra reúne os mais variados textos históricos, desde leis a doações, juramentos, cartas, decretos, entre outros. É também no ano de 1870 que Abílio Monteiro começa a reunir esforços com o seu amigo (e, mais tarde, cunhado) Alexandre Teodoro Glama, para que fosse instituída uma corporação de bombeiros voluntários na cidade do Porto20. Fig. 4 – Antiguidades Curiosas (1870) Fernando Nunes Godinho era ilho de um conhecido calígrafo, Manuel Nunes Godinho (nascido em 1816), autor de obras diversas sobre caligraia, como os Preceitos caligráicos (Lisboa, 1850); a Nova arte caligráica teórica e prática (Lisboa, 1853); a Análise do curso de caligraia inglesa de D. Pedro Sebastiá Vila, em co-autoria com José Monteiro Torres Júnior (Lisboa, 1855); os Preceitos caligráicos para a instrução da mocidade (Lisboa, 1862); o Curso completo de desenho linear para uso dos alunos que frequentam os liceus nacionais (Lisboa, 1864); e o Bosquejo ortográico da língua portuguesa (Lisboa, 1866). 18 Note-se que, em 2 de maio de 1861, o “Diário Mercantil” publicita o Instituto Lusitano, de Inês Ribó de Vila e Pedro Sebastiá Vila: colégio apenas para meninas aberto nesse ano na praça do Bolhão, n.º 313. A notícia contém detalhes sobre a estrutura curricular do colégio. 19 António Luís Monteiro, pai de Abílio Monteiro, escreveu, como compilador, pelo menos duas obras: Documentos: sentenças ultimamente proferidas nos autos em que são autores Delim da Cunha Lima, mulher e outros e réo o D. Prior da Real Collegiada de S. Martinho de Cedofeita d’esta cidade, escrivão da Relação, Sarmento e provisões importantes registadas no Real Tombo do mesmo D. Prior (Porto, Nova Typ. de Silva e Valbom, 1870); e ainda Antiguidades curiosas, colligidas por António Luiz Monteiro e publicadas por seu ilho Abílio Monteiro (Porto, Nova Typ. de Silva e Valbom, 1870). Com 291 páginas, esta segunda obra reúne episódios e documentos da História de Portugal, comentados pelo autor. É possível que a primeira obra mencionada também tenha tido mão de Abílio Monteiro. 20 Na época, o combate aos incêndios já era feito de modo regulado na cidade, embora seguindo pressupostos algo diferentes, no respeitante ao modo como os bombeiros se organizavam. 17 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 735 Alexandre Glama, a despeito dos seus 18 anos, seria conhecedor das corporações de Riga e Hamburgo, opinando que chegara o momento da cidade do Porto ter uma verdadeira corporação de bombeiros, apesar de todas as vozes contrárias que ecoaram na altura21. Nesta época, e já com 20 anos, Abílio Monteiro cumpriu o recenseamento militar obrigatório, tendo-se registado em 1871 como morador na rua de Cedofeita, no número 489 (atual número 595)22. Àquela data, a rua de Cedofeita caracterizava-se por ser uma artéria portuense elitista, onde residiam alguns dos burgueses mais abastados, não sendo, por isso, de estranhar que os seus pais aí tivessem ixado residência. Em 1872, e mantendo em mente o projeto de criar uma corporação de bombeiros, Monteiro e Glama obtiveram o apoio de dois outros entusiastas: Hugo E. Kopke e Walter C. Kendall. As reuniões com os voluntários que se iam inscrevendo na corporação eram realizadas nas casas dos quatro visionários, entre elas a da rua de Cedofeita onde Abílio Monteiro residia. Em 1873, inscreveu-se como voluntário o célebre Guilherme Gomes Fernandes, numa altura em que alguns dos iniciadores do projeto acabaram por afastar-se23. 2. A ida para a Maia Segundo Pedro Vitorino, nos inícios de 1873, Abílio Augusto Monteiro viu-se obrigado a abandonar o projeto dos Bombeiros Voluntários do Porto24. Efetivamente, Abílio mudar-se-ia para o concelho da Maia, para ali ser notário25. Numa lista publicada em 9 de março de 1873, com os concorrentes aos lugares vagos do Distrito Judicial do Porto, o nome de Abílio Augusto Monteiro surge “para os oicios preventivos de comarcas”, função à qual só ele e outro concorreram, embora tenha havido muitos candidatos a outras funções em concurso26. Dois meses depois, a imprensa noticia que Abílio Augusto Monteiro fora nomeado tabelião para o julgado da Maia. Curiosamente, na mesma altura, o seu irmão António Luís Monteiro Júnior foi exonerado do cargo de tabelião de notas do Porto27. Em 6 de setembro de 1873, Abílio Augusto Monteiro obteve a Carta do Ofício de Tabelião de Notas no Julgado da Maia28, tendo depois exercido em conjunto com Emílio Alberto da VITORINO, Pedro (1908), Os Bombeiros Voluntários do Porto, pp. 121-122. A.D.P., Caderno de Recenseamento dos Mancebos para Recrutamento do Exército, 1871, l. 19v. 23 VITORINO, Pedro (1908), Os Bombeiros Voluntários do Porto, pp. 121-122. 24 VITORINO, Pedro (1908), Os Bombeiros Voluntários do Porto, pp. 121-122. 25 O livro notarial mais antigo que se conhece relacionado com Abílio Monteiro é o de notas para escrituras diversas, iniciado a 2 de março de 1873 (A.D.P., Cartório Notarial da Maia, Cota: 1/33/1/3 - 7160). A primeira escritura redigida e assinada por Abílio Augusto Monteiro remonta a 17 de maio de 1873, data em que já estaria a residir no Picoto, na freguesia de S. Miguel de Barreiros. 26 “Jornal do Porto”, 9 de março de 1873. 27 “Jornal do Porto”, 9 de maio de 1873. 28 A.N.T.T., Registo Geral de Mercês, D. Luís I, L.º 24, l. 187. 21 22 736 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz Rocha Andrade. Ao que tudo indica, quando Abílio Monteiro foi para a Maia, os seus colegas promotores da corporação de bombeiros voluntários organizaram-lhe um almoço de despedida “no antigo restaurante Almeida, hoje «do Porto», à Praça”29. A inluência que Abílio Monteiro teve na Maia, durante o período em que ali exerceu como notário, foi bastante grande e cremos que muito está ainda por descobrir sobre esse assunto. A título de exemplo, em 14 de novembro de 1874, foram registadas duas minas na Câmara da Maia: uma de prata e outros metais, situada na Camposa (freguesia da Folgosa), e outra de ferro, no sítio do Flamengo (freguesia de Barreiros). Ora, ambas haviam sido descobertas precisamente por Abílio Augusto Monteiro, em conjunto com Agostinho Pedro de Azevedo30. A 12 de junho de 1875, Abílio Augusto Monteiro consorcia-se com Soia Elvira Glama, na quinta dos seus sogros em Pedroso (Gaia)31. Soia Glama era ilha de um casal inluente e abastado – Alexandre Teodoro Glama e a sua segunda mulher Emília Rita França Glama. Era neta paterna de Venceslau Teodoro Glama (Cônsul Português na cidade de Riga) e de Elizabete Glama. Era neta materna do Capitão Félix Bernardo de França e de Maria Rita Camarinha França, de uma conhecida família do concelho de Gaia. Reira-se que Alexandre Teodoro Glama (pai), natural de Riga, era proprietário de barcos e negociante de vinhos, mas depois investiu no fabrico de lacticínios, tendo sido pioneiro neste ramo, na região do Porto. A sua fábrica situava-se em Pedroso, mais concretamente na Quinta do Moutido, no Lugar dos Carvalhos, tendo começado a funcionar em 1841. Aqui produzia-se a manteiga mais famosa do Porto na década de 1840, a qual passou a vender-se na rua do Calvário a partir de 1845. Porém, Alexandre Teodoro Glama (pai) manteve outros negócios, em paralelo com a indústria de lacticínios. A título de exemplo, foi agente no Porto da Empresa de Asfalto Português de Lisboa e era intérprete do Juízo de Saúde do Porto32. Faleceu nos Carvalhos (Pedroso, Gaia) em 9 de junho de 187033. No dia 29 de fevereiro de 1876, nasceu a única ilha do casal Abílio Monteiro e Soia Glama: Lucília Amantina Glama Monteiro, batizada na Igreja de São Miguel de Barreiros (freguesia da Maia), a 8 de março desse ano34. Durante o período em que Abílio Augusto Monteiro esteve a residir no conceVITORINO, Pedro (1908), Os Bombeiros Voluntários do Porto, pp. 121-122. ”Jornal do Porto”, 19 de novembro de 1874 31 A.D.P., Paróquia de Pedroso (Gaia), Casamentos, 1873-1875, ls. 128-128v. 32 Para aprofundamento, veja-se QUEIROZ, Francisco - Subsídios para a História da indústria no concelho de Gaia. I – Da consolidação do liberalismo à Regeneração (1834-1851): Indústrias alimentares. In “Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia”, 8º vol., n.º 53, Dezembro de 2001, pp. 47-50. 33 A.D.P., Paróquia de Pedroso (Gaia), Óbitos, 1870, n.º 48. 34 A.D.P., Paróquia da Maia, Batismos, 1876, l. 5v. O inusitado nome que Abílio Monteiro deu à sua ilha terá sido inspirado no da célebre francesa Amantine Aurore Lucile Lupin, que usou o pseudónimo masculino George Sand. Pelo percurso de vida que George Sand teve, como mulher de grande talento, intelectual arrojada e feminista, politicamente engajada, crítica literária, romancista, dramaturga, memorialista e jornalista, tudo indica que Abílio Monteiro fosse, fatalmente, um seu admirador. Curiosamente, George Sand viria a 29 30 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 737 lho da Maia, e para além da sua ocupação como tabelião, escreveu vários trabalhos sobre temas ligados ao Direito. Escreveu também sobre a terra onde vivia. Dessas obras, destacam-se35: O Bifôlco – Almanaque da Maia; a Revista da Maia - jornal ilustrado; O Palanciano; a Carta topográica do concelho da Maia, na escala de 1/100.000; e as Canções Populares do Concelho da Maia (1900). Abílio Monteiro foi também o primeiro Vice-presidente da Comissão Promotora de Beneicência e Ensino de Barreiros, nomeada em 29 de maio de 1882 e instalada a 4 de junho do mesmo ano, sendo o seu presidente o Visconde de Barreiros. Foi Delegado da Junta Escolar em Barreiros, Encarregado da Estação Postal do Concelho da Maia36, e Juiz do Tribunal Literário de Barreiros (principiado a 14 de agosto de 1880)37. Abílio Augusto Monteiro viveu de perto alguns momentos históricos mais emblemáticos ocorridos na Maia no último quartel de Oitocentos. No dia 9 de janeiro de 1882, no lugar do Picoto, discursou aquando da inauguração das escolas primárias “Maria Pia”, mandadas erguer por José da Silva Figueira, Visconde de Barreiros, o qual seria proclamado cidadão benemérito pela sua freguesia. Abílio Monteiro interessou-se também por Arqueologia, sabendo-se que, nesse ano de 1882, examinou umas sepulturas antigas em Vermoim, tendo até guardado alguns artefactos de cobertura das mesmas38. Fig. 5 – Poesias e Canções Populares do Enquanto esteve a exercer funções na freguesia da Concelho da Maia (1900) Maia, sabe-se que Abílio Monteiro residiu em, pelo menos, dois edifícios. Um deles pertenceu à família de Ramalho Ortigão e serviu como Estação de Correios39. A partir de 29 de setembro de 188340, mudou-se para uma casa a escassos metros, mais precisamente para o próprio palacete do Visconde de Barreiros, o que indicia grande familiaridade entre ambos. morrer exactamente três meses depois do baptismo de Lucília Amantina. Reira-se que Lucília Amantina Glama Monteiro teve uma ilha chamada Zélia Glama Sampaio. 35 Obras referidas nas últimas páginas da sua obra Direito Fiscal (1906). 36 “Revista dos Acontecimentos da Maia”, 1º ano, n.º 1. 37 “Revista dos Acontecimentos da Maia”, 1º ano, n.º 2. 38 AZEVEDO, Joaquim Antunes de (2015), Memórias de tempos idos, Vol. III, pp. 262-263. 39 OLIVEIRA, Álvaro Aurélio do Céu (1983), Almanaque da Maia para 1983. 40 AZEVEDO, Joaquim Antunes de (2015), Memórias de tempos idos, Vol. III. 738 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz Fig. 6 – O centro da Maia na segunda metade do século XX: Colégio de Nossa Senhora do Bom Despacho e edifício dos Correios (antiga “casa do Ramalho”). Fonte: Espólio fotográico da Junta de Freguesia da Maia Fig. 7 – Palacete do Visconde de Barreiros (c. 1910). Fonte: AZEVEDO (2002) 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 739 Em 1895, Abílio Augusto Monteiro e a sua mulher ainda se encontravam a residir em S. Miguel de Barreiros. Porém, este foi, talvez, o último ano de residência da família Monteiro no concelho da Maia41. Uma curiosa nota que publicou em 1908 no livro O Carácter Revelado dá conta do facto de, em 1895, um superior hierárquico, pretendendo salvaguardar interesses ilícitos de determinada pessoa, ter extorquido uma quantia indevida a Abílio Monteiro. Embora este tenha apresentado queixa, o dito superior acabou por dar razão ao infrator, icando Abílio Monteiro com a imagem denegrida, o que o levou a demitir-se. 3. Os últimos anos de vida Depois de Abílio Augusto Monteiro ter deixado de ser notário na Maia (ofício que serviu durante cerca de 22 anos), entrou num período conturbado. Sem emprego, passou por diiculdades económicas, que também o afetaram em termos psicológicos. Algumas pessoas tentaram ajudá-lo, nomeadamente o notário Domingos Curado, colega de redação de Abílio Monteiro nos “Annaes do Notariado Portuguez”, que se dispôs mesmo a ceder-lhe o cargo que ocupava em Gondomar. Do Rio de Janeiro, surgiu também uma proposta. Porém, era tal o apego à pátria, à família e aos amigos, que Abílio recusou. Entretanto, uma proposta chegada de Lisboa levou-o a sair deinitivamente da situação complicada em que se encontrava. A proposta foi feita pelo inluente político Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, o qual pretendia que Abílio Monteiro ocupasse um cargo público na capital. Muito provavelmente, tratava-se do ofício de notário, uma vez que Abílio Monteiro fez parte da Associação de Tabeliães de Lisboa42. Embora não tenha vivido muito tempo em Lisboa, como veremos, o apreço e zelo que nutriu por Hintze Ribeiro, após o seu bondoso acto, levou-o a dedicar-lhe o já referido livro O Carácter Revelado. Todavia, a opinião que Abílio Monteiro tinha sobre Hintze Ribeiro não foi sempre constante ao longo do tempo. Na “Revista dos Acontecimentos da Maia”, redigida por si na década de 1880, Abílio Monteiro escreveu: “vemos conspurcar e vilipendiar os mais nobres carácteres. Hoje um Fontes, um Thomaz Ribeiro e um Hintze Ribeiro roubam a nação e querem vendê-la ao estrangeiro! (…) E assim sucessivamente, insultando-se todos os adversários políticos e fazendo recair uma desconiança ultrajante sobre seus actos, com o único im de satisfazer ambições e vinganças pessoais!(…)”43. No entanto, no mencionado livro que dedicou à “sua excelsa memória” em 1908, teceu-lhe os mais altos elogios, falando do falecido Hintze Ribeiro como um homem com “bela alma” e “uma granSegundo correspondência de Abílio Augusto Monteiro enviada para o erudito Pedro Augusto Ferreira (pároco em Miragaia, no Porto), a família ainda se encontrava a residir na Maia em maio de 1895 (B.P.M.P., cota: M-AM-I-3[1-9]). 42 Diccionario bibliographico portuguez, Tomo XX, p. 75. 43 “Revista dos Acontecimentos da Maia”, 1º ano, n.º 2, p. 6. 41 740 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz de bondade”44. Eventualmente, a opinião inicial sobre Hintze Ribeiro devia-se ao facto de Abílio Monteiro ser simpatizante do movimento republicano, visto ter participado ativamente nos preparativos da revolta do 31 de Janeiro45. Apesar dos momentos mais difíceis por que passou Abílio Augusto Monteiro, nunca deixou de escrever, de pugnar pela modernização e valorização da proissão de notário e, ainda, de tentar introduzir em Portugal novas abordagens à perícia de escrita manual. Podemos supor que terá sido Carlos Silva o grande responsável pelo interesse que Abílio Monteiro desenvolveu sobre a escrita e que o viriam a tornar perito calígrafo, além do primeiro que, em Portugal, editou uma obra sobre as perícias à letra e assinatura, ainda que fosse uma tradução, comentada, de uma obra do italiano Virgilio Carli. Nas notas ao Estudo sobre o exame da letra ou calligraphico, de Virgilio Carli, Abílio Monteiro airmou de forma contundente: “para tais exames [periciais], é mais competente um professor de caligraia do que um notário”. Ora, Abílio Monteiro era as duas coisas. Ao que se julga, Abílio Monteiro foi também o primeiro em Portugal a escrever de forma recorrente e fundamentada sobre a emergente Grafologia46. Embora seja difícil saber por que vias a escrita manual começou a ser estudada em Portugal sob o ponto de vista psicológico, sabemos que Abílio Monteiro, pelo menos desde 1887 (no seu projeto de reorganização do Notariado Portuguez), pretendia o reconhecimento da Grafologia como “uma ciência verdadeira e positiva, baseada em factos”, apesar de estar consciente da muita investigação que seria necessária para validar as teorias já existentes. A citação pertence a uma série de cartas e artigos publicados como apêndice da obra de Virgilio Carli que Abílio Fig. 8 – O Carácter Revelado: Sciencias e Phantasias, de 1908 MONTEIRO, Abílio Augusto (1908), O carácter revelado. Sciencias e phantasias, pp. 5-10. Atente-se neste relato de Heliodoro Salgado: “E no dia 19 [de Janeiro de 1890], o Centro Fraternidade Republicana abre as suas portas para uma conferencia publica sobre a questão ingleza, pelo snr. Agostinho Fortes, Esta conferencia foi realisada pela manhã. Á noite, no mesmo centro, realisava outra conferencia o auctor d’estas linhas (...). De tarde tinha-se realisado um grande banquete patriótico no hotel Villamar, concorrido por académicos, militares e jornalistas. N’esse banquete orou, no meio do mais férvido enthusiasmo, o dr. Oliveira Valle que instigou seu ilho ali presente a dar todo o seu sangue pela pátria e pela liberdade, sempre que a pátria e a liberdade d’elle carecessem. As lagrimas de commoção que o orador chorou foram communicativas. Chorava-se e não se sabia bem de quê: se de raiva, se de esperança, se de desespero, se até talvez de alegria. Falaram em seguida Hygino de Souza, Eduardo Fernandes, Abilio Monteiro, o actor imitador Lamas, que fez uma brilhante airmação de princípios, Heliodoro Salgado, Carlos Calisto e Chagas Roquette”. Cf. SALGADO, Heliodoro - A insurreição de janeiro, pp. 96-97. 46 QUEIROZ, Francisco - Introdução à Psicologia da Escrita, pp. 25-27. 44 45 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 741 Monteiro fez editar47 e que haviam sido publicados anteriormente em “O Primeiro de Janeiro” e nos “Annaes do Notariado Portuguez”, este último fundado e dirigido pelo próprio Abílio Monteiro, com a colaboração de Araújo e Melo e do já referido Domingos Curado, tendo o periódico sobrevivido vários anos à morte do fundador. Numa dessas cartas, pode ler-se: “a grafologia é uma ciência nova, mais ou menos embrionária, é certo, mas que há de produzir uma revolução no estudo da escrita, para determinar as qualidades intelectuais e morais do escritor”48. Fig. 9 – Capa da obra de Virgilio Carli editada em português por iniciativa de Abílio Monteiro (1898) Reira-se que Abílio Monteiro era concunhado de António Augusto de Araújo e Melo, advogado na comarca da Feira e, depois, na do Porto. Isto, segundo o prefácio à referida obra de Virgilio Carli, a quem Abílio Augusto Monteiro adquiriu os direitos de publicação para Portugal. Segundo o próprio Abílio Monteiro, a tradução foi pouco cuidadosa, pois os “dissabores” que o levaram a pedir a exoneração 47 48 CARLI, Virgilio - Estudo sobre o exame da letra ou calligraphico, p. 280. CARLI, Virgilio - Estudo sobre o exame da letra ou calligraphico, p. 285. 742 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz do cargo de notário na Maia, a estadia de sete meses em Lisboa49, um tratamento de saúde em Vizela, uma demorada comissão de serviço em Viana do Castelo, e a transferência da direção dos “Annaes do Notariado Portuguez”, nada mais lhe permitiram além de rever as provas. Foi em 1897 que Abílio Monteiro e o supramencionado advogado Araújo e Melo traduziram para português a obra de Virgílio Carli, publicada originalmente em 1888, debaixo do título Studdi sulla perizia di scrittura e calligraia nei giudizi di falsitá, veriicazione ecc., in materia penale e civile. A versão portuguesa desta obra saiu no que terá sido uma coleção sobre “Graphologia, Graphonomia e Graphognosia”, mas da qual não conhecemos qualquer outro livro50. Fig. 10 – António Augusto de Araújo e Melo na sua juventude, em retrato dedicado a Luís da Silva Ataíde da Costa e autografado em Coimbra a 26 de novembro de 1869, certamente quando estudava Direito na Universidade de Coimbra (espólio da Casa do Terreiro de Leiria, gentileza do Coronel Fernando Atayde) 49 Na Biblioteca Pública Municipal do Porto, encontra-se um cartão-de-visita de Abílio Monteiro com a data de 4 de agosto de 1897 (cota: M-COR-XIII[1195-1196]). No referido cartão, existem as seguintes referências: rua da Rainha, n.º 664 (residência) e rua das Oliveiras, n.º 79-1º (repartição). Tudo indica, pois, que, em 1897, Abílio Augusto Monteiro já se encontrava a residir na cidade do Porto, mais concretamente na rua da Rainha, n.º 664 (atual rua de Antero de Quental). 50 CARLI, Virgilio - Studi sulla perizia di scrittura o calligraica nei giudizi di falsitá, di veriicazioni ecc. in materia penal e civile. Torino, UTET, 1888. 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 743 Em 1903, Silva Telles publica em “O Século” um artigo intitulado Graphologia experimental - que Abílio Monteiro viria a transcrever nos seus “Annaes do Notariado Portuguez” - e que relatava as experiências do célebre Alfred Binet nos laboratórios parisienses da Sorbonne, com vista a provar que o princípio da Grafologia era verdadeiro51. Ora, o primeiro livro conhecido que menciona amplamente a Grafologia, escrito por um português, saiu precisamente da pena de Abílio Monteiro e já o referimos: O carácter revelado: Sciencias e fantasias, publicado no Porto em 1908. O livro trata muitos assuntos em voga na época, como a Caracterologia, a Fisionomia, a Frenologia, e outras disciplinas que se pretendiam cientíicas. Neste livro, Abílio Monteiro faz a crítica a todas estas disciplinas, separando as que tinham fundamentos cientíicos das que não passavam de meras “phantasias”. A Grafologia é a disciplina mais referida e elogiada, colocando Abílio Monteiro grandes esperanças que esta se tornasse uma ciência. Por conseguinte, podemos considerar Abílio Monteiro como pioneiro da Grafologia em Portugal. Reira-se que este livro publicado por Abílio Monteiro em 1908 foi mencionado no “Bulletin de l’Institut Général Psychologique”, de Paris (Vol. 8, 1908, p. 399) e mereceu esta elogiosa recensão na “Gazeta das Aldeias”: “É a obra de um erudito e de um investigador incançável! Concatenando e discutindo princípios e opiniões estabelecidos ou expostos por grande número dos mais eminentes physiologistas e psychólogos, o sr. Abílio Monteiro elaborou um livro valiôso e interessantíssimo sôbre o carácter, estudando os elementos éthnicos e hereditários ou adquiridos que o fazem diversiicar. Sempre que temos de referir-nos a uma obra que, como esta, abrange um vasto problema scientiico, doe-nos não só a falta de competência para a julgar, mas o minguado espaço de que dispomos para uma análise demorada”52. Nos seus muitos escritos, Abílio Augusto Monteiro chegou a usar o pseudónimo “Abdon Maine”. Para melhor identiicação da autoria, por vezes acrescentava “um Membro da Associação Liberal Portuense” - associação essa de pendor republicano - ou “dos Annaes do Notariado Portuguez”53. Foi com aquele pseudónimo que Abílio Augusto Monteiro Fig. 11 – Artigo de Abílio Monteiro em “A Província” (Recife, 28 de maio de 1911) “O Século”, 12 de outubro de 1903. O artigo Graphologia experimental, de Silva Telles, foi baseado num artigo de Binet, publicado pouco tempo antes no periódico francês “La Revue”. 52 “Gazeta das aldeias”, 1908, p. 79. 53 Dicionário de pseudónimos e iniciais de escritores portugueses, p. 398. 51 744 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz publicou num jornal pernambucano as curiosas “Excavações - Polyanthéa Jurídico-Notarial - Demo-psychologia”, em que, sobre vários actos jurídicos, são elencados diversos aforismos populares 54. Fig. 11 – Detalhe da primeira escritura notarial redigida por Abílio Monteiro, em 1873 (A.D.P., Cartório Notarial da Maia) Abílio Augusto Monteiro foi também membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto55. Os últimos anos de vida de Abílio Monteiro são passados no número 45 da Rua da Igreja de Cedofeita, juntamente com a sua i- “O Supomos que Abílio Augusto Monteiro teve algum eco no Brasil, sobretudo na qualidade de editor dos “Annaes do Notariado Portuguez”. Respigamos uma referência elogiosa sobre esta publicação, no Brasil, em que se destaca “uma criteriosa observação do dr. Abilio Monteiro, redactor da referida revista sobre o notariado portuguez”. Cf. “Revista dos tribunais. Publicação bimestral de legislação, doutrina e jurisprudencia”, Volumes 2-3, Salvador da Baía, 1894-1895, p. 129. 55 Diccionario bibliographico portuguez, Tomo XX, p. 75. Reira-se que houve um outro Abílio Monteiro - Abílio Adriano de Campos Monteiro - cerca de vinte e cinco anos mais novo, médico e professor, cujo peril biográico apresenta certas semelhanças com o de Abílio Augusto Monteiro, nomeadamente: o exercício de funções públicas na Maia, a faceta de publicista e escritor multifacetado, a causa republicana, e a pertença à Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto - isto, supondo que ambos pertenceram mesmo à dita associação, o, que, no caso de Abílio Augusto Monteiro, não pudemos ainda comprovar através de fontes primárias. 54 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 745 lha Lucília Amantina Glama Monteiro56. Nesta altura, desempenhava outro cargo público: o de inspetor da fazenda. É nesta casa de Cedofeita que Abílio Monteiro acaba por falecer, no dia 5 de abril de 1913. Conclusão Fig. 13 – Abílio Augusto Monteiro e detalhe do seu curioso amuleto, o qual inclui uma moeda espanhola de cerca de 1806 (A.H.M.P., Coleção Foto Guedes) Abílio Augusto Monteiro foi notário, publicista, jornalista, investigador, homem politicamente interventivo, socialmente dinâmico e interessado, não só por todas as vertentes da sua proissão, mas também pelo seu meio local, por aspetos etnográicos arqueológicos, pela emergente Psicologia e suas ramiicações - em especial pela Grafologia, pela instrução primária, pelas perícias forenses à letra e assinaturas, pela História do Direito. Era um erudito. O seu peril multifacetado e atento às novidades nas várias áreas que ramiicavam da sua proissão, assim como o facto de se ter preocupado em divulgar conhecimento, não se inibindo de opinar Seguindo as pisadas do pai, Lucília Amantina Glama Monteiro traduziu e publicou esta obra do Dr. Vladimiro Pappafava: As condições civis dos estrangeiros - Ensaio histórico e jurídico (Porto, Tipograia Universal, 1902). Reira-se que Vladimiro Pappafava, croata sensivelmente da mesma idade de Abílio Augusto Monteiro, era um advogado famoso em toda a Europa. Escreveu várias obras sobre temas ligados ao notariado e às diferenças entre aspetos do Direito em diversos países, publicadas em vários idiomas. Por certo, Abílio Monteiro correspondia-se com ele. Aliás, não por acaso, o Dr. Vladimiro Pappafava foi Diretor honorário dos “Annaes do Notariado Portuguez”, publicação fundada por Abílio Monteiro. 56 746 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz sobre obras de grandes autores seus contemporâneos - e, por vezes, com ideias pertinentes, que não perderam a atualidade apesar de ter falecido há mais de um século - fazem de Abílio Augusto Monteiro uma igura importante da História do Porto e da Maia, em particular, assim como do notariado em Portugal. Obras e outro espólio conhecido de Abílio Augusto Monteiro MONTEIRO, Abílio Augusto – Direito Portuguez sobre Legados Pios. Porto, Typographia de António José da Silva, 1879. “Revista dos Acontecimentos da Maia”. Direção de Abílio Augusto Monteiro (trimestral). Picoto da Maia: A. A. M., 1882-1883 (Porto, Typ. de Alexandre da Fonseca Vasconcellos). “Revista da Maia”. Prop. Visconde de Barreiros; prop., dir. e red. Abílio Augusto Monteiro; Freitas, José da Silva Melo Soares, ed. com. [Trimestral] Picôto da Maia, A. A. M., 1883-[1886] (Porto, Typ. de Alexandre da Fonseca Vasconcellos). MONTEIRO, Abílio Augusto – Projecto de reorganização do notariado portuguez. Parte I: lei, quadro e tabellas notariaes. Porto, Typ. de A. Fonseca Vasconcelos, 1887. Segundo o Dicionário Bibliográico Português, em volume publicado em 1911, “estava annunciada” a segunda parte da obra “comprehendendo o regulamento da lei notarial”57. “Annaes do Notariado Portuguez”. Revista jurídico-notarial. Fundador e Editor: Abílio Augusto Monteiro. Vol. 1 (1893) - [Vol. 47 (31 de Dezembro de 1928)]. Porto, Typ. de Arthur José de Sousa & Irmão, 1893-[1928] 58. Correspondência para Pedro Augusto Ferreira [manuscrito de Abílio Monteiro existente na B.P.M.P.]. 9 espécies, 1886-1895 [autógrafos assinados; anexos três sobrescritos; uma espécie sem data; cartas, bilhetes postais]. Estudos sobre o exame de letra ou calligraphico, nos processos de falsidade, de reconhecimento ou veriicação, etc., em matérias civil e penal, por Virgilio Carli, perito em exame de letra nos tribunaes de primeira instância e superiores. Vertidos do original por Araújo e Mello, advogado, e Abílio Monteiro, perito, e prefaciados pelo Dr. Bernardo Lucas, advogado. Elementos de calligraphia, pelo professor Luiz Adelino Lopes da Cruz, calligrapho honorário da Casa Real, e premiado com a medalha de oiro em várias exposições. Porto, J. J. de Mesquita Pimentel, 1898. 57 58 Diccionario bibliographico portuguez, Tomo XX, p. 75. Existe na B.P.M.P. (Cota: P-A-1989). 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 747 Poesias e canções populares do concelho da Maia, recolhidas da tradição oral por Abílio Monteiro, revistas por Souza Rocha, acompanhadas pelas respectivas musicas apropriadas para piano por Eduardo da Fonseca. Porto, Joaquim Maria da Costa, 1900. Segundo o Dicionário Bibliográico Português, que não dá detalhes por estes dados terem sido baseados numa nota, antes de 1911 Abílio Augusto Monteiro teria também publicado 59: - O direito do proprietário. - O bifôlco - Almanach da Maia. - Contribuição do registo. - Minutos de ócio. - Os jesuítas - Dois documentos para a sua história. - Estroinices. - Questões praticas de direito, publicação que “foi distribuída gratuitamente” 60. Já se referiu no texto deste estudo biográico que Abílio Monteiro publicou também: - “O Palanciano”; - Carta topográica do concelho da Maia, na escala de 1/100.000; - Canções Populares do Concelho da Maia (1900); - Direito Fiscal; - O carácter revelado: Sciencias e phantasias. Porto, Tipograia Universal, 1908 (371 páginas) 61. Fontes e Bibliograia: Fontes manuscritas A.D.P. (ARQUIVO DISTRITAL DO PORTO), Caderno de Recenseamento dos Mancebos para Recrutamento do Exército, 1871 A.D.P., Cartório Notarial da Maia, Cota: I/33/1/3 – 7160 A.D.P., Paróquia da Maia, Batismos, 1876 Diccionario bibliographico portuguez, Tomo XX, p. 75. Diccionario bibliographico portuguez, Tomo XX, p. 75. 61 Existem exemplares na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e na Biblioteca Municipal de Coimbra. 59 60 748 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz Fig. 14 – Assinatura de Abílio Augusto Monteiro, em 1873 (A.D.P., Cartório Notarial da Maia) A.D.P., Paróquia de Cedofeita, Óbitos, 1877 A.D.P., Paróquia de Miragaia, Batismos, 1845-1857 A.D.P., Paróquia de Pedroso (Gaia), Casamentos, 1873-1875 A.D.P., Paróquia de Pedroso (Gaia), Óbitos, 1870 A.H.M.P. (ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DO PORTO), Administração do Bairro de Cedofeita, Registo do testamento com que faleceu António Luís Monteiro, casado com Ana Maria da Glória Monteiro, 1877 A.H.M.P., Licença de obra n.º 106/1853 A.H.M.P., Licença de obra n.º 211/1857 A.H.M.P., Licença de obra n.º 305/1860 A.H.M.P., Licença de obra n.º 412/1848 A.H.M.P., Licença de obra n.º 449/1858 A.U.C. (ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA), Paróquia da Sé Nova (Coimbra), Batismos, 1795/1814 A.N.T.T. (ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO), Registo Geral de Mercês, D. Luís I, L.º 24 B.P.M.P. (BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO), Cartas a Pedro Augusto Ferreira, cota: M-AM-I-3[1-9] Publicações periódicas “A Nação”, Lisboa, 11 de maio de 1864 “A Província”, Recife, 28 de maio de 1911 “Diario Illustrado”, Lisboa, 20 de agosto de 1873 “Diario Illustrado”, Lisboa, 27 de março de 1880 “Gazeta das aldeias”, Porto, 1908 “Gazeta da Relação”, Ponta Delgada, 30 de abril de 1870 “Jornal do Porto”, Porto, 9 de março de 1873 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 749 “Jornal do Porto”, Porto, 9 de maio de 1873 “Jornal do Porto”, Porto, 19 de novembro de 1874 “O Commercio do Porto”, Porto, 5 de agosto de 1868 “O Petardo”, n.º 12, Porto, 15 de dezembro de 1902 “O Século”, 12 de outubro de 1903 “Revista dos Acontecimentos da Maia”, Maia, 1º ano, 1882 (n.º 1-2) “Revista dos tribunais. 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VITORINO, Pedro (1908), Os Bombeiros Voluntários do Porto, in “O Tripeiro”, ano 1, n.º 8, 10 de setembro de 1908. 750 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Daniela Alves Hélder Barbosa Francisco Queiroz Agradecimentos: Jorge Ricardo Pinto, Eduardo Alves Marques, José Eduardo Reis, Ana Paula Morais, André Varela Remígio, Fernando Atayde, e Cristina Moscatel 15 - Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 730- 751 751 “Varões Assinalados”, Ano I, n.º 1, Setembro de 1909 Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa Ana Catarina Necho1 Resumo No 1º colóquio “Saudade Perpétua”, que se realizou em Gaia, no mês de Junho de 2016, o nosso objectivo centrou-se em realçar uma personalidade que teve um grande impacto não só nas Ciências Médicas, como na mudança do contexto político que surgiu em Portugal, na primeira década do século XX. Desta forma procurámos elaborar um contexto histórico, político e social entre os séculos XIX e XX, em que Portugal se encontrava numa conjuntura antagónica: Monarquia vs República. Quais as acções e consequências desta clivagem? Neste quadro de grande complexidade, importa destacar a igura de Miguel Augusto Bombarda como político, a sua acção e o seu contributo na alteração que se veriicou no panorama político português. Concomitantemente, em Portugal vivia-se num contexto em que a corrente Neopositivista se estava a consolidar, pela airmação da experiência e do progresso. Estes factores que possibilitaram um maior conhecimento do ser humano. É, neste sentido que Miguel Augusto Bombarda também se acabou por destacar, pela forma como possibilitou um novo diálogo nas ciências. Portugal juntamente com outros países europeus contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da Psiquiatria e Neurologia portuguesas e, assim para que se procedesse a um melhor entendimento dos alienados consolidando-se através da criação de edifícios adequados para o seu restabelecimento. Palavras-chave: Alienados; Asilos; Assistência Mental; Psiquiatria; Política 1 Doutoranda em História – FLUL Investigadora CH-FLUL/CEHR-UCP 16 - Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 752- 767 753 1.Liberalismo e Romantismo: o conceito de Estado e a «liberdade» artística Numa época em que se observaram grandes divergências políticas a nível nacional pela contestação sobretudo ao regime vigente do século XIX, bem como ao atraso signiicativo do país perante o progresso dos concernes europeus, a contestação à Monarquia Portuguesa tornou-se cada vez maior sobretudo pela questão da Guerra Civil: um país dividido entre uma Monarquia Absoluta e uma Monarquia Liberal. De facto, a inluência das Revoluções Americana (1776) e mais tarde a Francesa (1789) tiveram um grande impacto pelos seus ideais. A forma como ediicaram uma nova ideologia que tinha o intuito de terminar com a concepção de poder absoluto vigente em vários países, nomeadamente Portugal, e asseverar a todos os cidadãos a igualdade de garantias e privilégios reforçou um conceito de justiça perante todos, que se fortaleceu nos ideais da Revolução Francesa: Liberté, Égalité et Fraternité. Assim, icava claramente incumbida à entidade estatal, ou seja, à estrutura constitucional do Estado a jurisprudência e a garantia do cumprimento dos ideais referentes à soberania da Nação. Porém, se no século XIX era grande a contestação às monarquias não deixa de ser de extrema relevância ter sido um período em que concomitantemente surgiram vários movimentos cientíicos e artísticos que procuraram abrir os horizontes em busca do conhecimento do Homem. Neste sentido, salientamos o Romantismo, um movimento artístico de aceitação de uma estética através da subjectividade, do sonho e partilhada pela imaginação. Esta nova «interpretação» da realidade, do ser Humano incidia na descoberta do seu interior que colocava novas questões aos Psiquiatras. Deste modo, estes proissionais através da percepção das questões que recaiam na Loucura, na Normalidade e na Psicopatologia através desta última área em que estava inerente a individualidade e o sujeito tinham o intuito de conduzir o indivíduo a um raciocínio normal através da compreensão de algumas patologias da mente como a histeria ou obsessão2. 2 Cfr. António Fernando Cascais e Margarida Medeiros, Hospital Miguel Bombarda – 1968, Maia, DOCUMENTA, 2016, p. 17. 754 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Catarina Necho Nesta época surgiram grandes nomes na Literatura, nas Artes, nas Ciências e na Política. Falamos de personalidades relevantes da sociedade portuguesa entre os séculos XIX e XX, como Antero de Quental, Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Caetano Beirão, Miguel Augusto Bombarda, Egas Moniz, José Tomás de Sousa Martins, Jaime Batalha Reis, Teóilo Braga, Magalhães Lemos, Sobral Cid, Fernando Pessoa, Guerra Junqueiro entre outros, e em que alguns integraram a designada Geração de 70, o que permitiu durante o século XIX revolucionar a Cultura portuguesa3. Pode-se constatar que, no último terço do século XIX, foram várias as iguras que restauraram os quadros da vida cultural portuguesa. E, neste contexto inserem-se as mais diversas áreas, desde a crítica literária ou social, Poesia ou História, passando pela Economia. “A transformação veriicada na cultura foi quase o relexo da crise política que minava o regime liberal, por terem os nomes mencionados a consciência de que o País estava numa viragem da sua História”4. 2. O papel de Miguel Bombarda na mudança do panorama político português Numa época conturbada por conlitos e confrontos ideológicos que caracterizaram o século XIX, em Portugal surgiu uma igura que contribuiu decisivamente para um novo panorama político português pela sua ideologia e pela sua acção. De grande personalidade combativa Miguel Augusto Bombarda, nasceu no dia 6 de Março de 1851, no Rio de Janeiro. De personalidade combativa e um monárquico foi que com o decorrer da fragilidade política pela consequência dos conlitos económicos em que viu Portugal perder os seus domínios, pela ausência de ideais, pela estagnação de um país que carecia de uma grande mudança social, política e económica que começou a revelar a sua descrença em relação ao regime monárquico. 3 Cfr. Joaquim Veríssimo Serrão, Geração de 70, História de Portugal – O Terceiro Liberalismo (1851 – 1890), Vol. IX,[s. l.], Editorial Verbo, 1986, pp. 303 – 304. 4 Vide Idem, Ibidem, p. 305. 756 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Catarina Necho Era notória a incredulidade face às instituições e descrevia nas cartas que redigia a Nação à beira do abismo. Outras iguras como Guerra Junqueiro também criticavam severamente a Monarquia, sobretudo pela crise do Ultimatum com a perda das colónias em África. Era evidente a culpabilização atribuída à Casa de Bragança pelo estado em que estava a Nação5. Perante este contexto, Miguel Augusto Bombarda começou a vislumbrar um novo horizonte para Portugal, que no seu entender só poderia ser através dos Ideais Republicanos, juntamente com outras iguras políticas de grande relevância que integravam o Partido Republicano Português, como Teóilo Braga, Manuel de Arriaga e Rodrigo de Freitas. Mais que um militante republicano tardio de tendências socialistas, defendia uma legislação do trabalho, a socialização do solo, o imposto progressivo, a separação da Igreja do estado, bem como medidas de cariz higienista6. Preocupava-se com a política/questão social e por aí se fundamentava o seu optimismo republicano. Miguel Augusto Bombarda que dirigia a “Junta Liberal” teve um forte desempenho na propaganda Republicana e o seu papel foi fulcral para uma agitação política. Para este político de vigorosos ideais republicanos fortemente marcados pela corrente positivista procurava “conciliar a ordem com o progresso através duma política cientista, laica e solidária”7, que estava ligada a uma tradição empírica e racionalista8. Como expressa numa carta ao Conde F. Amaral, no dia 23 de Maio de 1908, Miguel Bombarda diz: “Eu não estou iliado no partido republicano, mas o meu espirito todo se republicanisou. Sempre com o nosso saudoso José Dias, mantive-me na crença de que era possível, na monarchia, ser cidadão portuguez e como cidadão portuguez viver. Isto foi até á sua ultima conferencia. N’este momento, foi luminoso para mim, pelo contexto de que eu disse, e pela conclusão que falhou, que nem com um democrata d’aquelles a liberdade, na monarchia, podia vencer Portugal. Vieram depois 5 Cfr. Joaquim Veríssimo Serrão, Portugal em 1890, História de Portugal – A queda da Monarquia (1890-1910), Vol. X, 2ª Edição, [s. l.], Editorial Verbo, 1990, p. 13. 6 Cf. Ana Leonor Pereira e João Rui Pita, Miguel Bombarda e as singularidades de uma época, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, p. 8. 7 Vide Paulo Araújo, op. cit., p. 27. 8 Cf. Idem, Ibidem, p. 27. 16 - Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 752- 767 757 os decretos despoticos, veio o de 31 de janeiro, e não pude mais. Todas as razões que, tem por idas, ainda que faziam tolerar a monarchia em Portugal, todas se reviraram contra ella. A republica, dizem, não pode ser ordem e progresso n’um povo de paixões, mas ainda menos o póde ser a monarchia, porque o rei, tão meridional como o povo, tem porta aberta para o absolutismo e é afronta máxima […]”9. Foi nesta conjuntura que com outras sociedades como a Carbonária e a Maçonaria a causa revolucionária tornou-se evidente sucedendo o regicídio em 1908 com o assassinato de D. Carlos e do seu ilho primogénito. O triunfo da revolta republicana sucedeu dois anos depois, no dia 5 Outubro de 1910. Apesar de Miguel Augusto Bombarda ter sido um dos principais responsáveis, este acabou por não assistir à Implantação da República, pois este acontecimento sucedeu dias depois de ter sido morto por um dos seus pacientes no Hospital de Rilhafoles, onde era Director. 3. A problemática da Loucura: uma nova interpretação? Durante o século XIX o estigma que existia em torno da Loucura começou a modiicar-se com o contributo de diversos estudos, que ocorreram naquela época e que vislumbraram conhecer de que males o Homem padecia. O que durante séculos persistiu num quadro que juntava a mística e o receio deixou de ser uma condenação ética da ociosidade para o trabalho, factores que levavam a uma exclusão dos indivíduos por parte da sociedade. Com o contributo de Alienistas e Psiquiatras, o alienado deixou de ser visto como um elemento perturbador da «norma social», para começar a ser compreendido como um indivíduo doente, pela ausência das suas faculdades cognitivas. Por conseguinte, com o progresso das ciências humanas no campo da Psicologia e da Psiquiatria colocou-se a “representação do comportamento e a sua expressão na ordem do dia, numa época em que a noção do Eu domina a compreensão do sujeito”10 e em que a sua interpretação se torna fulcral para o entendimento das questões humanas. 9Vide A.N.T.T. Arquivo F. Amaral, Caixa 3. 10 Vide Supra António Fernando Cascais e Margarida Medeiros, op. cit., p. 16. 758 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Catarina Necho Esta nova percepção da «realidade» do alienado foi possível pelo diálogo que se estabeleceu entre médicos de vários países europeus como Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Suíça, entre outros. No século XIX através da emergência e consolidação das ciências médicas e pelo contributo dos seus estudos foi possível compreender a Loucura como enfermidade e arranjar novos mecanismos de tratamento para a recuperação dos enfermos. Não descurando, que antes os loucos eram alvos de estigma e condenação social. Nesta nova percepção, para além de serem considerados como «doentes» com «direitos», viram a possibilidade de serem tratados em edifícios adequados para os males dos quais padeciam. Tratou-se de uma necessidade “imperativa de proporcionar instalações dignas para alojar os pacientes”11 que no caso de Portugal se encontravam nas degradantes enfermarias do Hospital de S. José e que o Marechal Duque de Saldanha procurou solucionar com a ediicação do Hospital de Rilhafoles. 3.1. Mecanismos de tratamento e metodologias de cura Em França durante o século XVIII Philippe Pinel e E. Esquirol (discípulo) destacaram-se pelo seu contributo no novo entendimento da Loucura, bem como pelo seu carácter ilantrópico no tratamento dos alienados. Foi desta forma, que se começaram a ediicar instituições adequadas para acolher aqueles que padeciam de doença mental, por exemplo os asilos de Salpêtrière e Bicêtre. Como dizem os autores Marcel Gauchetet Gladys Swain: “La naissance de l’asile va donner une impulsion determinante à cette réduction de l’altérité de la folie entamée par l’enfermement. Elle va enchanger aussi bien les conditions que les dimensions. Elle instale le dispositif à partir du quel va pouvoir progressivements’ opérer l’identiication à la folie”12. Esta nova dimensão assistencial para aqueles que tinham perdido a sua Psiché demonstrou que a sociedade europeia estava em busca de novos es11 Vide Supra António Fernando Cascais e Margarida Medeiros, op. cit., p. 98 12 Vide Marcel Gauchet et Gladys Swain., La pratique de l’esprithumain, France, Éditions Gallimard, 2007. 16 - Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 752- 767 759 tudos, investigações que permitissem o tratamento dos que tinham perdido as capacidades cognitivas e comportamentais. Em concomitância, o seu intuito, para além da criação de espaços apropriados para os alienados consistiu em introduzir novos mecanismos de tratamento, isto é, novas terapias como a ergoterapia, psicoterapia, terapia ocupacional e medicalização - meios mais brandos para tratar dos alienados e conseguir em larga medida reintroduzi-los na sociedade. Contudo, esta nova dinâmica assistencial, não ocorreu só em França apesar de ter sido a grande percussora desta nova realidade assistencial, que se desenvolveu por vários países da Europa, e neste contexto importa sublinhar que permitiu a Portugal e Espanha uma efectiva colaboração no desenvolvimento da Ciência Psiquiátrica Ibérica. Assim, entre os séculos XIX e XX tornou-se indubitável a necessidade de criação de mais asilos com o intuito de internamento para os alienados, sobretudo com a preocupação dos direitos dos mesmos enquanto lá permanecessem para conseguirem o seu restabelecimento. Por conseguinte, colocava-se a questão relativa ao contributo de uma nova visão da sociedade ocidental quanto aos tratamentos e cuidados prestados aos loucos sobretudo pelos os seus «direitos». Através dos métodos de experimentação, não só reforçou um novo entendimento sobre a concepção da Loucura, bem como foi fulcral por possibilitar a introdução de novas práticas terapêuticas, desta vez em edifícios adequados, que apenas foram concebidos para acolher alienados. “Mais si le point vaut d’être noté, c’est à cause de ce qu’il contribue à faire ressortir comme le relatif échec de cet établissement pourtant à tous égards «modèle». L’échec précisement à devenir un modèle. Car c’est un fait digne de remarque que cette «maison de traitement des aliénés» que nos voyons partir au printemps 1802 sous les meilleurs áuspices a connu la célébrité, mais sans jamais prendre igure d’exemple à suivre ou de modèle auquel se conformer”13. Assim, é de realçar que o não ajuntamento de doentes com diferentes tipos de enfermidades possibilitava um tratamento mais eicaz como também uma menor taxa de infecções e mais espaço para acolher doentes. 13 Vide Marcel Gauchet et Gladys Swain, op. cit., pp. 50 – 51. 760 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Catarina Necho Fig. 2 – Lápide alusiva ao Duque de Saldanha, no Hospital Miguel Bombarda 4. O papel preponderante de Miguel Bombarda na evolução da Psiquiatria Portuguesa Miguel Augusto Bombarda foi aluno entre os anos de 1872 a 1877 da Escola Médico-Cirúrgica em Lisboa14, onde se formou enquanto médico-psiquiatra. Nesta mesma escola tornou-se Professor e em 1892 foi nomeado Director do primeiro Hospital para Alienados em Portugal – o Hospital de Rilhafoles fundado em 1848, por ordem do Duque de Saldanha, face às condições de grande decadência que tinha encontrado nas enfermarias de S. Teotónio e Santa Eufêmia pertencentes ao Hospital S. José, as quais estavam incumbidas na altura de receber os alienados. Numa época de grandes alienistas como P. Pinel e E. Esquirol, Emil Kraeplin, Jean-Martin Charcot, entre outros, Miguel Augusto Bombarda foi inluenciado pela corrente positivista que reforçava o conhecimento 14 Cf. Paulo Araújo, Miguel Bombarda – Médico e Político, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2007, p. 11. 16 - Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 752- 767 761 cientíico como sendo o mais plausível, pelo que procurou alargar os seus conhecimentos a novos horizontes. Para isso também estabeleceu como uma das prioridades um diálogo com vários países, desde França, Espanha e Inglaterra. O poder médico carecia de reforço e relexão e para isso dadas as indeinições de fronteiras entre a loucura e a sanidade era necessário obter uma luidez de critérios que levasse à identiicação das mesmas. Para tal, o poder do médico não poderia estar coninado, nem a alienação devia ser sinónimo de «exclusão social»15. Desta forma, Miguel Augusto Bombarda teve um papel relevante na problemática hospitalar e na sua dimensão social o seu propósito aliou-se a uma corrente cientíica em que os fenómenos psíquicos (a última região da natureza) deviam ser estudados e compreendidos numa dinâmica hospitalar e laboratorial, que conciliava o tratamento dos doentes, as terapias, até à criação de um espaço para estudos e análises químicas e comportamentais. Ou seja, um hospital psiquiátrico ediicado com uma racionalidade de conjuntura entre saber e poder16. Miguel Augusto Bombarda procurou debruçar-se nas questões da Neurologia e Psiquiatria, e para isso criou um laboratório para a análise de crânios até ao estudo do comportamento dos doentes, dentro do Hospital de Rilhafoles. Foi desta forma que, em Portugal surgiu uma nova dinâmica assistencial, que alicerçava não só o tratamento dos doentes até ao estudo de várias patologias. Era evidente, que Portugal era dos poucos países onde não havia o ensino oicial das patologias mentais, e que só com o advento das Instituições Republicanas esta nova área conseguiu consolidar-se17. Desta forma, o ensino da livre da Psiquiatria iniciou-se em 1896, isto porque não só as Ciências Médicas se começaram a airmar, como a questão da assistência aos doentes começou a tornar-se essencial para garantir uma normatividade dentro da sociedade portuguesa, visto que os designados loucos eram vistos como elementos perturbadores da sociedade. Esta nova forma de assistência psiquiátrica mesmo ainda tendo características 15 Cfr. Ana Leonor Pereira e João Rui Pita, op. cit., p. 27. 16 Cfr. António Fernando Cascais e Margarida Medeiros, op. cit., p. 105. 17 Cfr. Dr. Sobral Cid, O Professor Miguel Bombarda – A sua carreira e a sua obra de alienista, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, 1925, p. 1. 762 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Catarina Necho embrionárias era diferenciada dos serviços dos hospitais gerais. O Hospital de Rilhafoles, que se criou por uma necessidade de serviço à assistência mental, também “decorreu da premente necessidade de resguardar a sociedade e as famílias da presença sempre temida e dos contactos impressionantes dos loucos furiosos, do que propriamente do dever moral e social de hospitalizar o alienado com o im generoso e altruísta de o proteger, assistir e, possivelmente, curar”18. Neste contexto estava-se perante uma problemática paradoxal? Porque não se pode descurar que até meados do século XVIII a assistência aos doentes estava incumbida à Igreja Católica, pelo que existiam concepções e mitos que tornavam o alienado como um elemento incompreendido e alvo de exclusão, face à sociedade, que sobretudo pelo desconhecimento da doença condenava os alienados, por não se inserirem na normatividade social e religiosa sendo considerados elementos improdutivos e perturbadores. Neste quadro de exclusão pelo incumprimento da «norma» eram colocados em prisões, outros deambulavam pela rua, bem como podiam ser «punidos» num contexto religioso. “L’Église étant a appelés à délivrer les sujets des démons. Le discours théologique de la possession ne distingue pas encore l’acte sorcier condamné – pacte satanique volontaire – et l’état de possession individuel d’un sujet pecheur ou malade, et donc essenciellement victime”19. No entanto, conciliando o Hospital de Rilhafoles com as práticas médicas, Miguel Augusto Bombarda juntou assim o trabalho da escola médico-cirúrgica envolvendo os estudantes da área da Psiché e os estudos que realizavam num propósito de adquirir e consolidar saberes. Daí hoje existir o testemunho material do Museu-Enfermaria do Hospital, repleto de materiais, estudos, trabalhos dos doentes, que necessitam de uma nova percepção sobre a necessidade de estudo/preservação do passado, no intuito de perpetuar a memória da História da Saúde Mental. O Hospital tornou-se um espaço de discurso cientíico, um meio limitado para conter a loucura dentro dos muros do asilo, mas que pela sua 18 Vide Sobral Cid, op. cit., p. 2. 19 C Vide Hervé Guillemain, Diriger les consciences, Guérir les Âmes – Une histoire comparée des pratiques thérapeutiques et religieuses (1830 – 1939), Paris, Éditions La Découverte, 2006, p. 47. 16 - Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 752- 767 763 abertura e pelos instrumentos que foi adquirindo tornou-se um espaço terapêutico e de ressocialização20. De salientar, que Miguel Augusto Bombarda tornou-se uma igura de vanguarda na introdução das novas terapias, que claramente pretendiam devolver o doente recuperado à sociedade através de processos que passavam pela psicocirurgia, pelos tratamentos de choque e pela psicofarmacologia e os quais pretendiam abrir um caminho para a Psiquiatria Moderna e para o processo da desinstitucionalização a im de evitar os internamentos que apresentavam um número muito elevado. O magníico trabalho de Miguel Augusto Bombarda enquanto Psiquiatra, veriicou-se não só no Hospital pelas grandes melhorias, que tentou introduzir no edifício desde a higiene, a separação de alienados por patologias e sexos, uma alimentação variada, tal como pela inserção de novas terapias com o intuito de estabilizar os doentes e obter a sua recuperação, de forma a evitar as medidas mais agressivas de contenção (como as peias; coletes-de-força e correntes), com o intuito de também reduzir o número elevado de mortalidade que ocorria no Hospital de Rilhafoles. De salientar, que Miguel Augusto Bombarda, para além das questões políticas procurou no seu percurso médico ter um papel preponderante no progresso das Ciências Médicas em Portugal, para que estas se consolidassem como um saber e se tornassem uma das áreas prioritárias de tratamento do Homem. Esta situação veriicou-se pela ascensão do poder médico, que simultaneamente se apresentava ser uma autoridade cognitiva de diagnóstico, de tratamento e de experimentação. Este ilustre médico contribuiu com a escrita de inúmeros artigos cientíicos, pelo que foi um dos fundadores e responsáveis da Revista de Medicina Contemporânea. Foi ainda um dos grandes impulsionadores do diálogo entre Portugal e as nações congéneres europeias, numa tentativa de dimensionar Portugal como um dos países mais promissores (apesar das grandes diiculdades) na dinâmica da assistência mental. Exemplo desse facto tratou-se da realização do XV Congresso Internacional de Medicina, que se realizou em Lisboa, em 1906 21. 20 Cfr. António Fernando Cascais e Margarida Medeiros, op. cit., p. 105. 21 Relatorio e Contas da Commissão que tomou a seu cargo a Homenagem ao Prof. Miguel Bombarda pela organização do XV Congresso Internacional de Medicina, Lisboa, Oicina Typographica, 1907, p. 3. 764 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Catarina Necho No seu percurso22 trabalhou ao lado de iguras como António M. Senna, Magalhães Lemos, Caetano Beirão, Júlio de Matos, Sobral Cid, Mendes Pulido entre outros grandes nomes que contribuíram para o estudo da mente e comportamento humano. Alguns destes que mais tarde vieram a integrar o segundo Hospital para alienados, este criado no Porto, em 1883 – Hospital Conde de Ferreira23 fundado no dia 24 de Março de 1883, face à grande necessidade de acolher e tratar o crescente número de alienados em Portugal. Fig. 3 – O Hospital de Rilhafoles adquiriu o nome de Miguel Bombarda após a morte deste, em 1910 22 De 1851 a 1910 opera-se a designada revolução fármaco-terapêutica. 23 O Hospital Conde de Ferreira foi possível ediicar graças ao testamento do Conde Ferreira, que na sua morte doou uma vasta quantia para a construção de um novo edifício, no Porto cujo intuito seria tratar os alienados. 16 - Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 752- 767 765 Fontes e Bibliograia Fontes Manuscritas A.N.T.T., Arquivo F. Amaral, Caixa 3. H.S.J., Livros nº 7190, 7191, 7192. Fontes Impressas Relatorio e Contas da Commissão que tomou a seu cargo a Homenagem ao Prof. Miguel Bombarda pela organização do XV Congresso Internacional de Medicina, Lisboa, Oicina Typographica, 1907. CID, Dr. Sobral - O Professor Miguel Bombarda – A sua carreira e a sua obra de alienista, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, 1925. Bibliograia ARAÚJO, Paulo - Miguel Bombarda – Médico e Político, Casal de Cambra Caleidoscópio, 2007. BRAGA, Teóilo - História das Ideias Republicanas em Portugal, Lisboa, Vega, 2010. CASCAIS, António Fernando et MEDEIROS, Margarida - Hospital Miguel Bombarda – 1968, Maia, DOCUMENTA, 2016. FOUCAULT, Michel - História da Loucura na Idade Clássica, 8ª edição, Brasil, 2009. GAUCHET, Marcel et SWAIN, Gladys - La pratique de l’esprithumain, France, Éditions Gallimard, 2007. GUILLEMAIN, Hervé - Diriger les consciences, Guérir les Âmes – Une histoire comparée des pratiques thérapeutiques et religieuses (1830 – 1939), Paris, Éditions La Découverte, 2006. PINEL, Philippe - Tratado Médico-Filosóico sobre a Alienação Mental, Tradução de Bruno Barreiros, Nuno Melim e Nuno Miguel Proença, Lisboa, Edições Colibri, 2011. 766 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Catarina Necho SERRÃO, Joaquim Veríssimo - Geração de 70, História de Portugal – O Terceiro Liberalismo (1851 – 1890), Vol. IX, [s. l.], Editorial Verbo, 1986, pp. 303 – 306. IDEM - Portugal em 1890, História de Portugal – A queda da Monarquia (1890-1910), Vol. X, 2ª Edição, [s. l.], Editorial Verbo, 1990, p. 13 – 16. 16 - Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 752- 767 767 Francisco Metrass, Estudo para Camões na gruta de Macau, c. 1853, óleo s/ madeira Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos Nuno Saldanha1 Resumo Figura extraordinária no panorama da Pintura Romântica portuguesa, Francisco Metrass é o pintor que melhor personiica o “romântico por excelência”. Por um lado, pelos aspectos associados à vida trágica, prematuramente ceifada pela tuberculose (o “mal do século”); por outro, pelo trabalho ímpar que nos deixou, e a importante renovação que operou no seio da Pintura de História. Mais do que um estudo sistemático, para além de trazer a lume alguns dados inéditos, pretende-se aqui esboçar uma análise através de alguns dos elementos que melhor caracterizaram a sua obra - Melancolia, Morte e Erotismo – dando particular destaque aquela que se constituí como a pintura mais importante da sua carreira, o Só Deus!, de 1856. Palavras-chave: Romantismo, Francisco Metrass, Arte Século XIX, Pintura de História, Melancolia, Eros e Tanatos 1 IADE-Universidade Europeia Investigador associado: UNIDCOM /CHAM 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 769 1. Introdução Os estudos sobre a Arte Portuguesa da primeira metade do século XIX encontram-se, por assim dizer, num “limbo” historiográico, mormente no que diz respeito à Pintura e à Escultura, diversamente do que sucede no campo da História Literária, Política ou Económica. Passado o tempo do considerável impulso dado pelos trabalhos de fôlego de José-Augusto França - depois prosseguidos por outros - até inais de Novecentos, facto é que muito pouca atenção tem sido prestada a este período, já por si encerrado num século que, no contexto da Arte Contemporânea, parece enfrentar algumas diiculdades em despertar interesse dos estudiosos mais jovens. Entre os raros nomes desta geração que conheceram alguma notabilidade, está o de Francisco Augusto Metrass (1825-1861), sobre quem recaiu a escolha da nossa investigação. Por um lado, à semelhança do que sucede com a maior parte dos pintores, o conhecimento da sua vida e obra encontra-se ainda num estado de signiicativa precariedade, por outro, quer pelo carácter da obra, como pelas circunstâncias infelizes da morte prematura, que marcaram de forma expressiva a sua imagem, associada à dor, morte e melancolia, ele constitui-se como o melhor exemplo da “personiicação romântica”. Como referia um dos seus biógrafos, José Maria d’Andrade Ferreira, logo em 1861: “O que parecerá a alguém uma predilecção do artista, era uma necessidade de desafogo do genio do homem. As situações luctuosas de varios transes de morte, como n’este quadro da Viuva, e no só Deus; a expressão de uma dôr intensa e sublime, como nas cabeças de D. Ignez e do Camões na Gruta de Macau; o sentimento vago de uma magoa ininita, similhante ao adeus sem esperanças.”2. Através de uma análise do seu percurso, pretendemos neste pequeno estudo aportar vários dados inéditos, quer aprofundando e corrigindo alguns factos biográicos, como trazendo a lume novas interpretações e contextualiza- Os nossos especiais agradecimentos para Maria de Aires Silveira, do Museu do Chiado/Museu Nacional de Arte Contemporânea, pelas facilidades e informações prestadas sobre as peças daquele museu. 2 José Maria d’Andrade Ferreira, “Francisco Augusto Metrass”, In Revista Contemporanea de Portugal e Brasil, Vol. III, nº 2, Lisboa: 1861, p.88 770 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha ções sobre a obra, principalmente através da leitura dos aspectos que melhor a caracterizam - a Melancolia, a Morte (Thanatos) e o Erotismo (Eros) - valores associados e próximos da sensibilidade romântica europeia, tanto na estética literária como na pictórica. 1. A vida O conjunto mais completo de dados sobre a biograia de Metrass, mantem-se, até à data, o elaborado por Diogo de Macedo3, em meados do século passado, o que é por si sintomático da pouca atenção historiográica dada ao assunto. Todavia, apesar da riqueza informativa, trata-se de uma recolha que mistura frequentemente a história com a fantasia, com várias lacunas, erros, e sem qualquer indicação de fontes ou referências. Neste capítulo, dadas as limitações, interessa-nos sobretudo fazer uma breve resenha da vida deste pintor, destacando particularmente os dados inéditos mais relevantes, corrigindo ou colmatando algumas informações, que poderão servir de base para posteriores investigações. Uma das novidades a destacar, assenta desde logo no momento do nascimento do pintor, e nas origens da sua família. De apelido Metraz, Francisco nasceu em Lisboa, na Rua do Poço dos Negros, a 7 de Fevereiro de 1825, segundo ilho de Jerónimo Emiliano d’Abreu Metraz e Maria Isabel Metraz4. 3 Veja-se Diogo de Macedo – Quatro Pintores Românticos – Meneses, Metrass, Patrício, Rodrigues, 1 Série, Col. Museum, nº6, Lisboa: 1949, pp. 12-16; e Francisco Metrass e António José Patrício, Cadernos de Arte, VII, Lisboa: 1952, pp. 13-14. 4 Livro dos Baptizados de Nação Italiana Feitos nesta Igreja de Nossa Senhora do Loreto Parochial da mesma Nação nesta Cidade de Lisboa, que tem principio em 19 de Julho de 1817, fol. 161: “Aos Dezoito Dias do Mez de Maio de Mil Oito Centos e Vinte e Cinco Annos, o Pde P. Coadjutor da Freg.ª de Santa Catharina do Monte Sinai José da Silva Salgueiro: Baptizou e pôz os Santos Oleos a Francisco q. nasceu em Sette do Mez de Fevereiro deste prezente Anno, ilho de Jeronimo Emiliano d’Abreu Metraz, natural e baptizado na Igreja de N.ª Snra do Loreto Paroquail da Nação Italiana nesta cid.e de Lisboa e ilho de Fran.co Metraz natural e bap.do na Freg.ª de Santa M.ª Della Cattena da cidade de Napoles e de sua Mulher M.ª Isabel Matraz; Recebidos nesta Freg.ª e nella Moradores na Rua do Poço ds Negros: Foi Padrinho Franc.º José de Miranda, e Madrinha sua mulher Carlotta Sebarda de Miranda, por seu Procurador José António Pereira e [rap] : E como os Pais não puderão levar seu ilho a baptizar a esta Igreja de Nª Snrª do Loreto por estar em perigo de Vida: E desejando gozar dos Privilegios Concedidos por S.as Magestades Fideli.mas a esta Igreja de Nª Snr.ª do Loreto e Nação Italiana. Por despacho de S.ª Ex.ª Ver.ma Allexander Supriani Arcebispo de Pedra e Nuncio Apostolico nesta Corte de Portugallo = Lavrei este Asento aos 17 de Março de 1829. O P. João Bapt.ª Savignoni Paroco do Loreto”. 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 771 O recém-nascido recebeu o nome do seu avô paterno, um napolitano que se estabeleceu em Portugal no reinado de D. Maria I, e que aqui casou com Lúcia Januária de Abreu Metraz, de quem teve quatro ilhos (Domingos, 13 Jan 1787; Francisco, 25 Out 1789; Jerónimo Emiliano, 20 Jul 1792; e Domingos, 23 Jan 1795). Com ele, terá vindo de Nápoles outro familiar, Domingos Metraz, casado com Joana Pedrosa, de cujos ilhos, Francisco (n. 1793) e Luís (n.1795), foi padrinho de baptismo. Portanto, a ascendência de Francisco Augusto é de origem napolitana, e não “de uma família alemã da alta burguesia comercial”, como se tem referido por diversas vezes. Esta circunstância justiica assim a sua ida posterior para Itália estudar, em vez da Alemanha, como recomendaria Rackzynski. O pai do artista era veriicador da Alfândega de Lisboa, e parece ter possuído uma loja de comércio no Largo de S. Paulo, nº 100 (Macedo, 1952: 4)5, pelo que seria previsível ter procurado que o ilho seguisse o ramo dos negócios. No entanto, não era deinitivamente essa a inclinação do jovem que “…foi obrigado a frequentar [a Aula do Commercio] … e alcançou a distinção de sair com attestados de «incapacidade completa»!” Em vez de estudar as noções da aula do commercio, enchia os cadernos de contabilidade com bonecos de todas as formas!”6. No início da Primavera de 1835, com apenas 10 anos de idade, Francisco perde repentinamente a jovem mãe, primeiro grande revés pessoal, que terá marcado de forma signiicativa a sua vida e obra7. No ano seguinte, o pai acaba por ceder aos desejos do ilho, que nos aparece matriculado na Real Academia de Belas Artes de Lisboa. Aluno de Joaquim Rafael e de António Manuel da Fonseca, e colega de Tomás da Anunciação, João Cristino da Silva, João Pedro de Sousa, Luís Tomasini, Miguel Ângelo Lupi e Manuel Maria Bordalo Pinheiro, estreando, portanto, o curso desta instituição. 5 Diogo de Macedo escreve que o pai fora director da Casa da Índia, e que cedo se reformara, mas o seu nome não consta da lista dos provedores dessa instituição, extinta em 1833. Aparece sim como veriicador da Alfândega, pelo menos desde 1843, e reformado apenas em 1863, com 71 anos de idade. 6 Júlio César Machado – «Cartas Lisbonenses – Francisco Augusto Metrass», In Revista de Lisboa, Jornal Literário, Musical e Teatral, nº 11, 10º ano, Lisboa: 20 Jan 1859, pp.48-49. 7 ANTT. Livros Paroquiais das Freguesias de Lisboa, São Paulo, Livro de Óbitos, Livro 5, fol.60v: “No dia vinte e sette de Março de mil oitocentos e trinta e cinco faleceu sem sacramentos na Calçada de S. João Nepomuceno N. 19 Dona Maria Isabel Metrassa cazada com Jeronimo Emiliano de Abreu Metrassa, de idade de 30 annos pouco mais ou menos: e foi sepultada no Cemeterio dos Prazeres. O Vigário António Teixeira Salgueiro”. 772 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Em 1843, com 18 anos, participa no concurso trienal da Academia, com o polémico tema: A Criação do Homem + Regresso do Filho Pródigo, considerado demasiado exigente para os jovens alunos. O ilho do professor Fonseca, António Tomaz da Fonseca, obtém a Medalha de Ouro; Joaquim Marques o Acessit, enquanto João Pedro de Sousa e Francisco Metrass não recebem qualquer prémio. Desapontado com o panorama nacional, e sem apoios oiciais, parte para Roma em Junho de 1845, às custas do pai, indo juntar-se a Luís Pereira de Meneses (e a João Eduardo Malheiro), estudando sob a orientação de Johann Friedrich Overbeck, dando assim início ao período Italiano. Ao contrário do que se tem dito, Metrass não vai com Meneses, que já se encontrava em Roma desde 1844, como se comprova através das suas cartas (Possolo, 1948). Conforme referia Raczynski, em Setembro de 1844, a ida de Metrass e João Pedro de Sousa ainda estava em projecto: “Deux autres jeunes élèves de l’Academie, MM. Metrass et Souza (ce dernier, je crois, aux frais du comte de Farrobo) annoncent le project d’aller en Italie.”8. Raczynski apelida os compatriotas de Meneses, Metrass e Malheiro, de «bambini» enquanto que este, os chama de “acólitos” ou “pilares”, porque o acompanhavam sempre, um de cada lado. Apesar de louvar as boas qualidades, e a gratidão que demonstravam para com ele, Meneses refere que eram muito acanhados, muitas vezes desanimados, e que pouco se interessavam pelo que os rodeava, nunca pegando num jornal (Carta, 18 de Abril de 1846). Outras dúvidas se colocam também quanto à sua formação, ou mesmo os contactos, com Peter von Cornelius. Os Nazarenos dissolvem-se em 1830, Cornelius parte para Munique em 1824, e para Berlim em 1840. Segundo refere Meneses, em 1845, “o grande Cornelius deixou Roma justamente quando eu cheguei” (Carta, 26 de Fevereiro de 1845). Como já sucedera com o jovem Vieira Lusitano, no século anterior, a grande aprendizagem seria feita no contacto directo com as obras dos grandes mestres. No ano seguinte à sua chegada, em 1846, faz uma longa viagem, passando pelos Estados do Papa; Toscânia; três meses em Florença; Lombardia; Pádua; 8 Athanase RaczynskI – « Dix-Neuviéme Lettre. Les Jeunes Artistes vont à l’Étranger », In Les arts en Portugal. Lettres. Paris : Jules Renouard, 1846, p.393. 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 773 Ferrara (Pisa, Bolonha); e Veneza, regressando a Roma ao im de sete meses, deixa-nos vários registos destas viagens num rico caderno de desenhos. É nesta altura que pinta o Jesus acolhendo as criancinhas, [Fig.1], aquela que podemos considerar a sua primeira grande obra. O quadro deve naturalmente muito ao homónimo pintado por Overbeck em 1812, admirado e referido por Meneses em carta à sua mãe em 1844, e talvez à versão de António Manuel da Fonseca, seu antigo mestre na Academia. O tema inscreve-se numa iconograia tradicional da Teologia Luterana, que nega o sacramento do Baptismo, mas que assenta sobretudo numa Ideia de simplicidade, sempre defendida por Overbeck. Em 1847 deixa Roma, vai à Sardenha e a Paris, onde reside pelo menos quatro meses, cuja estadia o deve ter impressionado bastante, antes de regressar a Lisboa. Com apenas 23 anos, e recentemente chegado do estrangeiro, decide fazer a sua primeira exposição pública, que teve lugar numas salas do Palácio Conde Lumiares, ao Príncipe Real, cedidas para o efeito por amigos da família. O certame não teve grande sucesso, visitado quase exclusivamente por amigos e familiares, e o jovem artista acaba a trabalhar como lojista, quase um ano, no estabelecimento do pai, no Largo de S. Paulo. Não perdendo a esperança, decide regressar a Paris, em 1848, onde reencontra Meneses e Tomás da Fonseca, dando início ao que podemos designar como a “fase francesa”. Ao im de perto de dois anos regressa a Lisboa (inais de 1850 ou inícios de 1851), e participa na Exposição ilantrópica a favor das Casas de Asilo da Infância Desvalida de Lisboa, em Novembro, na Sala do Risco do Arsenal da Marinha. Ali, expõe o Jesus e as criancinhas, uma Sagrada Família, e um Auto-retrato, [Fig.2] além de outros esboços 9. Perante nova decepção, face aos resultados obtidos, o artista faz um leilão de obras e abre uma “Casa de fazer retratos”, ao Cais do Sodré. Embora não se conheçam até à data muitos exemplares, sabemos que Metrass se dedicou durante algum tempo à temática retratista, pelos diversos exemplos que constam do seu caderno de desenhos existente no Museu do Chiado. [Fig.3, Fig. 4]. Aliás, em 1850, pintara o retrato do sobrinho, Francisco Augusto Xavier de 9 Veja-se O Guia da Exposição Philantropica, Lisboa: Imprensa Nacional, 1851. 774 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Fig. 1 – Francisco Metrass, Jesus acolhendo as criancinhas, 1846, Museu de Aveiro (dep.º). Foto José Rebocho. 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 775 Fig. 2 – Francisco Metrass, Auto-retrato, 1851, Museu do Chiado/Arte Contemporânea. Foto Nuno Saldanha. 776 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Fig. 3 – Francisco Metrass, Retrato masculino, s.d., Álbum de desenhos, Museu do Chiado/ Arte Contemporânea. Foto Nuno Saldanha Fig. 4 – Francisco Metrass, Retrato de senhora, s.d., Álbum de desenhos, Museu do Chiado/ Arte Contemporânea. Foto Nuno Saldanha Fig. 5 – Francisco Metrass, Retrato de Francisco Augusto Xavier de Almeida (est.), c. 1850, Álbum de desenhos, Museu do Chiado/Arte Contemporânea. Foto Nuno Saldanha 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 777 Almeida, que, em Agosto desse ano, esteve exposto na loja do Margotteau10. Tanto este, como o seu Auto-retrato, foram bastante louvados pela crítica. Embora se desconheça o paradeiro do retrato do sobrinho, conseguimos identiicar um estudo, no seu álbum de desenhos [Fig.5] Em 1853 volta a Paris, a sua terceira estadia, e uma das mais frutíferas. Desenvolvendo um interesse mais homogéneo, centrado na temática Camoniana, pinta o Camões e o Jau11, Morte de Camões, Camões lendo os Lusíadas a D. Sebastião (terminado em 1858). No ano seguinte está novamente em Lisboa, e apresenta-se ao Concurso de Professor de Pintura Histórica à Academia Real de Belas Artes, que vence com o Juízo de Salomão [Fig.6] e um esboço de um Enterro de Cristo. Por esta data, parece ter já adquirido algum estatuto, ou pelo menos reconhecimento, dado que, logo em Janeiro, integra a Comissão encarregue de promover a apresentação de obras portuguesas na Exposição Universal de Paris de 1855, então presidida pelo Conde de Farrobo, ao que não terá sido estranha a inluência dos seus amigos, e o patrocínio do rei. Fig. 6 – Francisco Metrass, Juízo de Salomão (est.), c. 1854, Álbum de desenhos, Museu do Chiado/Arte Contemporânea. Foto Nuno Saldanha 10 Trata-se da loja de um conhecido dourador, situada na rua Nova do Carmo, n.os 36 e 38, onde, para além de molduras, espelhos e caixilhos, também se expunham obras de arte e fotograias, pelo menos desde 1850. 11 Comprado por D. Fernando, o primeiro de vários quadros de Metrass adquiridos pelo soberano. 778 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Na importante Exposição Universal de Paris de 1855 (Mai-Nov), expõe Camões e o Jau e uma outra obra de temática camoniana, Inês de Castro pressentindo os assassinos [Fig.7], certamente inspirado no quadro de Paul Delaroche, Eduardo V e o Duque de York, de 1831 [Fig.8]. Fig. 7 – Francisco Metrass, Inês de Castro pressentindo os assassinos, 1855, Museu do Chiado/Arte Contemporânea. Foto MatrizNet 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 779 Fig. 8 – Paul Delaroche, Eduardo V e o Duque de York, 1831, Museu do Louvre, Paris. A Inês de Castro pressentindo os assassinos, obra entretanto oferecida a D. Fernando II, introduz uma nova ideia de Pintura de História – a História profana. Os jovens românticos, fascinados por essa história medieval de amor irresistível, de crueza do poder face ao indivíduo, de coroação inal de uma paixão e por todo o seu envolvimento fúnebre, exploram a realidade lendária, tomando como fonte histórico-literária Os Lusíadas, aliando ao tema o imaginário camoniano, uma das preferências do romantismo português. A paixão, a dor e a morte que envolvem este facto histórico, cativaram o espírito melodramático de Metrass. É provável que o tema tenha sido tratado desde 1853, quando da sua estadia em Paris, dado o grande número de desenho preparatórios existentes. Um deles apresenta mesmo uma quadrícula para transposição [Fig.9], talvez uma versão anterior, ainda não localizada12. Ainda nesse ano, pinta Leitura de um Romance [Fig.10], e Retrato do modelo falecido da Academia ou Nu de costas (pendant) [Fig.11], onde igura uma modelo, com quem Metrass parece ter tido uma relação amorosa, e que suscitou algum escândalo (Macedo, 1952: 12). 12 É provável que se trate de uma versão recusada para a exposição de 1855, e depois reformulada. Sabemos que o pintor teve problemas com as obras candidatas ao certame, pelo que poderá ter a ver com esta primeira versão do quadro, conforme referia Júlio César Machado em 1859: “Ignez de Castro com tenção de o mandar a exposição de Paris, porém não teve a ventura de merecer um juízo favorável ao jury composto dos grandes amadores portuguezes que dão a lei e o voto nas producções d’arte que aparecem; e alcançou a honra de lhe ser rejeitado o quadro como incapaz de se apresentar na exposição universal.” Machado - op. cit., p. 3. 780 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Fig. 9 – Francisco Metrass, Inês de Castro pressentindo os assassinos – estudo com quadrícula, c. 1853-55, Álbum de desenhos, Museu do Chiado/Arte Contemporânea. Foto Nuno Saldanha 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 781 Fig. 10 – Francisco Metrass, Leitura de um Romance, 1855, Col. Part., Foto Palácio do Correio Velho Fig. 11 – Francisco Metrass, Retrato do modelo falecido da Academia ou Nu de costas, 1855, Museu do Chiado/Arte Contemporânea. Foto MatrizNet 782 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Porém, o problema não residiu apenas nisso. A propósito do Leitura do romance, o pintor foi acusado de plagiar uma obra de Antonio Correggio, Madalena lendo, de 1535. [Fig.12]. No entanto, não obstante as semelhanças, trata-se de um tema recorrente da pintura ocidental, que vai de Alessandro Allori (c. 1580), a William Etty (Reclining girl reading a book, The Sea beyond, c. 1830-40), tornando-se difícil saber de qual terá procedido a inspiração. O que é de particular interesse nesta composição, para além da importância do Nu (e do ideal de Eros), é a reiterada conversão de um tema original de cariz religioso (Madalena lendo), e o apelo à vida contemplativa (Maria de Betânia), num assunto secular, profano. Fig. 12 – Antonio Correggio, Madalena lendo, 1535, actualmente desaparecido (estava na Dresden Gemäldegalerie durante a Segunda Guerra Mundial). Em meados de 1855 (25 de Junho), no entanto, a saúde começa a dar sinais de fragilidade, e o pintor pede uma licença à Academia para tratamento. No ano seguinte, porém, Metrass ainda teria forças para executar aquela que podemos considerar a sua obra-prima, e mesmo uma das mais importantes obras do romantismo português - o celebre Só Deus! Adquirido por D. Fernando, foi apresentado na Exposição Trienal da Academia, ao lado das provas do concurso de 54, dos quadros da exposição parisiense de 55, mais O Champagne (ou Copo de Champagne), e Uma rola (ou Rola dormindo). Durante os três anos seguintes, pinta ainda Alabardeiro do século XVI, A caravana atravessando o deserto (1857); Camões lendo os Lusíadas a D. Sebastião (1858)13, Cabeças de árabes, e Retrato de criança com duas pombas nos braços; Episódio da degolação dos Inocentes, um esboço de Leda e o Porta-estandarte (1859). 13 Terminado em 1858, foi certamente começado, ou pensado em 1853 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 783 Com o agravar da doença em inais de 1859, pede novamente licença da Academia para descansar e, em 1860, é aconselhado a fazer uma viagem pelos locais que mais lhe agradavam, indo a Roma e Paris. O seu amigo, e antigo colega, J. P. de Sousa realiza o seu derradeiro retrato, em gravura, onde o débil pintor nos aparece de robe, coberto por uma manta, com ar debilitado. [Fig.13] Quando regressa a Lisboa tem uma recaída, e é aconselhado a passar o Inverno na Madeira. Efectivamente, essa ideia, de um local privilegiado para a cura da tuberculose, era reconhecida desde o século XVIII14. A Rainha D. Amélia (Ex-Imperatriz do Brasil), mandaria construir, em 1853 (terminado em 1859), um hospital-sanatório, em memória a sua ilha, a Princesa D. Maria Amélia, falecida no mesmo ano, na cidade do Funchal, com 22 anos de idade, ceifada pela tísica, ao que se julga, contagiada por seu pai, D. Pedro IV, atingido também pela doença. Em 1862, o hospital Princesa D. Maria Amélia, “destinado a tratar doentes afectados de tísica e outras moléstias pulmonares crónicas, que ainda possam ter esperança de melhora”, recebia os seus primeiros doentes. Nos primeiros anos, o hospital funcionou provisoriamente num edifício alugado, na Rua do Castanheiro, onde Metrass terá passado os seus últimos dias, e onde acabaria por falecer, a 14 de Fevereiro de 1861, com apenas 36 anos de idade. 1. O triunfo do sentimento – Melancolia, dor e morte Podemos airmar que Francisco Metrass foi o pintor romântico “por excelência”, tanto pelos aspectos que marcam a sua obra, como pela sua vida trágica. Por um lado, uma obra que assenta na expressão de sentimentos românticos como a dor, a melancolia, e a morte, por outro, pelo facto de ter sucumbido à chamada Peste Branca, ou “tísica romântica”. Considerada o “mal do século”, Metrass foi uma das muitas vítimas da tuberculose no século XIX, que ceifou a vida de milhares de portugueses. Entre os vários artistas que dela padeceram, encontram-se os nomes de grandes mestres da literatura nacional, como Júlio Dinis, António Nobre, Soa14 Já em 1854 Francisco António Barral publicaria um primeiro trabalho cientíico (Sobre o clima do Funchal e a sua inluência no tratamento da tuberculose) onde se defendia os benefícios daquele clima na terapia daquela doença. 784 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Fig. 13 – João Pedro de Sousa, Retrato de Metrass, c.1859, Biblioteca Nacional de Lisboa. Foto B.N.D. 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 785 res de Passos, Cesário Verde, José Duro, ou de outros pintores, como António Alves Teixeira O Vizela, António José Patrício, Henrique Pousão, Marciano Henriques da Silva, ou o arquitecto João Pedro Monteiro. Na verdade, o artista foi confrontado com a morte, desde o momento do seu nascimento. Como se refere no seu registo de baptismo, “os pais não puderão levar seu ilho a baptizar a esta igreja […] por estar em perigo de vida”15. Com apenas 10 anos de idade perde a mãe, que morre com pouco mais de 30 anos 16; nos anos 50 falece a modelo da Academia por quem se enamorara e, por im, passou os últimos anos entre a vida e a morte, lutando contra a doença que acabaria por o ceifar. a) Melancolia Ao valorizar o indivíduo sensível, à margem da sociedade, ao preferir a imaginação à razão, os românticos recuperam alguns dos traços da melancolia antiga. Em 1764, nas suas Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime, Kant retoma a teoria aristotélica que associa melancolia e génio e, através duma ideia de virtude entendida como uma consciência moral, eleva o melancólico acima do comum dos mortais 17. Estamos, portanto, perante a Melancolia aristotélica, criativa. Segundo Hipócrates e Galeno, as oscilações da “bílis negra” provocadas por Saturno, faziam do melancólico um ser inconstante, a um só tempo doentio e genial, impelido a criar para aplacar as oscilações do seu temperamento. Para Aristóteles, estes sujeitos de exceção: os grandes génios, ilósofos, poetas e artistas, estavam marcados por um excesso de bílis capaz de os tornar melancólicos, ou predispostos à melancolia. Assim, todos os que atingiram a excelência na Filosoia, na Poesia, na Arte ou mesmo na política, como Sócrates e Platão, tinham características físicas de um melancólico. O melhor exemplo deste sentimento de melancolia, está patente na obra de Metrass Camões e o Jau, de 1853. [Fig.14] 15 Aliás, o mesmo sucedera com o seu irmão mais velho, Jerónimo do Nascimento, em 1824, o que parece apontar para um problema congénito. 16 Embora de causas desconhecidas, não podemos deixar de colocar a hipótese de a mãe ter igualmente morrido tísica, doença que terá passado para Francisco. 17 Veja-se Heléne Pringent – Mélancolie. Les métamorphoses de la dépression, Paris : Découvertes Gallimard/ RMN, 2005, pp. 89-90. 786 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Fig. 14 – Francisco Metrass, Camões e o Jau, 1853, Museu do Chiado /Arte Contemporânea. Foto MatrizNet 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 787 Camões é o novo “herói romântico”, não um nobre, príncipe ou santo. O sublime já não se circunscreve, como na Idade Clássica, ao sagrado. São heróis grandiosos, muitas vezes personagens históricos, que foram de algum modo infelizes, marcados por uma vida trágica, amantes recusados, patriotas exilados. Camões, e Metrass que aqui se auto-retrata. A Melancolia e a Saudade, o artista perdido nos seus pensamentos, exilado, e saudoso da pátria. A fonte remete à famosa gravura de Dürer, Melencholia I, de 1514, e à imagem de Saturno [Fig.15], que estiveram na base de centenas de obras produzidas pelos mais diversos artistas da arte ocidental, quer igurando santos, escritores, poetas, artistas, ou mesmo gente comum. Fig. 15 – Gerolamo da Santa Croce, Saturno, séc. XVI, Paris, Musée Jacquemart André. Foto Fototeca Zeri. a) Tanatos e Eros – O Só Deus! Outra das características que mais se associam à obra de Metrass é a imagem quase sempre permanente da dor e da morte – morte presente ou morte iminente - o que se torna evidente sobretudo a partir dos anos 50: Viúva junto do cadáver do esposo; Juízo de Salomão; Inês de Castro pressente os assassinos; Retrato de 788 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha um modelo falecido da Academia; Só Deus!, Morte de Camões 18 [Fig.16], Massacre dos Inocentes [Fig.17], ou Morte, dor - cena familiar 19. Com a excepção de Inês de Castro, ou de Camões, os personagens são sempre gente simples e anónima, mulheres, sobretudo mães, tentando desesperadamente salvar/proteger os seus ilhos. Esta insistência no amor/dor maternal, não deverá ser alheia à morte prematura da mãe do pintor, e a ausência da protecção materna perante as adversidades da vida, mas também na sua luta contra uma morte anunciada. Fig. 16 – Joaquim Pedro de Sousa, Morte de Camões, 1860, desenho seg. esboço de Metrass, c. 1856-1858. Biblioteca Nacional de Lisboa. Foto B.N.D 18 De paradeiro desconhecido, esta importante obra de Metrass (copiada por Joaquim Pedro de Sousa), e talvez nunca concluída, está no seguimento da elegia camoniana do Camões de Almeida Garrett (1825) ou da Morte de Camões de Domingos Sequeira, exposta no Salon de Paris de 1824 (medalha Ouro). No Museu da Cidade de Lisboa, existe uma outra versão da Morte de Camões, da qual, muito recentemente, Raquel Henriques da Silva nos chamou a atenção. De data ainda por apurar, o que nos parece mais extraordinário, é a isionomia de Camões estar muito mais próxima da de Metrass, do Metrass no Camões e o Jau. O ambiente humilde do sótão mantém-se, mas temos um Camões mais só, sem a presença e amparo do Jau (também ele romanticamente transformado em igura trágica). 19 Quadro actualmente desaparecido, igurou na exposição póstuma da Academia em 1862. 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 789 Fig. 17 – Francisco Metrass, Massacre dos Inocentes, c. 1859, Álbum de desenhos, Museu do Chiado/Arte Contemporânea. Foto Nuno Saldanha É precisamente este tipo de sentimentos que podemos encontrar na melhor obra executada por Metrass, a mais louvada pela crítica e, sem dúvida, uma das mais interessantes pinturas do romantismo nacional - o Só Deus! [Fig.18] Uma das mais bem acolhidas no tempo, foi objecto de um extenso poema, publicado por Cláudio Bernardo Pereira de Chaby que, impressionado com a obra, assim concluia: “E d’entre os rumores sinistros da cheia, Ao longo se escutam mugidos e ais! D’um ceo tenebroso, que as almas opprime, As chuvas em jorros, caindo, vem mais!... Quem pode valer-lhe, quem pode salvá-la? No trance allictivo...tão longe dos seus?... Perdida, desmaia...succumbe... Já morre... Em tanto abandono quem pode?... SÓ DEUS!” 20 Embora tenham sido feitas algumas aproximações a Théodore Géricault, e o seu célebre Jangada do Medusa (1818-1819), não nos parece evidente a relação entre as duas obras. Pelo contrário, dentro do romantismo francês, podemos 20 Cláudio de Chaby – “Ao quadro original Só Deus!”, In Illustração Luso-Brazileira, vol. I, nº47, Lisboa: Tip. do Panorama, 22 Nov 1856, p. 370-371. 790 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha Fig. 18 – Francisco Metrass, Só Deus!, 1856, Museu do Chiado /Arte Contemporânea. Foto MatrizNet sim, observar algumas ainidades com a obra de Eugène Delacroix, nomeadamente na associação entre Morte e Erotismo, patente em obras como Morte de Sardanapalo, Massacre de Quios21, Liberdade guiando o povo, entre outras. Apesar de não considerarmos tratar-se de uma igura erótica, propriamente dita, estamos sem dúvida perante um dos mais impressionantes exemplos de um nu feminino, considerado por José-Augusto França como uma das raras 21 Note-se sobretudo o pormenor da mãe agarrada ao ilho, no canto inferior do quadro Massacre de Quios, de 1824. 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 791 imagens de nu da Pintura Romântica Portuguesa22, no seguimento de referido pendant de 1855. Esta mulher anónima, e a sua luta desesperada contra a morte, e a Natureza, é a mesma luta que Metrass trava contra um destino anunciado, que sobrevive, agarrada à esperança, e a misericórdia divina. Nesta obra agregam-se diversas temáticas, até à data distintas, como Paisagem, Pintura de Género e Pintura de História. Por um lado, evoca o “naturalismo” das pinturas setecentistas pré-românticas, de um Jean Pillement (1708-1808), Joseph Vernet (1714-1789), ou Pierre-Jacques Volaire (1729-1799), na procura do pitoresco e do sublime, cujo fascínio pela Natureza, entendida como Naturans (ao mesmo tempo criadora e destruidora), independente da vontade humana, igurando incêndios, naufrágios, tempestades, erupções vulcânicas, e outras calamidades naturais. Para além da ideia de Natureza, também se associa a de História, no conceito romântico do termo. Não a História Clássica, nem tão pouco a História secular, mas um entendimento novo, que eleva o simples fait divers (vítimas de uma cheia) ao nível do facto histórico23. E aqui reside, e se concretiza de facto, a renovação da Pintura de História tão desejada por Metrass, quando do seu concurso à Academia Real de Belas Artes. Importa também, antes de mais, sublinhar que o assunto aqui representado é de raiz Bíblica, um tema clássico da Pintura ocidental - Cena do Dilúvio - mas tratado como de História Profana e Contemporânea. O mesmo foi por diversas vezes igurado, do século XVI ao século XIX, por muitos artistas, como Antonio Carracci, Carlo Sarraceni, Philip James de Loutherbourg, Anne-Louis Girodet, David, Frederick Morgan, Turner, Jean Baptiste Regnault, ou Joseph Desiré Court. Se, nos primeiros exemplos, podemos descobrir esta igura de mulher, segurando-se, ou ao seu ilho, no meio de uma grande multidão de iguras (Sarraceni), já nas versões de inais de setecentos, e inícios do século XIX, a tendência é a de isolar apenas um ou dois casais, dando destaque à igura da mulher tentando salvar o ilho, como nos exemplos de Jean Baptis- 22 José-Augusto França - Arte Portuguesa de Oitocentos, Lisboa: Bertrand, 1992 (3ª ed), p.35. Um pequeno quadro atribuído a Metrass, Senhora deitada com cão, levado a leilão há alguns anos (Cabral Moncada, 11 Mai 2009), lembra também de perto as famosas “odaliscas” de Delacroix. 23 Neste sentido, podemos estabelecer alguma proximidade com o assunto do Jangada do Medusa de Géricault. 792 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha te Regnault [Fig.19], ou Joseph Desiré Court [Fig.20], muito próximos desta obra de Metrass. O que nos parece de excecional importância nesta pintura é, uma vez mais, a adaptação que o artista faz de um tema da História Religiosa, convertendo-o num assunto de carácter profano (como já o izera em o Leitura do romance), não obstante a presença divina subentendida, através do título, ou da Iluminação, quase mística/divina, como uma réstia de esperança, que lembra alguns quadros de Caspar David Friedrich. Fig. 19 – Jean Baptiste Regnault, O Dilúvio, 1789, Museu do Louvre, Paris. Foto Wikimedia Commons 17 - Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 766 - 799 793 Fig. 20 – Joseph Desiré Court, Cena do Dilúvio, 1827, Musée des Beaux-Arts de Lyon. Foto Wikimedia Commons Infelizmente, esta “revolução” não teria continuidade. A maior parte dos seus colegas interessaram-se pouco ou nada por esta temática, preferindo a Paisagem ou o Retrato. Quanto aos alunos que formou (apenas José Ferreira Chaves parece declarar-se como seu discípulo, em 1871), não quiseram, ou não tiveram capacidade, de seguir os passos do mestre. Teríamos assim de esperar pelas gerações da segunda metade do século, para assistirmos a um novo processo de renovação da Pintura de História. Longe de darmos o assunto por encerrado, trata-se, pelo contrário, de uma matéria que carece, e merece, um estudo aprofundado, mormente pela importância de que se reveste para o entendimento da nossa História da Arte Contemporânea. 794 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Saldanha BIBLIOGRAFIA 1. 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Col. do autor. Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico Nuno Borges de Araújo1 Resumo O retrato fotográico, tal como já acontecia com o retrato pictórico, do qual herdou uma tradição iconográica, tem como objectivo a ixação da imagem do retratado, para cumprir determinadas funções sociais. Durante o período romântico, em particular a partir dos anos sessenta do século XIX, os seus usos mais comuns são como cartão de visita, integrando álbuns, ou encaixilhado e exposto sobre móveis ou aixado em paredes de espaços familiares ou institucionais. Além destes, houve usos menos convencionais, como aqueles cuja existência no contexto familiar está directamente relacionada com a ausência física do retratado. Pode ser uma ausência deinitiva, por morte, ou temporária, por motivo de viagem, mudança de residência ou emigração. No primeiro caso, os retratos usados podem ter sido tirados ainda em vida das pessoas ou post-mortem. Estes últimos, eram sobretudo mandados tirar a pessoas que nunca foram retratadas em vida, particularmente crianças, e das quais se queria preservar a imagem. Eram normalmente guardados numa esfera de privacidade, embora pudessem ser mostrados a familiares e amigos. Outra prática frequente era a de trazer em medalhões e outras jóias, retratos fotográicos de familiares próximos, como o marido, o pai ou a mãe. Estes também eram, com frequência, de pessoas falecidas ou ausentes, cuja memória se pretendia manter presente na vivência quotidiana, e mesmo expressá-lo publicamente. Neste caso, a proximidade física que se estabelece entre o portador do retrato e o retratado é tão mais pertinente quanto maior for o sentimento que os une e quanto mais prolongada, senão deinitiva, for a sua ausência. Palavras-chave: fotograia, século XIX, Romantismo, post-mortem, joalharia 1 Arquitecto. Investigador colaborador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (CECS). Doutorando em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho, bolseiro da FCT com o apoio inanceiro do POPH/FSE. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 801 O retrato fotográico, tal como o retrato pictórico, do qual herdou uma tradição iconográica, tem como objectivo a ixação da imagem do retratado, para cumprir determinadas funções sociais. Durante o período romântico, em particular a partir dos anos sessenta do século XIX, foi sobretudo produzido nos formatos Cartão de visita, e Gabinete ou Álbum e guardado em álbuns, ou encaixilhado e exposto sobre móveis, ou aixado em paredes de espaços familiares ou institucionais2. Algumas destas práticas mantiveram-se durante o século XX, ou mesmo até à actualidade, sofrendo algumas alterações na forma e técnicas utilizadas. Entre as funções sociais dos retratos vamos tratar aquelas em que a sua presença no contexto familiar está directamente relacionada com a ausência física do retratado, cuja memória se pretendia manter presente na vivência quotidiana. Esta vontade podia ser expressa publicamente pela exibição discreta das imagens, ou apenas no âmbito privado, embora neste caso pudessem ser mostradas a familiares e amigos. A ausência do retratado podia ser deinitiva, por morte, ou temporária, por motivo de viagem, mudança de residência, ou emigração. No primeiro caso, os retratos usados podem ter sido feitos ainda em vida das pessoas ou após a sua morte. Estes últimos, eram sobretudo tirados a pessoas que nunca foram retratadas em vida, particularmente crianças de tenra idade, das quais se queria preservar uma imagem. A proximidade física que se estabelece entre o portador do retrato e o retratado é tão mais pertinente quanto maior for o sentimento que os une, e quanto mais prolongada, senão deinitiva, for a sua ausência. Ao limite podemos considerar que todas as imagens fotográicas são de ausência. Representam um momento passado, mesmo que o objecto fotografado não tenha mudado a sua aparência. Os retratos cemiteriais também são imagens de ausência, mas, neste caso, as imagens não partilham o quotidiano com os vivos. Nos cemitérios são raríssimos ou praticamente inexistentes os casos em que o falecido é representado por uma fotograia obtida após a sua morte. Em Portugal não conhecemos nenhum caso de retrato post-mortem num cemitério. Não se trata de um acaso. De facto, se o cemitério é uma “cidade” dos mortos, ela é concebida à imagem da cidade dos vivos, com ruas, e ediicações que relectem o estatuto sócio-e- 2 No caso de iguras tutelares da família ou das instituições, são com frequência retratos de busto em tamanho natural. 802 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo conómico e a cultura dos falecidos. É essa imagem que se pretende perenizar, a dos falecidos enquanto vivos. É nossa intenção tratarmos aqui apenas das imagens de pessoas ausentes na cidade dos vivos. Mais concretamente, as que os vivos conservam junto de si, no âmbito mais privado do seu quotidiano, nalguns casos mesmo junto ao seu corpo, em objectos próprios para esse efeito. Na actualidade raríssimas serão as pessoas que não tem um retrato seu. A maioria tem centenas deles. Desde a perspectiva actual é difícil entender a importância de ter um retrato em meados do século XIX. Da possibilidade de não ter qualquer retrato, e do valor memorial e afectivo que se podia atribuir ao facto de ter um, quer de si próprio quer dos familiares mais próximos. Em que medida podia ser importante ter o retrato de um deles nessa época? Qual era o poder de uma imagem? No contexto familiar a importância de um retrato dependia naturalmente da relação afectiva que se mantinha com o retratado. O retrato de uma pessoa ausente tem a capacidade de evocar a pessoa retratada junto daquele que vê a imagem, e as memórias da vida que com ela partilhou. E não só é capaz de evocar a pessoa ou pessoas ausentes, como, se partilhadas essas experiências, de inspirar noutros a vivência dessa memória. Da relação entre o retrato e aquele que o guarda e vê referiremos aqui uma notícia publicada em 1857 num jornal portuense. Conta-nos que entre as relíquias de família de um sobrinho de Napoleão I, se encontrava uma miniatura da imperatriz Maria Luísa com o rei de Roma, pintado em 1814 por Isabey. Segundo o relato publicado, a esta miniatura ligava-se o mais tocante interesse. Era o único retrato do seu ilho que Napoleão tinha consigo, quando esteve em Santa Helena: «aquelle sobre o qual elle ixou a sua ultima vista, e que foi bafejado pelo sopro do seu ultimo suspiro»3 (ig. 1). 3 O Commercio do Porto, Porto, a. IV, n.º 122 (1 Jun. 1857), p. 3. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 803 No ano de 1853, durante um momento particularmente difícil de uma viagem de travessia terrestre do continente norte-americano, Solomon Nunes Carvalho, pintor e daguerreotipista, dá-nos um testemunho do poder da imagem para nos transportar psicologicamente para junto do retratado: «Sozinho, diminuído, sem a possibilidade de ser assistido pelo homem mortal, eu senti que a minha última hora havia chegado [...]. Tirei do meu bolso as miniaturas da minha esposa e ilhos, para os olhar uma última vez. Os seus queridos rostos sorridentes despertaram em mim uma nova energia. Eu ainda tinha algo para viver, a minha morte traria grande tristeza e pesar àqueles que olhavam apenas para mim pelo seu apoio; Decidi tentar chegar ao acampamento, não ousava descansar o meu corpo fatigado, porque a alternativa era dormir, e dormir era aquele eterno repouso de que só se desperta noutro mundo.»4 Fig. 1. Miniaturas de D. Maria Luísa, Imperatriz de França, e do seu ilho Napoleão II, Duque de Reichstadt e rei de Roma, pintadas por Jean-Baptiste Isabey em 1812 e 1815. Musée du Louvre, Paris, e Musée Rueil-Malmaison, châteaux de Malmaison et Bois-Préau. 4 Carvalho, Solomon Nunes - Incidents of travel and adventure in the Far West. 2.ª ed. Philadelphia: The Jewish Publication Society of America, 1954 [1.ª ed. 1857], pp. 186-187. 804 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo Este é o poder da imagem, o poder de um retrato. Se uma miniatura encerra esta capacidade de invocar e tornar presente um ser amado através da sua imagem, a verosimilhança de um retrato fotográico poderá fazê-lo de forma ainda mais eicaz. Por este motivo, o retrato fotográico de uma ou mais pessoas próximas e amadas, incluindo as ausentes ou falecidas, acompanhavam com frequência uma pessoa no seu quotidiano. O hábito que chegou à actualidade de trazer o retrato dos familiares mais próximos numa carteira de bolso que nos acompanha diariamente, está documentado no século XIX. Faziam-se mesmo carteiras próprias para guardar retratos fotográicos (ig. 2). Fig. 2. Carteira de bolso para retratos fotográicos, contendo os retratos originais, tirados no Porto e em Lisboa, 1865-1867. Col. do autor. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 805 Sendo uma representação de outra pessoa particularmente próxima, um familiar chegado como o marido, o pai, a mãe ou um ilho, estas imagens eram conservadas à vista no espaço privado de habitação, com frequência montadas em caixilhos e aixadas nas paredes, expostas no mobiliário, como já dissemos, ou mesmo inseridas em objectos de uso quotidiano, como caixas com diversas utilidades. Outra prática relativamente comum durante os inais do período romântico, era a de trazer estes retratos fotográicos em medalhões, pulseiras, cordões, alinetes, anéis e outras jóias (ig. 3 a 5). 806 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo Fig. 3. D. Amélia de Beauharnais Leuchtenberg, Duquesa de Bragança, Imperatriz do Brasil, viúva. Pintura a óleo. Palácio Nacional de Queluz / D. Amélia de Beauharnais Leuchtenberg, Imperatriz do Brasil, viúva, com a sua ilha D. Maria Amélia, princesa do Brasil, ca. 1840. Litograia de Fidelino José da Silva (Lisboa), reprodução de uma pintura de Friedrich Dürck. Biblioteca Nacional de Portugal. Fig. 4. Detalhe da litograia da imagem anterior com retrato na pulseira. Fig. 5. D. Isabel II de Espanha e a rainha Vitória de Inglaterra, com jóias portadoras de retratos [ José Albiñana (atrib.) - D. Isabel II, rainha de Espanha, ca. 1860 (detalhe). Museu do Prado, Madrid / Gunn & Stuart - Vitória, rainha do Reino Unido, 1896]. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 807 O retrato fotográico na joalharia Nas fontes oitocentistas portuguesas existem menções claras à produção de retratos daguerreotípicos ou sobre papel para jóias, como medalhões, pulseiras, anéis, botões de punho e alinetes. Em Março de 1858 foi noticiada no Porto a Oicina photographica de Alfred Fillon, terminando a notícia com o parágrafo: «Ao mundo elegante recommendamos o estabelecimento do snr. Alfred Fillon, n’esta epocha em que domina a moda de se trazerem broches, medalhas, pulseiras, botões, anneis, etc., com os retratos das pessoas que por qualquer sentimento, mais caras se tornam.»5. Esta prática também está implícita no anúncio frequente da impressão de retratos de todas as dimensões até ao tamanho microscópico6. A sua execução era dominantemente feita para a aplicação em jóias, embora também encontremos retratos de dimensões muito reduzidas colados sobre cartões de visita. Possivelmente era um aproveitamento de imagens excedentes da impressão para a aplicação em jóias. Talvez resultante desta prática surgiu no formato cartão de visita um tipo de imagens de formato oval que, pelas suas dimensões, caberia num anel ou numa medalha pequena, ao qual, por vezes, era dado relevo numa prensa, e foi designado por cameo portrait ou retrato camafeu. Em Inglaterra surgiu mesmo uma variante deste formato com a designação de diamond cameo portrait (camafeu diamante) que permitia ocupar a dimensão do cartão de visita pela montagem de quatro pequenos retratos ovais da cabeça da mesma pessoa, tirados em perspectivas diferentes, numa composição em forma de losango. Este tipo de retratos foi introduzido em Inglaterra em 1864 pelo fotógrafo F. R. Window (ig. 6), e em Portugal pelo fotógrafo lisboeta Manuel José Schenk, em 18677. 5 O Commercio do Porto. Porto, Mar. 1858 (informação de Francisco Queiroz). 6 A título de exemplo referimos os anúncios de Alfred Fillon (Lisboa, 1858-1865), da Photographia Franco-Portugueza (Lisboa, 1865), e da Photographia Talbot (Porto, 1868). 7 Araújo, Nuno Borges de - Portugal. In Hannavy, John (ed.) Encyclopedia of Nineteenth-Century Photography. New York: Routledge Reference (Taylor & Francis Group), Vol. II (2008), p. 1152. 808 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo Da venda de jóias por fotógrafos e da produção de retratos para usar nelas, em Portugal, temos documentados os seguintes casos: Em 1844 Madame Fritz, de Paris, anunciou em Lisboa tirar retratos daguerreotípicos de todos os tamanhos, desde um sexto do tamanho natural ao tamanho miniatura, para ser usado em medalhas, alinetes ou anéis. Airmava não recear a comparação dos seus trabalhos com os dos mais célebres químicos e retratistas da França e da Alemanha. Pedia 2400 reis por cada daguerreotipo de tamanho normal, e 5600 reis se fosse colorido8. Fig. 6. F. R. Window (Londres) - Retrato diamond cameo de Minnie C. Fisher, Set. 1868. Col. do autor. 8 A Revolução de Setembro. Lisboa, n.º 959 (8 Jun. 1844), p. 2, ao n.º 963 (15 Jun. 1844), p. 4; O Tribuno. Lisboa, n.º 189 (8 Jun. 1844), p. 4, e n.º 193 (15 Jun. 1844), p. 4. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 809 Em 1849 João Henrique Schmidli, dentista suíço e temporariamente fotógrafo, anunciou encontrar-se em Elvas, onde fazia retratos para medalhas e alinetes de peito do tamanho de uma moeda de seis vinténs, pelo preço de 1.500 a 1.800 reis, dependendo do tamanho. As molduras e os vidros eram pagas à parte, e o preço dependia das suas características9. Em 1849 Wenceslau Cifka anunciou tirar «Retratos no daguerreotypo [...] com toda a perfeição de todos os tamanhos». Fazia «retratos de miniatura do tamanho de uma mosca proprios para alinetes de peito e anneis». Os preços eram «os mais commodos de 1$920 até 4$800 réis conforme o tamanho e ornamentos que leva cada retrato». Em 1851 o mesmo fotógrafo anunciou em Lisboa fazer retratos coloridos de todos os tamanhos, e em miniatura, próprios para anéis e broches. [...]. Tinha um grande e variado sortimento de [...] alinetes de peito, medalhas de ouro portfeuille e porte-monnaie, carteiras, e charuteiras, tudo próprio para levar retratos. O preço destes variava entre 1$920 e 4$800 reis, e podia aumentar de acordo com o tamanho e a riqueza dos ornamentos da moldura10. Em 1851 J. Rodrigues Marten, anunciou em Lisboa tirar, além de retratos daguerreotípicos convencionais, retratos em miniatura, próprios para alinetes e anéis, «coloridos com a maior perfeição a que se tem podido chegar até ao presente». O público podia avaliar o mérito dos seus retratos pelas amostras que tinha expostas na loja de M. Margotteau, dourador, na rua Nova do Carmo, onde também se encontravam expostos retratos tirados por Wenceslau Cifka, e noutros pontos da cidade de Lisboa. Os retratos custavam de 1.920 a 4.800 reis, exactamente os mesmo preços praticados por Cifka. Tinha igualmente uma grande variedade de caixinhas, molduras e outros objectos para colocar fotograias. A partir da última semana de Agosto continuava a fazer o mesmo tipo de trabalhos11. 9 Revista Popular, Lisboa, n.º 26 (1 Set. 1849), p. 209-210, cit. por Carvalho, Augusto da Silva - História da Estomatologia. Dentes, dentistas e odontólogos. Revista Portuguesa de Estomatologia. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Estomatologia. 1.º ano, n.º 3 (Mar. 1935), p. 139; Carvalho, Augusto da Silva - Comemoração do Centenário da Fotograia. Subsídios para a história da introdução da fotograia em Portugal. Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. Classe de Ciências. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1940-41, tomo III, p. 34. 10 A Revolução de Setembro, Lisboa, n.º 2047 (9 Jan. 1849), p. 4; n.º 2738 (10 Mai. 1851), p. 4, ao n.º 2913 (12 Dez. 1851), p. 4. 11 A Revolução de Setembro, Lisboa, n.º 2787 (12 Jul. 1851), p. 4, ao n.º 2828 (30 Ago. 1851), p. 4; n.º 2822 (23 Ago. 1851), p. 4, ao n.º 2846 (20 Set. 1851), p. 4. 810 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo Em 1851 P. K. Corentin, daguerreotipista francês, anunciou em Lisboa a venda de «Ricas caixinhas esmaltadas, broches, caixilhos etc.» próprios para miniaturas. No ano seguinte, associado a Newman, anunciou no Porto tirarem «retratos, ditos miniaturas, em reliquias, charuteiras, porte-monnais, caixas para rapé, alinetes de peito, anneis, etc.»12. Em 1855 Dubois, de Paris, anunciou em Coimbra tirar retratos sobre papel e daguerreotipos, em preto ou coloridos, e trazer consigo uma «bella e abundante collecção de Alinetes, caixinhas e grande variedade de bonitos caixilhos para os retratos». A 27 de Abril de 1856 regressou a Coimbra onde voltou a anunciar o mesmo13. Em 1858 e 1859, Alfred Fillon anunciou no Porto vender um lindo e variado sortimento de passe-partouts, caixilhos, caixas e broches14. Em 1860 Horácio Augusto Aranha anunciou no Porto tirar «Retratos para bilhetes de visita, broches, alinetes, aneis, botões de camisa, carteiras, etc.»15. Em 1861 Domingos Paschoal Júnior anunciou no Porto fazer retratos para pulseiras e botões de camisa, reproduções em qualquer tamanho [...]. Ele próprio vendia os broches e pulseiras para levarem as imagens fotográicas16. Em 1861 António da Conceição Mattos, anunciou em Coimbra fazer reproduções em qualquer tamanho, e ter para venda um «lindo e variado sortimento de medalhas, broxes, alinetes, caixas e caixilhos de todos os tamanhos para os retratos.». No inal do ano seguinte continua a anunciar o mesmo, acrescentado que copiava qualquer retrato, pintura a óleo, gravura, etc..17 Em 1862 Miguel Nasi, anunciou em Leiria fazer fotograias no formato bilhete de visita, retratos para anéis, broches, etc..18 Em 1865 o fotógrafo Nóbrega anunciou em Lisboa tirar retratos para broches por 500 reis.19 12 A Revolução de Setembro, Lisboa, n.º 2925 (24 Dez. 1851), p. 4; n.º 2928 (29 Dez. 1851), p. 4; O Ecco Popular, Porto, n.º 297 (24 Dez. 1852), p. 4. 13 O Popular, Coimbra, a. 2, n.º 78, 30 Set. 1855, p. [4]; a. 3, n.º 218 (27 Abr. 1856), p. [4]. 14 O Commercio do Porto, Porto, n.º 148 (6 Jul. 1858), p. 3, ao n.º 18 (24 Jan. 1859), p. 4. 15 O Commercio do Porto, Porto, n.º 79 (7 Abr. 1860), p. 4, ao n.º 94 (25 Abr. 1860), p. 3. 16 O Commercio do Porto, Porto, n.º 4 (5 Jan. 1861), p. 4, ao n.º 69 (26 Mar. 1861), p. 5. 17 O Conimbricense, Coimbra, n.º 810 (29 Out. 1861), p. 4, ao n.º 813 (9 Nov. 1861), p. 4; O Tribuno Popular, Coimbra, n.º 599 (23 Out. 1861), p. 4, ao n.º 603 (6 Nov. 1861), p. 4, e n.º 923 (2 Dez. 1862), p. 4. 18 O Districto de Leiria, Leiria, a. II, n.º 4, 1 Fev. 1862, p. 4, ao n.º 7, 22 Fev. 1862, p. 4. 19 O Instituto, 1865, p. 9, cit. por Carvalho, 1941, p. 43. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 811 A partir de inícios dos anos 60 do século XIX este tipo de trabalhos deixou progressivamente de ser anunciado, o que não signiica que não continuasse a ser executado, mas mais provavelmente que deixou de ser uma novidade e passou a ser um género bem conhecido entre outros mais inovadores. Apesar disso encontramos casos pontuais que atestam essa prática em datas posteriores. Do início do século XX citamos o exemplo do fotógrafo João António Ayres, estabelecido na Guarda, que em 1908 anunciou executar «Photographia em esmalte, para medalhões, alinetes de peito, etc.»20. Também já neste século, no estabelecimento do ourives Manuel Casimiro da Costa, em Braga, encomendavam-se jóias próprias para retratos, produzidas em Pforzheim, no sul da Alemanha, através de um catálogo ilustrado da irma produtora21. Apesar dos exemplos enunciados, este género de trabalhos não era prática generalizada entre os fotógrafos oitocentistas. Os retratos executados para serem inseridos em jóias continuaram ser feitos até ao presente, e foram comuns no século XX, sobretudo no uso de retratos fotográicos sobre papel e foto-cerâmicos em medalhas. As jóias ou acessórios de vestuário com imagens fotográicas oitocentistas não se encontram com frequência no mercado ou em colecções. Nalguns casos, com o tempo as imagens foram retiradas, as jóias reutilizadas ou vendidas. Noutros conservam-se na posse de familiares. Muitos exemplares se devem ter perdido. Os cartões de visita e as pagelas fúnebres Do uso amplamente divulgado de cartões de vista fotográicos desde o início dos anos 60 até pelo menos à primeira década do século XX, surgiu o uso especíico destas imagens no contexto social, para perenizar a imagem de um familiar aquando do seu falecimento. Regra geral usando uma fotograia tirada 20 Jornal do Povo. Guarda, n.º 266 (6 Mai. 1908), p. s.n.º ao n.º 277 (22 Jul. 1908), p. s.n.º. 21 Espólio de Narciso da Costa, Museu da Imagem em Movimento, Leiria (informação de Ana David Mendes, Jun. 2016). 812 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo em vida, estes cartões de visita fúnebres eram encomendados pela família e oferecidos como memorial às pessoas do seu círculo de relações sociais. Tinham impresso um breve texto que identiicava o falecido e o contexto em que foram produzidos. Nalguns casos, os cartões eram pretos para simbolizar o luto (ig. 7 e 8). Fig. 7. Cartão de visita fúnebre de Henrique José de Sousa Telles, Lisboa, 6 de Dezembro de 1865. Col. do autor. Esta prática expandiu-se no início do século XX com as pagelas fúnebres, oferecidas ou colocadas à disposição dos assistentes à missa que precede o funeral. Impressas num papel forte, com informações sobre a pessoa, como o nome, a data de nascimento e óbito, uma dedicatória ou oração que se rezaria pelo defunto e, com frequência, uma imagem religiosa da escolha ou devoção de quem faleceu ou de quem as mandava fazer. Na frente era colado um retrato fotográico da pessoa falecida. Esta prática manteve-se até à actualidade, continuando a ser impressas cartolinas com conteúdo semelhante, embora o retrato fotográico tenha sido progressivamente substituído por um retrato impresso fotomecanicamente, juntamente com o texto e a imagem religiosa. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 813 Fig. 8. Cartão de visita fúnebre do Capitão de Mar e Guerra Tomás de Andrea, Lisboa, 1880s-1890s. Col. do autor. Retratos post-mortem Além da preservação e exibição de imagens de pessoas retratadas em vida, foi prática relativamente corrente durante o século XIX, e ainda durante o século XX, sobretudo nas primeiras décadas, um outro tipo de imagens que remetem para a ausência da pessoa retratada: os retratos post-mortem. Neste caso, no momento em que o retrato é tirado, já existe a consciência que a ausência física será deinitiva. Embora não fosse uma prática corrente, já se faziam retratos post-mortem antes do aparecimento da fotograia. As imagens de iguras tumulares, quer 814 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo de estátuas jacentes, quer de corpos incorruptos com foros de santidade eram relativamente comuns. As iguras notáveis também eram frequentemente retratadas no seu leito de morte (ig. 9 e 10). Actualmente é frequente atribuir-se o epíteto de mórbido a um retrato de uma pessoa falecida. A nossa relação com a morte mudou, bem como a prática do luto. A socialização do luto tornou-se mais discreta, mais breve, quase a evitar na medida do que é socialmente aceitável. No século XIX a taxa de mortalidade, sobretudo na infância, era muitíssimo mais elevada do que hoje. A convivência com a morte, quer pela incidência de óbitos quer pela exteriorização do luto, era uma parte integrante do quotidiano. Os familiares vestiam-se de preto e mantinham o luto de pelo menos um ano. As pessoas com posses mandavam armar as igrejas com panejamentos fúnebres. Nos periódicos convidavam-se as pessoas a participar nas exéquias do falecido, agradecia-se a presença de quem concorria ao funeral. Mandavam-se dizer as missas costumadas, e continuavam-se a mandar dizer, mesmo muito tempo passado o óbito. Em casos pontuais, um familiar próximo escrevia e mandava publicar num periódico local um poema que expressava a sua ligação afectiva ao falecido e a sua perda. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 815 Fig. 9. Napoleão II, Duque de Reichstadt no seu leito de morte, Viena, 1832. Desenho de Johann Ender / gravura de Franz Stober. Col. particular. Fig. 10. D. Pedro IV, Imperador do Brasil, no seu leito de morte, 24 de Setembro de 1834. Litograia segundo desenho de José Joaquim R. Primavera. Biblioteca Nacional de Portugal. 816 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” 817 Embora uma parte signiicativa dos fotógrafos retratasse pessoas falecidas, quer no estúdio quer na casa da família onde se encontrava o falecido, não temos conhecimento de fotógrafos que em Portugal tenham anunciado este serviço. Sem dúvida uma deslocação implicava um acréscimo signiicativo no preço dos retratos, e o de fotografar um falecido mais ainda, pelas diiculdades acrescidas no cuidado da sua aparência facial e no posicionamento da pessoa, que, nos casos de rigor mortis, podia implicar tarefas em nada agradáveis. Não sabemos se traduz uma prática generalizada mas, em 1868, o fotógrafo espanhol Enrique José Alcaine, com atelier em Caspe, cobrava três vezes mais do que um retrato corrente por retratar o cadáver de um menino, se o levassem à galeria fotográica. Por um adulto retratado em casa cobrava cinco vezes mais. Se o domicílio do falecido fosse fora da cidade custava oito vezes mais22. As crianças eram as mais retratadas após o seu falecimento, não só pela incidência da mortalidade infantil, como pelo facto de que, dada a sua idade, era mais provável que não tivessem tirado o seu retrato em vida. Assim, para além da sua memória visual, a família podia preservar junto de si a imagem do falecido. Terminamos com algumas imagens fotográicas post-mortem de crianças (ig. 11 e 12). Aquelas que partiram demasiado cedo e deixaram um mundo de sonhos por viver. 22 Bayod Camarero, Alberto - Alcañiz en el objetivo (1879–1936). Primeros tiempos de la fotografía en el Bajo Aragón. Comunicação às I Jornadas sobre Investigación en Historia da la Fotografía 1839-1939: Un siglo de fotografía, Zaragoza, Institución Fernando el Católico, 29 de Outubro de 2015. 818 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Borges de Araújo Fig. 11. Nunes, Henrique (Lisboa) - Retrato de busto de menino falecido, ca. 1870s. Formato cartão de visita. Col. do autor. Fig. 12. Nunes, Henrique (Lisboa) - Retrato de menino falecido no seu caixão, ca. 1870s. Formato cartão de visita. Col. do autor. 18 - Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 800 - 821 819 Bibliograia Brett, Mary - Fashionable mourning jewelry, clothing & customs. Schifer, 2006. 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Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont Ana Paula Bandeira Morais1 Resumo Nascido na Suíça, Roquemont viverá a maior parte da sua vida em Portugal, dividindo as suas permanências e actividade artística entre três cidades; Porto, Guimarães e, pontualmente, Lisboa. Será sobre a cidade de Guimarães, sob o ponto de vista do urbanismo e, especialmente do património ediicado, que iremos focar o nosso estudo usando, como ponto de partida para a nossa análise, três quadros do artista representando cenas populares e/ou de paisagem urbana, procurando ver, através deles, aquilo que hoje já não existe nos mesmos locais que o artista frequentou e onde viveu. Palavras-chave: Guimarães, urbanismo, património ediicado, pinturas, transformação. 1 Licenciada em Ciências Históricas e Mestre em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Investigadora em doutoramento (Estudos do Património, UCP-Porto), do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR). Membro do grupo “Saudade Perpétua”. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 823 Introdução As cidades mudam pela acção dos homens e, por seu turno, fazem mudar os homens; condicionam-nos e moldam as suas acções. Os anos, na sua constante espiral, frequentemente arrastam consigo as marcas deixadas por aqueles outros homens que nos antecederam; reconstrói o construído, derruba o existente, muda, transforma, transigura. Viajantes do tempo, os edifícios, os tímidos largos, as praças impantes de orgulho e as ruas que os abraçam, num abraço por vezes estreito e apertado ou então num largo e desprendido afago, diicilmente conseguem resistir à força da pá, da picareta, ou da escavadora que, em nome de “um” progresso ou apenas no egoísta desejo de “deixar obra feita”2 revolvem, transportam, recolocam e derrubam esses, por vezes últimos testemunhos, que se vão mantendo de pé ou, apenas, resistindo, estóicos, à ruína iminente ou evidente. É nosso propósito proceder a uma análise de alguns pontos que marcaram as mudanças urbanísticas operadas na cidade de Guimarães, na primeira metade do séc. XIX, época em que Roquemont aí viveu e trabalhou e sobre a qual também pintou cenas de costumes ou paisagens urbanas e rurais e onde, de algum modo, incluiu elementos arquitectónicos, edifícios, fachadas, ruas, fontes, etc., utilíssimas fontes de informação para o estudo do urbanismo. Com esta ideia em mente e assim contextualizada abordaremos três casos, tendo por base quadros do referido pintor, a saber; Colegiada de Guimarães, Cena de Aldeia ou Chafariz de Guimarães e a Varanda de Frei Jerónimo. 2 Nas palavras de Eça de Queirós; “ (…) Mas o que a Cidade mais deteriora no homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância. Nesta densa e pairante camada de Ideias e Fórmulas que constitui a atmosfera mental das Cidades, o homem que a respira, nela envolto, só pensa todos os pensamentos já pensados, só exprime todas as expressões já exprimidas: - ou então, para se destacar na pardacenta e chata rotina e trepar ao frágil andaime da gloríola, inventa num gemente esforço, inchando o crânio, uma novidade disforme que espante e que detenha a multidão como um mostrengo numa feira. (…)” in, A Cidade e as Serras, Lello & Irmãos Editora, Porto, 1912, pp. 103, 104. 824 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais As Cidades Frequentemente ouvem-se airmações de que as cidades são “organismos vivos” ou que as cidades “vivem e respiram”, para justiicar e/ou explicar uma ininidade de situações que implicam transformações radicais, ou “apenas” demolições de edifícios ou estruturas marcantes no carácter e tipologia urbanas, como que validando, desta forma, a razão de ser das mudanças desejadas e operadas e que, por vezes, suportam intervenções condicionadas por outros interesses, frequentemente os político-económicos. Efectivamente as cidades são estruturas em permanente mudança. Mas são-no porque criadas pelos homens, porque são esses homens que nelas vivem que são vivos e respiram e, por isso, as transformam ao longo dos tempos e ao sabor das suas ambições e/ou necessidades. No estudo do urbanismo, podemos encarar a cidade e estudá-la, sob variadíssimas perspectivas; a histórica, a geográica, económica, política, sociológica, artística e arquitectónica3, entre outras. Aliás, a própria deinição de cidade colide, muitas vezes, com diversos problemas criados pela perspectiva sob a qual cada um se debruça no seu estudo, análise ou interpretação. A deinição de cidade não é pois apenas uma e muito menos consensual. Aspectos como a cultura em que se insere, o maior ou menor predomínio das actividades económicas e, de entre elas, da dominante, até ao papel, mais ou menos relevante que a religião tem na cultura e vida daqueles que habitam essa metrópole em que o estudo se insere, tudo isto, interfere e faz variar qualquer deinição de cidade. Observa-se ainda que existe uma diferença clara e incontestável entre as cidades de fundação mais recuada no tempo e aquelas que foram criadas mais recentemente. As cidades europeias, por exemplo, são maioritariamente de raiz antiga, mais ou menos remota e relectem naturalmente esse facto na sua estrutura organizativa e na forma como marcam e inluenciam as suas populações. No entanto, mesmo nestas, as diferenças são enormes. Desde as conferidas pela época em que se formaram, passando pelas actividades económicas 3 Cf. GOITIA, Fernando Chueca – Breve História do Urbanismo – Tradução; LIMA, Emílio Campos. Editorial Presença, Lisboa, 1982. 8ª edição, Lisboa, Maio, 2010, p. 9. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 825 que as marcam ou marcaram (por exemplo, uma cidade mercantil costeira organiza-se diversamente de uma cidade de interior em que a actividade comercial também predomine), ou a zona geográica onde estão localizadas (cidades do norte e centro europeu são estruturalmente diversas da maioria das cidades do sul). Enim, tudo inlui no resultado inal. As modernas políticas ligadas ao urbanismo e ordenamento do território, procuram como bandeira de actuação, promover a reabilitação dos centros das cidades, denominados genericamente centros históricos, defendendo-os como aquilo que teria deinido, em épocas mais recuadas, o dinamismo e o viver das velhas urbes. Estes centros têm perdido cada vez mais a sua vitalidade, sendo actualmente as zonas quase estéreis ou mesmo moribundas, nas urbes modernas de fundação mais antiga. Era nestes locais onde, no passado, tudo diariamente acontecia, desde o simples negócio de tostões, até às grandes cerimónias oiciais ou celebrações da religiosidade das populações. Eles eram a essência, o centro da vida diária das povoações duma Europa indissociavelmente marcada pela herança da Ágora e do Fórum, da matriz greco-romana da nossa cultura4. Mas estas realidades mudaram e estes centros readquirem hoje interesse mas essencialmente, turístico e imobiliário, para quem tem nas mãos a capacidade de decidir o destino político, económico e urbanístico das autarquias e dos municípios. A cidade moderna, melhor dito, contemporânea, surge-nos então um pouco, como uma amálgama em que coexistem as velhas construções e estruturas antigas, históricas ou de valor patrimonial (outro conceito de deinição tão complexa como ambígua), com as construções onde as mais arrojadas soluções técnicas e estéticas são experimentadas; onde as formas de vida diária das populações, ainda marcadas por tradições e ritmos algo arcaicos, convivem com as novas e as modernas, ritmadas pela industrialização, pelas novas tecnologias e transportes, conjuntamente com formas de vivência das populações directamente ligadas ao consumismo, às actividades das economias do capitalismo liberal, às chamadas novas-tecnologias, aos novos modelos de família, à transformação das relações de vizinhança, etc. O que caracteriza a sociedade moderna é essa “cidade fragmentária”5. É uma cidade de contrastes que nem 4 Cf. GOITIA, Fernando Chueca – Breve História do Urbanismo – Tradução; LIMA, Emílio Campos. Editorial Presença, Lisboa, 1982. 8ª edição, Lisboa, Maio, 2010, p. 9. 5 Cf. GOITIA, Fernando Chueca – Breve… op. cit. p. 22. 826 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais se encontra integrada por uma religiosidade ou espiritualidade comuns (tão importante, indispensável e presente, como factor de coesão, nas cidades europeias especialmente desde a Idade Média), nem tampouco está unida por uma identidade urbana e construtiva própria pois que, dividida entre zonas altamente povoadas e congestionadas e outras praticamente desertas, quase “mortas”, ou algumas outras ainda incrivelmente permeáveis a “pedaços” de campo agricultado que nela surgem como que artiicialmente colados, caricatura de um desenvolvimento divorciado da ideia de urbanismo. A vida de relação, de identidade e de pertença, nestas cidades, é difícil de existir. Dentro de uma classiicação/caracterização das cidades6, julgamos poder enquadrar a cidade de Guimarães no tipo de cidade medieval na qual, com a passagem dos séculos todas as características e problemas atrás referidos se izeram, e vêm fazendo, notar. Não pretendemos aqui, alargar a nossa atenção sobre os primeiros tempos da fundação, nem sequer nos subsequentes uma vez que o objecto deste estudo se centra na centúria de oitocentos e, portanto bem distante dos primórdios da cidade. No entanto, como em tudo, ou em quase tudo na vida, é sempre necessário começar pelo princípio, passe a aparente redundância. Neste sentido, faremos um brevíssimo enquadramento histórico/urbanístico, desde a fundação da cidade, mesmo porque será indispensável para compreendermos melhor de que forma, e quão profundas foram, em alguns casos, as transformações que o Tempo e os Homens foram fazendo, até chegarmos à Guimarães que Roquemont conheceu. Guimarães; de Vila a Cidade Guimarães nasce, por volta de 950, dos benefícios propiciados pela fundação de um mosteiro duplex7 (ou misto, de ocupação simultânea masculina e feminina), acrescidos mais tarde, mercê das necessidades de segurança impos- 6 Classiicação proposta por GOITIA, na obra já citada. 7 A ocupação simultânea do mosteiro, por monges e freiras, era feita em áreas distintas e separadas do edifício. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 827 tas por investidas de povos invasores, da protecção do castelo que, em 968, Mumadona Dias (a mesma que fundara o mosteiro), doou àquela instituição o qual nomeou de S. Mamede8. O castelo, com uma disposição geométrica em forma de escudo, apresenta um reduzido e tímido recinto central, de difícil acesso. A partir da sua localização privilegiada, no cimo da elevação natural, monte Latito, dominará toda a povoação e sua envolvente como, parcialmente, se pode constatar pela igura9. Fig. 1 – Postal -Vista do Castelo e perspectiva da cidade 8 Cf. AFONSO, José Ferrão; OLIVEIRA, Marta M. Peters Arriscado de; RAMOS, Sílvia – “Guimarães ad radicem montis Latito” – Revista Monumentos nº33, pp. 6-7 9 Postal turístico (colecção privada). Permite uma perspectiva (parcial) da localização da cidade em relação ao castelo de Guimarães. 828 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais O primeiro documento para a fundação da povoação (que mais tarde virá a dar origem à cidade), data aproximadamente de 109610 e foi outorgado por D. Teresa e D. Henrique no qual icam bem claros o interesse e preocupação dos doadores com o povoamento e desenvolvimento das actividades mercantis daquele burgo, conferindo-lhe condições para que estes objectivos fossem bem-sucedidos através dos benefícios iscais e protecções legislativas que concediam. Posteriormente, conirmados e alargados por D. Afonso Henriques, favorecendo clara e especiicamente, aqueles que o tinham ajudado nos momentos necessários à defesa desse território11 e depois novamente conirmados por D. Afonso II12. A vila icará marcada, no seu desenvolvimento, pelas duas vertentes que a compõem; a área do castelo e zona em seu redor (a Vila Alta – mons latito ou monte largo) e aquela que se cria sob a protecção do mosteiro (a Vila Baixa)13. A rede de muralhas que as envolve, protegendo-as e, de cuja existência, temos as primeiras referências por volta do séc. XIII, demonstra-o claramente (Fig. 2)14. Esta dupla identidade será extinta por D. João I que faz a união das duas zonas acabando com a autonomia da Vila Alta e promovendo o derrube da muralha transversal que separava as duas zonas15. 10 Cf. NASCIMENTO, Aires Augusto do – “Foral de Guimarães: Tradução”. Revista de Guimarães, n.º 106, 1996, pp. 35-41. É este documento “3 em 1” que reúne os textos das três disposições feitas em momentos distintos e por decisão de distintos doadores, sendo que os dois primeiros e mais antigos são transcrições (que se presume dos originais) e o último é o correspondente à data do documento. 11 Cf. REIS, António Matos – “O foral de Guimarães – primeiro foral português – o contributo dos burgueses para a fundação de Portugal”. Revista de Guimarães, n.º 106, 1996, pp. 55-77. Como se pode ver pelos seguintes excertos da leitura do documento: “… por boa paz e boa vontade, fazer [bons foros] a vós, homens de Guimarães, porque me destes honra e apoio e me prestastes bom e iel serviço.” e “… os burgueses que comigo suportaram o mal e o sacrifício em Guimarães…”, pp. 17-18. 12 Cf. MARQUES, José – “O foral de Guimarães: Apresentação”. Revista de Guimarães. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. nº 106 (1996), pp. 42-52. 13 Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit. p.8. 14 Esboço puramente esquemático da rede de muralhas (e com a indicação de alguns dos principais edifícios), realizado pela autora, a partir da planta De Guimarães, c. 1569 (autor desconhecido), in: Colecção Diogo Barbosa Machado da Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Brasil, da gravura presente em «Guimarães do passado e do presente», org. de Joaquim Fernandes Guimarães, Câmara Municipal, 1985, pág. 227 e de planta de autor não identiicado, provavelmente do séc. XIX., existente na Casa de Sarmento. 15 Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit. pp.9-10. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 829 Fig. 2 – Planta das muralhas de Guimarães e edifícios de referência, com legenda Registara-se uma outra alteração relevante por volta do séc. XII com a transformação do mosteiro fundado por Mumadona, em Colegiada16 nascendo em torno da imagem da sua padroeira, a Nª Sr.ª da Oliveira, toda uma “mitologia” e importância religiosas associadas às suas tão propaladas propriedades miraculosas a qual irá atrair não apenas reis, como ainda as mais diversas gentes de todos os estratos da população, sem qualquer distinção. Destaque particular para D. João I, cuja grande devoção a esta invocação e as consequentes benesses que concede à Colegiada são por demais evidentes. Com a concorrência destes factores propiciatórios e todas as componentes atestadoras da sua importância e poder milagroso (ou milagreiro), facilmente 16 Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit. p.9. Apesar de só ser conhecido o documento que lhe confere os estatutos após 1229. 830 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais a imagem da Virgem e por consequência a Colegiada e, por extensão natural a vila, se tornam local de peregrinação religiosa, tanto régia como popular e, portanto, relevante polo de desenvolvimento e de intensa actividade comercial e artesanal. As terras e senhorios em volta da vila (extra muros), vivem e beneiciam com este bulício quer em termos gerais quer mesmo no que respeita ao aluxo de almas para o trabalho braçal e outras para o espiritual, ingressando estas nos diversos conventos e oiciando nas igrejas e capelas que por ali existiam17 e 18. Na parte baixa da vila destaca-se pela sua natural relevância para qualquer cidade da época, a praça, melhor dizendo neste caso, as praças, a Maior e a de Santiago que, por volta do séc. XIII, vão granjeando um crescente predomínio em relação à zona do Castelo, marcando uma mudança no centro económico-político da povoação, passando a zona alta, a do castelo, a ter uma menor importância. A Praça Maior torna-se realmente “maior” em termos de centralidade, não só urbanística mas também e, especialmente, religiosa pois é onde se situa a Colegiada e os ícones de devoção a ela associados, o padrão, a oliveira “santa”, o chafariz e a torre da Colegiada. É-o também politicamente pois está localizada próxima à torre/paço municipal e economicamente pois está rodeada por ruas (a das Tendas e a dos Francos) e largos (a Praça do Peixe, por exemplo) onde o comércio e as actividades artesanais deles decorrentes se desenvolviam. Em consequência, torna-se também e, não menos importante, simbólica; simbólica do poder terreno e da religiosidade. A partir daqui, grandes transformações urbanísticas se operam na cidade avançando ao longo de diversos reinados cujos reis tomaram disposições várias no sentido de favorecer o seu desenvolvimento. Dar-se-ão importantes alterações como a “deslocação”19 dos dois conventos mendicantes (de São Domingos 17 Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit. pp. 9-10. 18 Cf. IGREJA DE N. SENHORA DA OLIVEIRA. GUIMARÃES - Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Nº 128, Lisboa, 1981, pp. 7-11. 19 Cf. “O Panorama”, Vol. V, Lisboa, 1841, pp. 202; Cf. FERREIRA, Maria da Conceição Falcão – Guimarães: Duas Vilas, um só Povo. Estudo de História Urbana (1250-1389). Braga: CITCEM/Universidade do Minho, 2010, p. 319. e Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit. p. 16. O Professor Ferrão Afonso, fazendo também referência aos estudos de Falcão Ferreira, explica: “Os Franciscanos, por sua vez, ter-se-iam instalado em Vila Verde. Daí deslocaram-se para junto da Torre Velha e, inalmente, pela mesma razão — a construção da muralha — invocada em relação à deslocação dos Dominicanos, ter-se-iam estabelecido, depois de 1322, na sua atual localização, junto do importante núcleo industrial de Couros, habitado por curtidores mas, também, cutileiros. Falcão Ferreira, porém, refere o interesse dos Frades Menores por essa zona, ligando a atividade construtiva, já no século anterior.” 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 831 e de São Francisco), construídos na cidade extramuros em razão da construção da muralha, facto que prova, também o estatuto verdadeiramente importante do amuralhamento do núcleo. Como acontece um pouco em cidades desta tipologia, a par de algumas ruas que denotam uma certa planiicação ordenada e vias paralelas e de traçado regular, outras são mais irregulares e estreitas, serpenteando por entre as construções e dependentes das irregularidades e declives do terreno. No séc. XVII, aparecem já, como zonas importantes da cidade, a Praça do Toural, a da Colegiada e o Terreiro das Freiras, por terem sido os locais onde, por morte do rei D. João IV se izeram as competentes e mais simbólicas manifestações de luto20. Aliás, pela sua forma, dimensões e localização, o Toural adquirirá cada vez mais importância em detrimento da Praça Maior. Começa a partir desta altura um gradual movimento de transferência da vida da cidade para além-muros o que irá provocando grandes transformações na sua malha urbana. O séc. XIX será um século de grandes mudanças, signiicando aqui a palavra mudanças, obras e demolições efectivas e algumas delas radicais, proporcionadas talvez e em (grande) parte pela elevação de Guimarães a cidade, feita por D. Maria II em 22 de Junho de 185321, “Attendendo que a mesma Villa desfructa a primazia de ser uma das mais populosas da provincia do Minho, e a mais lorescente em diversos ramos de industria, à qual são devidas a sua opulência e prosperidade, e as suas relações commerciais dentro e fóra do Paiz;” e também porque “… possue as condições e elementos necessarios para sustentar a dignidade e cathegoria de Cidade…”. Revela ainda a monarca, na sua carta régia não esquecer ter “…ella sido o berço da Monarchia, e assento da primeira Côrte dos Reis Portuguezes, onde nasceu e foi baptizado o poderoso Dom Afonso Henriques;” Estão bem claras as razões de ordem económica, social e política mas também as de legitimação histórica que justiicaram ou mesmo, exigiram, que Guimarães recebesse o privilégio de se tornar cidade por direito. Talvez também por isso fosse necessário, no pensamento dos dirigentes, dotar a novel cidade de equipamentos e construções que não desmerecessem a sua recente condição. Efectivamente, apenas seis anos depois (1859), a câmara apresenta 20 Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit. p. 14. 21 Cf. Carta de D. Maria II a conceder a Guimarães o título de cidade – ARQUIVO MUNICIPAL ALFREDO PIMENTA – disponível em 07-02-14 em: http://www.amap.com.pt/page/195 832 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais a decisão de “levantar uma planta geral da cidade”22 demonstrando já, o seu presidente, uma visão “moderna” para a altura pois que pretendia não apenas conhecer o estado geral urbano da sua cidade mas pensar também, nas transformações mais prementes e necessárias a realizar. Salientamos, que estes objectivos englobavam benfeitorias de relevo para a cidade, como sejam, o melhoramento do abastecimento de água e a salubridade das vias públicas. Toda esta vasta empresa de cadastro e planeamento, foi encomendada ao engenheiro Manoel de Almeida Ribeiro23. As grandes obras a que Guimarães será sujeita, apesar de pioneiras, prolongar-se-ão pelo resto da centúria de oitocentos, entrando pela seguinte e conhecendo diversos nomes responsáveis por este autêntico “projecto global” que transformará completamente não apenas a face da cidade, mas também a vida das suas populações24. Para além do já citado engenheiro Manoel de Almeida Ribeiro destacamos, ao longo da duração das obras, diversas lideranças especialmente a do engenheiro distrital José Teixeira Carvalho Pinto de Meneses, a do arquitecto José Luiz Ferreira e a do capitão Luís de Pina25. Guimarães em três pinturas de Roquemont Augusto Roquemont viveu num constante périplo, particularmente entre duas cidades do Norte, o Porto e Guimarães interrompido, a espaços, por viagens a Lisboa. Entre esses períodos, deteve-se curtas temporadas noutros pontos do país, por exemplo, na zona do Douro, onde andou a conhecer e estudar a região, durante cerca de um ano. Destas mudanças de residência, elaborámos uma pequena tabela26 (sujeita a actualização), que permitisse vi22 Cf. FERNANDES, Mário Gonçalves - Urbanismo e morfologia urbana no Norte de Portugal: Viana do Castelo, Póvoa de Varzim, Guimarães, Vila Real, Chaves e Bragança entre 1852 e 1926. Porto, FAUP Publicações, 2005, Vol. I, p 216. 23 Cf. FERNANDES, Mário Gonçalves – Urbanismo… op. cit. p. 217. 24 Sobre este assunto e, para uma maior e melhor informação, propomos a leitura do trabalho de Mário Gonçalves Fernandes (Vol. I e II), já citado na nota 21. 25 Cf. FERNANDES, Mário Gonçalves – Urbanismo… op. cit. As obras e intervenções efectuadas sob a direcção de cada um destes responsáveis, são referidas respectivamente a pp. 223, 232 e 240. 26 Cf. BRANDÃO, Júlio – O Pintor Roquemont: Subsídios para o estudo do artista: vida, época e obras. Lisboa, Livraria Morais, 1929, pp. 7-11. Esta tabela foi realizada com dados, alguns ainda não conirmados, recolhidos maioritariamente nesta obra e algumas outras fontes. Ver Tabela no inal do artigo em, Anexo I. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 833 sualizar com mais clareza, essas permanências mas, em especial, as da vivência em Guimarães. Frequentemente sobrepõem-se informações. Assim, embora durante 1830 estivesse na Régua, a 14 de Junho27 desse ano, estaria a receber por parte do Cabido, a encomenda da pintura do estuque da nave central da Colegiada e do desenho de um dos novos altares. Interrogamo-nos pois, se estaria na cidade nessa altura ou se lá iria com alguma frequência e facilidade. Aparentemente os períodos de maior permanência do artista, em Guimarães, são em particular dois. Aqui vive durante dois anos (1828-1830), logo que chega a Portugal, ao que parece, apenas interrompidos durante cerca de um, com uma viagem à Régua. Depois, julgamos poder dizer que, após 1831 e até 1839, continuará a viver e trabalhar, predominantemente em Guimarães. Parece também decorrer da observação das suas movimentações que, pelo menos entre 1843 e 47, terá andado a circular um pouco pelas três cidades já mencionadas. Em 1835, época em que o pintor vivia na cidade esta manteria um aspecto bastante marcado pela herança construtiva medieval, pois ainda possuía a sua extensa rede de muralhas, bem como as respectivas torres, como nos dá a conhecer Pedro Vitorino28. O autor refere inclusivamente a atracção que esse conjunto deveria provocar criando o gosto pelo registo gráico de alguns pormenores, entre os visitantes mais observadores, tais como Carlos Van Zeller, um viajante inglês e combatente do Cerco do Porto, que se deteve a representar em desenho29, não só a antiga Capela de S. Tiago30 (demolida mais tarde em 1896), mas também uma das torres mais representativas da cerca de muralhas, a vulgarmente chamada Torre de S. Bento31 que icava localizada do lado poente da muralha. A sua porta era conhecida por Porta de Sta. Luzia (por causa da rua que se lhe abria diante dela) ou por Porta de Nª Sr.ª da Graça, por a torre ser também 27 Fonte, SIPA. 28 Cf. VITORINO, Pedro - A demolida Tôrre de S. Bento, em Guimarães – in, PORTUCALE: REVISTA ILUSTRADA DE CULTURA LITERÁRIA, SCIENTÍFICA, E ARTÍSTICA – Vol. IX, Setembro-Dezembro de 1936, Porto, Nos 53-54, p. 170. 29 Estes desenhos estavam reunidos num caderno de viagens, tipologia de registo muito comum entre os viajantes desta época, nos quais guardavam, não só impressões escritas mas também pequenos apontamentos de desenho. Neste caderno, em particular, existiam ainda desenhos de trajes populares portugueses daquele período. 30 Imagem disponível sob o nº 276 na Colecção de Arte da Sociedade Martins Sarmento. 31 Cf. VITORINO, Pedro - A demolida… op. cit. Fig. 1, p.172. 834 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 3 – Torre de S. Bento, lado exterior, desenho de Carlos Van Zeller, 1835. conhecida por esse nome e existir dentro dela uma pequena capela da referida invocação da Virgem. Aparentemente, pouco tempo depois desta nota, em 1848, já teriam sido demolidas grande parte das muralhas e das torres, ao que parece, para utilização da pedra no arranjo das calçadas das ruas da cidade32. Por volta de 1860, Vilhena Barbosa airmava, que “o vandalismo, (…), arrasou até aos alicerces as mais bellas torres que o mestre d’Avis ediicou para defeza das portas de Guimarães”33. Em 1933, Luís de Pina, na sua obra O castelo de Guimarães dá notícia de ainda existirem “uns lastimosos restos” dessa antiga torre de S. Bento e, 32 Cf. LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho - Portugal antigo e moderno: diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias – Lisboa: Livr. Ed. de Mattos Moreira & Companhia, 18731890, vol. III, p. 352. 33 Cf. BARBOSA, I. de Vilhena - As cidades e villas da monarchia portuguesa que teem brasao d’armas - Lisboa: Typographia do Panorama, 1860, vol. I, p.201. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 835 ainda à data do já citado artigo de Pedro Vitorino (1936), o autor faz referência à existência de um troço de muralha, a norte da referida torre, e “restos” (de muralha) do lado sul. A demolição desta torre fora ordenada pela edilidade, em 24 de Abril de 1840, por razões de segurança das populações, de decência e por estorvar o trânsito34, mas só iniciada em 11 de Maio desse ano e depois interrompido o derrube, por ordem do Cabido. Daquilo que restou de pé, ou seja, a parte baixa da torre e o arco da porta, só foi concluída a demolição em 187035. No entanto, em 1939 e depois, em 1965, ainda existiriam os derradeiros vestígios da muralha, como testemunham diversos registos fotográicos do arquivo da Casa de Sarmento36, entre outros existentes. Referimos este caso da torre de S. Bento e respectivo trecho de muralhas, não só a título de exemplo daquilo que foram as mudanças radicais operadas, principalmente a partir de meados do séc. XIX, mas também de como os testemunhos deixados por artistas (frequentes vezes estrangeiros), ajudam a compreender melhor as alterações que o tempo, pela mão dos homens, foi operando. Quanto à muralha, Roquemont terá conhecido ainda, a sua quase totalidade e talvez, assistido ao início das primeiras obras de demolição. A cidade deverá ter adquirido, de imediato, um aspecto completamente diferente e, entre apoiantes das mudanças e opositores, as obras continuaram o seu ritmo na transformação dos testemunhos de um passado bastante longínquo e do traçado urbanístico da cidade. Colegiada de Guimarães37 A Colegiada teve origem no Mosteiro misto, fundado em meados do século X pela Condessa Mumadona, nas suas terras de Vimaranis e foi centro nacional de peregrinação. Desse facto lhe adveio um vasto património, quer urbano, 34 Cf. VITORINO, Pedro - A demolida…, op. cit. p. 174 citando o Padre António Caldas. 35 Cf. VITORINO, Pedro - A demolida…, op. cit. pp.173-174. 36 Ver, entre outras, uma fotograia de 1939 (sob o nº 329), sobre a “destruição do pano da muralha da Rua dos Palheiros”, que ligava à já então demolida Torre de S. Bento e outra já muito mais recente, de 1965 (sob o nº 332), que apresenta ainda restos dessa mesma muralha. 37 Agradecemos à Leiloeira S. Domingos a gentileza na cedência e permissão para a utilização desta imagem do quadro, que aqui reproduzimos. 836 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais na Vila, quer rural, abrangendo cento e vinte e sete freguesias espalhadas por Entre Douro e Minho. Com o decorrer do tempo a protecção condal vai diminuindo e o convento vai perdendo a importância, até que, no século XII, é instituída a Colegiada. Esta, tendo o padroado e protecção directa do Rei de Portugal torna-se uma instituição muito importante no contexto do próprio país e foi, inclusivamente, primaz das Colegiadas portuguesas possuindo um cabido que, no séc. XV, chegou a ser igual ao cabido da Sé de Braga38. Do seu primitivo edifício restam muito poucos vestígios, como acontece um pouco com todos os monumentos em Portugal, especialmente aqueles destinados ao culto religioso, pois cada época, cada moda construtiva, mas também as necessidades práticas da utilização diária, vão impondo mudanças, alterações e adaptações, mais ou menos profundas e radicais. De acordo com os registos do SIPA disponíveis online, o templo é “composto por igreja envolvida, lateralmente e posteriormente pelo edifício da Colegiada, formando claustro entre eles. Deste primitivo mosteiro restam apenas alguns vestígios, nomeadamente a Sala do Capítulo e duas alas do claustro.” A fachada principal apresenta um portal que mantém as “arquivoltas quebradas, decoradas por pérolas e rosetas, assentes em capitéis itomóricos, antropomóricos e zoomóricos. (…) é encimado por janelão, actualmente cego, e que originalmente possuiria um caixilho pétreo com a forma da Árvore de Jessé. É enquadrado por cinco arquivoltas decoradas e ritmadas por anjos coroados por baldaquinos rendilhados que servem simultaneamente de mísula à igura seguinte.” Durante uma das diversas intervenções feitas no edifício foi retirado o referido caixilho com a árvore de Jessé e fechado o janelão deixando apenas quatro simples óculos, um maior ao centro e três outros mais pequenos, um em cima e dois por baixo do óculo central, icando o janelão quase cego. Na última intervenção, já no séc. XX, acabaram por se fechar também estas aberturas. Portanto e, para além destas alterações da fachada do edifício da Colegiada, na Praça Maior à qual preside, também não encontramos hoje, entre outros, dois importantes elementos; o pelourinho39 aí existente e o tanque-chafariz, 38 Cf. MEIRELES, Maria José Marinho de Queirós - Roteiro do fundo documental da Colegiada de Guimarães – in. “Boletim de Trabalhos Históricos”, II Série, Vol. I, 1993, pp. 37-38. 39 Sobre o qual não nos detivemos, por não fazer parte do conjunto representado no enquadramento escolhido para a pintura. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 837 Fig. 4 - A Colegiada de Guimarães – Augusto Roquemont (1804 - 1852), s/d. Localização indeterminada. 838 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais ou fonte da Colegiada, que era sensivelmente da mesma largura da torre sineira à qual estava adossado e era constituído por três bicas, sendo responsável pelo abastecimento de água potável à população, até ao inal séc. XVI. Era largo, mas tinha no meio uma reentrância semicircular, aberta, de modo a permitir que os que ali iam à água se pudessem chegar à bica do meio. Os seus elementos mais destacados eram as duas pedras de armas; a de Guimarães, com uma imagem central da Senhora da Oliveira, em bronze, e a do brasão real.40 Esta coniguração corresponde a uma reconstrução do tanque do início do século XVI, aquando da reediicação da torre. O tanque original seria mais antigo e dataria de 1390, com base num documento (recibo de obra de 1392), existente no AMAP, segundo o qual (…) João Garcia pedreiro mestre da obra da dita Igreja conheceu e confessou que recebera de Stevão Gonçalves (…) 800 libras d’esta moeda que ora corre de 10 soldos o raial que no dito tempo ainda avia d’aver do dito Fig. 5 - Tanque da Oliveira, cliché de Frederick W. Flower, 1845. AMAP, Cota 6-66-4-28 40 Tanque da Oliveira, cliché de Frederick W. Flower, 1845. Imagem cedida pelo Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Cota 6-66-4-28. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 839 Fig. 6 – Pedra de armas da cidade, esquerda. Foto © Afonso Nunes Fig. 7 – Pedra de armas reais, direita. Foto © Afonso Nunes concelho por razão do chafariz que no dito anno e tempo fez ao concelho (…).41 Apesar de, no documento, não constar nenhuma descrição que ajude a identiicar, sem dúvidas, o chafariz em referência como sendo o da Colegiada, os restantes elementos como, a assinatura de um contrato, valores, datas, a referência à “obra da dita Igreja”, parecem apontar para ser o que estamos a tratar. Após a introdução do sistema público de abastecimento de água, esta fonte foi deinitivamente derrubada em 20 de Agosto de 1904, passando as duas pedras de armas, a do escudo real e a da imagem da Nª Sr.ª da Oliveira (naquela época as armas de Guimarães depois alteradas em 1929), a ser incorporadas na 41 Cf. Tanque da Praça da Oliveira – Documento do recibo de obra em: “João Garcia, mestre-pedreiro, recebe a paga de um chafariz” – ARQUIVO MUNICIPAL ALFREDO PIMENTA – Cota: 8-1-4-24. 840 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais colecção do Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento42. No brasão, as torres e quinas são de pedra de Ançã, embutidas no granito do escudo e têm ainda vestígios de policromia, tal como no da Sr.ª da Oliveira que, para além da pintura, tinha a imagem da Virgem, de pé, com o Menino ao colo. Esta era em bronze e encaixava num orifício colocado em frente da representação gráica de uma oliveira.43 Roquemont representa neste quadro, do qual desconhecemos a data44, uma grande parte da fachada da Igreja da Colegiada. Conseguimos constatar a presença do janelão com os respectivos óculos. No espaço fronteiro ao edifício facilmente identiicamos o monumento comummente designado como “Padrão do Salado” e, no canto inferior direito, a cerca envolvendo a oliveira milagrosa, por certo a original (de acordo com a data provável do quadro) pois esta só foi transplantada em 1875, vindo depois a morrer. Também do lado direito, mas ao fundo, vislumbra-se um nicho que actualmente já ali não existe. No quadro, conseguimos ver claramente a parte correspondente à bica direita do chafariz a qual ostentava as armas reais, onde conirmamos a existência de policromia. O quadro é suicientemente claro para que vejamos como as alterações, mesmo as mais pequenas modiicações, conseguem transformar os espaços. Neste caso consideramos que o efeito mais evidente é o da perda do simbolismo. O carácter simbólico da praça, a sua força em termos de mensagem de poder, terreno e espiritual, perdeu-se ao desaparecerem os seus principais ícones; 42 Ambas pedras pertencem actualmente à “Secção de Epigraia Latina e Escultura Antiga do Museu Arqueológico Martins Sarmento”. Agradecemos a disponibilidade demonstrada pela instituição, na pessoa da sua Técnica Superior de Conservação e Restauro, Dra. Patrícia Aguiar bem assim como a total cooperação e autorização para a captação fotográica e utilização das imagens. Agradecemos também ao Dr. Afonso Nunes, licenciado em Som e Imagem e Mestre em Realização Cinematográica, pela UCP e, actualmente responsável pelo Departamento de Audio-Visual no Museu do FCP, a disponibilidade e total cooperação na recolha das imagens. 43 Cumpre-nos referir que as descrições mais antigas não referem a existência da igura destacável em bronze, como se vê por estes exemplos que encontrámos; Cf. CRAESBEECK, Francisco Xavier da Serra - Memórias ressuscitadas da Província de Entre Douro e Minho: no ano de 1726. Ponte de Lima: Ed. Carvalhos de Basto, 1992, Vol. I, p. 137. “… e sobre a biqua da mão esquerda estã huma imagem de Nossa Senhora, de pedra, encostada a huma oliveira (armas antíguas desta villa); e sobre a bica da mão direita, está um escudo das armas do Reino, pintadas, e douradas”. Ver também Cf. COSTA, Padre António Carvalho da – “Corograia portugueza e descripçam topograica do famoso Reyno de Portugal, com as noticias das fundações das cidades, villas, &...”, 3 vol., Lisboa: na oicina de Valentim da Costa Deslandes impressor de Sua Magestade, & á sua custa impresso, 1706-1712. - Tomo primeyro, p. 30. 44 Quer pela análise dos elementos representados no quadro, quer pelo facto de sabermos que em 14 de Junho de 1830, o pintor estar a assinar um contrato para realizar as obras de restauro do tecto desta mesma igreja e o desenho de um altar, é muito provável que a pintura seja de uma data aproximada desta. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 841 Fig. 8 – Localização dos principais elementos com legenda - A fonte armoriada. Unindo simbolicamente o poder terreno, representado pelo brasão real (e associado ao padroado real da Colegiada), ao poder espiritual da padroeira divina, a imagem da Virgem da Oliveira e que era simultaneamente também um símbolo terreno como brasão da cidade; - A água que dela brotava. Desde sempre um poderoso elemento simbólico, ligado à vida, à puriicação e à renovação mas também e, muito terrenamente, como um bem essencial à sobrevivência; - A oliveira milagreira e lendária. Mantinha a presença permanente do carácter místico e, de algum modo, mágico, daquele local. À excepção do monumento do Salado, que se manteve e, com ele a permanência da memória histórica nacional, e da torre sineira com a sua tríplice simbologia45 (tão importante desde a época medieval), aqueles eram elementos 45 Vd. A este respeito e, sobre a importância da torre monumentalizada, o nosso trabalho; NUNES, Ana Paula Bandeira Morais Valongueiro - “A Igreja de São Salvador de Freixo de Baixo”, in “Actas do II CONGRESSO HISTÓRICO AMARANTE – Memória do passado, saudade do futuro”. 2ª Secção; PATRIMÓNIO, ARTE E ARQUEOLOGIA. Câmara Municipal de Amarante, vol. II, tomo I, pp. 5-14. Amarante, 2009. 842 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais que distinguiam este local, em termos de “presença imaterial” não apenas do divino, mas também da tradição, da continuidade cultural e ritual, de um certo carácter lendário/mágico/maravilhoso e também da presença fortíssima do poder terreno. Este era um poder real, em ambos os sentidos do termo; real porque dos homens e Real, porque do rei. Ressalta bem claro da comparação entre a pintura e outros registos antigos e o actual a diferença de “impacto” de todo o local. Fig. 9 – Quadro de Roquemont. Fig. 10 – Pormenor da fachada correspondente aproximadamente à perspectiva da pintura. Foto © Afonso Nunes Presentemente, o carácter algo “asséptico” e “vazio” do espaço, parece estar relacionado com a ausência de uma simbologia mais forte conferida, especialmente, pelo tanque/chafariz. Consideramos que, tal estrutura emprestava, não só à praça mas ao próprio edifício um aspecto de alguma forma majestoso, que podemos avaliar através da comparação entre uma memória fotográica (coeva do quadro), com uma imagem actual (ver Fig. 11 e 12). 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 843 Fig. 11 - Tanque da Oliveira, cliché de Frederick W. Flower, 1845. Cota 6-66-4-28. Fig. 12 - Pormenor equivalente, em foto actual. Foto © Afonso Nunes Nas imagens seguintes, com perspectiva quase semelhante, mas de diferentes épocas e que apresentam uma vista total do edifício e um pouco da envolvente, reforça-se a sensação actual de algum despojamento tanto do edifício como do local, em resultado da ausência dos principais elementos já destacados. As intervenções deste tipo têm implicações, provavelmente pouco profundas sob o ponto de vista urbanístico, no entanto, em termos simbólicos, os espaços deixam de ter uma continuidade histórica, perde-se parte daquilo que os legitimava ao longo de gerações e que, simultaneamente, lhes conferia o estatuto de centralidade de que disfrutavam, mercê de todas as funções e 844 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 13 – Postal, sem data46 Fig. 14 – O mesmo local, na actualidade. Foto © Afonso Nunes simbologias religiosas e profanas a eles associados e das quais já anteriormente falámos; é o Genius Loci que desaparece. Outros registos pictóricos da autoria de artistas de oitocentos, com datas mais recentes que aquela apontada para o quadro de Roquemont, reforçam e complementam esta sensação geral da existência de um sentido, um “espírito” próprio daquele local, transmitido pelos mesmos elementos já identiicados e que lhe conferiam identidade. Veja-se o caso da conhecida gravura “Sé de Guimaraens”47 de J. P. Monteiro, ou a de Pedroso sobre desenho de Nogueira da Silva publicada no “Arquivo Pitoresco”48 e também a de Vivian49, embora parcial e centrada no “Padrão do Salado”. Notemos, no entanto, que cerca de trinta anos separam, em média, o quadro das duas primeiras gravuras e da foto. 46 A imagem reproduzida foi-nos gentilmente cedida pelo Prof. Doutor Francisco Queiroz, a quem muito agradecemos. 47 BND: Acesso em linha. URL: <http://purl.pt/23668>. Cota do exemplar digitalizado: ea-94-21-a. 48 “A Igreja da Colegiada e o Padrão da Oliveira”, gravura de Pedroso sobre desenho de Nogueira da Silva, 1863, p. 353. in Arquivo Pitoresco, vol. IV, Lisboa, 1861, pp. 353-355. 49 BND: Acesso em linha. URL: <http://purl.pt/ 23874>. VIVIAN, George – Scenery of Portugal & Spain 1798-1873, London, Estampa III. Cota do exemplar digitalizado: ea-117-a. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 845 Fig. 15 – “Sé de Guimaraens”, J. P. Monteiro desenhou do natural e lithographou [ca. 1850], BND. Fig. 16 - “A Igreja da Colegiada e o Padrão da Oliveira” – Gravura de Pedroso sobre desenho de Nogueira da Silva, 1863 in “Arquivo Pitoresco”. Fig. 17 – “Padrão do Salado” – George Vivian, 1839, in “Scenery of Portugal & Spain”. Fig. 18 – “A Colegiada de Guimarães” – Augusto Roquemont (1804 - 1852), s/d. 846 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais A pintura de Roquemont e a sua comparação com o mesmo local, na actualidade, permite-nos relectir sobre as responsabilidades das intervenções urbanísticas, na preservação e na permissão de que o património do simbólico possa continuar a existir e deixar presente a sua marca e/ou identidade nos locais intervencionados e sujeitos, naturalmente, aos processos de transformação que fazem parte da evolução das cidades. Fig. 19 – ROQUEMONT, Augusto (1804 - 1852), Cena de aldeia ou Chafariz de Guimarães – (Tanque do Carmo) 1842. Óleo sobre tela.22 x 27,5 cm - Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 847 Cena de Aldeia ou Chafariz de Guimarães50 Este quadro é o ponto de partida para a análise de um espaço que sofreu as maiores e as mais profundas alterações, quer do ponto de vista urbanístico, planiicação e construção de novos espaços e arruamentos, quer também naquilo que respeita à alteração e/ou transferência de “objectos” urbanos, elementos arquitectónicos mais ou menos autónomos e passíveis de serem adaptados a outros espaços. Este local, onde existia a citada fonte, era originalmente designado, como Terreiro do Carmo, por se encontrar fronteiro ao Convento do mesmo nome e por, à época, não se tratar de um jardim mas sim de um verdadeiro espaço aberto entre casas e ruas, com uma área considerável; um terreno com marcas rurais, quase baldio, em plena área urbana, como se pode ver numa gravura51 que a seguir reproduzimos, um pouco mais tardia do que a pintura. Na parte que estava virada para o Convento (lado direito da gravura e de um observador posicionado a Norte) era delimitado por uma rua (actual Rua das Trinas) que fazia a continuidade e prolongamento da Rua de Santa Maria que ainda hoje existe. O tanque, ou chafariz do Carmo, situar-se-ia exactamente na parte norte do terreiro, encostado a uma iada de casas que foram demolidas em 1890 (eventualmente as fronteiras àquelas cujas traseiras surgem representadas na mencionada gravura), portanto, até à introdução de uma série de melhoramentos resultantes do já referido plano de reformas urbanísticas levado a cabo após a elevação de Guimarães a cidade (1853). As obras, desde o estudo e levantamento dos terrenos até às evidentes transformações provocadas por derrubes, construções e mudanças de localização, decorreram entre 1863 e 1867 mas prolongar-se-iam até muito mais tarde, entrando em pleno séc. XX originando o actualmente designado Largo Martins Sarmento e Jardim do Carmo (Fig. 21). 50 ROQUEMONT, Augusto (1804 - 1852), Cena de aldeia ou Chafariz de Guimarães – (Tanque do Carmo) 1842. Óleo sobre tela.22 x 27,5 cm - Museu Nacional Soares dos Reis, Porto. 51 Cf. ARCHIVO PITTORESCO: Semanario Ilustrado - Castro, Irmão & C.ª, Lisboa, Typographia de Castro & Irmão, 1857-1868, Tomo V, Nº 8 (1862), pág. 57. 848 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 20 – “Terreiro junto ao Convento do Carmo” – Gravura de Pedroso, desenho de Nogueira da Silva s/d, (aprox. ano de 1862)., in Archivo Pittoresco. O jardim/terreiro não teria uma forma regular ou planiicada. Só depois das citadas obras de regularização dos terrenos, demolição de casas e alguns edifícios e a deslocação de determinados elementos arquitectónicos, dali para outros locais, ou a “migração” de outros que vieram substituir alguns dos que foram retirados, tais como o próprio tanque/chafariz e a pequena capela dos Passos do Senhor (que também se observa na pintura), só após tudo isto é que a praça adquire a forma, função e aspecto que actualmente (ainda) consideramos ser o de um jardim urbano, nascendo o espaço que vemos nas imagens.52 52 As imagens dos postais que reproduzimos nas iguras 21 e 22 foram-nos gentilmente cedidas pelo Professor Doutor Francisco Queiroz a quem muito agradecemos. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 849 Fig. 21 – Largo Martins Sarmento (Jardim do Carmo) cerca de 1915. Fig. 22 – Pormenor do jardim do Carmo com o “novo” chafariz trazido do Toural. Sensivelmente a meio do largo/jardim vemos um exemplo que seleccionámos a im de ilustrar as grandes mudanças operadas com estas obras. A fonte/ chafariz quinhentista que existia anteriormente no Toural e que para aqui foi trazida e colocada aquando desta grande remodelação53. Analisemos agora, o destino do tanque pintado por Roquemont. Observemos, com detalhe, a sua localização à época em que foi incluído na pintura em análise. A partir de uma planta da cidade, levantada pelo Eng.º Manoel D’Almeida Ribeiro (1863-1867)54 e do seu cruzamento com outros documentos, mapas e vistas aéreas actuais tentámos obter através de um desenho simpliicado55, uma localização correcta do local, bem como a posição aproximada do ponto de observação do pintor. 53 Presentemente, desde as obras de remodelação ocorridas em 2011,esta fonte quinhentista, de taças sobrepostas, encontra-se de novo no seu local de origem, o renovado “Largo do Toural”. No local que esta ocupava, no jardim do Carmo (Largo Martins Sarmento), encontra-se hoje um tanque circular, com repuxo central, de concepção contemporânea. 54 Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit., p. 18. Identiicação dos elementos que surgem na pintura, da autoria do Prof. Ferrão Afonso, efectuada sobre a planta da cidade levantada pelo Eng.º Manoel D’Almeida Ribeiro, 1863-1867. Sob as marcações feitas actualmente, pode claramente observar-se o esquema da estrutura do actual jardim do Carmo. 55 Planta simpliicada (da nossa autoria), obtida pelo cruzamento de diversas fontes e reproduzindo a localização dos elementos que surgem na pintura de Roquemont, proposta pelo Prof. Ferrão Afonso e efectuada sobre a planta da cidade levantada pelo Eng.º Manoel D’Almeida Ribeiro (1863-1867), presente na sua obra acima citada. 850 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Desta sobreposição de planos (do antigo sobre o actual), podemos calcular a localização, não apenas do tanque, como também do provável ponto de observação do pintor. Este estaria sensivelmente em direcção ao centro do edifício principal (primitivo) do Convento do Carmo, e próximo a ele. À sua frente a cena a pintar, onde se destacava, ao centro, o tanque. À esquerda, algum casario e arvoredo em pano de fundo e, à direita, a capela-oratório dos Passos do Senhor. Por entre o casario e a capelinha, bem atrás do grande tanque que concentra as atenções do observador, espreitam as ameias daquilo que aparenta ser uma torre. Toda a cena se encontra povoada de populares e alguns animais domésticos. O primeiro elemento a analisar será o central, o tanque que, actualmente já não existe naquele local. Fig. 23 - Identiicação dos elementos que surgem na pintura, sobre a planta do jardim (actual) e (parte) da levantada pelo Eng.º Manoel D’Almeida Ribeiro, 18631867. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 851 Com as obras de remodelação do espaço, levadas a cabo em 1890, este tanque é transferido para a Rua de Santo António56, onde em 1927 é deslocado um pouco mais para sul ainda nessa mesma rua. Nas imagens seguintes vemos, com algum pormenor, a sua localização. Fig.24 – Postal de 1915, “Guimarães – Rua 31 de Janeiro”. Colecção Privada. Quando a rua de St.º António, ainda era designada por Rua 31 de Janeiro. Fig.25 - Destaque do pormenor do tanque do Carmo. 56 Cf. FERNANDES, Mário Gonçalves – Urbanismo… op. cit. Vol. II p. 124. – “Guimarães - 1890 (12 de Novembro), Tanque do Carmo. Projecto de mudança para a Rua Nova de Stº Antonio. Alçado e Planta, Antonio Martins Ferreira, Conductor de Obras Publicas”. Podemos encontrar nesta reprodução do projecto, o desenho do tanque do Carmo o qual apresenta evidentes discrepâncias entre o tanque representado no quadro mas também com o mesmo tanque, no seu aspecto actual, concretamente ao nível da existência de três bicas em vez de duas sendo estas em forma de pequenas cabeças (e não de golinho), da existência de uma moldura corrida a toda a largura do tanque, da forma de colocação e dimensão da pedra de armas (menor e menos destacada no topo), da largura do próprio tanque (que recebe a água), para além de outros pormenores. Como se trata de um projecto de rigor técnico (e não de uma criação artística), tudo faz supor uma real intervenção, ou projecto que se realizou, pelo menos, parcialmente. 852 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 26 – Largo João da Motta Prego, localização actual do tanque. Foto © Afonso Nunes Hoje, o mesmo tanque encontra-se localizado no pequeno Largo João da Motta Prego e apresenta dimensões mais reduzidas do que as originais e, notámos também, alterações relevantes ao nível de alguns pormenores decorativos e estruturais. Isto a julgar pela comparação da pintura com o tanque actual e destas duas também com o desenho do “alçado e planta” que identiicámos na nota 56 deste trabalho. Desconhecemos se estas diferenças se devem a alterações efectuadas no próprio chafariz, durante as diversas mudanças de lugar e consequentes adaptações ou se, por outro lado, se devem apenas a alguma “liberdade criativa” do pintor. Dúvidas se levantam relativamente às duas explicações, mas especialmente em relação à segunda pois, sendo este artista como o conhecemos, rigoroso no pormenor, no detalhe, perfeição no tratamento da imagem e incutindo grande realismo, no caso dos retratos que pintava, parece-nos quase impossível que descurasse elementos decorativos tão notórios e marcantes como os que a seguir analisamos. Não queremos, no entanto, deixar de apresentar a hipótese de o artista pretender depurar ao máximo a representação da fonte, deixando apenas em evidência a singeleza das linhas arquitectónicas. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 853 Notemos as evidentes divergências quanto à moldura que encima o chafariz e que, na pintura, é representada como uma moldura simples e contínua rematando a parte superior enquanto, na construção, é composta por uma moldura dupla, sendo que a inferior aparece saliente em relação à parede e no centro é semelhante a um frontão semicircular interrompido, deixando que nesse espaço nasça o suporte para a pedra de armas coroada que encima o chafariz. O mesmo acontece com a segunda moldura (na fonte) que corre ao longo de toda a parte superior do murete, rematando-o, mas que é também interrompido a meio terminando cada extremidade em dois pequenos enrolamentos tipo voluta. Também o medalhão central, na pintura, aparece como decoração independente e isolado na parede branca. Já no tanque, que observámos in loco, este pormenor aparece “ligado” de cima a baixo, por uma larga faixa em pedra que o une à moldura que circunda toda a parede do chafariz. Julgamos estarem, as diferenças, claramente ilustradas nas imagens de pormenor que em cima destacámos e nestas que de seguida se apresentam. Fig. 27 – Para melhor comparação, realce de pormenores da foto anterior (tanque actual) e do quadro. 854 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 28 – Comparação entre o tanque da pintura e o actual, onde se pode ver toda a estrutura e identiicar os elementos referidos no texto que permaneceram. Em destaque, na pintura, os dois bancos laterais que desapareceram. Da sua observação resulta ainda que, além da estrutura geral da construção se mantêm inalterados os mesmos dois golinhos de onde jorra a água, as duas urnas que encimam a estrutura e a pedra de armas coroada. No entanto, alterou-se a largura total do tanque, pois é notório que foram removidos os dois bancos laterais, adossados à parede que lhes servia de espaldar, nos quais, na pintura, se sentavam as duas iguras masculinas. Se bem que não possa ser posta de parte a hipótese de uma opção estética por parte do pintor que o levou à designada liberdade criativa na representação de alguns pormenores, não nos parece menos viável a ideia de que estas alterações fossem provocadas pela sucessiva necessidade de adaptação desta construção às mudanças de local ou então, que o remate superior poderia ter sido um acrescento colocado sobre o já existente, por uma mudança do gosto da época. Por falta de outros elementos, esta hipótese será apenas suportada pela nossa análise formal. Sabemos ser muito frequentes no nosso país e ao longo dos tempos estes “arranjos” arquitectónicos, normalmente realizados com grande habilidade e mestria. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 855 Sugerimos que o remate superior, o segundo, poderia ter sido um novo colocado sobre o primeiro, o pré-existente e, a este, ter-se interrompido a meio o arco central para o adaptar esteticamente às “inovações” introduzidas. Apesar disso, a construção conseguiu manter-se bastante equilibrada e até harmoniosa no seu todo. Na mesma linha/opção estética, ter-se-ia unido o medalhão central, através de uma faixa de pedra. Pese embora a pouca qualidade gráica da adaptação que izemos “limpando” a foto do seu fundo e da moldura superior do chafariz, no sentido de ilustrar a nossa ideia, julgamos conseguir assim ajudar a visualizar como este seria, apenas com esse único friso, imaginando a continuidade da curvatura superior, tentando perceber se o modelo se assemelharia realmente ao quadro57. Fig. 29 - Início da “limpeza” da moldura superior. Fig. 30 – Comparação da pintura com o resultado inal. 57 Queremos realçar que as recentes pesquisas que temos vindo a realizar, com vista ao trabalho inal de doutoramento, vieram trazer importantes e esclarecedores contributos também neste assunto pelo que, oportunamente, serão trazidos à luz. 856 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais No decurso das restantes alterações urbanísticas feitas no terreiro para o transformar em jardim, foi também deslocada, como já anteriormente dissemos, a pequena capela dos Passos da Paixão do Senhor que ali existia e que aparece, do lado direito do chafariz, na imagem pintada por Roquemont. Este oratório foi afastado para relativamente perto, icando adossado ao Convento do Carmo, do outro lado da rua, onde ainda hoje permanece, como se pode ver na imagem. Na pintura, este é um elemento de bastante destaque, embora não se distingam com clareza as iguras do seu interior o que não permite uma eicaz identiicação de qual dos Passos da Paixão estará representado58. Fig. 31 – Fachada Lateral do Convento com o Oratório destacado. Foto © Afonso Nunes 58 Daquilo que nos é possível ver, arriscamos a possibilidade de se tratar do episódio de Verónica limpando a face de Cristo. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 857 Fig. 32 – Pormenor do quadro de Roquemont. Fig. 33 – Foto do oratório (fechado) Foto © Afonso Nunes. Finalmente, não queremos terminar esta análise sem referir a torre que aparece representada na pintura cuja presença é bastante curiosa e levanta algumas questões importantes. Se repararmos atentamente na imagem que apresentamos seguidamente, recordamos que, o pintor, a partir da posição estimada que deinimos, não poderia ver nem o castelo com qualquer uma das suas torres, nem as torres do Paço Ducal que, além do mais, à época estariam num estado de ruína total ou parcial. Deste modo, a hipótese de estar a representar qualquer uma das de ambos edifícios estará, em princípio, posta de parte. Observemos agora, a imagem abaixo apresentada. 858 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 34 – Quadro de Roquemont com a torre em destaque. Fig. 35 – Vista aérea indicando os edifícios referência e a provável posição do pintor. Notemos que, na planta de Guimarães de cerca de 1569 (de autor desconhecido), já não aparece a muralha transversal que ligava a porta de Santa Luzia ou Senhora da Graça (torre de S. Bento) com a porta da Freira ou Freiria (torre de Santa Cruz) torres que, no entanto, se mantiveram, uma vez que esta teria sido derrubada por ordem de D. João I por altura de 1420. A título meramente informativo diremos que existem diversos autores que izeram reconstituições gráicas da cerca de muralhas mas na sua versão mais recente, ou seja já sem a muralha transversal. De entre eles salientamos a obra, Património artístico e 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 859 cultural de Guimarães59 ou Vimaranes60 bem como o mapa presente no fundo documental do SIPA.61 Perante a interrogação sobre que construção, ainal, poderia ser esta aqui representada propõe, o Professor Ferrão Afonso que “(…) apesar de a direção da vista não deixar ver o Paço dos Duques. Estava aí [a torre] como memória e ideia de património.”62 Reforçando esta ideia, estabelece o paralelismo com o exemplo de um antigo retrato de D. Mafalda, primeira rainha de Portugal, no qual, como pano de fundo se vê o Mosteiro de Santa Marinha e, num plano um pouco mais próximo, o Paço dos Duques e a muralha. Ora, uma vez que esta localização e posição relativa dos edifícios, geograicamente estaria incorrecta, ela dever-se-ia a uma vontade expressa de os representar juntos e como fundo da retratada em virtude da sua condição de fundadora do Mosteiro ali representado. Opinião que também partilhamos em relação a esta pintura da rainha, hoje existente na Ordem Terceira de S. Francisco, em Guimarães. Trata-se claramente do tipo de pintura em que é usual este género de associação ou evocação, gloriicando uma pessoa ligada a uma obra, uma ediicação, um acontecimento ou um local, comum, no retrato de corte ou de aparato e, enfatizando a sua dimensão áulica, como no referido de D. Mafalda (de 1737)63 o qual apresenta mesmo algum paralelismo, facilmente identiicável, por exemplo, com a tipologia de retrato (e toda a envolvente) da do Marquês de Pombal de L. M. Vanloo64 (1766, quase contemporâneo), pese embora a clara diferença de qualidade da pintura e da sumptuosidade conferida a toda a cena. Ambos evocam obras importantes, grandiosas, associadas à personalidade representada. 59 Cf. ALVES, José Maria Gomes; op. cit. Mapa do “Traçado da muralha da cidade” Vol.1, p. 167. 60 Cf. PINA, Luís de – Vimaranes - Porto, 1929, –“ Planta da cidade em 1863, com a reconstituição da cintura de muralhas e suas torres” p. 141, ig.40. 61 SIPA. Disponível em 26-10-2016 em: http://www.monumentos.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=1048 62 Cf. AFONSO, José Ferrão et al.;… op. cit. p. 19. 63 Quadro de D. Mafalda de Furtado, 1735 – VOTSF Guimarães. Apresentamos os nossos agradecimentos ao Sr. Dr. André Morais, historiador responsável pela área patrimonial e museológica da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de Guimarães, pela amabilidade e inestimável cooperação, não apenas para cedência da imagem e autorização para a sua utilização, como também para se prontiicar a proceder à sua reprodução fotográica, a qual, em virtude das grandes dimensões da obra e do local onde se encontra exposta, é de muito difícil enquadramento. 64 Agradecemos ao Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Oeiras, na pessoa da Sr.ª Dr.ª Elisabete Baiôa Brigadeiro, a amabilidade e graciosa cedência da imagem da pintura para a publicação neste trabalho. 860 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 36 – Quadro de D. Mafalda, de Furtado, 1735. Venerável Ordem Terceira de São Francisco, Guimarães. Foto: Sr. Dr. André Morais. Fig. 37 – Marquês de Pombal, óleo de Claude Joseph Vernet e Louis Van Loo, 1767, Colecção de Arte da Câmara Municipal de Oeiras 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 861 Em nossa opinião, este quadro do tanque do Carmo, não é um caso semelhante. O quadro de Roquemont trata uma cena diária, popular, de costumes, ele é um todo, um relato e, tal como um registo fotográico, capta um momento de uma cena do dia-a-dia na qual, a torre parece ser apenas, não mais que um dos elementos presentes no cenário. Neste quadro, não conseguimos perceber, de que modo a mensagem da “memória e ideia de património” seria legível pelo observador através de uma quotidiana cena de costumes populares. Ela passaria despercebida, ilegível mesmo, pelo que, não se compreende a introdução de um “recado” tão importante65, através de um vislumbre de torre por entre uma nesga de edifícios, num total efeito e lógica de racionalidade e, portanto, de realismo da paisagem ou talvez melhor dito, do cenário. Pensamos que se diluiria completamente. A não ser que se considere que o pintor o tivesse feito (a introdução de uma mensagem de património), numa atitude claramente condicente com os ideais românticos que inluenciavam a pintura de paisagem, de viagens e também, a de costumes66, como quem o faz “para si próprio”, por achar coerente introduzir no cenário, mais um elemento histórico-arquitectónico (uma torre medieval) que, embora (neste caso) não existindo, fosse facilmente identiicável com uma cidade como Guimarães, reforçando assim, a identiicação da cena com a respectiva cidade, mesmo para além dos elementos arquitectónicos claramente vimaranenses que no quadro já existiam, como o tanque e “aquele” passo da Paixão. Contudo, devemos também considerar, não ser de todo impossível que “algo” realmente se visse do local de onde o pintor olhava, e fosse parte integrante da cena, elemento esse que constituía uma torre ou fazia parte de uma construção desse tipo. Lembremo-nos que Guimarães possuía ainda várias torres da rede de muralhas senão de pé, parcialmente, conforme já descrevemos, para além de um considerável número de casas-torre, de origem bastante remota que viriam a ser destruídas (algumas delas), mais tarde. Em parte esses testemunhos arquitectónicos dá-os Roquemont, na pintura de uma vista da ci- 65 E simultaneamente tão profundamente identiicado com o poder e o prestígio, especialmente quando equiparado ao de D. Mafalda. 66 Cf. BELCHIOR, Lucília dos Santos – “Karl Albrecht Haupt (1852-1932) e o «desenho de viagem»: o registo dos monumentos nacionais: compreensão arquitectónica e fruição estética” – Tese de doutoramento, História (Arte, Património e Teoria do Restauro), Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2011, pp. 107-108. 862 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig.38 – Comparação das três pinturas onde se veriica, na imagem central, a clara “diluição” acima referida. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 863 dade de Guimarães67, datada de inícios do séc. XIX (cerca de 1830/35), na qual são representados os principais edifícios da cidade, entre eles, algumas torres da cerca de muralhas e outras construções de aspecto semelhante. Sobre esta aguada diz Pedro Vitorino, a certa altura, no seu artigo da Revista Portucale; “Num aspecto geral de Guimarães, valioso desenho do pintor Augusto Roquemont que existe na Sociedade de “Martins Sarmento”, observa-se essa construção [torre de S. Bento] pelo lado interno da muralha, vendo-se distintamente a abertura da parte pòstero-superior da tôrre.”68 A legenda que acompanha a aguada, no canto superior direito apresenta algumas sequências de difícil leitura (ou susceptível de dúvidas), especialmente as letras que lhe correspondem no desenho. No entanto, a “Porta de Santa Luzia” que fazia parte da Torre de S. Bento, reconhece-se com facilidade. Efectivamente, a probabilidade de esta torre (a de S. Bento) poder ser a que se vislumbra no quadro de Roquemont, foi uma das hipóteses que colocámos uma vez que as demolições se prolongaram no tempo (em 1835 ainda existia e, só em 1848 teria sido demolida uma grande parte). Pela orientação do tanque, relativamente à antiga rede de muralhas, a eventualidade de se entrever algo desta torre, pareceu-nos uma perspectiva a considerar como linha de pesquisa, entre outras. Pedro Vitorino faz dela uma planta (Fig. 46)69 no artigo que lhe dedica explicando, não só a sua beleza e localização, como também a sua utilidade para o antigo burgo, pois fazia a ligação à estrada para Braga (pela porta e Rua de Santa Luzia), remetendo-nos para a vista da cidade feita por Roquemont onde, conforme acima transcrevemos, refere aparecer representada. Contudo, devido às questões que se nos colocaram, em virtude das diversas plantas e documentos consultados, várias possibilidades se mantêm em aberto, permitimo-nos a ousadia, que a curiosidade nos sugeriu, interrogando, sem mais pretensões do que o interesse em saber se seria possível ser aquela designada Torre de S. Bento ou uma outra torre da rede de muralhas que ainda sobrevivesse ou, talvez, uma construção semelhante, que do ponto de observação do pintor, pudesse ser avistada. 67 Vista Geral de Guimarães (vista panorâmica da cidade nos começos do séc. XIX) - Aguada de Augusto Roquemont, 930x350 mm - Colecção de Arte da Sociedade Martins Sarmento, 1830/35. Agradecemos ao Museu da Sociedade Martins Sarmento a autorização de publicação desta imagem. 68 Cf. VITORINO, Pedro - A demolida…, op. cit. p. 175. 69 Cf. VITORINO, Pedro - A demolida…, op. cit. Fig. 2, p. 173. 864 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 39 - Vista Geral de Guimarães (vista panorâmica da cidade nos começos do séc. XIX) - Aguada de Augusto Roquemont, 930x350 mm - (Colecção de Arte da Sociedade Martins Sarmento), 1830/35. Fig.40 - Pormenor da Vista Geral de Guimarães onde distinguimos claramente, pelo menos dois edifícios do tipo “torre” sendo a mais baixa (e escura) aquela cuja forma mais se assemelha à da pintura do tanque do Carmo. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 865 Fig.41 - Legenda da vista de Guimarães (pormenor da aguada) e leitura (ao lado). Agradecemos ao Prof. Dr. Francisco Queiroz as sugestões que acrescentou na interpretação desta legenda. Na obra Guimarães do passado e do presente70 observamos, por exemplo, uma construção não identiicada de aspecto semelhante a uma torre que, ainda no início do séc. XX, poderia ser vista daquele local, o designado Jardim do Carmo. Poderia ser esse edifício aqui destacado, a torre avistada pelo pintor e representada na pintura. Seria ela visível a partir do ponto onde se localizava o tanque (correspondente, sensivelmente, ao centro do actual jardim) bem como ao de localização do artista (um pouco mais à direita). A avaliar pela zona semi-circular que se consegue observar na base da imagem, trata-se do topo do jardim do Carmo o que faz supor que, mesmo com todas as alterações, 70 Fotograia - “Casas demolidas ao cimo do Largo do Carmo”, in Guimarães do passado e do presente, org. de Joaquim Fernandes Guimarães, Câmara Municipal, 1985, pág. 109. 866 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais era bem provável que o topo desta torre pudesse ser observado pelo artista e que esse vislumbre resultasse um pouco à semelhança daquilo que aparece na pintura em análise. No inal desta análise sobre a questão da presença da torre na pintura e, apesar de não excluirmos liminarmente a possibilidade de uma manifestação de pura liberdade criativa do pintor ou tampouco uma consciente intenção de representação patrimonial (dentro do melhor espírito romântico), consideramos que, se bem que não tenhamos fechado por completo nenhuma das hipóteses que lançámos através de uma resposta deinitiva, aquelas que apresentámos, para suportar a tese de se tratar efectivamente de parte integrante do cenário são suicientes para justiicar, senão a certeza, a continuidade da dúvida e, portanto, da investigação71. Fig. 42 - Planta da Torre de S. Bento da autoria de Pedro Vitorino. 71 Cumpre-nos novamente referir que, investigações e estudos posteriores à nossa comunicação neste 1º Colóquio, vieram trazer novas e importantes informações que não cabem no âmbito deste trabalho, não apenas porque, à altura da comunicação as desconhecíamos, mas também porque as iremos apresentar incluídas no nosso trabalho inal de doutoramento. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 867 A Varanda de Frei Jerónimo72 Esta varanda, inserida no antigo Mosteiro de Santa Marinha da Costa, actualmente designado, Pousada de Santa Marinha, faz parte de um edifício que foi mosteiro masculino dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho o qual manteve, durante bastante tempo, a sua estrutura arquitectónica românica inicial. Entretanto, entregue no séc. XVI aos frades Jerónimos vai, a partir daí crescendo e sendo ampliado, quer a nível da igreja quer dos dormitórios73. Serão as grandes transformações feitas neste período que irão criar também uma varanda alpendrada no topo da ala alongada, a “Varanda de Frei Jerónimo”. Após o Decreto de extinção das Ordens Religiosas e a 31 de Maio de 1834, os frades Jerónimos são intimados a sair do mosteiro e, a 9 de Julho desse ano, dá-se a expulsão deinitiva destes religiosos. O mosteiro e a cerca são comprados em hasta pública pelo industrial José Ferreira Pinto Basto, fundador da Fábrica da Vista Alegre, e mais tarde é posto à venda pela Junta de Crédito Público74. Atentemos à varanda de cantaria. Localizada no topo do corpo do edifício é denominada como varanda de “Frei Jerónimo” ou de “São Jerónimo”, sendo constituída por um vasto alpendre apoiado em pilares75. No interior, encostados ao lado fechado ou da parede, apresenta bancos de pedra corridos, com espaldar de azulejos igurativos a azul e branco e, no centro, tem um chafariz de tanque quadrilobado, com uma taça central de quatro bicas, encimada por uma coluna com outras quatro bicas. Possui, a rematar um pináculo em forma de pirâmide com uma esfera no cimo. Todo o espaço da varanda é coberto por um tecto de madeira, em masseira, formando caixotões simples. 72 Colecção de Arte da Sociedade Martins Sarmento - Augusto Roquemont, “Varanda de Frei Jerónimo” (65,5x45,5) – 1840 – Museu da Casa de Sarmento. Agradecemos a amabilidade e disponibilidade demonstradas pela instituição, na pessoa da sua Técnica Superior de Conservação e Restauro, Dra. Patrícia Aguiar, na cedência da imagem e autorização de publicação. 73 Cf. COSTA, Alexandre Alves - “Pousada Santa Marinha da Costa, 1976-1985”. Revista Monumentos. Lisboa: Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, Outubro 2013, nº 33, p. 105 (e-book). 74 Fonte SIPA. 75 “Varanda de Frei Jerónimo”, Colecção de postais 1900/2016-03-08. Imagem cedida pelo Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Cota 10-40-2-1-168. 868 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Fig. 43 – Varanda de Frei Jerónimo – 1840 - 65,5x45,5 – Museu da Casa de Sarmento. Quadro de Roquemont A perspectiva da pintura é oposta à da foto anterior, ou seja, o pintor observa a partir da zona exterior da varanda (a zona dos pilares) e voltado para a cidade, a qual representa em pano de fundo da paisagem, tendo do seu lado direito, a parede da varanda, enquanto que a foto é tirada de “costas voltadas” para a cidade tendo, do lado esquerdo do observador, a parede azulejada. Abrimos aqui um parenteses, para recordar como são algo comuns as representações de vistas, ou paisagens vimaranenses, a partir de varandas ou terraços. Referimos o caso incontornável da representação de Vivian76, que nos apresenta a, ainda na altura incompleta, Igreja de Nossa Senhora dos Santos Passos pintada a partir de um local de grande intimidade e, quase podería- 76 BND: Acesso em linha. URL: <http://purl.pt/ 23874>. VIVIAN, George – Scenery of Portugal & Spain - 1798-1873, London, Estampa XXII. Cota do exemplar digitalizado: ea-117-a. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 869 mos dizer, recolhimento. O artista, aparentemente do interior da casa, trespassa com o olhar o espaço da varanda (preenchida por toda uma “iconograia” tradicional e popular) onde, de passagem, nos permite ver uma jovem sentada, de ar vagamente sevilhano, e que parece ignorá-lo (enquanto brinca com um pequeno cão) para representar, lá ao fundo, a paisagem com a igreja, o casario e a Fig. 44 – Postal - Guimarães – Igreja, Mosteiro e Pousada Santa Marinha da Costa. Colecção privada. Destaque vegetação que se estende a perder de de da varanda da autoria da autora. vista até ao monte. O ambiente apela, claramente, a uma imagem algo idealizada da realidade, apesar de manter o rigor necessário naquilo que respeita ao aspecto geral do tratamento do espaço exterior. Também não deixaremos de referir, o caso da vista de Guimarães, tirada a partir dos Jardins de Vila Flor, local semelhante a um terraço ajardinado de grandes dimensões, em virtude da cota mais alta que ocupa em relação à cidade. Pertencia este espaço à casa do Conde de Arrochela e a gravura, que parapenas encontrámos num fascículo do Archivo Pittoresco77, terá sido feita a par tir de uma fotograia de Antero Frederico de Seabra. A paisagem oferece-nos Fig. 45 – Postal – Varanda de Frei Jerónimo (pormenor) 870 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais uma generosa vista sobre a cidade com um considerável número de construções, algumas de possível identiicação, tornando-se assim, um interessante documento mas de carácter completamente distinto, em nossa opinião, dos dois anteriores e bastante mais próximo da vista de Guimarães, aguada de Roquemont, que apresentámos na imagem de frontispício deste trabalho. A sua vertente mais documental e objectiva, afasta-o bastante do exemplo anterior da pintura de Vivian. Retornando à análise do quadro em apreço e, apesar da diferença de perspectiva, entre a foto e a pintura, tudo o que vemos actualmente na varanda é coincidente com aquilo que vemos representado na pintura, à excepção dos azulejos que, um pouco estranhamente e, novamente para nós, devido às características do pintor, não aparecem no quadro. Esta é a diferença mais notória, ou talvez mesmo a única, entre o quadro e o modelo real. Desconhecemos a razão desta opção do artista. Julgamos opção pois, as referências que existem sobre este revestimento azulejar, apontam para que Fig. 46 - “O Campo da Feira” – George Vivian, 1839, in “Scenery of Portugal & Spain” a colocação desta decoração seja próxima da data da construção da varanda, portanto muito anterior ao quadro, pelo que ele já lá estaria quando este foi pintado. Se analisarmos, muito sucintamente, os períodos mais marcantes de obras efectuadas apenas na varanda, veriicamos que foi mandada construir 77 “A cidade de Guimarães, vista a partir dos jardins de Vila Flor”, gravura de autor desconhecido tirada a partir de fotograia de Antero Frederico de Seabra. Arquivo Pitoresco, 1864, Nº 43, p. 377, in Arquivo Pitoresco, vol. VII, Lisboa. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 871 em 1682, por Frei Jerónimo dos Anjos, rematando aquela ala, icando assim conhecida como “Varanda de São ou Frei Jerónimo“. Será apenas em 1707 que outro abade trienal, Frei Jerónimo de Santa Maria, manda instalar o chafariz naquele local. Cerca de quarenta anos depois, 1747, Frei Francisco de Santo António, promove uma ampla obra de azulejamento de diversos espaços; no novo dormitório, nas escadas, Sala do Capítulo, escadório da cerca e também da Varanda de Frei Jerónimo, sendo os azulejos atribuídos ao conhecido artista Policarpo de Oliveira Bernardes. Curioso facto portanto o da não representação dos azulejos na pintura de Roquemont. As referências sobre o revestimento azulejar apontam claramente para que esta decoração tenha sido introduzida no local no séc. XVIII. Não conhecendo a razão para não serem contemplados na pintura, tratar-se-á novamente de uma opção estética do artista que, eventualmente aqui, como na pintura do tanque do Carmo pretendesse excluir todo o “barulho visual” que pudesse retirar o protagonismo à pureza das linhas arquitectónicas. Ou então, estariam os azulejos naquela altura, eventualmente ocultos, cobertos a Fig.47 - A cidade de Guimarães, vista a partir dos jardins de Vila Flor. Gravura de autor desconhecido tirada a partir de fotograia de Antero Frederico de Seabra, 1864, in Arquivo Pitoresco. 872 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais estuque ou caiados, como era por vezes usual fazer-se e essa a razão pela qual o artista não os reconhece. No entanto, esta última hipótese parece-nos pouco provável pois, cumpre-nos assinalar que, apenas cerca de 60 anos separam a pintura, da foto78 em cima (Fig.52) onde, apesar da degradação evidente do espaço, é bem visível o revestimento cerâmico. Fica em aberto mais esta questão. Conclusões A imagem, neste caso a pintura, sempre foi um documento importante na obtenção de informação sobre as transformações operadas nas cidades e nos edifícios, ao longo dos tempos. As pinturas de Roquemont não são excepção e revelam-se uma importante e interessante fonte de informação. São claros e evidentes três aspectos que constituem simultaneamente três casos distintos em termos urbanísticos e patrimoniais. No primeiro quadro compreendemos a importância da (não) preservação dos elementos que conferem a identidade a um espaço ou construção. Aparentemente, conservando e respeitando o ediicado e, maioritariamente, o traçado urbanístico (fazendo-o na sua quase totalidade) a intervenção acaba por, em certa medida, o “destruir” mesmo que talvez inadvertidamente, ao esquecer a preservação daquilo que confere a identidade simbólica, histórica e/ou cultural do local, quer do espaço, quer da construção. Ao não guardar as marcas de singularidade, descura-se e desvaloriza-se aquilo que torna o local diferente e distinto de outro qualquer, à partida, aparentemente semelhante; o espírito do local. Na segunda pintura constatamos os efeitos e transformações provocados pelas intervenções radicais, bem como as questões levantadas pela “migração” que os objectos urbanos fazem ao longo dos tempos. Estão aqui, bem claros e evidentes, alguns exemplos destas intervenções profundas, por vezes mesmo, destrutivas sob o ponto de vista urbanístico, patrimonial e identitário. Por 78 “Chafariz da Varanda de Frei Jerónimo - Convento de Santa Marinha da Costa” (Colecção de fotograias 1800/2004), Foto Simão, cerca 1900. Imagem cedida pelo Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Cota 6-66-6-10. 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 873 Fig. 48 - Varanda de Frei Jerónimo no antigo Convento de Santa Marinha da Costa, c. 1900, Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Guimarães. 49 – Composição da autora, usando o pormenor referente à parede azulejada, nas duas fotos (actual e antiga) e na pintura. 874 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais esse facto e, pelos elementos representados na pintura, revela-se também a necessidade da realização de cadastros pormenorizados das intervenções, para memória futura, ainda mais nos casos em que elas são deste modo radicais. No terceiro caso experimentamos o exemplo da preservação total de um espaço (referimo-nos apenas à varanda), alterando-se somente a instituição à qual estava afecto, uma vez que a função a que originalmente se destinava em pouco se modiicou pois que as inalidades turísticas e de lazer (devido à beleza do próprio local) o permitiram e potenciaram, através da fruição da beleza do espaço e da paisagem. Apesar de não confrontado com as “solicitações” e necessidades com as quais os dois anteriores locais se depararam, convirá não esquecer que, também todo este edifício está, presentemente, afecto a uma utilização bem distante daquela para a qual foi construído. Finalmente, como encarar as questões levantadas pelas divergências de pormenor encontradas entre as pinturas e a realidade; “Liberdade criativa do pintor”, eventual falta de rigor, consciente desejo de transmissão de uma mensagem concreta ou opção estética? Questões às quais o historiador de arte tem, por vezes, diiculdade em responder, e/ou também por vezes, optar mais ainda quando não dispõem de outros elementos informativos, relativos a outras paisagens ou cenas de costumes que possam servir de ponto de partida para um estudo comparativo do modus operandi do artista, em relação ao tratamento de situações semelhantes mas relativas a outros locais. Efectivamente, para além da parte relevante da obra do pintor (em quantidade), se reportar às encomendas de retratos e, excluindo os trabalhos académicos, estudos, e outras tipologias também pontualmente abordadas, de entre as cenas de costumes e paisagens, é sobre Guimarães que, daquilo que até agora conhecemos, existem realmente elementos identiicáveis do ponto de vista arquitectónico, urbanístico e monumental. Não conhecemos, portanto, outras pinturas equivalentes que possam servir de termo comparativo para um estudo que nos pudesse informar sobre as opções do artista em condições equivalentes. Tal possibilidade permitiria inclusivamente perceber até que ponto este pintor partilha as ideias de autores que “apenas procuravam reproduzir a mística dos valores patrimoniais”, numa perspectiva puramente romântica, “num contexto pitoresco e bucólico ou mesmo explorando o “sublime”, descurando, por vezes, os pormenores dos edifícios monumentais”, parafraseando Lucília dos Santos Belchior79, posição que contribuiria para res19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 875 ponder às questões lançadas durante a nossa análise das pinturas. Numa última referência queremos relembrar, o que deixámos já em nota que, em resultado das nossas recentes investigações e, decorrido um ano quase sobre o Colóquio, essas pesquisas vieram trazer nova luz a diversas questões aqui levantadas, estudos e conclusões que farão parte integrante do nosso trabalho inal de doutoramento sobre a vida e obra de Augusto Roquemont. Anexo I - Tabela 1 – Períodos prováveis de permanência de Roquemont em Guimarães 79 Cf. BELCHIOR, Lucília dos Santos – “Karl Albrecht Haupt… op cit. pp. 107-108. 876 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Paula Bandeira Morais Roquemont – Permanências em Portugal ANO FACTO DATAS 1828 Chegada 1828 DESTINO LOCAL E TEMPO DE PERMANÊNCIA 24 Agosto Lisboa ---- Chegada 6 Outubro Porto ---- 1828 --- 24 Outubro Guimarães Hóspede do Visconde de Azenha (Casa do Arco) 1830 Viagem Verão Régua Permanência durante cerca de um ano ---- Volta ao Norte --- Guimarães Até 1839 1839 Procura residência --- Porto Habita na rua de Stº António (durante 2 anos) 1843 Exposição Trienal --- Lisboa Tempo indeterminado Até 1847 1º- Hospeda-se no Águia de Ouro e noutros locais 2º- Aluga casa na Praça da Batalha, 41 ---- ---- --- Divide as suas estadias entre Lisboa, Porto e Guimarães 1847 Volta deinitiva (até à data da morte) Julho Porto 19 - Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 822 - 877 877 Palacete Visconde de Sacavém Créditos fotográicos: Margarida Araújo Os palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa Cristina Ramos e Horta Resumo Dois palacetes de gosto revivalista tardo-romântico de inais do século XIX, um situado em Caldas da Rainha, no Avenal, (residência de veraneio) e outro em Lisboa, na freguesia da Lapa, mandados construir pelo 2º Visconde de Sacavém, são o objecto do nosso estudo. Ambos se destacam pelas suas características muito especíicas, constituindo, no aspecto decorativo, verdadeiros compêndios de azulejaria (tiles) e de faiança policroma relevada, num gosto eclético para o qual contribuem elementos ornamentais neorrenascentistas, neobarrocos, naturalistas e fantásticos. Um está ediicado num meio rural, nos arredores de uma vila onde pulsava uma activa vida social, pontuada pela presença da família real e, outro, num centro urbano entre diversas residências apalaçadas. A análise destes dois palacetes, suas semelhanças e diferenças, bem com a sua representatividade no tardo-romântico do nosso país, no inal do século XIX, patente em emblemáticos palácios e em residências mais discretas e de menores dimensões, constitui o tema do nosso texto, trabalho aberto para que outros se sintam atraídos a aprofundar esta área e época tão sugestivas. Palavras chave: Tardo-romântico, Visconde de Sacavém; azulejos; faiança; Caldas da Rainha. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 879 Caldas da Rainha assistiu, no inal do século XIX, a um dos seus períodos históricos mais brilhantes1, com a crescente frequência das termas, no período estival, pelos estratos sociais mais elevados: a família real, uma elite nacional e estrangeira, bem como uma burguesia enriquecida. Aluência que exigia um melhoramento funcional dos equipamentos, serviços e instalações do Hospital, equipamento recreativo e determina uma renovação urbanística, com novos prédios, a maioria com revestimento a azulejos e outros de épocas anteriores, aburguesados e dotados de alterações decorativas nas fachadas. Veriica-se igualmente o desenvolvimento de infra estruturas como lojas e hotéis e a introdução de novos conceitos como a arquitectura paisagista, patente no Parque D. Carlos I2. A expansão urbana dá-se com uma orientação que irradia do centro histórico da vila e do Hospital Termal, Palácio Real e Rossio (actual Praça da Fruta), reorganizando-se num traçado moderno, até à estação de caminho-de-ferro que chega a Caldas em 1887, sempre em função do termalismo. Surgem novos edifícios, uns com fachadas em estilo Arte Nova e alguns exemplares com um nítido carácter romântico, como a Fábrica de Faianças com o seu exotismo e decorações de gosto oriental, o palacete Visconde de Sacavém, tardo-romântico que é o objecto do nosso trabalho e, mais tarde, o palacete Grandela na Foz do Arelho. Situado a Sul do Parque D. Carlos, perto dos locais das Fábrica de Faianças, de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), e da Fábrica Bordalo Pinheiro3, 1 Os três períodos históricos mais brilhantes das Caldas foram: meados do século XV/XVI, época da fundação pela rainha D. Leonor, o século XVIII, com as sucessivas idas a banhos do rei D. João V que dota a vila de grandes melhoramentos e o século XIX em que se destaca a presença do príncipe D. Fernando. 2 As grandes obras do Hospital Termal Rainha D. Leonor e áreas anexas, icaram a dever-se a Rodrigo Maria Berquó, (1839 - 1896), com formação técnica em engenharia e arquitectura e seu director entre 1888 e 1896. A sua obra incluiu também a Mata Rainha D. Leonor e o Parque D. Carlos I, a própria urbanização da vila, em que teve papel modernizador, através de novas posturas, determinante na qualidade de presidente da Câmara durante um ano. 3 Após a morte de Rafael Bordalo Pinheiro, em 1905, a Fábrica das Faianças hipotecada é vendida em 1907 e o novo proprietário deu a direcção artística ao escultor Costa Motta Sobrinho que assegurou a actividade da fábrica até 1916. O ilho Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro (1867-1920), banido da fábrica do pai e de posse dos equipamentos e moldes, requereu autorização para construir uma nova unidade fabril em terrenos contíguos à antiga Fábrica e que eram da irmã, Maria Helena. Com a colaboração empenhada dos melhores operários da Fábrica de Faianças, recomeçou a tarefa de reerguer uma empresa à qual estava ligada o nome, a arte e os conhecimentos de Rafael Bordalo Pinheiro: a Fábrica Bordalo Pinheiro, fundada em 1908. HORTA, Cristina. Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, 880 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta o palacete do 2º Visconde é um exemplar tardo-romântico, único em Caldas da Rainha. Até aos dias de hoje não se conhece nenhum estudo aprofundado sobre este palacete que, ao longo da historiograia, foi apenas alorado por autores como José Queirós, Santos Simões, Lucília Verdelho da Costa4, e por nós, num catálogo de uma exposição sobre o Visconde e a cerâmica feita no Atelier Cerâmico5. Nestas breves abordagens, o palacete é referido, não como objecto arquitectónico na sua especiicidade, mas sempre em função de outro tema, como a cerâmica, o termalismo, ou o urbanismo. O seu estilo ecléctico, mesclando vários modelos do passado e um leve toque da casa portuguesa, sempre nos suscitou a curiosidade e o desejo de o estudar e contextualizar, o que se prende igualmente com o desejo de garantir a sua preservação, dado que o estudo e a inventariação do património é sempre o primeiro passo para a sua preservação. Os movimentos revivalistas que se impõem desde inais do século XVIII a inícios do século XX, ancorados nos estilos do passado e ligados ao apelo ao individualismo e sentimento, constituem o relexo de processos de valorização e idealização da identidade nacional de cada país, legitimando questões de natureza política. Sobressai a arquitectura revivalista, neogótica, surgida na Inglaterra setecentista, estilo que vem posteriormente a incluir elementos de outras tendências, como o Renascença e Barroco, manifestando-se em vários países e, tardiamente em Portugal no terceiro quartel do século XIX, prolongando-se no século XX. Em Portugal, os crescentes conhecimento e consciência da história e da arte do seu passado, no terceiro quartel do século XIX, que se deve especialmente à acção de Joaquim de Vasconcelos, suscita uma recuperação, sobretudo, do estilo manuelino que evoca a época áurea das Navegações, assumindo uma nacionalidade reinventada. Outras áreas da arte, como a pintura, escultura e cerâmica assumiram, igualmente, características revivalistas, no caso da cerâmica com as obras de Rafael Bordalo Pinheiro, tanto as de inluência renascentista italiana, como as de carácter nacionalista. São exemplos, entre outros, a Mísula Manuelina, 1891, em barro branco, do acervo do Museu da 4 AAVV. Terra de Águas, Edição Câmara Municipal das Caldas da Rainha. 5 Horta, Cristina, Wilhelm, Eberhard, Atelier Cerâmico Visconde de Sacavém, Caldas da Rainha (18921896) Museu da Cerâmica Caldas da Rainha, 2000. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 881 Cerâmica, que recupera as formas da ourivesaria portuguesa dos séculos XV/ XVI6, e a Talha Manuelina com 2, 40 m de altura, executada, paradoxalmente, em 1892 numa fase de agravamento da crise inanceira da fábrica e do país, decorada com motivos heráldicos, rendilhados, escudos, caravelas, as efígies do Infante D. Henrique e de Camões, numa apoteose nacionalista que atrai o rei D. Carlos, levando-o a adquirir a imponente peça, agora no Museu de Lisboa. Mais tarde Bordalo lança-se na execução da famosa Jarra Beethowen, paradigma da sua produção fantasiosa e exuberante, concluída no ano em que Bordalo encerra a fábrica7. A peça, decorada com iguras relevadas, fadas aladas, a águia sobre o busto do músico, inseridos numa profusa decoração loral, que modelou por encomenda de José Relvas, para a sua casa dos Patudos, em Alpiarça, foi rejeitada devido às suas excessivas dimensões e decoração. D. Carlos já não a pode adquirir e, posteriormente, foi levada pelo autor para o Brasil e acabou por icar no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. 1 - Mísula Manuelina, 1891, Rafael Bordalo Pinheiro Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, Ass.:R.Bordalo Pinheiro, 66 x 39 cm, MC 286. 6 HORTA, Cristina, Rafael Bordalo Pinheiro e a Fábrica das Faianças das Caldas da Rainha, (1884-1905) Julho de 2005, Ministério da Cultura, Instituto Português de Museus, Museu de Cerâmica, Caldas da Rainha, p. 53. 7 Segundo refere Sousa Viterbo: “Bordallo Pinheiro, na sua quasi infantil ingenuidade, chegou a suppôr que a sua jarra Beethoven seria a varinha magica que o viesse salvar mais uma vez, mas enganou-se. Como deve ser cruel para a imaginação de um artista da pujança de Bordallo reconhecer que está deslocado no seu paiz e que este não é o meio apropriado para o desenvolvimento das suas creações! “ Sousa Vieterbo, op. Cit, p.13. 882 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta A arquitectura revivalista no nosso país, num período de tempo que vai desde a segunda metade do século XIX e o considerado tardo-romântico de inícios do século XX, ediica-se, reediica-se e recupera-se, geralmente sobre antigos mosteiros e ruínas, muito se devendo ao interesse de estrangeiros que visitam Portugal, deixando-se seduzir pelos nossos monumentos góticos, como William Beckford admirador especialmente da Batalha que visitou em 17948, Guilherme Elsden, Lord Byron, James Murphy, Francis Cook, Varnhagen, entre outros, que tanto exportam as tendências para os seus países como inluenciam a recuperação de monumentos em Portugal. Assinalam-se como os mais destacados exemplares arquitectónicos do panorama cultural português do Romantismo, o Palácio de Monserrate9, o Palácio da Pena e o Palácio da Quinta da Regaleira, usufruindo do espírito do lugar profundamente romântico de Sintra. O Palácio de Monserrate, construído sobre as ruínas da mansão neogótica ediicada pelo inglês Gerard de Visme, foi projectado pelo arquitecto James Knowles e construído em 1858, por ordem de Sir Francis Cook para sua residência de Verão. Foi recuperado e adaptado segundo um programa revivalista eclético, sobressaindo o neogótico e neomourisco, bem como referências venezianas. Foi habitado, a partir de 1793 por William Beckford. Após uma longa fase de abandono foi recentemente alvo de uma excelente recuperação que lhe restituiu a dignidade e o valor artístico. Exemplar paradigmático dos princípios estéticos representativos do gosto romântico de D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha, o Palácio da Pena foi construído sobre as ruínas do Mosteiro da Pena adquiridas pelo príncipe, sendo o projecto de reconstrução entregue ao Barão de Eschwege. Dotado de uma decoração exuberante em que se entrelaçam de forma sui generis os mais diversos estilos, do neogótico ao neomourisco, com ornamentos fantásticos e exóticos, alusões marítimas e uma iconograia eclética, o Palácio acastelado irrompe de forma quase irreal no arvoredo e no nevoeiro de Sintra. O romântico e exótico Palácio da Regaleira, adquirido em 1892 por António Augusto Carvalho Monteiro (1848-1920) com a alcunha O Milhões (que 8 Portugal inspirou vários artistas estrangeiros como William Beckford que levou para Inglaterra um projecto inspirado na Batalha para ser construído em Fonthill, Wiltshire. 9 Sobre este Palácio ler NETO, Maria João, Monserrate, A casa Romântica de uma família inglesa, editora Caleidoscópio, 2015. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 883 se relacionava com o Visconde de Sacavém), foi reconstruído e ampliado, sob o singular projecto de Luigi Manini que, conjugando, sobretudo, o neomanuelino e neorrenascentista, conferiu-lhe uma fantástica cenograia, como um jardim do Éden. Além destas construções tardo românticas mais representativas, outros edifícios no mesmo estilo, mas mais simples e de menores dimensões, foram ediicados na capital e em vários locais do país, sendo exemplo os dois palacetes, o da Quinta Visconde de Sacavém, situada no Avenal, em Caldas da Rainha, concluído em 1893, e o palacete na rua do Sacramento, nº 24, na Lapa, Lisboa, inalizado já no início do século XX, ambos mandados construir pelo mesmo proprietário, o 2º Visconde de Sacavém, José Joaquim Pinto da Silva (1863 - 1928)10. 2 - Palacete Visconde de Sacavém. Fachada Sul. Caldas da Rainha 10 O 2º Visconde era ilho primogénito de José Joaquim Pinto da Silva 1835-1921 (nascido no Porto, tornou-se um comerciante abastado) e de Miquelina Francisca de Oliveira (1845 –1866). Contraiu matrimónio a 1 de Fevereiro de 1890 com Matilde Adelaide da Silva Amado, enlace do qual nasceu José Manuel Pinto Sacavém, o 3.º Visconde. O título foi dado ao 1º Visconde, em 1874 pelo rei D. Luís, renovado pelo rei D. Carlos ao segundo visconde (2º Visconde), em 10 de Abril de 1890, passando para o 3º Visconde por autorização de Manuel II de Portugal no exílio, e transmitido ao actual 4º Visconde, Manuel de Sousa Pinto Sacavém (1941-). 884 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta Uma residência relecte sempre a personalidade, o gosto e cultura de quem a mandou construir e habitou. O 2º Visconde de Sacavém fez parte de uma burguesia enriquecida e nobilitada que cultivava hábitos e gostos que procuravam emular o personagem de referência dessa época em Portugal, D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha e o seu gosto por um romantismo tardio. O príncipe alemão, dotado de excelente formação, cultura, sobretudo artística, coleccionador, especialmente de cerâmica11, foi também um importante mecenas e zelador do património nacional. Frequentador habitual da estância termal de Caldas da Rainha, terra com a qual desenvolveu uma relação afectiva muito especial, D. Fernando tornou-se um entusiasta da sua célebre cerâmica, desde 1852, altura da visita régia que fez à vila, acompanhado da família. Veio a ser activo mecenas de ceramistas como Manuel Mafra, cuja cerâmica deu a conhecer nas Grandes Exposições Internacionais, sendo premiada, e deu o seu apoio a Rafael Bordalo Pinheiro e à Fábrica de Faianças de Caldas da Rainha, fundada em 1884, de que foi um dos primeiros accionistas. Todas estas vertentes de D. Fernando, procurou o Visconde de Sacavém praticar, desde mecenas à de artista. 3 - Fotograia do 2º Visconde de Sacavém. Insc: A. Falcão 1913. Colecção particular. 11 Horta, Cristina Ramos, A Cerâmica Artística das Caldas da Rainha na Colecção de D, Fernando II in Colecções de Arte Em Portugal e Brasil Nos séculos XIX e XX peris e Trânsitos, Maria José Neto, Marize Malta (eds).Editora Caleidoscópio. “ D. Fernando II reuniu uma rica e expressiva colecção, sobretudo de cerâmica que integravam a galeria de arte e ornamentavam os palácios reais das Necessidades e da Pena.” 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 885 Indivíduo culto e moderno, receptivo às novidades que conhecia, sobretudo, nas suas visitas ao estrangeiro, apaixonado pela arte, o Visconde apreciava o convívio e as festas, integrando, em 1897, uma Comissão de Festas composta por Bordalo Pinheiro, pelo Marquês da Fronteira, por Vitorino Fróis, pelo Director do Hospital (conselheiro José Filipe) e pelo Presidente da Câmara (o ceramista Eduardo Mafra). Conviveu com personagens como Columbano, Grandela e Rafael Bordalo Pinheiro (este desenhou-o numa engraçada, mas respeitosa caricatura publicada no jornal a Paródia). Bordalo Pinheiro devia ter o Visconde em grande consideração pois representou-o em cerâmica, como “igura de movimento” de ar galante, usando fraque e cartola e numa postura de quem cumprimenta com ar simpático. Foi mecenas de ceramistas caldenses, sobretudo do miniaturista Francisco Elias (1869-1937), cuja obra divulgou numa Exposição Regional realizada, em 1910, nos jardins da sua propriedade e noutra exposição em 1915, reunindo uma elite lisboeta que adquiria todas as obras expostas. Entre os assistentes incluíam-se: António de Carvalho Monteiro (proprietário da Regaleira e coleccionador de obras de arte),os Viscondes de Alvelos, a Condessa do Restelo, José da Silva Pessanha, Hypacio de Brion, Alfredo de Kenedy Falcão, Comendador Jorge Lima, José Formosinho Sanches, Fernando Correia e muitos outros. Estiveram também presentes, a convite do Visconde, todos os funcionários da Fábrica «San Raphael»12. Integrou ainda uma comissão, em 1910, nomeada por João Franco, para elaborar um relatório sobre «a resolução do problema das Caldas». Desta Comissão, presidida pelo prof. Alfredo Costa da Faculdade de Medicina de Lisboa, faziam parte: Ramalho Ortigão, Alfredo Cruz Lopes e Costa Sacadura, tendo sido elaborado um interessante trabalho publicado no Diário do Governo, em Outubro de 191013. Exímio fotógrafo, o Visconde cultivou a arte da fotograia, tendo introduzido em Portugal a técnica do bromóleo, participando em diversas exposições nacionais e internacionais. O seu gosto cultural alargou-se ao mundo natural, a exemplo de nobres e de monarcas como D. Pedro V14 e, das viagens que fazia ao estrangeiro trazia consigo espécimes vegetais raros que plantava nos seus jardins. 12 Círculo das Caldas, n. 862, 29 de Setembro de 1915. 13 Idem, Ibidem. 14 AN TT. Documentos do Arquivo da Casa Real atestam as encomendas feitas ao estrangeiro de lores e plantas. 886 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta 4 – Cachepot, Faiança policroma, 18921896, Atelier Cerâmico, Ass: Visconde de Sacavém, MC 457 Como já referimos, no inal do século XIX, Caldas da Rainha -as Termas da Moda- era um local obrigatório para lazer e vilegiatura das elites, não só portuguesas como estrangeiras, que aí acorriam para fazer uso dos banhos, para descanso e usufruir um ambiente cultural marcado por convívio e tertúlias, no qual participavam personagens célebres, como a própria família real, membros da nobreza, da inança, política, entre os quais o 2º Visconde de Sacavém. O apreço deste por Caldas da Rainha que costumava habitar, no período estival, com a família, num edifício situado na Praça Maria Pia (hoje Praça da República), levou-o a mandar ediicar, na zona do Avenal, um palacete, rodeado de jardins com traçado romântico e uma interessante cenograia, destinado a ser a sua habitação de veraneio. Em 1884, o Jornal local O Demócrito referia que “O Ex.mo Srº José Sacavém comprou uma porção de terreno para a ediicação de um chalet”, anunciando a construção em Caldas da Rainha, do palacete de veraneio do Visconde de Sacavém, José Joaquim Pinto da Silva. A construção do palacete, com aprovação 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 887 da planta pela Câmara Municipal, foi entregue a Francisco Matias desenhador conhecido “mestre de obras do Hospital e membro da Associação dos Artistas Caldenses”15. O palacete foi ediicado num estilo tardo-romântico ecléctico, patente quer no tratamento rústico do seu exterior, nos pormenores neomanuelinos, nas janelas de recorte mudéjar, na aplicação de azulejaria diversa, quer nos jardins de traçado romântico, com lagos, estátuas, e recantos ornamentados, com uma organização simétrica, ao gosto francês, envolvendo poeticamente o edifício principal. Os beirais e alpendres típicos anunciam inequivocamente a casa portuguesa. Como ponto mais visível na volumetria exterior do edifício destaca-se a torre de telhado de quatro águas, rasgada nas faces oeste, norte e sul por janelas geminadas em arco, em estilo neomudéjar. No topo do piso superior da 5 - Palacete. Fachada Sul e pormenor da Torre com o Relógio. Caldas da Rainha. 15 Caldense, 28 de Setembro de 1884. 888 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta face norte observamos um relógio com numeração romana, num fundo de azulejos brancos. É visível a coexistência de diversos materiais, tanto a nível estrutural, como a pedra, calcária, unida por argamassa, do aparelho irregular das paredes e também nos vãos das janelas; o barro, usado nas telhas e em janelas, a cantaria, a madeira, os tijolos em vãos e nas janelas de tipo neomourisco e a telha marselhesa. No aspecto decorativo prevalece uma variedade de motivos, com varandas em ferro forjado, âncoras de metal sob os beirais, portadas em madeira em rede oblíquas e em bandas, encimando as vergas da janela da mansarda, e a presença de inúmeros elementos cerâmicos em apontamentos nas fachadas, bem como símbolos e ornamentos que acentuam a especiicidade de todo o conjunto arquitectónico. Os motivos decorativos, em cerâmica, como as gárgulas, de gosto neomedieval e exótico, em forma de cabeça de dragão e de javali, os remates da cornija com semi arcos, rosetas, o brazão e a coroa do Visconde aplicados na fachada sul do palacete (feitos no Atelier Cerâmico), os remates de azulejos da Fábrica de Faianças e os vários painéis de azulejos barrocos, conferem um exotismo próprio do romântico, mas conjugam-se de forma equilibrada e graciosa, numa conseguida harmonia entre o ediicado e os jardins. A simbólica patente nos elementos decorativos deste local, como símbolos heráldicos, a cruz de Cristo, os elementos da Paixão, inscrições epigráicas e outra iconograia, revelam a vinculação do Visconde a uma das associações de teor iniciático da época. O interior do palacete revela muita simplicidade, concentrando-se o requinte e a decoração no piso térreo, onde se situavam o salão, a sala de jantar e a cozinha, mantendo-se esta, actualmente, quase na forma original. No corredor estão aplicações em talha, pintura e azulejos, destacando-se as esculturas de efeito cenográico de um atlante e de uma cariátide, dispostas face a face, e pinturas de paisagens sobre tela, sobre a verga de uma porta, assinadas pelo próprio Visconde de Sacavém. No salão, com lambris revestidos a azulejos de padronagem azul e branco, existia uma capela que foi retirada e o mobiliário guardado, quando da adaptação do palacete a museu, entre 1891 e 1893, mantendo-se uma lareira com azulejos holandeses. Os corredores do rés-do-chão 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 889 6-10 - Decorações cerâmicas. Gárgulas em forma de Dragão e Javali e Coroa do Visconde. Caldas da Rainha. 890 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta e do primeiro andar apresentam lambris com azulejos, destacando-se um de Albarradas e dois com cenas de picarias. A azulejaria aplicada na casa e nos jardins, uma das características mais interessantes, icou a dever-se ao hábito de coleccionismo do Visconde que a recolhia em obras16, demolições e no mercado antiquário, reutilizando-a. Assim, azulejos, de uma grande multiplicidade, em épocas, origens e tipologias, revestem o próprio edifício (interior e exterior) e, no exterior, aplicados em bancos, lagos, loreiras, escadas, animam os jardins, conferindo colorido e uma aparência romântica ao local. Na fachada principal do palacete, no enquadramento do portão, estão presentes exemplares de produção hispano mourisca, com placas de teto em técnica de aresta, atribuídas à produção de Sevilha do início do século XVI, cuja viva policromia anima o pesado e escuro portão em madeira de origem conventual. Exemplares da mesma origem, com motivos de inluência renascentista, estão aplicados na escadaria secundária do jardim. Neste local podem ainda admirar – se padrões dos séculos XVII e XVIII, policromos e a azul e branco, destacando-se um de laçarias e o conhecido padrão de pinha ou maçaroca, nas variantes azul, branco e amarelo, e azul e branco, exemplo da transição da policromia para a monocromia no último terço do século XVII e que incidiu frequentemente nos mesmos padrões. Na parte inferior da fachada do palacete estão aplicados dois painéis de um padrão constituído por alternância de cruzes e folhagem, envolvidos por cercaduras com motivos vegetalistas em manganês e, em frente, dois bancos de pedra 11 - Entrada Secundária, com azulejos, que dá para a Rua da Fábrica das Faianças. Caldas da revestidos com padronagem de parras. Rainha. 16 Santos Simões refere os azulejos holandeses da antiga sala de jantar, como provenientes de um conjunto que pertenceu ao Hotel Inglaterra, em Lisboa, aplicados no último andar do Hotel e na fachada entre as janelas. Por ocasião das obras de ampliação do Hotel, em 1900, foram retirados e adquiridos pelo 2º Visconde de Sacavém. SIMÕES, J. M. dos Santos - Carreaux Hollandais au Portugal, 1955. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 891 Os painéis igurativos do século XVIII nas quatro fachadas do palacete são os exemplares de maior interesse na azulejaria deste edifício. Na fachada Poente, assim como no muro exterior, estão aplicados painéis joaninos com movimentadas cenas de caçadas ao leão e ao leopardo em paisagens exóticas. Outros quatro painéis representam cidades portuárias, de gosto cosmopolita patente nas iguras femininas que usam chapéus-de-sol de gosto oriental, e nas cenas de fundo. Os enquadramentos das partes iguradas rematam com concheados e elementos asa de morcego. Ornamentam ainda as fachadas do exterior rústico do palacete, oito painéis, (cerca de 1750-60) com uma parte igurativa central com cenas galantes, de inspiração provável nas gravuras de Antoine Watteau, a roxo manganês, envolvida por uma moldura a azul-cobal- 12 - Painel de azulejos com cena de caçada ao leão, a azul e branco, meados do século XVIII, Portugal. 13 - Painel com idalgo e cão ao centro a manganés, com moldura de concheados e asa de morcego a azul e branco, 2ª metade do século XVIII, Portugal. 892 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta to, com motivos asa de morcego e elementos vegetalistas soltos, típicos da gramática decorativa rocaille. No interior do palacete encontramos azulejos holandeses de igura avulsa dos séculos XVII e XVIII nas duas salas do rés-do-chão do edifício e, a ornamentar uma lareira, raros exemplares de azulejos de igura avulsa, com o centro ocupado por uma pequena paisagem em azul, inscrita num octógono em manganês esponjado, datados por Santos Simões de cerca de 1735 - 174017. No exterior, a revestir um pequeno lago redondo, encontram-se azulejos holandeses de igura avulsa e de padrão, estes em manganês sobre fundo branco, com decoração de folhas de acanto recurvadas. Alguns azulejos e painéis foram já retirados do local onde se encontravam originalmente, por ocasião de obras efectuadas em 1998, de que destacamos azulejos de padrão maneirista ponta de diamante, do início do século XVII, vários padrões polícromos do início do século XVII e um registo de fachada pombalino, representando N.ª S.ª do Carmo, Stº. António e S. Marçal, (protectores da casa, da família e dos incêndios)18, com moldura concheada policroma. Permanecem guardados e aguardam uma nova reutilização, provavelmente no interior do museu. 14 - Lareira do Salão do palacete, com azulejos holandeses de igura avulsa. 17 SIMÕES, J. M. dos Santos – Idem, idem, 1955. 18 Iconograia frequente após o terramoto de 1755. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 893 15 – Lago maior do jardim decorado com azulejos e esculturas em cerâmica. Enquadradas nas zonas arborizadas, erguem-se esculturas, como o bronze representando uma igura feminina, segurando duas esferas nas mãos, do francês A. Carrier, (1824-1887), um anjo em pedra junto à entrada principal, dois querubins, em cerâmica, no topo do lago maior e na entrada secundária, executados no Atelier Cerâmico, bem como placas de azulejos com poemas de Edmond Rostand e inscrições alusivas a eventos aí ocorridos. Inúmeras loreiras e canteiros com azulejos da Fábrica de Faianças, foram aí colocados por Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro19, sendo as últimas decorações azulejares a entrar neste espaço (1908), com padrões revivalistas, como Bacalhôa, Árabes, 19 Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, após a morte do pai e venda da Fábrica de Faianças, foi convidado pelo Visconde a exercer a sua actividade na oicina da sua quinta, onde permaneceu cerca de um ano até à inauguração da nova fábrica que mandou ediicar num terreno da irmã, em 5 de Novembro de 1908, que icaria com o nome de Faiança Artística das Caldas da Rainha Bordalo Pinheiro Lda. Horta, Cristina Ramos e, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro (1867-1920): obra cerâmica e gráica, Instituto Português de Museus, Caldas da Rainha: Museu de Cerâmica, 2004 894 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta Esfera Armilar, naturalistas: nabos, gatos, rãs e no estilo Arte Nova como borboletas, gafanhotos e nenúfares, coloridos apontamentos nas alamedas, nos espaços verdes com árvores e espécies vegetais que prolongam e envolvem o palacete. Ao estudar o património azulejar de Caldas da Rainha, no âmbito das campanhas de levantamento e estudo da azulejaria, João Miguel dos Santos Simões (1907-1972) refere, nas suas notas, a visita ao palacete Visconde de Sacavém, em Caldas da Rainha, realçando do seguinte modo o local sui generis e muito intimista que aí encontrou: “o palacete está no meio de um jardim praticamente escondido das vistas indiscretas do transeunte”, decorado com inúmeros azulejos de diversas épocas, origens e tipologias que revestem o edifício, bancos, lagos e loreiras, numa demonstração do estilo romântico de inais do século XIX. “O Palacete (...) está recheado de cerâmicas e de azulejos, para aqui trazidos pelo fundador, grande amador de cerâmica e ele próprio ceramista.”20 refere o mesmo investigador. O Visconde, entusiasmado pela cerâmica, pela criatividade dos ceramistas caldenses e o sucesso de Rafael Bordalo Pinheiro, fundou, no recinto da Quinta, em 1892, uma oicina intitulada Atelier Cerâmico, onde teve como colaboradores alguns dos principais operários da Fábrica de Faianças, de que se destaca o famoso modelador Avelino Belo e como director artístico o vienense Joseph Fuller (professor da Escola Industrial nas Caldas da Rainha). O próprio Visconde terá feito experiências neste material, sobretudo, pinturas sobre faiança que assinou e de que existem exemplares no Museu de Cerâmica. Esta oicina21 funcionou no edifício secundário da Quinta, com uma produção restrita e sem ins comerciais, mas muito requintada, tendo estado activa naquele local, apenas entre 1893 e 1896, altura em que foi transferida para Lisboa, passando a funcionar em edifício próprio em Campolide, dedicado a produzir as decorações cerâmicas do novo palacete do Visconde, em Lisboa, na rua do Sacramento à Lapa. Joseph Fuller acompanhou a mudança do Atelier para Lisboa, vindo a assumir o cargo de professor de Desenho e de Modelação da Escola Industrial (hoje secundária) Afonso Domingues, em Lisboa22. 20 MNAz, EJMSS , Santos Simões, n. 16 Dossier de Apontamentos, 29/8 /57. 21 Horta, Cristina Ramos, A Produção do Atelier Cerâmico do Visconde de Sacavém, Atelier Cerâmico do Visconde de Sacavém, Museu de Cerâmica, Caldas da Rainha. 2000, p 6-9. 22 Wilhelm, Eberhard Axel, O Vienense Josef Fuller_ director artístico e professor de desenho, Atelier Cerâmico do Visconde de Sacavém, Museu de Cerâmica, Caldas da Rainha. 2000 p. 10-12. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 895 Mantendo o palacete em Caldas que lhe proporcionava o ambiente simultaneamente calmo e animado da estância termal, o Visconde decidiu mandar ediicar uma nova casa em Lisboa, na Lapa, local habitado por muitos nobres. Freguesia instituída em 1770, a Lapa, antiga zona de conventos, começou a ser urbanizada após o terramoto de 1755, e nos séculos XVIII e XIX, desenvolvem-se nas suas ruas residências, entre as quais, vários palacetes. A maioria das “residências da Lapa, não alcançaram duma forma geral, as proporções das grandes casas senhoriais seiscentistas e setecentistas de bairros mais antigos da cidade”23. Destacam-se algumas como o Palácio dos Viscondes do Porto Covo da Bandeira, na Rua de S. Domingos, casa solarenga e opulenta, o palacete dos Condes de Arnoso, palacete do Conde de Agrolongo24 e, na Rua Esquina de Buenos de Aires o palacete dos Condes de Monte Real (1917). A Rua do Sacramento, na Lapa25 era a que concentrava maior número de palacetes na altura, sendo a escolhida pelo Visconde para o novo palacete construído entre 1897 e 1900, sob desenho e projecto do construtor civil Hermenegildo Faria Blanc (1809-1882). O projecto, de linhas sóbrias, com a introdução das decorações cerâmicas assume características tardo-românticas ecléticas que o Visconde muito apreciava e, pela sua exuberância distingue-se da maioria dos edifícios revivalistas da capital, assumindo também características diferentes da poética rural de Caldas da Rainha. Ao contrário do palacete de Caldas, rodeado de largos e acolhedores jardins num harmonioso conjunto entre o ediicado e a natureza, o de Lisboa situa-se numa malha urbana apertada. O palacete da Lapa surpreende quem o vê pelas exuberantes decorações cerâmicas nos vãos, lambris e nos recortes do edifício, relectindo um ecletismo que mescla o estilo renascença dos Della Robbia, o naturalismo das “naturezas vivas” de Bordalo Pinheiro e muito do exotismo praticado no Atelier Cerâmico e continuado na Fábrica de Produtos Cerâmicos de Campolide, onde foram fabricados. 23 Assembleia Distrital de Lisboa, Lisboa Terceiro Tomo, 1988. 24 Projectado pelo arquiteto Arnaldo Adães Bermudes, e construído em 1909, agraciado com uma menção honrosa do Prémio Valmor, de gosto tardo romântico, misturando uma linguagem neorrenascentista e portuguesa, foi entretanto alvo de muitas alterações, com a supressão das decorações. 25 Actualmente pertence à freguesia da Estrela. 896 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta 16 - Palacete do 2º Visconde na Rua do Sacramento, à Lapa A fachada do corpo principal apresenta seis vãos, três portas emolduradas com elementos em cerâmica no primeiro nível e, no segundo, no andar nobre, uma varanda ladeada por duas janelas de sacada. As decorações relevadas de cada vão revelam uma exuberância que se pode considerar excessiva e de grande ostentação. Cada janela de sacada apresenta na parte inferior um painel de azulejos do século XVIII, a azul e branco a que se justapõem motivos lorais que terminam nos cantos com dragões e carrancas relevados policromos. Encimando a janela, uma cabeça de Medusa cujos cabelos transigurados em serpentes se ligam a laços cor-de-rosa e a cornucópias de onde saem cachos de lores e frutos que se prolongam e dão lugar a um jarrão de modelação clássica. No topo destas janelas, num enquadramento de lores, putti alados, guirlandas de lores, delimitado por cordas com nós nas pontas, existe um nicho com um busto, sendo, respectivamente, em cada janela, um feminino e outro masculino. Curiosamente o busto feminino é muito similar a vários bustos feitos no 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 897 17 - Janela com profusão de decorações cerâmicas. 18 - Varanda do Palacete emoldurada com decorações cerâmicas. Atelier Cerâmico, por Joseph Fuller e que fazem parte da exposição permanente do Museu de Cerâmica, em Caldas. A varanda central, de maiores dimensões, apresenta decoração similar à das janelas, mas acentuada por molduras formadas por cordas com nós de inspiração manuelina, envolvendo todo o vão. No centro superior vê-se a cabeça da Medusa Górgona, com asas na cabeça, encimada por ornamentos naturalistas: cachos de uvas e parras, aplicados sobre lores de nenúfar que descendem lateralmente. De ambos os lados do vão interior da varanda situam-se ainda nichos com esculturas e um envolvimento neorocaille de pinturas sobre cerâmica com motivos em relevo, muitas com um carácter fantástico. 898 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta Alguns elementos decorativos são comuns ao palacete das Caldas e ao de Lisboa, mas neste, o estilo neorocaille impõe-se com motivos exuberantes numa sobreposição e apoteose de tudo aquilo que era possível fazer em cerâmica e aplicar na arquitectura. A azulejaria reutilizada está presente nos vários painéis de azulejos a azul e branco e num registo aplicado no muro do jardim do palacete com N.ª S.ª do Carmo, Stº. António e S. Marçal, datado de 175826, e que repete a temática de um painel do palacete das Caldas. Assim como acontece com o primeiro palacete analisado, existe uma ausência de fontes documentais, resumindo-se mais uma vez as referências escritas, por José Queirós e a obras sobre inventários de monumentos e edifícios de Lisboa ou a Guias. Entre o pouco que foi escrito dividem-se as opiniões entre favoráveis e outras muito críticas como a seguinte: “uma das mais estranhas e loucas fantasias do Romantismo tardio de inais de Oitocentos”27. Contudo José Queirós airma que, embora a ornamentação não agrade a toda a gente porque os gostos não são iguais, revelando assim a existência de alguma polémica, que aprecia o palacete, considerando-o uma obra interessante, com uma boa decoração que apenas necessitaria de ser mais cuidada e “com menos exuberância de detalhes”28. De qualquer forma trata-se de um edifício que representa uma época e um gosto exibicionista que embora excessivo, não deixa de ser curioso. Os dois palacetes, ambos representativos de um tardo romântico, sendo do mesmo proprietário e as decorações cerâmicas feitas no mesmo local e pelos mesmos ceramistas, diferem profundamente, tanto na decoração como no envolvimento. O palacete de Caldas com uma estrutura orgânica, decorações mais simples e adequadas ao espaço, aberto para os jardins, beneicia do envolvimento natural dos jardins com lagos e alamedas, enquanto o palacete de Lisboa limitado no seu espaço e apertado entre outros imóveis, impõe-se pela sua extravagante decoração. 26 Segundo Santos Simões terá sido retirado da Rua da Escola Politécnica n. 183. 27 Assembleia Distrital de Lisboa, Lisboa Terceiro Tomo, 1988. 28 Queirós, José, A Cerâmica Portuguesa, Lisboa, pág. 181. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 899 Os dois palacetes são testemunho de uma época que tem sido demasiado castigada no seu património e assistido a uma destruição sistemática de construções de muito valor histórico e artístico e de um tempo irrecuperável. Desejamos que estes exemplares se mantenham e em bom estado de conservação, um nas Caldas, porque além de ter as funções de Museu, tem valor sobretudo, como objecto de valor museológico e outro nas diversas funções que tem servido de Embaixada, Leiloeira. 900 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Cristina Ramos e Horta Bibliograia AA VV, Nobreza de Portugal e Brasil, Direcção Afonso Eduardo Martins Zuquete, Vol. III, Editorial Enciclopédia, Lisboa, 1984. Queirós, José, Cerâmica Portuguesa, 2 vols., 2ª edição, Lisboa. 1907. SIMÕES, J. M. dos Santos - Carreaux Hollandais au Portugal, 1955. Atelier Cerâmico Visconde de Sacavém, Caldas da Rainha (1892-1896) Museu de Cerâmica Caldas da Rainha 2000. Horta, Cristina Ramos e, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro (1867-1920): obra cerâmica e gráica, Instituto Português de Museus, Caldas da Rainha: Museu de Cerâmica, 2004. Periódicos Demócrito, 1884. Círculo das Caldas, n. 862, 29 de Setembro de 1915. Circulo das Caldas, 30 de Março 1916. MNAz, EJMSS , Santos Simões, n. 16 Dossier de Apontamentos, 29/8 /57 http://digitile.gulbenkian.pt/ Créditos Fotográicos Margarida Araújo - foto de rosto, 2, 5-13, 15. Cristina Ramos e Horta - 14, 1. Mário Marzagão - 16, 17, 18. DDF José Pessoa - 1, 4. 20 - Os Palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 878 - 901 901 Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) Claudia Emanuel1 Resumo Jorge Rey Colaço (1868-1942) foi uma igura marcante no panorama artístico e cultural nas primeiras décadas do século XX, nomeadamente como caricaturista, como pintor a óleo e principalmente como pintor de azulejos. Para a elaboração dos seus painéis, Colaço elaborava estudos prévios, que lhe serviam de guia ou de escolha para o cliente. São estes estudos em aguarela e fontes iconográicos que pretendemos dar a conhecer de forma a permitir o seu conhecimento e a sua salvaguarda. Palavras chave: Colaço, Azulejos, Estudos, Aguarela, Fotograia 1 Cláudia Emanuel · Licenciada em 2001 em «Pintura» na Escola Universitária das Artes de Coimbra e em 2008 em «Cerâmica», na mesma universidade. Mestre em «Património Artístico e Conservação» na Universidade Portucalense do Porto (2008). Doutoranda em «Estudos de Património» na Universidade Católica do Porto. Membro do grupo «Saudade Perpétua». 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 903 Jorge Rey Colaço Jorge Rey Colaço foi uma igura marcante no panorama artístico e cultural nas primeiras décadas do século XX, nomeadamente como caricaturista, como pintor a óleo e principalmente como pintor de azulejos2. Colaço, homem “discreto e reservado mas bom conversador, de chapelão, com barba à Meistófeles”3, nasceu em Tânger a 26 de Fevereiro de 1868. Era ilho de José Daniel Raimundo Colaço e Macnamára (1831-1907), 1.º barão de Colaço e Macnamára4, Ministro em Marrocos (cônsul-geral de Portugal), caricaturista e pintor, e de Virgínia Maria Clara Vitória Raimunda Rey Colaço (1847-1927). Em 1879, Jorge Colaço, com 11 anos frequentava o Colégio Vilar em Lisboa e em 1882 (14 anos) era aluno na Escola Académica. Após os estudos preparatórios na Escola Académica de Lisboa, Jorge Colaço seguiu para Madrid a im de prosseguir os estudos artísticos e contactar com os grandes mestres. Durante este percurso formativo na capital espanhola foi discípulo de José de Larrocha (1850-1933), González (1850-1933) e Alejandro Ferrant (1843-1907). Com dezoito anos, e depois de uma breve passagem por Lisboa, seguiu para Paris e lá permaneceu durante sete anos. Esta longa estadia foi possível devido ao subsídio que lhe foi concedido pelo conde de Daupiás (1818-1900), um grande mecenas de músicos e pintores, o que lhe permitiu frequentar as aulas do pintor Fernand Cormon5 (1845-1929) no seu atelier. Desta forma, Jorge Co2 EMANUEL, Cláudia; VIEIRA, Eduarda; MIRÃO, José; MIMOSO, João Manuel - Jorge Colaço um artista multifacetado. Estudo e caracterização das técnicas de pintura em azulejo. GlazeArch2015, LNEC, 2. Jul. 2015 3 AGUIAR, Tomaz d’ – Jorge Colaço «Como que no soy português?». Casas de Portugal, nº 18, 2000, p. 14. Meistófeles é uma personagem satânica da idade média, conhecida pela barba aparada dos lados e comprida à frente, semelhante à que Jorge Colaço apresenta. 4 De realçar que o seu pai foi o primeiro e único barão de Colaço e Macnamára, e também Ministro em Marrocos na categoria de cônsul-geral de Portugal. ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (coord.) – Nobreza de Portugal e do Brasil. Lisboa: Ed. Enciclopédia, 2ª ed., 1960, p. 532. 5 Fernand Cormon (1845-1924) foi um pintor francês, nascido em Paris. Dirigiu a Escola de Arte «Cormon Atelier» na década de 1880, e orientava os seus alunos no sentido de criarem obras de pintura que, segundo ele, seriam aceites pelo júri do Salon. Entre os seus alunos, destacam-se por exemplo: Henri de Toulouse-Lautrec, Louis Anquetin, Eugène Boch, Paul Tampier, Émile Bernard e Vincent Van Gogh. Fernand Cormon. In http://en.wikipedia.org/wiki/Fernand_Cormon [2013. 08. 21]. 904 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel laço absorve a visão épica e teatralizada dos conjuntos pictóricos, reforçando o seu entendimento sobre a temática historicista, em voga no inal do século XIX. Em 1894 terá regressado a Portugal tendo em conta um documento, pertença da família Colaço, que refere que Daniel Colaço lhe sugere regressar à terra natal - Tânger e auxiliá-lo nas suas tarefas. Tal terá assim sucedido, tendo em nota que o documento relata que é nomeado para o cargo de Vice-Cônsul. O mesmo documento acrescenta que o mestre esteve dois anos em Tânger, entre 1894 e 1896, mas a burocracia a que o lugar obrigava não se coadunava com a sua maneira de ser, e por isso terá resolvido rescindir contrato e regressar a Portugal. Não se sentindo também realizado em Portugal resolve dedicar-se à arte e por ela tentar fortuna no Brasil. Nesse entretanto é convidado a dirigir o jornal O Século – Suplemento Humorístico, o que aceita prontamente. Colaço, agora com residência ixa em Lisboa, pinta no seu próprio atelier na rua das Taipas, no que icou conhecido por Villa Martel 6. A 23 de Novembro de 1898 Jorge Colaço contrai matrimónio no Santuário da Rocha – Carnaxide com Branca Eva de Gonta Syder Ribeiro (1880-1945), poetisa e escritora7, ilha mais velha do poeta e político Tomás António Ribeiro Ferreira (1831-1901). Durante este período (1902) conhece James Gilman, sócio da Fábrica de Sacavém. No ano seguinte a cunhada do mestre, Irene de Gonta, casa com o ilho de James, Ralph Gilman. 6 A Villa Martel é um espaço da iniciativa de José Trigueiros de Martel, fundou os que são hoje considerados, os primeiros ateliers de artistas. Nela esculpiram e pintaram várias gerações de artistas, dos quais se destacam, o pintor Columbano Bordalo Pinheiro, Constantino Fernandes, Ricardo Ruivo, Carlos Reis, entre outros. AGUIAR, Tomaz d’ – A magia dos azulejos: Jorge Colaço. Casas de Portugal. Lisboa. N.º 18 (2000), p. 16. 7 O casamento de Colaço com Branca era um contributo demonstrativo do universo ideológico e artístico. Branca encontrava-se inserida numa tendência literária, hoje designada por «Neo-romantismo Lusitanista» onde se airmaram preocupações relacionadas com a problemática da decadência nacional e princípios patrióticos de regeneração através de um determinado retorno à tradição. PEREIRA, José Carlos Seabra – Tempo neo-romântico (contributo para o estudo das relações entre literatura e sociedade no primeiro quartel do século XX). Análise Social, vol. XIX, 1983, p. 845-873. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 905 Esta amizade e laços familiares que entretanto uniu as duas famílias, permitiram a Colaço experimentar outras técnicas e suportes8, partindo da sua experiência base em pintura sobre tela. Assim, começa a aprender e a ensaiar a técnica de pintura sobre azulejo, apesar de ser um suporte bastante diferente do que estava acostumado. Em data incerta, Colaço vai trabalhar para a fábrica de Sacavém e aí permanece até 1924. A partir desta data vai trabalhar para a Fábrica Cerâmica Lusitânia em Lisboa, em atelier independente da fábrica, tal como tinha acontecido em Sacavém, e aí continua até 1942. Mas Jorge Colaço foi um artista que se destacou em várias modalidades artísticas, além de caricaturista era pintor a óleo, pintor de azulejos e também aguarelista. Nos cerca de quatro centenas de estudos a aguarela elaborados pelo mestre, é visível o rigor do desenho e a qualidade pictórica, só possíveis com um grande conhecimento e domínio técnico, que Colaço tinha e soube transpor para a sua pintura, independentemente do suporte. Colaço elaborava os estudos que a imaginação ou os pedidos lhe impunham, em aguarela e sobre papel comum, ou, em alternativa, transpunha para o painel a imagem sugerida por uma fotograia, um postal ou uma gravura, num livro ou periódico. Recorda a família Colaço que o mestre, no início da sua carreia artística, terá pintado aquilo que a sua imaginação ditava após ouvir as muitas histórias que se contavam pelo «Reino de Xerazade», mas muitos terão sido os fatores que levaram às suas escolhas iconográicas. Metodologia A investigação, que teve o seu início em 2009, no âmbito da tese de doutoramento em Conservação de Bens Culturais, na Universidade Católica do Porto (Escola das Artes) permitiu compreender a obra de Jorge Colaço que até à data se mantinha desvalorizada e ignorada, embora certos trabalhos artísticos 8 MIMOSO, João; SANTOS, Cláudia Emanuel - Inovação e criatividade na técnica de pintura sobre azulejo de Jorge Rey Colaço”. Jornadas Europeias do Património, LNEC, 25. Set. 2015. 906 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel fossem já conhecidos pelos historiadores de arte9. A diversidade de temas utilizados por este artista diicultam, à partida, uma classiicação estilística rígida, à qual se soma o estado incipiente dos estudos de azulejaria do século XX, no âmbito da historiograia das artes decorativas10. De referir que, na maioria das vezes, os historiadores de arte ao abordarem a obra azulejar de Jorge Colaço, se limitavam a citar estudos anteriores, o que originou uma perspetiva bastante redutora da obra deste artista. Logo, urgia colmatar as falhas existentes no inventário da sua obra, e assim dar a conhecer com profundidade este espólio artístico espalhado em Portugal continental e insular. Este estudo permitiu o conhecimento/estudo de mais de mil painéis azulejares, em Portugal, Açores e Madeira, em 128 locais distintos. Estes foram produzidos durante quatro décadas (1904 a 1942) na Fábrica de Sacavém e na Fábrica Cerâmica Lusitânia e decoram espaços públicos e privados, quer ao nível do exterior quer do interior. Ressalva-se ainda que por vezes se limitam a painéis isolados, outras vezes fazem parte de um conjunto, mais ou menos vasto, e chegam mesmo a revestir silhares e superfícies parietais na totalidade. Fontes iconográicas Quase sempre os estudos que serviam de base para a elaboração da obra azulejar de Colaço tinham o seu início ditado pela sua imaginação. Umas vezes por iniciativa própria, outras seguindo as indicações do cliente que apontava ou sugeria o que pretendia, ou mesmo que lhe entregava fotograias do que desejava. Fazendo cópia iel, alterações ou acrescentos, as imagens nos painéis surgiam, permitindo por vezes, no futuro, fazer a correspondência com a respetiva fonte iconográica. Principalmente no que concerne à inspiração e fonte iconográica para a decoração azulejar das estações ferroviárias é clara 9 Santos, Cláudia Emanuel - Os azulejos de Jorge Rey Colaço no Hospital António Lopes, na Póvoa de Lanhoso. In Matrizes da investigação em artes decorativas, CITAR, U.C.P. p. 107-126. 10 Santos, Cláudia Emanuel; Vieira, Eduarda. “A obra de azulejaria de Jorge Colaço. Estado da Arte e contextualização”, Trabalho apresentado no I Congresso Internacional Azulejar, In Actas do I Congresso Internacional Azulejar, (Out. 2012) Aveiro. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 907 a opção pela fotograia. Cite-se como exemplo a Estação de Vale do Peso, em que as imagens foram pedidas à população para servirem de indicação ao que pretendiam11. As imagens fotográicas, de fácil reprodução e distribuição, que começaram a surgir no inal do século XIX e que foram sendo difundidas, quer através da própria fotograia per si, quer através de publicações em papel (livros, jornais, revistas, estampas, postais, coleções fotográicas) permitiram a propagação de ideais mas também a divulgação de locais. Exemplo disso é a Estação de Marvão-Beirã cujos painéis azulejares mostram várias cidades e monumentos de norte a sul do país. Para os painéis que decoram a estação foi possível fazer a correspondência com a fonte iconográica do painel alusivo à «Torre de Belém» [Lisboa] e com o painel relativo ao «Castelo de Marvão». Um estudo efetuado por Mingote Calderón12 viabilizou o acesso à imagem alusiva à «Torre de Belém» num bilhete-postal que terá tido como suporte “um original fotográico que sofreu alguns retoques, devidos neste caso a Eduardo Portugal”13. Para o painel cujo motivo é o Castelo daquela cidade, a imagem que terá servido de fonte iconográica surge numa edição de 1938, a Ocogravura14. No início do século XX surge um conjunto de publicações que compilam fotograias de monumentos, paisagens, cenas campestres e populares, das quais se destacam os 8 volumes de A Arte e a Natureza em Portugal, editados pela Casa Biel entre 1902 e 1908 mas, também, a vasta circulação de milhares de bi- 11 Segundo Maria Cristina Garcia Sala, que estudou o Ramal de Cáceres e respetivas estações, “o professor Manuel Subtil, que redigiu e publicou alguns trabalhos sobre a construção deste ramal, empenhou-se também neste projecto, fazendo diligencias para que o conceituado artista realizasse estes painéis, havendo apenas a lamentar o facto de as Câmaras não possuírem as fotograias em quantidade e qualidade suicientes para enviar, sendo necessário recorrer às cedidas por alguns amadores, que serviriam de base ao trabalho do artista”. SALA, Maria Cristina Garcia – Levantamento tipológico nas estações do caminho-de-ferro no ramal de Cáceres. Dissertação de mestrado em apresentada na Universidade Lusíada de Lisboa, 2000. 12 Em 2016 foi elaborado um estudo por José Luis MINGOTE CALDERÓN [MINGOTE CALDERÓN, José Luis – Da fotograia ao azulejo, Povo, monumentos e paisagens de Portugal na primeira metade do século XX. Lisboa: Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2016] que permitiu conhecer das fontes iconográicas e sobretudo o que esteve na base para a produção da azulejaria em Portugal na primeira metade do século XX. 13 MINGOTE CALDERÓN, José Luis – Da fotograia ao azulejo, Povo, monumentos e paisagens de Portugal na primeira metade do século XX. Lisboa: Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2016, p. 57. 14 «O Castelo de Marvão, um dos mais antigos e melhor conservados de Portugal». OCOGRAVURA, Ldª Rua da Rosa, 27, Lisboa. Escrita: 24 de outubro de 1938. Carimbada: 26 de outubro de 1938. 908 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel lhetes-postais acessíveis a quase todas as bolsas, e que, desse modo, permitiam o acesso e vulgarização de imagens a toda a população, e poder de escolha de motivos iconográicos aos artistas da época. Reporte-se ainda o facto de as fotograias serem usadas repetidamente em suportes diferentes: revistas, bilhetes-postais, folhetins, entre outros, e em datas com grande desfasamento cronológico. Nos anos trinta foram ainda editados, entre outros, dois livros com fotograias de caráter artístico e turístico, o Portugal Monumental15 e o Portugal económico, monumental e artístico16 que realçavam o valor dos monumentos e mostravam aos portugueses e aos turistas as belezas do país. Esse mote levou ao desenvolvimento do tão apregoado turismo e, paralelamente, à criação de elos ideológicos. Tal dado remete ainda para que os painéis azulejares se tenham transformado em documentos históricos, revelando os costumes e tradições de cada terra, assim como o vasto património cultural dos portugueses. Apesar de Jorge Colaço ser um «monárquico dos quatro costados»17, a verdade é que a iconograia presente nos painéis do pintor acaba por seguir a temática ditada pela república e ir de encontro às referências ditadas e apregoadas pela Sociedade Propaganda de Portugal e, mais tarde, pelo Secretariado de Propaganda Nacional, criado em 1933 e dirigido por António Ferro. O período de laboração do mestre ocorre, como já referido, entre 1904 e 1942, não se evidenciando na sua obra quaisquer discrepâncias temáticas. Fontes iconográicas na obra azulejar de Colaço Os conjuntos azulejares conhecidos de Colaço e com os quais foi possível fazer correspondência com a respetiva fonte iconográica, dizem respeito, na maioria das vezes, aos painéis colocados nas estações ferroviárias. 15 ALMEIDA, Alberto Pereira - Portugal monumental. Guarda: Ed. Sociedade de Papelaria, 1933. 16 ALMEIDA, Alberto Pereira - Portugal económico, monumental e artístico. Lisboa: Ed. Tipograia do Anuário Comercial, 1935. 17 Airmação feita por D. Branca de Gonta no seu diário pessoal. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 909 Os painéis que decoram as estações ferroviárias18, quer voltados para a gare, quer a decorar a fachada principal mostram temáticas alusivas a motivos etnográicos, arquitetónicos, históricos, entre outros, que pretendiam mostrar uma realidade nacional. Apesar da intencionalidade ser a de mostrar o país e suas gentes de forma verossímil, na maioria das vezes as imagens fotográicas que lhes serviram de base sofreram modiicações, desde a fotograia, à sua transposição para o painel. Por vezes o mestre inspirava-se nas imagens que obtinha, e criava uma nova composição, por sua vontade ou por vontade do cliente, outras transpunha de forma idedigna para a sua obra azulejar o que havia surgido nos meios de divulgação mencionados, facto que inclusivamente ajuda por vezes a datar os painéis ou que noutros casos ajuda a interpretar os seus motivos, ou mesmo a esclarecê-los. Para o painel da igura 1, que se encontra hoje em Lisboa na posse da família Botelho Moniz que, o terá encomendado, em data desconhecida, para a sala de jantar do palácio Botelho Moniz em Setúbal19, o artista usou uma fotograia pertença da família Botelho Moniz que posteriormente adaptou para a composição azulejar. A importância que era ter um automóvel, para a sociedade da época, terá levado a que a família tenha encomendado um painel onde é visível o Palácio Botelho Moniz em Setúbal em pano de fundo e o automóvel ao centro, em destaque (Fig. 2). Segundo recorda um descendente, este terá sido o primeiro automóvel (Fig. 3) a existir naquela cidade. Dentro do carro observam-se três gerações da família Botelho Moniz e o criado. Existem casos em que não foi possível encontrar a imagem fotográica que auxiliou a elaboração do painel. O hall de entrada da Casa Baeta20, em Olhão, é decorado por um silhar em azulejos policromados que além de paisagens 18 LOURENÇO, Tiago Borges – Postais azulejados. Decoração azulejar igurativa das estações ferroviárias portuguesas. [S.l.: s.n.], 2014. Dissertação de Mestrado em História da Arte Contemporânea apresentada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 19 Desta encomenda faz ainda parte um outro painel alusivo ao Forte de São Filipe em Setúbal. 20 O chalé ou casa Baeta foi construída em 1928, em Olhão. O seu primeiro proprietário, Domingos Lourenço Baeta, antigo vereador da Câmara Municipal de Olhão, foi um representante da pujança económica da época que, proprietário de uma fábrica de conservas de peixe fundada em 1916, com os muitos rendimentos retirados da sua atividade, decidiu construir uma mansão que fosse um tributo à sociedade, economia e história de Olhão, que tanta riqueza lhe dera. BRITO, António Paula – Casa Baeta. In http:// www.olhao.web.pt/Patrimonio/CasaBaeta.htm (2012. 10. 12). 910 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel Fig. 1: Painel Azulejar. Autor: Jorge Colaço. Fig. 2: Pormenor. Fig. 3: Fotograia que terá servido de fonte iconográica para a elaboração do painel azulejar. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 911 campestres, e albarradas, apresenta elementos de gramática barroca. Dois painéis ovais destacam-se do conjunto e retratam as duas ilhas do proprietário do imóvel, Natércia e Virgínia, numa pose fotográica, como se se tratasse de duas iguras de convite21, a darem as boas vindas aos familiares e convidados. A pose em que se encontram as iguras permite-nos avançar com a possibilidade de este painel ter sido baseado numa fotograia, ainda que a mesma não seja conhecida. Por vezes, o painel inal apresenta alterações em relação à imagem fotográica mas que, no entanto, mesmo assim, tornam possível determinar o lugar a que dizem respeito, tendo em nota que o monumento ainda existe nos dias de hoje. Quando tal não acontece, nem sempre é possível fazer corresponder uma imagem com a localização exata. Na maioria das vezes, os motivos azulejares suprimem o lugar de procedência ou sequer sugerem uma pista identiicativa. Veja-se o exemplo do «Pelourinho de Alfarela» (Fig. 4). Na fotograia que terá servido de base ao painel (Fig. 5) observa-se a paisagem campestre com os campos cultivados e a arquitetura vernacular da zona que, no entanto não Fig. 4: Painel azulejar: «Pelourinho de Alfarela». Fig. 5: Fotograia do Pelourinho de Alfarela. © MNAz. 21 ARRUDA, Luísa – Azulejaria Barroca Portuguesa – Figuras de convite. Lisboa: Ed. Inapa, 1993. 912 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel é visível no painel de azulejos. Aqui é acrescentada uma árvore «despida», no lado direito e, no canto inferior direito, um livro. A fotograia a preto e branco do pelourinho de Alfarela apresenta, no seu verso, uma breve descrição, que se pensa poder ter sido um apoio oferecido ao pintor. Muito embora não haja certezas quanto a esta hipótese, trata-se de um documento pertinente, razão pela qual se transcreve de seguida pois, a conirmar-se a nossa ideia, permite compreender melhor o seu método de trabalho e avaliar a liberdade que detinha em realizar alterações nas suas obras (Fig. 6). Fig. 6: Verso da fotograia do Pelourinho de Alfarela. © MNAz. Transcrição do verso da fotograia do Pelourinho de Alfarela: “Aspecto nº1. Fotograia tirada de frente. Esta fotograia tem mais côr local, sendo a preferida pela Camara Municipal. Os longes estão esbatidos propositadamente bem como as casas de pedra solta, perfeitamente transmontanas. Poderei enviar uma prova perfeitamente nítida se assim achar o ilustre artista conveniente. Há o muro em segundo plano, que nada tem de bonito e que poderá ser suprimido, se dentro das normas compreendidas pela arte, aumentar a beleza do quadro. Porém a verdade é isto”.22 22 Transcrição do verso da fotograia do Pelourinho de Alfarela. © MNAz (Documentação não inventariada). 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 913 Um outro exemplo sobejamente divulgado na imprensa prende-se com o painel alusivo a «Lord Wellington» que decora o Palace Hotel no Bussaco (1907), ao qual os meios de comunicação da época várias vezes izeram alusão devido às semelhanças existentes entre o retrato do duque que a família terá enviado a Jorge Colaço e a igura que se observa nos painéis. “Estes azulejos são bem uma obra de arte, cheia de vigor e onde o celebre guerreiro apparece arrogante e grandioso na cópia iel do retrato que os seus descendentes residentes em Inglaterra enviaram ao artista”23. No mês seguinte, a Ilustração Portuguesa reitera o mesmo tema: “O mestre artista fez uma verdadeira obra-prima com o retrato de Wellington, copia iel d’um magníico quadro que os descendentes do duque de ferro lhe enviaram, a im de o guiarem no seu trabalho”24. A propósito dos painéis que decoram a Villa Ralph, no Monte Estoril (Fig. 7), as imagens e os modelos seguidos foram divulgados por Renate Petriconi e publicados na revista Keramos25, em 1998. A autora refere que, há muitos anos atrás, adquiriu, num antiquário de Lisboa, folhas únicas de modelos decorativos (Fig. 8) de Estugarda, datados da primeira década do século XX, e que assim pôde comprovar as semelhanças entre estes e os painéis de Colaço pintados para a Villa Ralph. Fig. 7: Painel azulejar. Autor: Jorge Colaço. © Renate Petriconi. Fig. 8: Modelo para o painel azulejar. © Renate Petriconi. 23 Azulejos de Jorge Colaço e Gomes Fernandes destinados ao Hotel do Bussaco. Ilustração Portuguesa, 28 de Novembro de 1904, p. 61. 24 «Lord Wellington». Ilustração Portuguesa, 11 de Dezembro de 1904, p. 109. 25 PETRICONI, Renate – O pintor português Jorge Colaço com especial referência à sua pintura de arte nova em azulejos. Revista Keramos, nº 162. Ano 1998. (Tradução de Renate Petriconi). 914 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel Inspiração ditada por outros artistas Em outras obras de Jorge Colaço é possível reconhecer como fontes de inspiração as obras de outros artistas, de épocas mais recuadas. Talvez por apreciação dos artistas do «ciclo dos mestres», nomeadamente por Gabriel del Barco e por António de Oliveira Bernardes, entre outros, Jorge Colaço desenhou cópias dos painéis azulejares que decoram distintos espaços religiosos da autoria daqueles. O Palácio do Correio-Mor em Loures apresenta painéis com molduras de tipologia barroca (Fig. 9) bastante semelhantes às que envolvem os painéis do Convento de Belém, nos Açores (Fig. 10). Fig. 9: Silhar de azulejos. Sala Central. Palácio do Correio-Mor, Loures. Fig. 10: Painel azulejar. «João Soares D’Albergaria recebe do infante D. Henrique a capitania de S. Miguel e St. Maria». Ass. Jorge Colaço. Convento de Belém . 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 915 Casos houve em que Colaço se limitou a transpor para o azulejo uma pintura, como é exemplo o quadro de El-Rei D. Carlos alusivo à pesca do atum, na capitania do porto de Vila Real de Santo António, em que o mestre escreve no painel «Do quadro Del Rei D. Carlos». A mesma imagem é usada também para decorar um dos bancos do jardim do pescador, em Olhão, sem no entanto esta referência estar inscrita no painel. No painel assinado «Atelier Jorge Colaço» para a Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, a cartela identiicativa faz referência à pintura «As Padeiras (Mercado em Figueiró) do quadro de Malhôa», não deixando qualquer dúvida sobre a sua fonte gráica. Os exemplos enunciados mostram as diversas utilizações da imagem por Jorge Colaço. A sua comparação com o painel inal torna possível observar se o pintor ou o cliente pretenderam ser iéis à imagem ou se, pelo contrário, o painel inal apresenta alterações simples ou profundas. Estudos prévios da autoria de Jorge Colaço Para além do recurso a fontes iconográicas, Jorge Colaço transpunha para os seus painéis de uma forma mais ou menos idedigna, e elaborava ainda os seus próprios estudos, que eventualmente poderiam ter tido alguma fonte de inspiração. Ressalva-se que, apesar da existência de avultado número de desenhos prévios, nem todos terão sido efetivamente concretizados ou, simplesmente, ainda não foi encontrado o painel correspondente. O facto de haver vários estudos diferentes para um mesmo painel, coloca a hipótese de Jorge Colaço os ter realizado apenas para si próprio, ou para oferecer aos seus clientes soluções alternativas. Muito embora a maioria dos estudos corresponda ao motivo principal, outros foram elaborados apenas para as molduras ou incidiram no desenho de um módulo-padrão26. 26 SANTOS – Cláudia Emanuel - Artes decorativas nas fachadas da arquitectura bairradina. Azulejos e ingidos (1850-1950). Ed. Câmara Municipal da Mealhada, 2015, p. 83. 916 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel Um colaborador de Colaço, Mário O. Soares, explica que os estudos aguarelados realizados na escala 1:10, com um desenho expressivo e vigoroso, por vezes com alguns pormenores acentuados a graite27, eram posteriormente transpostos, através de papel vegetal pela técnica do estrusido, para os azulejos. No verso, o mestre chega por vezes a fazer um estudo para algum pormenor do motivo. Sobre os estudos era quase sempre delineada uma quadrícula, de forma a permitir a correta transposição dos mesmos para o suporte inal, o azulejo. No entanto, em alguns painéis nota-se que o mestre ignorou a existência do reticulado, revelando que terá usado o suporte cerâmico como se de uma tela se tratasse. O estudo apresentado na igura 11 apresenta rigor e qualidade pictórica que o mestre transpôs do mesmo modo para o azulejo. Ressalva-se que o rosto de um dos algozes está cortado e não centrado num azulejo como seria mais correto, ao contrário do que acontece nas iguras principais do painel (Fig. 12). Tal incorreção, no entanto, é visível desde o estudo até ao painel inal, o que faz destacar, mais uma vez, o facto de o mestre propositadamente ignorar a existência do reticulado. Fig. 11: Estudo em aguarela para painel azulejar.© MNAz. Fig. 12: Painel azulejar. Ass. Jorge Colaço. 27 SOARES, MÁRIO O. – Jorge Colaço, pintor de azulejos. Mundo da Arte. Separata do nº 2, 2ª série. Coimbra: Ed. EPARTUR, Janeiro, 1982, p. 23. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 917 Marcas/Inscrições nos estudos Alguns dos estudos apresentam inscrições acerca das medidas do painel, número de azulejos, nome do encomendante, alterações a fazer ao motivo, entre outras anotações. Na maioria das vezes as marcas/inscrições limitam-se a meras indicações, quer da fábrica onde provavelmente o mestre estaria a laborar, como um dos estudos que ostenta um carimbo da Fábrica Lusitânia, quer uma breve referência acerca da colocação do painel –«DinningRoom (tiles)»–, até à localização do mesmo–«Coimbra»–, o que nem sempre é suiciente para se situar o painel inal. Em outros exemplos as indicações dadas pelo mestre não são susceptíveis de interpretação, como é o caso de um estudo que, na face nobre, a graite, refere «Coimbra» e «122»; e, no verso, «Sun Bob e Senhora (?) 0,75 2,00 ou 2,4 L Augusta dos Santos Alves (?), 0,75 2,70 ou 37,0». Outro exemplo apresenta como única inscrição «2, 34 2,71=16 3/4», que não descodiicámos. Ocasionalmente o mestre coloca uma inscrição, que torna possível e imediata a localização do painel. No caso dos estudos para o Apeadeiro de Abrunhosa, o mestre registou uma inscrição na parte superior (Fig. 13) «Croquis de um panneau de topo em azulejo para o novo apeadeiro da Abrunhosa», o que permitiu localizar o painel. Tratando-se de um painel colocado no exterior as probabilidades são maiores de a informação ser partilhado mas, no caso dos painéis que decoram o interior de um imóvel particular, as hipóteses de vir a encontrá-los torna-se bastante reduzida daí que qualquer indício seja importante para a sua localização. Fig. 13: Estudo em aguarela para um painel azulejar. Inscrição no estudo: «Croquis de um panneau de topo em azulejo para o novo apeadeiro da Abrunhosa». © MNAz. 918 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel Fig. 14: Estudo aguarelado para painel azulejar. © MNAz. Fig. 15: Painel azulejar. Por vezes, as inscrições presentes nos estudos não correspondem à realidade com que hoje nos deparamos. Quer porque o projeto não foi executado, quer porque houve obras de remodelação e o painel já não subsiste. Este facto remete para a inscrição «Jose Martins avenida Barbosa du Bocage-45» e medidas manuscritas pelo autor «JML», que não foram suicientes para localizar o painel, uma vez que o imóvel original foi demolido, desconhecendo-se se foram salvaguardados os azulejos que decoravam os aventais das janelas ou se terão também sido arrasados. Apesar de nem sempre ajudarem a localizar o painel, estas marcas ou inscrições limitam-no temporalmente, como é exemplo um dos estudos que apresenta o carimbo da Fábrica Lusitânia [Companhia da Fábrica Cerâmica Lusitânia - Rua do Arco do Cego, 88 Lisboa], o que circunscreve o período de produção do estudo aos anos de 1924 a 1942. Ocasionalmente o estudo pode ainda esclarecer qual a data de realização e, por conseguinte, a datação do painel, cuja execução terá de ser posterior como é notório num dos estudos: «Lisboa, 3 de Dezembro de 1929. [Ass.] Jorge Colaço». Em outros exemplos, os estudos mostram que o cliente nem sempre gostou de determinada parte do desenho e solicitou alterações. Um destes casos 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 919 mostra S. Francisco de Assis e um lobo (Fig. 14), encontrando-se a margem direita preenchida, numa faixa vertical, com indicações manuscritas relativas à alteração do projeto inicial: «Não gosto da árvore no lado esquerdo e gostaria do Santo sem estar inclinado para o lobo, isto é o Santo mais direito e o lobo olhando mais para cima. O lugar da árvore à esquerda preciso-o sem desenho para poder pôr algumas palavras. As açucenas que não se pareçam com um palmito». O painel de S. Francisco com o lobo ainda apresenta outras alterações, o que sugere posteriores indicações do cliente, isto na hipótese de o painel conhecido (Fig. 15) ser efetivamente o painel inal que corresponde ao estudo. Apesar das diversas inscrições presentes nos estudos, a maioria limita-se a simples anotações com o número de azulejos, medidas dos painéis, atribuição de cores, assinatura do artista, e até a identiicação do tema, elementos que, por si só, não permitem identiicar a localização do painel inal. Pelo contrário, inscrições como «Quadro da sala de comer do Exmº Sr.º Santos Jorge em Rio Frio» remetem quer para o localidade onde se encontram (Rio Frio) e o local do imóvel (Sala de comer), quer para o seu proprietário (Santos Jorge), permitindo facilmente localizar o painel. Descrição/comparação dos estudos com o painel inal Após a inventariação dos painéis azulejares é possível observar que nem todos os painéis correspondem a um determinado estudo, e vice-versa. Em algumas situações o painel apenas corresponde parcialmente ao estudo, foi objeto de alterações, ou foi substituído por outro estudo posterior. Um dos estudos, que pertence à coleção do MNAz está executado na frente e verso do papel e remete para um dos painéis que veio a decorar a estação de Vale do Peso. A parte da frente apresenta o interior de uma habitação popular, com três iguras femininas, a do centro está sentada e pinta um pote, sendo observada por duas iguras femininas que se encontram à porta (Fig. 16). No lado esquerdo do painel veem-se várias peças cerâmicas. No estudo que se apresenta no verso é acrescentada uma quarta igura, que levanta um 920 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel Fig. 16: Estudo aguarelado para painel de azulejo. © MNAz. Fig. 17: Estudo aguarelado para painel de azulejo. (verso). © MNAz. Fig. 18: Painel azulejar. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 921 pote, como que o estivesse a mostrar às iguras femininas que se encontram à porta (Fig. 17). O painel inal acrescenta bordados com ramagens a valorizar os trajes tradicionais; o empedramento das paredes foi suavizado; as peças cerâmicas representam a olaria tradicional de Nisa, com a decoração efetuada com incrustação de pequenas pedras da região; as iguras à porta «perderam» os mantos na cabeça e uma das iguras ostenta os tradicionais cordões de ouro em uso na região (Fig. 18). O estudo enquanto obra per si Muito provavelmente, desde que a azulejaria se tornou igurativa, que os artistas pré-idealizam a sua obra através de estudos. Nos estudos aguarelados que realizou, Jorge Colaço não se limitou a efetuar desenhos para painéis azulejares, mas antes idealizou decorações de vestíbulos, salas, quartos, etc.. O rigor do desenho, o cuidado e as características pictóricas e estilísticas que apresentam transformam estes desenhos em objetos de arte per si. Vários exemplos o demonstram, destacando-se ainda o facto de alguns dos estudos apresentarem a decoração completa de uma dependência, desde o mobiliário (cadeiras, mesas, bancos), a fogões de sala, a varandins em madeira, tapeçarias, etc. (Fig. 19). Estudos para a moldura e para azulejos módulo-padrão Os estudos remetem, na maioria das vezes, para o motivo central do painel ou para a iguração e a moldura respetiva. No entanto, conhecem-se exemplos que mostram como Jorge Colaço reletiu, também, sobre outros elementos, como as molduras, por vezes reveladoras de uma qualidade e cuidado superior em relação ao motivo central, enquanto por vezes se limitava a breves apontamentos e/ou estudos de cor, sendo que eram executados em policromia ou monocromia. 922 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel Fig. 19: Estudo para uma divisão que mostra vários painéis, silhares e pormenores em azulejo da autoria de Jorge Colaço. © Família Colaço. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 923 Fig. 20: Estudo para painel azulejar. Fig. 21: Estudo para painel azulejar. Fig. 22: Painel azulejar. © MNAz. 924 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Os estudos para as molduras apresentam motivos geométricos ou motivos lorais estilizados, mas são os elementos de gramática barroca que imperam: enrolamentos, concheados, arquiteturas ingidas, etc.. Sobre as molduras há ainda a acrescentar o facto de Colaço, e mais uma vez, salvaguarda-se de quem terá partido esta opção, ter utilizado a mesma moldura em dois painéis diferentes. Sobressaem ainda estudos para azulejos de padrão com os quais, na maioria das vezes, não é possível fazer a correspondência com o painel inal. Num mesmo estudo podem ser apresentadas várias alternativas para o padrão, permanecendo também neste campo a incerteza se seriam alternativas para o cliente ou estudos do mestre. Um conjunto inventariado, outrora colocado em parte incerta, e hoje pertença do MNAz, elaborado por Colaço, apresenta como motivo principal azulejo módulo-padrão. Também para este conjunto, o artista elaborou vários desenhos (Fig. 20, 21), salvaguardando-se no entanto como hipótese terem servido de estudo para outros painéis, ainda desconhecidos. Claudia Emanuel Estudos diversos Entre os vários estudos em aguarela executados por Colaço surgem exemplares que não serviram de base para a elaboração de um «painel azulejar». Exemplo disso são os desenhos que apontam tratar-se de estudos para placas toponímicas ou identiicativas de algo. Um desses esboços sugere tratar-se de um ensaio para a capa do catálogo «Azulejos Ar- Fig. 23: Capa [inal] do catálogo «Azulejos artísticos de Jorge Colaço». Oicinas – R. do Arco do Cego, 88. Telefone 2626 N. Lisboa. tísticos de Jorge Colaço» (Fig. 23) que o mestre concebeu quando se encontrava a laborar na Fábrica Lusitânia (Fig. 24). No entanto, propõem-se outras hipóteses, como por exemplo ser um painel identiicativo do atelier do mestre. No espólio documental, pertença do MNAz, encontra-se ainda um pequeno cartão que, não sendo um estudo aguarelado, se assemelha a um, tendo em conta os traços, os «escorridos» e os dizeres que ostenta, iguais aos que são visíveis na capa do catálogo «Azulejos artísticos de Jorge Colaço». No entanto, trata-se de um cartão-de-visita do mestre (Fig. 25). Fig. 24: «Azulejos artísticos de Jorge Colaço (?)» © MNAz. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 925 Fig. 25: Cartão-de-visita de Jorge Colaço. © MNAz. Fig. 26: Estudo aguarelado para um «Menu». 926 Um dos estudos, a julgar pelos dizeres que ostenta e pela coniguração que apresenta, parece ter como inalidade um «Menu». No entanto, e tendo em nota o caráter auto caricatural coloca-se como suposição ter sido usado num almoço doméstico em jeito de graça! (Fig. 26). Ressalve-se que muitos dos estudos sugerem várias opções para painéis azulejares. Exemplo disso é um estudo que aponta tratar-se de uma decoração azulejar para uma sepultura. Outros remetem para a decoração de aventais de janelas, barras de camas, e mesmo para as costas de um cadeirão, para a decoração de silhares, de pilares, e ainda de lareiras. Sobre este último item – lareiras – um dos estudos mostra o mesmo motivo que se encontra na fachada do antigo Hotel Aviz (Fig. 27), na Av. Fontes Pereira de Melo, Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel em Lisboa, demolido em 1962). O estudo recorda a tradicional chaminé em forma de trapézio das lareiras a lenha tradicionais: o motivo central está envolto numa moldura decorada com uma sucessão de elementos vegetalistas curvilíneos entre outros estriados. Na base, ao centro, é visível uma cabeça de leão e, na parte superior, uma pequena lor de oito pétalas. Ao centro da composição aparece um brasão envolvido por uma águia. Sob esta encontrava-se o esboço, a lápis, de uma estrutura para a colocação desse painel, que se assemelha a uma lareira. Sem imagens que o comprovem poderá supor-se que outrora tenha decorado um qualquer salão daquele solene edifício, ou, porventura, que o estudo não tenha sequer chegado a «sair do papel». De destacar que o Hotel Aviz foi primitivamente a habitação particular (1907 a 1921) do sr. José J. da Silva Graça, proprietário e diretor do jornal O Século, para quem Colaço Fig. 27: Estudo para painel azulejar. © MNAz. Fig. 28: Fachada do Hotel Aviz. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 927 trabalhou como caricaturista. Em 1919 o imóvel é adquirido pelo seu genro, José Rugeroni, que o decide transformar num hotel de luxo. É inaugurado a 24 de Outubro de 1933 com a designação de «Aviz Hotel»28 (Fig. 28). Em maio de 1892 é inaugurado o Hospital «novo» de Lamego. Algumas décadas depois, em 1932, o dr. João d’Almeida envia uma carta ao mestre a partilhar com este o sonho de um dia ver o átrio do Hospital de Lamego decorado com painéis de azulejos com «episódios da vida dos santos portugueses que se relacionem com as misericórdias», o que veio a suceder mas, o médico acrescenta ainda “Atrevo-me também a pedir-lhe a esmola dum pequeno desenho para mandar fazer mais alguns postais para serem vendidos a favôr do Hospital”. Este pedido remete para o facto de eventualmente alguns dos estudos inventariados terem servido para ser reproduzidos em bilhetes-postais ou qualquer outro meio de divulgação, aumentando o leque de alternativas para a elaboração do vasto número de estudos conhecidos do mestre Jorge Rey Colaço. A inventariação da obra azulejar de Jorge Colaço converteu-se num processo que excedeu as expectativas iniciais e determinou uma revisão da própria metodologia de tratamento e análise dos resultados. Dos cerca de cinquenta painéis de que partimos inicialmente, o vasto património azulejar da sua lavra, atingiu rapidamente mais de um milhar. O mesmo é válido para os mais de quatrocentos estudos aguarelados do mesmo autor. Destes estudos apenas foi possível fazer a correspondência com 119, o que é demonstrativo do vasto trabalho que ainda é necessário fazer. Evidentemente que o facto de ainda existirem mais de trezentos estudos com os quais não foi possível fazer a identiicação não signiica que efetivamente, os mesmos tenham sido executados. Estes estudos não identiicados poderão por hipótese ter servido de escolha para o encomendante, como alternativa a outros. Por outro lado o inesgotável mundo das fontes iconográicas levar-nos-ia a procurar entre os milhares de fotograias e bilhetes-postais produzidos na época ou em épocas anteriores de modo a ser possível fazer a correspondência com os painéis azulejares que Colaço produziu. 28 Palacete Silva Graça. In http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2012/07/palacete-silva-graca.html (2015. 08. 27). 928 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Claudia Emanuel Quer partindo de fotograias, quer partindo da imaginação do artista, os painéis da autoria de Colaço oferecem ao investigador um leque alargado de potencialidades a estudar. A inventariação da obra azulejar de Colaço e dos estudos que lhe estão associados, permitiu divulgar, e sobretudo conhecer a sua obra, pois o conhecimento e a sua partilha são um dos instrumentos essenciais para a sua salvaguarda. 21 - Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) 902 - 929 929 930 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Resumos em idioma estrangeiro [01] Rita van Zeller A “outra” Casa das Palhacinhas. Algumas notas sobre a história do edifício do Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner e da família Silva, das Palhacinhas This work ofers a few notes on the history of the building that today lodges the city archive of Vila Nova de Gaia (Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner) and about the family who built and inhabited it for nearly a century: the Silvas / Vasconcellos Porto. Keywords: Quinta das Palhacinhas, Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, Vila Nova de Gaia. [02] Nuno Simão Ferreira «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” The “Tratado da Velhice” (Old Age Treaty) is till today an unpublished manuscript, existing in the Portuguese National Archive “Torre do Tombo” and present in the “Casa de Fronteira” private archive, referring to the legacy of the 4th Marquess of Alorna, also known as Alcipe. The “Tratado da Velhice” might have been written by Alcipe herself, near the end of her life. The original text is continuous, not divided into parts and / nor with titles. 931 We emphasize that “Tratado da Velhice” is an extensive and truly interesting monologue that Alcipe / 4th Marquess of Alorna has dedicated to her daughter. There is no lively debate of ideas here, but in our view this is intentional, since this philosophical essay is written in a way that clariies and objectiies the subject of old age in terms of gender. In this essay, Alcipe approaches the essence, rights and duties of old age. The reference and identiication with Cicero’s thinking, shows that Alcipe shares the universe of the classical culture that was the basis of the erudition of the educated elite of the 18th and 19th centuries. The reference and identiication with Montaigne’s ideas, relates to the fact that in the seventies, Leonor became fascinated by the Encyclopedists, she read forbidden books, and did not always take into account the dangers of her behavior. Tirse (Teresa de Mello Breyner, Countess of Vimieiro) was alicted by the readings of her friend Alcipe, with the abusive disclosure of her poems and even with her studies. Firstly, she feared the improper circulation of her poems. Secondly, Tirse was concerned that Leonor studied English and would advise her to also devote herself to Latin, in order to create a sort of balance. Tirse had the notion or assumed at that time, that a woman’s knowledge and skills, should be kept secret like her written works. Keywords: Old Age Treaty, Alcipe, Tirse, Classicism, Enlightenment, Pre-Romanticism. [03] Ricardo Charters d’Azevedo Códigos do bom-tom ou de civilidade Rules of conduct were being distilled to the readers willing to increase their acceptance in society, because there would be the key to their social advancement. These rules have reached the people through small ballads or proverbs easy to remember. Written in a clear and didactic way, the guides to good behavior, or good manners, or treatises of savoir-vivre, devoted to the science of civilization or civility, introduced its readers in the so-said noble life of society, or of the wealthy. Also, we ind, in the nineteenth century, rules and regulations we can call codes of conduct, which were no more than the transcription of the usual accepted behaviors. The manuals on duels, board games and or dancing completed the requirements presented in civility manuals. The extraordinary richness of such texts led us to present the evolution of these ma- 932 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” nuals since the sixteenth century, adding some good examples of rules that, nowadays, under the current culture, can make us smile. Keywords: civility books, conduct codes, behavior, protocol. [04] Duarte Serrano Peris diplomáticos portugueses no Oriente Próximo: de Lisboa para Constantinopla Portugal oicially started diplomatic relations with the Ottoman Empire in 1843, under the Treaty of Friendship, Commerce, and Navigation. The Portuguese Legation in Constantinople sufered from budgetary cuts and sometimes it was closed. The main reason was because Portugal was still recovering from the Civil War and, afterwards, the need to reduce costs, being the Legation of Constantinople one of the choices for that purpose. Besides, the real interest of the Portuguese wasn’t the Legation of Constantinople, but getting the exequatur for a permanent diplomat in Alexandria. However, irst it would be necessary to have diplomatic links with the Sublime Porte. The need to impose an axis between Malta, Cairo, Alexandria and Aden was the aim. Following a good relationship with the newly created kingdom of Italy, fruit of the marriage of King Luís I of Portugal with Dona Maria Pia di Savoia, Portugal had in the ambassadors of this kingdom allies that managed the Portuguese afairs in the Ottoman Empire. However, with the onset of the war in Tripolitania, between Italy and the Ottoman Empire, in 1909, Italy became no longer a viable diplomatic channel. Keywords: Ottoman Empire, Portugal, diplomacy [05] Paulo de Assunção A saudade é cor-de-rosa: memórias de Amélia de Leuchtenberg - Imperatriz do Brasil This article aims to trace the biographical sketch of Amélie Eugénie Napoleone Auguste de Beauharnais, princess of Leuchtenberg (1812-1873), second wife of Emperor Pedro I of Brazil (Pedro IV of Portugal). The intention is to outline, by means of passive and active correspondence, the movement of the spirit of a woman surrounded by the web of life. Early on, the young Amélie of Leuchtenberg was required to address challenges such as marriage to a widower king, father of ive children and with a reputation 933 of incorrigible lover. Undaunted, she faced the crossing of the Atlantic Ocean and the diiculties that have emerged, carrying in the heart the “saudade”. Her reign would be short in tropical lands. After the abdication of D. Pedro I (1831), she returned to Europe and accompanied the process of liberal wars and the movement of the Portuguese literary romanticism. With the death of Pedro (1834) she dedicated herself to the common daughter, until her death, in 1853. Since then, Amélia lived a life of reclusion in the Palace of the Green Windows (Lisbon), acting in charitable actions and demonstrating an extreme attention to family and friends; a woman who lived moments of perpetual nostalgia. Keywords: Amélia of Leuchtenberg, D. Pedro IV, “saudade”, Liberalism, Romanticism. [06] Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária For a better understanding of the surrounding phenomenon of cofeehouses we decided to produce a synopsis of the most important historical facts about the cultivation of cofee throughout the ages and its various geographies, alongside with a diachronic review of the irst establishments that operated, more or less, worldwide, whether selling cofee powder or grain, or the beverage prepared from this plant. As to Portugal, and the city of Porto in particular, cofeehouses were, par excellence – during a period of social and political tranquillity and greater economic and inancial strength such as the “Regeneração” – the great fora where, like no other place, most people gravitate to in transverse and democratic fashion, either to experience new forms of time and leisure, to enjoy games and drinking, as well as, in that very same plural environment, to exchange thoughts of political, social, economic, literary, artistic and commercial nature, amongst many other issues. Cofeehouses were like the nerve centre of ideological exchange that took place in animated conversations expressing personal opinions. They were the parlor for a new way to experience the local life and to gather up all kinds of news, whether they were about politics (including movements against the dominating political systems) or business opportunities. They could also work as a get-together or a place to simply socialise with others. Frequented by intellectuals, scientists, proprietors, artists, journalists, 934 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” politicians, traders, industrialists, inanciers, prelates, students, typical local characters, cofeehouses were also a place of socialisation through gaming (backgammon, cards, dominoes, keno, billiards, checkers and chess) and an opportunity to drink (the drinks in vogue at the time such as cofee, moka, blackcurrant and peppermint juices, Doppel-Kümmel or other liquors, and cognac or scotch, and to try and taste something new, like beer - bock -, snow or ice cream), while chatting. The contributions that we bring, besides information on sociability, possibly considered more of the ield of petite histoire, belong to the subject of modern habits and experiences of Porto (which is very important to feel the pulse of the city, its inhabitants and those institutions) and also aim to provide, through combination and systematisation, some data (which, in other works that deal with the history of the city, are insuicient, sparse and/or fragmented), whose annexation, and disclosure in some cases, becomes a way to provide a framework that allows to adequately address the issues that we deal with, making of it, above all, a diachronic and diacritical read. Keywords: Cofee history; Historical Cofeehouses of Porto; Sociability in 19th century Porto; Gatherings (Tertulia); Personalities [07] Sílvia Barradas Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista During the second half of the nineteenth century, the predominance of French taste in the design of the city of Lisbon became quite evident, including cast-iron street furniture. To assess it, we have analysed the role of Lisbon’s City Council Technical Department - the main responsible for the urban planning and consequent acquisition of cast iron street furniture in the city. From a legal and urban point of view, we have concluded that Haussmann’s plan of 1867 to Paris had a great inluence on the action of the City Council Technical Department and led to the arrival of the irst types of cast iron street furniture in Lisbon. These types of furniture came to meet the emerging needs of new sanitary and public health policies, following recent trends in urban beautiication of the French nineteenth century. With the development and proliferation of public services, gradually appeared in Lisbon new types of street furniture, such as: benches, urinals, kiosks, columns, advertising panels, among others. With this paper, we intend to present an inventory of all the diferent typologies 935 of street furniture in cast iron under French inluence that appeared in Lisbon in the second half of the nineteenth century. Keywords: Cast-iron street furniture; French “Fonte d’Art”; Lisbon City Council Technical Department; “Les Promenades de Paris”. [08] Ana Patrícia R. Alho O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia (Cemitério do Alto de São João, em Lisboa) e dos Condes do Ameal (Cemitério da Conchada, em Coimbra). Caso de estudo This article follows the doctoral thesis we met to conclude at the Faculty of Arts, University of Lisbon, under the title: “The hydraulic system of sacred Gothic architecture in Portugal from the thirteenth to sixteenth centuries.” This project is part of a concept of architecture understood as a structured set of systems that, in stages, are the concern of the master builder. This set of systems includes the hydraulic system, divided into upper hydraulic subsystem (referring rainwater) and lower hydraulic subsystem (referenced to ground), but, in this speciic paper we will refer only to the irst mentioned subsystem. With regard to the upper hydraulic subsystem we recorded solutions found in many religious buildings belonging to the Gothic and late Gothic architecture, both Portuguese and European, conined between the 13th and the 16th centuries, in order to conclude what were the most adopted solutions and architectural elements used as auxiliary in upper hydraulic systems, including: gargoyles, gutters, lying buttresses, buttresses, terraces, roofs, among others. In this paper, we will focus our attention in the upper hydraulic subsystem present in two mausoleums: the one of the Benefactors of the Misericórdia brotherhood, in Lisbon, and the one of the Count of Ameal, in Coimbra (both dating from the late nineteenth century and early twentieth century, belonging to the Portuguese late Romanticist period), not neglecting the analysis of the restorations carried out in both mausoleums, with special attention to facelifts that somehow afected the upper hydraulic subsystem. As for the mausoleum of the Benefactors, at the entrance of the Alto de São João Cemetery, in Lisbon, and the mausoleum of the Counts of Ameal at the Conchada Cemetery, in Coimbra; the irst is a work belonging to Neomanuelino style richly carved, designed by the architect Adães Bermudes and built between 1906 and 1909 to gather 936 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” the remains of those who had supported the Brotherhood of Misericórdia of Lisbon, and the second one was designed by António Augusto da Costa Mota, the Uncle (18621930), at the request of the Count of Ameal, João Ayres de Campos, in 1895, occupying a plot where converge the most important paths of the cemetery. It has a polygonal plan, with a neo-Gothic revivalist design. The mausoleum has a crypt, where the coins of the deceased family members were placed. Keywords: Architecture, mausoleums, Hydraulics, water, gargoyles [09] António Teixeira Lopes Cruz As iguras de costumes populares de José Joaquim Teixeira Lopes The sculptor José Joaquim Teixeira Lopes (also known as Teixeira Lopes the Father) devoted himself very early to create miniatures in baked clay, representing popular costumes painted accordingly, which constituted a small but signiicant area among the various that his multifaceted artistic production covered. The proliferation of igures and groups reached the scale of tens, and by investing in a high sculpture/pictorial quality, he managed to confront and overcome the vast competition that was invading the igurines grasping market, but with limited artistic cravings. It should be noted that, contrary to what is suggested by some authors, the magniicent production of the kind that characterized the seventeenth and eighteenth centuries, in Portugal, namely with regard to cradle igurines, was not interrupted, but, instead, maintained a continuity ensured by irst rate artists and popular modest nature clay modellers without subtle ties or artistic concerns. Keywords: igurines in baked clay; clay sculptors of the eighteenth and nineteenth centuries; José Joaquim Teixeira Lopes [10] Susana Moncóvio Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931), elementos de uma família de artistas ativos no Porto e em Vila Nova de Gaia, entre o século XVIII e o século XX Bien que le titre met en évidence seulement les éléments du sexe féminin, cette 937 étude se concentre sur trois générations d’une famille d’artistes actifs à Porto et à Vila Nova de Gaia, depuis la in du XVIIIe siècle jusqu’au XXe siècle. Nous avons abordé les aspects biographiques, la formation, l’exercice et les mécanismes de représentation artistiques de António Simões Pereira de Vasconcelos (actif entre 1805 et 1819), comme portraitiste et peintre de leurs; son beau-ils, Manuel Pinto da Fonseca (1802-1882), sculpteur, professeur et directeur de l’Académie des Beaux-Arts de Porto; Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) et Eduardo da Fonseca Vasconcelos (1835-1913), leurs enfants; et une cousine, Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931). Cette approche diachronique comprend une période de bouleversement social, politique et militaire, aussi bien que du changement des mentalités, correspondant à la transition d´une société du Ancien Régime à une société sous régime libéral, mais, surtout, elle renforce notre ligne de recherche sur l’éducation par les Beaux-Arts et la construction sociale de la igure de la Femme Artiste. Mots-clés: éducation artistique; femmes artistes; Porto; Vila Nova de Gaia; XIXème siècle. [11] António Francisco Cota Fevereiro Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX A private religious space was designed according to the owner’s desire. In most cases, that space was built inside the house. In other cases, it was built in a separate building, connected, or not, to the house. Private religious spaces were still built inside the house, in a more complex and wide context, during the second half of the nineteenth century. The house was by then designed according to new needs of the bourgeoisie, connecting efectively the diferent internal areas, in order to separate the main rooms of the building from the service areas. Generally, the motivation for these private religious spaces was the concretization of a spiritual need. In one case, was to perpetuate a sentimental fact that occurred in the owners’ life. In another one, the purpose was to provide a religious space for the community. In this paper we have listed, in chronological order, some projects by architects, builders and other artists, for private religious spaces which deined an era in the history of Portuguese architecture. This study focused in the projects built in and around 938 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Lisbon (except one, for Mirandela), between 1884 and 1910. Keywords: chapel, oratory, stained glass, Architecture, religiosity, Lisbon, Estoril [12] Tiago Henriques O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal This paper focuses on the records concerning the so-called house of Pau da Bandeira, located in the neighborhood of Lapa, in Lisbon. The studied correspondence, allows us an approach to the objects and furniture currently existing in the house, as well as the understanding of some options taken when the building was decorated. The photographic survey that has been carried out is the only remaining testimony of many of the details mentioned in the documentation. Keywords: Count of Valenças, Rafael Bordalo Pinheiro, Decorative Arts, archive, Lapa, Architecture. [13] Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo: a sua vida e a sua obra (1851-1901) Sebastião Sanhudo, nowadays a very forgotten name in the Portuguese cultural and artistic panorama, was, nevertheless, one of the most recognized and justiiably more meritorious humorists/caricaturists, portraitists, graphic chroniclers and lithographers from 19th century Portugal. It is imperative, therefore, to summon to the memory of men this great name of Portuguese printed graphic arts and humor, which at the time was one of the best known igures in the country and in the North in particular, both for his life of work and for the circle of personal relationships that he managed to establish around himself, composed by the most respected Porto’s cultural creators and agents that intervened in the city’s society (artists, journalists, capitalists, lawyers, members of the parliament, theatrologists, prelates, teachers, comediographers, businessmen, doctors, military oficers, photographers, ilmmakers and head igures of the most reputed institutions of Porto). 939 Born in Ponte do Lima on 20/2/1851, he took his primary studies there and from an early age revealed a singular skill in drawing, “which he cultivated freely, without masters or guidance”, dedicating great afection to its learning and practice, something that never failed to accompany him throughout the course of his life. In the early 1870s he moved to Porto and joined in the army as a volunteer for ive years. On October 13, 1871, he applied for admission to the Academia Portuense de Belas-Artes to attend the classes of historical drawing taught by Tadeu Maria d’Almeida Furtado. He was enrolled in this academy from 1871 to 1874, always completing each academical period with singular approval and merit, yet not complying with the regulatory ive years of attendance and approval required for the successful completion of the course. He was also a student at Instituto Industrial (1870-1872). He was one of the most achieved lithographers of his time, having founded in 1877 the Litograia Portuguesa company, of modeling importance, which, by always being in the vanguard of technique and by the excellent graphical works composed in it, he was always recognized for, giving an important contribution to the art of engraving, as well as for his proile as owner, having so often supported the publishing of aperiodical titles – which congraced renowned names of writing and the arts – thus contributing with a big part to alleviate the suferings and deiciencies of editions of muniicence. As a caricaturist he was recognized, by his peers, as an author of his own design in his graphic stroke, diferent from the all-embracing rafaelita (after caricaturist Rafael Bordalo Pinheiro) school. A friend and collaborator (as correspondent in the North) of Rafael Bordalo Pinheiro’s and Leal da Câmara’s humoristic periodicals, who found in his work a valuable graphic contribution, they saw Sanhudo as a conirmed and praiseworthy author in the area of humour and with a very unique and personal stroke, thus contributing with his critical eye and position in the North of the country to enrich the periodicals of these igures of Lisbon. He was the founder of the following humour periodicals: Pae Paulino (15/7/187726/4/1879 – Sanhudo left it on 7/1/1878), Piparotes (6/1/1889-17/2/1889) and O Sorvete (6/18/1878-30/12/1900 – the longest humour periodical in the 19th century and one of the most enduring of all time), which remains as his greatest legacy to this important area of the press and that forever perpetuates his name. He engendered several almanacs that accompanied his periodical humorous production. Most of them, such as Galeria do Sorvete (1879 and 1881), Procissão de Celebridades Portuenses (1884), Almanack do Sorvete para 1888 and O Cosmorama (1901), 940 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” are notorious masterpieces, both for their character of innovation or by the mastery of its achievement. Sanhudo was one of the pioneers of the art of chronicling and narration in the form of comics, or bande dessinée, in Portugal, having from the beginning of his production devoted much of his work to this unique art form at the time so revolutionary and innovative. He contributed to, and subsidized, innumerable aperiodical publications with beneicent and humanitarian aims, revealing in this actions his acknowledged and broad facet of a good and generous man, always willing to help. As a portraitist he was one of the most remarkable and accomplished authors, reaching, through his meticulous and skillful stroke, true works of psychography of all those upon whom he shed his look and his unique art. Sanhudo, when confronted with Bordalo, had a very prognostic position in humour; since Bordalo focused on the personal satire of the political actors, while Sanhudo focused more on attacking policies. This foresight approach of Sanhudo will show, grosso modo, later – with the arrival of modernism at the end of the irst decade of the 20th century –, in the cartoon ield, when it opted for that centrality in politics, for the ironical critique of society and its systems, focusing on city life, with the respective asymmetries between classes and the clash of material cleavages, and where an inlection is observed, operating identically at the schematic and thematic level. This makes Sanhudo an author far ahead of his time. The recognition, both for the totality of his production and for his personality, next to his peers (Bordalo Pinheiro, Leal da Câmara, Alfredo Mâncio, Cândido da Cunha, Manuel Monterroso), as well as for the innumerable and variegated national and foreign publications that mentioned him and his work with much appreciation and singling it out, make Sanhudo a reference in the panorama of humour. The general reckoning and principality of the work of this lithographer, chronicler, portraitist, illustrator, humorist and caricaturist is one of the greatest repositories of literary and graphic documentation on the Portuguese 19th century at all levels. An irrefragable fountain for History and Heritage. Keywords: History of the press; history of the comic strip; history of humour; history of caricature; history of Porto; lithography; portrait; humour; caricature; Sebastião Sanhudo. 941 [14] Elen Biguelini Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» Maria Peregrina de Sousa (1809-1894) was a well-known Portuguese writer who published a large number of feuilleton’s (at least forty-ive) in several journals all over the country. Her sister, Maria do Patrocínio de Sousa (1823-1864), dedicated her life to literature as well, but has not reached the same level of notoriety as her sister. Although leading a secluded life near Porto, these two writers participated in the literary movement of their time and had their work published in the journal A Grinalda (1855-1869). This paper intends to analyse the work of these two authoresses in this journal where women creations’ where uncommonly accepted. Using both Cultural History and Feminist Literary Criticism, this work has the objective of understanding their work, what opinions they expressed, as well as the themes they wrote about. It also intends to amplify the knowledge about female Portuguese writers in the middle of the XIX century. Keywords: Women’s History, Maria Peregrina de Sousa, Portugal, 19th century. [15] Hélder Barbosa / Daniela Alves / Francisco Queiroz Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia Abílio Augusto Monteiro remains almost unknown in the social history of Oporto. Nevertheless, this discreet notary of the late nineteenth century, with his entrepreneurial character and a great multiplicity of interests, left us an important legacy. He took part of what was to become the irst brigade of volunteer ire-ighters in Oporto, founded in 1875 upon a proposal of his friend - and later brother-in-law - Alexandre Teodoro Glama. His job led Abílio Monteiro to establish in the village of Maia and, consequently, to disconnect from the formation of the aforesaid ire brigade. Maia was by then a somewhat underdeveloped rural territory. The knowledge and experience that Abílio Monteiro brought from the city of Oporto was well applied in the municipality of Maia, namely through the foundation of new institutions and the development of the local press. In Maia, he held various positions and was noticed in multiple aspects of the local economy. Abílio Monteiro was supported by the most inluential man of his time in Maia: the former emigrant in Brazil and well-known local benefactor, Viscount 942 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” of Barreiros. Aside from his activity as notary, in which he excelled at having been the editor of a specialized journal, Abílio Monteiro also focused, among other things, on the methods to teach calligraphy, on the problem of forged documents, and on the use of handwriting as a method of personality diagnosis. He was, in fact, the Portuguese pioneer in terms of Graphology and Forensic Document Expertise. Keywords: Abílio Augusto Monteiro, Porto, Maia, 19th century, Graphology. [16] Ana Catarina Necho Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa In the irst conference “Saudade Perpétua”, that took place in Vila Nova de Gaia in June 2016, our purpose was to focus on a personality that had a great impact, not only in Medical Sciences, but also by changing the political context that emerged in Portugal in the irst decade of the twentieth century. In this way we have drawn a historical, political and social context of the late nineteenth and the early twentieth centuries, when Portugal was in an antagonistic situation: Monarchy vs. Republic. What were the actions and consequences of this cleavage? In this context of great complexity, it is important to highlight the igure of Miguel Augusto Bombarda, as a politic, and his contributes to the change that occurred in the Portuguese political scene. Concomitantly, Portugal was living in a context in which the Neopositivist current was consolidating, airming experience and progress. These factors made possible a better knowledge of the human being. It is in this sense that Miguel Augusto Bombarda was also highlighted, because of the way he made possible a new dialogue among sciences. Portugal, along with other European countries, contributed decisively to the development of Psychiatry and Neurology and Miguel Augusto Bombarda had a very important role in a better understanding of alienated, by creating buildings suitable for their recovery. Keywords: alienated; asylums; mental care; Psychiatry; Politics. 943 [17] Nuno Saldanha Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos One of the most extraordinary artists in the panorama of Portuguese Romantic Painting, Francisco Metrass is the painter who best personiies the “romantic idea”. In one hand, by the aspects associated with his tragic life, prematurely taken by tuberculosis, known as the “the captain of all men of death”; on the other hand, for the peculiar work that he left us, and the important renewal he developed within the History Painting. More than a systematic study, in addition to bringing to light some unpublished data, we pretend to sketch an analysis through some of the aspects that best characterized he’s work – Melancholy, Death and eroticism – giving special attention to the most important masterpiece of his career, the Only God!, from 1856. Keywords: Romanticism, Francisco Metrass, 19th Century Art, History of Painting, Melancholy, Eros and Thanatos [18] Nuno Borges de Araújo Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico The photographic portrait has as objective the ixation of the image of the portrayed, to fulill certain social functions, as it already happened with the pictorial portrait, from which it inherited an iconographic tradition. During the Romantic period, particularly from the sixties of the nineteenth century, its most common uses are as business cards, integrating albums, or framed and exposed on furniture or aixed to walls of familiar or institutional spaces. Besides these, there were less conventional uses, such as those whose existence in the family context is directly related to the physical absence of the portrayed. It can be a deinitive absence, by death, or temporary, for reasons of travel, change of residence or emigration. In the irst case, the portraits used may have been taken during person lives or just after their death. The latter were mainly taken from people who were never portrayed in life, particularly children, from whom close family wanted to preserve an image. They were usually kept in a sphere of privacy, although they could be shown to family and friends. Another frequent practice was to bring in medallions and other jewelry, photographic portraits of close relatives, 944 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” such as husband, father or mother. These could be of deceased or absent people, whose memory was intended to remain present in everyday life, and even to express it publicly. In this case, the physical closeness established between the portrait bearer and the portrayed person is all the more pertinent the greater the feeling that unites them and the longer, if not deinitive, absence. Keywords: photography, 19th century, Romanticism, post-mortem, jewelry [19] Ana Paula Morais Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont Born in Switzerland, Auguste Roquemont lived most of his life in Portugal, dividing his stays and artistic activity between three cities: Oporto, Guimarães and, occasionally, Lisbon. We will focus our review on Guimarães, from the point of view of urban transformations and particularly the built heritage, using, as a starting point for our analysis, three paintings from Roquemont representing ethnographic scenes and/or urban landscapes. We will discuss structures that no longer exist, in the same places the artist lived and attended. Keywords: Guimarães, urbanism, built heritage, paintings, urban transformation [20] Cristina Maria Ribeiro da Silva Ramos e Horta Os palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa Two revivalist late Romantic style small palaces, dating from the late nineteenth century, one situated in Caldas da Rainha at Avenal (summer residence), the other located in the Lapa parish in Lisboa, built by the 2nd Viscount of Sacavem, is the subject matter of this paper. Both of them stand out on account of their very speciic characteristics, constituting, as to their decorative aspect, true reference manuals in ceramic tiles and of polychrome relief faience, so much in tune with the then eclectic artistic taste to which contributed neo-renacentist, neo-baroque, naturalist and fantastic (fantastical/fanciful?) ornamental elements. One was built in a rural environment, in the outskirts of a small village where an intense social life was fueled by the presence of the 945 royal family and, the other, built in an urban center amongst several palaces-like residences. One was built in a rural environment, in the outskirts of a small village where an intense social life was fueled by the presence of the royal family and, the other, built in an urban center amongst several palaces-like residences. The analysis of these two small palaces, their similarities, where they difer, as well as what makes them representative of the late romantic style in our country in the late 19th-century, evident in emblematic palaces more discret and of smaller dimensions, constitutes the subject matter of our paper, which I wish to keep open to those likely to do farther research in this area and this period. Keywords: late romantic style; 2nd Viscount of Sacavém; tiles; faience; Caldas da Rainha. [21] Cláudia Emanuel Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (18681942) Jorge Rey Colaço (1868-1942) was a striking igure in the artistic and cultural panorama in the irst decades of the 20th century, namely as a caricaturist, as an oil painter and mainly as a tile painter. For the elaboration of its panels Colaço elaborated previous studies, that served him as guide or for the client’s choice. These are studies in watercolor, iconographic sources that we intend to reveal in a way that allows for its better knowledge and safeguard. Keywords: Jorge Colaço, tiles; sketches; iconographic resources 946 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Índice Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1. Rita van Zeller . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 A “outra” Casa das Palhacinhas. Algumas notas sobre a história do edifício do Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner e da família Silva, das Palhacinhas 2. Nuno Simão Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 3. Ricardo Charters d’Azevedo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 Códigos do bom-tom ou de civilidade 4. Duarte Serrano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188 Peris diplomáticos portugueses no Oriente Próximo: de Lisboa para Constantinopla 5. Paulo de Assunção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216 A saudade é cor-de-rosa: memórias de Amélia de Leuchtenberg - Imperatriz do Brasil 6. Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão). . . . . . . . . . . 242 Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 7. Sílvia Barradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .306 Mobiliário Urbano de Fundição Artística na Lisboa Oitocentista 8. Ana Patrícia R. Alho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 366 O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia (Cemitério do Alto de São João, em Lisboa) e dos Condes do Ameal (Cemitério da Conchada, em Coimbra). Caso de estudo 9. António Teixeira Lopes Cruz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 380 As iguras de costumes populares de José Joaquim Teixeira Lopes 947 10. Susana Moncóvio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 424 Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931), elementos de uma família de artistas ativos no Porto e em Vila Nova de Gaia, entre o século XVIII e o século XX 11. António Francisco Cota Fevereiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .476 Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX 12. Tiago Henriques. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 558 O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal 13. Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão). . . . . . . . . . . 604 Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo: a sua vida e a sua obra (1851-1901) 14. Elen Biguelini. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 712 Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» 15. Hélder Barbosa / Daniela Alves / Francisco Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . 730 Abílio Augusto Monteiro (1851-1913): esboço de uma biograia 16. Ana Catarina Necho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 752 Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa 17. Nuno Saldanha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .768 Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos 18. Nuno Borges de Araújo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .800 Imagens de ausência: o retrato fotográico como simulacro durante o período romântico 19. Ana Paula Morais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 822 Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont 948 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” 20. Cristina Maria Ribeiro da Silva Ramos e Horta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 878 Os palacetes tardo-românticos do 2º Visconde de Sacavém, nas Caldas da Rainha e em Lisboa 21. Cláudia Emanuel. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .902 Fontes iconográicas e estudos prévios da obra azulejar de Jorge Rey Colaço (1868-1942) Resumos em idioma estrangeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .930 949 SAUDADE PERPÉTUA 950 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua”
CEPESE Título Arte, Cultura e Património do Romantismo Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Autores Ana Catarina Necho Ana Paula Morais António Francisco Cota Fevereiro António Teixeira Lopes Cruz Cláudia Emanuel Cristina Maria R. S. Ramos e Horta Daniela Alves Duarte Serrano Elen Biguelini Francisco Queiroz Hélder Barbosa Nuno Borges de Araújo Nuno Saldanha Nuno Simão Ferreira Patrícia Alho Paulo de Assunção Ricardo Charters d’Azevedo Rita van Zeller Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte Sílvia Barradas Susana Moncóvio Tiago Henriques Coordenação editorial Francisco Queiroz Edição CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade Apoio à edição Ricardo Charters d’Azevedo Colaboração na revisão Odília Gameiro Concepção gráfica Andreia Pais da Cunha Paginação Andreia Pais da Cunha e Rita Manso Edição: Dezembro de 2017 ISBN: 978-989-8434-39-5 © Os direitos desta publicação pertencem aos seus autores, estando protegidos pela legislação em vigor: é vedada a reprodução não autorizada de textos e imagens. Todos os conteúdos são da responsabilidade dos respectivos autores, incluindo a selecção das imagens e a indicação dos respectivos créditos, assim como a norma ortográica adoptada. Iº COLÓQUIO “SAUDADE PERPÉTUA” Arte, Cultura e Património do Romantismo Vila Nova de Gaia e Porto, 24-26 de Junho de 2016 COMISSÃO CIENTÍFICA § Francisco Queiroz (CEPESE) § Gonçalo de Vasconcelos e Sousa (Escola das Artes da UCP; CITAR-EA / UCP) § Isabel Andrés Marques (Universidade Lusófona do Porto / CEPESE) § Isilda Braga da Costa Monteiro (Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti / CEPESE) § Jorge Ricardo Pinto (Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo) § Nuno Saldanha (IADE Creative University – Laureate International Universities) § José Manuel Lopes Cordeiro (Universidade do Minho) § Teresa Portela Marques (Universidade do Porto) COMISSÃO ORGANIZADORA Ana Motta Veiga Ana Paula Morais Belmira Coutinho Bruno Rodrigues Cristina Moscatel Idalina Moreira Francisco Queiroz COMUNICAÇÕES APRESENTADAS § Ricardo Charters d’Azevedo – Códigos de bom-tom ou de civilidade § Duarte Serrano – Peris Diplomáticos Portugueses no Médio Oriente: de Lisboa para Constantinopla § Paulo de Assunção – A saudade é cor de rosa: memórias de Amélia de Leuchtenberg, Imperatriz do Brasil § Pedro Pascoal – Furnas, entre jardins e banhos: vilegiatura e sociabilidade na segunda metade do século XIX na ilha de São Miguel (Açores, Portugal) § Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) – Cafés Históricos do Porto § Anna Salvatori / Maria di Noia / Francisco Queiroz – A Companhia Aurifícia: história e legado § Sílvia Barradas – Mobiliário Urbano de Fundição Artística na Lisboa Oitocentista § Patrícia Alho – O Subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores (Cemitério do Alto de São João em Lisboa) e dos Condes do Ameal (Cemitério da Conchada em Coimbra). Caso de Estudo § António Teixeira Lopes Cruz – As iguras de costumes populares de José Joaquim Teixeira Lopes § Gonçalo de Vasconcelos e Sousa / Madalena de Paiva Brandão – Uma fotógrafa amadora no Porto, Branca de Almeida Coutinho e Lemos (Seixo), e o registo do quotidiano de uma adolescente ao tempo da 1.ª Grande Guerra § Nuno Borges de Araújo – Imagens da ausência: o retrato foto­ gráico como simulacro durante o período romântico § Susana Moncóvio – Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e Leonor Augusta Gonçalves Pinto (n. 1849), elementos de uma família de artistas ativos no Porto e em Vila Nova de Gaia, entre o século XVIII e o século XX § Cristina Moscatel – Desenhar (n)a ilha: ensino e difusão da prática do desenho em São Miguel na segunda metade de Oitocentos § António Francisco Cota Fevereiro – Os espaços de culto privados na transição do século XIX para o XX § Tiago Henriques – O 1º Conde de Valenças e a encomenda artística, através de correspondência do Arquivo da Casa de Louriçal § Flávio Rodrigues Fonseca Silva – A inluência de Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa na paisagem urbana oitocentista da cidade do Porto § Jorge Ricardo Pinto / Daniela Alves / Hélder Barbosa – O «bairro inglês» do Porto: processos e percursos no Porto de Oitocentos § Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) – Sebastião Sampaio de Souza Sanhudo: a sua vida e a sua obra (1851­1901) § Elen Biguelini – Maria Peregrina de Sousa e sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda» § Hélder Barbosa / Daniela Alves / Francisco Queiroz – Abílio Augusto Monteiro (1851­1913): esboço de uma biograia § Ana Catarina Necho – Miguel Augusto Bombarda: uma igura incontornável da Política e Medicina Portuguesa § Marília Peres – Os laboratórios de química do século XIX: fábricas do saber e palcos do Romantismo § Nuno Saldanha – Francisco Metrass e os valores românticos de Eros e Tanatos § Jorge Costa – António José Patrício (1827­1858): singulari­ dades de uma obra de pendor biográfico no contexto do Romantismo português § Ana Paula Morais – Guimarães urbano do século XIX a partir de três quadros de Roquemont § Cristina Maria R. S. Ramos e Horta – Um palacete romântico nas Caldas da Rainha § Cláudia Emanuel – Fontes iconográicas e estudos prévios na obra azulejar de Jorge Rey Colaço PROGRAMA PARALELO E PROGRAMA SOCIAL 24 de Junho § Apresentação virtual da obra “Os catálogos da Fábrica das Devesas”, de Francisco Queiroz, e visita à exposição “António Almeida da Costa – Arte, formação, indústria & inovação” § Visita nocturna guiada por Francisco Queiroz ao Cemitério da Lapa, com a colaboração de Idalina Moreira, subordinada ao tema: “Emídio Carlos Amatucci: vida e obra” (visita organizada pela Câmara Municipal do Porto). 26 de Junho § Visita guiada por Jorge Ricardo Pinto à Rua de Cedofeita no século XIX § Visita guiada por Sónia Faria à antiga botica do Hospital de Santo António § Almoço do 5º Aniversário do Grupo “Saudade Perpétua” no Museu Nacional Soares dos Reis § Visita guiada por Ana Motta Veiga ao Museu Nacional Soares dos Reis § Visita guiada por Ana Paula Morais ao Museu Romântico § Visita guiada por Francisco Queiroz aos jardins do Palácio de Cristal e à Capela de Carlos Alberto (visita organizada pela Câmara Municipal do Porto, no âmbito das comemorações dos 150 anos do Palácio de Cristal do Porto) À perpétua Pastores destes vales habitantes, Pastores que viveis nesta espessura; Quero de vós saber se por ventura Há no mundo perpétuas inconstantes. Nos montes mais vizinhos e distantes Entre vós a perpétua sempre dura, Animada daquela igual ternura De vossos corações irmes e amantes. Por não ter de alecrim a variedade, Conserva sempre o ser de amor-perfeito, Sem que entre nela o roxo da saudade, O tempo lhe não muda o raro efeito, E sendo tenra lor, na realidade Tem duração eterna em nosso peito. Catarina Micaela de Sousa César e Lencastre, Viscondessa de Balsemão (1749-1824) Apresentação O Grupo Saudade Perpétua foi fundado no Facebook em 10 de Julho de 2011. Inicialmente, foi inspirado na experiência enriquecedora que tinha como membro de um outro grupo dito “secreto” existente nas redes sociais, o qual se destinava à partilha e discussão de imagens antigas de Portugal ou de portugueses, criado pela reconhecida olissipógrafa Marina Tavares Dias. A minha ideia foi tentar transpor o conceito, de grupo de partilha fechado mas suicientemente abrangente para abarcar desde académicos a curiosos, a um tema mais vasto, ainda que perfeitamente delimitado: o Romantismo em Portugal. Assim, o propósito inicial do Grupo Saudade Perpétua, e que ainda se mantém, era o de permitir a partilha, num ambiente coninado mas informal, de fontes, pesquisa inédita e curiosidades sobre as vertentes estética, cultura e social do Romantismo em Portugal. Urbanismo, Arquitectura, Escultura, Tumulária, Azulejaria, Estuques, Pintura, Gravura, Fotograia, Artes Aplicadas, Moda e Publicidade, Costumes e Curiosidades, eram apenas alguns dos tópicos possíveis. O Romantismo em Portugal, sobretudo na sua vertente estética, não é uma área em que haja muitos investigadores “iéis”, se assim podemos dizer. Mas muitos dos investigadores que insistem em pesquisar o tema, nas suas mais diversas vertentes, foram entrando para o Grupo Saudade Perpétua. Ao longo dos anos que se seguiram, o Grupo raramente teve mais do que 150 membros, mas, entre eles, pontuam verdadeiros especialistas em certas áreas do saber relacionadas com o Romantismo ou com o século XIX em geral. Por esse motivo, e porque, durante muito tempo, o lado estético e cultural do Romantismo foi sendo menosprezado em Portugal (com excepção, talvez, da vertente literária e, mais recentemente, de abordagens de carácter regional e local, como os congressos sobre o Porto Romântico, na Universidade Católica), predominando, sim, as análises sociais, políticas e económicas, percebi que faltava um espaço em que os investigadores pudessem formalmente partilhar os seus trabalhos já estruturados, não só para os demais membros do Grupo Saudade Perpétua, mas também para fora do mesmo. Inicialmente, pensei na edição de uma revista, enquadrada por um centro de investigação – neste caso, o CEPESE: Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade 11 (Universidade do Porto). Porém, tal ideia revestia-se de várias diiculdades e limitações. Ora, desde o início, foi hábito do Grupo Saudade Perpétua realizar eventos para os membros e seus convidados, que invariavelmente incluíam visitas a alguns edifícios e espaços do Romantismo menos conhecidos ou menos acessíveis ao público em geral. Por isso, entendi que havia condições para que o Grupo organizasse um evento que tivesse também uma componente de divulgação do conhecimento cientíico produzido pelos membros. Além disso, alguns dos mais prolixos investigadores do Romantismo em Portugal não aderiram às redes sociais e, portanto, um evento cientíico permitiria que pudessem também participar com os seus contributos. Cartaz do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” 12 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Foi assim que nasceu o 1º Colóquio “Saudade Perpétua”, assinalando o 5º aniversário do Grupo Saudade Perpétua. Foi o primeiro evento cientíico em Portugal dedicado ao Romantismo proposto e dinamizado por um grupo com carácter informal, que não é uma associação sequer. De modo a contornarmos esse óbice, o evento foi co-organizado pelo CEPESE, através do seu Grupo de Investigação “Património, Cultura e Turismo”, do qual era então coordenador adjunto, ainda que, na prática, o apoio do CEPESE veio sobretudo do seu secretariado, nomeadamente do Bruno Rodrigues, que tratou das inscrições e respectiva contabilidade, além de algum material de apoio. Tivemos, como parceiros, o Município de Gaia, através do Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, que nos cedeu o espaço para a realização do colóquio e deu também apoio na montagem do mesmo, tendo cabido à sua directora, Alda Temudo, abri-lo formalmente. No tocante às visitas guiadas, tivemos também como parceiros o CHIP / ISCET (Culture, Heritage and Identity in Porto / Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo), através do seu coordenador, Jorge Ricardo Pinto, e ainda o Museu do Centro Hospitalar do Porto, através da técnica de museologia Sónia Faria. Contamos ainda com o apoio da Associação Histórias Sábias, dos Açores, que mandou fazer uma edição limitada de cadernos comemorativos do colóquio. À chamada de comunicações responderam vários proponentes, mais do que aqueles que poderíamos ter num colóquio de um dia, visto que estava colocada liminarmente de parte a hipótese de sessões paralelas. Por isso, o colóquio passou a ser de dois dias – 24, 25 e 26 de Junho de 2016 – sendo o terceiro dia dedicado apenas a visitas guiadas e convívio. É geralmente considerado que o Romantismo expressa-se em Portugal de forma mais marcada no período de 1834 a 1910, correspondente ao Liberalismo. Apesar disso, quer em certas áreas do conhecimento e das artes, quer em certas franjas sociais, são conhecidos diversos fenómenos pré-românticos e também tardo-românticos. Assim, as actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” contêm alguns textos que extravasam o referido âmbito cronológico, sem, contudo, se afastarem do conceito de Romantismo, num sentido lato. Contêm ainda textos que, em parte, extravasam o contexto português – o que, desde o início, foi uma possibilidade, visto serem desejáveis os paralelismos com culturas próximas à portuguesa, ou que serviram de modelo ao Romantismo português. 13 Alguns dos textos correspondentes a temas efectivamente apresentados durante o colóquio acabaram por não ser entregues, essencialmente por falta de tempo dos autores em concluí-los dentro do prazo1. Porém, excepcionalmente, este volume de actas contém dois textos que não foram apresentados durante o colóquio, um por impossibilidade da sua autora em apresentá-lo, e outro por falta de tempo disponível para ser incluído no programa. Surgem logo no início do volume, um porque enquadra historicamente o espaço em que se realizou o colóquio e o outro porque enquadra o nascimento de uma cultura romântica, nomeadamente ao nível literário. Assim, o volume inicia com um documentado texto de Rita van Zeller sobre a história da Quinta das Palhacinhas, em Vila Nova de Gaia, em cuja casa – actual arquivo municipal - decorreu o colóquio, texto esse que inclui bastantes dados novos também sobre a família que deteve e habitou a dita quinta. Segue-se uma abordagem à emergência do Romantismo sob o ponto de vista literário, por Nuno Simão Ferreira, que aborda o Tratado da Velhice, da 4ª Marquesa de Alorna, conhecida nos meios literários da época com o pseudónimo Alcipe. Os demais textos foram efectivamente apresentados durante o colóquio. Assim, Ricardo Charters d’Azevedo traz-nos uma abordagem sobre a evolução dos códigos de civilidade e de bom-tom, tão típicos do período romântico. Duarte Serrano aborda a questão das relações entre Portugal e outras nações no período romântico, exempliicando com a acção de várias personalidades nomeadas para representar o reino junto do Império Otomano. Paulo Assunção apresenta-nos uma visão biográica da Imperatriz do Brasil, Amélia 1 Os temas apresentados no 1º Colóquio “Saudade Perpétua” cujos textos não se encontram neste volume são: § Pedro Pascoal – Furnas, entre jardins e banhos: vilegiatura e sociabilidade na segunda metade do século XIX na ilha de São Miguel (Açores, Portugal). § Anna Salvatori / Maria di Noia / Francisco Queiroz – A Companhia Aurifícia: história e legado. § Gonçalo de Vasconcelos e Sousa / Madalena de Paiva Brandão – Uma fotógrafa amadora no Porto, Branca de Almeida Coutinho e Lemos (Seixo), e o registo do quotidiano de uma adolescente ao tempo da 1.ª Grande Guerra. § Jorge Costa – António José Patrício (1827-1858): singularidades de uma obra de pendor biográico no contexto do Romantismo português § Cristina Moscatel – Desenhar (n)a ilha: ensino e difusão da prática do desenho em São Miguel na segunda metade de Oitocentos. § Flávio Rodrigues Fonseca Silva – A inluência de Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa na paisagem urbana oitocentista da cidade do Porto. § Jorge Ricardo Pinto / Daniela Alves / Hélder Barbosa – O «bairro inglês» do Porto: processos e percursos no Porto de Oitocentos. § Marília Peres – Os laboratórios de química do século XIX: fábricas do saber e palcos do Romantismo. 14 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” de Leuchtenberg (segunda mulher daquele que viria a ser o Rei D. Pedro IV de Portugal), fundada sobretudo na correspondência que dela subsistiu. Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte explora as vivências dos cafés oitocentistas históricos do Porto, quem os frequentava e como se caracterizavam. Em outro texto, o mesmo autor aborda a vida e a obra do caricaturista Sebastião Sampaio de Sousa Sanhudo (1851-1901). Sílvia Barradas analisa o mobiliário em metal fundido que guarneceu os espaços públicos na Lisboa oitocentista. Patrícia Alho aborda os monumentais jazigos revivalistas dos Benfeitores da Misericórdia de Lisboa e dos Condes do Ameal (respectivamente, no Cemitério do Alto de São João, e no Cemitério da Conchada), centrando-se nos seus subsistemas hidráulicos superiores. António Teixeira Lopes Cruz analisa a produção das célebres iguras de costumes populares concebidas por José Joaquim Teixeira Lopes. Susana Moncóvio apresenta biograias de Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e de Leonor Augusta Gonçalves Pinto (n. 1849), no contexto de uma família de artistas activos no Porto e em Vila Nova de Gaia, entre o século XVIII e o século XX. António Francisco Cota Fevereiro aborda os espaços de culto privados em edifícios da transição do século XIX para o XX, especialmente em Lisboa e arredores. Tiago Henriques analisa a encomenda artística do 1º Conde de Valenças, através de correspondência pertencente ao Arquivo da Casa de Louriçal, particularmente no que diz respeito ao edifício apalaçado que mandou reformar em Lisboa, à Lapa. Elen Biguelini analisa a produção literária de Maria Peregrina de Sousa e de sua irmã, Maria do Patrocínio de Sousa, no periódico «A Grinalda». Hélder Barbosa, Daniela Alves, e Francisco Queiroz traçam a biograia do notário, perito de escrita manual e publicista Abílio Augusto Monteiro (1851-1913). Ana Catarina Necho traça também uma biograia, a de Miguel Augusto Bombarda, enquadrando-a no contexto médico e político. Nuno Saldanha analisa a produção e a vida de Francisco Metrass, sob o ponto de vista dos valores românticos de Eros e Tanatos. Nuno Borges de Araújo aborda a questão do retrato fotográico de pessoas falecidas e o seu uso como simulacro, durante o período romântico. Ana Paula Morais aborda três quadros de Augusto Roquemont como fonte iconográica para um melhor conhecimento de Guimarães em meados do século XIX. Cristina Ramos e Horta apresenta as características mais interessantes do palacete do Visconde de Sacavém nas Caldas da Rainha, em contraste com a casa que o mesmo 15 mandou construir em Lisboa, à Lapa. Cláudia Emanuel analisa o problema das fontes iconográicas na obra azulejar de Jorge Colaço, e o modo como fazia os seus estudos prévios. Em suma, pelo número de textos, pela transversalidade dos temas abordados, pelo facto de estes temas serem abordados por especialistas, vários dos quais com dissertações académicas sobre tais temas ou temas coninantes, pela homogeneidade cronológica e pelo facto de serem ainda poucas as obras aplicadas ao caso português que abordam tal cronologia em múltiplas vertentes e em diversos territórios, este volume de actas assume-se como incontornável, dentro da bibliograia sobre o Romantismo em Portugal. Outubro de 2017 Francisco Queiroz (coordenador da edição e fundador do Grupo Saudade Perpétua) 17 A “outra” Casa das Palhacinhas Algumas notas sobre a história do edifício do Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner e da família Silva, das Palhacinhas Rita van Zeller 1 Resumo O presente texto vem trazer algumas notas sobre a história do edifício que hoje alberga o Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, em Vila Nova de Gaia, e sobre a família que o construiu e nele habitou durante quase um século: os Silvas / Vasconcellos Porto. Palavras-chave: Quinta das Palhacinhas, Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, Vila Nova de Gaia 1 Outubro de 2016. Este texto não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográico. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 19 Introdução Haverá cerca de seis anos, fui muito simpaticamente convidada pela Dra. Alda Padrão Temudo, directora do Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, em Vila Nova de Gaia, para visitar o Arquivo, aproveitando ao mesmo tempo para conversar e deixar algumas informações sobre o edifício onde o mesmo está instalado. Salvo uma fugaz e deprimente peregrinação a um dos templos da burocracia acomodado no rés-do-chão, ao tempo em que a casa funcionava como Tribunal de Gaia, havia mais de 40 anos que lá não entrava. A casa fora fechada quando eu tinha pouco mais de seis anos, mas sendo das netas mais velhas a que morava mais perto (também em Gaia) passei nela, com a minha avó paterna, grandes temporadas dos meus primeiros anos. E se algumas das zonas da casa eram para mim desconhecidas, porque então vedadas a uma criança pequena, outras são ainda tão vividamente recordadas pela teimosa persistência das primeiras memórias, que penso que, mesmo hoje, conseguiria percorrer essas salas e divisões com os olhos fechados. Por detrás da fachada austera, a casa escondia – sem falsas pretensões – um interior lindíssimo. Foi por isso com muita satisfação que vi que, depois da degradação a que tinha chegado durante os anos de serviço como Tribunal, tudo tinha sido restaurado e a casa se encontra agora em prístino estado, num trabalho exemplar de recuperação e aproveitamento do espaço. No meio da agradável conversa que mantivemos, à qual não faltou assunto, a Dra. Alda perguntou-me que nome dávamos à casa. Era pergunta da qual não estava à espera, pois nunca me tinha ocorrido que pudesse haver dúvidas sobre isso. A quinta era a “Quinta das Palhacinhas” e a casa era a “Casa das Palhacinhas”. Vi depois que, com efeito, a casa aparece com diferentes designações, como “Casa Luís Porto”, o que não é totalmente correcto, ou mesmo “Casa dos Vanzellers”, isso sim, a meu ver, manifestamente errado. A relutância em lhe ixar em deinitivo o dito nome virá, quiçá, do facto de também existir uma “Casa das Palhacinhas” na Rua Cândido dos Reis, 488 – aquela na qual viveu o pintor Manuel Maria Lúcio (1865-1943), que a legou ao Bispado do Porto; além da “Escola das Palhacinhas”, que funcionou durante muito tempo no edifício que hoje aloja a Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro de Afurada. Mas o certo é que, para a família que a construiu e nela viveu, a casa nunca teve outro nome senão esse: “Casa das Palhacinhas”. 20 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller É sobre a história dessa família e desta “outra” Casa das Palhacinhas, na qual decorreu o 1.º Colóquio “Saudade Perpétua”, que aqui icam algumas notas, não sem antes, à laia de revisor de contas, que sempre se resguarda contra eventuais erros que lhe possam vir a ser apontados, deixar ao leitor algumas advertências. Em primeiro lugar, “algumas notas” signiica mesmo e apenas algumas notas, pois o que a seguir icará dito não resulta de investigação direccionada, mas de informações muitas vezes avulsas, com as quais me fui cruzando no decorrer de outros percursos (e que amiúde deixaram mais dúvidas do que conhecimentos), de recordações pessoais, e do que permanece na memória colectiva da família – muito pouco, infelizmente, porque não só nunca tiveram por hábito guardar e preservar um “espólio” da sua vivência, como porque, por infortúnio, toda a documentação de carácter legal, a única que tinha sido conservada, ardeu em 1981. Dessa documentação subsistirá, sem dúvida, cópia em Arquivos e Cartórios Notariais, aguardando que a progressiva digitalização e disponibilização desse tipo de documentos os traga à luz do dia, o que aportará inevitavelmente mais novidades a quem se possa vir a interessar por aprofundar este assunto. Depois, que quem procurar aqui informações mais técnicas sobre a casa – a sua construção, materiais, decoração dos interiores e artistas que nela trabalharam – icará desapontado. Do interior do edifício original não icaram registos, não icaram fotograias, e não icaram descrições. E do que resultou das obras de remodelação de 1922, a iconograia é paupérrima e o pouco que sobrou é 1 e 2 – Casa das Palhacinhas: Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner na Rua Conselheiro Veloso da Cruz, 711-723, Vila Nova de Gaia2 2 Fotograias de Pedro do Canto Brum. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 21 o que está hoje à vista, agora (felizmente) restaurado. Por im, que se o leitor estranhar por vezes o tom pessoal e a falta da frieza académica desejável numa publicação como esta, há-de desculpá-los não só pelo amadorismo da autora nestas andanças, como pela total incapacidade de distanciamento em relação a lembranças que me são muito caras. Explicado o título destes apontamentos e deixados os necessários caveats, passemos então ao que foi possível apurar sobre a história da casa3, começando – por deformação de genealogista – com uma breve resenha sobre a família Silva. Os Silvas, da Rua de Cimo do Muro A Casa das Palhacinhas foi construída pelo meu 4.º avô, António José da Silva, nascido em 1816 no seio de uma família em ascensão na burguesia portuense. Era, pode dizer-se, uma família “recente”, no sentido em que não só havia pouco tempo se tinham instalado no Porto, mas também porque António José da Silva era apenas a segunda geração a usar este apelido. O seu pai, José António da Silva, nascera no lugar de Casais, em Milhazes, concelho de Barcelos, a 22.1.17824, ilho de pai incógnito e de Maria Josefa5, solteira, oriunda de uma família de lavradores pobres, que encontramos estabelecidos nesse lugar de Casais até ao limite temporal dos registos paroquiais 3 Desde já agradecendo ao AMSMB (Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner), na pessoa da sua directora, Dra. Alda Padrão Temudo, aos meus primos Ana, Cristiano, Fernando e Álvaro van Zeller e ao meu cunhado Pedro do Canto Brum a colaboração e as fotograias que me cederam para este trabalho. 4 Foi baptizado a 27 de Janeiro seguinte, nessa freguesia de Milhazes, sendo padrinhos Boaventura Ferreira, do lugar da Torre da freguesia de Milhazes, e Maria Vitória, solteira, ilha de pais incógnitos, assistente na Casa da Fervença da freguesia de Santa Maria de Gilmonde – AUM (Arquivo da Universidade do Minho), Registos Paroquiais de Barcelos, Milhazes, Liv. B-1, l. 9v. 5 Nascida a 18.2.1752, no lugar de Casais, e baptizada a 24.2.1752, ilha de Manuel Francisco, natural da freguesia de Carvalhal, Barcelos, e que morreu em Casais a 30.9.1762, e de sua segunda mulher (casados em Milhazes, a 6.10.1749, dispensados no terceiro e quarto graus de ainidade) Maria Josefa, que morreu no mesmo lugar de Casais a 9.7.1793, “sem receber sacramento algum por estar pateta”; neta paterna de Manuel Domingues e de sua mulher Isabel Francisca, ambos da freguesia de Carvalhal, onde casaram a 28.10.1703; e neta materna de Domingos Gomes, que nasceu no lugar da Senra, em Milhazes, foi baptizado a 2.6.1698, e morreu no lugar de Casais, a 28.11.1773, “estando partindo para a missa lhe deu um acidente de apoplexia que não deu sinal algum”, e de sua mulher (casados em Milhazes a 16.2.1718) Natália Gomes, ambos descritos como lavradores na aldeia de Casais, onde Natália Gomes morreu a 4.2.1769, tendo-se-lhe feito “três ofícios de cinco padres cada um por ser pobre”. Domingos Gomes, no entanto, sabia pelo menos 22 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller disponíveis, por meados do século XVII. Da mesma mãe, mas não sabemos se do mesmo pai, teve mais uma irmã, Felícia Maria, que casou em Milhazes, onde baptizou pelo menos sete ilhos6, e que viveu no dito lugar de Casais com seu marido, levando também eles uma vida de lavradores humildes. José António da Silva, porém, muito novo abalou para o Porto, decerto em busca de melhor fortuna. Já não devia estar em Milhazes em 1798, tendo então dezasseis anos, pois nesse ano é por procuração que apadrinha sua sobrinha Ana Joaquina. Aparece já com o apelido “Silva” que ou lhe viria do pai – na maioria das vezes o “incógnito” não queria dizer desconhecido – ou terá adoptado por alguma outra razão, porquanto na ascendência de sua mãe é apelido que não se entrevê, mesmo depois de percorridas várias gerações. Possivelmente terá vindo trabalhar algures como caixeiro, e deve ter sido homem desembaraçado e industrioso, pois dez anos mais tarde, a 29.8.1808, na freguesia de São Nicolau7, fazia um bom casamento, numa família de negociantes já bastante prósperos. A noiva era D. Teresa Teolinda da Silva8, nascida na Rua da Fonte Taurina, no Porto, a 16.5.17829, ilha de António José da Silva Guimarães10, do lugar da Boucinha, freguesia de Medelo, Fafe, e de sua mulher D.11 Josefa Maria do Espírito Santo12. Instalados inicialmente na Rua dos Banhos e, a partir de 1811, na Rua de Cimo do Muro13, em casa emprazada, baptizaram pelo menos dez ilhos14 na igreja de São Nicolau. escrever o nome, pois encontramos a sua assinatura a ls. 7v. e 44v. do Liv. B-1, da freguesia de Milhazes. 6 Nascida a 8.1.1777, no mesmo lugar de Casais em Milhazes, e baptizada a 11.1.1777. Casou em Milhazes, a 21.7.1798, com António José “Remelhe”, ilho de João José e de sua mulher Maria Teresa, da freguesia de Remelhe, concelho de Barcelos. Baptizaram pelo menos Ana Joaquina (30.12.1798), Teresa Maria (4.2.1804), Margarida (20.7.1806), José (2.11.1808), Maria (19.11.1811), António (20.8.1814) e Carlota (21.1.1818). José António da Silva foi padrinho de seus sobrinhos Ana Joaquina, Margarida e José, e no seu testamento D. Teresa Teolinda da Silva deixa mais tarde alguns legados a essas sobrinhas. 7 ADP (Arquivo Distrital do Porto), Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. C-8, ls. 191v.-192. 8 A primeira de uma longa dinastia de Teresas na família Silva. 9 Baptizada a 20.5.1782; foram padrinhos António dos Santos Barbosa, morador Sobre o Muro do Terreiro, e Teresa, solteira, ilha de Jacinto José Pereira, moradora na Rua da Fonte Taurina – ADP, Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. B-10, l. 49. 10 António José da Silva Guimarães nasceu no lugar da Boucinha, em Medelo, a 13.12.1745, e foi baptizado em Medelo a 14.12.1745. Morreu no Porto, na Rua da Fonte Taurina (São Nicolau), a 10.6.1789. Era ilho de Pedro Francisco da Silva (Vinhós, 26.10.1713 – Medelo, 20.10.1787) e de sua mulher (casados em Medelo, a 4.4.1739) Benta de Castro (Fornelos, 5.4.1714 – Medelo, 15.11.1773), neto paterno de Pedro Francisco, oicial de pedreiro, e de sua mulher (casados em Vinhós, a 14.2.1700) Andresa Fernandes (Vinhós, 3.12.1679 – Vinhós, 28.10.1739); neto materno de Inácio de Castro (Fornelos, 19.10.1680 – Medelo, 1748/1752) e de sua mulher (casados em Fornelos, a 21.1.1711) Ana da Costa (que nasceu em Moreira do Rei, e morreu em Medelo, a 8.11.1738). Não sendo este o local indicado para desenvolver esta ascendência, deixo só a advertência de que (mea culpa) está errado o que sobre esta linha consta em GENEALL, online <http://geneall.net>. António 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 23 Terá sido em 1813 que José António da Silva criou a sua própria casa comercial, que viria a perdurar através de já mais de dois séculos, sendo hoje a empresa “Quinta do Noval – Vinhos, S.A.”. Na verdade, como nenhum documento escapou ao incêndio de 1981 que destruiu os escritórios da irma, não há certeza quanto a essa data, mas o facto é que a menção “Est. 1813” vinha passando de rótulo em rótulo, e é a única indicação que se encontra quanto à data de fundação da companhia. Dedicando-se a comércio variado, a base do negócio seria, José da Silva Guimarães casou a primeira vez em Sernande, Felgueiras, com Rosa Clara Pereira de Lima, de quem teve dois ilhos baptizados na freguesia de São Nicolau (José, a 6.6.1775; e António, a 28.6.1777). Casou pela segunda vez em São Nicolau, a 7.10.1779, com Josefa Maria do Espírito Santo, de quem teve mais: I. José, nascido a 7.9.1780, e que morreu a 8.7.1781; II. D. Teresa Teolinda, de quem tratamos no texto; III. António José do Espírito Santo, nascido a 25.2.1784, provavelmente na Rua da Fonte Taurina, e baptizado em São Nicolau, a 8.3.1784. Parece não ter casado, e ter sido inluência importante na família. Encontramo-lo a viver na Rua de Belomonte, na freguesia da Vitória (1808 e 1809), e mais tarde no lugar de Abol, em Eja, Penaiel. Dele chegaram até nós quatro cartas, escritas com bela caligraia e endereçadas a seu cunhado José António da Silva, e ao seu sobrinho mais velho, do mesmo nome, evidenciando uma educação clássica e com a particularidade de conterem muitos versos de sua autoria. A última escreve-a de Santo Tirso, em 1825, e depois dessa data dele não há mais notícia; IV. Maria, nascida a 17.8.1786; V. Ana Ermelinda (Aninhas), nascida a 6.4.1788, que casou em São Nicolau, a 22.7.1819, com Filipe Custódio de Faria Maciel, natural de Esposende, onde terá morrido a 19.7.1856, ilho de Manuel Maciel Ferreira de Araújo, sargento-mor de Esposende, e de sua mulher D. Ana Joaquina de Faria Freire de Andrade. Tiveram pelo menos três ilhas, e de uma delas parece ainda existir geração nos nossos dias. 11 O registo da atribuição ou não do título de “Dona”, dado pelos párocos ou outra fonte da época, podendo parecer um preciosismo, é no entanto, nesta época de grande mobilidade social, um excelente indicador da progressão de uma família nos diversos escalões da sociedade. D. Teresa Teolinda não tem o tratamento de “Dona” nem no assento de casamento, nem nos assentos de baptismo dos ilhos. Mas já vem referida como “D.” no assento de óbito de seu marido (22.3.1830) e ao ser madrinha de um baptismo a 12.8.1830 (Santo Ildefonso) – daí em diante raras vezes a encontramos sem essa qualiicação. Sua mãe, D. Maria Josefa do Espírito Santo aparece como “D.”, mas apenas no seu assento de óbito. 12 Josefa Maria do Espírito Santo nasceu a 5.3.1756, no lugar do Castelo de Gaia (Santa Marinha), e foi baptizada a 13.3.1756. Era ilha de Manuel Dantas, nascido a 25.10.1730, no lugar do Castelo de Gaia, e de sua mulherMaria Pereira, natural de São Cristóvão de Nogueira; neta paterna de Marcos Dantas da Luz, de Mentrestido, Vila Nova de Cerveira, e de sua mulher (casados em Santa Marinha, a 30.6.1726) Ana Maria dos Santos, natural de Santa Marinha; neta materna de João Ferreira e sua mulher Maria Pereira, de São Cristóvão de Nogueira. Casou pela primeira vez com António José da Silva Guimarães, de quem teve os ilhos que atrás icaram indicados. Depois de viúva, casou pela segunda vez, também em São Nicolau, a 4.2.1795, com António Luís dos Santos, natural de Lordelo do Ouro. Desse casamento nasceu mais uma ilha, Rita, baptizada em São Nicolau a 12.6.1796, e que morreu por volta de 1816, estando noiva de alguém de apelido Basto, que por via desse casamento iria entrar para “a Casa” do sogro, de José António da Silva e de seu cunhado António José do Espírito Santo. Com a morte da noiva, desfez-se esse plano de sociedade, o que bem demonstraria, se ainda preciso fosse, a importância das ligações familiares no estabelecimento dessas pequenas empresas mercantis do Porto de 1800s. D. Josefa Maria do Espírito Santo morreu no lugar da Lagoa, em Santo Tirso, a 5.8.1824, e foi sepultada a 6.8.1824, no mosteiro de Santo Tirso, “em caixão fechado com ofício de corpo presente de cinquenta e três padres”, evidenciando a prosperidade crescente dos negócios da família. 24 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller no entanto, a venda de adubos e produtos químicos para vinha, especialmente aos produtores do Douro. Recebia muitas vezes pagamentos em vinhos, que inicialmente vendia à Casa Fonseca, mas que a pouco e pouco começou a exportar directamente, e é possível que seja já ele o José António da Silva que, em 1823, exporta 65 pipas e meia de vinhos de feitoria15, ou o “José António da Silva & C.ª” que, em 1824, exporta vinhos para Buenos Aires, através da Bahia16. A “C.ª” em questão parece ter sido a do cunhado, António José do Espírito Santo, e a do padrasto de D. Teresa Teolinda, António Luís dos Santos. Talvez por nenhum dos dois deixar geração, a sociedade seguiu depois só na descendência de José António da Silva. 13 Talvez já na casa com o n.º 112, da Rua do Muro dos Bacalhoeiros, onde no século XX ainda funcionavam os escritórios da empresa que fundou. 14 Deste casamento nasceram: I. D. Ermelinda Henriqueta da Silva (9.6.1809-5.8.1875). Casou pela primeira vez no Porto (São Nicolau), a 12.7.1828, com Leonardo Caetano de Araújo, negociante em Vila Nova de Gaia. Desse casamento nasceu (pelo menos) um ilho, que teve o mesmo nome do pai, e de quem adiante daremos mais notícia. Enviuvando, D. Ermelinda Henriqueta casou em segundas núpcias a 4.11.1838, em Vila Nova de Gaia (Santa Marinha), com Joaquim Veloso da Cruz, Bacharel em Direito (Universidade de Coimbra), Juiz de Direito no Porto, ilho de José Veloso da Cruz e sua mulher D. Joaquina Angélica Rosa (de Oliveira), abastados comerciantes de azeite, moradores em Vila Nova de Gaia. Joaquim Veloso da Cruz foi Bacharel em Direito (Universidade de Coimbra), Juiz de Direito no Porto, deputado e presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, dando hoje o nome à Rua Conselheiro Veloso da Cruz, onde se situa esta Casa das Palhacinhas. Deste casamento existe hoje numerosa descendência; II. D. Maria Máxima da Silva (6.8.1811-24.1.1896), que casou no Porto (São Nicolau), a 13.1.1840, com José Pedro Cardoso, natural de Vila Nova de Gaia, de quem já tinha enviuvado em 1850, sem geração. Quando fez testamento (1892) tinha sete contos de réis a juros “em casa” de seu irmão António José da Silva; III. D. Soia Carolina da Silva (16.9.1812-31.1.1850), que morreu solteira, sem geração, deixando por herdeira sua mãe; IV. José António da Silva (30.8.1813-15.6.1867), que morreu solteiro (na Rua do Triunfo, n.º 70, em Miragaia), mas deixou (de D. Henriqueta Camelo) pelo menos uma ilha natural, baptizada em Ossela, Oliveira de Azeméis. Essa senhora, por nome Almira Henriqueta da Silva, casou em Miragaia, a 29.9.1873, com Aloísio Augusto de Seabra, ilho de Aloísio Augusto Ferreira de Seabra e de sua mulher D. Maria da Graça Barros Lima, irmã da mulher de António José da Silva – António José da Silva casou, assim, sua sobrinha com o sobrinho de sua mulher; V. D. Ana Amália da Silva (14.9.1814-30.12.1873), que morreu solteira, sem geração. Tal como acontecia com sua irmã D. Maria Máxima, o seu testamento informa-nos de que também trazia sete contos de réis a juros “em casa” de seu irmão António José da Silva; VI. António José da Silva (6.4.1816-14.1.1894), de quem tratamos no texto; VII. João, nascido a 30.1.1818, e que já tinha morrido à data do testamento da mãe (1850); VIII. D. Teresa Teolinda da Silva (16.3.1820-6.9.1907), que casou em São Nicolau, a 18.4.1838, com o Dr. Francisco Veloso da Cruz, irmão do Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz, Doutor em Medicina e Lente Catedrático. Foi também director da Biblioteca Pública do Porto. Deste casamento existe também ainda hoje descendência; IX. Helena, nascida a 24.1.1822, e que morreu em criança; X. Helena, nascida a 20.3.1823, e que também já tinha morrido à data do testamento da mãe. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 25 José António da Silva morreu bastante novo. Em 1825 já estava doente, e cinco anos mais tarde, a 22.3.1830, morria na Rua de Cimo do Muro, tendo apenas 48 anos17. Deixava sua mulher viúva, e todos os ilhos ainda menores18. O filho primogénito, por nome José António da Silva como o pai, fora mandado estudar para Inglaterra em 1825, o que demonstra que José António da Silva não só se preocupara em dar uma boa educação aos ilhos, como tinha conseguido desafogo económico suiciente para suportar o que representava à época uma despesa (ou um investimento, como se queira) considerável. Mas esse ilho tinha apenas dezassete anos à morte do pai, e o irmão António José não tinha sequer completado os catorze. E deste modo, a condução dos negócios da casa parece ter sido assumida por D. Teresa Teolinda, como aconteceu, aliás, com muito mais senhoras da burguesia portuense da época do que geralmente se pensa – um tema que merecia bem estudo mais detalhado. É assim que, em 1836, a encontramos a arrematar no Tribunal de Comércio do Porto “uma morada de Casas sita na rua dos Inglezes n.º 57 e 58, de quatro andares, aguas fortadas, soto, lojas, pateo junto às trazeiras e um Armazém sobradado junto a esse pateo... e todas suas mais pertenças, cuja propriedade pertencia à massa falida de Bernardo Clamouse Browne & C.ª” 20, e que a vemos na lista dos comerciantes matriculados no Tribunal de Comércio do Porto em 184621. 15 «Ano de 1823 - Vinhos de Feitoria despachados n.ª Alfândega do Porto para reinos estrangeiros». Manuscrito. Arquivo particular. 16 J. A. Gonçalves Guimarães, «Exportação de produtos não vinícolas do Douro entre 1818 e 1825», in Douro: Estudos & Documentos, vol. 9, n.º 18 (Outubro 2004), <http://ler.letras.up.pt/uploads/icheiros/9703.pdf>, p. 233. 17 Foi sepultado na Igreja de São Francisco – ADP, Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. O-6, l. 182v. 18 Num pedido de pesquisa ao Arquivo Distrital do Porto, não foi possível localizar o processo de inventário obrigatório. 19 Aguarela de data e autor desconhecido. Existe uma gravura muito similar, “Vista da Serra do Pillar, e Ponte Pensil sobre o rio Douro na Cidade do Porto - Joaquim Manuel das Neves, dez. do Nat. e grav. Porto”. Colecção particular. Fotograia de Pedro do Canto Brum. 20 Periódico dos Pobres no Porto, n.º 5, de 6.1.1836, apud FERREIRA, Damião Vellozo, Três Irmãos Notáveis na Emergência do Porto Liberal: Tenente-Coronel José Vellozo da Cruz, Conselheiro Joaquim Vellozo da Cruz, Doutor Francisco Vellozo da Cruz. Porto: Edição do Autor, 2008, p. 35. 21 Directorio Civil, Politico e Commercial da Cidade do Porto e Villa Nova de Gaya para o anno de 1846. Porto: Typographia Commercial, 1846, p. 123. É uma das quatro senhoras que constam desse rol, e vem registada como estando estabelecida na Rua Cimo do Muro, n.º 154. Nesta mesma morada encontramos mais, neste Directório, na lista de “Despachantes e Agentes de Navios”, José António da Silva (p. 108), e na lista de “Negociantes e outras pessoas empregadas no comércio”, “José António da Silva & C.ª” (p. 143); e vemos ainda nessa lista dos comerciantes matriculados no Tribunal de Comércio, um António José da Silva, no n.º 261 da dita Rua Cimo do Muro (p. 112), que pode ou não ser o “nosso”. Note-se que a ilha, D. Ermelinda Henriqueta Veloso da Cruz, também consta ela própria da lista de “Negociantes e outras pessoas empregadas no comércio” (p. 135). 26 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller 3 – Vista da Ribeira do Porto e Vila Nova de Gaia em meados do séc. XIX, vendo-se à esquerda a Rua Cimo do Muro19 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 27 E não foram anos fáceis, esses, marcados pela guerra civil, pela turbulência política, com o sector do Vinho do Porto em crise devido a quebras nos mercados do Reino Unido e do Brasil22, e especial vítima de permanente instabilidade legislativa e iscal no nosso país23. Não nos chegou nenhum retrato dela, mas como em 26.8.1833 obteve passaporte para viajar do Porto para Cabanelas24, sabemos que tinha “de altura 56 polegadas, rosto redondo, cabelo quase branco, sobrolhos pretos, olhos castanhos, nariz e boca regulares, e cor trigueira” 25. Morava nessa altura no n.º 85 da Rua do Rosário, decerto porque, durante o Cerco do Porto, a casa da Rua de Cima do Muro devia estar exposta à artilharia disparada de Vila Nova de Gaia. D. Teresa Teolinda fez testamento, na sua casa da Rua de Cimo do Muro, a 19.6.185026, e no testamento mais uma vez se encontram indícios de que tratava ela própria dos seus negócios, pois nele deixa 24$000 réis a seu guarda-livros Domingos Ferreira da Costa, dizendo quanto a esse legado e a outro que deixa a sua criada Teresa: “cujas quantias que lhes deixo, não são como paga de seus serviços, mas como uma pequena demonstração da particular consideração em que os tive sempre, pela amizade que em todo o tempo me mostraram; e por isso rogo a todos os ditos meus ilhos, e a cada um deles em particular, que [os] conservem, se possível lhes for, sempre em sua companhia, a um, e a outro, prestando-lhes todo o agasalho de que venham a precisar.” Morreu no ano seguinte, a 26.1.1851, na casa do n.º 9 da Rua do Calvário, no Porto (Miragaia) 27. 22 O sector do Vinho do Porto atravessou uma das suas fases mais problemáticas entre 1811 e 1864. Basta dizer que, nos primeiros anos da administração de D. Teresa Teolinda, as exportações de Vinho do Porto caíram 40% em relação aos anos anteriores. O negócio dos produtos para a vinha foi decerto essencial durante esses anos, e beneiciou sem dúvida das diversas maleitas que se iam abatendo sobre a lavoura duriense, como a maromba (deiciência em boro) em 1845, e o oídio na década de 50. Sobre estas e outras vicissitudes sofridas pelo sector do Vinho do Porto nesta época, vd. MARTINS, Conceição Andrade, Memória do Vinho do Porto, direcção e prefácio de António Barreto. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 1990, em especial pp. 93-106 e 325-336. 23 Para se ter uma ideia da instabilidade legislativa, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro “quase abriu falência na sequência das “exacções” de que lhe foram impostas por liberais e “realistas” e, principalmente, dos prejuízos que teve, em 1833, com o incêndio que estes últimos provocaram nos seus armazéns de Gaia – perdeu 31200 pipas e cascos de vinho, “algum antiquíssimo”, avaliados em mais de 2400 contos de réis. Esteve extinta entre 1834 e 1838, operando então como “simples” irma comercial sob a designação de Companhia dos Vinhos do Porto. Voltou a recuperar alguns dos antigos privilégios em 1838 e 1843, para os perder deinitivamente em 1852 e passar a funcionar novamente como “mera sociedade comercial”.” – MARTINS, Conceição Andrade, «Forrester, o “país vinhateiro” e o retorno ao velho método de fazer vinho do Porto», in Barão de Forrester. Razão e Sentimento. Uma História do Douro (1831-1861), coord. de Isabel Cluny. Porto: Museu do Douro, 2008, p. 59. 24 Terra natal de seu genro Leonardo Caetano de Araújo, conforme já icou dito em nota anterior. 28 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller Do testamento de D. Teresa Teolinda pode também entrever-se qual o sentido que estava a ser dado à condução dos negócios da casa. O tradicional seria que o protagonismo fosse assumido pelo ilho mais velho, José António da Silva, que estudara em Inglaterra com o propósito de melhor se habilitar a prosseguir os negócios do pai. Mas note-se que, no referido testamento, D. Teresa Teolinda nomeia todos os seus prazos28, incluindo o da casa da Rua de Cimo do Muro, escritório da sociedade, não no ilho primogénito, mas sim preferencialmente no ilho António José da Silva, sexto na ordem de nascimento, e três anos mais novo do que seu irmão José António (sendo essas nomeações sujeitas à aceitação do nomeado, e à obrigação de dar tornas a seus irmãos). É possível que isso tenha acontecido por José António da Silva não ter casado, por razões de saúde, ou talvez mesmo por falta de inclinação deste para negócios. Do pouco que nos chegou dele, parece ter sido dedicado biblióilo, pois deixou diversas relações da sua livraria29, listando cuidadosamente, 25 ADP, Registos de Passaportes Internos, Livro de passaportes dados na Polícia Preventiva no Porto, Liv. 2, n.º 210, l. 138. Levava consigo Filipe Custódio (pela homonímia, talvez um sobrinho, ilho de sua irmã Ana Ermelinda e de Filipe Custódio Maciel), e um criado, José Braga. 26 AMP (Arquivo Municipal do Porto), Registo de testamentos da Administração do Bairro Ocidental, A-PUB/5252, l. 78v. 27 Foi sepultada no Cemitério da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa (ADP, Registos Paroquiais do Porto, Miragaia, Liv. M 12, l. 131v.), em jazigo subterrâneo que ainda pertence à família. É possível que fosse a primeira pessoa lá sepultada. Sobre esse jazigo, vd. QUEIROZ, José Francisco Ferreira – «O ferro na arte funerária do Porto oitocentista. O Cemitério da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, 1833-1900. Tese de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras do Porto em 1997.» Vol. 2, p. 42 : “N.º 111 - 1.ª Divisão - Secção 6 - Tipo de monumento: monumento constituído por pequenos blocos de mármore em bruto, amontoados e encimados por cruz. Desconhecemos a autoria do monumento. Sobre o ferro (vol. II, p. XXII) - grade de ferro fundido com folhagens de videira. Fundido no Bolhão. Esta tipologia é muito comum em alguns cemitérios do Porto. Veja-se, por exemplo, a secção privativa da Ordem Terceira do Carmo, em Agramonte, onde existem vários mausoléus contíguos com o mesmo modelo de grade. Veja-se ainda o gradeamento da capela n.º 28 do Cemitério de Braga (ig. 6U, vol. II, p. 34). Concessão do terreno - 9 de Outubro de 1849 (Actas, L.º I, l. 115), adquirido por Teresa Teolinda da Silva. Data de Construção - desconhecida. A grade terá sido talvez colocada só após Abril de 1894, data em que é adquirido, pelo neto da primeira titular, mais terreno para ampliação. Sobre os titulares - Teresa Teolinda da Silva, irmã 3499, entrou para a Irmandade da Lapa em 23 de Março de 1849. Na época era moradora na Rua do Cimo de Muro. Viria a falecer em 27 de Janeiro de 1851. Foi casada com José António da Silva.” 28 Nomeadamente (1) “a casa em que vivo, sita em cima do Muro, que é de prazo de vidas e me foi encabeçada no inventário de meu defunto marido”; (2) o prazo de vidas do “casal de São Martinho de Crestuma, sito na freguesia de Olival, que houve por nomeação testamentária de D. Teresa Teóista Ferreira Pinto”; (3) o prazo de vidas “sito na freguesia de Sanguedo, e o houve por morte de minha ilha Soia como herdeira desta”; e (4) “a casa sita na Calçada da Teresa, desta cidade, que é de prazo de vidas, e me foi adjudicada em pagamento de parte de dívida por execução que promovi contra Maria João”. 29 Os livros que possuía revelam a educação típica do homem culto do seu tempo, contendo obras em português, francês e inglês, com particular inclinação por História e pelos Clássicos. Não surpreende 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 29 e por repetidas vezes, os livros que tinha e “as obras que icaram truncadas por efeito de roubo pelos Rebeldes na invasão do Minho” – uma referência ao “Rebelde Marquês de Chaves”, cujos soldados lhe tinham assaltado a livraria, é aliás a única indicação das orientações políticas da família, revelando a previsível simpatia de um negociante portuense pelo partido liberal constitucionalista. Em todo o caso, a sociedade continuou a girar, na Rua de Cimo do Muro, durante vários anos como “José António da Silva & C.ª”, seja o nome referido ao seu fundador ou ao ilho homónimo. É assim que a encontramos em 183530, em 183631 e ainda em 184632. Mas em 1859, ou seja ainda antes da morte de José António da Silva ilho (a 15.6.186733), já a sociedade aparecia em nome de seu irmão, como António José da Silva & C.ª34. encontrá-lo também como membro das diversas confrarias religiosas da cidade: da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa (1830), da Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade e Redenção dos Cativos da Cidade do Porto (1848), e da Irmandade de Nossa Senhora do Terço e Caridade da Cidade do Porto (1857). Foi ainda Mordomo das festividades de Nossa Senhora da Conceição, nomeado pela Mesa da Irmandade de São Francisco do Porto (1832). 30 Subscrevendo 7 acções (de um conto de réis cada uma) da “Companhia de Seguros denominada Segurança” – CORREIA, Lívio, «Subsídios para o estudo das elites portuenses em 1835: A fundação da companhia de seguros denominada Segurança», in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n.º 3 (2008), p. 136. 31 Vendendo umas casas na Rua Cimo do Muro, em anúncio publicado no jornal A Vedeta da Liberdade, n.º 147, de 4.6.1836. 32 Directorio Civil, Politico e Commercial da Cidade do Porto e Villa Nova de Gaya para o anno de 1846. Porto: Typographia Commercial, 1846, p. 143. 33 ADP, Registos Paroquiais do Porto, Miragaia, Liv. O 1867, l. 10, assento n.º 33. 34 O Jornal do Porto, n.º 27, 27.5.1859, p. 4, refere que essa sociedade tinha embarcado para Hamburgo 5 pipas e meia de vinho. 30 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller António José da Silva António José da Silva nasceu a 6.4.1816, já os seus pais viviam na Rua de Cimo do Muro36. Não se sabe se também estudou em Inglaterra como seu irmão mais velho, mas o mais certo é isso não ter acontecido, dada a morte prematura do pai. Em todo o caso, teve também uma boa educação, e pela biblioteca que deixou se vê que lia inglês e francês. Foi grande apreciador de arte – ele próprio ao que parece desenhava bastante bem – e reuniu uma boa colecção de pintura portuguesa contemporânea, especialmente de pintores portuenses. Casou relativamente cedo, a 5.1.184437, no oratório da casa do Comendador António Leite Ferreira, tio-avô da noiva, na Rua de São João, no Porto (São Nicolau) com D. Teresa Clementina de Barros Lima, nascida a 5.10.182138 na mesma Rua de São João, ilha de José Pedro Barros de Lima39 e de sua mulher D. Ana Margarida da Graça Fernandes40. 4 – A Vedeta da Liberdade, n.º 147, 4.6.1836 5 – António José da Silva em miniatura oferecida a sua noiva em 184335 35 Miniatura sem assinatura nem data. Colecção particular. 36 Foi baptizado na igreja de São Nicolau a 11.5.1816, sendo padrinhos Francisco José de Araújo Basto (talvez o Basto que nesse ano tinha casamento ajustado com sua tia Rita, noivado esse desfeito pela morte da noiva) e Custódia de Oliveira, mulher de Fortunato de Oliveira, da Rua da Ourivesaria – ADP, Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. B-14, l. 39v. 37 ADP, Registos Paroquiais de Porto, São Nicolau, Liv. C-9, ls. 248-248v. 38 Baptizada na igreja de São Nicolau, a 12.10.1821 – ADP, Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. B-14, l. 134v. 39 José Pedro Barros de Lima nasceu em Refóios do Lima, ilho de Domingos José de Barros e de sua mulher Florência Maria Gomes, ambos naturais de Calheiros, Ponte de Lima; neto paterno de João de Barros e Maria Pereira; e neto materno de João de Araújo e de Ana Gomes. Morreu no Porto, na Quinta da Ramada Alta (Cedofeita), a 24.10.1847, com testamento feito “na Rua 9 de Julho” a 5.10.1847. Casou em São Nicolau a 28.4.1816 com Ana Margarida da Graça Fernandes e, vivendo na Rua de São João, baptizaram em São Nicolau pelo menos oito ilhos: I. José Pedro de Barros Lima Júnior, nascido a 26.7.1817. Viveu em Lisboa, onde seguiu carreira política, foi Governador Civil do Distrito de Castelo Branco (1860-1861), Par do Reino, e Conselheiro de Sua Majestade. Casou em Lisboa (Sacramento) a 6.4.1851 com D. Maria da Assunção Biester, ilha de Frederico Biester e D. Maria da Luz de Ataíde, e foram pais de três ilhas: D. Maria do Patrocínio, casada com Carlos Maria Eugénio de Almeida; D. Maria da Luz, casada com Carlos de Sá Pais do Amaral, 1.º conde de Alferrarede; e D. Maria da Graça, casada com Manuel de Sá Pais do Amaral, 5.º conde de Anadia, irmão mais velho do conde de Alferrarede; 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 31 O sogro de António José da Silva, José Pedro Barros de Lima, era também exportador de vinhos, e como tal aparece já em 1818, enviando vinho do Douro para a Bahia41, e de novo em 1827, exportando 13 pipas de vinho para o Brasil42. E a 3.6.1834, é um dos subscritores da carta dos negociantes do Porto agradecendo a D. Pedro IV a revogação dos privilégios da Companhia do Alto Douro43. Vivia na Rua de São João, mesmo junto à Ribeira, como nos conta Simão José da Luz Soriano, que, por coincidência, se aboletou em sua casa durante o Cerco do Porto: “Por fortuna minha um capitão de cavalaria, meu antigo camarada da Terceira, com quem me encontrei numa das ruas do Porto, ofereceu-me um boleto, que lhe tinham dado, e de que ele não se utilizava, por ir para casa de um seu amigo. Aceitei pois o tal boleto, que era para casa de um negociante, José Pedro Barros de Lima44, morador no princípio da rua de S. João, quase ao pé da Ribeira, e portanto onde as balas de Vila Nova chegavam ainda quentes, e muito em estado de poder ferir e matar os que por elas fossem alcançados. Talvez que disto proviesse a causa da cessão do meu boleto; mas se o foi para quem mo ofereceu, eu não tive escrúpulo em me utilizar dele, indo-me logo apresentar ao patrão, que me recebeu com agrado, por ser de reconhecida opinião liberal. Confessei-lhe sem escrúpulo o meu estado de doença, e a precisão, que tinha de me recolher ao hospital; mas ele, indo vê-lo, e achando-o já muito cheio de doentes, não anuiu a que para ele fosse, permitindo que em sua casa me tratasse com a mesma liberdade como se fosse minha.”45 II. D. Ana de Barros Lima, nascida a 28.7.1819, casada com Alberto de Sousa Neves, natural do Rio de Janeiro, advogado. Foram pais de D. Felismina (Vitória, 26.5.1851), D. Maria (Vitória, 27.11.1853), D. Ana (Vitória, 9.6.1855), Alberto (Vitória, 12.7.1856) e Carlos (Cedofeita, 23.7.1859). Depois da morte do Dr. Alberto de Sousa Neves, D. Ana e os ilhos viveram em casa de António José da Silva e D. Teresa Clementina. D. Ana de Sousa Neves (ilha) vivia na Quinta das Palhacinhas quando, em 1.1.1885, casou em Mafamude com José Fortunato de Castro; III. D. Teresa Clementina, de quem tratamos no texto; IV. Maria, nascida a 21.12.1822, e que já tinha morrido em 1847; V. D. Maria da Graça Barros Lima, nascida a 4.9.1825. Casou com Aloísio Augusto Ferreira de Seabra, Bacharel em Direito (UC) e advogado, administrador dos bairros de Cedofeita e de Santo Ovídio, ilho do 1.º barão de Mogofores, Manuel Ferreira de Seabra da Mota e Silva, e de sua mulher D. Ana Felícia de Seabra e Sousa. Destes, foi ilho um outro Aloísio Augusto de Seabra que casou no Porto (Miragaia, 20.9.1873) com D. Almira Henriqueta da Silva, ilha natural de José António da Silva, ilho. Viveram na Rua de Santa Isabel, e foram sócios da Fábrica de Loiça de Santo António do Vale da Piedade, em Gaia. Baptizaram pelo menos um Aloísio (Miragaia, 19.8.1874) e uma Aloísia (Cedofeita, 16.8.1881 – Cedofeita, 31.7.1882); e talvez também uma Almira; 32 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller Mas de opinião liberal ou não, José Pedro Barros de Lima devia ser sobretudo homem pragmático, e pelos vistos pouco agradado de hóspedes que não dessem mostras de tencionar partir, pois mais adiante continua o mesmo autor: “O meu patrão, que com tanta generosidade me tratara nos primeiros tempos do meu aboletamento, fornecendo-me todo o necessário para o meu passadio e tratamento, começou a mostrar-se um pouco mais circunspecto comigo desde que viu a prolongação da luta, sendo eu por conseguinte o que satisiz, não só as despesas do receituário, mas também as do facultativo, apesar do partido, que a casa lhe pagava. As palavras, que nalguns momentos de desgosto soltava, mal dizendo a hora em que ali tínhamos chegado, pelos graves prejuízos e incómodos, que lhe ocasionámos, começaram a desgostar-me dele sobremodo, incitando-me a fugir quanto antes do meu quartel para as linhas, a im de me ver livre de um homem, que realmente me aligia com as suas expressões, as quais, apesar de não serem inteiramente faltas de verdade, eram seguramente imprudentes, sendo-me ditas cara a cara, a mim, que fora um dos membros da expedição do Mindelo.” 46 VI. António, baptizado a 14.1.1828, e que morreu em criança; VII. Rita, nascida a 24.8.1830, e que já tinha morrido em 1847; VIII. António Pedro de Barros Lima, nascido a 1.12.1831, e que ainda vivia, solteiro, a 1.1.1885, quando foi testemunha do casamento de sua sobrinha Ana de Sousa Neves com José Fortunato de Castro. Vivia então “na sua casa da cidade do Porto.” 40 D. Ana Margarida da Graça Fernandes nasceu na Praça da Ribeira a 15.4.1793, e foi baptizada em São Nicolau, a 21.4.1793. Morreu na Rua de São João, a 17.4.1836. Também neste caso o “D.” só lhe é dado no assento de óbito. Era ilha de António José Fernandes (Cepães, 31.12.1755 – São Nicolau, 24.7.1793) e de sua mulher (casados em São Nicolau, a 12.2.1789) D. Joaquina da Graça Leite (São Nicolau, 18.8.1769 – São Nicolau, 21.7.1847); neta paterna de Manuel Fernandes (29.7.1726 - 20.8.1798) e de sua mulher (casados em Cepães, a 26.11.1752) Luísa de Castro (10.8.1730 - 1.9.1771), de Cepães; e neta materna de Joaquim Leite Ferreira, natural de Jugueiros, e de sua mulher (casados em São Nicolau, a 16.7.1768) Maria Alves do Espírito Santo, natural de San Xoán de Piñeira de Arcos, Galiza. 41 GUIMARÃES, J. A. Gonçalves, «Exportação de produtos não vinícolas do Douro entre 1818 e 1825», in Douro: Estudos & Documentos, vol. 9, n.º 18 (Outubro 2004), p. 233. 42 «Rol de exportações de vinhos separados e de ramo do ano de 1827». Arquivo particular. 43 SOUSA, Fernando de (coord.), A Real Companhia Velha. Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-2006). Porto: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, 2006, p. 265. 44 Soriano adverte aqui: “Não se deve confundir este com o nome do comendador José Pedro de Barros Lima, que era um outro negociante de muito maior nome, e fortuna que o meu patrão”, mas penso que, na verdade, deve querer referir-se não a um outro José Pedro, mas a Francisco José de Barros Lima. 45 SORIANO, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memorias de alguns factos e homens meus contemporaneos. Lisboa: Typographia Universal, 1860, p. 512. 46 Ibid., p. 525. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 33 6 – “Vista da Cidade do Porto: tomada do mirante da casa do III.mo Snr. José Pedro de Barros Lima na Ramada Alta. Desenho e Litograia de Cesário Augusto Pinto de Araújo Cardoso de Mendonça. Lisboa, 1850. Catálogo da exposição: “A Planta da Cidade do Porto no século XIX: cartograia e urbanismo”. Casa do Infante - Porto, 9 de Novembro a 4 de Dezembro de 2011.”51 Não seria, decerto, por impossibilidade de suportar as despesas do aboletamento que José Pedro Barros de Lima desejava ver partir o seu hóspede, pois encontramos em seu nome vários pedidos de licenças de obras, em prédios diversos47, dos quais o mais relevante a construção, em 184148, de uma casa na “Quinta da Ramada Alta, Rua 9 de Julho”49, freguesia de Cedofeita, acompanhando assim a tendência de abandono dos bairros do centro histórico pela classe mais abastada de negociantes e altos funcionários públicos, e sua deslocação para zonas mais altas da cidade. Nessa Quinta da Ramada Alta50 viria a terminar os seus dias, em 1847. 47 Nomeadamente, em 1834, para reconstruir uma casa com frente para a Rua Cimo do Muro e para a Rua da Reboleira (AMP, Plantas de casas, D-CMP/7(1), l. 12); em 1834, para construir um armazém na Rua dos Guindais de Baixo (AMP, Plantas de casas, D-CMP/7(1), l. 32); e em 1845, para construir um armazém no Cais dos Guindais, Rua de Malmajudas (AMP, Plantas de casas, D-CMP/7(9), l. 130). 48 AMP, Plantas de casas, Licença de obra n.º 179/1841, D-CMP/7(5), l. 100-102. 49 Agradecendo a Mário de Morais Marques todas as informações sobre esta casa e a sua identiicação, com grande probabilidade, com a casa da chamada “Quinta dos Limoeiros” onde mais tarde viria a funcionar um “Colégio Moderno”. 50 Não foi possível descobrir quando e como a adquiriu, mas é de notar que alguns anos antes deste pedidode licença de obra, a 15.11.1847, morria (sem 34 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller António José da Silva e D. Teresa Clementina devem também ter vivido por uns tempos nessa quinta, pois, em 1849, quando apadrinham um baptizado, são ditos moradores na Ramada Alta. Para trás icava deinitivamente a Rua Cimo do Muro, onde entretanto tinham já nascido os dois únicos ilhos do casal, D. Teresa da Silva, nascida a 10.1.184552, e António José da Silva Júnior, nascido a 3.2.184653. A casa, porém, manter-se-ia na família até meados do século XX, e nela funcionaram os escritórios da companhia até cerca de 192354. Mas em 1868 António José da Silva e D. Teresa Clementina viviam já na Rua da Restauração, e lá permaneceriam por vários anos. Graças à obra coordenada por Pinho Leal55, podemos saber que viviam nas casas dos n.ºs 180 a 190, pois António José da Silva consta do rol que este autor nos deixou dos dez maiores contribuintes da freguesia de Miragaia56: “Para que saibam os vindouros quem são os dez maiores contribuintes desta freguesia, aqui os vamos consignar: (...) António José da Silva, morador também na dita rua da Restauração1, n.ºs 180 a 190. Nasceu na freguesia de S. Nicolau em 6 de Abril de 1816, e é ilho de José António da Silva e de D. Teresa Teolinda da Silva. Casou em 5 de Janeiro de 1844 com D. Teresa de Barros Lima, ilha de José Pedro de Barros Lima e de D. Ana Margarida da Graça Fernandes. Tem um ilho e uma ilha – António e Teresa, ainda solteiros. É proprietário, e dos mais acreditados e mais antigos negociantes de vinhos desta praça. Esta rua é a lor da freguesia. Não tem uma única família pobre!” 1 geração) “na sua Quinta da Rua da Ramada Alta” D. Teresa Luísa Leite. Ora essa senhora era duplamente tia de D. Ana Margarida da Graça Fernandes, mulher de José Pedro Barros de Lima, pois era irmã de D. Joaquina da Graça Leite (mãe de D. Ana Margarida), e viúva (sem geração) de José António Fernandes, irmão de António José Fernandes (pai de D. Ana Margarida). 51 Imagem retirada de «Centro Histórico do Porto – Património Mundial», online <http://www.portopatrimoniomundial.com/plantas-e-gravuras-antigas.html>, acedido a 9.9.2016. 52 Baptizada em São Nicolau, a 8.2.1845, sendo padrinhos o avô materno, José Pedro Barros de Lima, e a avó paterna, D. Teresa Teolinda da Silva – ADP, Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. B-15, ls. 97-97v. 53 Baptizado em São Nicolau, a 14.3.1846, sendo padrinhos seu tio José António da Silva, e D. Teresa Luísa Leite, tia-bisavó por parte de sua mãe, e já moradora na Ramada Alta – ADP, Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. B-15, l. 134. 54 Nos anos 80 do século XX, a “Quinta do Noval – Vinhos, S.A.” ainda tinha como endereço telegráico no seu papel timbrado, “SILVAMURO”! 55 PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de, Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873-1886, vol. 5, p. 261. 56 Que todos se incluíam nos 40 maiores contribuintes do bairro ocidental da cidade. Aliás, em 1867, António 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 35 7 e 8 – António José da Silva57 e sua mulher, D. Teresa Clementina de Barros Lima58 Não tinham passado ainda nem cem anos desde que José António da Silva nascera do lado errado da fortuna numa modesta família de lavradores minhotos. De Milhazes à Ribeira do Porto, e desta a uma confortável zona residencial, a progressão da família acompanha as migrações para os centros urbanos, e o lorescimento do tecido mercantil e industrial do Porto oitocentista, que de certo modo se distingue, pela sobriedade, da exuberante prosperidade do “brasileiro torna-viagem” ou da ostentação das fortunas da capital. José da Silva tinha a duvidosa distinção de ser o 15.º maior contribuinte portuense no 3.º Bairro – SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e, «Ricos e Possidentes: Os maiores contribuintes do Porto em 1867», in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n.º 2 (2008), p. 127. 57 Óleo, colecção particular. Como é o único retrato pintado que dele se conhece, deve tratar se do retrato de 1878, de autoria do pintor Júlio Costa, apresentado na 12.ª Exposição Trienal da Academia de Belas-Artes, informação que agradeço a Susana Moncóvio. 36 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller A iconograia com que António José da Silva escolhe fazer-se retratar não é fruto do acaso. Não fora o traje, que se adivinha de qualidade, e não se veria no quadro nenhum sinal de fortuna: sobre um fundo limpo de qualquer adereço, totalmente despojado de anéis, relógio ou correntes, comendas ou condecorações, a única airmação que nos faz é directa e simples: tem nas mãos “O Comércio do Porto”. 9 – António José da Silva e D. Teresa Clementina de Barros Lima (de pé) com a sua família: à esquerda as três sobrinhas Sousa Neves (Felismina, Ana e Maria), sentada ao centro, entre os pais, D. Teresa da Silva, e sentada à direita D. Ana de Barros Lima (Sousa Neves). A família Sousa Neves viveu em casa de António José da Silva depois da morte do Dr. Alberto de Sousa Neves.59 O passo seguinte seria a aquisição de uma propriedade, a consolidação identitária da família mediante a ligação a uma casa, a um bem de “raiz”. Sem dúvida que muitas alternativas se lhe hão-de ter apresentado, e não faltavam, nos arredores do Porto, lugares aprazíveis e a bom preço. Mas a escolha do 58 Óleo atribuído a Katzenstein. Colecção particular. Fotograia de Pedro do Canto Brum. Este quadro (por longos anos relegado para os conins da Casa das Palhacinhas, e depois para as arrumações nos armazéns da sociedade) não foi muito apreciado pela família, pois a pobre senhora está muito pouco favorecida – felizmente icou dela fotograia que permite ver que não tinha na realidade esta isionomia patibular! É possível que tenha sido executado por fotograia, já depois da sua morte, no mesmo ano em que foi encomendado a Katzenstein um outro óleo com o retrato da ilha (1891). 59 Fotograia sem data nem indicação de autor. Colecção particular. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 37 9 – Porto e Vila Nova de Gaia, c. 186060 O lugar das Palhacinhas ver-se-ia mais uns metros para a direita, à cota alta da Vila Nova... local foi, inevitavelmente, ditada pelos interesses dos seus negócios e da sua companhia de Vinho do Porto, e não podia por isso ser outra se não Vila Nova de Gaia. No último quartel do séc. XIX, António José da Silva tornara-se o proprietário da Quinta das Palhacinhas, e de vários armazéns de vinhos a ela adjacentes, tudo sito na freguesia de Santa Marinha, no coração de Vila Nova de Gaia. 60 À esquerda: gravura de Coelho sobre desenho de Nogueira da Silva; à direita: gravura de Pedroso a partir de desenho de B. Lima (com base em fotograia de Antero de Seabra). Archivo Pittoresco, 7.º Ano (1864), pp. 145 e 293. 38 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller Vila Nova de Gaia em meados do século XIX Quem hoje percorre o centro histórico de Gaia, poderá pensar que os tradicionais armazéns de Vinho do Porto, com os seus grossíssimos muros de granito e as enormes naves suportadas por travejamento de madeira, já lá se encontram desde tempos imemoriais. Mas, na verdade, sobre boa parte deles não passaram ainda nem duas centenas de anos. A seguir ao Cerco do Porto, que deixou a vila devastada, Vila Nova viu-se no centro do que nos dias de hoje se diria ser um verdadeiro “boom imobiliário”: “Mas apesar deste estado tão triste e desanimador, em que estava tudo, [os habitantes de Vila Nova de Gaia] trataram de reformar com todo o cuidado as suas moradas, melhorando-as muito em arquitectura e ornato: e desde então começaram a surgir por toda a Vila magníicas casas, e palacetes de muito bela perspectiva, e muito elegantes, que se ediicaram de novo em grande número, e no gosto moderno com luxo e grandeza. (...) 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 39 ... em quanto aos armazéns era já grande o número dos que havia, mas este aumentou muitíssimo depois do ano de 1833 – todos os terrenos próprios para esta ediicação, e em distância do rio, que não demandasse grandes carretos, foram tirados à cultura, comprados, ou emprazados e aplicados a esta qualidade de prédios, com suma vantagem dos senhorios, e empregando-se neles avultadas somas. A prosperidade do Comércio de Vinhos que se seguiu ao Cerco, e que durou alguns anos com interesses muito consideráveis para os seus gerentes, foi a causa deste aumento de Armazéns, que também eram reclamados pelas abundantes colheitas, que havia felizmente nesses tempos, deste produto agrícola; notando porém que se não podiam armazenar em Vila Nova de Gaia senão Vinhos de 1.ª qualidade, ou de embarque para os portos do Norte, e este chegaram então aqui ao número de 80:000 pipas! o que fez subir o merecimento destes prédios a um valor espantoso, e produzir um grande rendimento, que parecia incrível...” 61 10 e 11 – À esquerda os armazéns (a vermelho) e o terreno (a amarelo) da Quinta das Palhacinhas, podendo ver-se a posição relativa aos outros armazéns da época62. À direita: Vila Nova em 1848; assinalado a meia-encosta o local aproximado do lugar das Palhacinhas, ainda zona rural.63 61 AZEVEDO, João António Monteiro, e SANTOS, Manuel Rodrigues dos, Descripção topographica de Villa Nova de Gaya e da solemnissima festividade que em acção de graças pela gloriosa restauração de Portugal se celebrou na igreja matriz da mesma villa no dia 11 de Dezembro de 1808... E agora grandemente accrescentada com extensos additamentos, que conteem noticias de muito interesse sobre a historia desta villa o que foi até o anno de 1832, e o que he actualmente. Porto: Typographia Commercial, 1861, pp. 68-70. 145 e 293. 40 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller O crescimento urbano acompanhava, como refere o cronista, o crescimento do comércio do Vinho do Porto, e deve ter sido menos pela vontade de ter uma quinta de lazer e mais pela exigência do negócio64 que António José da Silva se tornou proprietário da Quinta das Palhacinhas e os seus armazéns. E porque isso não aconteceu logo nessa primeira leva de “aumento de Armazéns”, as propriedades que adquiriu estão já situadas bastante mais longe do rio – e a uma cota muito superior – do que a maioria dos armazéns do centro histórico de Gaia. Provavelmente o local foi escolhido porque o preço deve ter sido muito inferior ao “valor espantoso” pedido por armazéns e terrenos situados mais perto do rio, compensando assim a diiculdade e o custo acrescido do transporte das pipas de vinho para dentro dos armazéns e, depois, destes para embarque, subindo e descendo “a chamada (por escárnio) Rua Direita, que é estreita, íngreme, imunda e tortíssima”, ou qualquer outra das vias de acesso, pois “tudo o mais não passa de um labirinto de becos, vielas, alfurjas e betesgas”, nas palavras pouco lisonjeiras de Pinho Leal65. 62 Imagem editada a partir de Google Maps. 63 Desenho incluído no álbum «As margens do Douro – colecção de doze vistas», de Cesário Augusto Pinto, editado na litograia de Joaquim Vitória Vilanova (1848). Imagem editada a partir da disponível em <http:// memoriasgaiensesbibliotecadegaia.blogspot.pt/2014_03_01_archive.html>, acedido a 23.9.2016. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 41 Recorde-se, porém, que se assistia, entretanto, ao advento do caminho de ferro: em 1864, o comboio chegava de Lisboa às Devesas, em 1875 abriam-se à circulação as linhas do Douro e do Minho, e a ligação dessas linhas icava completa em 1877, com a inauguração da ponte D. Maria Pia. O local escolhido por António José da Silva, lá no alto da Rua Direita, começava assim a transformar-se de um arrabalde campestre numa zona urbana, bem servida de estradas66 e com o comboio ali mesmo a dois passos. Quanto ao nome da quinta, é fácil ver o que lhe deu origem. Historicamente, a Rua Direita de Vila Nova, subindo de norte para sul em direcção à Bandeira, ia-se prolongando com várias designações: Rua Direita, Rua dos Ferradores, Largo de São Roque, Senhor do Loureiro, até chegar, lá no topo, às Palhacinhas67 – lugar assim chamado “porque teria casas cobertas de colmo, as palhaças ou colmaças” 68. Embora o extremo sul da cerca da quinta chegasse até ao alto da Rua Direita, já a caminho da Bandeira, na divisa com a freguesia de Mafamude (no sítio onde se situa hoje a casa do Arquivo, na Rua Conselheiro Veloso da Cruz), originalmente a sua sede, a casa, icava no extremo norte, na zona das Palhacinhas – e a quinta tomou naturalmente esse nome. 64 Depois dos anos difíceis de 1811-1864, o Vinho do Porto conheceu duas décadas de forte expansão, entre 1865 e 1886 – em 1865 o governo de Joaquim António de Aguiar “aboliu a demarcação e o regime restritivo, abriu a barra do Douro à exportação de todos os vinhos e restaurou a liberdade de comércio e produção, medidas estas que vigoraram até 1907.” – v.d. MARTINS, Conceição Andrade, Memória do Vinho do Porto, direcção e prefácio de António Barreto. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 1990, pp. 106-112. Esse aumento dos volumes exportados trouxe, consequentemente, novas exigências ao nível da capacidade logística e de armazenamento dos exportadores. 65 PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de, Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873-1886, vol. 3, p. 250. 66 Como a nova estrada da Bandeira (mais tarde Rua General Torres), de macadame, “ampla, bem traçada, e de lindas vistas, que conduz do alto da Bandeira até à ponte pênsil sobre o Douro, foi aberta e construída pelo governo, em 1861, para o serviço da mala-posta entre a capital e o Porto.” – BARBOSA, Inácio de Vilhena, «Villa Nova de Gaya», in Archivo Pittoresco, 7.º Ano (1864), pp. 281 282. 67 A rua icou toda só com o nome de Rua Direita na reorganização da cidade feita em 1860 – vd. blog «A Porta Nobre», online em <http://aportanobre.blogspot.pt/2013/12/reorganizacao-da-cidade-no-ano-de-1860.html>, acedido a 10.9.2016. 68 LEÃO, Pe. Manuel, «Estalagens e Tendas», in Villa da Feira, Terra de Santa Maria, Ano 5, n.º 15, Fevereiro 2007, p. 48, online <https://issuu.com/villadafeira/docs/villa-da-feira-15>, acedido a 7.9.2016. 42 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller A Quinta das Palhacinhas A primeira referência que se encontra relacionando inequivocamente a família Silva com a Quinta é quando, a 2.6.1874, lá morre D. Teresa Clementina, e deva-se dizer que, até há bem pouco tempo, não me era possível dizer nem a quem, nem como, nem quando António José da Silva adquirira a Quinta das Palhacinhas e os armazéns anexos. E muito menos quanto teria pago pela mesma. Aliás, este trabalho estava já despachado e acabou por regressar à procedência, mesmo antes da data limite de entrega, para lhe ser acrescentada essa informação de última hora, velha de quase século e meio... No dia 12.2.1870 O Jornal do Porto publicava na 3.ª página o anúncio de uma arrematação: “No dia 26 do corrente pelas 10 horas da manhã, no tribunal da 2.ª vara em São João Novo, se há-de proceder à arrematação do seguinte: – Uns armazéns com os n.ºs 478, 480, 482, sitos no lugar das Palhacinhas, em Vila Nova de Gaia, que se compõem de três cumes, tanoarias, pátio, água de bica com tanque de pedra e um armazém pequeno contíguo, avaliado tudo na quantia de 19:680$300 réis. Uma quinta contígua aos ditos armazéns, que se compõe de casas sobradadas, terra lavradia, árvores de fruta, ramadas, água de bica, tanque de pedra e mais pertenças, avaliado tudo em 3:959$700 réis. Tudo de natureza alodial, pagando porém a pensão anual de 10$000 réis a D. Gertrudes Freire de Andrade. Isto por deliberação do conselho de família no inventário por falecimento de Leonardo Caetano de Araújo e mulher D. Elisa Virgínia Rodrigues Fuentes, de que é escrivão Salgado. / Procurador / Henrique José Marques”. Embora a quinta não venha referida com nome, tanto a indicação do local, como principalmente a descrição muito especíica dos armazéns – três cumes, tanoaria, pátio com água de bica e tanque de pedra, e um armazém mais pequeno contíguo (que tudo ainda conheci exactamente assim nos anos oitenta do século passado, incluindo a tanoaria em actividade69) – permitem-me ter a certeza de 69 Esses mesmos edifícios, mantendo a sua estrutura de base, podem ainda hoje ser vistos em Google Maps. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 43 que se trata de anúncio relativo à “nossa” Quinta das Palhacinhas. Claro que, sem documentação, não é possível ser peremptória quanto ao facto de António José da Silva ter adquirido a quinta e armazéns logo neste leilão (não se pode descartar completamente a possibilidade de que a tenha comprado mais tarde ao arrematante), mas o mais certo é que isso tenha acontecido, dado o pouco tempo que medeia entre esta arrematação e o ano de 1874, em que já morria na quinta D. Teresa Clementina. 12 – O Jornal do Porto, 12.2.1870 Reforçando a ideia de que a propriedade foi comprada por António José da Silva em leilão e não em negócio particular, veja-se quem eram os vendedores: os herdeiros de Leonardo Caetano de Araújo e mulher D. Elisa Virgínia Rodrigues Fuentes – e esse Leonardo Caetano de Araújo era precisamente sobrinho de António José da Silva, ilho do primeiro e relativamente breve casamento de sua irmã mais velha, D. Ermelinda Henriqueta da Silva (depois casada em segundas núpcias com o Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz), com um outro Leonardo Caetano de Araújo, conforme atrás icou dito na nota [14]. Dir-se-ia que esse parentesco seria, ao contrário, motivo para uma venda directa, em vez de uma arrematação em hasta pública, mas atente-se nas circunstâncias concretas do caso... 44 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller O que se pode dizer sobre esses anteriores proprietários da Quinta das Palhacinhas? Leonardo Caetano de Araújo (pai)70, que viera de Cabanelas, Vila Verde, para se instalar no Porto como negociante, teria um estatuto social similar aos dos Silvas, e morou em Vila Nova de Gaia, na freguesia de Santa Marinha71. Parece ter sido participante bastante activo no círculo portuense de negócios da época, em actividades que (como habitual na maioria das casas comerciais de então) não se cingiam apenas ao comércio de vinho. É deste modo que o encontramos logo em 1822, descrito como “Negociante da Cidade do Porto”, a enviar uma queixa à Mesa do Desembargo do Paço do “abuso praticado pela Ilustríssima Câmara de ixar nas Listas, que remete à Alfândega daquela Cidade, o preço médio dos Cereais em moeda de metal...” 72. Vemo-lo também em 3.6.1834 a subscrever a carta dos negociantes do Porto agradecendo a D. Pedro IV a revogação dos privilégios da Companhia do Alto Douro73. No mesmo ano, a 14.10.1834, a sociedade “Leonardo Caetano de Araújo e Irmão” consta da lista dos negociantes da “Heróica Cidade do Porto” que agradecem à rainha D. Maria II a promulgação do Código Comercial e a instalação do Tribunal de Primeira Instância na cidade do Porto74. Encontramo-lo, por im, em 1835, subscrevendo 5 acções (de um conto de réis cada uma) da “Companhia de Seguros denominada Segurança”75. Terá morrido por volta de 1837 ou início de 183876. 70 Natural do lugar do Monte, em Cabanelas, Vila Verde, onde nasceu a 13.8.1789 (baptizado a 20.8.1789 ilho de Bento Gomes de Araújo (como se assina com boa caligraia ao testemunhar um casamento em Cabanelas a 18.9.1790) e de sua mulher (casados em Cabanelas a 24.11.1773) Ana Caetana; neto paterno de Manuel Gomes e Maria de Araújo da freguesia de São Romão de Ucha; e neto materno de Manuel Caetano e Catarina Gonçalves, do mesmo lugar do Monte, de Cabanelas. Era tio materno e padrinho do homónimo Conselheiro Leonardo Caetano de Araújo (1818-1903), que emigrou para o Brasil, onde fez fortuna e se distinguiu pela sua ilantropia. No assento de baptismo deste sobrinho (Parada de Gatim, 12.5.1818), Leonardo Caetano vem referido simplesmente assim, e é dito “solteiro, da cidade do Porto”. 71 Em 1825, pede licença para acrescentar um 3.º andar à sua casa da “Rua do Cabeçudo”, local que se situa logo no início da Rua Direita de Vila Nova, na zona da Rua Cândido dos Reis em que hoje se encontra (restaurada) essa velhíssima “Fonte do Cabeçudo” – AMP, Junta das Obras Públicas. 1763 1834, Processo de Obras, D-CMP/7(1) - l. 417. 72 Diario do Governo, n.º 163, 13.6.1822, p. 1175. 73 Carta que foi também subscrita, recorde-se, por José Pedro Barros de Lima, sogro de António José da Silva – vd. SOUSA, Fernando de (coord.), A Real Companhia Velha. Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-2006). Porto: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, 2006, p. 265. 74 CORREIA, Lívio, «Subsídios para o estudo das elites portuenses em 1835: A fundação da companhia de seguros denominada Segurança», in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n.º 3 (2008), p. 124. O “irmão” 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 45 Era um negociante de vinhos já bastante bem estabelecido no ramo, como se pode constatar pelas quantidades que o vemos regularmente exportar pela Alfândega do Porto em 1824 (12 pipas)77, 1825 (93 pipas)78, 1826 (25 pipas)79 e em 1827 (89 pipas)80. Parece-me, por isso, bem possível que a quinta tenha sido já sua propriedade e os armazéns construídos sob a sua administração. Talvez a tenha comprado à referida D. Gertrudes Freire de Andrade, que em 1870 recebia por conta dela uma pensão anual de 10$000 réis, ou a alguém da sua família, mas sobre essa senhora não encontrei qualquer informação. Sobre este assunto, o inventário de menores que por sua morte correu, segundo o testamento do ilho, “no Juízo de Órfãos da 2.ª vara desta comarca” poderá fazer luz deinitiva81. O único ilho que encontrei do casamento com D. Ermelinda Henriqueta, também ele por nome Leonardo Caetano de Araújo, nasceu em 183282. Teria, pois, cerca de cinco ou seis anos à morte do pai, icando sob tutela de sua mãe, a qual (como também já icou dito) casava pouco depois com Joaquim Veloso da Cruz. A criança, herdeira de seu pai, icou naturalmente a viver com a mãe e o padrasto, com quem manteve excelentes relações... ...o que acaba por explicar uma referência às Palhacinhas ligada ao curioso caso das “Meninas Mascarenhas” que em meados de oitocentos deu que falar na opinião pública. As Meninas Mascarenhas, Maria e Casimira, eram duas é possivelmente o Manuel Caetano de Araújo que foi padrinho de seu sobrinho Leonardo em 1832. Como icou dito em nota anterior, a sociedade de seus cunhados, “José António da Silva & C.ª” subscreveria na mesma altura 7 acções dessa companhia. 75 Ibid, p. 136. 76 Não apareceu o assento de óbito em Santa Marinha até ao ano de 1836, e o livro de assentos de óbitos de 1837 para aquela freguesia não está ainda entre as digitalizações disponíveis online. 77 «Anno de 1824 – Vinhos despachados na Alfândega do Porto para Reinos Estrangeiros». Manuscrito. Arquivo particular. 78 «Anno de 1825 – Vinhos separados despachados na Alfândega do Porto». Manuscrito. Arquivo particular. 79 «Anno de 1826 – Vinhos separados despachados na Alfândega do Porto». Manuscrito. Arquivo particular. 80 «Anno de 1827 – Vinhos separados & de ramo, despachados na Alfândega do Porto». Manuscrito. Arquivo particular. 81 No âmbito deste trabalho, já não foi possível tentar localizar o dito processo, para ver o seu conteúdo. Não se encontra entre os que (nesta data) estão descritos no portal do Arquivo Distrital do Porto. 82 Nascido a 22.5.1832 na Rua Direita dos Ferradores, em Vila Nova de Gaia, e baptizado em Santa Marinha a 28.5.1832, tendo por padrinhos seu tio paterno, Manuel Caetano de Araújo, e sua avó materna, Teresa Teolinda da Silva. Note-se que, neste assento, o pároco de Santa Marinha ainda não dá o tratamento de “Dona” a nenhuma das senhoras – ADP, Registos Paroquiais de Vila Nova de Gaia, Santa Marinha, Liv. B-10, l. 89. 46 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller órfãs então de oito e quatro anos, únicas ilhas e herdeiras de Joaquim de Mascarenhas de Mancelos Pacheco, morgado de Vilar, em Vale de Besteiros, e de Sobreiro, no antigo concelho de Sever do Vouga, e de sua mulher D. Maria Carolina Bandeira da Gama, da Casa de Torredeita. O morgado não se dava bem com os cunhados Bandeira da Gama, e deixou a tutela das ilhas entregue ao seu primo Joaquim Álvaro Teles de Figueiredo Pacheco, que viria a ser visconde de Aguieira. Os Bandeira da Gama não se conformaram, e tentaram por todos os meios raptar as órfãs. Vendo-se em perigo, o tutor resolveu fugir com as crianças e levá-las para o estrangeiro, para as pôr em segurança. É no meio das peripécias dessa rocambolesca fuga que aparecem mencionadas as Palhacinhas. O tutor das meninas encarregou um amigo, o Dr. José Joaquim da Silva Pinho, a quem se deve o relato original da história83, de ir pedir ajuda aos irmãos Veloso da Cruz, para que estes, através dos seus contactos, lhe conseguissem embarcação para fugir com as meninas. Corria o ano de 1847: “Os Velosos residiam no sítio denominado «Palhacinhas», no alto da vila (actualmente cidade). Quando o Dr. Pinho chegou próximo da residência, viu todas as janelas iluminadas e pensou só em alguma festa que ali se realizava e que admitiu constituir uma certa contrariedade e a sua missão não ter o êxito planeado. Chegou à porta, bateu e fez-se anunciar. Foi introduzido numa vasta sala, cheia de senhoras, que não diziam palavra e com semblantes de tristeza. Embora decorrendo o mês de Janeiro, havia ali um ambiente frio, mais parecendo uma tranquilidade fúnebre. Finalmente apareceu a dona da casa a dizer que seu marido não o podia receber já, porque nessa tarde andando entretido a podar uma ramada na quinta, caiu de altura razoável, tendo fracturado duas costelas. Haviam por lá médicos em conferência e logo que esta acabasse falaria ao marido, ou a seu irmão, que era lente de Medicina, Francisco Veloso da Cruz. Esta inesperada situação transtornou o Dr. Pinho, pelo que o remédio foi ter de gastar o tempo em conversa com as senhoras, tendo por tema o acidente daquela tarde com o dono da casa. Invadia o Dr. Pinho uma enorme ansiedade, porque estava preocupado por não poder contactar a comitiva de Joaquim Álvaro, que já estariam em cuidados por tanta demora. 83 PINHO, José Joaquim da Silva, As meninas Mascarenhas: história verdadeira duma família da freguesia de Valongo do Vouga. Valongo do Vouga: 1983; resumida em várias entradas no blog «Do Marnel ao Vouga», online em <http://terrasdomarnel.blogspot.pt/> 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 47 Uma senhora, apercebendo-se disso foi prevenir a dona da casa. Esta veio e disse que logo que os médicos saíssem falaria ao enfermo e aos irmãos. Pouco depois aparecia o dr. Francisco Veloso. Após meia hora de conversa, foi levado ao quarto do doente. Estavam lá todos os irmãos. E como não havia tempo a perder, fez um breve relato dos acontecimentos e tudo icou esclarecido e planeado.” 84 (Para descanso do leitor, diga-se que – com a prestimosa ajuda dos irmãos Veloso da Cruz – as Meninas Mascarenhas escaparam às maquinações dos seus tios maternos. Depois de muitas aventuras, que noutro país já teriam justiicado uma bela série de televisão, lá chegaram a bom porto85. Maria, tal como destinado por seu pai, casou com seu tutor, o visconde da Aguieira, e Casimira com António Calheiros Pita de Noronha; deste casamento existe hoje vasta geração). Feito este parêntesis (literalmente), diga-se que a “dona da casa”, mulher do acidentado podador Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz, era D. Ermelinda Henriqueta, e esta quinta no lugar das Palhacinhas era com toda a certeza a “nossa”, então propriedade do pequeno Leonardo Caetano de Araújo, herdada de seu pai. Assim se explica que, em 1847, lá estivesse instalada a família do Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz, seu padrasto, já que a casa deste era bastante mais abaixo, na zona dos Ferradores, da Rua Direita86. 84 Retirado do blog «Do Marnel ao Vouga», online em <http://terrasdomarnel.blogspot.pt/2010/04/historia-local_30.html>. 85 O livro parece difícil de arranjar, mas vale bem a pena seguir a história a partir da primeira entrada no já referido blog «Do Marnel ao Vouga», online em <http://terrasdomarnel.blogspot.pt/2009/12/historia-local_11.html>, primeiro com a etiqueta “história local” e depois “Meninas Mascarenhas”. 86 Na Rua Direita nasceram todos os seis ilhos do casal, entre 1839 e 1850, e de lá casou em 1866 a ilha mais velha. Sobre essa casa diz Manuel Rodrigues dos Santos, no seu “aditamento” de 1861: “...e em quanto a casas tem o primeiro lugar pela sua magniicência e grandeza a do Ex.mo Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz...” – AZEVEDO, João António Monteiro, e SANTOS, Manuel Rodrigues dos, Descripção topographica de Villa Nova de Gaya e da solemnissima festividade que em acção de graças pela gloriosa restauração de Portugal se celebrou na igreja matriz da mesma villa no dia 11 de Dezembro de 1808... E agora grandemente accrescentada com extensos additamentos, que conteem noticias de muito interesse sobre a historia desta villa o que foi até o anno de 1832, e o que he actualmente. Porto: Typographia Commercial, 1861, pp. 68-69. Ora, nem com a melhor das boas vontades se poderia aplicar tal descrição à casa que então existia na Quinta das Palhacinhas! Note-se também que, em 1868, a família do Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz parece viver já na casa do n.º 112 da Rua do Breyner, no Porto, onde D. Ermelinda Henriqueta viria a morrer em 1875, e seu marido em 1877. José Veloso da Cruz, irmão do Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz, tinha uma quinta logo do outro lado da Rua do Choupelo, mas essa “Quinta da Fonte Santa” ica no lugar do mesmo nome, e não no lugar das Palhacinhas; e, em todo o caso, José Veloso da Cruz era solteiro. 48 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller Leonardo Caetano de Araújo (ilho) morreu bastante novo, a 8 de Agosto de 1868, algures fora do Porto87. Havia casado em 185288 com D. Elisa Virgínia de Sá Roiz Fuentes89, que poucos meses lhe sobreviveu, pois morria ela também na Rua do Almada, no Porto, a 27.2.186990. O casamento não fora feliz, e o casal vivia separado já há vários anos, pelo menos desde 1862. O testamento de Leonardo Caetano de Araújo espelha bem a degradação a que chegou a relação entre marido e mulher. Começa por revogar um aditamento que, sendo ainda menor, tinha feito ao seu contrato dotal91, “reclamação devida a sugestões inoportunas, e dolosas, de minha mulher, e seus pais, pois que empregando para isso todo o artifício, e não poupando mesmo meios cavilosos e até pouco honestos, puderam por efeito destes abusar da minha boa-fé, inexperiência, e menoridade para levar-me a essa reclamação com o sinistro im de soismar e eludir o contrato antenupcial, e vir por esse modo a realizar-se a apetecida comunicação dos bens, que os havia também levado segundo mais tarde conheci, a propor-me o consórcio.” 92 Exclui depois liminarmente da sua sucessão a mulher e toda a família desta, declarando mesmo que nunca em caso algum se lhes transmitiriam os seus bens, nem sequer na qualidade de eventual herdeira dos ilhos. Os dois ilhos menores nascidos desse triste casamento, Ermelinda e Artur, icaram por herdeiros universais do pai, e por isso agora proprietários da Quinta das Palhacinhas. O mesmo testamento nomeia a mãe do testador e avó das crianças, D. Ermelinda Henriqueta, como tutora e administradora de pessoas e bens dos dois órfãos, e como subtutor “meu tio o Senhor António José da Silva, em atenção assim às suas reconhecidas probidade e honradez como às mais qualidades, que os 87 Não consegui encontrar o assento de óbito. O seu testamento, feito em Vila Nova de Gaia, em casa de seu padrasto, a 20.5.1864, foi aberto a 8.8.1868, e encontra-se no Arquivo Municipal do Porto, sob as cotas TG-b/619 - ls. 40v-42v. e TG-b/619 - ls. 43-45. No registo deste testamento se diz que era morador na Rua do Breyner, decerto ainda também em casa de sua mãe e padrasto. Por testamenteiros icaram o padrasto, Joaquim Veloso da Cruz, e o tio António José da Silva. Note-se que uma cópia do testamento estava depositada na sociedade “António José da Silva & C.ª”. 88 Na freguesia de São Nicolau, a 17.5.1852 – ADP, Registos Paroquiais do Porto, São Nicolau, Liv. C-10, ls. 12-12v. O contrato dotal, que possivelmente referirá a Quinta das Palhacinhas, foi lavrado a 13.5.1852 nas notas do tabelião Manuel Carneiro Pinto. 89 Natural da freguesia de São Nicolau, onde nasceu por volta de 1833, ilha de Don Bernardo Roiz de Fuentes, cônsul de Espanha no Porto, e de sua mulher D. Miquelina Máxima Albina Póvoas de Sousa e Sá. 90 ADP, Registos Paroquiais do Porto, Cedofeita, Liv. O 1869, l. 13, assento n.º 49. Não fez testamento. 91 Logo dois dias depois desse contrato dotal, a 15.5.1852, esta “reclamação” agora já nas notas do tabelião Bento Luís do Vale. 92 Já anteriormente, a 8.10.1862, nas notas do tabelião Tomás Megre Restier, tinha anulado essa alteração ao seu contrato antenupcial. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 49 distinguem (...) E não nomeio para tão importante cargo minha mulher Dona Elisa Virgínia Rodrigues Fuentes, porque além de não me merecer a precisa coniança, se entregar, esquecida dos seus mais sagrados deveres a uma vida desonesta com afronta minha e opróbrio seu.” O testador nomeia ainda mais para o Conselho de Família o padrasto, Conselheiro Joaquim Veloso da Cruz, o irmão deste, José Veloso da Cruz, seu tio materno José António da Silva93, e Domingos de Almeida Soares. Foi, pois, este Conselho de Família que, em 1870, por motivo desconhecido, deliberou a venda da Quinta das Palhacinhas e dos seus armazéns. E compreende-se agora que o método escolhido tenha sido o da hasta pública. De outra maneira, António José da Silva não poderia ter adquirido propriedades às mesmas crianças94 que também tutelava, sem que se arriscasse a suspeitas sobre a honorabilidade do negócio. É possível que os negócios de António José da Silva (sob as sociedades José António da Silva & C.ª e/ou António José da Silva & C.ª) tivessem ligação aos de seu cunhado e (depois) de seu sobrinho. Não foi possível descobrir onde estavam anteriormente armazenados os vinhos da sociedade de António José da Silva, mas pode até especular-se que, em todo ou em parte, poderiam ocupar já algum desses armazéns. Também não se sabe quando o adquiriu, mas em 1875 António José da Silva já aparece igualmente como proprietário do outro armazém de vinhos mais pequeno, no gaveto da Rua Direita 13 – O Jornal do Porto, 13.8.1868 93 Note-se mais uma vez o protagonismo assumido por António José da Silva, nomeado como testamenteiro e subtutor, face a seu irmão mais velho, que ocupa uma posição de menor relevo no Conselho de Família. 94 Do destino dessas crianças, não foi possível apurar mais nada. Ainda viviam em 1873, sob a tutela de sua avó paterna, D. Ermelinda Henriqueta. Nesse ano, os menores foram expropriados das casas dos n.ºs 119 e 121 da Rua dos Banhos, para a abertura da Rua Nova da Alfândega – O Jornal do Porto, 20.6.1873. 50 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller com o lado norte da Rua da Cabaça95. Já no séc. XX, a família era também proprietária de, pelo menos, uma casa e de um corpo de armazéns no lado nascente da actual Rua Cândido dos Reis, e do terreno de gaveto entre esse lado nascente da Rua Cândido dos Reis e a Rua Conselheiro Veloso da Cruz, mas não consegui nenhuma informação sobre a data e o modo de aquisição dessas propriedades96. Voltando a 1874, temos, como icou dito, a informação de que D. Teresa Clementina de Barros Lima morreu na Quinta das Palhacinhas a 2 de Junho desse ano. O pároco, porém, ao lavrar o assento é bem especíico quando diz que ela apenas lá estava “de passagem” 97. 14, 15, 16 e 17 – A primitiva casa da quinta (já muito arruinada) no gaveto da Rua do Choupelo com o lado norte da Rua da Cabaça98 95 AMSMB, Projecto da estrada da Capela de S. Roque ao Armazém de António José da Silva, 1875, Identiicador 241383, Código parcial Pt6_Doc18. 96 As referências que encontrei quanto às propriedades desse lado da rua são muito mais tardias: obras feitas numa das casas em 1908 (AMSMB, Processos de obras particulares, 201/1908) e grandes obras de remodelação dos armazéns em 1920 (AMSMB, Processos de obras particulares, 558/1920). 97 ADP, Registos Paroquiais de Vila Nova de Gaia, Santa Marinha, Liv. O 1874, l. 25v, assento n.º 95. 98 Imagens retirada de Google Maps Street View e de BingMaps. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 51 Diz a tradição de família que a casa que então existia na quinta, era a que resistiu até ao início do séc. XXI, no gaveto da rua do Choupelo com o lado norte da Rua da Cabaça, uma casa de lavoura tradicional, com lojas no rés-do-chão, e zona de habitação de sobrado no primeiro andar. Dava para um pátio, logradouro também das outras construções anexas típicas das pequenas explorações agrícolas da época. Nenhuma delas tinha o que quer que fosse de notável, salvo um bonito corpo de lojas e arrumações, ao qual se acedia pelo lado sul, subindo alguns degraus, para um largo patamar “aterraçado” em lajes de granito, todo cercado por um varandim de ferro forjado. Era uma casa espaçosa, com um bom pé-direito, com uma sala que recordo como grande e surpreendentemente luminosa, mas uma casa sem grande comodidade. Não devia ser, por isso, alternativa à da Rua da Restauração99, tanto mais que os escritórios da companhia estavam ainda na Rua Cimo do Muro – morar na quinta seria pouco prático, não tanto pelo atravessar do rio, mas principalmente porque (não existindo ainda nem a ponte D. Luís I nem a ponte D. Maria Pia) a subida desde a margem do rio Douro até ao alto das Palhacinhas não era caminhada leve, nem para humanos nem para quadrúpedes... Enquadrado pela Rua Direita (Cândido dos Reis) a nascente, a Rua Conselheiro Veloso da Cruz a sul, a Rua do Choupelo a poente, e a Rua100 da Cabaça a norte, o quarteirão que forma a quinta aparece já bem delimitado em plantas de 1829 e 1832, mas o certo é que nelas se não vêem nem as marcações das primitivas casa e construções de lavoura nem as dos armazéns de vinho, icando sem se saber se tal acontece por essas construções ainda não existirem, ou simplesmente por não terem merecido essa atenção. Aliás note-se que em cartas contemporâneas até bem detalhadas, como sejam as Cartas Topográicas das Linhas do Porto de 1834 e 1835101, a própria Rua do Choupelo não aparece assinalada, embora se tratasse de uma via de incontornável importância no acesso à parte alta da vila. 99 E, relembrando o que icou dito na nota [85], nunca uma casa que tivesse entre todas as da vila, “o primeiro lugar pela sua magniicência e grandeza...”. 100 Ou viela, como também é (muito adequadamente) referida. 101 “Carta Topográica das Linhas do Porto”, existente em duas versões: (1) levantada pelo Coronel Moreira (1834), e (2) novamente litografada e aumentada por A. C. Lemos (1835), disponíveis na Biblioteca Nacional Digital. 52 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller 18 e 19 – O quarteirão da Quinta das Palhacinhas (e o topónimo Palhacinhas) assinalado na “Planta do Porto e suas vizinhanças” (1829)102 e no “Plano Topográico da Cidade do Porto” (1832)103. Assinalados os locais onde se encontravam no séc. XX: (1) Primitiva casa da quinta; (2) Casa das Palhacinhas, de Manuel Maria Lúcio; (3) Escola das Palhacinhas A quinta também não vem referida em nenhuma das (poucas) publicações que, na época, descreviam as mais notáveis quintas de Gaia104. Seria, decerto, e a avaliar pela casa, perfeitamente utilitária, uma propriedade agrícola sem nada que a distinguisse das outras. 102 Pormenor da “Planta do Porto e suas Vizinhanças”, Londres: Dean & Munday Lithographers, 1829. Imagem editada a partir da publicada em José Manuel Lopes Cordeiro, «As fábricas portuenses e a produção de azulejos de fachada (séc. XIX-XX)», Azulejos no Porto, Porto, CMP, 1996. 103 Pormenor do “Plano topographico da cidade do Porto impresso em Londres em 1813, e continuado aos seus suburbios em 1832, no qual se mostra pela orla roxa a linha de fortiicação, e suas baterias recentemente construidas em circuito da dita cidade” (1832). Imagem editada a partir da disponível na Biblioteca Nacional Digital, cota CC-1351-R, online <http://purl.pt/27625/2/>, acedido a 15.9.2016. 104 Como o já citado artigo de Inácio de Vilhena Barbosa sobre Vila Nova de Gaia, no Archivo Pittoresco; ou a entrada de Pinho Leal relativamente a Gaia, no vol. 3 do seu Portugal Antigo e Moderno. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 53 Embora o quarteirão que formava o núcleo central da quinta estivesse já, como dissemos, perfeitamente deinido desde (pelo menos) o primeiro quartel do século XIX, o certo é que a unidade de lavoura extravasava esses muros dos quais ainda hoje sobrevivem alguns restos. Nomeadamente, pertenciam-lhe também, pelo menos, os terrenos no gaveto da Conselheiro Veloso da Cruz com o lado nascente da Rua Cândido dos Reis, e os do lado norte da Rua da Cabaça, onde existiam pocilgas, vacaria e uma eira que, em 1929, foram transferidas para o lado sul. Como habitualmente, os terrenos de lavoura eram aterraçados, com altos muros de suporte, devido aos grandes desníveis entre a cota norte e a cota sul da quinta, e entre a cota poente e a cota nascente. A família trazia também aprazadas terras no Monte Grande (Monte da Virgem)105, na freguesia contígua de Mafamude, e era lá que nasciam as minas de água que serviam a quinta: abasteciam a casa de habitação, eram usadas no jardim e na lavoura, e corriam depois para os armazéns de vinhos. Essas minas de água ainda eram mantidas nos anos 50 do século XX, e ainda chegavam ao tanque dos armazéns nos anos 80, depois de recolhidas no grande depósito de betão armado construído nos anos 20 – muito feio, mas uma novidade na altura, e que resolveu de vez os problemas de falta de água. E é possível que a Quinta das Palhacinhas tivesse tido alguma ligação à Quinta do Pinhal Miúdo, situada entre a zona da igreja de São Cristóvão de Mafamude e a Rua Direita, pois nessa quinta vivia em 1885 António José da Silva Júnior com sua mulher. Em 1874, como atrás icou dito, D. Teresa Clementina morria já na Quinta das Palhacinhas, e deve ter sido por esses anos que terão começado as obras de construção da nova casa, situada no extremo sul da quinta, no lado oposto ao que icaria agora apenas reservado à lavoura. Não sabemos quando terá sido inalizada, mas talvez em 1877, a ajuizar pela marca da Fundição de Monchique no portão da entrada principal da “nova” casa. Nesse ano de 1877, António José da Silva Júnior casou em Mafamude, apesar de, tanto ele como a noiva, serem 105 A 14.8.1917, D. Teresa da Silva faz com a Câmara Municipal de Gaia escritura de remissão de dois foros e respectivos laudémios “impostos em duas tapadas que formam uma só área, sitas no lugar de Monte Grande daquela freguesia [de Mafamude], e que confrontam do norte com o caminho de Cravel, às pedreiras, do sul com uma viela particular de Joaquim Baptista de Figueiredo, nascente com uma tapada de Manuel de Oliveira Pinto e poente com a estrada e prédios do Monte Grande.” – AMSMB, Livros de Notas, Escritura de remissão de dois foros e respectivos laudémios, Identiicador 3701, Liv. 9, l. 3-4v, F/04/II/1 - Pt. 1. 54 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller moradores no Porto, o que pode indicar que a casa já estaria pronta, mas parece que António José da Silva ainda vivia na Rua da Restauração em 1878107. Deve ter ido para lá viver bastante tempo antes, mas só em 1885108 é que o encontramos expressamente como morador “na sua casa e quinta das Palhacinhas”. 20 – Palhacinhas (1), Pinhal Miúdo (2) e Monte Grande (3)106 21 – A Casa das Palhacinhas109 106 Pormenor da “Carta topographica das Linhas do Porto [c. 1835] / levantada pelo coronel Moreira; novamente lythographada e augmentada por A. C. Lemos”. Imagem editada a partir da disponível na Biblioteca Nacional Digital, cota CC-117-V, online< http://purl.pt/1388>, acedido a 15.9.2016. 107 ADP, Registos Paroquiais do Porto, Cedofeita, Liv. B-7, l. 11. 108 Quando, a 1.1.1885, testemunha em Mafamude o casamento de sua sobrinha Ana de Sousa Neves com José Fortunato de Castro – ADP, Registos Paroquiais de Vila Nova de Gaia, Mafamude, Liv. C 1885, ls. 2-2v. 109 Prato pintado por Albino (Pinto Rodrigues) Barbosa, datado de 1887. Colecção particular. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 55 22 – Portão principal110 23 – Pormenor do portão111 24 – Pormenor do portão, com a marca da Fundição de Monchique e a marca do ano de 1877 112 A única imagem do exterior da casa que icou desse tempo é a de um prato pintado por Albino Barbosa, em 1887. Não tinha ainda a ala poente, que lhe foi acrescentada em 1923, mas a fachada do corpo central era a de hoje, simples e severa, sem os arrebiques dos chalés tão ao gosto da época. A frontaria do rés-do-chão era já revestida a granito, e as duas varandas do primeiro andar já lá se encontram, mas a porta principal era ladeada pelas duas janelas, e não encostada a poente, como hoje. Do interior pouco se sabe. Havia na Quinta do Noval vários móveis de família que para lá tinham sido relegados, por destoarem da nova decoração de 1923. A avaliar por esses móveis, a casa estaria decorada ao gosto vitoriano, bastante pesado – mas sabe-se que aligeirado, pelo menos, por um tecto (da sala de jantar?) com um fresco de Soares dos Reis com “Ornatos e Meninos brincalhões” que infelizmente não sobreviveria à remodelação114. 110 Fotograia de Pedro do Canto Brum. 111 Fotograia de Pedro do Canto Brum. 112 Fotograia que agradeço a Francisco Queiroz. 56 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller 25 e 26 – A Casa das Palhacinhas em 1887 (pormenor do prato) e António José da Silva com a ilha e os seus parentes Veloso da Cruz113 no caramanchão que se vê na pintura, no canto poente do terraço ajardinado. Note-se que, em 1887, as árvores decorativas do jardim já estavam bastante altas... 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 57 27, 28 e 29 – Tanque de rega. À direita António Miguel Silva de Vasconcellos Porto e seu tio Camilo José de Macedo115 O jardim ocupava área muito inferior àquela que viria a ocupar nos seus tempos áureos, e o seu centro parece ter sido o chamado “jardim de cima” (ou “jardim dos cães”), ao nível do primeiro andar da casa. Penso que datará também desta época um tradicional “lago dos patos”, com castelo, que ainda conheci povoado por esses palmípedes. O tanque de rega, que deve ser o mesmo “tanque de pedra” que já vinha referido em 1870 no anúncio da arrematação da quinta, era talvez a peça mais bonita, mais pelas dimensões elegantes do que pelo trabalho de cantaria, que era muito simples; de lajes de granito, era pouco profundo – pouco mais de um metro – mas tinha cerca de 20mx5m, com o exterior forrado a azulejos azuis e brancos, muito provavelmente de alguma fábrica local116. Foi uma pena não ter sido preservado.117 113 Fotograia de álbuns de família, sem data, de autor desconhecido. 114 Informação que agradeço à Dra. Paula Santos, do Museu Nacional Soares dos Reis. 115 Pormenores de fotograias da Colecção Camilo José de Macedo, cuja cedência agradeço ao AMSMB. 58 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller António José da Silva passou o im dos seus dias na Casa das Palhacinhas, onde morreu a 14.1.1894118. Continuou sempre dedicado ao patrocínio das artes, e, apesar de ter entretanto entregado os negócios ao ilho, dizem as histórias de família que todos os dias descia a quinta, para ir visitar os seus armazéns. Não fez testamento, o que mostra que teria já todos os seus assuntos em ordem. Deixava dois ilhos e uma única neta. Multiplicara várias vezes o património que seus pais lhe haviam deixado, e – desculpando-se a uma descendente a hagiograia – fê-lo simplesmente com trabalho e visão empreendedora, na envolvente da dinâmica comercial do Porto oitocentista, sem recorrer a cargos políticos, funções públicas ou negócios com o Estado, e mantendo sempre uma reputação de irrepreensível seriedade. Não deixa, por isso, de ser gratiicante ler o que, sobre ele, escreveu Teixeira Lopes: “Para não perder o hábito do trabalho, comecei um busto da menina Teresa Maria da Silva, ilha do meu querido amigo António José da Silva Júnior. Foi, por assim dizer, a minha estreia nesse género Meninos que deviam ser os meus modelos favoritos. Durante as sessões para o busto da Teresinha, familiarizei-me um pouco mais com todas as pessoas da casa Silva. Ao apresentar os meus cumprimentos de despedida, o pai Silva acompanhou-me até à porta onde me abraçou afectuosamente, metendo-me no bolso do casaco um pequeno embrulho que continha algumas libras em ouro, dizendo-me: – Todos os meses concorreremos, com igual quantia, para ajuda dos seus estudos em Paris. 30 – António José da Silva, mármore de Teixeira Lopes (1894)119 31 – Na página seguinte António José da Silva como igura patriarcal, rodeado pelos ilhos e sobrinhos Sousa Neves e Biester de Barros Lima. Em pé, por detrás dele, o ilho, António José da Silva Júnior, e a nora, D. Rita Angelina; sentada à sua esquerda, a ilha D. Teresa da Silva121 116 Embora não se saiba a proveniência dos azulejos, recorde-se que, como atrás icou dito em nota, António José da Silva era tio (por ainidade) de Aloísio Augusto de Seabra (ilho), que foi sócio da Fábrica de Loiça de Santo António do Vale da Piedade. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 59 60 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” 61 Assim aconteceu. Até ins de 1893 não deixei de receber essa ajuda, assim como não deixei mais de ocupar um lugar à parte no seio desta família que me considera, não só um dedicado amigo, mas quasi um parente. O bondoso ancião morreu já há muitos anos. Ao traçar estas linhas, toscamente redigidas, evoco com a mais funda gratidão, a veneranda imagem desse homem, verdadeiramente generoso que, apesar da sua aparência rígida, era sensível, caritativo, sempre compadecido daqueles que a fortuna não favoreceu. Tive a fortuna e a honra de o retratar em busto, mais tarde, e quer-me parecer que ainda não tive modelo que mais me entusiasmasse.” 120 O Século XX Não tendo sido encontrada a escritura de partilhas, não é, infelizmente, certo o que aconteceu à propriedade da casa, depois da morte de António José da Silva. Deixou, como se disse, dois ilhos: D. Teresa da Silva, solteira, e António José da Silva Júnior, que casara em Mafamude, a 19.7.1877122 com D. Rita Angelina de Meireles123, de quem teve uma única ilha, D. Teresa Maria da Silva, nascida a 6.5.1885124 na Quinta do Pinhal Miúdo (Mafamude). 117 Outras fontes e tanques de pedra mais pequenos foram retirados pela família quando se vendeu a quinta, mas não este, devido às suas dimensões. 118 ADP, Registos Paroquiais de Vila Nova de Gaia, Santa Marinha, Liv. O 1894, l. 3, assento n.º 9. 119 Colecção particular. 120 LOPES, António Teixeira, Ao correr da pena. Memórias de uma vida..., publicado e prefaciado por B. Xavier Coutinho. Gaia: Câmara Municipal, 1968, pp. 39-41. 121 Fotograia de álbuns de família, sem data, de autor desconhecido. 122 ADP, Registos Paroquiais de Vila Nova de Gaia, Mafamude, Liv. C 1877, ls. 31-31v, assento n.º 30. 123 D. Rita Angelina de Meireles nasceu a 15.3.1855 na Rua da Ferraria de Cima, no Porto (Vitória), em casa da parteira Clementina da Rosa Ferreira. Foi baptizada a 25.4.1855 na mesma freguesia da Vitória, como ilha de pais incógnitos, sendo padrinhos São José, tendo tocado, com o diadema do Santo, Rodrigo Pereira da Cruz, morador na Ferraria de Cima, e D. Rita de Cássia, moradora na Rua Direita da freguesia de Santo Ildefonso. Tinha apenas 14 anos, e vivia na Rua Formosa, no Porto (Santo Ildefonso), quando casou pela primeira vez, com Bernardino Luís Pinto, negociante, de 22 anos, ilho de João Luís Pinto e Teresa Maria de Jesus. Nesse assento vem como “D.”, tratamento que a sogra não tem, mas ilha de pais incógnitos. Na verdade, sua mãe, com quem aliás vivia, era a senhora que no assento igura como testemunha, e que acabou por perilhá-la, muitos anos mais tarde: D. Delina Amália de Almeida Basto, nascida na freguesia da Sé a 11.8.1813, ilha de João José de Almeida Basto, natural de Cucujães, escrivão do Bispado do Porto, e de sua segunda mulher (casados na Sé a 26.5.1804) Margarida Miquelina; neta paterna de Manuel José de Basto, de São Pedro de Castelões, e de sua mulher (casados em Cucujães a 20.6.1754) Mariana Teresa da Costa, de Cucujães; e neta materna de António Moreira da Silva, de Valadares, e de sua mulher (casados em São Nicolau, a 26.8.1764) Marta Alves Moreira, de Vila da Feira. 62 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller Tudo indica que a Casa das Palhacinhas terá icado propriedade (plena ou em compropriedade) de D. Teresa da Silva, pois é ela que lá encontramos a viver quer em vida de seu pai, o que é natural, quer ainda em 1920. Já seu irmão, António José da Silva Júnior, vem como morador na Quinta do Pinhal Miúdo (Mafamude) quando ele e D. Rita Angelina baptizam sua ilha D. Teresa Maria Silva (1885), e era ainda em Mafamude que viviam a 3.4.1898, quando D. Rita Angelina de Meireles Silva morre na Rua Sá da Bandeira125, penso que já na casa hoje sede da Misericórdia de Vila Nova de Gaia, na Rua Teixeira Lopes, n.º 33, então a casa com o n.º 7 da dita Rua Marquês Sá da Bandeira, casa na qual António José da Silva Júnior se diz morador quando a 5.11.1920 é aprovado o seu segundo testamento, na Casa das Palhacinhas, “residência de D. Teresa Silva” 126. É natural que António José da Silva tivesse deixado a casa e quinta onde ela já morava à ilha, e a sociedade “António José da Silva & C.ª” em maior parte ou em todo ao ilho, que já a administrava em vida do pai. É questão que só poderá ser esclarecida em deinitivo quando um dia se encontrar a escritura de partilhas. Tal como acontece com o “Silva” de José António da Silva, também ainda não me foi possível descobrir a origem do “Meireles” usado por D. Rita Angelina. Na ascendência da mãe não se encontra esse apelido. Seria talvez do pai mas, como este nunca a reconheceu e permanece incógnito até aos dias de hoje, não se pode ter a certeza. O primeiro casamento de D. Rita Angelina foi breve, pois Bernardino Luís Pinto morreu na Rua da Picaria (Vitória) a 14.2.1874, tendo apenas 26 anos. Do casamento icava uma única ilha, D. Maria Delina Pinto, nascida na Rua Formosa (Santo Ildefonso) a 16.10.1870, e baptizada a 6.2.1871. A madrinha foi a avó materna, D. Delina Amália, mas o parentesco não vem referido no assento. D. Maria Delina Pinto, que usava só o nome de Maria, casou (a 28.1.1899?) com Camilo José de Macedo, nascido em Mafamude a 6.4.1867, e legitimado (juntamente com seu irmão Diogo José de Macedo Júnior) pelo casamento dos pais, Diogo José de Macedo e D. Amélia da Conceição, realizado em Mafamude a 15.8.1874. Diogo José de Macedo era já viúvo de D. Isabel Smith, de quem (entre outros) teve Lourenço de Macedo, pai de D. Amélia Aguiar de Macedo, mulher do escultor Soares dos Reis. Camilo José de Macedo foi provador de vinho do Porto, e também fotógrafo amador, estando o seu espólio fotográico hoje, precisamente, no Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner. Camilo de Macedo e D. Maria Pinto de Macedo eram muito queridos por toda a família, e, por coincidência, D. Maria Pinto de Macedo era madrinha de meu pai, seu sobrinho neto, e Camilo de Macedo igurou como procurador do padrinho de minha mãe, sem que houvesse parentesco, mas apenas por amizade entre as famílias. Viveram também na Rua Conselheiro Veloso da Cruz, na casa em frente à das Palhacinhas, do outro lado da rua, no local onde estão hoje as Galerias Diogo de Macedo, pois Camilo de Macedo e D. Maria não tiveram ilhos, e a casa passou a seus sobrinhos Macedo. Camilo de Macedo morreu a 4.11.1944, e D. Maria Pinto de Macedo morreu a 16.10.1955. 124 Baptizada em Mafamude a 18.7.1885, sendo padrinhos o avô paterno, António José da Silva, e a tia, D. Teresa da Silva – ADP, Registos Paroquiais de Vila Nova de Gaia, Mafamude, Liv. B 1885, ls. 47, assento n.º 91. 125 ADP, Registos Paroquiais de Vila Nova de Gaia, Mafamude, Liv. O 1898, l. 14v, assento n.º 56. No assento de óbito vem expressamente referido que D. Rita Angelina tinha sido reconhecida e perilhada por sua mãe. Num pedido de pesquisa ao ADP, não foi possível localizar o processo de inventário obrigatório por sua morte. 126 Uma das testemunhas é o escultor António Teixeira Lopes – AMP, Administração do Bairro de Cedofeita. 1836-1868, Registo do testamento com que faleceu António José da Silva ou António José da Silva Júnior, proprietário e comerciante, RT08118, A PUB/5422, ls. 16-22. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 63 32 e 33 – António José da Silva Júnior e D. Rita Angelina127 António José da Silva Júnior continuou os negócios e a colecção de arte de seu pai. Tal como ele, parece ter tido especial predilecção pela pintura de autores portuenses, mas adquiriu também móveis, louças e outros objectos decorativos. Nascido já em tempo de abastança, ao contrário de seu pai, mais austero, foi um “bon vivant”, sem ser perdulário. A ele se deve a compra (em 1894) e a reforma total da Quinta do Noval, compra que acabou por fazer contra a opinião do pai, que considerava proibitivo o custo da replantação e recuperação da Quinta, arruinada pela iloxera. Mas mostrava assim um entendimento do negócio do Vinho do Porto já bastante à frente do seu tempo, numa época em que a produção duriense e o comércio portuense se encontravam ainda praticamente dissociados. A pouca correspondência que dele icou deixa a imagem de um homem assertivo e directo, convicto das suas opiniões. 127 Fotograias de Emílio Biel, c. 1875. 128 Fotograia de autor desconhecido. 64 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller 34 e 35 – António José da Silva Júnior na Quinta do Noval, com a ilha D. Teresa Maria c. 1900128, e em 1918, com sua segunda mulher, D. Valérie, e os netos Rita e António129 (imagem da página seguinte). 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 65 66 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” D. Teresa da Silva132 viveu uma vida longa e aparentemente pacata na sua Casa das Palhacinhas. É pela pena de um sobrinho de Teixeira Lopes que podemos entrever a vivência da casa durante esses anos da viragem do século XIX para o XX: 36 e 37 – D. Teresa da Silva em 1891130, e com os sobrinhos-netos, Rita e António, na Casa das Palhacinhas c. 1920131 “A Quinta das Palhacinhas, na Rua Cândido dos Reis, em Gaia, propriedade de António José da Silva, é um dos palácios mais recheados do que há de melhor, quer em pintura, na escultura, na cerâmica, etc.; desde Murillo e de muitos outros de fama mundial e nacional como Silva Porto, Velloso Salgado, e tantos outros; na escultura, Mestre Soares dos Reis e vários mármores do meu Tio; pratas antigas, baixela riquíssima, loiças da China e da Itália; enim um verdadeiro museu! 129 Fotograia de álbum de família. 130 Óleo de Katzenstein, assinado e datado de 1891. Colecção particular. 131 Fotograia de álbum de família. 132 “A Madrinha”, como icou conhecida na família, por ser madrinha de sua sobrinha e de sua sobrinha-neta. Como nota que só interessará (se tanto!) 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 67 38 – “Teresinha”, mármore de Teixeira Lopes (1887) 133 O Senhor Silva era casado com D. Teresa de Barros Lima e por parte de sua Esposa aparentado com a melhor nobreza do seu país. Foi o Senhor António José da Silva que protegeu meu Tio, durante a sua estada em Paris, com uma pensão, nesse tempo paga em libras. Passados meses, devido ao sucesso obtido na entrada na Escola, disse-lhe quando ele regressou: O Antoninho ultrapassa o que eu nunca supus e, por isso, doravante receberá o dobro da mensalidade que eu lhe estipulei. Meu Tio quase fazia parte dessa ilustre família pela gratidão e amizade que sempre lhes votou. A ilha do Senhor António José da Silva (a Madrinha como todos nós a tratávamos) aliava a um grande ar senhoril, a maior simplicidade e bondade. Era rara a noite que lá não fôssemos tomar chá, servido por um criado impecável nas chávenas mais inas da China, e nas mais ricas pratas antigas. Meu Tio, nesses serões, entretinha-se a desenhar lores para as senhoras bordarem. O Senhor António José da Silva Júnior, irmão da Senhora D. Teresa, era pai da Teresinha, menina estimada por todos. O mármore da Teresinha é um dos mais carinhosamente esculpidos por meu Tio, na sua adoração por essa criança que viu nascer, crescer e casar, sempre iel na sua amizade até ao inal! Mais tarde, a Teresinha, a menina d’oiro, como era cognominada no Porto, casou com o Senhor Luís de Vasconcelos Porto que continuaram a serem os seus melhores amigos, nas suas horas alegres e nos tristes percalços da vida. Na actualidade, já não é fácil os artistas encontrarem auxílio em famílias abastadas.” 134 à minha família, ica aqui registado que a razão pela qual se falava nas “madrinhas”, no plural, é porque com D. Teresa da Silva vivia uma dama de companhia, D. Bárbara de Abreu Vieira, a “Barborinha”, que era como se izesse parte da família. 133 Colecção particular. 134 LOPES, José Marcel Teixeira, «Teixeira Lopes íntimo e a grande época de 1900», in Boletim Cultural de Gaia, n.º 2, Novembro de 1966, pp. 47-48. 68 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller António José da Silva Júnior permaneceu viúvo durante muitos anos e, tanto por gosto como por imperativo do negócio, viajava bastante, muitas vezes acompanhado pela única ilha, D. Teresa Maria, e por vezes também pela irmã. Foi numa dessas viagens, que D. Teresa Maria da Silva conheceu em Londres o que viria a ser seu marido, Luís Fernando Queriol de Vasconcellos Porto135, então secretário da Embaixada de Portugal em Londres, e incumbido de acompanhar os Silvas nessa visita à cidade. Luís de Vasconcellos Porto e D. Teresa Maria da Silva icaram noivos pouco depois, e casaram em Mafamude a 1.10.1908. Pouco mais de um mês depois, a 10.11.1908, António José da Silva Júnior casava em Paris (Saint Phillipe) com D. Valérie, senhora francesa, ao que parece de origem russa136. Ao im de poucos anos, entregou a condução dos negócios da sociedade ao genro, e ixou então deinitivamente a sua residência em Paris, na Rua Bassano, n.º 54, onde viria a morrer a 4.11.1923. 39 e 40 – D. Teresa Maria da Silva em solteira137 e no dia do seu casamento com Luís de Vasconcellos Porto138 135 Luís Fernando Queriol de Vasconcellos Porto nasceu em Lisboa (Santa Maria de Belém) a 6.3.1887 (baptizado a 26.3.1887). Morreu a 27.2.1967, em Lisboa (Coração de Jesus), no Hotel Tivoli, onde se encontrava hospedado ocasionalmente. Era ilho do Dr. Nuno António Coelho de Vasconcellos Porto, nascido na Horta (Matriz), ilha do Faial, a 23.7.1858, médico-cirurgião pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, Médico da Casa Real e dos Hospitais Civis de Lisboa, e de sua mulher (casados em Lisboa, Santa 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 69 Não foi possível apurar quando morreu sua irmã, D. Teresa da Silva. Terá sido algures entre 1920 (ainda vivia à data do testamento do irmão) e 1922, pois em Setembro desse ano, Luís de Vasconcellos Porto pede à Câmara Municipal de Gaia licença para remodelar a Casa das Palhacinhas, que D. Teresa Maria deve ter herdado entretanto da tia. Foram obras profundas, nas quais imprimiu à casa o seu cunho pessoal. Correndo o risco de injustiçar o ignorado arquitecto, o que icou na memória da família foi que a planta da nova casa foi feita segundo as suas especiicações, ditando ele o estilo e disposição das divisões. Da casa inicial, praticamente apenas aproveitou as paredes exteriores, e mais tarde, viria a arrepender-se de não ter construído uma casa inteiramente nova no interior da quinta: a Rua Conselheiro Veloso da Cruz tornou-se, com o passar dos anos, uma artéria com muito trânsito e muito barulhenta139, e como o portão original não foi alargado, o acesso por automóvel ao logradouro da casa exigia bastante perícia ao condutor. Mas, na altura, decidiu manter a casa de António José da Silva, e acrescentou-lhe o corpo poente, adicionando à fachada posterior da parte mais antiga as varandas, e as bow-windows de inspiração inglesa – também de inspiração inglesa foi o “jardim de inverno” que, na parte nova, fazia a transição entre a sala de jantar e o “jardim de cima”. Engrácia, a 25.11.1882) D. Rosa de Freitas Queriol, nascida em Lisboa (Mercês) a 31.1.1859; neto paterno do Conselheiro Nuno António Porto (Lisboa, Alcântara 7.7.1824 – Lisboa, 10.3.1905), chefe de serviço da Alfândega de Lisboa, e de sua mulher D. Maria Carlota Coelho de Vasconcellos Vilas Boas, natural de Ponte de Lima; neto materno de Miguel Ferreira de Gouveia Pimentel Franco Queriol (Lisboa, Santa Isabel 28.5.1828 – Lisboa, 1.7.1916), empregado superior dos Caminhos de Ferro Portugueses, e de sua mulher (casados em Lisboa, Mercês a 4.5.1853) D. Felicidade Amélia de Freitas, nascida em Lisboa (São Paulo) a 28.1.1834. 136 A família parece ter encarado com equanimidade esse segundo casamento que (especialmente nos últimos tempos de vida de António José da Silva Júnior) não saiu barato... Por morte do marido, e de acordo com o testamento deste, D. Valérie herdou o recheio da casa de Paris, o automóvel, e uma pensão anual de 30.000 francos. A “Avó Valérie” foi madrinha da bisneta mais nova de seu marido, e dela icaram as recordações de quando se instalava na Quinta do Noval, que lhe devia parecer então a milhares de quilómetros e séculos de distância do seu boulevard parisiense: de como era sempre preciso providenciar uma burra que fornecesse o leite que não dispensava acrescentar ao banho, e de como sentada em frente à casa, do alto da encosta contemplava a incomparável paisagem do vale do Douro, dizendo em tom de satisfação: “c’est laid, mais ça rapporte!”. 137 Miniatura de G. (Gertrude) S. Hellier, sem data. Colecção particular. 138 Fotograia de álbum de família. 70 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller 41 e 42 – Pormenores do projecto de remodelação de 1922140 Assinalado a cores, o corpo original da casa construída por António José da Silva 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 71 43 – Fachada posterior fotografada do fundo do jardim, ainda recém-plantado, vendo-se o jardim de inverno, na casa principal, e o “apartamento” de janelas em arco quebrado (devido ao ângulo da fotograia este parece contíguo à casa, mas na verdade era num edifício diferente). Sentados no banco, Camilo José de Macedo e seu sobrinho António Miguel Silva de Vasconcellos Porto c. 1928/1930 141 44 – Luís de Vasconcellos Porto na sua Casa das Palhacinhas143 (na página seguinte) O interior vitoriano dos Silvas foi substituído pelas linhas neoclássicas e palladianas que Luís de Vasconcellos Porto tinha visto e apreciado em Londres. Exemplo típico é a galeria para onde davam os quartos, no 2.º andar, com o varandim de ferro forjado, e a grande clarabóia em vitral iluminando todo o hall do primeiro andar. O século XX chegava também com a modernização da parte de serviço, o aquecimento central142, e as diversas casas-de-banho em mármore, ao gosto dos anos 20s. À biblioteca e colecção de arte que já vinha dos Silvas, acrescentou ele também muitas peças, de tal modo que é hoje impossível saber o que foi comprado por uns ou por outros. A casa funcionava não só como habitação da família, mas também como sala de visitas da companhia, pelo que o luxo do interior cumpria também uma função utilitária, como se pode ver do relato de K. C. Bourke, jornalista inglês que, chegando no meio de um temporal, lá icou hospedado em 1966: 139 Por causa disso, o escritório – que, como se pode ver na planta da casa, estava inicialmente previsto para o lado que dava para a Conselheiro Veloso da Cruz – acabou por trocar de lugar com a sala de bilhar, e passou a ser numa divisão mais tranquila, a dar para o jardim. 72 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller “Through the violence of the storm the car sped through Oporto to Vila Nova de Gaia where Luis Porto’s lovely old house stands, high above the town looking towards the river and Oporto. Inside the big stone-lagged hall, its ceiling soaring into shadows, there is a sedan chair from the 18th century. How wet the bearers would have been on a night like this, for we were soaked even in that quick dash of a few feet between the car and the door. Oil paintings of ancestors looked down in kindly fashion on us as we tumbled in, laughing, from the storm. An impressive marble staircase invited us to ascend to the comfort and warmth of the drawing room, where apéritif port waited, and a dining room where a delicious dinner and carefully decanted wines were to add a further benediction. Next morning we were sitting in the library talking, and I could admire the gardens, looded now with sunshine, which dropped away out of sight in terraced levels and where close at hand late roses bloomed by a pool. Further downhill, the women gardeners in their rather voluminous dress were tending vegetables and salads, herbs and fruits. Although I had known Luiz Porto for almost a decade, I had not known many things we now had time to discuss, as we made a leisurely tour of the house – enjoying the beautiful treasures collected over many years – the carved furniture, the porcelain, silver, oil-paintings, a pure gold snuf box, an ancient spinet, a medieval reredos – most of them could touch of a story.” 144 140 AMSMB, Processo de Obras Particulares em nome de Luís de Vasconcelos Porto, 683/1922, pasta n.º 36, doc. 58 – pormenores da planta anexa ao processo. 141 Fotograia da Colecção Camilo José de Macedo, cuja cedência agradeço ao AMSMB. 142 Alimentado a carvão, que se guardava numa carvoaria debaixo do jardim de inverno. Como imprevidentemente colocaram o termóstato junto do fogão da sala de estar, acabavam por quase nunca conseguir acendê-lo, pois a temperatura agradável da sala condenava todo o resto da casa a um frio glacial... 143 Fotograia publicada em Wine Magazine, n.º 45, March-April, 1966, p. 94. Foi fotografado junto à peça que mais gostava da sua colecção: a papeleira de Domingos Tenuta, hoje no Museu Nacional de Arte Antiga. 144 BOURKE, K. C., «Ambassador Extraordinary for Port Senhor Luiz de Vasconcellos Porto visited at Vila Nova de Gaia and Quinta do Noval», in Wine Magazine, n.º 45, March-April, 1966, pp. 88-97. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 73 Como escreve Mr. Bourke, o jardim era realmente muito bonito. Luís de Vasconcellos Porto, grande amante de horticultura e loricultura, desenhou-o e estendeu-o por uma área bem superior à original, povoando-o com espécimes que mandava vir de Inglaterra e da Holanda, carinhosamente cuidados e mesmo hibridados por um jardineiro que era um artista na sua proissão, o “Zé da Quinta”, que conheci já com mais de 50 anos de casa. Fez também instalar um campo de ténis, desporto que gostava de praticar – servia, nos anos 60 da minha infância como campo de futebol... Penso que terá sido também durante essa remodelação, ou pouco depois, que foi feita a chamada “casa pequena”, o apartamento145 de janelas em arco quebrado por cima das arrumações e cocheira (mais tarde, garagem), que icava ao nível do primeiro andar da casa principal, dando também para o “jardim de cima” que servia na prática de espaço de transição entre as duas casas – mas não se sabe se esse apartamento seria já adaptação de alguma construção pré-existente. O primeiro habitante dessa “casa pequena” parece ter sido seu irmão, Miguel de Vasconcellos Porto. Antes de se mudarem para a Casa das Palhacinhas, D. Teresa e Luís de Vasconcellos Porto viveram na já referida casa do n.º 7 da Rua Marquês Sá da Bandeira, hoje sede da Misericórdia de Vila Nova de Gaia. Lá nasceram os dois únicos ilhos do casal: D. Teresa Rita, e António Miguel Silva de Vasconcellos Porto, que nasceu a 23.6.1912 e morreu solteiro, sem geração, em Ponte de Lima, a 4.4.2000. D. Teresa Rita, minha avó, que usava apenas o nome Rita, nasceu a 11.9.1909, e casou em Mafamude, a 24.2.1930, com Cristiano van Zeller146. O casal foi habitar na “casa pequena”, e lá nasceram os quatro ilhos: Fernando Luís van Zeller (1931-2008), Cristiano João van Zeller (1933-1979), meu pai Luís Rolando van Zeller, (1935-1982), e D. Maria Isabel de Vasconcellos Porto van Zeller (Avides Moreira) (1937). 145 Em nomenclatura portuense moderna, um T3+1. 146 Nascido na Casa de Vilar, em Massarelos, a 23.1.1904. Morreu na Quinta das Palhacinhas, a 26.11.1937. Engenheiro Civil (Universidade do Porto), depois de casado trabalhou com o sogro na sociedade “António José da Silva & C.ª Lda.”. Era ilho de Fernando van Zeller e de sua mulher D. Maria Fernanda Vilalva de Magalhães e Menezes Vilas Boas; neto paterno de Cristiano van Zeller e de sua mulher D. Carlota de Sousa e Barros Leitão de Carvalhosa da Mesquita e Macedo (Santarém); e neto materno do General Fernando de Magalhães e Menezes e de sua mulher D. Adelaide Hermínia Teixeira de Moura (Vilalva de Guimarães). 74 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller D. Teresa Maria morreu relativamente nova, na Casa das Palhacinhas, a 2.1.1949, e nessa altura, D. Rita, que já enviuvara – Cristiano van Zeller morreu muito novo, a 26.11.1937, tendo apenas 33 anos – foi viver com o pai, mudando-se com os ilhos para a casa principal, que passou, como se dizia na altura, a “governar”. Luís de Vasconcellos Porto, sobreviveu a sua mulher por muitos anos. Foi Cônsul da Noruega (razão pela qual a casa aparece em fotograias com a placa de consulado e com a bandeira norueguesa), e dirigiu a sociedade “António José da Silva & C.ª Lda.” por mais de 50 anos. Viveu durante quase 44 anos na Casa das Palhacinhas, onde criou os quatro netos, e ainda viu doze dos dezassete bisnetos que vieram a nascer. Morreu em Lisboa, onde estava ocasionalmente, a 27.2.1967. Por sua morte, a casa foi herdada pela ilha, que continuou a viver na quinta, mas agora de novo na “casa pequena”. Uma parte do recheio foi partilhada entre os dois irmãos, e o restante vendido em leilões. A casa principal foi fechada em 1968, tendo sido vendida em 1973 à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, para nela ser instalado o Tribunal de Gaia. 45 e 46 – Pormenores do interior da casa nos anos 60: sala de visitas, chamada “sala dos relógios”, por lá se encontrar uma colecção dos ditos (à esquerda), e o tradicional salão “império” (à direita) 147 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 75 47, 48, 49 e 50 – Pormenores do interior da casa nos anos 30148. 147 Fotograias retiradas de catálogo de leilões “Dinastia”, Setembro 1968. 148 Fotograias de álbum de família. 76 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller 51, 52, 53, 54, 55 e 56 – O hall central da casa, com os pormenores palladianos, ainda visíveis na actualidade149 D. Rita morreu na Quinta das Palhacinhas a 1.1.1983. Os seus herdeiros venderam os armazéns de vinhos à sociedade “Quinta do Noval – Vinhos, S.A.” em meados dos anos 80 (parte desses armazéns foi depois revendida a outras companhias – Osborne e Rozès – quando se concluiu o processo de transferência dos stocks de vinhos da sociedade para armazéns no Douro; os armazéns do lado nascente da Rua Cândido dos Reis ainda estão na família). A quinta foi vendida à Casa Oley em inais dos anos 80. 149 Imagens 1 a 5 retiradas do vídeo institucional do AMSMB, disponível em <https://youtu.be/HvsrNXXU-Bw>. Imagem 6 retirada da Internet em 2013 (lamentavelmente, devido a falha informática foi perdida a referência). 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 77 57 – Planta da Quinta das Palhacinhas depois das alterações de 1922. A quinta ainda funcionou como unidade agrícola até aos anos 80. As linhas a cinza mais grosso assinalam os altos muros de suporte que iam acompanhando a grande inclinação do terreno. 58 – Exteriores, depois das obras de 1922150 59 – Descendência de José António da Silva (assinalados os proprietários da Quinta das Palhacinhas) 78 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rita van Zeller 150 Fotograias da Colecção Camilo José de Macedo, cuja cedência agradeço ao AMSMB. 1- A “outra” Casa das Palhacinhas 18 – 79 79 «Alcipe», auto-retrato, Museu de Arte de São Paulo (foto: Wikimedia Commons) «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” Nuno Simão Ferreira* Resumo O “Tratado da Velhice” é um manuscrito até hoje inédito, existente no Arquivo Nacional Torre do Tombo e patente no respectivo Arquivo Particular Casa de Fronteira, referente ao espólio da 4ª Marquesa de Alorna. O “Tratado da Velhice” terá sido escrito pela própria «Alcipe» muito perto do im da sua vida. O texto original do “Tratado da Velhice” é contínuo, não se encontra dividido em partes e/ou com títulos. Realçamos que o “Tratado da Velhice” se trata de um extenso monólogo deveras interessante que «Alcipe» / 4ª Marquesa de Alorna destinou-o a uma ilha sua. Não existe aqui um vivo debate de ideias, mas a nosso ver isto é intencional uma vez que este ensaio de cariz ilosóico é redigido de modo a explanar com clareza e objectividade o tema da velhice em termos de género. «Alcipe» aborda neste seu ensaio a essência, os direitos e deveres da velhice. A referência e o perilhar do pensamento de Cícero denota que «Alcipe» comunga do universo da cultura clássica que constituía a base da erudição da elite culta do século XVIII e XIX. A referência e o perilhar das ideias de Montaigne prende-se a nosso ver com o facto de nos anos setenta, Leonor sentir-se fascinada pelos enciclopedistas, lia livros proibidos e parece não ter sempre em conta os perigos que corria com o seu comportamento. Tirse (Dona Teresa de Mello Breyner, condessa do Vimieiro) aligia-se com as leituras da amiga, «Alcipe», com a divulgação abusiva dos seus poemas e mesmo com os seus estudos. Em primeiro lugar, temia a circulação indevida dos seus poemas. Em segundo lugar, Tirse icava preocupada com o facto de Leonor estudar inglês e aconselhava-a a dedicar-se também ao latim para criar uma espécie de equilíbrio. Tirse tinha a noção ou partia do pressuposto da época, que os conhecimentos e as competências de uma mulher dever-se-iam manter em segredo tal como as suas produções escritas. Palavras-chave: Tratado da Velhice, Alcipe, Tirse, Classicismo, Iluminismo e Pré-Romantismo * Investigador do Centro de História da Universidade de Lisboa, Doutorando em História Contemporânea pela Faculdade de Letras de Lisboa e Professor proissionalizado de História do 3º Ciclo do Ensino Básico e Secundário. É, ainda, membro externo do grupo de investigação “Direitas, Memória e História” da Universidade Federal de Juiz de Fora do Estado de Minas Gerais (Brasil). 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 81 “Tanto eu como minha mulher nos admirávamos de minha Avó ter sido perseguida, no princípio do século, pelas suas opiniões políticas. Ninguém melhor do que ela compreendia o progresso literário do século, e as suas produções literárias o provam, mas o progresso político nunca o compreendeu ou não quis compreender” 1 1 MASCARENHAS, D. José Trazimundo, Memórias do Marquês de Fronteira e d’Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861, Parte VI (1834 a 1842), p. 263. 82 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira O ensaio, Tratado da Velhice, de cariz ilosóico foi redigido de modo a explanar com clareza e objectividade, o tema da velhice em termos de implicações e de consequências para os géneros masculino e feminino. «Alcipe» aborda neste seu ensaio a essência, os direitos e deveres presentes na velhice. «Alcipe» num discurso mesclado de grande erudição, de sapiência da essência da vida humana e de lógica racional dissertou acerca da velhice no que toca aos deveres: “[…] examinemos os deveres da velhice, o respeito e a decência que se deve aquela idade e conheçamos também as vantagens que delas se podem tirar para gozarmos. A vida não consiste no espaço do tempo, mas no uso que dela se sabe fazer. É preciso fazer-se um plano, e segui-lo com irmeza: porque enim, mudar de projecto e de conduta, é retalhar a nossa vida, nós abreviamo-la pela nossa ligeireza e entendêmo-la com a nossa conduta uniforme. […] Nós chegamos a cada idade da vida sem saber gozar, nem conduzir-nos nela; quando ela passou, então vimos o uso que dela poderíamos fazer; mas como as saudades são [?...], no caso que elas nos não corrigem, tratamos de aproveitar do tempo que nos resta. Ajudo-me com as minhas relexões e como me vou chegando para aquele tempo em que tudo nos escapa, quero tornar a achar na minha razão o valor das coisas que perco. […] Nós temos em envelhecendo os males comuns à humanidade. Os males do corpo e do espírito são a consequência de uma certa idade: a velhice, diz Montaigne, põem mais carquilhas (?) no espírito que no rosto. As paixões esperam-nos na carreira da vida, e parece que são toques onde necessariamente se háde entrar. Das paixões ardentes, diz Montaigne, passamos às geladas para sentimentos tristes acompanham a velhice: e secam nos nossos corações a origem da alegria, e dos prazeres ela enfastia que do presente, e teme o futuro: faz insensível a tudo excepto a dor. […] Vós deveis ao mundo os deveres da decência; mas vós deveis sentimentos permitidos e inocentes ao amor da vossa dignidade: porque é preciso viver respeitosamente consigo, e precisa também para o vosso próprio descanso; mas deve-se assentar que há sentimentos que o divórcio custa à alma; vós não conheceis o seu preço, e vós não sabeis fazer uso dele senão quando preciso abandonar. Nenhuma idade mais adiantada o gosto vem a ser mais delicado sobre o que o fere, e mais superlativo sobre o que lhe agrada. […] Deve-se com docilidade submeter-se as alições da sua idade e 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 83 seu estado: a natureza faz uma espécie de tratado com os homens, não lhe dá a vida senão debaixo de condições não do nada de propriedade e o que faz é emprestar. Não precisa revoltar-se contra as consequências naturais da humanidade. Perguntava-se a um Filósofo que tinha cento e sete anos se ele não achava a vida sensabor?. Não tenho que me queixar da minha velhice, respondia-a, porque não abusei da minha mocidade. […] Um dos deveres da velhice é de fazer uso do tempo: quanto menos nos falta mais pressiono nos deveres. O tempo dos cristãos, é o preço da Eternidade; e sem o empregar a correr atrás de ciências vãs e superiores a nós tiremos partido da nossa situação e conheçamos uma vez a aliança do nosso engenho” 2. Mas, de modo muito perspicaz «Alcipe» não virava as costas à velhice, não icando somente num pranto eterno de lamentações da mocidade perdida, de sofrimento e de sentimento de perda progressiva de tudo (sobretudo da beleza) e das faculdades que lhe diziam respeito, mas antes conseguia antever vantagens importantes para o ser humano, ora vejamos o que a poetisa assinala acerca da temática do envelhecimento: “[…] temos em nós mesmos com que gozar; mas não temos com que conhecer. Temos luzes próprias e necessárias para o que nos convém; mas nós não queremos icar aí, corramos atrás da verdade, que não são feitas para nós. Mas antes que nos obrigar a fazer buscas superiores ao nosso alcance. […] A Velhice livra-nos também da tirania das paixões e provam-nos que é um grande gosto que saber possa sem elas e um grande deleite que sentir-se superiores a ela e gastar conforme ao estado presente. Na mocidade fazemse uma ideia da velhice: são cuidados que nós nos damos não é a natureza que os dá porque tememos no estado em que estamos, as paixões do estado em que não estamos” 3. Em termos de igualdade de género patente no texto do Tratado da Velhice, conseguimos detectar duas situações, uma que se reporta à questão do medo em icar idosa, embora com prejuízo evidente para as mulheres; e, outra se prende com o facto de que para a velhice ter algum sentido deveria estar associada à devoção e à religião católica (no caso de «Alcipe») de modo a reconfortar o espírito humano nesta sua última etapa de vida terrena. 2 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 3 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 84 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira “Todos temem a velhice: considera-se como uma idade entregue à dor e à tristeza, onde todos os gostos e prazeres desaparecem. Cada qual perde à medida que se adianta na idade e as mulheres ainda mais que os homens. Com todo o seu merecimento consiste em atractivos anteriores, é que o tempo os destrói; elas se acham absolutamente sem nada: porque as poucas mulheres a quem o merecimento dure mais que a beleza. Vamos ver senão é possível de os suprir; e como não há bem nenhum por mais pequeno que seja que não valha algumas coisas nas mãos de uma pessoa hábil, aproveitemos do tempo da velhice e cuidemos em fazer uso dele para a nossa perfeição e nossa felicidade”4. Pensamos que seja oportuno tecer algumas considerações relevantes acerca do universo mental e do contexto de vida de «Alcipe» de modo a explicitar o objecto de estudo em termos de um contexto histórico mais ou menos alargado, uma vez que desconhecemos a data do Tratado da Velhice. Acerca da “personalidade” e do peril psicológico de «Alcipe», transcrevemos uma interessantíssima consideração que visa enaltecê-la na sua singularidade: “as desilusões dos homens e os tormentos dos tribunais não logram secar-lhe no peito as fontes da piedade e afecto humano. «Mãe de Cacilhas» lhe chamam os pobres, os enfermos e os encarcerados da outra banda do Tejo. Mãe dos infelizes lhe chamam quantos desventurados batem ao ferrolho do seu palácio de Benica e da sua quinta de Almeirim”5. A vertente mental da actividade literária de «Alcipe» oscila entre o cesarismo apostólico, aliado do classicismo greco-latino e o democratismo laico, oriundo da Reforma e do Enciclopedismo: “prisioneira, não noviça, menos professa, do mosteiro de Chelas, ela surge na vida à hora em que se defrontam, ameaçadores, dois mundos antagónicos – o do cesarismo apostólico, aliado do classicismo greco-latino, e o do democratismo laico, alimentado ao seio da Reforma e da Enciclopédia, a anunciar o advento do Romantismo, vergôntea germano-saxónica enxertada na tradição medieval. E nada como a correspondência 4 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 5 COSTA, Sousa, A Mulher no Amor, Beleza, na Arte, na Religião, na Política, p. 360. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 85 germano-saxónica enxertada na tradição medieval. E nada como a correspondência epistolográica de Alcipe deine a sua posição, a posição da Safo lusitana, - assim a designam os amigos clássicos – a posição da Stael portuguesa – assim lhe chamam os amigos modernistas – no plano dois mundos em guerra sem quartel. Colocada entre o cesarismo e o classicismo dos maiores, que sob os cânones próprios a baptizam e educam, as suas cartas airmam que nem as grades do mosteiro logram cotar-lhe o vôo para os horizontes incertos donde vem o alvor dos cânones novos. […] Escreve sonetos e odes. Traduz poetas ingleses e alemães. Dá o alerta da era que rompe, nos horizontes brumosos – a estufa das lores artiiciais do arcadismo greco-latino a cair na penumbra do sol posto, o horto das lores naturais da idade nova, regadas com as águas vivas soltas das nascentes da Idade Média, a doirar-se do sol que nasce” 6. 1. Notas Ideo-Biográicas de «Alcipe» (1750-1839) Dona Leonor de Almeida Portugal nasceu em Lisboa, a 31 de Outubro de 1750 e era a primeira ilha de D. João Almeida Portugal (homem culto, 2º Marquês de Alorna e 4º Conde de Assumar) e de Dona Leonor de Lorena e Távora7. «Alcipe» via no pai o mestre que mais admirava, seria o professor a quem mais procurava impressionar, em síntese, o seu verdadeiro interlocutor. «Alcipe» neta dos Marqueses de Távora, supliciados publicamente em 1759 por suspeitas de envolvimento no atentado ao rei D. José, ocorrido a 3 de Setembro de 1758. A sua família, pais, irmã e irmão foram perseguidos e aprisionados por ordens do Marquês de Pombal, então Primeiro-ministro do Rei D. José. De facto, D. João Almeida Portugal foi acusado de ter emprestado uma espingarda caçadeira a um dos conjurados contra o hipotético senão forjado atentado contra o Rei de Portugal. Foi preso a 13 de Dezembro de 1758 na Torre de Belém, tendo sido posteriormente transferido para o Forte da Junqueira. Enclausuraram-lhe a mulher, que enlouqueceria e as ilhas: Dona Leonor de 8 anos e 6 COSTA, Sousa, A Mulher no Amor, Beleza, na Arte, na Religião, na Política, pp. 353 e 360. 7 Marquesa de Alorna, Poesias; ANASTÁCIO, Vanda, A Marquesa de Alorna (1750-1839); ANASTÁCIO, Vanda, “Biograia de Alcipe”, http://www.fronteira-alorna.pt/pdf/biograia_alcipe.pdf. Uma versão anterior deste texto foi publicada em Dicionário no Feminino, Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 503-506. 86 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira D. Maria de 6 anos de idade no convento de S. Félix, em Chelas, a 14 de Dezembro. Ao ilho, D. Pedro Almeida Portugal, foi possível seguir os estudos em Coimbra, o que lhe habilitou para uma carreira de armas. Durante dezoito anos estiveram os Alornas privados da liberdade, só a morte de D. José, ocorrida em 1777 e subsequente afastamento, queda em desgraça de Pombal, permitiu que a liberdade lhes fosse restituída. Por insistência de D. João de Almeida Portugal, que exigiu a revisão do seu envolvimento no processo dos Távoras, pouco depois de ter subido ao trono Dona Maria I, a Rainha faria publicar posteriormente o decreto de 17 de Maio de 1777, declarando inocentes os Marqueses de Alorna e restituindo-lhes os privilégios entretanto abolidos. Na sua reclusão do convento de Chelas, passando a primeira quadra da sua vida, em companhia da sua mãe e da sua irmã, entregou-se a profundos estudos, à composição de melodiosas poesias, que alcançaram grande fama e que iguraram depois nas suas obras completas com o título de Poesias de Chelas. Francisco Manuel do Nascimento, com o nome Filinto Elísio8 e na companhia de alguns dos seus amigos poetas, começou a ir ao convento de Chelas, recitando versos, pedindo motes às freiras, esperando que nessas ocasiões encontrar Leonor de Almeida Portugal e ouvi-la através da grade. Com efeito a jovem poetisa apareceu, brilhou e confundiu os admiradores pelo seu talento. Data destes encontros o nome de «Alcipe», com que eles a celebraram9. As leituras do período de Chelas (1758 a 1777) foram: Rousseau, Gray e Young. O mestre da sua juventude foi o Padre Francisco Manuel do Nascimento, que imbuído de ideais enciclopedistas e liberais, foi perseguido pelo Santo Ofício e viu-se forçado a exilar-se em Paris, onde viria a falecer. Gray contagiara «Alcipe» pela sua humaníssima melancolia. Edward Young (1681-1765) transplantou as infelicidades da sua vida para os célebres poemas conhecidos mundialmente por Noites de Young. O sentimentalismo e a melancolia dos seus versos haviam de tocar a sensibilidade de muitos corações. 8 Filinto Elísio é o nome arcádico que «Alcipe» atribuiu ao seu mestre de juventude, o Padre Francisco Manuel do Nascimento. Traduziu obras clássicas e pré-românticas de autores franceses e deixou vasta produção poética original, em Versos de Filinto Elísio de 1798. Sobretudo pelos temas que tratou aproximou-se bastante do Pré-Romantismo: ideias políticas liberais, sentimentos íntimos (a saudade, a tristeza, a solidão, a esperança de regressar à Pátria primeiro e depois o desespero de regressar), apreciações literárias e amargura de determinados episódios vividos. 9 Marquesa de Alorna, Poesias. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 87 «Alcipe» nos anos destinados ao convento tinha com a sua irmã aulas alternadas de Latim e de Árabe. Conhecia poetas como Corneille e Racine que lhe conferiram uma lição acerca do calmo conformismo; outros robusteceram-lhe os hábitos mentais do passado como Bossuet, Pascal, Bourdaloue e Fénelon. Mas, na galeria das suas preferências está ao lado de Horácio (mestre de todos os Árcades, que Filinto Elísio lhe ensinara a amar), o inglês Young cujos Night-Thougts circulavam na tradução francesa de Le Tourneur, dando a volta à Europa culta. Consta que «Alcipe» era de carácter afável, sabia amenizar com a sua meiguice e candura ilial as amarguras da sua pobre mãe e tornara-se muito querida pela sua amabilidade diante de todas as religiosas do convento10. «Alcipe» lia para além do já assinalado Rousseau, d’Alembert conhecendo pelo menos o “Discours Préliminaire” da Encyclopédie; o Marquês d’Argens que formulou o conceito revolucionário em tempos de docilidade perante a autoridade; Voltaire que apaixonou-a pelo seu espírito reformador e de novidade; Locke, por estimular a relexões sobre Educação bem como sobre a autoridade do poder. Defendia Newton porque a sua indagação lhe revelava as maravilhas da criação divina. Defender a Física que ele considerava como um meio para estabelecer uma nova religião ou uma total transformação do Cristianismo, fez com que «Alcipe» julgasse as teses de Newton compatíveis com as suas convicções religiosas. Lia textos de ilósofos racionalistas como Wolf, Condillac, Verney, Padre Teodoro de Almeida e Bufon. Aprendeu Alemão, Inglês, Italiano e Francês. Passou a ler Goethe, Burger e Wieland. Interessavam, ainda, a «Alcipe» questões de política na qualidade de ela própria ter sido uma vítima de abuso do poder, por via do Marquês de Pombal. Neste aspecto, «Alcipe» inscrevia-se numa das características essenciais da psicologia do romântico, que é a defesa da liberdade política ser incompatível com qualquer espécie de tirania, se preciso fosse gritaria contra os tiranos e promoveria revoluções. A par dos seus trabalhos artísticos e literários, Leonor entregava-se também à pintura, dispunha ainda de tempo para ajudar no serviço da enfermaria, do refeitório e de organista do convento. 10 Marquesa de Alorna, Poesias. 88 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira A 24 de Fevereiro de 1777, fechava-se o sepulcro do rei D. José e «Alcipe» viu abrir-se-lhe simultaneamente a porta da liberdade dos longos dezoito anos de clausura. Libertada, tal como a sua restante família, na sequência do perdão concedido por D. Maria I aos presos políticos, «Alcipe» frequentaria durante algum tempo, os círculos literários de então. Quando D. João Almeida Portugal, 2º marquês de Alorna, saiu da prisão, dirigiu-se ao convento, onde na grade o esperavam a sua mulher e as suas duas ilhas, acompanhado de parentes e de mais pessoas para as cumprimentarem. O marquês e sua família foram viver para a quinta de Vale de Nabais, que possuíam nas proximidades de Almeirim. Dona Leonor Almeida Portugal era o encanto e o enlevo da sociedade da época. O seu talento, o prestígio do infortúnio que sofrera, a audácia de se ter afrontado contra as iras do marquês de Pombal, tornaram-na digna da maior consideração e respeito. Casar-se-ia com um idalgo alemão e viajou por vários países da Europa, sendo conhecida como poetisa, e pelos seus trabalhos de pintura. “O palácio do Marquês de Alorna recebia nobremente nacionais e estrangeiros. Entre estes foi ali apresentado um militar Alemão, o Conde de Oeynhausen, primo e ajudante do recém-chegado Conde de Lippe. O moço Conde viu diante de si uma jovem senhora, com uns cabelos, que se tinham metido medo ao Arcebispo, não metiam nenhum aos ajudantes do Austríaco Marechal, com uns olhos brilhantes que pareciam falar, elegante, seio tão arrebatador como indiscreto, com a nobre distinção que era tão sua, falando seis línguas, tocando, cantando, poetando, perfumando graciosa o lar de seus pais. O pobre Conde caiu-lhe aos pés, e jurou-lhe que para a esposar tudo abandonaria por ela, até a própria Religião, como efectivamente abandonou, fazendo-se católico” 11. Em 1778, «Alcipe» decidiu casar-se contra a vontade de seu pai, com o conde de Oeynhausen (1739-1793), alemão, luterano e de situação inanceira pouco próspera, que renegaria a sua fé numa cerimónia pública de baptismo realizada a 15 de Fevereiro de 1778, na qual foram padrinhos a rainha D. Maria I e o rei D. Pedro III. Em Fevereiro de 1779 «Alcipe» casava-se com o jovem oicial conde de Oeynhausen. «Alcipe» mudou-se para o Porto, onde o marido fora chamado para desempenhar um cargo militar até 1780. Graças à interferência da poetisa 11 COSTA, Dom António da, A Mulher em Portugal, pp. 233 3 234. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 89 junto da Rainha, Oeynhausen seria nomeado Ministro Plenipotenciário em Viena, cidade para onde o casal se mudaria ainda no decurso do ano de 1779. Tanto quanto se sabe, «Alcipe» e Oeynhausen foram uma presença notada na Corte de Viena, onde estabeleceram relações de cordialidade com o Imperador José II, que a condecorou, com o Papa Pio VI que visitou a cidade nesse período, com Pietro Metastasio, com o ilósofo Moses Mendelsohn e com o músico português Abade Costa. A correspondência trocada com a condessa do Vimieiro documenta-nos o encontro de «Alcipe» com Luísa Todi bem como a frequência dos salões vienenses e a amizade com a condessa Maria Wilhelmine de Uhfeld, condessa de Thun-Hohenstein (1744-1800)12. A sua integração nos círculos da alta aristocracia de Viena é-nos conirmada pelo facto de o nome do seu marido igurar na lista dos subscritores dos concertos aí realizados por Wolfgang Amadeus Mozart, em 1784. Apesar da sua integração na vida social e do interesse que a autora manifestou pela língua e pela literatura alemãs, a permanência de «Alcipe» em Viena foi relativamente curta. Com efeito, D. Leonor saiu de Viena nos inais de 1784 para se estabelecer, em Outubro do mesmo ano, em Avinhão. A família Oeynhausen permaneceria cerca de seis anos no Sul de França. Mas sabe-se que em 1787 e 1788 «Alcipe» passou longas temporadas em Lisboa sem o marido, durante as quais, para além de frequentar os salões da condessa do Vimieiro, procurou mover inluências a favor do conde de Oeynhausen. Após o regresso a Portugal, em 1790, foi atribuído ao conde de Oeynhausen o cargo de governador militar do Algarve, posição que não chegou a exercer, por falecer a 3 de Março de 1793. Em 1793 morria o marido, com 53 anos de idade e deixava «Alcipe» viúva com 43 anos de idade e cinco ilhos. Nesses anos de Almeirim e de Almada, onde existiam as propriedades da família, rodeou-se de crianças, dos seus próprios ilhos e de ilhos alheios, primando pela dedicação da educação dos ilhos, pela beneicência e pela instrução das moças da região13. 12 EHRHARDT, Marion, “As relações germânicas da Marquesa de Alorna”; CASTRO, Aníbal Pinto de, PEREIRA, José Esteves, DELILLE, Maria Manuela e ALMEIDA, Teresa de Sousa de, Alcipe e as Luzes, p. 258. 13 Marquesa de Alorna, Poesias. 90 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira «Alcipe» tornou-se, assim, muito estimada por todos, através dos grandes benefícios que dispensava constantemente aos carenciados locais, pagando a uma mestra para ensinar as raparigas, tanto daquela vila como das povoações vizinhas, a ler, escrever, coser, e outras prendas próprias do seu género feminino. Essa propensão do género feminino é-nos sistematizada por Cristina C. Vieira e Heloísa Perista, airmando que “a maior longevidade das mulheres associada à sua maior autonomia ao nível da domesticidade são fatores que lhes permitem viver sozinhas mais tempo, [...], e que ainda as tornam as principais cuidadoras informais na família, entrincheiradas entre as gerações de ilhos/as (e de netos/as) e as de progenitores/ as idosos/as” 14. «Alcipe» entregou-se, ainda, em Almeirim a versejar e a traduzir do inglês Thomson em A Primavera e Solidões e o alemão Cronegk. Thomson deu o grito de partida para uma interpretação subjectiva da Natureza. «Alcipe» discutia com Muller a riqueza da língua portuguesa comparada com a da alemã. Traduziu parcialmente o poema “Oberon” do alemão Wieland15, para provar a superioridade do idioma de Camões. Cultivou o soneto com grande esmero. Na sua vasta produção poética (Obras Poéticas, 6 volumes, 1844) vislumbra-se uma evolução nítida: do arcadismo ilintista da mocidade passou por uma fase de meditações ilosóicas ao estilo de Thompson até ao Pré-Romantismo. Existe, com efeito, nas poesias de «Alcipe» muito subjectivismo, o culto do “Eu”, a predilecção vincada pelos ambientes sentimentais, a expressão premente e incontida da ânsia de liberdade. No entanto, a amizade literária com D. Catarina Micaela de Lencastre, 1ª viscondessa de Balsemão (1749-1824), que as suas obras documentam, parece estreitar-se nesta época e, entre os anos de 1793 e de 1802, 14 VIEIRA, Cristina C. e PERISTA, Heloísa, “Introdução. Para uma compreensão genderizada do processo de envelhecimento”, p. 9. 15 Wieland (1733-1813) nutria um escárnio e independência semelhantes aos de Voltaire, o que agradaria signiicativamente «Alcipe». 1 – Leonor de Almeida Portugal, 4ª Marquesa de Alorna, por Franz Joseph Pitzschmann, Viena, c. 1780, Fundação das Casas de Fronteira e Alorna (foto: Wikimedia Commons) 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 91 manteve relações de intercâmbio literário com alguns poetas da Academia de Belas Letras (associação que também icou conhecida pela designação de Nova Arcádia), como Francisco Joaquim Bingre e outros. É datável do mesmo período o relacionamento com Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), comprovado não só pela troca de poemas entre ambos, mas também, pelo facto de o nome da condessa de Oeynhausen igurar entre os subscritores do segundo tomo das suas Rimas em 1799 e de Bocage lhe ter dedicado o terceiro tomo das mesmas, impresso em 180416. Nestes primeiros anos da sua viuvez, «Alcipe» parece ter gozado de algum favor junto da Corte, apesar de D. Maria I estar já, nessa data, afastada do poder. Com efeito, em 1801, por alvará de 9 de Novembro, foi nomeada Dama de Honor de Dona Carlota Joaquina. No ano seguinte «Alcipe» foi formalmente convidada a sugerir os temas que presidiram à decoração do Palácio da Ajuda. Quando começaram as desinteligências no Paço Real entre o Príncipe-Regente D. João e a Princesa Dona Carlota Joaquina, «Alcipe» interveio nelas na qualidade de simpática medianeira, de promotora da paz entre o casal e, obviamente, de Dama de Honor de Dona Carlota Joaquina. «Alcipe» vivia também rodeada de literatos como era seu apanágio e contava-se que Filinto Elísio e ela própria alimentavam uma tertúlia literária, a Sociedade da Rosa ou a Maçonaria Branca. Sociedade essa em que “a Marquesa de Alorna, elevando as suas salas à categoria de um centro literário, recebia também as poetisas” 17, mas não escapava ao intendente-geral de polícia, Pina Manique. Tal nos é sugestivamente explicitado por Hernâni Cidade “[…] mas como para muito mais encontrava aptidões, tendências, fervores no seu bulício interior, ei-la organizando entre os frequentadores e frequentadoras das suas salas uma espécie de maçonaria branca – a Sociedade da Rosa […]. Certíssima para criada para servir o Trono e o Altar, quis envolvê-la do prestígio e garantir-lhe a fascinação que o mistério infalivelmente lhe daria – e Pina Manique, tão zeloso como desconiado, não se demorou a intervir, com vivaz aparato de forças militares e policiais […] por intermédio de seu neto, D. José Trazimundo, que conta o caso nas suas Memórias (I). Sabemos que o Intendente lhe revistou a casa que habitava à Boa-Morte, apreendeu papéis, que não seriam apenas 16 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias. 17 COSTA, Dom António da, A Mulher em Portugal, p. 241. 92 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira versos, e mandou para a Polícia, para ser examinada, uma máquina que decerto lhe teria causado pavor ainda mais vivo do que a policial curiosidade desperta, tanto mais que o espírito irónico da condessa logo aproveitou o ensejo para seu desforço, pela troça” 18. Veriicou-se na Intendência que o pretenso temível engenho de guerra da Sociedade da Rosa não passava de uma tripeça inglesa com as suas duas bombas. Este engano e/ou desaire do Intendente não impediu que se cumprisse a ordem de exílio a «Alcipe», tendo sido intimada pelo próprio Intendente-Geral da Polícia a abandonar o País, a 6 de Outubro de 1802. «Alcipe» passou os anos de 1803 a 1814 no exílio forçado, primeiro em Espanha (até 1804) e, depois em Inglaterra, ao que parece envolvida em actividades de carácter político de teor anti-napoleónico. De facto, «Alcipe», que na clausura do convento de Chelas e enquanto vítima dos excessos do poder absoluto, parecera aderir ao ilosoismo revolucionário, sentia agora perante as ameaças napoleónicas a fervorosa revivescência do seu tradicionalismo religioso e patriótico. Fez diligências tendentes ao sucesso da sua missão secreta junto das Cortes europeias, no intuito de convencer o Príncipe-Regente D. João de modo a aproveitar os seus préstimos para que os dois generais vendeanos19 que albergou em sua casa encontrassem entre nós os socorros que pediam para restaurar em França o trono idelíssimo. Foi em Inglaterra que «Alcipe» se relacionou com Madame de Stael. Eis a apreciação de Karen Ofen acerca da Madame de Stael, “c’est l’intrépide Madame de Stael, championne de la liberté, ennemie jurée de Napoléon, et indubitablement la femme la plus célèbre de toute l’Europe au début du XIXème siècle, qui brandit avec vigueur le drapeau féministe durant les années où Napoleón et ses armées étaient embarqués dans la conquête de l’Europe. […] Le débat sur la question des femmes, les problèmes rencontrés par une femme de génie au sein d’une société répressive, la diiculté de combiner amour et accomplissement, tout cela se trouve à la fois dans sa vie et dans son ouvre, 18 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias, pp. XXXIII e XXXV. 19 Um deles era um jovem general francês de nome Forestier, de quem se julga que «Alcipe» teria sido amante e, que a mesma ao cuidar dele, por motivos de doença, o terá envenenado involuntariamente, acabando por morrer. Informações colhidas numa reunião de trabalho tida com o Dr. Fernando Mascarenhas, 12º Marquês de Fronteira e entusiasta dos estudos em torno de «Alcipe». 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 93 y compris dans ses romans les plus illustres, Delphine (1802) et Corinne (1807). Elle allait devenir la source d’inspiration d’une nouvelle génération d’activistes féministes, après la restauration, en 1815, de la paix armée en Europe et l’installation d’une monarchie «constitutionelle» en France – avec un roi autoritaire, Louis XVIII, au sommet du pouvoir” 20. Foi, ainda, na cidade londrina que «Alcipe» passou a conhecer mais alguns reais desgostos familiares, verdadeiras catástrofes pessoais que agravaram a angústia material em que vivia: § a ilha Dona Luísa foi raptada pelo médico português Carneiro de Araújo, que estanciava na capital inglesa; § a condessa da Ega, D. Juliana, comprometeu o seu nome próprio e o do marido por seus amores escandalosos com Junot, o que a tornou odiosa aos olhos dos patriotas portugueses, que lhe negaram num futuro próximo (apesar da meia reabilitação pelo seu segundo casamento com o conde russo de Stroganof e da protecção do Czar) o regresso a Portugal; § recusaram-lhe coniar os netos à sua vigilância e educação; § o ilho não acedeu ao seu chamamento que a poderia defender e cujo garbo, dizia ela, mostraria aos ingleses o físico airoso de uma “raça” que, julgada pela fealdade do Embaixador, D. Domingos, poderia crer-se que fosse de orangotangos21; § Finalmente, o irmão D. Pedro Almeida Portugal (3º Marquês de Alorna) sabia que lhe havia sido colocada em Portugal a cabeça a prémio como réu de traição por participar na invasão de Masséna. A 2 de Janeiro de 1813, antes de lhe ser possível reabilitar-se, morria em Konigsberg, de frio e de saudade. Segundo Hernâni Cidade “ocorrem momentos no exílio, que a desolação que a vida não lhe poupa e como ser humano que sofre exalara-lhe estes gemidos de dor: «nem as parentes mais próximas se atreviam a escrever-me» pela perseguição que lhe é movida por ser a mãe da condessa da Ega e a irmã do Comandante da Legião Portuguesa que lhe parece estender-se de Portugal à Inglaterra, onde não tem outro meio 20 OFFEN, Karen, Les Féminismes en Europe (1700-1950). Une histoire politique. Traduit de l’anglais (américain) par Geniviève Knibiehler, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, [2012], p. 120. 21 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias. 94 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira para viver senão «em profunda solidão, silêncio e abandono de Deus”22. Todos os amigos a quem escreveu lhe iam lamentando a situação. A Inglaterra não a encantava excessivamente, pois não tinha Sol, vinho e nem água; existiam somente fábricas, relexão e amor próprio, destacando «Alcipe» que a sua principal riqueza seria o dinheiro. Da literatura inglesa detestava Shakespeare, considerando-o “doido e grosseiro”, Milton seria gigantesco. Mas, simultaneamente parecia manter a moderação e o equilíbrio clássicos, agradando-lhe Pope, o “único que parece ter juízo e gosto”23. Por isso, traduz de Pope o Ensaio sobre a Crítica e a Arte Poética de Horácio. Mas, não era insensível à comoção romântica de Ossian de que traduziu o episódio “Darthula”, nem à melancolia humaníssima de Gray e o Cemitério da Aldeia o atesta. Foi também em Inglaterra, certamente por sugestões do ambiente em que tinham surgido The Seasons de Thomson e Botanical Garden de Erasmo Darwin, que «Alcipe» escreveu as suas Recriações Botânicas. «Alcipe» regressava deinitivamente em 1814, por ocasião da paz geral. Todavia, a tentativa de regresso deinitivo ocorrera já em 1809, tendo sido frustrada, uma vez que as autoridades portuguesas impuseram-lhe o regresso a Inglaterra, com o pretexto de se ter apresentado sem passaporte; eventualmente tê-lo-ia perdido no navio24. «Alcipe» dedicou-se durante dez anos à reabilitação da memória do seu irmão, que havia sido condenado em Portugal por Inconidência pelo facto de ter comandado a Legião Portuguesa no Exército Napoleónico e ter participado na terceira Invasão Francesa a Portugal, comandada por Masséna. «Alcipe» acabou por conseguir a revisão da sentença e a recuperação dos títulos de Marquês de Alorna e de Conde de Assumar. Tal é-nos conirmado por Isabel Drumond Braga, que assinalando que “seria Dona Leonor a conseguir a reabilitação de D. Pedro, seu irmão, por sentença de 16 de Agosto de 1823. Para tanto, teve que levar a efeito diversas diligências, tentando provar que os bens coniscados eram bens vinculados e, como tal, teria a sua administração que ser restituída ao titular da casa, agora a própria marquesa. Apresentou, inclusivamente, documentos antigos, tendo 22 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias, p. XL. 23 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias, p. XLII. 24 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 95 recorrido ao trabalho de um paleógrafo, para sustentar as suas pretensões. Nesse labor, a marquesa escreveu ainda uma memória justiicativa dando conta das acções militares do seu falecido irmão para, desse modo, provar que a sentença que o condenara por crime de lesa-majestade tinha sido injusta. No texto foram citadas cartas, depoimentos e documentos judiciais” 25. O facto de a sua cunhada e dos seus dois sobrinhos terem já falecido, tornou-a herdeira destes, com o título de 4ª marquesa de Alorna. Mas, mesmo assim, a vida de «Alcipe» continuava a conhecer problemas e diiculdades de vária ordem, tal qual nos explicita Isabel Drumond Braga: “mesmo após 1823, o endividamento e as consequentes diiculdades inanceiras contribuíram para que Alcipe tivesse diversas demandas em resultado da administração da sua casa. As cartas que escreveu ao banqueiro Carlos Higgs são reveladoras dessas diiculdades. Por essa documentação icamos também a saber que Dona Henriqueta, sua cunhada, recebia certa quantia paga através dos rendimentos das terras da Casa de Alorna. O quantitativo era entregue a Alcipe que, em seguida, o remetia para Lisboa. Por diversas vezes, em 1823 e 1824, é referida «a mezada regular da minha cunhada a Marquesa d’Alorna», supomos que se referia aos 50.000 réis que Dona Henriqueta deveria receber mensalmente, de acordo com o que icara estipulado no seu contrato de casamento. Desconhecemos o destino dos bens particulares da marquesa sequestrados em Vila Viçosa. Teria D. Henriqueta conseguido obtê-los?. Ou pelo contrário teria passado o resto da sua vida empenhada nas demandas judiciais que durante tanto tempo também ocuparam a sua cunhada, D. Leonor (Alcipe), a quarta marquesa de Alorna?” 26. Conseguida a reabilitação do irmão e empossada «Alcipe» do morgado e do título do Marquesado de Alorna, parecia que a vida lhe seria a partir de agora fácil e a pena da poetisa, da escritora não mais haveria de se ocupar de outras letras além das belas-artes, não mais ela teria de esforçar-se a redigir cartas, representações ao Governo, instruções a letrados e a procuradores; mas, com efeito, não sucedeu assim. Em breve teria empenhado uma grande parte do seu património material. Durante todo o resto da sua existência, a situação persistia em manter-se numa penúria dourada. 25 BRAGA, Isabel Drumond, Vivência no Feminino, p. 190. 26 BRAGA, Isabel Drumond, Vivência no Feminino, p. 190. 96 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira Foi sobretudo depois do seu regresso de Inglaterra que «Alcipe» ocupou um lugar central na vida intelectual de Lisboa. Apesar de ter lutado com diiculdades inanceiras abriu as portas das residências onde viveu na capital a poetas e literatos que a visitaram também durante as temporadas que passou em Almada e em casa do seu neto, o sétimo marquês de Fronteira, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, no seu palácio de São Domingos de Benica. «Alcipe» tornara-se uma igura central nas tertúlias literárias de Lisboa, desempenhando o papel de mediadora entre poetas de gerações diversas, que viam a frequência do seu círculo de relações como um sinal de prestígio e de legitimação do talento. Foram os casos de poetas então muito jovens como António Feliciano de Castilho (1800-1875) e Alexandre Herculano (1810-1877), que consideravam «Alcipe» como uma igura tutelar 27. Entre os anos de 1816 e 1829, «Alcipe» frequentou também as assembleias que tiveram lugar em casa de Francisca Possolo da Costa (1783-1838), uma escritora 33 anos mais jovem, que juntava na sua casa personalidades ligadas ao Liberalismo, com as quais o marido desta poetisa mantinha relações excelentes neste campo político, mas também outros poetas de várias idades e de diferentes percursos ideológicos. «Alcipe» morria a 11 de Outubro de 1839, com 89 anos de idade. Tal como aconteceu com a grande maioria dos poetas e das poetisas seus contemporâneos, «Alcipe» não publicou em vida a sua poesia, que foi dada à estampa, em 6 volumes, pelas suas ilhas Henriqueta e Frederica, em 1844, cinco anos depois da sua morte. Com o título Obras Poéticas de D. Leonor d’Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Marquesa d’Alorna, Condessa d’Assumar e d’Oeynhausen, conhecida entre os poetas portugueses pelo nome de «Alcipe», esta publicação inclui, para além das obras poéticas originais da poetisa, as suas traduções de Claudiano, Gray, Goethe, Burger, Cronek, Metastasio, Milton, Thompson, Goldsmith, Lamartine, Klopstock, Wieland e pseudo-Ossian. 27 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 97 2 – Mausoléu dedicado a «Alcipe» (Cemitério dos Prazeres, jazigo n.º 336, foto de Francisco Queiroz) 98 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira 1.1 Será «Alcipe» inédita no quadro das mulheres escritoras? Em 1843, Francisco Joaquim Bingre, então com 80 anos de idade, redigiu um poema heróico em três actos, intitulado “As Mulheres”, no qual se refere a algumas escritoras suas contemporâneas. A condessa do Vimieiro, a condessa de Oeynhausen ou «Alcipe», a viscondessa de Balsemão e Francisca Possolo da Costa foram elogiadas nestes versos. Enuncia-se, a título de exemplo, no apontamento correspondente a «Alcipe»: “a condessa de Nhausen, grande Filósofa e grande poetisa lírica, mulher de abalizados talentos e de óptimas ideias liberais, cuja casa frequentei algumas vezes com outros poetas do meu tempo” 28. Na nota relativa à viscondessa de Balsemão, pode ler-se o seguinte: “D. Catarina, Viscondessa de Balsemão, mulher muito estudiosa e bela poetisa lírica que muito frequentei e com quem tive muitos certames poéticos” 29 e, por im, na nota que remete para os versos que tratam de Francisca Possolo da Costa conta-se que “D. Francisca de Paula Possolo da Costa, nasceu em Lisboa a 4 de Outubro de 1783: foi dotada de muito talento e génio poético; pode dizer-se que foi a nossa Safo ou a nossa Corina. Corre um volume intitulado Francília, Pastora do Tejo, de harmónicos versos, por ela feitos: deixou impressas excelentes obras: entre elas a tradução da maravilhosa obra de madame de Stael, Corina ou a Itália e muitas outras, que correm nas mãos de todos. Era muito amável e de génio dócil e de suma política e tanto ela como seu pai, Nicolau Possolo, e sua mãe, D. Maria do Carmo Correia de Magalhães foram muito da minha amizade” 30. 3 – Frontispício das obras poéticas de «Alcipe» (1844) 28 Citado por ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 29 Citado por ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 30 Citado por ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 99 Na acepção de Vanda Anastácio “estes relatos de Francisco Joaquim documentam um facto frequentemente subvalorizado ou mesmo silenciado pelos historiadores literários: a intensa circulação de textos não impressos que ocorre durante o período de que aqui nos ocupamos, através da recitação, da leitura em voz alta e, no caso da poesia, do improviso, em reuniões sociais frequentadas por homens e mulheres de letras, que têm lugar na casa de mulheres-escritoras. Estas reuniões, a que os contemporâneos davam geralmente o nome de «assembleias» ou «funções», começam a estar na moda na década que se segue imediatamente ao terramoto de 1755 e a sua voga prolongou-se até perto da década de 40 do século seguinte” 31. Sabemos que, em termos dos costumes da sociedade portuguesa anterior a 1750, ou seja anterior ao ano de nascimento de «Alcipe», as mulheres viviam em situação de verdadeira clausura doméstica, coninadas a uma parte da casa, podendo apenas sair para assistir à missa e/ou às cerimónias religiosas, sempre acompanhadas. Mesmo em banquetes solenes da Corte, homens e mulheres comiam em mesas separadas, não se misturando sequer para dançar. Relativamente ao quotidiano das mulheres que viviam no seio familiar, a vida das freiras, na mesma época, seria muito mais aberta ao intercâmbio social, pautada por festividades religiosas e celebrações de efemérides conventuais às quais acorriam, para irem assistir, homens também 32. Segundo Vanda Anastácio, “a mudança de atitude em relação ao convívio entre os sexos, que não deixou de ter, como é natural, opositores (como sejam peças satíricas teatrais e alguma literatura de cordel de teor jocoso), foi atribuída pelos contemporâneos à perturbação da ordem social gerada pelo terramoto, ao maior aluxo de estrangeiros que se veriicou na viragem do século e a um maior conhecimento das «modas» de outros países, nomeadamente da França” 33. Acerca desta nova sociabilidade pós-terramoto 1755, Vanda Anastácio detalha do seguinte modo “[…] há mulheres-autoras que adquirem grande projecção, não só pelo talento que os contemporâneos lhe reconhecem mas, também, pelo papel «aglutinador» que desempenharam, reunindo à sua volta escritores, pensadores e personalidades ligadas ao poder. Trata-se, em geral, de senhoras casadas, que abrem as portas de suas casas ao convívio literário e presidem, acompanhadas pelo marido, às «assembleias» que 31 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 32 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 33 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 100 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira organizam. Oriundas, regra geral, da aristocracia ou da alta burguesia mercantil, sabemos os seus nomes, mas conhecemos muito pouco sobre as suas vidas e ainda menos sobre as suas obras, que ficaram quase totalmente por imprimir. […] Organizadas com periodicidade regular (geralmente uma vez por semana), estas tertúlias incluíam, para além da divulgação oral das obras dos participantes, uma refeição ligeira, música, canto e dança. Aparentemente informais, dirigem-se, de facto, a um público seleccionado, que só acedia a elas através de alguém que já fosse frequentador. Criam-se, deste modo, círculos de relações afectas a certas casas, mas acontecia frequentemente que os mesmos poetas fossem admitidos em mais de um grupo. A literatura surge, assim, integrada num estilo de vida. […] Na prática, quem sabe fazer poesia, improvisar e declamar tem acesso a círculos sociais que estão vedados àqueles que não nasceram no seio da aristocracia, por exemplo. Por outro lado, se é um facto que estas reuniões abriram espaço ao intercâmbio e à discussão de ideias, não devemos esquecer que nelas também se consagravam autores e se faziam e desfaziam reputações literárias, pelo que funcionavam, também, como verdadeiras instâncias de legitimação” 34. 1.2 Uma actividade discreta: Teresa de Mello Breyner, Joana Isabel Forjaz e Francisca de Paula Possolo da Costa Dona Teresa de Mello Breyner, nasceu a 1739, foi condessa do Vimieiro em 1766, por casamento. No inal dos anos 80 presidia em sua casa a assembleias frequentadas pelos poetas da Nova Arcádia, mas a sua actividade literária ter-se-ia iniciado dez anos antes. Os textos que lhe foram dirigidos por António Dinis da Cruz e Silva, António Ribeiro dos Santos, Nicolau Tolentino, Filinto Elísio e Domingos Maximiano Torres dão conta do intercâmbio poético que manteve com autores de diferentes gerações 35. Era amiga da família Almeida Portugal, visitando assiduamente Dona Leonor Lorena, Dona Leonor ou a futura «Alcipe», e D. Maria de Almeida Portugal, enquanto estiveram reclusas no convento de Chelas. D. Teresa de 34 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 35 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 101 Mello Breyner teria sido certamente uma das responsáveis pela circulação das poesias da futura 4ª Marquesa de Alorna, entre os literatos dos anos 70. Ela era a amiga, a conidente das horas de melancolia, a visita mais regular do convento de Chelas, era, no fundo, a mulher que conhecia o mundo secular, a intelectual iluminada com quem se podia dialogar 36. Dona Teresa correspondeu-se com Frei Manuel do Cenáculo, entre 1780 e 1785. Viúva em 1793, retirou-se para o convento de Santos, no qual professou em 27 de Junho de 1794. Foi prelada desse convento, onde se supõe que tenha permanecido até à morte. Outra escritora que presidiu a “assembleias” na mesma época foi Joana Isabel de Lencastre Forjaz, que era ilha de um idalgo da Casa Real e nasceu em 1745. Esta sua actividade está documentada no início dos anos 70 e parece ter terminado abruptamente depois da morte do seu marido, ocorrida por volta de 1755 37. 4 – «Alcipe», retrato publicado em MASCARENHAS, D. José Trazimundo, Memórias do Marquês de Fronteira e d’Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861, Parte I (1802 a 1818), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, s.d., p. 16. 36 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 37 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 102 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira Entre os homens de Letras que se lhe referem destacamos Nicolau Tolentino, Basílio da Gama, Caldas Barbosa, o Principal Botelho, Manuel Inácio Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto, tendo-se correspondido com José Anastácio da Cunha 38. Vanda Anastácio adianta-nos que “a correspondência inédita da Marquesa de Alorna dá a entender que teria existido, nos anos 70, uma rivalidade poética entre ambas, estimulada por grupos de poetas que tomaram um e outro partido, apesar de Alcipe viver então em Chelas e de, ao tempo da ocorrência, as envolvidas poucas vezes se terem encontrado” 39. Quanto a Francisca de Paula Possolo da Costa era trinta e três anos mais nova que «Alcipe», pois nasceu em Lisboa, a 4 de Outubro de 1783. Filha de um homem de negócios, Francisca de Paula viveu num ambiente socialmente privilegiado, tendo tido acesso na sua juventude à educação que, então, se ministrava às mulheres do seu meio. Teria estudado Música, Francês e, só mais tarde, por sua própria iniciativa teria alargado o leque das suas leituras 40. Tal como Dona Teresa de Melo Breyner e Joana Isabel de Lencastre Forjaz, foi só depois do seu casamento com João Baptista Ângelo da Costa, em 1813, que Francisca Possolo da Costa conquistou um papel de relevo entre aqueles que se dedicavam às Letras. O marido, ex-oicial da Marinha que trocara a carreira da Armada pelo comércio, era maçom, mantendo relações de cordialidade com os intelectuais e dirigentes políticos afectos ao Liberalismo. Segundo testemunhos contemporâneos de então, existia um teatro particular na residência do casal, situada na Rua das Trinas, destinado a um público composto por familiares e amigos, sendo representadas peças traduzidas ou adaptadas do Francês por D. Francisca Possolo da Costa, que também participava como actriz. Durante o período que mediou entre o seu casamento e a morte do marido, João Baptista Ângelo da Costa, a poetisa passou a receber regularmente intelectuais e literatos de várias gerações, que animavam as assembleias organizadas em sua casa. 38 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 39 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 40 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 103 Pelos seus salões passaram «Alcipe», Belchior Curvo Semedo, o conde de Sabugal, Alexandre Herculano, António Feliciano de Castilho, Almeida Garrett, Domingos Borges de Barros (futuro visconde da Pedra Branca e embaixador do Brasil em Paris), entre outros. Vanda Anastácio considera que apesar da “[…] escassez de informações que possuímos acerca das escritoras que acabamos de mencionar, contrasta a relativa abundância de documentação respeitante à Marquesa de Alorna (1750-1839) e a Francisca de Paula Possolo da Costa (1783-1838), as mulheres-autoras que maior intercâmbio poético mantiveram com os poetas do seu tempo. Sobre elas possuímos datas, obras e biograias mas, estas últimas, deixam em silêncio aspectos signiicativos da sua actuação que os documentos atestam, mas que não couberam, por assim dizer, nos parâmetros que o discurso historiográico do século XIX e inícios do século XX estabeleceu para a imagem feminina” 41. Dom António da Costa assinala-nos uma diferença substancial entre as duas poetisas e autoras, «Alcipe» e Francisca Possolo “vê-se que a impressão salutar produzia na nobre timidez de Francilia a animação da Marquesa. E que profundo contraste entre as existências de ambas!. A Marquesa teve por teatro o mundo, e viu-o aos seus pés; D. Francisca, a não ser no curto espaço da sua felicidade conjugal, viveu recolhida: no austero lar paterno durante a mocidade, e depois no desconsolo da viuvez” 42. À semelhança do que ocorreu com a condessa do Vimieiro e com Joana Isabel Forjaz, Francisca de Paulo Possolo afastou-se da vida social depois da morte do marido, em 1829, retirando-se para uma quinta que possuía no Cartaxo, onde viria a falecer a 19 de Junho de 1838. Eis o veredicto de Vanda Anastácio acerca do papel desempenhado por Francisca Possolo da Costa: “para além do seu papel como mediadora cultural, propiciando o intercâmbio entre os homens e mulheres de letras seus contemporâneos, Possolo da Costa foi autora de uma obra multifacetada, com incursões em géneros, como o melodrama e a novela, que então não eram considerados da esfera feminina. Ao contrário da maioria das suas contemporâneas, esta escritora fez imprimir em vida grande parte das suas obras, mas fê-lo quase anónimo, ou seja, assinando com as iniciais D.F.P.P.C. . […] Apesar desta manifestação da tal «modéstia» considerada na época como própria do seu sexo, D. Francisca de Paula deu o seu nome a três curtas antologias de poemas intituladas 41 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 42 COSTA, Dom António da, A Mulher em Portugal, p. 243. 104 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira Sonetos compostos por D. Francisca Possolo da Costa e Recitados no Real Teatro de S. Carlos e vindas a lume em 1826 e em 1827, nas quais se reúnem poemas de tom político e patriótico que a própria havia declamado, por ocasião da proclamação e juramento da Carta Constitucional, no Teatro de São Carlos, em Lisboa” 43. Em suma, procurámos com esta breve panorâmica relectir acerca do eventual papel inédito e único de «Alcipe» e veriicámos que existiram mais algumas mulheres autoras suas contemporâneas, que viveram durante a segunda metade do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX. Constatámos, ainda, que estas mulheres autoras, apesar de terem conseguido aceder ao mundo das Letras, viram ser-lhes negada um papel de relevo na sociedade do seu tempo. Parece-nos, assim, sugestivo mencionar a este respeito uma airmação de Madame de Stael em 1800, na obra De la Littérature em que compara a posição das mulheres escritoras do seu tempo à dos escravos libertos, considerados criminosos quando iam contra a ordem estabelecida e permanecendo oprimidos quando se conformavam com o seu destino 44. 2. A Velhice e a Diferença de Género No século XVIII o Iluminismo apresenta-se-nos com um discurso ilosóico que elimina as diferenças de etnia e de sexo. Todavia, o discurso inalmente elaborado pelos homens acabou por justiicar a inferioridade da mulher. “Ter acesso às Luzes não é senão atingir a maioridade: esta é idade em que qualquer homem ousa, inalmente, usar essa felicidade natural que o deine: o seu entendimento. Ousar saber é uma divisa, não um estado de facto. Esta audácia, exorbitante para os poderes estabelecidos sem razão, está claramente inscrita na natureza, mas exactamente porque a história da espécie a ocultou torna-se um dever voltar a trazê-la à luz. Esta audácia, inseparável do uso público, chama-se liberdade. A liberdade, cujo principal exercício está ligado ao pensamento, pertence, de direito, a todo o ser racional. O texto kantiano teoriza o que habita o espírito esclarecido: a racionalidade livre deine, na sua essência (o que é o estatuto lógico de uma deinição) e na sua história (o que é o estatuto lógico de uma deinição) e na sua história (o que é o estatuto de uma espécie em devir), a humanidade” 45. 43 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos» 44 Mme. de Stael, De la littérature, p. 332. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 105 Segundo Karen Ofen, “dans les sociétés pré-industrielles, les sexes sont souvent considérés comme diférents par essence. Le «masculin» et le «féminin» sont des principes opposés. Le nombre des sociétés où le sexe masculin est considéré comme suppérieur l’emporte de beaucoup sur celles où apparaît la situation inverse. Cette idée de la supériorité masculine a parfois dominé si complètement la conception de l’existence s’est qu’un véritable mythe de la virilité s’est trouvé au centre de tout système social” 46. Em 1858, Camilo Castelo Branco47 escreveu um pequeno artigo sobre «Alcipe», no qual podemos ler a seguinte relexão: “em Portugal olham-se de revês as senhoras que escrevem. Cuida muita gente, aliás boa para amanhar a vida, que uma mulher instruída e escritora é um aleijão moral. Outras pessoas, em tom de sisuda gravidade, dizem que a senhora letrada desluz o afectuoso mimo do sexo, a cândida singeleza de maneiras, a adorável ignorância das coisas especulativas, e até uma certa timidez pudibunda que mais lhe realça os feitiços. Quer dizer que a mais amável das senhoras será a mais néscia, e que a estupidez é um dom complementar da amabilidade do sexo oposto” 48. Acerca da posição de Camilo Castelo Branco, Vanda Anastácio esclarece-nos que “Camilo demarca-se, logo a seguir, do ponto de vista assim enunciado, apresentando D. Leonor de Almeida como uma prova de que é possível às mulheres serem «ilustradas» e cumprirem, simultaneamente, com aquelas que considera as ocupações próprias do seu sexo: o casamento e a maternidade. Cremos, no entanto, que estas airmações, que hoje nos fazem sorrir, devem alertar-nos para a necessidade de interrogar o discurso que a História Literária tem produzido sobre as mulheres escritoras. Ao fazê-lo, parece-nos que devemos ter em conta não apenas aquilo que foi dito mas, sobretudo, o silêncio que se fez cair, quer sobre estas mulheres, quer sobre alguns aspectos da sua actuação” 49. As considerações de Camilo Castelo Branco acima mencionadas são uma sátira do que era de facto o papel atribuído à mulher na segunda metade do século XIX, que corresponderia à visão da ortodoxia católica. Segundo a concepção católica da época, só a mulher virgem ou mãe poderia progredir no 45 CASNABET, Michèle Crampe-, “A mulher no pensamento ilosóico do século XVIII”, p. 370. 46 OFFEN, Karen, Les Féminismes en Europe (1700-1950), p. 10. 47 Não pensemos que Camilo Castelo Branco teria uma enorme tolerância face às mulheres autoras, ora vejamos como Camilo tratou a romancista e poetisa Maria Peregrina de Sousa: “[…] Nessa época, liam-se com amor os romances de D. Maria Peregrina de Sousa, que o implacável Camilo troçou cruelmente chamando-lhe «Atafona de romances» e perguntando-lhe se lhe não seria airoso «bispontar bem uns fundilhos / para em tempo competente / um remendo pôr decente / nas cuecas de teus ilhos?»”. PEREIRA, Firmino, O Porto d’outros tempos, p. 87. 48 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 49 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 106 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira caminho da virtude50. Vanda Anastácio esclarece-nos que diante da concepção católica sobre a actuação feminina que “baste-nos sublinhar que, no discurso manifesto de todas as instâncias invocadas, se encontram os mesmos topoi (incapacidade, inferioridade, fragilidade) bem como as mesmas propostas de coninamento ao espaço doméstico, às tarefas conjugais e à maternidade, na dependência do pai ou do marido. Tendo em conta esta realidade, a primeira atitude do estudioso será evidentemente, a de partir do princípio de que tudo se terá passado de acordo com esta imagem. Sabendo que a generalidade das mulheres não tinha acesso à educação, parece aceitável que, as que tinham, estivessem de tal modo limitadas que se conformassem com os seus papéis de esposas e de mães. Mas a verdade é que, ao estudar a literatura produzida entre a segunda metade do século XVIII e os anos 30 do século XIX, tropeçamos continuamente em factos que parecem desmentir esta ideia” 51. Vanda Anastácio um pouco mais adiante explicita-nos que “a relexão que tem sido levada a cabo, desde meados do século XX, acerca do modo como a História é, de facto, construída pelo olhar do historiador e condicionada pelas suas categorias mentais tornase fulcral neste contexto. Como se sabe, a História Literária, enquanto disciplina autónoma, nasceu no século XIX e constituiu-se de acordo com um conjunto de ideias-chave do tempo, correspondentes à visão do fenómeno literário que tinham os pensadores românticos e positivistas. Acreditava-se que deveria ilustrar o espírito nacional e incluir autores cuja vida e obra fossem consideradas excepcionais, originais, ou patrióticas. Temos hoje consciência de que esta forma de encarar a História Literária tem sido responsável pelo desconhecimento de parte considerável da Literatura produzida no passado, bem como pela constituição de um cânone redutor, no qual os «grandes homens» de cada época surgem de tal modo destacados em relação aos seus contemporâneos que, mesmo quando se tenta preencher esta lacuna com dados históricos, se perde, frequentemente, a percepção do contexto em que viveram, escreveram e foram lidos” 52. O homem surge como sendo o ser supremo da sociedade humana e um ser livre na sua essência, uma vez que lhe eram garantidos “todos os socorros para aperfeiçoarem a sua razão” e permitindo-lhes que fossem instruídos na “grande ciência da felicidade, em todos os tempos da vida” 53. Todavia, “[…] que os homens estejam 50 “Deus iou da mulher um mandato tão nobre quanto glorioso; ela é o anjo da família, e o anjo incarnado da terra» e «a virgindade e a maternidade são os dois triunfos da mulher, um pela sua elevação acima da concupiscência da carne, outro pela efusão do seu amor santiicado pela dedicação, sempre pronta a sacriicar-se pelo ilho estremecido”. Citado por ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 51 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 52 ANASTÁCIO, Vanda, «Mulheres varonis e interesses domésticos». 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 107 hoje e por toda a parte «a ferros» é a trágica consequência de uma degradação social que, no entanto, não conseguiu extirpar deinitivamente uma liberdade que eles possuem por natureza e que constitui o seu próprio ser” 54. Na acepção de Fernanda Daniel, Teresa Simões e Rosa Monteiro, “[…] o envelhecer no masculino ancora tanto na «dependência» como na «experiência». Existem atributos relacionados com a perda de funcionalidade e de autonomia, dominantes na estereotipia associada ao masculino (Amâncio, 1998) e com uma identidade social ligada à maturidade e acumulação de competências” 55. Em contraponto, surge-nos a mulher nesta fase crítica da vida humana, a denominada velhice “onde tudo parece deixar-nos”, a situação da mulher era inquietante, cheias de dilemas, uma vez que “[…] as mulheres em todas as idades, as abandonaram a si mesmas, desprezam sua educação na mocidade e no resto da vida: privam-nas de encosto e de sustento e por isso a maior parte das mulheres, vivem sem atenção e sem consideração sobre si mesmas na mocidade são vãs e dissipadas e na velhice fracas e abandonadas” 56. Baseando-nos nas autoras Fernanda Daniel, Teresa Simões e Rosa Monteiro “[…] sabe-se que o impacto das desigualdades de género ao longo da vida é exacerbado, sendo as mulheres mais afectadas pela pobreza do que os homens, especialmente nesta fase” 57. Talvez, deste modo, possamos compreender a tónica de «Alcipe» em focar a situação completamente desprotegida, dependente economicamente (do marido, do irmão e noutros casos dos pais) e subalterna do género feminino, pelo menos, no Portugal dos séculos XVIII e XIX. Mas, abordando na generalidade a comparação em termos de género relativamente à questão central do presente trabalho que é a velhice, Fernanda Daniel, Teresa Simões e Rosa Monteiro explicitam-nos que “[…] na classiicação do envelhecer no masculino e no feminino […]. O primeiro ancora na proeminência posicional da dependência e da perda. Já no envelhecer no feminino emergiram atributos como resistência, ternura e dedicação, associados aos papéis sexuais designadamente ao cuidar. Também, a dimensão estética/física surge como representação do feminino” 58. 53 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d., p. 1. 54 CASNABET, Michèle Crampe-, “A mulher no pensamento ilosóico do século XVIII”, p. 370. 55 DANIEL, Fernanda, SIMÕES, Teresa e MONTEIRO, Rosa, “Representações Sociais do «Envelhecer no Masculino» e do «Envelhecer no Feminino»”, p. 24. 56 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 57 DANIEL, Fernanda, SIMÕES, Teresa e MONTEIRO, Rosa, “Representações Sociais do «Envelhecer no Masculino» e do «Envelhecer no Feminino»”, p. 16. Masculino» e do «Envelhecer no Feminino»”, p. 16. 108 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira «Alcipe» encara as mulheres como sendo diferentes em si mesmas, possuindo diferentes virtudes e carácteres tal como se pertencessem a díspares castas sociais: – “[…] assim como há diferentes caracteres também há diferentes castas de pessoas que padecer e condutas que seguir. As mulheres são ou elegantes, ou virtuosas, estes dois caracteres são variados de uma ininidade de diferenças: há muitas sombras e graus em uma e outra. Para aquelas que nasceram sem ternura e sem atractivos e que não izeram nem receberam nenhuma impressão essas gozam da tranquilidade e uniformidade da vida; e perdem menos em se adiantando em idade que aquelas que são capazes de terem sentimentos e inspirados: mas contudo isso elas terão sempre muito males que sofrer e imperfeições que combater. Elas devem-se guardar da tristeza” 59; – “mas tomemos as mulheres [?...]: elas perdem mais em reconhecendo e tem mais que trabalhar o seu trabalho. Como as há de diferentes castas, também há diferentes condutas que seguir. Quanto aquelas que não atenderam a nada e que foram iniéis as opiniões e as virtudes do seu sexo, perdem ininitamente os prazeres, único vínculo que as unia aos homens, faltando-lhe; já não se prendem a eles nem eles a elas. Quanto aquelas que respeitaram-se e que souberam unir a probidade e a amizade ao amor; estas prendem-se aos homens pelas virtudes da sociedade; porque a virtude somente tem o direito de nos unir” 60. Considero que estas citações explicitam o que Gisela Bock considera ser “[…] a consciência da alteridade, da diferença, da desigualdade entre história feminina e masculina […] complementada pela tomada de consciência na historiograia da alteridade, da diferença, da desigualdade entre as próprias mulheres. […] Por outras palavras, a presunção de que todas as mulheres compartilham as mesmas percepções, experiências ou situações adultera a realidade histórica. A história das mulheres só pode ser compreendida no plural, nunca no singular” 61. 58 DANIEL, Fernanda, SIMÕES, Teresa e MONTEIRO, Rosa, “Representações Sociais do «Envelhecer no Masculino» e do «Envelhecer no Feminino»”, p. 13. 59 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 60 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 109 Na acepção de Michèle Crampe-Casnabet “a desigualdade feminina e as diferenças de «natureza» e de «comportamento», que tantos ilósofos salientaram a seu bel-prazer, não são senão os efeitos da educação viciosa que as raparigas receberam e que as impede de fazerem os progressos de que são perfeitamente capazes nas ciências, nas artes […]. A mulher foi formada de tal modo que não possui senão «virtudes de preconceito», das quais ela é vítima” 62. 3. Análise de Tópicos patentes no Tratado da Velhice Considero que seja útil tecer umas considerações introdutórias no presente capítulo de modo a enquadrar «Alcipe» em termos do seu imaginário, da sensibilidade que partilha com os demais seus pares da época e da inluência das mulheres, nomeadamente, literatas e eruditas, num mundo dos séculos XVIII e XIX ainda dominado total e inequivocamente pelo homem. Como sucede com a generalidade dos poetas portugueses que escreveram na viragem do século XVIII para o XIX, sobressai que a expressão da sensibilidade mais característica seja o gosto pela descrição e encenação dos afectos, que resistem ao controlo regulador da razão. É nesta linha de pensamento que devem ser situados os diversos auto-retratos do “Eu”, que poderá coincidir com o sujeito da escrita se representar como um ser perseguido pela desgraça e infortúnio, as descrições da natureza em termos melancólicos ou tenebrosos, o comprazimento na celebração ou encenação da morte, da noite, da doença, da dor e das lágrimas, tão frequentes na obra poética de «Alcipe», que lhe valeram a classiicação de poetisa pré-romântica, nos anos 60 do século XX. Todavia, uma visão global da sua produção literária que tenha em conta, simultaneamente, a prática dos poetas seus contemporâneos e daqueles que hãode suceder-lhe, parece indicar que tanto o gosto pelas regras, temas e motivos clássicos, bem como pelas manifestações da sensibilidade, estão subordinados 61 BOCK, Gisela, “História, História das Mulheres, História do Género”, p. 161. 62 CASNABET, Michèle Crampe-, “A mulher no pensamento ilosóico do século XVIII”, p. 396. 110 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira nos seus textos a uma visão do mundo orientada pelos parâmetros civilizacionais do Iluminismo, que encaravam a razão e a virtude como entidades reguladoras dos afectos. A poesia surge-nos como uma actividade ao serviço do ideal pedagógico e de educação para a cidadania. Tudo indica que a partir do Iluminismo, a Literatura de autoria feminina começava a dar os seus primeiros passos, lentos mas decisivos na sua divulgação, o que denota o crescendo da inluência das mulheres nas sociedades da época de alguns Reinos da Europa Ocidental. Karen Ofen tal nos conirma: “dans le même temps, tout au long du siècle des Lumières, une littérature de plus en plus abondante est publiée à l’intention des femmes. Ces textes sont la conséquence de l’intérêt suscité par le pouvoir et l’inluence des femmes, mais ils sont surtout destinés à exploiter leurs qualités au nom du progrès social” 63. 3.1 A initude da vida humana: a necessidade de se levar uma vida pautada pela Razão, pela Natureza, e por Deus Alcipe parece basear-se em parte nas relexões de Marco Túlio Cícero 64 em Catão, o Velho ou Diálogo sobre a Velhice 65, centrando o autor clássico o seu pensamento numa vida satisfatória e feliz, na obediência às leis da Natureza e no conformismo estoico da initude humana, «Alcipe» fala-nos da necessidade de se levar uma vida balizada pela razão, pela natureza66, e por Deus: “É porque consideramos as coisas como próprias e como devidas, que sofremos da sua privação; a impossibilidade só ixa o espírito do homem: as pessoas sábias ocupam-se em considerar os limites prescritos pela razão e pela natureza. Enim as coisas estão em descanso, quando estão no seu lugar, o lugar do coração do homem é o coração de Deus: quando estamos debaixo da sua mão e que a nossa vontade estamos submissos à sua, nossos cuidados cessam, a submissão e a ordem nos dá a pax que a revolta nos tinha tirado: não há asilo mais certo para o homem, que o amor e o temor de Deus” 67. 63 OFFEN, Karen, Les Féminismes en Europe (1700-1950), p. 85. 64 Cícero não foi um grande ilósofo, mas um grande ensaísta com uma magníica perspectiva histórica, cultural e de experiência de vida, sendo que as suas obras de teor ilosóico são vibrantemente relexivas e humanas, são tão lúcidas e vivas, seleccionam com muito acerto e familiaridade invejável da imensa produção ilosóica grega, os temas ético-políticos mais palpitantes. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 111 Pensamos que «Alcipe», ao focar o nome de Deus, quererá signiicar que a razão tem origem em Deus e, ao descer à Terra, passa para o coração do Homem, que, por sua vez, interpreta-a criando a razão natural, que o capacita para criar, por exemplo, comunidades políticas. Pensamos que aqui esteja uma marca do pensamento de S. Tomás de Aquino. José Esteves Pereira muito sugestivamente alude-nos que relativamente à «Alcipe», “não poderíamos encontrar melhor reiteração da ilustração cristã que é a nota caracterizadora dominante das nossas Luzes e de um entendimento de natureza que lhe é próprio, alheio, por um lado, aos sinais puramente imanentes do libertanismo e racionalismo ilosoista e, por outro, muito próximo de um platonismo de conteúdo cristão, […] embora expurgado de excessos de religiosidade” 68. 3.2 A Velhice: seu sentido e signiicado na vida humana «Alcipe» continua a seguir o pensamento de Cícero ao considerar que a Natureza é a grande mestra da vida, devendo ser seguida e obedecida como um preceito divino, lutar contra ela seria um esforço vão e inglório: se a infância, a adolescência e a maturidade do Homem foram sabiamente ordenadas, porque é que a última fase da vida, a velhice, seria alvo de descuido? Sendo a vida humana um produto da Natureza, é compreensível que tenha um im tal qual como ocorre com os produtos da terra e os frutos das árvores. Assimilando este conceito, a aceitação da velhice e, no inal do ciclo biológico da vida, a morte, deveriam ser realidades que o sábio teria a obrigação de se submeter. 65 Cícero já escrevera Tusculanarum disputationum libri V, um diálogo esplêndido acerca das ideias que permitem sobrepor-se ao temor da morte e dos males gerais que aligem a alma, exaltando a virtude. 66 “[…] Com simplicidade franciscana, um homem das Luzes e da abertura pombalina à ilosoia natural, Frei Manuel do Cenáculo, dizia bem que a «Natureza é Deus»”. PEREIRA, José Esteves, “Alcipe e a ideia de natureza no século XVIII”, p. 373. 67 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 68 PEREIRA, José Esteves, “Alcipe e a ideia de natureza no século XVIII”, p. 379. 112 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira – “Nós chegamos a cada idade da vida sem saber gozar, nem conduzir-nos nela; quando ela passou, então vimos o uso que dela poderíamos fazer; mas como as saudades são, no caso que elas nos não corrigem, tratamos de aproveitar do tempo que nos resta. Ajudome com as minhas relexões e como me vou chegando para aquele tempo em que tudo nos escapa, quero tornar a achar na minha razão o valor das coisas que perco. Todos temem a velhice: considera-se como uma idade entregue à dor e à tristeza, onde todos os gostos e prazeres desaparecem. Cada qual perde à medida que se adianta na idade e as mulheres ainda mais que os homens. Com todo o seu merecimento consiste em atractivos anteriores, é que o tempo os destrói; elas se acham absolutamente sem nada: porque as poucas mulheres a quem o merecimento dure mais que a beleza. Vamos ver senão é possível de os suprir; e como não há bem nenhum por mais pequeno que seja que não valha algumas coisas nas mãos de uma pessoa hábil, aproveitemos do tempo da velhice e cuidemos em fazer uso dele para a nossa perfeição e nossa felicidade” 69; – “Perpassa-vos uma feliz velhice, por uma inocente mocidade. Lembrai-vos que aquela linda idade não é mais que uma lor que vós vereis desaparecer, as graças vos há-de abandonar-vos: a saúde vos há-de abandonar-vos: a saúde vos há-de fugir: a velhice virá murchar as lores do vosso rosto: por mais moça que vós sejais: o que vem com tanta rapidez não está longe de vós” 70. Segundo a sistematizada e pertinente abordagem de Fernanda Daniel, Teresa Simões e Rosa Monteiro, “[…] no envelhecer no feminino a ideia de «dependência» não emerge com evocação modal. Os aspectos negativos realçados remetem para perdas em dimensões estereotipicamente valorizados no feminino, a beleza física ou ideal estético («rugas») e o domínio relacional e familiar («solidão»). A decadência biológica é empolada quando se pensa no envelhecimento das mulheres, sinal da centralidade do corpo e da beleza na identidade feminina valorizada” 71. Assumida esta sugestão de compreensão do envelhecimento no género feminino, pensamos que poderemos compreender as airmações de «Alcipe» acerca da beleza das mulheres e das paixões do período da juventude ida: 69 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d. . 70 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d. . 71 DANIEL, Fernanda, SIMÕES, Teresa e MONTEIRO, Rosa, “Representações Sociais do «Envelhecer no Masculino» e do «Envelhecer no Feminino»”, p. 24. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 113 “os gostos enfraquecem-se em os exercitando; e as paixões das mulheres atam-se (?) como as dos homens. Enim há um tempo na vida das mulheres, que é crítico: é a conduta que elas tomam e o partido que elas adoptam que da última forma a sua reputação e donde depende o descanso da sua vida. Na mocidade, as mulheres sustentam-se pelo ardor do sangue, que as atrai para os objectos sensíveis, que as entrega a paixões permitidas ou proibidas: a novidade variedade dos objectos que excita e nutre curiosidade; tudo isto a sustentam quanto aquelas que tem beleza e atractivos, elas gozam das vantagens da sua própria igura e da impressão que fazem nos outros: o amor próprio é sempre nutrido do que elas vêem, em si, ou do que elas inspiram. Qual é a dominação mais pronta, a mais doce e mais absolutas que a da beleza. A majestade e autoridade não têm direito senão nas coisas exteriores; a beleza tem sobre a alma: e não há mulher amável que não tenha gozado destes triunfos secretos. Ainda mais, que a origem dos divertimentos não forneça o desejo de agradar todo o esplendor (?) da carquilharia (?), os espectáculos, os enfeites estes prazeres são a ocupação de uma certa idade. Que movimentos hão-de ser as paixões?” 72; – “[…] em envelhecendo é preciso observar em si tudo e por isso nos discursos e nos vestidos decência. Nada é mais ridículo que fazer sentir com enfeite apurado que queremos apanhar os atractivos que nós perdemos numa velhice declarada, é menos velha o grande inconveniente das mulheres que foram amáveis, é de esquecer que já o não são. É preciso tomar um modo de vida conveniente porque não é viver como se deve, de viver a vontade das suas paixões e fronteiras; e nós não vivemos como devemos senão quando vivemos conforme a razão, e o que se chama Nós, é a nossa razão. É também preciso tomar sentido às suas necessidades, e de [?...] se não às pessoas de costume e idades semelhantes. Os espectáculos, os lugares públicos devem ser proibidos ou a menos, ir lá raras vezes, nada é menos decente que de ir ali mostrar um rosto sem graças, desde que se não pode ornar estes lugares, deve-se abandoná-los. As vantagens do juízo mantêm-se mal entre uma mocidade brilhante, ela vos fazem sentir de mais o que vós perdestes. Nada convém mais de que icar em casa; o amor-próprio padece menos ali que em qualquer outra parte. Mas sempre há divertimentos permitidos e tudo que se chama prazer honesto, não é proibido” 73. 72 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 73 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 114 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira Nivelado o Homem aos demais produtos da Natureza cujo destino não se pode libertar, Cícero e «Alcipe» perilham do pensamento de Platão, que pregava a imortalidade da alma, a existência de uma vida celestial em que as almas dos Homens virtuosos retornavam ao convívio dos deuses imortais e eternos e, enquanto, a vida humana durasse na Terra, a vida corpórea ia-se disciplinando. «Alcipe» confere uma interpretação cristã às teorias de Platão, considerando que depois da vida terrena o prémio para o bom cristão seria a eternidade. – “Ganhamos menos com o mundo, que com a devoção, ela tem muitos recursos. Deve-se ter resignação em todos os tempos da vida; mas o uso dela é mais necessário na velhice, porque fazemos perdas continuadas. Mas como o sentimento é menos vivo, perdemos nós menos as coisas. É preciso deixar-se ir irreversivelmente a natureza, sem revoltar-se contra ela; é o melhor guia que podemos ter. Vivemos se não para perder e para nos despegar. Devemos cantar sobre a nossa mudança, e sobre a dor, próximo, e conduzirmos, quando eles mudam, assim como nós queríamos que eles se conduzissem se façamos nós que tivéssemos mudado. Mas muitas vezes que não temos senão para ganhar nas nossas perdas: à gente honesta reputam com o bem estarem livres dos vínculos das delícias. São os costumes e não a idade que são a causa de que nós padecemos. É preciso submeter-se brandamente as leis da nossa condição: vamos fartos para enfraquecer, envelhecer e morrer. Nada é mais inútil que revoltar-se contra os efeitos do tempo; ele é mais forte que nós” 74. José Esteves Pereira admite que a ligação ao Mundo, à Natureza e a Deus remonta já ao período “[…] da jovem Leonor no recolhimento de Chelas face à imensidade do mundo que a convencia da necessidade de muito estudo sobre as coisas da natureza, e da história: vivia a conjugar-se, crescentemente, com uma exigência íntima, o descobrir, pela fruição virtuosa do mundo, em êxtase, da presença de Deus, embora sem a excessiva propensão mística ocorrida na adolescência” 75. Segundo a acepção de Montaigne, a ciência, a razão não serviriam de seus guias, mas seriam a causalidade, as impressões, as circunstâncias externas que, em lugar de conduzir à verdade, o faziam viver por meio de ilusões e 74 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 75 PEREIRA, José Esteves, “Alcipe e a ideia de natureza no século XVIII”, p. 378. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 115 de sombras. Esta incapacidade inata do Homem conduz Montaigne a uma proissão de fé cristã, patente sobretudo no capítulo mais célebre dos Ensaios (II, 12)76, “Apologia de Ramon Sibiuda” e simultaneamente formulou e desenvolveu a dúvida. 3.3 O sentido da Morte na vida humana Para Cícero, ilosofar é sinónimo de preparar-se para a morte e isso porque de certo modo o estudo e a contemplação retiram a nossa alma para fora de nós e ocupam-na longe do corpo, o que é uma aprendizagem e representação da morte ou toda a sabedoria e discernimento do mundo se resolvem a ensinar-nos a não termos de morrer. Tal ensejo de matriz ciceriana atinge «Alcipe» que, por sua vez, cita Montaigne 77, ilósofo que considera o sentimento da morte ser constante não como uma doentia monia de uma alma desequilibrada que se lança cegamente para a consumação do suicídio; mas como, uma característica de lucidez de quem, vigilante e pró-activo está sempre a enviar esforços para não perder a consciência do próprio corpo, dos pensamentos da própria vida, das circunstâncias da própria morte e da mortalidade. Morreremos em nós mesmos, apenas em nós mesmos e numa experiência que constitui simultaneamente ausência e nulidade. Enim, vivenciaremos solitários a nossa própria morte. “Nada é mais glorioso de que fazer uma honrosa retirada, e de pôr um espaço entre a vida e a morte. A morte, diz Montaigne não é um Acto de Sociedade, é o Acto de um só. Na velhice deve ser mais perseverante, que prodígio de si mesmo. Disseram de um grande homem que ele tomou conselho da sua velhice, e retirou-se” 78. A postura de moralista em Montaigne 79, inluenciada pelos modelos clássicos e pelo estudo dos respectivos documentos e textos, tanto históricos como 76 De um modo geral, nos Ensaios conluem interesses e tendências contraditórias. Montaigne, inimigo de qualquer pesquisa sistemática, não se deixou classiicar facilmente. Precisamente este seria o seu mérito ou pelo menos a sua importância histórica, já que as suas dúvidas e o seu relativismo o transformaram em promotor do liberalismo ilosóico. O seu êxito se justiicou ao invés da sua falta de critérios irmes, pelo seu estilo de uma rara espontaneidade e plasticidade, pelas suas expressões pitorescas e imprevistas e pelas suas imagens precisas e familiares, que fazem directamente sensíveis as ideias abstractas. 116 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira literários, fazem-no chegar a um conjunto de conclusões acerca da natureza do Homem em geral. Assim, a natureza mostraria ao Homem que a morte seria parte integrante da vida e faz-se presente constantemente e não somente num único momento em que põe im à vida. No Tratado da Velhice, «Alcipe» perilhava absolutamente o pensamento de Montaigne, ao concordar que ao vivermos em harmonia connosco mesmos, no intuito de não passarmos pelo que não somos, estaríamos a encetar uma procura legítima em termos da manifestação coerente dos pensamentos, das palavras e das acções. E, assim, cultivando-se a autenticidade na vida, que «Alcipe» considerava como sendo apanágio de um bom corolário de vida, o ser-se um cristão devoto e piedoso, o Homem encaminhar-se-ia para a autenticidade e verdade na morte, ocasião em que não haveria lugar para a dissimulação e ingimento, por não haver a possibilidade de se morrer mais ou menos como outra pessoa. 77 «Alcipe» não enuncia Montaigne arbitrariamente, pois, está consciente que o ilósofo e moralista francês, é um dos primeiros representantes do cepticismo moderno, que vem na esteira da sabedoria clássica, citando amiudadas vezes os escritos de Plutarco, de Juvenal, de Terêncio, de Horácio, de Virgílio, de Pérsio, entre outros. Montaigne cita, no capítulo XX do “Livro Primeiro” dos seus Ensaios, intitulado “De como ilosofar é aprender a morrer”, Cícero (estóico) que airmou que ilosofar consiste em preparar-se para a morte. Cita, ainda, especialmente Séneca, autor estóico romano que inluenciou fortemente Montaigne com a ideia que nós nos devemos familiarizar com o conceito da morte. Os Ensaios são uma colecção de dissertações e anotações independentes, redigidas em épocas diferentes e relacionadas com as leituras feitas pelo autor. A sua primeira intenção, sendo apanágio de todos humanistas, seria assinalar com observações e comentários as passagens dos livros lidos. Montaigne era, aliás, um grande leitor especialmente de moralistas como Séneca e Plutarco, mas também de historiadores e de poetas. A variedade das suas leituras se relecte nos seus comentários. A sua originalidade reside no seu comentário não ser ilológico, mas moral, embora movido pelo método comparativo e analógico comum aos ilólogos. Por tratar-se de textos sem relação entre si, a sua análise é difícil; mas os seus estudos levaram Montaigne a formular uns critérios superiores, embora difíceis de deinir pela natural evolução das suas ideias. Deve-se ter presente a sua erudição humanista, o seu pensamento ilosóico, a sua ideia moral e, por im, o mérito literário da sua obra. 78 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 79 Inicialmente, o ideal moral de Montaigne aproximava-se do estoicismo: o ilósofo parecia coniar na vontade, que proporcionaria as vitórias morais. De seguida, a comparação mais cuidadosa das lições do passado que mais poderosamente chamou a sua atenção sobre a inconstância e a relatividade dos critérios humanos foi a constatação de que o Homem seria versátil por natureza, «lutuante e variado», incapaz de chegar ao conhecimento da verdade por si mesmo. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 117 “Para um cristão iniel são penas que o esperam a um Filósofo é o nada. Aqui está o que termina a mais bela vida do mundo; o último acto é sempre trágico. Há muito que ganhar de mudar a ideia do seu nada contra a ideia da Eternidade. Se nós vivemos de um modo que a faça feliz, é um belo pau de giz que uma eternidade de felicidades; mas a maior parte do mundo vive sem pensar nunca a examinar do seu estado. Que creria que esses mesmos homens que são tão ardentes sobre aquilo que pertence a sua glória ou fortuna, quando a acham em perigo, são quietos e indolentes sobre o conhecimento do seu ser; que se deixam moralmente conduzir à morte, sem se instruírem se aquilo que lhe dizem são quimeras ou realidades; eles se encabritam (?) e vêem chegar-se a eles a morte, a eternidade, as penas e recompensas eternas, sem pensarem que aquelas grandes verdades os toca e os interessa. Pode-se sem precaução e sem temor ir tentar um tão grande sucesso. Contudo, isto é o estado em que vivem a maior morte dos homens, e porquanto alguns que tomaram partido do bom; ou mau lado, quanto houvera que não pensam nisto. Quanto àqueles que são bastantemente felizes por serem penetrados pela Religião; a piedade os consola e é lhes mais fácil a praticar. Todos os vínculos que prendem a vida estão quase quebrados” 80. Consideramos que «Alcipe» toca indelevelmente em mais uma característica do ser romântico, que é a nutrida liberdade moral ou seja, embora, a norma da moralidade não seja constituída pelos dictames da sã razão e muito menos pelas crenças religiosas, a verdade é que reconheceria a necessidade afectiva de Deus e da religião. A morte surge como próxima e conhecida de nós, todavia, é sempre causa de grande pavor e de repulsa para a mente do Homem comum e irrelectido. Atribuindo a si mesmo, insensata e insistentemente um falso estatuto de invulnerabilidade, ele esbarra na sua initude espelhada no falecimento alheio e vê diluída a sua tola e delirante pretensão de imortalidade. Esta consideração leva-nos a outra relexão, que é a oposição entre natureza e razão, que se manifesta mais intensamente quando Montaigne abordou os papéis dessas duas instâncias diante da morte. Conforme preconizava Séneca, a razão manter-se-ia de sobreaviso, procurando antecipar através da imaginação de todas as eventuais formas possíveis de morte, que poderiam ocorrer a qualquer momento sobre nós. 80 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 118 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira A natureza nos aconselha a prosseguirmos despreocupadamente, desempenhando as tarefas quotidianas, mas sem nunca esquecermos que a morte é uma parte integrante e sempre presente da vida. No fundo, o que se procura é a vitória sobre o medo da morte, um objectivo perene que acompanha toda a relexão de Montaigne. Notemos que, tanto a natureza como a razão, aconselham-nos a que se pense na morte; a diferença reside nisto: enquanto a razão pressupõe uma tensão constante da vontade, a natureza antevê uma aceitação pacíica, serena aceitação e até submissão ao facto inelutável e incontornável da morte. É a mortalidade enquanto determinação natural, parte inerente da vida presente a cada instante, em cada movimento da natureza, que vai mais e mais tornando conta do discurso montaigneano, de tal modo que as passagens de teor estóico vão sendo decisivamente esbatidas em prol de um amadurecimento da ilosoia da morte 81. «Alcipe» continuou a perilhar o pensamento de Montaigne 82 acerca da morte, considerando ambos que é um im para o qual nós nos encaminhamos e ocorre inevitavelmente ao Homem comum. O natural é estarmos esquecidos dessa realidade que será sempre um drama. A vida quando se esquece da sua realidade inal ocasionada pelo entendimento do Homem, torna-se ela própria medíocre e inconsciente de modo propositado, como se nunca passasse em todos os domínios temporais. “Nós devemos a primeira e a segunda idade à pátria, e a última a nós mesmos. Viver no embaraço, é viver à pressa o descanso acrescento a vida. O mundo nos furta a nós mesmos e a solidão nos o dá. O mundo não é mais que uma tropa de fugidos de si mesmos. A solidão diz um grande homem, é a enfermaria das almas. Retirai-vos pois em vós mesmos, disse ele, mais preparai-vos vós receber bem: temeis pejo e respeito de vós mesmos, cessais de amar-vos, e aprendeis a respeitar-vos. É uma coisa muito triste que é amar-se tanto, e de se ver a morrer a cada instante. É preciso para o nosso interesse 81 Ao deter-se exclusivamente no aspecto natural da morte, Montaigne excluía completamente a sua dimensão sobrenatural. Em momento algum, Montaigne considerou a morte como algo transcendental, mas sempre como um fenómeno imanente entretecido intrinsecamente com a vida e com a corporeidade. 82 Montaigne denotou uma subtil habilidade em conviver sábia e pacientemente com a realidade da morte, quando se viu privado da companhia de Etienne, o seu maior amigo que o inspirou a escrever o capítulo XXVIII “Da Amizade”, Livro Primeiro dos Ensaios. Etienne acabou por oferecer a Montaigne a sua biblioteca e os seus papéis, como penhor da sua afectuosa e fraternal amizade. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 119 despregar-vos de nós mesmos; romper todos os dias algum vínculo, para poder estar mais livre; fechar todas as estradas ao retorno do mundo, e não virar a cabeça para ele. A vida feliz, que se acha livre de toda a escravidão; onde se renderia a tudo, não por um desgosto passageiro, para por um gosto contraste, que procede do conhecimento do pouco valor das coisas!. É este conhecimento que nos reconcilia com a sabedoria e que ocasiona a velhice, que se pode este termo. Não pertence se não às almas livres de pesar a vida e a morte: não pertence se não às almas cheias de recursos, de gozar dos seus últimos anos; as almas fracas os sofre, as almas fortes tira deles partido. Disseram, que não havia espectáculo mais digno de Deus que um homem virtuoso despertando com a fortuna: deve-se dizer outro tanto de um homem só com si mesmo, despertando com a velhice, a enfermidade e a morte. No retiro que é o asilo da velhice goza-se de uma calma sem intercepção uns dias inocentes nos dão noites tranquilas; e em sociedade com os mortos, eles vos instruem, vos guiam e vos consolam; são amigos certos e constantes, sem ligeireza e sem inveja: - enim disseram, que o que havia de mais delicioso na vida do homem, era no seu im. Em se adiantando, aprende-se também a submeter-se as leis das necessidades: esta vontade livre, forte e indomável, gasta-se e apaga-se insensivelmente temos provado bastante que a resistência é inútil e não nos deixa se não vergonha e revolta: nós queremos às vezes o que nos é contrário, e muitas vezes o que cuidávamos contrário a viver para o nosso proveito. Já não sabemos o que devemos querer, já não temos força para desejar e submeteram-se, que de mudar a ordem do mundo. A pax interior reside, não nos sentidos, mas na vontade; conserva-se entre a dor, enquanto a vontade está irme e submissa. A pax não consiste em padecer, mais a submeter-se a estas mesmas penas” 83. Pensamos que, nestas considerações, «Alcipe» exteriorizou a angústia metafísica e, à boa maneira romântica coninada no seu egocentrismo, acabaria por perder toda a coniança na razão e na sua personalidade. A vida seria um problema insolúvel. O instinto mostrava-lhe a todo o momento que a existência de forças estranhas que ela não dominava, que nem sequer conhecia, apesar de tudo a conduziriam pela existência adiante, como que arrastada por um cego destino. A Natureza, essa contemplava impassível na sua dor rumo ao envelhecimento e subsequentemente à morte. A resolução dos seus problemas estaria, assim longe, muito longe. O homem e a mulher românticos erguiam os seus olhos para o 83 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 120 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira Ininito e para o Absoluto, o que o Homem clássico ingiu ignorar. Sentiam uma nostalgia intensa de algo distante no tempo e no espaço. Buscava-se esse algo irremediavelmente perdido, por exemplo, no caso de «Alcipe», a juventude, a beleza e o vigor físico. Ambicionava atingi-los, mas, quanto mais andasse, mais longe aigurar-se-ia ver. Chegava, assim, ao desespero, à inquietação febril e à angústia metafísica, que surgiriam inevitavelmente. 3.4 Uma profunda antropologia «Alcipe», neste tópico, parece-nos fazer eco do pensamento de S. Tomás de Aquino. O pensamento de Aquino pugna pela absoluta liberdade de Deus que criou livremente o Mundo, o que permite ao Homem contemplar a realidade como se tratasse de um dom gratuito de Deus. Nesta perspectiva metafísica a ilosoia de S. Tomás de Aquino estudou o Homem ao detalhe, formulando uma antropologia profunda na qual o Homem, sendo uma criatura metafísica, descobre a sua grandeza ao ser feito à imagem e à semelhança de Deus. «Alcipe», ao citar a antropologia estudada pela ilosoia de Aquino inclui o im e a ordem moral. A doutrina moral repousa na metafísica do bem e do im. As criaturas procedem de Deus – Bem universal enquanto Ser supremo e criador da entidade. São bons enquanto participam do ser e são para dar glória a Deus ao assemelhar-se a ele. Esta inalidade, sentido último da Criação, alcança-se nos seres espirituais por meio do seu trabalho livre, por que cada pessoa se há-de orientar de modo total a Deus: saiu do seu Princípio e retorna a ele como Fim. Assim, o fundamento da dignidade da pessoa é a sua proximidade a Deus. A metafísica do ser permite entender a razão profunda do primeiro mandamento, raiz de toda a moral natural, uma vez que a ordem natural da criação pertence ao desígnio divino. Deus difundiu na Criação o seu próprio Bem de modo participativo assim como cada parte singular do Universo e cada pessoa na sociedade ou comunidade humana, de modo a difundir o seu próprio bem e procurar o seu próprio bem no bem comum. O Universo é um todo participado que se orienta no Todo incriado e que obedece a uma ordem interna pela vinculação das partes em si, que é o im último imanente (bem comum interno: a ordem do todo) ordenado ao Fim último transcendente, o Bem Comum que é Deus. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 121 Temos, assim, a raiz da ordem moral, o amor ao próximo do qual brotam mais normas morais. Existe uma unidade profunda entre o amor a Deus e os demais a um só. As verdadeiras razões e a inalidade da convivência humana está em dar a cada pessoa a possibilidade de difundir noutros o seu próprio bem e de ser ajudado pelos demais. O bem espiritual é a virtude moral, que se obtém quando, entre os Homens, se assegura a justiça e a amizade. Assim se poderá contemplar melhor a elevação sobrenatural do Homem na vida cristã, que o conduz a uma união mais íntima com Deus 84. Tal nos parece ser corroborado por José Esteves Pereira, “a fruição da verdade e do entendimento último da ordem que rege os seres solicita um discurso de teor sentimental, que deseja incorporar a utilidade e bondade da natureza e da ciência, coerente com um paradigma de neutonianismo moral, ao mesmo tempo que se airma como puriicação da razão na senda da Verdade. Com o desprendimento de alma dá-se a abertura, no limite, à união com o Ser dos Seres e ao descanso na lúcida morada” 85. «Alcipe» considerava que “enim as coisas estão em descanso, quando estão no seu lugar, o lugar do coração do homem é o coração de Deus: quando estamos debaixo da sua mão e que a nossa vontade estamos submissos à sua, nossos cuidados cessam, a submissão e a ordem nos dá a pax que a revolta nos tinha tirado: não há asilo mais certo para o homem, que o amor e o temor de Deus” 86. Em síntese, pudemos constatar, pela leitura e análise do Tratado da Velhice, que “através da escrita feminina ganhamos acesso à vida das mulheres. Muitas vezes, quase sempre, acedemos aos seus constrangimentos. […] Vida pública e poder político são manifestações de acesso exclusivo aos homens. Mesmo quando integram famílias inluentes, as mulheres não têm qualquer papel no teatro da vida pública. “Até ao inal da Idade Média, o grupo a que uma mulher pertencia era mais determinante do que o género. Gradualmente, entre os séculos XVI e XVIII, o género passou a ser uma categoria com um peso muito grande” 87. A circunstância de ter crescido no convento marcou profundamente a personalidade e a obra de «Alcipe», que viveu de forma dramática a separação do pai e do irmão, colocado sob a tutela do Marquês de Pombal e representar-se-ia 84 A difusão natural do bem seguia a propagação do bem sobrenatural e o amor natural a Deus seguia o amor sobrenatural da Caridade, que seria o centro da vida cristã. 85 PEREIRA, José Esteves, “Alcipe e a ideia de natureza no século XVIII”, p. 379. 86 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Privado Casa Fronteira e Alorna, Espólio referente à 4ª Marquesa de Alorna, Tratado da Velhice, s.d.. 122 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira a si própria na sua obra poética como um ser triste, marcado pelo infortúnio, vítima do despotismo e da tirania de um só homem, Sebastião Carvalho e Melo. Algum tempo depois da reclusão, que poderia rondar o ano de 1763, estabeleceu-se uma correspondência proibida e secreta, entre D. João Almeida Portugal e a mulher, depois alargada às ilhas 88 e, mais tarde, ao ilho. Esta profícua correspondência revelou ser um autêntico documento, de modo a percebermos como é que circulavam os livros, mesmo os proibidos entre os membros da aristocracia lusa culta. Testemunha ainda a grande difusão que tiveram em Portugal, nos anos 60 e 70 do século XVIII, as obras e as ideias do Iluminismo francês. Interessando-se, desde muito cedo pela poesia, «Alcipe» assistia aos outeiros poéticos que se organizavam em Chelas, chegando a participar em alguns. Efectivamente, durante a clausura «Alcipe» ia nutrindo um autêntico convívio espiritual, não faltando ao contacto assíduo com poetas e cultos da época, atraídos pelo talento, formosura e até pela situação romântica das duas irmãs Alorna, tais como: o Padre Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elísio) 89; Correia Garção; o Dr. Tamagnini (o sábio Alceste), empenhado em manter as leituras seleccionadas pela ortodoxia, que começava a icar ameaçada pelo ilosoismo francês; o Dr. Ferreira Barroco (Albano); Frei José do Coração de Jesus (Almeno) 90; Frei Alexandre da Silva ou da Sagrada Família 91 (1737-1818), que era tio de Almeida Garrett, futuro bispo de Angra do Heroísmo e confessor de «Alcipe», a quem num momento de crise moral evitou a proissão religiosa da nobre; e Domingos Maximiano Torres (Alfeno Cynthio). Esta tertúlia não deixava de ser um combate de ideias contra a prepotência e a injustiça perpetradas pelo despotismo pombalino. Mas, já a fama do seu talento poético corria fora do convento, estimulada por relatos que corriam sobre a poetisa e pela circulação de textos seus difundidos nos círculos de literatos por autores que a visitavam, como a já referida Dona Teresa de Mello Breyner 92. 87 Vanda Anastácio em http://www.publico.pt/culturaipsilon. 88 Estas cartas foram parcialmente publicadas em 1941 por Hernâni Cidade e cuja edição integral se processou através do projecto «Alcipe» da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna. Estes textos constituem a fonte principal para o conhecimento dos anos de juventude de «Alcipe» e documentam o modo como a futura 4ª marquesa de Alorna foi construindo a sua personalidade, guiada pelos conselhos paternos e, sobretudo, por uma sede de conhecimentos, que levou a dedicar-se intensamente à leitura e ao estudo de idiomas, tais como: Francês, Inglês, Italiano, Latim, Árabe e até à aprendizagem da música e da pintura. 89 Este poeta parece ter sido o primeiro a atribuir a D. Leonor de Almeida Portugal, o pseudónimo literário de «Alcipe». 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 123 O convívio com os árcades completava-se com outro puramente espiritual, mas bem mais inquietante. Além de Verney e de Teodoro de Almeida; de Corneille e Racine, de quem recitava longos trechos; de Bourdaloue e Pascal, de Bossuet e Fénelon, de Cervantes e Pope, ainda conseguiam ultrapassar a portaria do convento de Chelas, apesar de mais guardada contra a ilosoia do que contra o amor, Bufon, Diderot, Voltaire, Rousseau, Condillac e Wolf. “Com o pai, também a mãe, o Dr. Tamagnini, a sua amiga D. Teresa de Melo Breyner, Condessa do Vimioso (Tirce), […], o confessor, todos se alarmam ante os borrifos com que a salpicava, de longe, a vaga heterodoxa, que alastrava. A todos resiste. E defende contra o confessor a teoria coperniciana, como defende Newton e outros hereges, que a comoviam por sua absorvida atenção indagadora aos mistérios da Natureza. Chega a proclamar num rasgo de maior audácia, que, em matéria cientíica, vale mais o dito de um sábio herege do que o de um santo ignorante” 93. A obra poética de «Alcipe» nasceu de um conjunto de factores, onde a vida e a cultura se entrelaçavam numa simbiose dramática de tristeza, como seria apanágio dos muitos acontecimentos dolorosos da sua acidentada existência. Numa primeira fase, uma clara procura de evasão, pela simples ocupação do espírito e numa segunda fase se encontrava na expressão literária um desafogo de mágoas que, ao jeito do confessionalismo de um Rousseau ou das melancolias de Gray e/ou de Young (suas leituras do tempo de Chelas), se conigurava já com um cariz de esperançosa novidade romântica. «Alcipe», à boa maneira romântica era detentora de um espírito idealista, projectando os seus olhos itos num mundo superior que a razão não saberia deinir; o autor e/ou a autora começava a idealizar e a fazer de conta. Não se contentava com o comum das festas cortesãs, com o indiferentismo irónico e com o cepticismo do século XVIII. O seu coração generoso deixar-se-ia embalar 90 Tradutor de Ovídio e amigo de António Ribeiro dos Santos (1745-1818), o Elpino Duriense da Arcádia Lusitana. 91 «Alcipe» tratava-o por Sílvio. 92 D. Teresa de Mello Breyner para além de visita assídua das encarceradas do convento de Chelas, manteve um salão literário até cerca dos anos 90 do século XVIII, frequentado entre outros, por poetas da Nova Arcádia, como Domingos Caldas Barbosa (1738?-1800), Joaquim Severino Ferraz de Campos (1760?-1813?) e Francisco Joaquim Bingre (1763-1856). 93 CIDADE, Hernâni, Lições de Cultura e Literatura Portuguesas, p. 426. 124 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira num certo espiritualismo e iria lançar-se no culto da Humanidade, da Pátria e da Mulher. E, então, encaminharia toda a potencialidade do seu ser para a ilantropia e para o patriotismo. «Alcipe» bem como os demais autores românticos da época chocavam muitas vezes com a realidade, caindo amiudadamente na evasão e no pessimismo. Idealizavam o mundo, construindo-o no ar ou sobre castelos de areia. Quando baixavam à terra, não encontravam obviamente esse mundo idealizado. A Humanidade não os compreendia; a Pátria se fosse necessário desterrá-los-ia. Do choque brutal com a realidade provinha o desengano e, para esse, só existiria uma solução: fugir. Uns fugiram de terra em terra, como Chateaubriand, Byron e Garrett; outros refugiavam-se na Idade Média ou na paisagem do exótico Oriente como Walter Scott, Alexandre Herculano e Vítor Hugo; existiam ainda os que fugiam de fora para dentro, introvertendo-se e subjectivando-se de tudo; alguns iam mais longe e chegavam ao ponto de se suicidar, fugindo apressadamente para a eternidade como Kleist, Nerval, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Trindade Coelho. O casamento em 1779 com o conde de Oeynhausen “[…] condicionou-lhe dar ao espírito os horizontes que ele reclamava. Nomeado o conde ministro enviado à corte austríaca, pouco antes da ascensão ao trono de José II, ei-la através da Espanha, França, Alemanha, até Viena, onde se demorou, tendo ensejo de, no caminho, se relacionar com Mme. Stael e o poeta Delille, e, na corte vienesa, com o Abade António da Costa, grande músico português, e o poeta Metastásio. Além destas relações, toda a convivência espiritual que o ambiente e a leitura, uma vez dominada a língua alemã 94, mal adivinhando através das traduções lidas no claustro, ali o tinha patente em viva lorescência. Faltava-lhe agora, para completar a modernização do seu espírito, uma estância em Inglaterra…”95. «Alcipe», através do seu casamento com o conde de Oeynhausen, pôde viajar pela Europa, adquirindo uma cultura considerável, o que a conduziu à relexão bastante pertinente de Hernâni Cidade acerca da aprendizagem e da própria intelectualidade literária que a futura 4ª marquesa de Alorna incarnou: “[…] a sua 94 Sobre o Romantismo na Alemanha, António José Barreiros esclarece-nos que “poucas nações estavam tão bem trabalhadas e preparadas para fazer germinar e crescer o Romantismo como a Alemanha. Flagelada por guerras religiosas e civis, que a retalharam em vários estados, não teve, durante o Classicismo, condições propícias para criar uma literatura com continuidade. De resto, a época dos grandes impérios europeus foi para os Alemães uma era que precisavam de esquecer. E esqueceram-na com gosto, saltando por cima dela e indo procurar inspiração às tradições medievais ou locais, que, para maior consolação, idealizavam a seu gosto”. BARREIROS, António José, História da Literatura Portuguesa, 13.ª ed., vol. II, séculos XIX-XX, s.l., Editora Pax, s.d.[1992], p. 11. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 125 permeabilidade ao Romantismo nascente, já pressentido em Chelas, na leitura de Young, depois, na Alemanha e na Inglaterra, mais vivamente sentido em Goethe, Burger, Ossian, Gray, Goldsmith, Lamartine […]. A Bíblia, é bem sabido, constitui, nesta renovação do gosto, uma das fontes preferidas. É o mistério do seu exótico, a magniicência oriental do seu lirismo, a ressonância que, nas profundidades da alma cristã encontra o seu conteúdo de ideias, sentimentos e episódios” 96. «Alcipe» expulsa em 1803 por Pina Manique, depois da busca efectuada em sua casa, cremos ter estabelecido a voluntariedade de uma liga anti-napoleónica. Os dramas da sua vida familiar não lhe tolheram a permanente e inquieta mobilidade de espírito e com as poesias de sua autoria, mas também com a leitura, imitação e tradução das poesias de Delille, de Metastásio, de Burger, de Goethe, de Wieland, de Young, de Ossian, de Goldsmith, de Gray, de Thomson, «Alcipe» foi procurando o esquecimento das misérias da vida. Regressada em 1814 a Portugal, após a queda de Napoleão Bonaparte e, na posse da fortuna patrimonial familiar e do título de 4ª marquesa de Alorna, «Alcipe» mantinha acesa a chama dos seus salões como focos irradiadores do Romantismo. Por volta de 1838, um ano antes da sua morte, quando «Alcipe» já contava com 88 anos de idade, o seu neto D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, 7º Marquês de Fronteira dizia: “[…] sala de minha Avó, […], ou a sua câmara, onde ela em geral recebia, era muito frequentada por pessoas de ambos os sexos, de muito espírito e graça, o que muito concorria para adoçar a triste posição de minha boa Avó, a quem os anos e trabalhos da sua longa vida tinham posto num grande abatimento, conquanto conservasse sempre aquele espírito distinto que fez a admiração dos seus contemporâneos. Ainda nessa época fazia versos, que foram impressos depois da sua morte e mereceram os aplausos dos poetas do tempo, e quadras picantes analisando a cómica situação política que nos dominava. Ali passávamos as horas mais agradáveis, tanto eu como minha mulher, indo a sua casa diariamente, não só para nos informarmos da saúde da ilustre parenta, mas para levarmos nossa ilha completar a sua educação. A distância de Lisboa a Benica era grande para os mestres e, por isso, iam a casa de minha Avó, onde nossa ilha recebia as suas lições, o que muito interessava e distraía a Bisavó” 97. 95 CIDADE, Hernâni, Lições de Cultura e Literatura Portuguesas, p. 427. 96 CIDADE, Hernâni, “Prefácio”, in Marquesa de Alorna, Poesias, pp. L e LI. 97 MASCARENHAS, D. José Trazimundo, Memórias do Marquês de Fronteira e d’Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861, Parte VI (1834 a 1842), p. 263. 126 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira Fazendo menção a uma interessante e curiosa genealogia da visão do discurso historiográico produzido acerca de «Alcipe», do seu génio e do seu legado poderemos elencar as seguintes contribuições: – a primeira biograia que se conhece da «Alcipe» é a Notícia Biográica; este texto foi redigido por duas das ilhas da autora, Henriqueta e Francisca, que preocuparam-se em exaltar o vulto da mãe enquanto representante de um grupo social; dedicaram amplo espaço à sua genealogia e à de seu pai, enumeraram as distinções e honrarias que lhe foram sendo concedidas ao longo da sua vida pelo Papa, Reis e Príncipes, assinalando a injustiça do seu longo cativeiro no convento de Chelas; destacaram a sua vasta cultura e a sua força de ânimo que a qualiicaram de “varonil” 98. – A. A. Teixeira de Vasconcelos que em 1869, no capítulo que redigiu sobre «Alcipe» na sua obra Glórias Portuguesas, refere: “entre as mulheres do século passado, e no que vai correndo, representam mais ielmente o sentimento e os costumes nacionais foi a principal D. Leonor de Almeida, Marquesa de Alorna, a brilhante poetisa da velha monarquia, e a veneranda idalga, honra da corte portuguesa nos primeiros anos da dinastia constitucional” 99; – se Olga Morais Sarmento, no livro que dedica à Marquesa de Alorna em 1907, se abstém, de um modo geral, de proferir juízos de valor 100, já Maria Amália Vaz de Carvalho, que foi a primeira mulher admitida na Academia das Ciências de Lisboa, apresentou nesta instituição, em 1912, um estudosobre a «Alcipe», considerando que “as duas qualidades predominantes desta inteligência de mulher são o vigor quase viril do pensamento experimentado, e a extrema cultura adquirida em longos anos de prisão” 101. Maria Amália Vaz de Carvalho destacou o carácter inédito de «Alcipe» na época do “[…] Portugal asixiante e meio bárbaro do tempo não tinha lugar que oferecesse a uma mulher escritora, a uma mulher de talento superior e de alto e desanuviado critério” 102; – o facto de «Alcipe» ser mulher parece condicionar a generalidade das apreciações que Teresa Leitão lhe dedicou num estudo biográico, referiu-se-lhe 98 TOPA, Francisco, A Musa Trovadora. 99 VASCONCELOS, A. A. Teixeira, Glórias Portuguesas, p. 116. 100 SILVEIRA, Olga Morais Sarmento da, Mulheres Ilustres. 101 CARVALHO, Maria Amália Vaz de, “A Marquesa de Alorna. A Sociedade e a Literatura do seu Tempo”, pp. 322 e 323. 102 CARVALHO, Maria Amália Vaz de, “A Marquesa de Alorna. A Sociedade e a Literatura do seu Tempo”, p. 382. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 127 5 – «Alcipe» e fac-símile da assinatura (gravura publicada em 1844) por exemplo como uma “mulher extraordinária que, pela sua decidida inluência sobre tantos talentos másculos, conseguiu ser entre nós a inconfundível representante de «haute gamme» feminina dos salões” 103. Ao debruçar-se sobre a sua biograia, considerou-a “regrada por uma vontade forte e perfumada por uma graça frágil”, airmando mesmo que a sua vida teria sido, em sua opinião, “a sua melhor obra” 104. Confrontada com a vastidão da obra literária de «Alcipe», não conseguiu deixar de ajuizá-la de acordo com a sua perspectiva do que deveriam ser a psicologia e o comportamento femininos, acabando por atribuir à autora uma “febre de ostentação”105 e proferindo a indefectível sentença de que “se alguma coisa explica a sua extrema fecundidade poética, é antes o estímulo nascido duma natural emulação ou duma pequenina e bem humana vaidade que, uma vez que ela se encontrava arvorada em suprema intelectual feminina, não lhe permitiu emudecer a tempo ou esperar que um motivo de inspiração sincera e emotiva tocasse a sua arte dum vincado e agradável cunho de espontaneidade” 106; – em 1933, Hernâni Cidade publicou um longo estudo sobre a biograia e a obra de «Alcipe», marcado pela mesma visão do papel da mulher na sociedade, como se depreende em realçar que a autora “mesmo na sua obra literária soube ser ilha, esposa, mãe, irmã – e isto com uma espontânea ternura que, longe de se moldar pela página lida, antes desborda sobre a página a escrever” 107. Ao debruçar-se sobre os textos de «Alcipe», Hernâni Cidade referiu-se neles à “formosa e altiva silhueta em que a graça feminina se casa com aquela varonil energia que, evitando-lhe as deliquescên- 103 BARROS, Thereza Leitão de, Escritoras de Portugal, p.45. 104 BARROS, Thereza Leitão de, Escritoras de Portugal, p.59. 105 BARROS, Thereza Leitão de, Escritoras de Portugal, p.61. 106 BARROS, Thereza Leitão de, Escritoras de Portugal, p.60. 107 CIDADE, Hernâni, A Marquesa de Alorna. Sua vida e obras, p. 52 128 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Nuno Simão Ferreira cias sentimentais, lhe inspira um nobre amor da cultura, da liberdade, e o ódio másculo contra o despotismo de que foi vítima” 108 no que parece ser uma tentativa de aglutinar numa imagem única, características então consideradas como apanágio exclusivo de um ou outro sexo. Considera-a possuidora de uma “Alma varonil, por hereditária constituição e pela têmpera que recebeu da vida” 109. 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Sua vida e obras, p.77. 109 CIDADE, Hernâni, A Marquesa de Alorna. Sua vida e obras, p.79. 2 - «Alcipe» e a relação entre o Classicismo e o nascente Romantismo no “Tratado da Velhice” 80 – 1 33 129 AA. VV., Dicionário Ilustrado da História de Portugal, 2 vols., Lisboa, Publicações Alfa, 1985. AA. VV., Encyclopedia of Women and Gender. Sex similarities and diferences and the impacto f society on Gender, 2 vols., San Diego (California), Academic Press, 2001. BARREIROS, António José, História da Literatura Portuguesa, 13.ª ed., vols.I e II, séculos XII-XVIII e séculos XIX-XX, s.l., Editora Pax, s.d. [1989] e [1992]. CHEVALLIER, Jean-Jacques, História do Pensamento Político. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda e de Álvaro Cabral, 3 tomos, Rio de Janeiro, Editora Guanabara e Zahar Editora, s.d.. 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Humphrey, em 1796 (British Museum, Coleção de desenhos, div. 1, political and personal satires, v. 7, nº 8900). A falta de cortesia de diversos indivíduos, elegantemente vestidos, em Bond Street. No primeiro plano, cinco homens obrigam uma mulher e uma menina a caminhar fora do passeio, ocupando-o, enquanto as olham ixamente. As mulheres, vistas de trás, estão estranhamente vestidas. No fundo, três senhoras, também em igurinos exagerados, andando braço a braço na estrada. Códigos do bom-tom ou de civilidade Ricardo Charters d’Azevedo Resumo Normas de conduta foram sendo destiladas ao leitor desejoso de aumentar a sua aceitação na sociedade, pois aí estaria a chave da sua promoção social. Elas chegaram igualmente às pessoas através de pequenas trovas ou provérbios fáceis de memorizar. Escritos de modo claro e didático, os guias de boa conduta, ou manuais de bom-tom, ou tratados de saber-viver, dedicavam-se à ciência da civilização ou à civilidade e introduziam seus leitores na vida de sociedade dita nobre, ou rica. Igualmente, encontramos, já no século XIX, normas e regulamentos, a que podemos chamar códigos de comportamento, que não eram mais que a transcrição do que a tradição impunha. Os manuais sobre duelos, os sobre jogos de sociedade e os sobre a dança, complementam as prescrições constantes nos manuais de civilidade. A extraordinária riqueza destes textos levou a que se procurasse apresentar a evolução daqueles manuais desde o século XVI, juntando alguns exemplos saborosos de prescrições que à luz da cultura atual nos fazem sorrir. Palavras-chave: Códigos de civilidade, livros de bom-tom, comportamentos, protocolo 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 135 Todas as horas faço gaffes de civilidade e etiqueta (A vida social é complexa para a minha fraqueza de nervos) Mas nunca existiu quem só tivesse vivido em alma Numa eterna luta de Janus. Arre, a humanidade é uma coisa muito complexa... Tenho-a observado com os olhos e os nervos, e ainda não percebi. (Compreender é um navio ao longe) Toda a gente que tenho conhecido Estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Não tenho um amigo, um conhecido, em quem batessem Ninguém que eu conheça perdeu o amor de uma mulher. Tenho feito muitas coisas más, muitas coisas reles, muitas infâmias. Tenho sido cobarde, revoltante, sujo. Não encontro ninguém assim. Todos têm sido príncipes, os que têm andado comigo Álvaro de Campos 136 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo Introdução Normas de conduta foram sendo destiladas ao leitor desejoso de aumentar a sua aceitação na sociedade, pois aí estaria a chave da sua promoção social. Elas chegaram igualmente às pessoas através de pequenas trovas ou provérbios fáceis de memorizar. Escritos de modo claro e didático, os guias de boa conduta, ou manuais de bom-tom, ou tratados de saber-viver, dedicavam-se à ciência da civilização ou à civilidade e introduziam seus leitores na vida de sociedade dita nobre, ou rica. Igualmente, encontramos, já no século XIX, normas e regulamentos, a que podemos chamar códigos de comportamento, que não eram mais que a transcrição do que a tradição impunha, como por exemplo sobre duelos (Picaluga, 1901 e Banks, 2010). Os manuais sobre duelos, os sobre jogos de sociedade e os sobre a dança, complementam as prescrições constantes nos manuais de civilidade. 1 – Duelo com pistolas (autor desconhecido, c. 1820, coleção da The Mary Evans Picture Library) 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 137 A extraordinária riqueza dos textos, a que chamamos genericamente de manuais de saber-viver, ou de boas maneiras, ou de bom-tom, que tratam do comportamento social, imbricada com considerações morais e religiosas e mesmo políticas, levaram a que Alain Montandon, coordenasse um projeto que estudou estes códigos, manuais, ou tratados, projeto esse que, centrado no Centre de Recherches sur des Literatures Modernes et Contemporaines da Faculdade de Letras e Ciências Humanas de Clemont-Ferrand, cobriu vários países europeus. Foi publicada mais de uma dezena de livros e, entre eles, uma bibliograia destes códigos, cobrindo uma dúzia de países, incluindo Portugal (Leal, 1995: 197 – 232). No anexo apresenta-se uma bibliograia à qual foram acrescentadas outras publicações, entretanto, descobertas, o que enriquece a de Leal. Boas maneiras e os códigos de comportamento Na Europa, o conjunto destas obras é composto de uma grande variedade de géneros e de estilos, mas todos têm uma serie de prescrições, que valorizam, ou desqualiicam, conceitos morais e comportamentais. Alguns manuais são gerais, cobrindo muitas matérias, outros são mais especíicos, ou mais especializados, mas a maioria procura indicar ao leitor o caminho da perfeição e aponta práticas consensuais que tornam, se adotadas, a vida social mais agradável. No entanto, este tipo de literatura não surgiu do nada no século XVIII, ou XIX - quando teve grande sucesso, pois preceitos como os da temperança, sobriedade e sociabilidade, isto é, os bons modos, já estavam presentes: § no Versos de Ouro, de Pitágoras (c. 565 AC – c. 492 AC); § no De Oiciis (Tratado dos deveres), de Marcus Tullius Cicero escrito a 44 AC; e § no Moralie, de Lucius Mestrius Plutarchus (46 – c. 125), Outras publicações vieram ainda inluenciar a literatura sobre o comportamento em sociedade na Europa, como: § Praecepta ad Filium, (Máximas dirigidas ao seu ilho), redigidas por Catão o velho; § El Libro Del Infante ou Libro de los estados, que é uma coletânea de preceitos religiosos e morais escrita em espanhol, apresentando a visão de como deve 138 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo ser uma sociedade ideal no século XIV, pelo príncipe Don Juan Manuel (1282 – 1348) sobrinho de Afonso X, o Sábio; § Ornatus millierum (O ornamento da mulher), escrito em Inglaterra por volta de 1250 e que contém 88 recomendações de mulheres de Itália para produzir cosméticos a partir de produtos comuns; § De Educatione liberorum et eorum claris Moribus, de Mafeo Vegio (1407 – 1458), que chegou a ser reimpresso em França e atribuído a Francesco Filelfo, ou Philelphe, com o título Le Guidon des parents en instruction et direction de leurs enfans; § Enseignement de vraie noblesse de Hugues de Lannoy (circa 1384 - 1456), assim como L’instruction d’un jeune Prince et Enseignements paternels igualmente atribuído ao mesmo autor, nomeadamente por Bernhard Sterchi. § Le doctrinal du temps présent, publicado em 1466, do poeta Pierre Michault, secretário de Carlos, conde de Charolais, ilho do poderoso duque de Bourgogne, que narra, sob a forma satírica, a maior parte dos costumes do século XV. § O espelho de Cristina o qual falla dos três estados de mulheres de Christine de Pizan, que mais não é que a tradução do texto encomendado pela rainha Isabel, esposa de Afonso V e impressa em 1518 (Crespim, 1995). Também em Portugal tivemos escritos sobre esta temática a partir do século XV, como por exemplo O Livro da Virtuosa Benfeitoria, de D. Pedro duque de Coimbra, e o Leal Conselheiro de D. Duarte I, manuscritos anteriores a 1438. Nos mosteiros e colégios As regras, e nomeadamente as boas maneiras, também faziam parte da educação dos admitidos nos mosteiros, ou nos colégios. Indicavam os comportamentos que deviam ser adotados para serem socialmente aceites, bem como chamavam a atenção para tudo aquilo que deveria ser evitado. Por exemplo, a Regra de São Bento escrita por Bento de Núrcia no século VI, é um conjunto de preceitos destinados a regular a vivência de uma comunidade monástica cristã regida por um abade. Ditava, por exemplo: 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 139 “Quanto à mesa, quem não tiver chegado antes do versículo, de modo que todos digam o versículo e orem juntos e se sentem ao mesmo tempo à mesa - quem não tiver chegado a tempo, por negligência ou culpa, seja castigado por este motivo até duas vezes; se de novo não se emendar, não lhe seja permitida a participação à mesa comum, mas faça a refeição a sós, separado do consórcio de todos, sendo-lhe tirada a porção de vinho, até que tenha feito satisfação, e se tenha emendado. Seja tratado da mesma forma quem não estiver presente ao versículo que se diz depois da refeição. E ninguém presuma servir-se de algum alimento ou bebida antes ou depois da hora estabelecida. Mas quanto àquele que não quis aceitar alguma coisa que lhe tenha sido oferecida pelo superior, na hora em que desejar aquilo que antes recusou ou outra coisa qualquer, absolutamente nada receba, até conveniente emenda” (último parágrafo do Cap. 43). 2 – Frontispício de De Educatione liberorum et eorum claris Moribus, de Mafeo Vegio 3 – Frontispício de Regra de São Bento (Biblioteca Nacional Central de Florença) 140 As regras também destacavam a importância da higiene e, de acordo com Rybczynscki (1996: 42), os mosteiros não eram somente os centros da fé, mas também da limpeza. Assim o asseio encontrava-se já inserido dentro das regras do saber viver, para proporcionar o bem-estar à Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo própria pessoa, aos companheiros e no local onde se encontrasse. Rybczyncki (1996: 42), ao analisar a ordem monacal de Cister, fundada por São Bernardo de Claraval no século XI, na Borgonha, escreve: “A higiene era importante para a mente eicaz da ordem cisterciense. São Bernardo, seu fundador, escrevera tudo nas «Regras», um manual de operações que tratava não só de questões religiosas, mas também mundanas. O objetivo não era simbólico [...], raspavam-se as cabeças dos monges para evitar piolhos. [...]. Cada um dos complexos (espaços internos dos mosteiros) incluía um lavatorium, ou casa de banhos, equipados com tinas de madeira e com aquecedores de água; pequenas pias com água corrente constante para lavar as mãos antes e depois das refeições [...]”. (Rybczynscki, 1996: 42). É importante ressaltar que a educação dada aos religiosos era controlada quotidianamente e, quando alguma regra era quebrada, havia punições, como se pode conirmar no seguinte texto: “As toalhas de mesa eram trocadas quinzenalmente, e diante de cada monge colocavam uma faca e uma fatia de pão. [...]. Tocava-se um sino para chamar à refeição. Os monges juntavam-se, lavavam as mãos e entravam no refeitório, curvavam-se na direção da mesa alta e tomavam seus lugares em ordem de precedência. [...]. Ninguém começava a comer antes do sinal do prior. A etiqueta era rígida, e qualquer infração obrigava o monge culpado a prostrar-se no degrau da mesa alta até que o prior batesse com a faca, permitindo que ele icasse em pé” (Strong, 2004: 52-53). São curiosas as considerações sobre os parasitas que, naqueles tempos, pululavam o corpo de muitos indivíduos, visto que eram classiicados como “habitantes” naturais do corpo humano. Os higienistas da época, por exemplo, diziam que apenas o excesso de humores corporais provocava a proliferação dessa fauna parasitária. “Piolhos e pulgas nascem de transpirações mal controladas. Essas vidas rastejantes só podem nascer do corpo. Saem da pele como certos vermes que parecem emergir de carnes em decomposição” (Vigarello, 1996: 47). Acreditavam que o excesso de parasitas nas crianças se devia à sua excessiva alegria. Assim dever-se-ia “evitar tornar sua 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 141 presença por demais ostensiva. É inconveniente e pouco honesto coçar a cabeça à mesa e pegar no pescoço, ou nas costas, piolhos e pulgas ou outros insetos e matá-los diante das pessoas. A troca de roupa é uma maneira de amenizar os parasitas. Despiolhar outrem é sinal de ternura” (Vigarello, 1996: 47). Erasmo de Roterdão e a sua obra De civilitate morum puerilium Erasmo (1466 – 1536), com a sua De civilitate morum puerilium (Da civilidade dos costumes das crianças ou Da civilidade pueril), publicada em Basileia em 1530, é considerado um dos primeiros a ter a iniciativa de compilar, com ordem e método, os preceitos de conduta social que lhe pareceriam ser mais importantes naquele tempo. Estamos em pleno século XVI do Renascimento e do Humanismo, tendo Erasmo vivido no período que podemos dizer ser o de transição da Idade Média para a Moderna, uma época em que a educação aprimorada não era para todos, mas tão-somente para os nobres e príncipes. No entanto, Erasmo de Roterdão almejava que o seu manual inluenciasse a criança, pois ele acreditava que a arte de ensinar uma criança passava por diversas etapas; a principal consistia em fazer com que espírito da criança, ainda tenro, recebesse as sementes da piedade. A segunda é que tomasse amor pelas belas artes e que apreendesse o bem. A terceira que fosse iniciada nos deveres da vida. E a quarta que se habituasse, desde cedo, às regras da civilidade. 4 – Erasmo (pintura de Hans Holbein, o Novo, Museu de Arte de Basileia) 142 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Erasmo deine a civilidade em oposição à voracidade do animal ou rusticidade do camponês, pelo que, com o seu manual, pretende transformar as pessoas em indivíduos gentis e educados. Com as boas maneiras, foram-se desenvolvendo utensílios que melhoravam o comportamento, e que podemos exempliicar com a invenção dos guardanapos. Durante os banquetes reais da Idade Média os comensais serviam-se com as mãos, e automaticamente limpavam-se nas belas toalhas de tecidos adamascados as quais, após os banquetes, ostentavam uma sujeira irreparável. Mais tarde, a sujidade das toalhas começou a incomodar, e para preservá-las passaram-se a utilizar a pelagem de coelhos e cachorros vivos amarrados nos pés das cadeiras, ou vestiam um criado para que a sua roupa, neste último caso, servisse como guardanapo. Com o passar do tempo e o desenvolvimento da higiene, os guardanapos começam a surgir. Mas, antes do guardanapo se tornar hábito, os nobres sentavamse sobre eles, arremessavam-nos contra os outros, ou ainda os utilizavam como uma espécie de embrulho de comidas para colocar dentro do cano de suas botas e levarem para comerem mais tarde. Luís XIV será o primeiro a ter uma grande coleção de lenços e é no seu reinado que se difunde, inalmente, o uso desta peça tanto de vestuário como de higiene (Ribeiro, 1998:11). Erasmo prescreveu, com sinceridade, franqueza e autoridade, regras e maneiras que deveriam enformar essa nova sociedade que se formava e da qual ele fazia parte. Além de formular a própria noção de civilidade, o seu tratado didático em latim assegurará durante séculos a pedagogia das boas maneiras e a sua vasta difusão social. 5 – Frontispício de De civilitate morum puerilium, na edição de 1530 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 143 Resumimos a seguir algumas das suas recomendações, que devem ser lidas à luz da sociedade do século XVI e que terminavam com a seguinte frase: Se de alguma utilidade for o presente opúsculo, ó ilho caríssimo, almejo seja o mesmo oferecido, por teu intermédio, a todas as crianças de tua idade: “Cap. I – As atitudes corretas e incorretas – Os olhos: Para que a boa índole da criança seja transparente (e nada como os olhos para revelá-la) convém que o olhar seja plácido, respeitoso e circunspecto. Realmente, não foi, por acaso que a sabedoria dos antigos dizia que a alma tem sua sede nos olhos. As pinturas antigas nos dão a entender que olhos semicerrados eram sinal de peculiar modéstia. É decerto, indecoroso olhar com uma vista aberta e a outra fechada. Que é isso se não fazer-se de zarolho? – Deixemos semelhantes trejeitos para o atum e certos artesãos. – As sobrancelhas: As sobrancelhas devem icar naturalmente distendidas e não franzidas porque então projetam um aspeto ameaçador. – O nariz: Nariz sujo e mucosa pituitária são sinais de indivíduo desasseado. Aliás, houve quem reprovasse o ilósofo Sócrates por tal defeito. – Limpar o nariz no braço ou sobre o cotovelo é próprio dos salgadores. – Não é bonito também limpar o nariz com as mãos e, depois, esfregá-las nas vestes. – Espirro: Se na presença de outras pessoas, ocorre o espirro, é de bom tom virar o dorso. Uma vez passado o acesso, há de se fazer o sinal da cruz sobre os lábios e, a seguir, tirando o barrete, fazer um cumprimento às pessoas que disseram saúde ou pelo menos, deveriam tê-lo dito. – O rosto: As maçãs do rosto sejam de cor natural e sem afetação. Em todo caso nunca calha bem pintar as faces ou passar corante avermelhado. Isso, não obstante, seja o rosto devidamente cuidado, sem descambar para o ridículo ou para a idiotice ou ainda, como diz o provérbio, cair no quarto grau de insanidade. – O Riso: Rir de tudo que se faz ou é dito eis coisa de bobalhão, mas, não rir de nada já é estupidez. – Cuspir: Deve virar-se para o lado, quando alguém cuspir. Assim se evita borrifar ou conspurcar o outro. Se cair por terra parte da secreção mucosa, há de se colocar o pé em cima, como já foi dito acima, pois não se deve provocar náuseas em ninguém. 144 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo – Vómito: Para vomitar procura distância, pois vomitar não é delito. O execrável é predispor-se ao vómito por gulodice. – Dentes: Deves ter o cuidado de manter os dentes limpos, mas estar a polir os dentes, servindo-se de certos pós é coisa afeminada. Esfregar com sal ou alume prejudica as gengivas. Típico da moda espanhola é enxaguar os dentes com urina. – Cabelo: Não se pentear demonstra desleixo. Cuidar da limpeza não é imitar a denguice da menina. – Braços: Cruzar os braços, entrelaçados um no outro, equivale à posta de preguiçoso ou de quem lança um desaio. – Pescoço: O pescoço não ique pendente nem para direita nem para esquerda, a menos que seja para um colóquio ou para outro motivo. Assim se evitam cenas de comediantes. – Partes pudendas: Os membros aos quais a natureza outorgou o pudor, descobri-los sem necessidade, eis o que deve icar alheio a uma índole liberal. – A urina: Reter a urina é prejudicial para saúde. É de bom costume vertê-la em lugar reservado. – As pernas: O correto seria assentar-se e ter os joelhos juntos e, ao icar de pé, aproximar as pernas uma da outra ou, pelo menos deixar pouco espaço entre elas. – Os pés: Movimentar os pés, estando assentado, evoca o gesto de bobalhão. – As mãos: Igualmente, gesticular com as mãos desperta suspeitas de alguma anomalia. Cap. II – A elegância dos trajes – A roupa: A roupa de certo modo, é o corpo. Isso porque externa as disposições interiores do indivíduo. Não há como estabelecer, aqui, normas rígidas, já que nem todos possuem igual riqueza nem a mesma categoria social. Além do mais, a elegância varia de lugar, sem esquecer que as preferências mudam ao longo do tempo. Senhoras que arrastam longas caudas no vestido, nada mais ridículo. Igualmente é desaprovado tal costume nos homens. Deixo para outros opinarem se isso convém ou não para cardeais e bispos! O uso de tecidos leves não faz boa igura nem nos homens nem nas mulheres. Convém então usar outro tecido de reforço de modo a ocultar aquelas partes 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 145 que icariam, impudicamente, expostas. Em consonância com as partes e o status, respeitando ainda usos e costumes de cada região, deve-se ater à limpeza da roupa. – O asseio: Há gente que mancha, com pingos de urina, as bordas dos gibões e das camisas ou ainda incrustam o forro das mangas com nódoas feias não de giz, mas de escarro e pituíta. Cap. III – Como se portar na igreja – Igreja: Sempre que adentrares os umbrais da igreja, descobre a cabeça e, genuletindo, ligeiramente, com o rosto voltado para o altar, saúda o Cristo e os Santos. Guarda o seguinte: é inútil ir a uma igreja, se dali não saíres melhor e mais puro. – A missa: Não ica bem transitar pelo recinto da igreja como os peripatéticos. Lugar de passeio são as galerias e as praças públicas, mas não as igrejas, que foram consagradas para ins de evangelização e para a celebração dos mistérios da fé. Cap. IV – Os banquetes e as refeições – Antes das refeições: Nunca se assentar sem ter lavado as mãos, porém, limpa, primeiro, as unhas. - Que elas não escondam sujeiras senão podes levar apelido de o «unhas encardidas». – Posição do corpo: Não se perdoa a mania de pôr um ou dois cotovelos sobre a mesa. Isso passa despercebido nos velhos e nos doentes. Cortesãos há reinados que se permitem tais posturas. Não dês atenção a eles e nem os imites. – Talheres: O copo ica à direita como também a faca, devidamente asseada, para talhar a carne. O pão à esquerda. – O pão: [..] apertar o pão com a palma da mão para depois parti-lo em pedaços com as pontas dos dedos, é coisa de cortesão. Tu, porém, deves cortá-lo, com a faca, indo de um lado para o outro. Isso sim revela modo de gente reinada. – Bebida: Antes de beber, engole a comida. Nunca aproximar o copo dos lábios sem primeiro, tê-lo limpado com o guardanapo ou com o lenço, principalmente se um dos convivas te apresenta o próprio copo ou se todos bebem da mesma taça. 146 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo – Impaciência no comer: Há gente que, mal se aproxima da mesa, mete a mão nas travessas. Isso é coisa de lobo ou de quem devora as carnes da panela antes mesmo de serem feitas as libações aos deuses, como diz o provérbio. - Modo de ingerir: Deglutir bocados inteiros, apressadamente, é próprio das cegonhas e dos histriões. É costume de um rústico estar a imergir no caldo o pão mordido. Não jogar debaixo da mesa ossos e outros detritos a im de não conspurcar o pavimento. Também não depositar sobre a toalha da mesa nem dentro da travessa de serviços. O certo é deixar, num canto, dentro do seu prato ou no pires que, segundo o costume corrente, destina-se a receber os restos. Beber e falar com a boca cheia, sobre ser mal-educado, é também perigoso. Feio mesmo é icar de olho no vizinho para observar o que ele come. Também não é elegante assentar os olhos, ixamente, em determinada pessoa. Cap. V – Encontros e conversas – É vulgar agitar os braços com os dedos bem como mexer com os pés, expressar-se menos com palavras e mais com o corpo todo. Isso ica bem nas rolas, nas alvéolas e nas pegas. Sobraçar um livro ou um barrete pelas axilas é de mau gosto. A voz da criança seja suave e calma. Não sejas curioso a respeito das coisas alheias. Caso aconteça de ver ou ouvir qualquer indiscrição, tenta ignorar. Cap. VI – No leito Quando te recolheres ao cubículo, reconcilia o silêncio com a modéstia. Sem dúvida que barulho e tagarelice são muito mais detestáveis nas horas de estar recolhido ao leito. Quer ao te despires, quer ao te levantares do leito, lembrate de manter o pudor. Cuida para não descobrires ante os olhos dos outros aquelas partes de corpo que a natureza e a decência querem veladas. Depois de aliviar o intestino, nada deves fazer antes de ter lavado a face e as mãos bem como enxaguar a boca.” 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 147 Esta obra de Erasmo foi um imenso sucesso, inluenciando, nos séculos seguintes, os códigos de conduta. A civilidade pueril até o ano de 1600 terá tido pelo menos catorze traduções, e consequentemente várias dezenas de milhares de exemplares distribuídos, comprados e lidos numa Europa que era maioritariamente analfabeta. Os escritos de Castiglione e de Della Casa Contemporâneo de Erasmo, Baldassare Castiglione (1478 – 1529) publica em 1528, em Veneza, O cortesão, dois anos antes de A civilidade pueril de Erasmo. O livro além de ser um manual de cortesia, foi um novo género de literatura cortesã e pretendeu ser um divulgador de preceitos que no século XVI a aristocracia europeia procurava apreender. Apresenta uma outra doutrina contrária à apresentada por Erasmo, mas que se transforma na gramatica fundamental da Corte, pois que as ideias aí expressas levam a crer que os bons comportamentos pertencem apenas às classes superiores na Corte. O verdadeiro idalgo mostra o seu mérito abstendo-se de tudo o que pudesse ser evocado aos olhos de outros como um produto de um trabalho sobre si próprio, ou que mostre vestígios de um esforço. O aristocrata deve usar as coisas com um certo desprezo e despreocupação, mostrando-se sempre superior. Assim damos conta das diferenças entre Castiglione e Erasmo, pois para aquele o bom comportamento é encontrado somente num grupo fechado, senhor único da perfeição: a aristocracia. O cortesão de Castiglione é composto por quatro livros, sendo que cada um narra diálogos que tiveram lugar durante quatro noites de março de 1506, ocorridos na Corte de Urbino, em Itália, entre algumas senhoras e gentis-homens do palácio, aos quais se juntou parte da escolta do papa Júlio II, o qual passava pela cidade após a expedição militar em que submetera Bolonha. Nos dois primeiros livros deine-se o cortesão ideal, bem como os seus atributos, fossem eles físicos, espirituais, artísticos, musicais, humorísticos, entre outros, como ter prudência e descrição. No terceiro livro, através de uma discussão acerca dos valores, capacidades e atributos das mulheres, constróise a imagem da dama palaciana ideal. Essa parte do livro é marcada por uma 148 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo discussão calorosa em que se propõe tanto que a mulher é um ser inferior, desvirtuado e impuro, como o oposto. No quarto e último livro há a idealização do príncipe, ou governante ideal, considerando que deve ser balizada pela nobreza do serviço e sem servilismo. O cortesão exerceu uma grande inluência na formação de cortes pela Europa no século XVI e é um documento rico em informações sobre a mentalidade, a estética e o gosto renascentistas. Il Libro del Cortegiano tornou-se um modelo para os novos tratados de civilidade a serem usados nas cortes no período Moderno. 6 – Francisco Rodrigues Lobo (retrato na edição de luxo da “Corte da Aldeia” de 1619) 7 – Baldassare Castiglione, conde de Casatico (por Rafael, Museu do Louvre) 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 149 Um outro texto, publicado na mesma altura, em 1558, é o Il Galateo, overo de’ costumi, de Giovanni della Casa (1503 – 1556). Este livro de civilidade, muito inluente durante o Renascimento, explora temas como o vestuário, as maneiras à mesa, e a conversa. O estilo usado é o coloquial no qual um velho tio instrui o seu sobrinho no que pode e o que deve evitar fazer de forma a ser aceite pela sociedade. Com esse estilo coloquial e com humor frio, escreve sobre assuntos quotidianos, desde a forma de estar, até de como contar piadas à mesa. E se os modos agradáveis e gentis têm força para provocar a benevolência daqueles com os quais convivemos, os modos boçais e rudes, ao contrário, incitam os outros a nos odiar e desprezar, escreve Giovanni della Casa. Tornou-se tão popular que o título, que remete para o nome de um dos amigos ilustres do autor, entrou na língua italiana. Dizer que não conheço o Il Galateo signiica ser descortês, bruto, e inábil na sociedade educada, enim, um desconhecedor das regras sociais. No século XVI encontramos em Portugal, igualmente, alguns livros, tais como: O Dialogo com dois ilhos seus sobre preceitos morais em modo de jogo, de 1563, e o Espelho de Casados, de 1540, ambos de João de Barros, que seguem a mesma linha destes. Os manuais no século XVII O exame dos manuais do século XVII mostra que o seu objetivo é claramente ensinar o comportamento que deve adotar quem pretende estar na corte. São exemplos as obras: O guia dos cortesãos, de Nervèze, de 1606; o Tratado da Corte, de Refuge, de 1616; O honesto homem ou a arte de agradar à corte, de Nicolas Faret, de 1630; e O novo tratado da civilidade que é praticado na França entre as pessoas honestas, de 1671, escrito por Antoine Courtin. Em Portugal, no século XVII devemos referir, entre outros, o de Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia e Noites de Inverno1, de 1619, o de Diogo de Paiva 1 Inspirada no livro O Cortesão de Baldassare Castiglione, a Corte na Aldeia aborda diversos aspetos: arte de conversar e galantear; indicações sobre epistolograia; procedimentos para diligências pessoais ou oiciais; fórmulas de tratamento; boas maneiras. Esta obra, que exclui quaisquer referências a questões religiosas e políticas, teoriza ainda sobre géneros e estilos literários e, num tom patriótico, exalta a língua portuguesa. 150 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo d’Andrada, Casamento Perfeito: em que se contem advertencias muito importantes pera viverem os casados em quietação, & contentamento.... de 1630 o de D. Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados de 1651, e a Arte de Criar bem os ilhos na idade da puerícia, de Alexandre Gusmão, publicado em 1685. Em 1618 e depois com uma edição em 1628, foi publicado um livro com destino aos Pensionnaires de la Compagnie de Jesus à La Fleche intitulado Bienséance de la conversation entre hommes. Alguns dos extratos que publicamos dão-nos a ideia da importância que estas publicações tiveram na formação de gerações, inculcando princípios de educação, cortesia e cavalheirismo. 8 – Frontispício do Cortegiano, na sua edição de 1804 (Biblioteca Nacional Vítor Emanuel, Roma) 9 – Frontispício de A Corte na Aldeia, na sua edição de 1649 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 18 7 151 152 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo “Quando te assoes, não toques a trompeta do nariz e depois não olhes para dentro do lenço; evita de te assoares como as crianças, com os dedos e a manga; Não mates as pulgas e outras bestiolas na presença de outras pessoas; se vires algum lixo, como um grande escarro ou coisa semelhante no chão, põe o teu pé sobre ele habilmente; se for sobre as roupas de quem estás a falar, não o mostres aos outros, mas limpa-o, se puderes. Não sejas grosseiro, mas amável e cortês Não corras nas ruas, nem caminhes muito lentamente, nem com a boca aberta; não faças ademanes enquanto caminhas. É uma coisa muito indecente limpar o rosto e o suor com o guardanapo ou limpar a ele o nariz ou o prato. Não lambas os dedos com ruído Ao sair da mesa não coloques o palito na boca ou na orelha” 10 – D. Francisco Manuel de Melo 11 – Frontispício da Carta de Guia de Casados, na sua edição de 1678 12 – Frontispício do Casamento Perfeito, na sua edição de 1630 13 – Frontispício de Bienséance de la conversation entre hommes, na sua primeira edição de 1618 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 153 Foi, em 1703, que Jean-Baptiste de La Salle, eclesiástico francês que vem a ser canonizado em 1900, publicou um manual intitulado Régles de la bienséance de la civilité chrétienne, valorizando a aprendizagem escolar em detrimento da que até agora vinha sendo praticada, que era na família, e por familiares, lançando, por assim dizer, um modelo pedagógico que se mantém até ao século XIX. Da mesma época, e semelhante à obra de La Salle, está o Tratado de Civilidade Cristã, do padre e frade capuchinho francês Clavel2 de Saint Mamert, que, por exemplo, qualiica a civilidade como uma ciência que ensina qual a hora e o lugar certo para agir e para falar. Segundo ele, a civilidade cristã não é outra coisa senão a modéstia e a humildade que deve ser o fundamento de todas as nossas ações. Os manuais no século XVIII Na passagem do século XVII para o XVIII, os manuais de civilidade focaram-se mais na formação da elite, cada vez mais ameaçada pelos círculos burgueses em ascensão económica. Um exemplo disso é o manual elaborado em 1693 por F. Calières: Do bom e do mau uso nas maneiras de expressar-se. Dos modos de falar burgueses; em que diferem daqueles da corte. Principalmente na segunda metade do século XVIII, a civilidade perdeu o sentido humanista que Erasmo lhe deu, tendo-se transformado simplesmente na construção de uma fachada. A partir de então, os manuais procuram cumprir duas missões: preservar a importância dos velhos gestos e, ao mesmo tempo responder às novas condições sociais, políticas e económicas, resultantes da Revolução Francesa. No século XVIII encontramos, publicado em Portugal, um manual traduzido do francês por José Vicente Rodrigues com o título Elementos de civilidade e da decência que se pratica entre gente de bem, por M. Prevost, publicado no Porto em 1777, na Oicina que foi de António Alves Ribeiro. Em 1788, é republicado o mesmo manual, agora na Oicina de António Gomes, de Lisboa. No mesmo ano de 1788, é publicado, com o título Elementos da civilidade e da decência para instrução da mocidade de ambos os sexos, impresso na Tipograia Rolandiana, um manual composto das seguintes três partes: 2 Vem a falecer de peste em Marselha, em 1720. 154 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo § Os Elementos da Civilidade e da Decência que se pratica entre as pessoas honestas, sisudas e bem-educadas, § A Arte de Agradar na Conversação, com máximas morais para reger-nos sisudamente no Mundo, e § O Tratado dos Principaes Fundamentos da Dança, em que se dão os preceitos não só para bem dançar, mas para andar, saudar e fazer airosamente as cortezias, assim nas Assembleias, e como em outra qualquer ocasião. O exame deste manual e do de M. Prévost, de 1777, leva-nos a rejeitar a ideia que um seria a reedição do outro. Uma outra série de livros com o título de Cartas izeram igualmente sucesso. Já não se tratava de ensinar a civilidade para permitir a construção da fachada que acima referimos, mas mais para ajudar a viver em sociedade. Podemos referir, por exemplo, o Cartas sobre as modas, impresso na Tipograia Rolandiana, de Lisboa, em 1789. Este livro contém dois curiosos capítulos, um com O que ordinariamente se pratica nas casas de pasto, que há em Lisboa, e que são frequentadas pelos peraltas, dando-se a conhecer o caracter destes pela sua deinição, e algumas modas, de que usão; e declarando-se também as que se praticão nos adornos, e móveis de casa, e um outro intitulado Notícia das carruagens, em que costumão andar as Senhoras; das práticas, que estas costumão ter com outras, e dos toucados, e efeites que usão. 14 – Frontispício dos Elementos da civilidade e da decência para instrução da mocidade de ambos os sexos, na sua edição de 1804 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 155 15 – Frontispício das Cartas sobre modas, na sua edição de 1789 16 – Frontispício dos Apontamentos para a educação de um menino nobre, na sua edição de 1734 17 – Conjunto de manuais de bom-tom: de notar o formato de bolso da maioria Igualmente dirigido às mesmas classes sociais, surgem livros como Apontamentos para a educação de um menino nobre, que para seu uso particular fazia, de Martinho de Mendonça de Pina e de Proença, publicado pela Oicina de José António da Silva, de Lisboa, em 1734, ou o Breve desenho da educação de um menino nobre, impresso na Oicina Morazziana, de Lisboa, em 1787. O Thesouro de meninas ou diálogos entre uma sábia aia e suas discípulas, de Jeanne Marie Leprince de Beaumont, a partir de uma edição em língua francesa, publicado em Londres em 1780, foi traduzido por Joaquim Inácio de Frias e impresso na Impressão de Galhardo, no ano 1821. Teve várias edições, nomeadamente uma já em 1883. Foram ainda publicados em Portugal um conjunto de livros dirigidos a crianças, com algum sucesso, tais como: § Regras para a christã educação dos meninos, publicado em Lisboa, pela Régia Oicina Tipográica, em 1783; § Tratado da educação fysica, e moral dos meninos de ambos os sexos, de Jolly de Saint-Valier, traduzido pelo Bacharel Luís Carlos Moniz Barreto, publicado em Lisboa pela Oicina da Academia Real das Ciências, em 1787; § Tratado da educação fysica dos meninos, para uso da Naçaõ Portugueza, de Francisco de Melo Franco, publicado pela Oicina da Academia Real das Ciências de Lisboa, em 1790; § Tratado da educação física dos meninos, de Francisco José de Almeida, publicado em Lisboa pela Oicina da Academia Real das Ciências, em 1791; § Relexões várias sobre a educação dos meninos que se applicam às primeiras letras, sobre o seu próprio som na língua portugueza, de António Peres, pela Impressa Régia, em 1806. 156 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo O “Tesouro de Meninas …” de Jeanne Marie Leprince de Beaumont, que acima mencionámos, tem, na sua tradução portuguesa, o seguinte prólogo da autoria do Pe. Joaquim Inácio de Frias, seu tradutor: “O conhecimento que tem todas as pessoas que cuidam da educação da mocidade, de que huma Obra que se encaminhasse a inspirar a virtude, e a esclarecer o espirito da gente moça, seria a mais util que se pudesse fazer para bem do Estado, e para dar-lhe, em huma tenra idade, Cidadãos illustres, he que me obrigou a fazer a traducção deste pequeno livro. (...) Não haverá pessoa alguma, senão aquella, que nada souber da educação da mocidade, que não julgue este livro, a que dei o título de Thesouro de Meninas, dever ser o primeiro, que se deve dar a hum menino, ou menina, tanto que se destina a aprender as primeiras letras; e que se em Londres, e Paris se achou utilidade no original, não deve em Lisboa, e em todo o Portugal, ter menor merecimento esta traducção, ainda que esteja cheia de defeitos. Eu iz todos os esforços para exprimir na nossa lingua o pensamento de Madama Leprince, com aquela simplicidade e clareza de estylo, que pede a Obra, e as pessoas, para quem ella é feita; (...) Este é projecto da Authora; e com este intento o compoz em Francez, para que as suas discipulas ao mesmo tempo que aprendião este idioma, emendasssem os seus defeitos, izessem habito da virtude, e enriquecessem os seus entendimentos com aquelles principios, que são dados a taes edades, misturando sempre o util com o agradavel. Isto he o que ella fez com muito acerto; pois entrelaçando os contos moraes com a Historia Sagrada, a fábula, e a Geograia, veio por este meio entreter suas discipulas, a fazellas doceis, obedientes, virtuosas; (...)” Concebido igualmente em forma de diálogo, este delicioso livro do século XVIII, é uma obra-prima de pedagogia. O tradutor, o padre Joaquim Inácio Frias, verdadeiro entusiasta da obra, termina desta forma o seu prólogo: 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 157 “(...) e que em im mais ensine aos meninos a serem Cidadãos honrados, e Christãos esclarecidos, e perfeitos; e aos Pais, Amas e Mestres o verdadeiro segredo da educação, mostrando-lhes em que consiste a ternura, e a indulgencia dos ilhos alumnos, e discipulos (...)” Assim não é de espantar que, aquando do ensino das primeiras letras e nomeadamente a partir do século XVIII, nos manuais escolares já encontramos recomendações para “o bom viver” dirigidos a crianças no ensino primário, como aquele escrito por Jerónimo Soares Barbosa (Charters-d’Azevedo, 2012: 46) e publicado em 1796-1797, sob o título Escola Popular das Primeiras Letras. Este manual escolar, que teve reedições em 1829 e 1885, contém o capítulo Catecismos de Doutrina e civilidade christam para a instrução e para o exercício da leitura, onde são referidos preceitos de comportamento que se devem transmitir à criança na escola. Os manuais no século XIX É no século XIX que os manuais de bom-tom ou de civilidade têm muita procura. O aumento da educação na Europa, levando a que a alfabetização se estenda a cada vez mais indivíduos justiicará essa procura, a que se deverá associar o aumento do número de industriais e de comerciantes que, enriquecendo, vão recebendo títulos honoríicos e consequentemente pretendem saber como proceder na franja da sociedade a que agora têm direito a pertencer. Havendo procura, encontramos cada vez mais escritores, levando a que oferta seja grande e variada em todos os países europeus (Montandon, 1995). Muitos traduziram manuais, mas todos tiveram a preocupação de produzir um texto de fácil leitura e com muitos exemplos, permitindo assim a cada leitor assimilar as normas do grupo social a que queria pertencer. Sabendo portar-se bem, e conhecendo as regras, o indivíduo passava a possuir o passaporte que lhe permitiria entrar nessa franja da sociedade. Na primeira parte do século XIX, com a instalação da Corte portuguesa no Brasil, e mais tarde com a Corte imperial, estes manuais tiveram uma enorme expansão no Brasil, pois a velha elite colonial, ainda muito ligada aos costumes 158 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo tradicionais, vai-se modernizar, urbanizando-se e procurando diferenciar-se das outras classes. Os manuais de etiqueta e civilidade permitiram àquelas elites coloniais conhecer os bons costumes e a civilidade condizentes com as novas formas de relacionamento que se instaurava na sociedade carioca de Corte. Os manuais tornaram-se então de leitura obrigatória para uma ascendente aristocracia brasileira. É neste novo cenário que os manuais do século XIX passam a oferecer conselhos num mundo que começa a democratizar-se, ao mesmo tempo que, adotando os ideais de simplicidade e igualitarismo, mostram um certo repúdio à afetação, à rigidez de procedimentos e à pompa e ao luxo exagerado (Tomé, 2013). Em 1838 é publicada a tradução para português da terceira edição (1828), do livro de D. José de Urcullu, publicado em Londres, Lições de boa moral, de virtude e de urbanidade, pelo cónego da Sé Patriarcal, Francisco Freire de Carvalho, sendo impresso na tipograia Rolandiana. Esta tradução teve várias reedições, conhecendo-se as de 1847, 1854 e 1864, conirmando o sucesso que obteve. Urcullu encontrava-se refugiado em Portugal, pois era perseguido pelas suas ideias políticas, tendo morrido em Lisboa em 1852. O livro de Urcullu é construído com a mesma técnica que outros, pois apresenta um pai, culto e viajado, que, à tarde, à hora da merenda, tendo os seus ilhos Tiago, Emílio e Luisinha sentados debaixo de uma frondosa árvore, depois de a mãe ter dado a cada um deles a sua merendinha e fruta da época, entabula um diálogo introduzindo a boa moral, a virtude e a urbanidade (Brume, 2005: 319 a 332). No inal da 2.ª edição encontramos um conjunto de máximas e sentenças particulares para o sexo feminino que devem lidas à luz da cultura do século XIX. Por exemplo: A mulher, que descobre indecentemente o seu seio, esquece-se, de que a rosa é mais bela debaixo da sua folhagem, ou Toda a mulher, que cede às sugestões de um amante, é ídolo prostrado por terra. Aparecem, ainda neste século, manuais em que o foco é a criança, como: § Princípios da educação dos meninos, oferecidos aos pais de família, publicado em 1807 pela Impressa Régia; § Thesouro de meninos: obra classica dividida em tres partes: moral, virtude, civilidade, com 6 volumes, de Pedro Blanchard e traduzida por Mateus José da Costa, pela Impressão Régia em 1814-1824. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 159 Em 1845 é publicado em Lisboa o Manual de civilidade e etiqueta: para uso da mocidade portugueza e brazileira pelo Cavalheiro e impresso na Tipograia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis. Foi publicado sem indicação de autoria, mas é correntemente atribuído a Jacinto da Silva Mengo, comendador da Ordem de Cristo e cavaleiro da Torre e Espada, em Portugal, nomeadamente por Inocêncio Francisco da Silva, no seu Dicionário Bibliográico Português. O Código do Bom-Tom de J. I. Roquette, que foi publicado pela primeira vez em Portugal em 1845, é dos mais conhecidos e difundidos. De acordo com Schwarcz (1997: 14), as intenções do autor eram: [...] “ensinar o ritual (de forma didática), para que ele se interiorize e pareça cada vez mais ‘natural’, explicar como agir nas mais diferentes situações de convívio social (...), escrito em português, ganha leitores iéis, também, em meio à nobreza, recém-criada no Brasil imperial, com quem Roquette mantém contatos frequentes” O manual de Roquette introduziu regras de como cumprimentar e se comportar em festas, bailes, jantares e eventos da sociedade do século XIX. Roquette, depois de ter sido solto em 1833, pois mostrara sincera afeição ao governo de D. Miguel, foi para Londres e daí para Paris, dando-se então á tradução e escrita de diversas obras, daí que as suas edições foram sempre feitas em Paris. Na sua obra clássica, Casa Grande & Senzala, Gilberto Freire faz longas referências a este livro, tanto para educação como civilidade de crianças de ambos os sexos: “A sociedade tem também sua gramática, escreveu em 1845 o autor de certo Código do Bom Tom que alcançou grande voga entre os barões e viscondes do Império, os quais passaram a adotar regras de bom tom na criação dos ilhos [...] nos dias de festa apresentar-se com roupas de homem; e icar duro e correto sem machucar o terno preto [...] e em presença dos mais velhos conservar-se calado, com ar seráico, beijar a mão suja de rapé dos mais velhos que chegassem em casa” (Freire, 1984: 420). No Código do Bom-Tom, o cónego J. I. Roquette utiliza a fórmula clássica de um gentil-homem que dá conselhos ao seu casal de ilhos, Teóilo e Eugénia, que órfãos de mãe foram educados em França, mas que, passados dez anos, é momento de ambos voltarem a Portugal, sua terra natal. E para isso, considera o pai, são úteis os conselhos de como se devem portar na sociedade portuguesa, 160 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo com a qual irão conviver. Prepara os seus ilhos para a escola do mundo, para o trato dos homens, para o comércio da sociedade. Em relação à educação das meninas, também oferece prescrições bem variadas, como o recato no tom de voz, o ar humilde, um certo acanhamento, bem como recomenda não levantar os olhos mais altos que o ombro do par com quem dance, como constitutivos da personalidade feminina da altura. Roquette vai até à indicação de regras de etiqueta sobre a disposição de livros nas estantes: não misturar na mesma prateleira livros de autores masculinos e femininos. Cada sexo na sua prateleira, escreveu. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 161 162 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo 18 – Frontispício da “Parte segunda” da Escola Popular das Primeiras Letras, de Jerónimo Soares Barbosa 19 – Frontispício do Tesouro de meninos, de Pedro Blanchard, edição de 1851 20 a 24 – Estampas incluídas na obra de Blanchard Em Roquette encontramos ainda os seguintes conselhos, que, por serem hoje curiosos, transcrevemos: Cumprimentos “Cumprimento de agradecimento, proporcionado á qualidade de pessoas superiores: Aqui venho aos pés de V. Exª. [etc.]. Beijar-lhe a mão, e agradecer os grandes favores... mercês... que me tem feito no meu despacho [etc.] eu desejara que V. Exª. quisesse dar-me ocasiões em que pudesse merecer pela minha obediência a honra de tão grande proteção”. Visitas Nas visitas por motivos extraordinários deveis contar que não se fallará doutra coisa senão do motivo da visita; ide de estômago feito para ouvirdes falar muito tempo da mesma coisa, e lembrai-vos desta máxima: “Ride com quem riem, chorai com os que choram”. Não é hipocrisia, é bondade de coração, que deve tornar-vos sensíveis àquilo 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 163 que toca o próximo. […] Não é fácil ixar a hora às visitas, mas é coisa sabida que nunca se devem fazer antes de uma hora da tarde, nem das cinco ou das oito, nem depois das dez da noite. Quando não souberdes quais são os usos da casa, e a hora mais comoda para as visitas, nas grandes cidades, podes ir à noite porque de dia os homens estão ocupados com seus negócios, as senhoras com o governo da casa, com a educação de seus ilhos. Jantares domésticos Se quereis, meus ilhos, comer bem em público, adquiri o hábito de comer com o maior asseio e atenção possível quando estiverdes sós em vossa casa como se estiveis no meio de muita gente, porque se não adquirirdes este hábito, tereis acanhamento quando comerdes em público, e estareis sempre preocupados com a ideia de fazer desacertos e desacertos. […]. Nunca se molha o pão no vinho [...], não assopreis a sopa quando está muito quente, que não metais grandes bocados na boca, e uns em cima dos outros, que não masqueis de maneira que se ouça duma ponta da mesa à outra, que não servis nenhuma pessoa com a colher de que vos tiverdes servidos, que não mexais os pés e com os braços de modo que toqueis em vossos vizinhos. Modas nos trajes Segue a moda, mas sem afetação. Tem por alfaiate e sapateiro os que são conhecidos por bons, paga-lhes com dinheiro à vista, e serás bem servido. Para andares bem vestido, é mister que mandes fazer uma casaca cada ano, e que conserves sempre três; uma sobrecasaca para o inverno e outra para o verão são de necessidade; dois chapéus é o menos que podes ter; calçado nunca é demais. Logo que guarneceres tua guarda-roupa destes objetos, tem cuidado de os renovar sucessivamente; a despesa será menos sensível [...]. Tem como regra geral, minha ilha, que o penteado, o calçado, os vestidos simples e modestos, tudo bem-feito, asseado, e bem composto; poucas cores vivas, e nunca contrastando uma com as outras [...], como as de arlequins; certo discernimento e juízo em modiicar as modas naquilo em que ofendem a decência e prejudicam a saúde, são as coisas em que deves pôr todo seu desvelo, e pelas quais darás provas de ter recebido uma boa educação, e te tornarás estimável a todas as pessoas que sabem apreciar o verdadeiro merecimento e a modéstia acompanhada pelo bom gosto. Estes manuais que, como escreve Roquette, mencionam ainda as vantagens de se ser educado, nomeadamente para se ser aceite em sociedade, pois é preciso experimentar o desejo de ser útil e agradável; e de resolver-se a fazer, para o 164 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo conseguir, muitíssimas concessões e sacrifícios agradáveis aos outros. Em nome da boa educação, airma, é muitas vezes preciso saber dissimular em lugar de ser sincero. Por outro lado, esconde essa forma de atuar ao dizer que se faz isso, não em favorecimento próprio, mas em respeito ao outro e de toda uma coletividade (Schwarcz, 1997: 14). 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 165 25 – Frontispício do Manual de Civilidade e etiqueta, na sua edição de 1845 166 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo Notável é o manual de 371 páginas do João Pereira Botelho de Amaral e Pimentel, Deão da Sé Catedral de Leiria, cujo título é A Sciencia da Civilização. Curso elementar completo de educação superior, religiosa, individual e social e publicado em Braga em 1865, que tem no inal um índice alfabético de 10 páginas. As prescrições, por exemplo, no Tesouro de Meninos de Blanchard e no Código do Bom-Tom de Roquette, sobre a arte de conversar, recuperam um modelo já proposto por outros manuais renascentistas como por exemplo o De civilitate morum puerilium (Da civilidade dos costumes das crianças) de 1530, escrito por Erasmo de Roterdão. 26 e 27 – Estampas incluídas no Código do Bom Tom de J. I. Roquette 28 a 30 – Estampas da obra Código de Civilidade, de João António Dias 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 167 31 – Frontispício das Regras do Duelo, de Eduardo Jaime Picaluga 168 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo No século XX O Tratado de Civilidade e Etiqueta, de autoria de alguém com o pseudónimo Condessa de Gencé 3 (tradução de Luís Cardoso), composto e divulgado pela Livraria Editora Guimarães & Companhia de Lisboa, de 1909, que, em 1925 já se encontrava na 8.ª edição (e em 1968 fazia a 15.ª) foi de leitura e consulta permanente na primeira parte do século XX, conjuntamente com os antigos manuais, como o de Roquette. A condessa publicou ainda outros trabalhos, tais como o Guia Mundano das Meninas Casadoiras, que teve já em 1890 uma segunda edição (tradução de Marieta Trindade) editada por L. Guimarães & Ca., e que foram sendo reeditados durante o século XX. “Não se é bem-educado à força, por compulsão, conveniência ou por mero hábito. É-se bem-educado por sentimento, por vontade, por gentileza de ânimo e por disposição de carácter. Não se deve parecer bem-educado - deve-se ser bem-educado. Ser bem-educado é, porém, uma arte - e uma arte difícil. A (...) naturalidade, desafectação e a maleabilidade das regras de boa educação não signiicam o seu abandono” (condessa de Gencé) Nos saudosos anos 50 e 60, as revistas femininas ou da moda, como a Crónica feminina, o Jornal das Moças, a Revista Cláudia, ou ainda a Revista Querida, mantinham um conjunto de conselhos que mostram como era a sociedade de então: “A esposa deve vestir-se depois de casada, com a mesma elegância de solteira, pois é preciso lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é preciso mantê-la bem presa.” (Jornal das Moças, 1958). “Se o seu marido fuma, não discuta pelo simples facto de deixar cair cinza no tapete. Espalhe cinzeiros por toda a casa”. (Jornal das Moças, 1957) “Se desconiar de inidelidade do marido, a esposa deve redobrar os carinhos e provas de afecto, sem questioná-lo nunca”. (Revista Claudia, 1962) “Desordem na casa de banho, desperta no marido vontade de ir tomar banho fora de casa”. (Jornal das Moças, 1965) 3 Seria Marie-Louise Pouyollon (com Blondeau como apelido de solteira), tendo traduzido para francês “As aventuras de Pinocchio”. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 169 170 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo 32 a 34 – Várias fases de duelos (gravuras publicadas em Ofensas y desafíos: recopilación de las leyes que rigen en el duelo, y causas originales de este, tomadas de los mejores tratadistas, con notas del autor, por Eusebio Yñiguez, Madrid: Establecimiento Tipográico de Evaristo Sánchez, 1890) 35 – Frontispício do Manual de Relações Públicas e Sociais da PSP, de 1966 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 171 A própria Polícia de Segurança Pública chegou a produzir um manual de boas maneiras, em 1966, tal era a moda. À guisa de remate Desde Erasmo de Roterdão, a educação e etiqueta usada passou a permitir que se distinguisse o civilizado do bruto ou do bárbaro. No entanto, juntamente com a civilidade vinham recomendações referentes à vida em comum que se traduziam, nomeadamente, nas regras de higiene. Os manuais, por exemplo, aconselham a evacuação diária, banhos de quinze em quinze dias, além da troca de roupa-branca logo que estivesse suja. As regras de civilidade levaram sempre ao condicionamento do que é permitido fazer e a ter em atenção que se devia evitar o gesto natural. Reprimir o espirro, não coçar a cabeça e muito menos meter os dedos no nariz, não levar a mão à boca nem roer as unhas, nunca arrotar ou mostrar ventosidades intestinais e nunca colocar os ossos da nossa comida no prato do vizinho, são simples recomendações que os manuais de bom-tom nos apresentam. Os manuais descrevem atitudes e gestos que passaram a ser obrigatórios. Vimos as contradições entre Erasmo e Castiglione, mas os conselhos deste em O cortesão vingaram na corte e nos palácios durante muitos anos, mantendo-se aí os cortesãos como os proissionais do convívio mundano. Tratava-se de uma micro-sociedade que se apresentava com uma imagem de luxo, num verdadeiro jogo de representações. A mentira e a dissimulação faziam parte do dia-a-dia na Corte, ou nos palácios. Este modelo defendido por Castiglione, na segunda metade do século XVI é ultrapassado pela sociabilidade regulamentada da Corte de Luís XIV, onde todos os passos dados pelos membros da Corte são conhecidos e reconhecidos por todos, perdendo-se a intimidade naquela micro-sociedade. No entanto, o cortesão continua a ser considerado perfeito, porque está ali, na Corte, respeitando as suas normas e comportamentos. É sobretudo, a partir do inicio do século XVII, que a subida na pirâmide das classes passa a ser possível, sem ser baseada no berço onde nasceram, mas pelas obras executadas por mérito próprio. É Jean-Baptiste de La Salle, com o 172 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo seu manual intitulado Régles de la bienséance de la civilité chretienne, valorizando a aprendizagem escolar em detrimento da que até aí vinha sendo praticada, que era a do berço, que lança um modelo pedagógico, que foi aplicado por alguns, como Jerónimo Soares Barbosa, como vimos atrás, que se mantém até ao século XIX. Muitos críticos atacam a civilidade, airmando serem regras tolas e desatualizadas cheias de costumes ultrapassados. No entanto, pouco a pouco a civilidade irá tornar-se num simples sistema de boa educação. Os manuais foram, durante séculos, portadores e difusores de uma determinada conceção de mundo e de vida, de crenças e de valores. E daí a sua importância para conhecermos a forma de como se vivia, ou como se devia viver nas classes sociais mais altas, em cada época. 36 a 38 – Cenas da vida social na viragem para o século XIX: Tight lacing (publicado em Londres), The pleasures of the married state (publicado em Londres), The fashions of the day (publicado em 1807), e A dandy shoemaker (publicado em 1818) 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 173 39 – Histórias de encantar, de James Gillray (1756 – 1815), publicada em Londres por H. Humphrey, em 1796 (British Museum, Coleção de desenhos, div. 1, political and personal satires, v. 7, nº 8900) 174 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo Este novo género literário dedicado à ciência da civilização impõe-se na Europa e nas Américas, graças principalmente ao crescimento da alfabetização. Esses códigos trazem consigo o desejo do estabelecimento de regras e modelos para a vida, nessa nova sociedade que se ia delineando. Utilizando um estilo mais direto, nos dias de hoje passam a privilegiar uma leitura rápida e objetiva, tornando mais fácil a consulta de temas especíicos. A maioria dos livros de bom-tom do século XIX repetem-se e copiam-se uns dos outros de tal maneira que tivemos diiculdades na elaboração da lista apresentada em anexo. As edições, e sobretudo as numerosas reedições, muitas corrigidas e aumentadas e com títulos ligeiramente alterados, diicultou-nos, muitas vezes, destrinçar uma 1ª edição de uma reedição corrigida e aumentada. Nos livros publicados em português, encontramos traduções do francês, do italiano, do espanhol e do inglês. No século XIX, a única novidade é a passagem do termo “civilidade” para o termo “etiqueta”, quando se mencionam as boas maneiras da burguesia. Mas outros termos se foram impondo, além da “etiqueta”, como “delicadeza”, “urbanidade”, “boas maneiras”, “arte de viver em sociedade”, além de alguns outros. O papel da “civilidade” é oicialmente reconhecido, pois, depois de ser introduzida em inais do século XVIII, passa deinitivamente a fazer parte de programas escolares. Mas vemos que o termo “civilidade” continua a “existir”. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 175 Referências Bibliográicas BEAUMONT, Madame Le Prince de – Thesouro de Meninas ou Dialogos entre huma sabia aia e as suas discípulas da primeira distinção // Nos quaes se relectem, fallão, e obrão // as meninas, segundo o genio, temperamento, e inclinações de cada huma // E representando-se os defeitos da sua idade, mostra-se // de que modo se podem emendar: comprehendendo-se // tambem nelles hum Compendio da Historia Sagrada // da Fabula, da Geograia; e isto tudo cheio de relexões uteis, // e de contos moraes, para as entreter // agradavelmente, e escrito em hum estylo simples, e // proporcionado aos seus tenros annos, // Composto na lingua Franceza por MADAMA LEPRINCE DE BEAUMONT, // Traduzido na lingua portugueza, // e oferecido // Á ILL.ma. e EXCma. SENHORA // D. LEONOR ERNESTINA DHAU, // MARQUEZA DE POMBAL POR // JOAQUIM IGNACIO DE FRIAS. Lisboa: Galhardo, 1821. 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RIBEIRO, R. J. – A etiqueta no antigo regime. São Paulo: Moderna, 1998. SCHWARCZ, L. M. - Introdução. In: ROQUETTE, J. I., Código do bom-tom: ou regras da civilidade e de bem viver no século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SENA, Fabiana – A conversação como modo de distinção no Império: Tesouro de Meninos e código de Bom-tom nas Escolas Brasileiras. Campinas: Revista HISTEDBR On-line, 2010. TOMÉ, Dyeinne Cristina – Modas e Modos domésticos: os manuais de instrução femininos e a educação da mulher – décadas de 1950 – 1960. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2013. VIGARELLO, George – O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 177 YÑIGUEZ, Eusébio – Ofensas y desafíos: recopilación de las leyes que rigen en el duelo, y causas originales de este, tomadas de los mejores tratadistas, con notas del autor. Madrid: Establecimiento Tipográico de Evaristo Sánchez, 1890. Anexo Lista de publicações sobre bom-tom e civilidade, algumas das quais também sobre moral e educação de crianças, editadas em português, ordenada pela data da 1ª edição4, até ao século XX. Século XVI BARROS, João de – Espelho de casados em o q[ua]l se disputa copiosam[en] te q[ue] excele[n]te p[ro]ueitoso & necesareo seja o casam[en]to... / nouam[en] te cõposto pelo doctor Ioã de Barros, cidadão da cidade do Porto. Porto: Vasco Diaz Tanco d[e] Frexenal, 1540. BARROS, João de – Dialogo de Ioam de Barros com dous ilhos seus sobre preceptos moraes em modo de jogo. Em Lisboa, ao Arco de Sam Mamede: por Ioam de Barreira, 1563. Século XVII LOBO, Francisco Rodrigues – Corte na Aldeia e Noites de Inverno. Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1619. ANDRADA, Diogo de Paiva d’ – Casamento Perfeito: em que se contem advertencias muito importantes pera viverem os casados em quietação, & contentamento.... Lisboa: por Jorge Rodriguez, 1630. MELO, D. Francisco Manuel de – Carta de Guia de Casados. Lisboa: Of. Craesbeckiana, 1651. MELO, Luís de Abreu e – Avisos pera o Paço. Lisboa: Of. Craesbeckiana, 1659. ALBORNOZ, Diego Felipe de – Cartilha política y christiana. Lisboa: en la emprenta de Antonio Craesbeeck de Melo: a costa de Miguel Manescal, mercader de libros, 1667. 4 A maioria destas publicações tiveram várias reedições, que não referimos. Consequentemente, livros editados num determinado século podem ter sido reeditados em séculos posteriores. 178 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo PORTUGAL, D. Francisco de – Arte de Galanteria. Escreviòla D. Francisco de Portugal. Oferecida a las damas de Palácio por D. Lucas de Portugal…. Lisboa: Emprenta de Juan de la Costa, 1670. GUSMÃO, Alexandre – Arte de crear bem os ilhos na idade da puerícia: dedicado ao minino de Belém Jesu Nazareno. Lisboa: Of. Miguel Deslandes, 1685. Século XVIII BELLEGARDE, Abade de – Modelo de Conversação para pessoas polidas e curiosas. Trad. por Francisco Ferram Castelo Branco. Lisboa: Of. Pedro Ferreira, 1734. PROENÇA, Martinho de Mendonça de Pina – Apontamentos para a Educação de um Menino Nobre. Lisboa: Of. José Ant.º da Silva, 1734. VALENÇA, Marquês de – Instrucçam que o Marquez de Valença D. Francisco de Portugal do Conselho de Sua Magestade dá a seu ilho primogenito D. Joseph Miguel Joam de Portugal, Conde de Vimioso. Lisboa: Of. Miguel Rodrigues, 1745. VALENÇA, Marquês de – Instrucçam, que o Marquez de Valença D. Francisco de Portugal do Conselho de Sua Magestade dá a seu ilho segundo D. Miguel Lucio de Portugal e Castro, cónego da Santa Igreja de Lisboa. Lisboa: Of. de Pedro Ferreira, 1746. CASA, Giovanni della – O Galateo ou o cortesão. Trad. por Francisco Xavier de Magalhães. Lisboa: Of. de Música, 1732. GUEVARZ, Francisco – Traças de ganhar dinheiro, e regras de cortezia, e de guizar varias iguarias em ambriam: em que se relata algumas qualidades pertencentes a varios mantimentos. Catalumña: en la Imprenta de Francisco Guevarz, [c. 1750-1800]. Documentos importantissimos de hum pay a hum ilho, para bem viver, e bem acabar. Lisboa, 1758. MORGANTI, Bento – Breves Relexões Sobre a Vida Económica, a qual consiste nos casamentos, na criação e educação dos ilhos e em adquirir, e conservar os bens, .... Lisboa: Of. J. Costa Coimbra, 1758. MORGANTI, Bento – Aforismos moraes, e instructivos, uteis a todo o genero de pessoas; Nos quaes se achão documentos necessários para a boa instrucção da vida civil, e christã: compilados, e dispostos em centurias para com mayor facilidade convidarem à sua lição.... Lisboa: Of. Manuel Coelho Amado, 1765. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 179 VILLENEUVE, Jeanne Rousseau de – “A Aia Vigilante ou relexões sobre a educação dos meninos, desde a infancia até á adolescencia, que á Ill.ma e Ex.ma Senhora Condessa de Oeyras oferece.... Lisboa: Of. Ant. Vicente da Silva, 1767. PRÉVOST, Abade – Elementos de Civilidade e Decência que se pratica entre gente de bem. Para instrução da mocidade de ambos os sexos. Trad. por José Vicente Rodrigues. Porto: Ant.º Alvares Ribeiro, 1777. GRANADA, frei Luis de – Regras da vida virtuosa tiradas e traduzidas do Memorial da vida cristã. Lisboa: Of. de Francisco Ameno, 1779. VASCONCELOS, João Rosedo de Villa-Lobos e – O perfeito pedagogo na arte de educar a mocidade, em que se dão as regras da policia e urbanidade christã, conforme os usos e costumes de Portugal. Lisboa: Typ. Rollandiana, 1782. PRÉVOST, Abade – Arte de Agradar na Conversação.Trad. por José Vicente Rodrigues. Porto: Of. Ant.º A. Ribeiro Guimarães, 1783. CLAVEL – Regras para a christã educação dos meninos. Lisboa: Regia Oicina Tipographica, 1783. BEAUMONT, Jeanne Maria Leprince de – Tesouro de Adultos ou diálogos entre uma sábia mestra com suas discípulas..., Trad. por Joaquim Inácio de Frias, Lisboa: Of. Simão Tadeu, 1785. CARACCIOLI, Marquês de - As últimas Despedidas do Marechal de *** a Seus Filhos: divididas em 21 serões. Lisboa: Typ. Rollandiana, 1785. Breve desenho da educação de hum menino nobre. Lisboa: Oicina Morazziana, 1787. SAINT-VALIER, Joly de – Tratado da educação fysica, e moral dos meninos de ambos os sexos. Trad. pelo Bacharel Luiz Carlos Moniz Barreto. Lisboa: Of. da Ac. Real das Sciencias, 1787. Elementos de Civilidade e Decência, para instrução da mocidade de ambos os sexos, traduzidos do Francês em vulgar. 1ª parte: Os Elementos da Civilidade e da Decência. - 2ª parte: A Arte de Agradar na Conversação. - 3ª parte: O Tratado dos Principais Fundamentos da Dança. Lisboa: Tip. Rollandiana, 1788. Cartas sobre as modas. Lisboa: Typograia Rollandiana, 1789. FRANCO, Francisco de Melo – Tratado de Educação Física dos Meninos, para uso da nação portuguesa. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1790. ALMEIDA, Francisco José de – Tratado de Educação Física dos Meninos, para uso da nação portuguesa. Lisboa: Of. Acad. Real das Ciências, 1791. 180 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo SIQUEIRA, João de Nossa Senhora de Porta – Escola de Política ou Tratado Prático de Civilidade Portuguesa. Com as regras e o exemplo do estilo epistolar. Porto: Of. Ant.º Alvares Ribeiro, 1791. BARBOSA, Jerónimo Soares – Eschola popular das primeiras letras, dividida em quatro partes. Coimbra: Real Imp. da Universidade, 1796. FREIRE, Francisco José – Secretário Português ou methodo de escrever cartas. Lisboa: Tip. Rollandiana, 1797. Século XIX Método para Empregar Santamente o Dia Cristão. Obra publicada pelo Reitor do Colégio de S. Pedro e S. Paulo dos Missionários Ingleses. Lisboa: Ant. Rodrigues Galhardo, 1804. ROLLIN, Charles – Vantagens da Boa Educação e Objectos da Mesma. Trad. por Manuel Inácio de Carvalho. Lisboa: Imp. Régia, 1806. PERES, António - Relexões várias sobre a educação dos meninos que se applicam às primeiras letras, sobre o seu próprio som na língua portugueza. Lisboa: Imp. Régia, 1806. Princípios de Educação dos Meninos aos Pais de Família. Lisboa: Imp. Régia, 1807. M. V. M. - Mentor da Moda ou educação à francesa em forma de catecismo, para conhecimento do desorientado sistema de França nestes últimos dias. Lisboa: Imp. de Alcobia, 1808. CAMPOS, D. Benvenuto António Caetano – O Educando Português: obra utilíssima para educar a juventude. Lisboa: Imp. Regia, 1810. BAIANA, Maria da Trindade de Portugal Malheiro de Melo – Conselhos e Avisos de Uma Mãe a Seus Filhos. Lisboa; Of. J. Aquino Bulhões, 1812. LOBO, Roque Ferreira - Lições de um Pai a uma Filha sua na Primeira Idade. Lisboa: Of. Simão Tadeu Ferreira, 1813-1819, 2 vols. MATA, Manuel Lopes – Sciencia dos Costumes ou ethica resumida acordada à capacidade de todos e útil a todos os estados de pessoas. Lisboa: Imp. Régia, 1813. SEQUEIRA, João de Nossa Senhora da Porta – Escola de politica ou tractado pratico da civilidade portugueza. Lisboa: Typ. Lacerdina, 1814. BLANCHARD, Pedro – Thesouro de meninos: resumo de Historia Natural, para uso da mocidade de ambos os sexos e instrucção das pessoas, que desejão 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 181 ter noções da Historia dos tres Reinos da Natureza. Trad. por Mateus José da Costa. Lisboa: Impressão Régia, 1814-1824, 6 vols. FRANCO, Francisco de Melo – Elementos de Higiene ou ditames teóricos e práticos para conservar a saúde e prolongar a vida. Lisboa: Typ. da Academia Real das Ciências, 1814. VIRGEM-MARIA, Frei José da – Novo Método de Educar Meninos e Meninas. Lisboa: Imp. Régia, 1815, 2 tomos (Tomo I - Gramática e língua portuguesa...; Tomo II - Elementos de astronomia, geograia e da ética). Direitos, e deveres do homem, ou cathecismo moral, e ilozoico para instrucção da mocidade. Berlim, 1815. VANEZIO, Ezébio – Deveres do Homem ou catecismo moral. Lisboa: Imp. Régia, 1819. BLANCHARD, Jean Baptiste (trad. de João de Nossa Senhora de Porta Sequeira) – A escola dos bons costumes, ou relexões morais e históricas, sobre as maximas de hum homem de honra, e probidade. Lisboa: Typograia Rollandiana, 1820, 4 vols. Manual Político do Cidadão Constitucional. Lisboa: na Nova Impr. da Viuva Neves e Filhos, 1820. BEAUMONT, Madame Le Prince de – Thesouro de Meninas ou Dialogos entre huma sabia aia e as suas discípulas da primeira distinção, nos quaes se relectem, fallão, e obrão, as meninas, segundo o genio, temperamento, e inclinações de cada huma, e representando-se os defeitos da sua idade, mostrase de que modo se podem emendar: comprehendendo-se tambem nelles hum Compendio da Historia Sagrada da Fabula, da Geograia; e isto tudo cheio de relexões uteis, e de contos moraes, para as entreter agradavelmente, e escrito em hum estylo simples, e proporcionado aos seus tenros anos. Trad. por Joaquim Inácio Frias. Lisboa: Galhardo, 1821. SEQUEIRA, António de Oliva e Sousa – Relexões sobre a Educação e Princípios dos Oiciais Militares que de novo forem admitidos ao exercito. Coimbra: Imp. da Universidade, 1821. Conselhos de um pai a seu ilho: seguidos de varias máximas, escolhidas de diversos auctores francezes, para uso dos meninos. Coimbra: Na Imprensa da Universidade, 1821. LOBO, Joaquina Cândida de Sousa Calheiros – Catecismo Religioso, Moral e Político para instrução do cidadão português. Coimbra: Imp. da Universidade, 1822. 182 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo Instrucção para os mestres de primeiras letras. Coimbra: Imp. da Universidade, 1824. Livro dos Meninos ou ideias gerais e deinições das coisas que os meninos devem saber. Trad. do francês por João Rosado de Vilalobos. Lisboa: Typ. Rollandiana, 1824. Tratado de Civilidade Cristã para se ensinar praticamente aos meninos das escolas. Lisboa: Typ. Rollandiana, 1825. Legado de Um Pai a Suas Filhas – oferecido ao belo sexo por um amante da verdade. Traduzido. Lisboa: Impressão Régia, 1825. A. J. A. – Conselhos de Pai para Filho em qualquer estado da vida. Lisboa: Typ. Rollandiana, 1825 (2ª edição). LUSITANO, Cândido – O mentor de Philandro: epistolas a um escriptor principiante, escriptas e oferecidas a.... Coimbra: Impr. Trovão e Companhia, 1826. MACEDO, Inácio José de – Inluência da Religião sobre os Costumes. Lisboa: Imp. da Rua dos Fanqueiros, 1827. GARRETT, Almeida – De Educação. Londres : Sustenance e Stretch, 1829. CAMISÃO, Pedro António de Araújo – Principais Deveres de um Oicial em Campanha. Lisboa: Imp. Régia, 1829. COURT, M. Wande Lair – A Escola da Virtude e da Política, destinada à educação da mocidade. Lisboa: Imp. Régia, 1830. Manual do Homem do Mundo. Trad. do francês por F. F. A. Vale. Rio de Janeiro: Typ. F. B. Hunt, 1832. MIDOSI, Luís Francisco – O manual político do cidadão. Lisboa: Imprensa Nacional, 1834. SAMPAIO, Francisco Ludovico de Sousa Freitas – Observações sobre a Educação, oferecidas aos pais de família. Lisboa: Typ. S. Filipe Nery, 1835. A Moral em Acção, ou escolha de acções memoráveis e anedotas instrutivas. Trad. do inglês por autor desconhecido. Lisboa: Typ. C. J. da Silva, 1837-1838, 2 tomos. URCULLU, José de – Lições de boa moral, de virtude é de urbanidade. Traduzidas da 3ª edição de Londres de 1828 por Francisco Freire de Carvalho. Lisboa: Typ. Rollandiana, 1838. Manual epistolar galante, ou Carcás de lexas amatórias. Lisboa: Typ. de A. S. Coelho, 1839. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 183 ROQUETE, J. I. – Tesouro da Mocidade portugueza, ou a moral em acção: escolha de factos memoráveis e anedoctas interessantes próprias para inspirar o amor á virtude, e para formar o coração e o espirito. Obra extrahida dos melhores auctores nacionaes e estrangeiros”. Paris: Of. typ. de Casimir, 1839 (2ª ed.). MONTEVERDE, Emílio Achilles – Manual Enciclopédico para uso das escolas de instrução primária. Lisboa: Imp. Nacional, 1836. MARTIN, L. Aimé – Educação das mães de família ou a civilisação do género humano pelas mulheres. Lisboa: Candido de Magalhães, [1840] 2 vols. ROQUETE, José Inácio – O Livro de Ouro dos Meninos. Paris: J. P. Aillaud, 1841. Manual de Civilidade e Etiqueta para uso da mocidade portuguesa e brasileira. Lisboa: Soc. de Propaganda de Conhecimentos Úteis, 1845. MIDOSI, Luís Francisco -–Tesouro Juvenil ou noções gerais de conhecimentos úteis para uso das escolas. Lisboa: Imp. Nacional, 1845. ROQUETTE, José Inácio – Código do Bom-tom ou regras de civilidade e de bem viver no séc. XIX. Paris: J. P. Aillaud, 1845. DIAS, João António – Código de Civilidade. Lisboa: Oicina de Manuel Jesus Coelho, 1850 CARNEIRO, Bernardino J. da Silva – Elementos de Moral e Princípios de Direito Natural. Coimbra: Imp. da Universidade, 1851 MELO, Joaquim Lopes Carreira de – Compêndio de Civilidade Religiosa e Moral. Extraído dos melhores autores. Lisboa: S. António Borges, 1851. MIDOSI, Luís Francisco – Lógica da Infância para uso das escolas. Lisboa: Imp. Ferreira de Matos, 1851. MELO, Joaquim Lopes Carreira de – Compêndio de Doutrina Cristã Dogmática e Moral. Lisboa, 1852-1853. ROQUETTE, José Inácio – Tesouro de Meninas ou lições de uma mãe a sua ilha acerca dos bons costumes. Paris: J. P. Aillaud, 1852 (4ª edição). Código dos Usos e Costumes dos Habitantes das Novas Conquistas. Nova Goa: Imp. Nacional, 1854. Código de Usos e Costumes dos Habitantes não Cristãos de Damão. Nova Goa: Imp. Nacional, 1854. PEREIRA, J. Félix – Preceitos de Civilidade para uso das aulas de instrução primária. Lisboa: Tip. Comercial, 1856. 184 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo COELHO, José Maria Latino – Encyclopedia das escolas d’instrucção prima- ria. Lisboa: Francisco Arthur da Silva, 1857. VEIGA, Teolinda Amélia Cristina Leça da – Elementos de Instrução Moral para uso da mocidade portuguesa dedicados a sua Alteza a Senhora Infanta D. Maria Anna. Lisboa: Tip. F. X. de Sousa, 1857. MONTEVERDE, Emílio Achilles – Mimo à Infância ou Manual de História Sagrada: para uso das crianças que frequentão as aulas, tanto em Portugal como no Brasil. Lisboa: Imp. Nacional, 1859. PEREIRA, João Félix – Princípios de Moral ou compendio da doutrina cristan: para uso das aulas de instrucção primária. Lisboa: Typ. de José da Costa, 1858. ROSE, Francisco Martinez de la – O Livro dos Meninos. Trad. por José de Urcullu. Lisboa: Imp. Nacional, 1862 (4ª edição). BETTENCOURT, Matilde de Sant’Ana e Moniz V. – Diálogos Entre Uma Avó e Sua neta para uso das crianças dos 5 anos aos 10 anos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1862. PIMENTEL, João Pereira Botelho de Amaral e – A Sciencia da Civilização. Curso elementar completo de educação superior, religiosa, individual e social. Braga: Typ. Luzitana, 1865 REYRÉ – Novo Mentor de Meninos e Adolescentes.Trad. do francês por Ant. Cândido de Sousa Vasconcelos. Porto: Typ. de Pereira Leite, 1866. B. N. - Novo Manual de Civilidade ou regras necessárias para qualquer pessoa poder frequentar a boa sociedade. Lisboa: Typ. Universal, 1867. ROQUETTE, J. I. – Código do Bom-tom ou regras da civilidade de bem viver no XIX século. Paris: Vª J. P. Aillaud, 1867. Novo Manual de Civilidade ou regras necessárias para qualquer pessoa poder frequentar boa sociedade. Lisboa: Typ. J. J. Bordalo, 1867. CAMPOS, António Augusto Machado - Preceitos de Civilidade para uso nos exames de instrução primária. Lisboa: Typ. Coelho e Irmão, 1868. Compilação de Várias Obras do Insigne Português João de Barros. Porto: Imp. em casa do Visconde de Azevedo, 1869. Manual do Cristão para uso dos meninos da escola e do catecismo em Varatojo. Lisboa: Typ. T. Q. Antunes, 1871. Regras da vida cristã para uso da educação infantil. Lisboa: Lallemant Frères, 1871. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 185 NAZARETH, Beatriz – Novo Manual de Civilidade. Regras fundamentais para se frequentar a boa sociedade. Lisboa: Typ. Universal, 1872. FRANCK, Adolphe – Moral para todos. Trad. Cândido de Figueiredo. Lisboa: Livraria de A. M. Pereira, 1874. BARRAU, Theodore H. – Deveres dos Filhos para com os Seus Pais. Trad. por João de Deus. Lisboa: Liv. Católica, 1875. BRAY, C. – Fisiologia das Escolas. Trad. por Manuel Pinheiro Chagas. Lisboa: Livr. de Madame Marie Lallemant, 1876. GUIZOT, François Pierre Guillaume – Regras da Vida Cristã. Trad. por Carlos José Caldeira. Lisboa: Liv. Católica, 1876. MELLO, Joaquim Lopes de – Compêndio de Civilidade ou regras de educação civil, moral e religiosa. Lisboa: Typ. Universal, 1876. Conselhos de um Pai a seu Filho seguidos de várias máximas, escolhidas de diversos autores franceses e acrescentado com sentenças e regras para viver bem. Porto, Liv. Ignacio Correia, 1877 (2ª edição). RIBEIRO, José Silvestre – Os Paes de Família. Lisboa: Imp. de J. G. de Sousa Neves, 1878. ROCHA, Landelino – Nova Carta de A-B-C, para uso da infância brasileira. Recife: Medeiros Figueiredo, 1880. CARVALHO, Maria Amália Vaz de – Mulheres e Creanças - notas sobre educação. Porto: Joaquim Antunes Leitão e Irmão, 1880. BAPTISTA, António Maria - Cartilha Política para uso das escolas primárias. Lisboa: Joaquim Germano Sousa, 1881. Algumas Regras Principais de Fisiologia e Civilidade relativas à alimentação saudável ao bom regime da mesa das refeições e à etiqueta dos jantares de convite. Lisboa: Imp. Casa Real, Tip. Universal, 1884. SILVA, Carlos – O Preceptor da Infância - Regras de civilidade para os meninos. Lisboa: Typ. de Adolpho, Modesto e Ca., 1885. A. J. S. – A educação das creanças – discurso por. Ponta Delgada, Typ. Açoreana de Manuel Corrêa Botelho, 1885. BAPTISTA, António Maria – Civilidade. Lisboa: David Corazzi, 1886. CARVALHO, Maria Amália Vaz de – Cartas a Luisa. Moral, educação e costumes. Porto: Barros e Filha, 1886. BRAY, C. – Elementos de Moral, expostos em lições fáceis para o ensino doméstico e escolas. Trad. por Alberto Teles. Lisboa: Acad. Real de Ciências, 1890. 186 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ricardo Charters d’Azevedo GENCÉ, condessa de (pseud.) – Guia mundano das meninas casadoiras. Trad. de Marieta Trindade. Lisboa: Luiz Guimarães & Cia., 2ª ed., 1890. BRAY, C. – Fisiologia e Higiene expostas em lições fáceis para uso das escolas. Trad. por Alberto Teles. Lisboa: Acad. Real de Ciências, 1891. CARVALHO, Maria Amália Vaz de – Cartas a Uma Noiva. Lisboa: Cardoso & Irmão, 1891. MONTEIRO, António Xavier de Sousa, Bispo de Coimbra – Manual de Civilidade para Uso dos Seminaristas. Coimbra: Imp. da Universidade, 1891. BRAY, C. – Deveres para com os Animais expostos em lições fáceis para uso das escolas. Trad. por Alberto Teles. Lisboa: Acad. Real das Ciências, 1892. CARVALHO, Maria Amália Vaz de — A arte de viver em sociedade. Lisboa: Parceria de Antonio Maria Pereira. 1895. LEAL, Ignacia Annes Baganha – Deveres de Mãe de Família. Lisboa: António Maria Pereira, 1895. FERREIRA, João Maria Baptista – Compêndio Elementar de Civilidade. Lisboa: Typ. Universal, 1897. MACHADO, Bernardino – Notas dum Pai. Lisboa: Imp. Nacional, 1897. 3 - Códigos de bom-tom ou de civilidade 134 – 187 187 Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Próximo: de Lisboa para Constantinopla Duarte Serrano Resumo Portugal encetou relações diplomáticas com o Império Otomano oicialmente em 1843, pelo Tratado de Amizade, Comércio e Navegação. A Legação portuguesa em Constantinopla foi sofrendo cortes e por vezes foi encerrada. Os motivos tinham que ver com o facto de Portugal ainda estar a recuperar economicamente da Guerra Civil e, posteriormente, pela necessidade de reduzir custos, sendo a Legação de Constantinopla um dos locais para esse efeito. O real interesse não estava em ter uma legação em Constantinopla, mas em conseguir o exequatur para um diplomata permanente em Alexandria. Portugal teria primeiro de estabelecer relações com a Sublime Porta. Impunha-se a necessidade de criar um eixo entre Malta, Cairo, Alexandria e Aden. Pelas boas relações com o recém-formado reino de Itália, fruto do casamento do rei D. Luís I com Dona Maria Pia de Sabóia, Portugal tinha, nos embaixadores deste reino, aliados que se ocupavam dos interesses portugueses no Império Otomano. Porém, com a guerra da Tripolitânia, entre Itália e o Império Otomano, em 1909, este deixou de ser um canal viável. Palavras-chave: Comércio, diplomacia, Portugal, Império Otomano, Egipto, Itália 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 189 Abreviações Arquivo Nacional da Torre do Tombo / Ministério dos Negócios Estrangeiros (ANTT/MNE) Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) Ministério dos Negócios Estrangeiros / Arquivo Histórico Diplomático (MNE/ AHD) Metodologia Estabelecendo uma sucessão de entradas a sistematização usada tem como base a complementaridade com um texto inicial1 por nós elaborado. Tendo o presente texto um escopo que pretende analisar questões concernentes com o comércio e a diplomacia levada a cabo por Portugal no Império Otomano sem que se aluda, em particular, à vida dos seus agentes diplomáticos, referência essa que pode ser encontrada de forma alargada no texto mencionado. O período temporal do primeiro texto é também mais alargado, estendendo-se até ao século XX, onde se analisa Alfredo de Mesquita Pimentel e o seu percurso, fazendo-se uma comparação com outros relatos diplomáticos da época. Introdução A primeira interrogação, ao iniciar-se a leitura deste texto – sendo da nossa parte presunção imaginarmos o que pensará o leitor – é sobre quais as motivações de Portugal para entrar no Oriente Próximo e estabelecer relações diplomáticas e comerciais com o Império Otomano. Longe desta parte do mundo por vontade própria, foi do desígnio português procurar bem mais longe outros povos. E, se houve contacto, este fora, não pelo Mediterrâneo (salvo questões relacionadas com pirataria2), mas pela intercepção com este império no Oceano Índico; onde 1 Sinan Kuneralp, ed., A Biographical dictionary of foreign heads of diplomatic missions in Constantinople 1839-1922 (The Isis Press: Istanbul, 2017). Este texto ainda não se encontra publicado devido a alguns atrasos que tiveram lugar no verão de 2016, pelo que este é um putativo título e data. 2 Podemos encontrar diversos exemplos sobre questões relacionadas com cativos portugueses às mãos de rumes ou berberes, nomeadamente: ANTT / Colecção de cartas, Núcleo Antigo 877, n.º 328. 190 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Portugal manteve uma relação de conlito pelo domínio da região3. Porém, no século dezanove o mundo estava em mudança, criava-se em Londres a Royal Geographical Society, fundada em 1830, que veio absorver a African Association, o Raleigh Club, assim como a Palestine Association – antes a Syrian Society,4 que visava a promoção de um estudo avançado da ciência geográica5. Não obstante, a política externa portuguesa em nada foi movida pelo espírito da época, para estabelecer relações com Constantinopla. A principal razão para encetar relações diplomáticas e comerciais com o Império Otomano teve que ver com a necessidade de Portugal conseguir chegar ao Egipto e destacar um Cônsul para Alexandria. Em 22 de Maio de 1839, foi pedido o exequatur à Sublime Porta, com a intervenção de Espanha, para que Andres Popolani fosse aceite como Cônsul-geral de Portugal em Alexandria. Não tendo Portugal representação em Constantinopla, tornava-se complexo que fosse aceite. Em carta enviada por Joaquin María de Ferrer, diplomata espanhol, a José Guilherme Lima, do Consulado de Portugal em Espanha, aquele explica que a chave para Alexandria era Constantinopla, com a qual era preciso estabelecer relações6. No mesmo sentido, António Lopez de Córdova, Primeiro Secretário do Despacho de Estado, airma que esta seria a melhor altura para realizar uma aproximação entre Portugal e a Porta, através dos respectivos representantes em Londres, tal como fez a Bélgica com as cidades Hanseáticas em 30 de Dezembro de 18407. 3 Salih Özbaran, The Ottoman response to European expansion: studies on Ottoman-Portuguese relations in the Indian Ocean and Ottoman administration in the Arab lands during the sixteenth century (Istanbul: Isis Press, 1994). Sabemos que desde 17 de Maio de 1814 a, pelo menos, 8 de Novembro de 1832, João Hutchens foi Cônsul-geral do Império Otomano em Portugal. Era súbdito inglês, o que revela como as relações eram estabelecidas por terceiras partes e não tinham a sistematização diplomática saída do Congresso de Viena, ou seja, numa base regular. Contudo, o Império Otomano também não tinha tal sistematização, sendo frequente usar de outros canais diplomáticos. O mesmo João Hutchens, em carta datada de 8 de Junho 1828, fala de como seria bom para o comércio de Portugal e do Império Otomano uma representação diplomática constante. Veja-se: ANTT/ MNE, cx 274. Sobre a diplomacia Otomana veja-se: A. Nuri Yurdusev, Ottoman Diplomacy: Conventional or Unconventional? (New York: Palgrave, 2004). 4 Ruth Kark and Haim Goren, “Pioneering British exploration and scriptural geography: The Syrian Society / The Palestine Association”, The Geographical Journal, vol. 177 (3): pp. 264-274. 5 Royal Geographical Society History [autor não atribuído]: Fonte: [http://www.rgs.org/aboutus/history.htm]: para. 1: [15/11/16]. 6 ANTT/MNE, cx 676, ofício nº 8, cópia nº 1. 7 Ibidem, junto ao mesmo macete pode ser encontrado o ofício enviado por António Lopez de Córdova. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 191 A nomeação de Popolani importava muito a Portugal, pois permitia, através de Alexandria, criar uma ligação com Gibraltar e Malta, fazendo assim o último ponto de ligação para a cobertura mediterrânica. Para mais, assim que Portugal conseguisse um Cônsul em Alexandria, poderia nomear Vice-cônsules para o Cairo, Suez e Aden. Estas ligações eram de extrema importância para assegurar a estabilidade no tráico de correspondência entre Portugal e o Estado da Índia8. Lista de Representantes Diplomáticos Portugueses destacados para Constantinopla após o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Portugal e o Império Otomano em 1843 1. José Maurício Correia Henriques, 1º Conde de Seisal. Posto diplomático: Ministro Residente, de 25/6/1844 a 19/8/18449. 2. Luís Carlos Rebelo. Posto diplomático: Encarregado de Negócios e Cônsulgeral, de 20/9/1844 a 25/10/1852. 3. Manuel de Clamouse Browne, ilho. Posto diplomático: Encarregado de Negócios Extraordinário, de 26/4/1854 a 26/4/1858. 4. José Barbosa e Silva. Posto Diplomático: Encarregado de Negócios em 1862 (não ocupou o posto). 5. Fortunato Jourdan. Posto Diplomático: Cônsul-geral, de 3/6/1865 a 23/12/1883. 6. Conde de Carnide. Esteve por duas vezes em Constantinopla. A primeira missão foi de 22 de Maio de 1883 a Junho do mesmo ano. Quanto à segunda missão, sabe-se que apresentou as credencias em 1889 e saiu em 1890. 7. Eduardo Pinto de Soveral Vasalo e Sousa, 1º Visconde de São Luís. Posto Diplomático: Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário, de 3/1/1871 a 19/9/1878. 8 MNE/AHA, S5.E44.P2/52035, Cônsules Portugueses 3ª Repartição, ls. 50, 50 verso. 6/10/1838. 9 Seisal apresentou a sua carta credencial antes de 25/6/1844. Foi recebido em audiência privada com o sultão antes de 17/5/1844. Veja-se: ANTT/MNE, Liv. 337, l. 363. No entanto, a sua primeira audiência formal com o sultão foi em 20/7/1844. Veja-se: MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, l. 5 verso. 192 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano 8. Pedro de Castelbranco Manoel, 2º Barão de São Pedro. Posto Diplomático: Ministro Plenipotenciário, de 26/7/1890 a 30/8/1890. 9. Alfredo de Mesquita Pimentel. Posto Diplomático: Cônsul-geral e Encarregado de Negócios, de 6/12/1912 a 3/11/1914. 1º José Maurício Correia Henriques, 1º Conde de Seisal O Conde de Seisal10 foi o primeiro representante destacado para Constantinopla ao abrigo do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação irmado entre Portugal e o Império Otomano em 20 de Março de 1843. A capital europeia escolhida foi Londres, onde Portugal tinha como seu embaixador o Barão da Torre de Moncorvo, Cristóvão Pedro de Morais Sarmento. A Sublime Porta fez-se representar por Séyed Mouhammed Emin Aali Efendi. As negociações foram encetadas em 1841 e apadrinhadas por Lord Palmerston e Fuad Efendi, Encarregado de Negócios da Sublime Porta em Londres. A missão do Conde de Seisal era a de ir a Constantinopla felicitar e entregar ao sultão Abdülmecid I a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada. Tal distinção justiicava-se como o principiar da actividade diplomática que o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação trazia. Luís Carlos Rebelo viria a ser o representante seguinte da Legação, tendo-se juntado a Seisal em Marselha, de onde deveriam seguir conjuntamente para Constantinopla. Foi Luís Carlos Rebelo que trouxe consigo, de Lisboa, a mencionada grã-cruz com que iria ser agraciado o sultão. No entanto, a forma como Rebelo fora nomeado Cônsulgeral gerou diiculdades com a Sublime Porta, como podemos ler em carta enviada por José Joaquim Gomes de Castro, então Ministro dos Estrangeiros, ao Ministro Residente (Seisal): 10 Foi 1º Conde de Seisal, mas não durante o tempo em que esteve em Constantinopla. Contudo, optámos pela sua identiicação baseada no título mais elevado que veio a receber em vida. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 193 “O mesmo governo estimou muito saber a maneira por que V. Exª foi recebido pelo Grande Vizir e por Rıfat Paşa e a benevolência com que foi tratado por estes dois Ministros da Sublime Porta, e á vista da promessa do último destes sobre a diiculdade que parecia oferecer o modo porque fôra nomeado o Cônsul-geral Luís Carlos Rebello” 11. José Joaquim Gomes de Castro Palácio de Sintra, 13 de Agosto de 1844 1 – Monograma do 1º Conde de Seisal, colecção do autor Seisal acabou por ter de sair de Constantinopla mais cedo do que o previsto, tendo sido a sua presença requerida no Rio de Janeiro após a partida de José de Vasconcelos e Sousa para São Petersburgo. De Lisboa, recebeu Seisal o aviso de que deveria preparar a sua saída de forma a “não causar estranheza qualquer” na corte Otomana. No im, Seisal acabou por não vir a ser destacado para o Rio de Janeiro mas para São Petersburgo, como Ministro Residente. Fontes Manuscritas § ANTT, Tratados, Turquia, Cx. 1, Nº 1. ls. 3 verso e 4. § ANTT/MNE, Liv. Londres - 337, “Lembranças de Cartas Escritas a Diversos”, p. 222, 8/12/1841. § MNE/AHD S4.E42.P2/51.672. ls. 1, 1 verso, 2. 10/3/1844. Veja-se também l. 4 verso de 13/8/1844 (Copiador de correspondência expedida para a Legação de Portugal na Turquia, em Constantinopla). § MNE/AHD, S4.E42.P2/51.672, l. 3 verso. 23/6/1844. § MNE/AHD, S5. E1.P3/48470, ls. 9, 9 verso. 9/6/1844. 11 MNE/AHDS4.E42.P2/51.672. l. 4 verso, ofício n.º 4 (Copiador de correspondência expedida para a Legação de Portugal na Turquia, em Constantinopla). 194 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Luís Carlos Rebelo Após a partida do Conde de Seisal, icou como responsável da Legação de Constantinopla, com o posto de Encarregado de Negócios, Luís Carlos Rebelo. Em correspondência expedida para Constantinopla, é explicado que é nomeado Encarregado de Negócios e não Cônsul-geral em Constantinopla por uma questão de “praxe” para com as outras Nações, visto que seria considerada inconveniente uma missão diplomática permanente em Constantinopla: “V. Exª me informará com a possível brevidade do que praticam as outras Nações nas nossas circunstâncias, que ali não têm agentes diplomáticos, para o im de protegerem o seu respectivo comércio” 12. Em 1849 já é tratado, em carta remetida pelo Duque de Saldanha, como Cônsul-geral. O facto de Portugal encetar relações diplomáticas com o Império Otomano não signiicava que pudesse ou estivesse para despender somas consideráveis na Legação de Constantinopla. A 15 de fevereiro de 1845, Rebelo foi avisado: “O Tesouro Público tem a necessidade de não ser sobrecarregado com mais despesas” 13. Rebelo vê-se numa situação incómoda, como expressa a Manuel Jorge de Oliveira Lima: “Quanto a mim meu caro amigo, vou indo menos mal de saúde; porém as circunstâncias extraordinárias em que iquei colocado, desde a partida do senhor Corrêa, tornarão a minha posição muito desagradável, para não dizer insuportável. Com tudo espero da amizade e da justiça que caracteriza o meu digno Chefe que brevemente poderei dizer que estou satisfeito” 14 Luiz Carlos Rebello Constantinopla, 18 de Dezembro de 1845 Tinha Rebelo a ideia de usar o Império Otomano como um veículo logístico que permitisse exportar vinho do Porto e da Madeira para outras nações da região, nomeadamente a Rússia. Tendo até proposto a Lisboa um tratado de Comércio e Amizade, obtém como resposta “será oportunamente tomada em consi12 MNE/AHDS4.E42.P2/51.672. l. 7, 7 verso. 18/11/1844.(Copiador de correspondência expedida para a Legação de Portugal na Turquia em Constantinopla). 13 Ibidem, MNE/AHDS4.E42.P2/51.672. l. 13 e 13 verso. Em carta enviada em 30 de Agosto 1846 (pelo Conde de Lavradio) é dito a Rebelo que a situação do tesouro não permite conceder-lhe o ordenado de Encarregado de Negócios. Veja-se: l. 28 verso. 14 ANTT/Família Ferreira do Amaral, cx. 15, mct. Luís Carlos Rebelo, doc. 1. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 195 deração”15. O vinho viria de Portugal em direcção a Constantinopla, para depois seguir para Odessa, onde Portugal tinha como Cônsul Jaques Porró. Em carta enviada a Porró e datada de 1844, Rebelo questiona se exportar vinho do Porto e da Madeira para a Rússia seria uma ideia viável. Em resposta é-lhe explicado que o gosto dos russos em geral não estava familiarizado com o vinho do Porto e que teria de competir com outros vinhos já estabelecidos no mercado russo que eram bastante mais baratos, pois o vinho do Porto era em si caro, por ser de grande qualidade e não ter grande aceitação onde se prefere outro tipo de vinho mais barato. Para mais, o vinho português estaria a competir com os demais vinhos sem qualquer aliviamento nos impostos, o que retirava logo à partida a possibilidade de competir de forma igualada. Sendo também baixo o luxo de vinho do Porto e da Madeira, essa seria outra causa de aumento do preço inal. Em suma, tal como Porró indica, o luxo de consumo do vinho português era baixo e a sua exportação em baixas quantidades iria encarecer o seu preço. O objectivo de dinamizar o comércio de vinho do Porto por terras otomanas era fomentado pela Coroa, não sendo por isso apenas uma iniciativa individual. Em carta enviada pelo Duque de Saldanha para Rebelo, podemos ler: “Em aditamento á Portaria, que pelo Ministério do reino, se expedio em 23 do corrente mês, ao Encarregado de Negócios e Cônsul-Geral de Portugal em Constantinopla relativamente ao Comércio dos vinhos do Douro no Império Otomano; manda Sua Majestade A Rainha, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, comunicar ao sobredito Cônsul, que a Direcção da Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Alto Douro fará expedir, no primeiro navio que passar para Marselha ou Génova, o sortimento de vinho pedido pelo mesmo Cônsul, para dali ser transportado a Constantinopla; e vai também pedir ao referido Encarregado de Negócios se incumba da agência geral da Companhia, não só naquela Capital, como nos diversos Portos da Turquia, a im de comunicar-lhe todas as observações conducentes a estabelecer um regular consumo dos vinhos do Douro, naquele país; e Espera a Mesma Augusta Senhora, que o mencionado Cônsul continuará a empregar neste importante assunto o seu continuado zelo e dedicação, dando conta por este Ministério dos meios que empregar para obter o im desejado” 16. Duque de Saldanha Paço das Necessidades, 30 de Março de 1849 15 MNE/AHD S4.E42.P2/51.672, l. 8. Também no mesmo copiador dá-se conta de um fogo que se abatera sobre a Legação de Portugal em Constantinopla. Foi possível salvar o arquivo e a mobília, graças ao dragomano A. Lummerer. Veja-se: l. 8. 196 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Mas não foi só pela dinamização do comércio vinícola17 que Rebelo revelou as suas capacidades diplomáticas. Em correspondência enviada a 14 de Setembro de 1849 pelo Conde de Tojal a Rebelo, é referido que o sultão resolvera conceder aos soberanos da Espanha, Prússia, Rússia, Áustria, França, Inglaterra, e até da Suécia, o título de Padishah. Porém, a D. Maria II não fora concedida tal distinção, pelo que Rebelo foi incumbido de oicializar o processo para que o mesmo título fosse concedido a D. Maria e seus sucessores: “Uma vez que aos Soberanos de Espanha, Rússia, Prússia, Áustria, França, e Inglaterra e ultimamente os da Suécia, foi concedido pelo Sultão o Título Padishah, de que ele próprio usa, achando-se Sua Majestade a Rainha de Portugal em igualdade de circunstancias com aqueles Soberanos, por isso que não cede a nenhum deles pelo que respeita á Soberania e Independência da sua Coroa, recomendo a V. Exª que procure saber se nessa Capital se porá diiculdade em conferir a Sua Majestade e seus Sucessores o dito Titulo de Padishah, e os passos necessários para o conseguir”.18 Conde do Tojal 14 de Setembro de 1849 Os passos necessários a tomar devem ter sido alguns, pois, mais de um ano volvido desta comunicação, sabemos que Rebelo conseguiu o título de Padishah para D. Maria II e seus sucessores. O facto de ser uma rainha, poderia, em primeira instância, ter levado a que tal distinção não fosse logo conferida. Contudo, tinha também Espanha, como rainha, Isabel II, o que não torna claro quais as reais motivações, ou se foi simplesmente por Portugal não ter nesse império uma constante entourage diplomática. De notar que, nesta época, Rebelo era Encarregado de Negócios com vencimento: “Sua Majestade muito apreciou a comunicação que V. Exª fez a esse governo, acerca da resolução tomada pelo Gram Senhor em conceder á mesma Augusta Senhora o tratamento de Padishah de que usam os Soberanos Otomanos. V. Exª se dirigirá a esse governo manifestando, em nome de Sua Majestade a Rainha os seus sinceros agradecimentos por esta nova prova de amizade e boa harmonia que a Sublime Porta acaba de dar-lhe”. 16 ANTT/MNE, Cx. 217, Ofícios das Legações Portuguesas, nº 26 M-158, A22. 17 Em carta de 2 de Novembro de 1849, é informado a Rebelo que lhe seriam remetidos os competentes poderes para que negociasse com a Porta uma Pauta Especial para os produtos Portugueses. MNE/AHD S4.E42.P2/51.672, ls. 45, 45 verso. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 197 Durante o tempo que Rebelo passou em Constantinopla, pelas informações por nós recolhidas, é possível perceber o rigor com que desempenhou as suas funções em prol do reino de Portugal. Tanto assim foi, que, a 12 de Setembro de 1851, foi agraciado com o título do Conselho de D. Maria II, pelos serviços prestados a Portugal nos interesses comerciais perante a Comissão encarregada da organização das pautas das Alfândegas do Império Otomano19. Porém, teve lugar um caso que poderia ter manchado a reputação de Rebelo, sem que este tivesse qualquer envolvimento doloso, envolvendo um súbdito brasileiro. Em carta que Rebelo envia ao Visconde da Torre de Moncorvo, embaixador de Portugal em Londres, explica de forma detalhada todo o assunto assim como as suas repercussões: “Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, Tendo tido a honra de receber ontem pela tarde, da Secretaria dos Negócios Estrangeiros da Sublime Porta, o Ofício de V. Exa datado em 31 do mês pretérito, e prestando a devida atenção ao seu conteúdo, dirigi-me pessoalmente esta manhã a S. Exa. Aali Pasha, Ministro dos Negócios Estrangeiros, para me informar antes de dar ao nosso Cônsul em Smirna as necessárias instruções, não somente do estado em que se achava o processo instanciado contra o súbdito Brasileiro Luís José Jatobá, mas também e principalmente, se a Sublime Porta, na falta de um Agente do Governo Imperial do Brasil neste Império, se dignaria admitir a protecção oicial desta Legação de Sua Majestade Fidelíssima, em favor daquele indivíduo, acusado da falsiicação de Notas ou circulares do Banco «London & Westminister» e que por este motivo se achava preso em Smirna. Comecei por ler, ou traduzir, ao sobredito Ministro o Ofício que V. Exa me dirigio, para que S. Exa desde logo soubesse que eu estava autorizado pela Legação de Sua Majestade o Imperador do Brasil em Londres a intervir em favor daquele seu súbdito. Acabada a minha leitura S. Exa respondeu-me imediatamente que o Embaixador Inglês lhe pedira a entrega do referido Luís José Jatobá, a im de ser transportado a França e ali ser julgado juntamente com o seu sócio, ou em Inglaterra, e que havia sido feito dias que enviara a Stratford Canning a carta Vizirial para esse im; de sorte que, á hora em que falávamos, o acusado deveria estar no poder do Cônsul de Inglaterra em Smirna ou já em caminho para França. S. Exa acrescentou «Nós não 18 Ibidem, l. 44 verso. 19 ANTT/Registo Geral de Mercês, D. Maria II, liv. 36, ls. 162, 162 verso. 198 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano podíamos julgar aqui aquele individuo porque ele não cometeu o crime de que é acusado em detrimento de nossos súbditos; mas como ele foi preso pela autoridade local a requerimento do Cônsul de S. Majestade Britânica, não pusemos dúvida em anuir ao pedido do seu Embaixador». Em vista desta declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Sublime Porta, não me restava senão agradecer a S. Exa, como iz, pela informação que acabava de dar-me; por isso que o referido acusado se achava já fora de alcance da protecção desta Legação, ainda mesmo que o Governo Otomano a admitisse. Por esta ocasião devo dizer a V. Exa que desde que me acho nesta Corte, tenho prestado constantemente e, com suma satisfação, a protecção oiciosa desta Legação a vários Brasileiros que tenham vindo a este país, visando os seus passaportes para transitarem neste Império e oferecendo-lhes o meu préstimo. Tendo eu visado igualmente o passaporte do acusado Luís José Jatobá para ir daqui a Smirna, recebi oito dias depois um ofício do Cônsul de Portugal naquela cidade, comunicando-me dois indivíduos, vindos de Constantinopla, haviam sido presos pelos Cônsules de França e de Inglaterra, um francês chamado Dumond e outro brasileiro pronome Luís José Jatobá, sendo o primeiro conduzido á prisão do Consulado e o último posto á disposição da Autoridade local pelos referidos Cônsules; que algumas horas depois o brasileiro Luís José Jatobá lhe escrevera uma carta da prisão do Pasha Governador, requerendo-lhe que, em vista do meu visa no seu passaporte, que junto lhe remetia, houvesse de o proteger e pô-lo em liberdade. O referido Cônsul não hesitou em repelir o pedido do brasileiro Jatobá; porque achando-se privado de instruções ignorava se os súbditos brasileiros tinham ou não direito á protecção do Governo de Sua Majestade a Rainha nos países estrangeiros, e como Dumond e o seu companheiro haviam sido presos como falsários relectiu ao mesmo tempo, que os seus passaportes podiam ser falsos e conseguintemente não válidos; porém que para salvar em todos os casos a honra da minha assinatura no caso que ela tivesse sido surpreendida por um malfeitor estrangeiro, julgou dever intervir, por medida provisória, na inspecção e inventário dos efeitos papéis e somas de dinheiro em poder do referido Jatobá, até receber instruções minhas; que tudo fôra selado com os selos dos Consulados e do dito acusado, e o dinheiro, do valor de Cento e Vinte mil Piastras do Grão Senhor, depositado na Chancelaria do Consulado-Geral de França e que, em im, por sua recomendação o S.º Jatobá fôra separado dos criminosos, dando-se-lhe um quarto separado onde era guardado sem repame algum. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 199 Logo que recebi o dito ofício dirigi-me ao Ministro de França nesta Corte para me informar dos motivos da prisão dos dois indivíduos e tendo-me S. Ex.ª assegurado que, segundo as informações que acabava de receber do seu Cônsul em Smirna, existiam já provas morais e suicientes culpabilidade do S.º Jatobá e de Dumond, como cúmplice; depois de haver-me aconselhado com alguns dos meus colegas, vi-me na dura necessidade, por honra dessa Legação ao meu cargo, de ordenar ao nosso Cônsul em Smirna de cortar do livreto, ao qual estava unido o passaporte do S. º Jatobá, o primeiro visa, que era o meu, a im de ser inutilizado e de lho devolver declarando-lhe ao mesmo tempo verbalmente, que não podia contar com a nossa protecção, recomendando igualmente ao mesmo Cônsul de cessar a sua intervenção naquela questão e exarando tudo quanto ele havia praticado até aí. Julguei dever assim obrar por que eu nenhum direito tinha de proteger o referido Jatobá, sobretudo um caso tão melindroso e da maior responsabilidade. Se o meu visa continuasse a existir era indecoroso deixar de o proteger e, protegendo-o seria esta legação responsável por haver assumido um direito que não tinha, intervindo em uma contenda entre súbditos de outras nações, em que nenhum português era interessado. Além de tudo isso havia suspeita de que o passaporte do S.º Jatobá poderia ter sido roubado por Manuel Vidal, nome de que acusado fazia uso quando negociava notas falsiicadas, como de Smirna fui informado. É quanto se me oferece dizer a V. Exa, em resposta ao seu ofício, reservando-me de enviar a carta que nele vinha inclusa ao nosso Cônsul em Smirna para ele a entregar ao S.º Jatobá se cuida ali se achar ou de me a mandar de volta para eu devolver a V.ª Ex.ª. Notando na cópia do ofício que o Encarregado de Negócios do Brasil dirigiu a V.ª Ex.ª que S. Ex.ª fez alusão á Jurisdição Consular, que me seja permitido observar que a dita Jurisdição é exercida pelos Cônsules no Levante segundo as Leis dos seus respectivos países e que sendo o S.º Jatobá súbdito brasileiro o Tribunal Consular de Portugal em Smirna não poderia julga-lo senão pelas Leis portugueses” .20 Que Deus guarde a V.ª Ex.ª, Luiz Carlos Rebello Constantinopla, 28 de Agosto de 1850 20 ANTT/MNE, Cx. 217, Ofícios das Legações Portuguesas n.º 26. 200 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano O caso acabou por se resolver de forma favorável e a reputação de Rebelo, tal como a da Legação portuguesa, não sofreram qualquer abalo. As razões que acabariam por levar Rebelo a sair de Constantinopla deveram-se ao déice de que sofriam as contas públicas de Portugal, que ainda recuperavam da Guerra Civil, sendo por isso necessário encerrar a Legação de Constantinopla para o ano de 1853-1854. Foi dado a escolher a Luís Carlos Rebelo entre passar à disponibilidade ou aceitar o cargo de Comissário na Comissão Mista do Cabo da Boa Esperança. Acabou por escolher a última opção, onde haveria de morrer em 10 de Novembro de 1856. “O Estado, impossível de continuar, da Fazenda Publica, que em todos os ramos apresenta um deicit, e que levaria á total ruina todo e qualquer país em circunstâncias idênticas, obriga o Governo de Sua Majestade a reduzir em todas as Repartições de Estado as despesas nos respectivos quadros. Em vista pois desta resolução tem o mesmo Governo, pretendendo minorar as despesas do Corpo Diplomático, reduzido algumas missões, e suprimindo outras, e como a Legação Portuguesa de Constantinopla, actualmente a cargo de V. Exª seja uma daquelas cuja verba está eliminada do orçamento que deve ser proposto às próximas Câmaras Legislativas, V. Exª declarará se mais lhe convém passar á disponibilidade, ou ser nomeado Comissario por parte de Portugal na Comissão Mista estabelecida no Cabo da Boa Esperança, com ordenado de Rs 2:000.000 caso o Juiz Conselheiro Lourenço José Moniz, actualmente Comissário, declare como é de esperar, desistir daquele cargo”.21 António Aluizio Jervis d´Athouguia 10 de Novembro de 1852 Antes de sair de Constantinopla, conseguimos saber pelos registos que, pelos serviços prestados, Rebelo recebeu de mercê, por parte do sultão, a Ordem do Nichani de 1ª classe, em 185222, e que D. Maria II fez mercê ao Marquês de La Vallete, por serviços prestados à Cristandade na questão dos Lugares Santos, da Grã-cruz da Ordem de Cristo. O diploma foi passado pela repartição a cargo de Rebelo23. Pela mesma altura, Rebelo adoeceu, tendo a sua licença de 21 MNE/AHD S4.E42.P2/51.672, ls. 59, 59 verso. 22 Ibidem, l. 62. 23 Ibidem, l. 61. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 201 permanência no Império Otomano expirado. Procurou junto da Legação espanhola obter uma licença de permanência, permitindo-lhe assim ter assistência médica. O representante espanhol era o Ministro José Nabiet, que ajudou Rebelo tendo também atendido ao seu pedido para se encarregar dos assuntos da Legação portuguesa, foi inclusivamente o arquivo da Legação portuguesa levado para a Chancelaria da Legação espanhola. Fontes Manuscritas § ANTT/MNE, LC, Cx 111, A-11. 30 October / 12 July 1844. § IANTT/MNE, Cx. 217, Ofícios das Legações Portuguesas n.º 26. 28/8/1850. § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672. l. 44 verso, 14/9/1849, l. 55, 11/3/1851. § House of Commons Papers, Vol. 44, 30 April / 28 August 1857, p. 359. § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672. ls. 63 verso, 64. 28/10/1853. Manuel de Clamouse Browne, ilho Manuel de Clamouse Browne, ilho, sucedeu a Luís Carlos Rebelo na Legação portuguesa de Constantinopla. À sua escolha não terá sido alheio o facto de a sua família ter ligação à produção de vinho do Porto, que, como se viu, interessava a Portugal exportar para o Império Otomano, assim como o facto de a manutenção da legação não ser um impedimento para Lisboa, uma vez que Clamouse Browne tinha recursos pecuniários que lhe permitiam manter-se em Constantinopla. É de notar também que o mesmo não era um diplomata de carreira. A sua estada em Constantinopla icou marcada pelo abandono da embaixada onde desempenhava as funções de Encarregado de Negócios, para se juntar à guerra da Crimeia sob o comando de James Brudenell, 7th Earl of Cardigan, na batalha de Balaklava. Esta batalha contra o Império Russo icou também conhecida como The Charge of the Light Brigade. Clamouse Browne estava doente em 1855, regressou a Lisboa para se restabelecer, com a indicação do Ministério 202 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano dos Negócios Estrangeiros de que, assim que estivesse recuperado, deveria regressar a Constantinopla. Nos registos, não existe indicação sobre a sua condição física ou em que circunstâncias a sua saúde foi afectada. Porém, pelas datas presume-se que exista uma relação entre a batalha de Balaklava e o seu estado de saúde. Ao partir para a guerra da Crimeia, a embaixada portuguesa icou a ser gerida pela Legação espanhola, primeiro na pessoa de António Riquelme e depois com Gerardo de Souza. No entanto, a Legação espanhola colocou algumas condições para que os assuntos e o arquivo icassem à sua guarda: Primeiro, que fossem nomeados Cônsules e Vice-cônsules, que Clamouse Browne efectivamente nomeou; Segundo, um dragomano contratado por Portugal deveria agir como Chanceler, no sentido de ambos os países manterem uma divisão nas suas missões diplomáticas; Terceiro, uma autorização para apresentar factura, no caso de ser necessário cobrir despesas. Riquelme explica em carta enviada para Lisboa que, dadas as suas despesas, não conseguiria fazer frente a questões monetárias que surgissem durante a gestão da Legação portuguesa. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 203 De Lisboa foi enviada uma carta, na qual se explicava que, em relação aos Cônsules e Vice-cônsules, Clamouse Browne já os havia nomeado. Sobre um dragomano e eventuais despesas, o Tesouro Público do Reino de Portugal não tinha como lhes fazer face, e que a Clamouse Browne lhe havia sido explicada a situação antes de partir para Constantinopla. A carta termina com o agradecimento de Sua Majestade pelos serviços prestados ao reino de Portugal, por parte da Legação do reino de Espanha em Constantinopla, mais informando que não tencionava sobrecarregar a dita legação com os assuntos do seu reino; nos quais Portugal era grato. A Legação espanhola também opinou sobre a conduta de Clamouse Browne em Constantinopla, questionando se Portugal iria, ou não, punir o seu representante. Não sendo claro o motivo que originou tal comentário, podemos supor que aludisse à sua partida para a guerra da Crimeia, e só conseguimos saber que a mesma existiu pois, em resposta à interrogação espanhola, chegou resposta de Lisboa nestes termos: “Havendo o ministro de Sua Majestade Católica nesta corte representado, de ordem do seu Governo, o embaraço em que V. Exª se achava por não ter o Governo de sua Majestade Fidelíssima manifestado até agora se a conduta de Manuel de Clamouse Browne, Encarregado de Negócios de Portugal em Constantinopla, merecia ou não a aprovação do Governo, pela entrega que, ao retirar-se dessa Corte, izera a V. Exª da Legação que me fora coniada, e bem aferiu não poder V. Exª atender aos negócios de Portugal senão das três seguintes condições, a saber (...)”.24 11 de Maio de 1855 Não obstante o seu carácter emocional, Clamouse Browne tinha uma visão de qual deveria ser a inserção de Portugal no Oriente Próximo, ou seja, com uma presença constante. Chegou mesmo a propor a Lisboa que nomeasse um Cônsul para os Dardanelos, por achar que isso teria relevância para os interesses do reino. 24 MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, l. 73 verso. 204 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Fontes Manuscritas § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, l. 69 verso. 19/6/1854. § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, ls. 73 verso, 74 verso. 11/5/1855. § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, l. 75 verso. 3/6/1856. Fontes Impressas § Nuno Daupiás, As Casas de Morada de Bernardo de Clamouse (Porto: Ed. Marânus, 1954). § Júlio Ferreira Girão, Notas Bibliographicas dos Villarinhos de S. Romão e dos Clamouse Browne (Porto: Typographia Progresso de D. A. da Silva, 1904), pp. 81-82, 88-93. José Barbosa e Silva Em relação a José Barbosa e Silva, nada se pode dizer sobre a sua presença no Império Otomano ou não tivesse adoecido após a sua nomeação de 1862, tendo morrido em 1865 vítima de tísica mesentérica. A dúvida sobre a sua estada em Constantinopla é instigada por uma gravura, aqui reproduzida, onde se pode ler “José Barbosa e Silva Encarregado de Negócios Extraordinário de S.M.F junto do Governo Otomano e Deputado da Nação Portuguesa”. No entanto, não veio a ocupar o cargo de Encarregado de Negócios. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 205 3 – Litograia impressa aquando da nomeação de José Barbosa e Silva para o cargo de Encarregado de Negócios em Constantinopla. BNP, Cota, E. 1331 V. 206 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Fontes Manuscritas § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672 (na secção correspondente a Barbosa e Silva, o livro do copiador está em branco). Fontes Impressas § Maria Filomena Mónica, ed., Dicionário Biográico Parlamentar 1834-1910 Vol. III, N-Z (Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa / Assembleia da República, 2006), pp. 707-708. § Alexandre Cabral, Dicionário de Camilo Castelo Branco (Lisboa: Editorial Caminho, 1988), pp. 51-52. § Maria Emília Sena de Vasconcelos, “Os Barbosa e Silva, de Viana, e Camilo,” Cadernos Vianenses: Câmara Municipal de Viana do Castelo, Tomo XV (1991): pp. 111-127. § Maria Emília Sena de Vasconcelos, “Velhos vultos de Viana”, Cadernos Vianenses: Câmara Municipal de Viana do Castelo, Tomo XXV (1999): pp. 45-54. Fortunato Jourdan Após a morte de Barbosa e Silva, foi necessário nomear alguém para representar os interesses de Portugal em Constantinopla. Assim, a 3 de Junho de 1865 é oicialmente nomeado Cônsul-geral Fortunato Jourdan.25 A sugestão de Jourdan para o cargo partiu de Pietro Germano, súbdito italiano e Vice-Cônsul em Galípoli.26 Portugal tinha como rei D. Luís I, que era casado com Dona Maria Pia de Sabóia. Ora, o facto de a rainha ser de origem italiana não foi alheio a 25 ANTT/Registo Geral de Mercês, D. Luís I, liv. 11, l. 249. 26 MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, l. 92. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 207 toda uma política no Oriente Próximo que se manteria até à Primeira Guerra Mundial. O reino de Itália interveio na pessoa do Conde Greppi (Giuseppe Greppi di Bussero, 1819-1921), ajudando Portugal a obter o exequatur para Fortunato Jourdan. Quem de forma directa teve intervenção foram os diplomatas do reino de Itália e não Jourdan, que igurava em segundo plano, ainda que revestido de um carácter de legitimidade. Esta relação especial aconteceu com Greppi, Giuseppe Bertinatti (1808-1881), Luigi Corti (1823-1888) e com o conde Rafaele Ulissi Barbolini (1818-1900). Corti chegou mesmo a assumir uma relevância considerável nos assuntos de Portugal. Em uma carta enviada por Lisboa, que visava proceder a démarches para que os súbditos de Portugal não vissem os seus interesses afectados no que dizia respeito a propriedade imobiliária no Império Otomano, por serem estrangeiros, foi Corti quem fez todas as diligências e negociações, com plenos poderes para aderir ao novo protocolo que iria entrar em vigor. 27 Das mesmas questões monetárias que aligiram outros diplomatas se pôde queixar Jourdan, e queixou; em carta enviada para Lisboa onde manifestava a sua opinião sobre a importância desta legação que, devido a questões económicas, via o seu funcionamento em risco. 28 Fortunato Jourdan viria a morrer em 23 de Dezembro de 1883, em Constantinopla. A causa da morte, inicialmente diagnosticada, fora um repentino ataque apoplético, conforme Corti telegrafou para Lisboa a 24 de Dezembro. Contudo, um dia depois da sua primeira mensagem, informou que as autoridades competentes tinham descoberto que Jourdan cometera suicídio. A viúva do defunto constituiu um mandatário para lidar com os “afaires particulaires du défunt” – como o mesmo mandatário deiniu - nos quais coube pedir uma pensão a Sua Majestade que tivesse em conta os bons serviços prestados por Fortunato Jourdan. Finalizando, o mandatário da viúva ofereceu também os seus serviços, colocando-se à disposição de Portugal. August Louverain tomou mesmo conta da legação após a morte de Jourdan. 27 Ibidem, l. 109. 7/3/1881. 28 Manuela Franco, “Uma inluência portuguesa no Levante? A diplomacia ao serviço da propaganda do prestígio da República”, Política Internacional, n.º 26 (Outono/Inverno, 2002): p. 204. 208 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Fontes Manuscritas § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, l. 76 verso. 7/6/1865. § Ibidem, ls. 108, 108 verso. 18/6/1877. § MNE/AHA, Pessoal Consular Português, S3.E.99.P7/38679, M34 A3, 3.º P. 1911. 25/12/1883. Eduardo Pinto de Soveral Vasalo e Sousa, 1º Visconde de São Luís Eduardo Pinto de Soveral foi destacado duas vezes para Constantinopla. A primeira em 1866 para a Conferência Internacional de Constantinopla, juntamente com o médico e cientista, Bernardino António Gomes, ilho. Em carta enviada por Lisboa a 10 de Maio de 1866, ao Conde Greppi, é-lhe explicado que seriam dois os enviados para representar Portugal na Conferência, e que, assim que esta acabasse, Soveral deveria regressar imediatamente. O posto diplomático que Soveral ocupou para a Conferência era o de Encarregado de Negócios, exceptuando a altura em que entregou ao sultão a Ordem da Torre e Espada: para essa ocasião, Soveral recebeu a credencial de Ministro Extraordinário. Sobre Soveral, disse Bernardino António Gomes que a sua dupla responsabilidade, como Comissário e Encarregado de Negócios, honrou o governo de Sua Majestade29. O principal tópico da conferência era subordinado ao tema do Cholera Morbus, e medidas a tomar para evitar que o período de quarentena tivesse fortes repercussões no comércio internacional. Portugal alinhou ao lado da França assim como da maioria dos países Europeus, defendendo a interrupção da navegação após um contágio. Já a Grã-Bretanha e a Alemanha opuseram-se, defendendo o levantamento da quarentena e cordons sanitaires, por considerarem que tais medidas, além de lesivas para o comércio, eram ineicazes no combate aos surtos de cólera. A missão de Soveral neste contexto era assegurar 29 Bernardino António Gomes, Relatório sobre os trabalhos da Conferência Sanitária Internacional, reunida em Constantinopla, etc. (Lisboa: Imprensa Nacional, 1867), pp. 81, 6-7. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 209 que, em caso algum, os navios portugueses pagariam tarifas sanitárias superiores às que pagavam as nações mais favorecidas. Sobre a posição de Portugal em relação à quarentena, notou um diplomata português, em 22 de Novembro de 1850, o seguinte: “Por parte do Governo Português parecia haver-se desenvolvido má vontade contra o Governo Britânico, e que neste reino até nas quarentenas se tinha mostrado o desejo de contrariar a Inglaterra” 30. Ainda durante o período em que Soveral esteve em Constantinopla para a conferência, foi informado por Lisboa que o Cônsul João Dorshamet, encarregado dos consulados da Síria e da Palestina, andava a emitir passaportes portugueses a súbditos otomanos que tinham em vista fugir à justiça Otomana. João Dorshamet foi feito Cônsul por decreto em 2 de Setembro de 1863, por morte do seu irmão, José, que ocupava o cargo de Cônsul-geral na Síria. Sobre a segunda missão de Soveral em Constantinopla, de 3 de Janeiro de 1871 a 6 de Agosto de 1873, a documentação é inexistente. Fontes Manuscritas § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, ls. 83, 83 verso, 84. 10/1/1866. § Ibidem, ls. 94, 94 verso, 95. 29/6/1866. § Ibidem, l. 96. 7/7/1866. § Ibidem, l. 98 verso. 9/9/1866. § Ibidem, l. 98. § Ibidem, ls. 99, 99 verso, 100. 3/4/1867. 30 ANTT/MNE, liv. 334, l. 168. 210 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Guilherme Street de Arriaga Brum da Silveira e Cunha, 1º Conde de Carnide Em 1882, o Conde de Carnide foi nomeado Ministro Plenipotenciário e Enviado Extraordinário, com a missão de entregar ao sultão a Ordem da Torre e Espada. Segundo o Anuário Diplomático para o ano de 1889, tomou o seu posto em 22 de Abril de 1883 e icou até Junho do mesmo ano31. A segunda missão, já com o título de Conde de Carnide, foi também por um curto período de tempo, tendo apresentado as credenciais em 1889 e partido em 1890. Porém, entre a primeira e a segunda missão diplomática de Carnide, quem icou a tomar conta dos assuntos da Legação portuguesa foi o chevalier Limondetti, Cônsul de Itália em Constantinopla. Em carta enviada de Constantinopla para Lisboa, Luigi Corti, na qualidade de Embaixador do reino de Itália, informa: “Ms. Limondetti sera heureuse de remplir avec tout zèle que je lui connais les fonctions dont il est provisoirement chargé. Si le gouvernement de Portugal était d`avis de conférer plus tard la qualité de Consul général de Portugal en cette résidence à une personne demeurant dans l´empire, je lui serais reconnaissant si, avant de prendre une décision sur le choix du titulaire, elle voulait bien demander” 32. 4 – Retrato em carte-de-visite do 1º Conde de Carnide, colecção do autor. Fontes Manuscritas § MNE/AHA, S4.E42.P2/51.672, ls. 110 verso, 111, 111 verso. 20/11/1882. 31 António Valdez, Annuario Portuguez Historico e Biographico e Diplomatico (Lisboa: Typographia da Revista Universal, 1855), pp. 214-215. 32 MNE/AHA, Pessoal Consular Português, S3.E.99.P7/38679, M34 A3, 3º P. 1911. 25/1/1884. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 211 Fontes Impressas § Afonso Eduardo Martins Zúquete, Nobreza de Portugal e Brasil, Vol. II (Lisboa: Editorial Enciclopédia, Lda., 1961). Pedro de Castelbranco Manoel, 2º Barão de São Pedro Foi nomeado Ministro Plenipotenciário com a missão, que se estendeu de 27 de Julho de 1890 a 30 de Agosto de 1890, de entregar ao sultão a Banda das Três Ordens, com a qual o rei D. Carlos I decidiu homenagear o sultão Otomano. 5 – Miniatura sobre marim com moldura em latão (dimensões: 9x7cm) Créditos: Cabral Moncada Leilões / Vasco Cunha Monteiro 212 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano Fontes Manuscritas § MNE/IDI/AHA, S5.E31.P8/50696, Legação de Portugal em Roma, Despachos, ls. 26 verso, 27. 18/9/1890. Fontes Impressas § Afonso Eduardo Martins Zúquete, Nobreza de Portugal e Brasil, Vol. III (Lisboa: Editorial Enciclopédia, Lda., 1961), p. 348. § Annuario Diplomatico e Consular Portuguez (Lisboa: Imprensa Nacional, 1889), pp. 219-221. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 213 Conclusão Depois do Barão de São Pedro ter partido de Constantinopla em 1890, só em 1911 foi colocado um diplomata português para ocupar o mesmo posto: Alfredo de Mesquita Pimentel. Nicolau Revest, Cônsul-geral de Itália, icou encarregado dos assuntos do Consulado de Portugal.33 Mesmo estando o posto vacante, a actividade diplomática não se extinguiu, pois tinha o reino de Itália, na sua embaixada em Constantinopla, uma secção especial para os assuntos de Portugal. O Embaixador era T. Catalani que, em carta enviada a Lisboa, expressa vir a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para proteger os interesses dos súbditos portugueses 34. Em 1898, o Vice-cônsul encarregado do Consulado de Portugal era italiano: chevalier Giuseppe Rosset. Todos os nomes que compunham o consulado eram italianos35. Em 1899, era o Conde Mazza que tratava dos assuntos de Portugal em Constantinopla. Entre 1901 e 1904, era Giuseppe Solimbergo (1846-1922). Em 1904, o Marquês de Soveral, Eduardo Pinto de Soveral, informa Lisboa que o Dr. Louis H. Hizzi, recomendado por Lord Landsdowne, era pessoa respeitável para ocupar o Consulado-geral em Constantinopla. Conforme é descrito, era súbdito inglês e maltês, Católico Romano, homem de posses e posição, jurista em Constantinopla. A sua mãe seria aparentemente de origens portuguesas, tendo também Hizzi raízes italianas 36. Foi possível a Portugal manter uma aliança com a Itália por um período considerável de tempo, que atravessou o reinado de D. Luís e de D. Carlos. A implantação da República não fez sofrer as relações, tanto quanto nos é dado a conhecer pelas fontes estudadas. Contudo, com o eclodir, em 29 de Setembro de 1911 e até 18 de Outubro de 1912, da guerra italo-turca, na qual o Eyalet da Tripolitânia (província) foi atacado pela Itália, este reino deixou de ser um 33 Anuário Diplomático e Consular Portuguez Relativo ao Anno de 1891 (Lisboa: Imprensa Nacional, 1892), p. 145. 34 MNE/IDI/AHA, Pessoal Consular Português, S3.E.99.P7/38679, M34 A3, 3.º P. 1911 Constantinopla, N.º 692, 1/4/1895. 35 Ibidem, N.º 2047, Consolato Generale di Portogallo, 10/12/1898. 36 Ibidem, N.º 153, 8/11/1904. 214 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Duarte Serrano canal diplomático viável para Portugal. A 17 de Maio de 1911, Robert C. Rindelaub (nascido em 1880) escreve a Augusto de Vasconcelos, Ministro dos Negócios Estrangeiros, oferecendo os seus serviços a Portugal como Cônsul-geral honorário em Constantinopla, fundamentando com “l´animosité qui subsistera longtemps encore contre tout ce qui est Italien.” 37. Não se equivocou na sua observação, tendo em conta que os produtos italianos sofreram um aumento de 100% no Império Otomano, como represália ao conlito. Mas, à época, era a Alemanha que tinha o maior acesso a Constantinopla, e foi Berlim o canal que Lisboa usou para lá chegar. Foi mesmo Berlim que informou oicialmente a Sublime Porta, em 30 de Dezembro de 1911, que Alfredo de Mesquita havia sido nomeado Cônsul-geral e já estava em Constantinopla; ainda que tenha informado com algum atraso. Era também na Embaixada da Alemanha que estava guardado o arquivo do Consulado de Portugal até à chegada de Mesquita38. 37 MNE/AHA, Pessoal Consular Português, S3.E.99.P7/38679, M34 A3, 3.º P. 1911 Constantinopla. 17/5/1912. 38 MNE/AHA, Processo Individual, Alfredo de Mesquita, Cx. 16, A N.º 1, Legação de Portugal em Berlim. 19/1/1912. 4 - Perfis diplomáticos portugueses no Oriente Póximo: de Lisboa para Constantinopla 188 – 215 215 Amélia de Leuchtenberg, por Franz Xaver Winterhalter A saudade é cor-de-rosa Memórias de Amélia de Leuchtenberg – Imperatriz do Brasil Paulo de Assunção1 Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo e Universidade Salgado de Oliveira (Universo) – Rio de Janeiro Pesquisador CNPQ, FAPESP e Investigador do CLEPUL E-mail: [email protected] Resumo Este artigo visa a traçar o esboço biográico de Amélie Auguste Eugénie Napoléone de Beauharnais, princesa de Leuchtenberg (1812-1873), segunda esposa do imperador D. Pedro I do Brasil (D. Pedro IV de Portugal). A intenção é delinear, por meio da correspondência passiva e ativa, o movimento do espírito de uma mulher envolta pela trama da vida. Desde cedo, a jovem Amélia de Leuchtenberg foi instada a enfrentar desaios como o casamento com um monarca viúvo, pai de cinco ilhos e com uma reputação de amante incorrigível. Destemida, ela enfrentou a travessia do Oceano Atlântico e as diiculdades que emergiram, carregando no peito a saudade. Pouco tempo duraria o seu reinado nas terras tropicais. Após a abdicação de D. Pedro I (1831), ela retornou para a Europa, acompanhando o processo das guerras liberais e o movimento do romantismo literário lusitano. Com a morte de D. Pedro (1834) ela passou a se dedicar à ilha do casal, até o falecimento desta em 1853. A partir de então, Amélia passou a viver reclusa no Palácio das Janelas Verdes (Lisboa), sem deixar de atuar na benemerência, demonstrando uma atenção extremada para com familiares e amigos; uma mulher que viveu momentos de saudade perpétua. Palavras-chave: Amélia de Leuchtenberg, D. Pedro IV, saudade, liberalismo, romantismo 1 Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa (2014); Doutor em História Ibérica pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales – EHESS-Paris (2011); Doutor em História Econômica e Social pela Universidade Nova de Lisboa (2004) e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2001). É autor de diversos livros e artigos publicados em revistas acadêmicas nacionais e internacionais. Atualmente é vinculado ao programa de pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ao programa de pós-graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira (Universo). É pesquisador do CNPQ, da FAPESP, e investigador do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL). 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 217 Amélie Auguste Eugénie Napoléone de Beauharnais foi princesa de Leuchtenberg (1812-1873), segunda esposa do imperador D. Pedro I do Brasil (D. Pedro IV de Portugal), imperatriz do Brasil e Duquesa de Bragança. Os reveses da História izeram com que esta igura feminina icasse esquecida no meio da turbulência política do século XIX. Neste artigo temos como intenção entrelaçar linhas de diferentes cores para tecer um quadro que permita delinear de forma clara aspectos da trajetória D. Amélia de Leuchtenberg, bem como a sociedade do período. Sabrina Loriga, na sua obra A biograia como problema, discorre sobre as tipologias dos relatos biográicos, chamando a atenção para a crise que se abate sobre os historiadores e que os levou a discutir a multiplicidade de relações entre a dimensão coletiva e a experiência individual2. Partimos do pressuposto que a vida é marcada por descontinuidades e a construção de uma narrativa biográica é uma armadilha que pode dar a ilusão de uma vida não vivida. Por vezes, as lacunas podem despistar o historiador e afastá-lo da verdade3. É preciso ter em mente que, mesmo com a contextualização, nem todas as indagações serão respondidas4. Compartilhamos da ideia defendida por Norbert Elias, na obra A sociedade dos indivíduos, que ressalta que a sociedade se deine a partir das relações que os indivíduos estabelecem entre si e numa ampla rede social: “[...] cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. [...]”. 5 2 LORIGA, Sabina. “A biograia como problema”. In: REVEL, Jacques (org). Jogos de escalas: a experiência da microanálise . Rio de Janeiro: FGV, 1998. 3 Paolo Rossi observa que: “A história é jogo de revelação e encobrimento, de manifestação e ocultação” ROSSI, Paolo. O passado, a memória e o esquecimento. São Paulo: Editora Unesp, 2010, p. 19. 4 Para Le Gof: “Uma verdadeira biograia é inicialmente a vida de um individuo e a legitimidade do gênero histórico passa pelo respeito a esse objetivo: a apresentação e a explicação de uma vida individual na história”. LE GOFF, Jacques. “Comment écrire une biographie historique aujourd’hui?” In: Le Débat: Paris: Gallimard, n. 54, mar/abr. 1989/2, p. 50. 5 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, vol. I, p. 23. 218 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção Amélie Auguste Eugénie Napoléone de Beauharnais, conhecida como Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Beauharnais, era ilha de Eugène Rose de Beauharnais (1781-1824), 1o duque de Leuchtenberg, e da princesa Augusta-Amélie Louise de Baviera (1788-1851). Amélie de Beauharnais nasceu em Milão6 em 31 de julho de 1812, ocasião em que seu pai comandava as tropas italianas, francesas e bávaras do quarto corpo da armada francesa, que tinha como objetivo principal a conquista da Rússia. Eugène Rose de Beauharnais era ilho do general Alexandre François Marie (1760-1794)7, visconde de Beauharnais, e de Marie Josèphe Rose Tascher de La Pagerie (1763-1814) 8, posteriormente conhecida como Joséphine Tascher de la Pagerie, ou Joséphine de Beauharnais. O general Alexandre François Marie foi condenado à guilhotina em 1794 e sua esposa, Joseina Tascher de la Pagerie se casou, em segundas núpcias, com Napoleão Bonaparte (17691821), em 9 de março de 1796. Eugéne Beauharnais acompanhou Napoleão Bonaparte na Campanha da Itália (1796) e do Egito (1798), demonstrando coragem e inteligência nas ações militares, ao mesmo tempo em que revelava uma grande ainidade com o padrasto. As boas relações do imperador Napoleão Bonaparte com o rei Maximiliano I José da Baviera, Maximilien de Wittelsbach (1756-1825), izeram que estes celebrassem, em 1806, o casamento de Eugéne de Beauharnais e Augusta Amália Luísa Geórgia da Baviera (1788-1851). Augusta Amélie, conhecida também como Augusta da Baviera, era a ilha mais velha do rei Maximiliano I José da Baviera9 e de Augusta Guilhermina Maria de Hessen-Darmstadt (1765-1796) 10. 6 A autora Maria Junqueira Schmidt airma erroneamente que foi em Munique. Ver: SCHMIDT, Maria Junqueira. A Segunda Imperatriz do Brasil (Amélia de Leuchtenberg). São Paulo: Companhia Melhoramentos, [s.d.], p. 31. 7 A família dos Beauharnais era conhecida desde a Idade Média. Um dos integrantes mais célebres foi Guilherme de Beauharnais, senhor de Miramion, mercador e burguês de Orleans, que casou com Margarida de Bourges, em 1390. No século XVI, a família passou a constar entre os nobres da França. 8 A família Tasche de La Pagerie, conhecida desde o século XV, era uma família nobre originária de Châteauneuf-en-Thimerais au Perche. Joseina nasceu em Les Trois-Îlets, comuna francesa do território da Martinica. Sua família era proprietária de fazendas de cana de açúcar que sofriam com as tempestades e furacões que atormentavam a região. Com a idade de 15 anos seguiu para a França para casar com o Visconde de Beauharnais. A cerimônia aconteceu em 13 de dezembro de 1779. 9 Era ilho de Frederico Miguel, Conde Palatino de Zweibrückens, e de Maria Francisca Sulzbachs. Maximiliano I José da Baviera foi casado em primeiras núpcias com Augusta de Hesse-Darmstadt (1765-1796) tendo 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 219 O casamento de Augusta Amélie com Eugéne de Beauharnais, príncipe do império francês e vice-rei da Itália, foi em 16 de janeiro de 1806. O casal, no decorrer da união matrimonial, teve sete ilhos: Josephine Maximilienne Eugénie Napoléone de Beauharnais (1807-1876); Eugénie Hortense Auguste Napoléone de Beauharnais (1808-1847); Auguste Charles Eugéne Napoléon de Beauharnais (1810-1835); Amélie de Beauharnais (1812-1873), futura esposa de D. Pedro I; Théodelinde Louise Eugénie Auguste Napoléone de Beauharnais (1814-1857); Carolina de Beauharnais (1816-1816); Maximilian Joseph Eugén Auguste Napoleón (1817-1852). Todos foram educados na religião católica; prole que nasceu no meio das turbulências políticas e guerras que assolaram a Europa nas primeiras décadas do século XIX 11. Após a queda de Napoleão Bonaparte, as ideias revolucionárias estavam em ebulição e os monarcas europeus, cada um à sua maneira, tentaram debelar os focos de insurgência, sem resolverem as questões sociais e a disseminação do ideário nacionalista. A nova conjuntura política que se delineava fez com que Eugéne de Beauharnais fosse obrigada a seguir para Munique, passando a icar sob proteção do sogro, Maximiliano I José. Entre 1817 e 1821 foi erguido, em Munique, o Palácio Leuchtenberg, numa das zonas mais nobres da cidade, onde a família estabeleceu a sua residência oicial. Augusta Amélie se dedicou, com empenho, na negociação dos casamentos dos ilhos, tendo como objetivo garantir um futuro tranquilo para os seus descendentes. A ilha Amélia também foi alvo de suas preocupações, uma vez que um dos pretendentes era D. Pedro I, imperador das longínquas terras brasileiras, também conhecido por ser “homem de sangue quente, impulsivo, curioso, vivo” e que “tudo queria experimentar e saber” 12. A priori, a duquesa cinco ilhos: Luís I da Baviera (1786-1868); Augusta Amélia (1788-1851) mãe de Amélia de Leuchtenberg; Amélia (1790-1794); Carolina Augusta (1792-1873) e Carlos Teodoro (1795-1875). Maximiliano I José da Baviera casou, em 1797, com Carolina de Baden (1776-1841). Com ela teve: um ilho natimorto (1799); Maximiliano (1800-1803); Isabel Luísa (1801-1873); Amélia Augusta (1801-1877); Maria Ana (1805-1877); Soia Frederica (1805-1872); Luísa Guilhermina (1808-1892) e Maximiliana Josefa (1810-1821). 10 O casamento de Maximiliano I e Augusta Guilhermina Maria de Hesse-Darmstadt aconteceu em 30 de setembro de 1785. Maximiliano I José foi Duque de Zweibrïcken de 1795 a 1799. 11 GIORGIO, Michela. “O modelo católico”. História das Mulheres – o século XIX. Lisboa, vol. 4, p. 202-235. 12 D. Pedro I casara-se, em primeira núpcias, com Caroline Josepha Leopoldine Francisca Fernanda von Habsburg-Lothringen, conhecida com Leopoldina, ou Maria Leopoldina, que foi arquiduquesa da Áustria. Ela era ilha de Francisco II (1768-1835), último imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e de sua 220 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção 1 – Amélia de Leuchtenberg (Jaime Young Gante, c. 1829) Fonte: “Grand Ladies”, Imperatriz do Brasil Dona Amélia de Leuchtenberg by Jaime Young Gante (private collection), http://www.gogmsite. net/_Media/imperatriz-do-brasil-dona.jpeg 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 221 Augusta Amélie não foi favorável à ideia de casar a ilha Amélia: as dúvidas eram muitas, tendo em conta os atributos negativos que circulavam sobre o comportamento de D. Pedro. A jovem Amélia, ao tomar conhecimento da proposta de casamento, também foi reticente, mostrando a sua intenção em permanecer ao lado da mãe 13. Nesse momento a adolescência feminina era povoada de sonhos difíceis de serem controlados. As jovens sonhavam com o amor, mas deviam manter a pureza feminina, o que conduzia a comportamentos hesitantes. Contudo, após ter reletido sobre o assunto, Amélia escreveu à mãe, dizendo: “Aceito, querida mamãe; mas separando-me da Sra. e entregando o meu futuro a um homem que não é conhecido, e do qual me disseram uma quantidade de coisas que não são recomendáveis, creio fazer um grande sacrifício, e peço me seja permitido impor uma condição. Repito, contudo, que, não acreditando em tudo que me disseram, aceito, mais com a condição única de que o meu casamento seja em proveito da minha família, isto é, que o imperador, por si mesmo ou por sua medição restitua a meu irmão o título que pertencia a meu pai”.14 No Rio de Janeiro, D. Pedro I, ciente das diiculdades, não ocultou a sua impaciência no que dizia respeito à realização de um novo contrato de casamento. Este agiu para facilitar as negociações em curso. Para tanto, deiniu pelo afastamento da corte do Rio de Janeiro da sua amante, a marquesa de Santos, Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867), bem como da ilha de ambos, a duquesa de Goiás, Isabel Maria de Alcântara Brasileira (1824-1898). Após longas tratativas entre o marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta (1772-1842), representante de D. Pedro I, e os agentes de D. Augusta Amélie, o contrato de casamento foi celebrado. segunda esposa Maria Teresa Carolina Joseina da Sicília (1772-1807). O contrato do consórcio matrimonial entre D. Pedro e D. Leopoldina foi assinado em Viena, no Palácio de Schönbrunn, em 29 de novembro de 1816. SANTOS, Eugénio. D. Pedro IV. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 93. 13 BRAGANÇA, Carlos Tasso de Saxe-Coburgo. A princesa lor Dona Maria Amélia. Funchal: DRAC, 2009, p. 14. 14 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 27. 222 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo Assunção Em 2 de agosto de 1829, a jovem Amélia foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, adquirindo o título de 16a duquesa de Bragança e imperatriz do Brasil. Nesse mesmo dia foi realizado o casamento por procuração, numa cerimônia reservada na sua residência em Munique 15. Os registros da cerimônia informam da beleza da noiva, que usava um vestido de renda do costureiro francês Delille, cujo atelier era na rue de Rivoli, que foi conduzida pelo seu tio, príncipe Karl Theodor Maximilian August von Bayern (1795-1875), conforme determinou D. Pedro16. O ofício foi presidido pelo monsenhor Charles Mercy D’Argenteau (1787-1879), arcebispo de Tyr e Núncio Apostólico junto à corte da Baviera17. Estavam presentes o marquês de Barbacena, o marquês de Resende e o diplomata brasileiro, Isidoro da Costa Oliveira18. As despedidas dos familiares e das pessoas mais próximas de Amélia de Leuchtenberg foram marcadas por fortes emoções. A separação era difícil. Vinte dias depois de partir de Munique, a comitiva chegou a Ostende. Novas despedidas e o embarque para Portsmouth aconteceu em 25 de agosto. Nessa cidade D. Amélia encontrou com a enteada Maria da Glória, futura rainha de Portugal. No porto as aguardavam três fragatas brasileiras: “Imperatriz”, “Isabel” e “Maria Isabel”. No decorrer da viagem, Amélia se dedicou a aprender a língua portuguesa, preenchendo o tempo livre realizando pinturas. Tinha paixão por lores, as quais inspiraram alguns trabalhos, como o realizado em 6 de outubro de 1829 e que foi oferecido à mãe, duquesa de Leuchtenberg19. Outra distração era a música a bordo. Uma banda militar, 15 MARTINS, Maria Manuela Pereira Pera Lourenço. D. Augusto de Leuchtenberg e Santa Cruz. Lisboa: Colibri, 2001, p. 24. CELLIEZ, Adelaïde. Les impératrices. France, Russie, Autriche, Brésil. Paris: E. Ducrocq, 1860, p. 602. 16 BRAGANÇA, Carlos Tasso de Saxe-Coburgo. A princesa lor Dona Maria Amélia. Funchal: DRAC, 2009, p. 14-15. 17 SOUSA, José de Campos. “Viagem de Sua Majestade a Imperatriz viúva Duquesa de Bragança à Suécia, no ano de 1839”. In: Revista Ocidente. Lisboa, [s.n.], 1958, p. 286. 18 ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973, p. 18-19. 19 BRAGANÇA, Carlos Tasso de Saxe-Coburgo. A princesa lor Dona Maria Amélia. Funchal: DRAC, 2009, p. 133. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 223 composta de 15 instrumentistas, distraía os viajantes que seguiam para as terras tropicais20. As longas horas olhando o mar despertavam os sentimentos mais profundos. Sentia saudades daqueles que deixava na Europa e era invadida por um frenesi: o que lhe aguardava nas terras tropicais? No Rio de Janeiro, D. Pedro rompera com Domitila de Castro Canto e Mello e passou a aguardar a nova esposa. O retrato, que fora lhe enviado pelo marquês de Barbacena, encantara o imperador. Os periódicos davam conta da chegada em breve da imperatriz. O desejo de agradar à nova soberana foi tanto, que os tecidos e itas cor-de-rosa, que estavam disponíveis nas lojas do Rio de Janeiro, foram logo vendidos. O motivo era que D. Amélia tinha uma predileção por esta cor e todos procuravam, de alguma forma, ostentar algo em tom rosa para render-lhe homenagem21. A cerimônia de casamento icaria imortalizada no quadro pintado por Jean-Baptiste Debret (1768-1848). D. Pedro, como demonstração da sua afeição pela esposa ofereceu a ela uma tiara de diamantes com uma pureza ímpar, que causou admiração de todos, inclusive da própria D. Amélia. 2 – O casamento de D. Pedro I e D. Amélia, gravura com base em pintura de Jean-Baptiste Debret, de 1829. Fonte: LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil: obra completa, 1816-1831. Rio de Janeiro: Capivara, 2008.22 20 SILVA, Luiz Alves da. “O Conde Frierich von Spreti – Fontes inéditas de uma testemunha ocular das atividades musicais na corte imperial do Rio de Janeiro e na Fazenda de Santa Cruz em 1829”. In: Actas do II Encontro Ibero-Americano de Jovens Musicólogos. Porto: [s.n.], 2014, p. 402. 21 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 47. D. Pedro solicitou que Luís Aleixo Boulanger reproduzisse o retrato de D. Amélia. Idem, p. 48. 22 DEBRET, Jean Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1839, vol. III, p. 228-229. 224 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção Em seguida, o casal e os convidados seguiram para o Paço Imperial, que tinha sido reformado para receber a imperatriz. Os jornais da época como A Aurora Fluminense e a Voz Fluminense noticiaram a chegada da imperatriz e o enlace matrimonial, sem grande euforia23. A Voz Fluminense publicou: “O Feliz desembarque da Serenissima Senhora D. Amelia Segunda Imperatriz do Brazil em o dia 17 do corrente operou-se com a maior pompa, e magniicência possível, á pezar da grande chuva, e de incompletamento dos Arcos triunfaes, e maes preparativos destinados á tão Augusto Recebimento. Foi (como era de esperar-se) geral, e extremo regozijo: mas pensamos que não foi inferior o sentimento dos encarregados dos ditos preparativos! Tenhão paciência” 24. Como certeza, os primeiros dias após o casamento foram intensos para D. Amélia, que teve que cumprir todos os compromissos de praxe. No dia 24, foi lançada ao mar a corveta “Amélia”, contando com a participação de autoridades políticas. Naquela noite foi oferecido espetáculo de gala no teatro imperial, Teatro de São Pedro de Alcântara, que foi todo ornamentado de verde e amarelo. O casal imperial compareceu para receber os cumprimentos e ouvir música. Foi apresentada a ópera Agnese de Ferdinando Paër (1771-1839), realizada por uma companhia italiana. Coube a uma companhia francesa encantar os presentes com um belíssimo balé25. Ocorreu também a declamação de sonetos e poesia por Carlos Augusto Taunay (1791-1867) e pelo negociante Plasson26. D. Pedro esforçava-se para agradar a esposa; como demonstração do seu afeto e alegria ofereceu-lhe um colar de duas voltas com 240 diamantes27. D. Amélia passou a adotar o cerimonial praticado nas cortes europeias e solicitou a aquisição de novos serviços de mesa e pratarias, os quais julgava serem mais condizentes com a dignidade imperial. Segundo consta, teria mandado lavrar, pelo ourives Odiot, uma baixela de prata, com aproximadamente 23 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 70. 24 Voz Fluminense, 19 de outubro de 1829, no. 1, p. 4. 25 SILVA, Luiz Alves da. “O Conde Frierich von Spreti – Fontes inéditas de uma testemunha ocular das atividades musicais na corte imperial do Rio de Janeiro e na Fazenda de Santa Cruz em 1829”. In: Actas do II Encontro Ibero-Americano de Jovens Musicólogos. Porto: [s.n.], 2014, p. 403. 26 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 75. 27 MARTINS, Maria Manuela Pereira Pera Lourenço. D. Augusto de Leuchtenberg e Santa Cruz. Lisboa: Colibri, 2001, p. 38. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 225 50 peças, gravadas com as armas imperiais do Brasil28. Também determinou que algumas peças de mobiliário viessem de sua antiga residência em Munique. Além disso, deiniu que a língua francesa seria a base de comunicação da corte29. Desta forma, a imperatriz procurava dar feições acolhedoras ao Palácio de São Cristóvão, além de imprimir um toque feminino à moradia e amenizar as lembranças da sua vida de solteira. O que é possível constatar é que D. Amélia sofreu um choque cultural depois de atravessar o Oceano Atlântico para viver em terras brasileiras. Como bem sugeriu Ivanir Calado, o Brasil era um “império do im do mundo”. Os assuntos de Estado não passaram desapercebidos a D. Amélia, que teria inluenciado o marido na formação de um novo ministério, em dezembro de 1829. Na ocasião, foram nomeados o marquês de Barbacena, como ministro da Fazenda; o marquês de Caravelas, José Joaquim Carneiro de Campos (1768-1836), como ministro do Império; o visconde de Alcântara, João Inácio da Cunha, (1781-1834), como ministro da Justiça e o marquês de Paranaguá, Francisco Vilela Barbosa (1769-1846), como ministro da Marinha30. O jogo político faria com que antigos aliados de D. Pedro fossem afastados da corte, dentre eles, Francisco Gomes da Silva (1791-1852), conhecido como o Chalaça. Este foi nomeado, em 25 de abril de 1830, como embaixador plenipotenciário do império brasileiro no Reino das Duas Sicílias, devido às articulações do marquês de Barbacena e de D. Amélia: desde a chegada que ela identiicara este amigo como inluência negativa no imperador31. A imprensa da época acirrou os ânimos da população num cenário conturbado. Criticava-se o afastamento do Chalaça e o início do poder do marquês de Barbacena. Ataques vinham de todos os lados. Rapidamente a atuação do marquês de Barbacena passou por um processo de deterioração. Chalaça fez circular informações de que o marquês teria abusado dos fundos que estavam disponíveis no decorrer do processo de negociação do casamento de D. Pedro. O desenrolar da questão fez com que o marquês de Barbacena fosse 28 MARQUES, Eduardo Alves. Se as jóias falassem. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009, p. 109. 29 ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973, p. 37. 30 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 99. 31 Posteriormente, quando da presença de D. Pedro em Portugal, Francisco Gomes da Silva seria chamado para ser secretário de estado da casa de Bragança. 226 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção acusado de realizar despesas elevadas e, no dia 30 de setembro, foi exonerado do cargo de ministro que ocupava32. Contribuíram para isto as denúncias de Francisco Gomes da Silva, que enviou ao imperador documentos que provavam os gastos excessivos feitos pelo marquês durante sua estada na Europa33. Em 5 de outubro, o marquês de Barbacena foi afastado da corte, debaixo de protestos, o que, aos olhos do partido liberal, era mais uma ação autoritária do imperador. Para demonstrar o seu poder, D. Pedro demitiu todo o seu ministério, nomeando outro com feições mais conservadoras. D. Amélia icou extremamente abalada com o acontecimento, pois o seu apreço pelo marquês de Barbacena era elevado. Contudo, nada pôde fazer diante da situação. O agravamento da crise e a turbulência política poriam im à curta estada de D. Amélia em terra brasileiras. A jovem imperatriz teve um convívio aparente harmonioso com D. Pedro I, sendo considerada uma “companhia estimulante e moderadora” 34. O comportamento do imperador foi afável, não poupando esforços para satisfazer os desejos da esposa, sempre agraciando-a com presentes. Tal situação não impediu que D. Pedro I tivesse seus relacionamentos extraconjugais, provavelmente sem que a esposa tivesse conhecimento. O assassinato do jornalista Giovanni Battista Libero Badaró (1798-1830), em 21 de novembro, na cidade de São Paulo, intensiicou os gritos de rebeldia. O jornalista, ao tomar conhecimento da revolução ocorrida em setembro, na cidade de Paris, a qual depusera o monarca Carlos X (1757-1836), escreveu um artigo para o periódico O Observador Constitucional. No texto conclamava os brasileiros a seguirem tal exemplo. Na noite do dia 20, Libero Badaró sofreu um atentado quando regressava para sua residência na rua de São José, em São Paulo, falecendo no dia seguinte. O crime foi atribuído a Cândido Ladislau Japiasssu (1799-1861), partidário de D. Pedro, o que acelerou os embates entre conservadores e liberais, que se proliferaram por diferentes partes do território brasileiro. O que icava evidente era a reprovação à política imperial e a crescente impopularidade do monarca. 32 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 109; e SANTOS, Eugénio. D. Pedro IV. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 279. 33 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 110. 34 SANTOS, Eugénio. D. Pedro IV. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 277. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 227 A im de acalmar os ânimos, D. Pedro seguiu para Minas Gerais, acompanhado de D. Amélia, que demonstrou grande interesse em conhecer o interior das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais e se afastar do clima tenso que marcava a capital do Brasil35. O embarque ocorreu em 29 de dezembro de 1830. O casal partiu do cais de São Cristóvão e dali foram em direção ao porto da Estrela, seguindo depois por terra, tendo como destino inal a cidade de Ouro Preto, capital da província de Minas Gerais36. O percurso era acidentado e os caminhos estavam em mau estado. A comitiva passou pela fazenda da Fábrica da Pólvora e em seguida pela Fazenda do Corrêa até chegar a Paraíbuna, em 5 de janeiro de 1831. A cada parada eram apresentadas reclamações e demonstrações de insatisfação com o seu governo, Os periódicos especulavam sobre a visita do imperador a Minas Gerais, airmando que este visitava o local para “comprar amigos com títulos e comendas”37. Nas vilas e fazendas visitadas pela comitiva imperial, o alvoroço era grande. Normalmente a recepção era fervorosa, com repiques de sino e fogos de artifício. Por vezes, bandas de músicas tocavam o hino nacional e a população dava demonstração da sua alegria pelas ruas38. No dia 26 de janeiro de 1831, a comitiva chegou ao Colégio de Matosinho de Congonhas do Campo, onde ocorreu uma saudação espontânea. Em Sabará, os imperadores viram a fundição de barras de ouro e D. Amélia constatou, com espanto, que as senhoras usavam joias belíssimas. Em algumas localidades a população compareceu para celebrar a chegada do casal. No meio do alvoroço havia uma clara hostilização ao imperador39. Durante a viagem, D. Pedro escreve a D. Maria Glória relatando os discursos que proferira, sem mencionar a pouca receptividade que tiveram. Contudo, registra que D. Amélia tinha saudades de todos, acrescentando e “essa saudade cor de rosa”40. 35 SCHMIDT, Maria Junqueira. A Segunda Imperatriz do Brasil (Amelia de Leuchtenberg). São Paulo: Companhia Melhoramentos, [s.d.], p. 52. 36 Diário Fluminense, 30 de dezembro de 1830, vol. 16, no. 153, p. 1. 37 MELLO, Barão Homem de. “Viagem do imperador D. Pedro I a Minas Geraes em 1830 e 1831”. In: RIHGB. Rio de Janeiro: IHGB, 1897, tomo LX, p. 309; e SANTOS, Eugénio. D. Pedro IV. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 282. 38 MELLO, Barão Homem de. “Viagem do imperador D. Pedro I a Minas Geraes em 1830 e 1831”. In: RIHGB. Rio de Janeiro: IHGB, 1897, tomo LX, p. 322. 39 MELLO, Barão Homem de. “Viagem do imperador D. Pedro I a Minas Geraes em 1830 e 1831”. In: RIHGB. Rio de Janeiro: IHGB, 1897, tomo LX, p. 331; TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 115. 228 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção O regresso para o Rio de Janeiro foi marcado por relexões profundas, uma vez que o quadro apresentado era triste: o imperador perdera a sua popularidade. D. Pedro começava a pensar mais claramente sobre a abdicação do trono brasileiro, como uma maneira de conseguir a reconciliação com a população41. A situação política tensa nas terras americanas e o desejo de retomada do trono lusitano para a ilha D. Maria da Glória, fez com que D. Pedro alimentasse a ideia de abdicar e seguir para Portugal, defendendo os interesses da ilha. As manifestações de desaprovação ao governo autoritário de D. Pedro cresceram, fazendo com que ele demitisse o ministério, nomeando para os cargos homens que não possuíam grande aceitação da ala liberal. Todavia, manteve no cargo os ministros José Joaquim Carneiro de Campos (17681836) e Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque (1797-1863), simpáticos aos liberais. O novo ministério, para amenizar a insatisfação, mandou libertar alguns oiciais que tinham sido detidos depois do episódio da “Noite das Garrafadas”42. A antipatia em relação ao imperador crescia, em parte alimentada pelo marquês de Barbacena, o qual estava ressentido devido à sua saída do governo e airmava publicamente que, caso houvesse uma forte pressão, o imperador acabaria por abdicar. Na madrugada de 7 de abril, o imperador redigiu a abdicação do trono em favor do seu ilho D. Pedro II, entregando o documento a Miguel de Frias e Vasconcelos (1805-1859). Terminava o curto reinado do imperador43. Em seguida, ele retirou-se do recinto, sendo acompanhado de D. Amélia, ambos se dirigindo para os aposentos reais44. Nessa ocasião teriam se despedido dos ilhos do imperador. D. Amélia chorava compulsivamente, não escondendo a sua indignação pela falta de gratidão do povo brasileiro em relação a D. Pedro45. 40 IANTT – Casa Real – Caixa 7321 – Carta de Ouro Preto, 22 de fevereiro de 1831. 41 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 117. 42 SANTOS, Eugénio. D. Pedro IV. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 283. TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 124. 43 CELLIEZ, Adelaïde. Les impératrices. France, Russie, Autriche, Brésil. Paris: E. Ducrocq, 1860, p. 604. 44 ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973, p. 39. 45 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 127. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 229 D. Amélia escreveu uma carta que deveria ser entregue a D. Pedro II, incumbindo D. Mariana Augusta Pinto Ribeiro, que a lesse posteriormente ao herdeiro do trono46. Na carta, bem conhecida, ternura e tristeza se compõem num registro ímpar: “Meu ilho do coração e meu imperador: Adeus, menino querido delícias da minha alma alegria dos meus olhos ilho que o meu coração tinha adoptado! Adeus para sempre! Quanto és belo nesse teu repouso! Meus olhos chorosos não se puderam fartar de te contemplar. A majestade de uma coroa, a debilidade da infância, a inocência dos anjos, cingem tua fronte de um resplendor misterioso, que fascina [...] é o espetáculo mais tocante que a terra pode oferecer. Quanta grandeza e quanta fraqueza a humanidade encerra, representadas por ti, criança idolatrada: uma coroa, um trono e um berço! A púrpura ainda não serve senão para estofo, e tu, que comandas exércitos e reges um império, ainda careces de todos os desvelos e carinhos de mãe. Ah! querido menino, se eu fosse tua verdadeira mãe, se meu ventre te tivesse concebido, nenhuma força te arrancaria de meus braços. Prostrada aos pés daqueles que abandonaram meu esposo, eu lhes diria entre lágrimas: Não sou mais Imperatriz, e sim a mãe amantíssima [...]. Permiti que vigie o “nosso tesoiro”, esta criança, que é meu ilho e vosso Imperador. Vós o quereis seguro e bem tratado, e quem o haveria de guardar e cuidar com maior devoção senão eu, sua mãe? Se não posso icar a título de mãe, icarei como sua criada ou escrava, para o servir e acalentar. Mas tu, anjo de inocência e de formosura, não me pertences senão pelo amor que dediquei a teu augusto pai. Apenas sou tua madrasta, embora te queira como se fosses o sangue do meu sangue. Um dever sagrado me obriga a acompanhar o ex-Imperador no exílio, através dos mares, em terras estranhas [...]. Adeus, pois, para sempre! Mães brasileiras, vós que sois meigas e carinhosas para com vossos ilhinhos, supri minhas vezes; adoptai o órfão coroado, dai-lhe, todas vós, um lugar na vossa família e no vosso coração. Se a maldade e a traição lhe prepararem ciladas, vós mesmas armai em sua defesa vossos esposos, com a espada, o mosquete e a baioneta. Ensinai-lhe, com voz terna, as palavras do patriotismo, que exaltam as almas generosas, e de vez em quando sussurrai ao 46 SCHMIDT, Maria Junqueira. A Segunda Imperatriz do Brasil (Amelia de Leuchtenberg). São Paulo: Companhia Melhoramentos, [s.d.], p. 70. Carta nas páginas 71 a 73. 230 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção seu ouvido o nome de sua mãe de adopção. Mães brasileiras, eu vos conio este preciosíssimo penhor da felicidade de vosso país, de vosso povo: ei-lo tão belo e puro como o primogênito do Paraíso. Eu vo-lo entrego: agora sinto minhas lágrimas correrem com menor amargura. Dorme, criança querida, enquanto nós, teu pai e tua mãe de adopção, partimos para o exílio, sem esperança de nunca mais te vermos [...] senão em sonhos. Brasileiros! Eu vos conjuro que o não acordeis antes que me retire. A sua boquinha, molhada pelo meu pranto, ri-se à semelhança de um botão de rosa com o orvalho matutino. Ele se ri e o pai e a mãe o abandonam para sempre [...]. Adeus, órfão-Imperador, vítima da tua grandeza, antes que o saibas conhecer. Adeus [...] toma um beijo [...] ainda outro [...] mais um último. Adeus, adeus para sempre! Amélia”47. No dia 12 de abril, D. Pedro e D. Amélia embarcaram na fragata inglesa “Volage” [comandada por Charles lord Colchester (1798-?)]. No dia seguinte, os navios zarparam. A estada da jovem imperatriz em terras brasileiras chegara ao im, como também o seu reinado. A decepção era grande e D. Pedro não escondia a mágoa que sentia, além de estar muito abalado. Agora Amélia era uma ex-imperatriz e deixava seu império, demonstrando sua tristeza pela ingratidão dos súditos. Podemos indagar qual seria a cor da saudade que sentiria do Brasil? Em meados de junho de 1831, D. Amélia escreveu à enteada, informando da sua chegada após 58 dias de viagem, e de ter enfrentado três dias de tempestade, o que fez com que icasse indisposta o tempo todo. O mal estar era maior, porque D. Amélia encontrava-se no quinto mês de gestação. Em 1o de dezembro, desse mesmo ano, nascia Maria Amélia Augusta Eugénia Joseina Luísa Teodolinda Heloísa Francisca Xavier de Paula Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Beauharnais, que passaria a ser conhecida como Maria Amélia de Bragança, a qual seria reconhecida como princesa brasileira pelo ministro do Brasil em Portugal, António Menezes Vasconcellos de Drummond (1794-1874)48. 47 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 132. 48 SCHMIDT, Maria Junqueira. A Segunda Imperatriz do Brasil (Amelia de Leuchtenberg). São Paulo: Companhia Melhoramentos, [s.d.], p. 87. SANTOS, Eugénio. D. Pedro IV. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 292. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 231 Entre 1832 e 1833, D. Amélia e a ilha viveram em Paris, enquanto D. Pedro I lutava para reaver o trono de Portugal para sua ilha, D. Maria II. Em setembro de 1833, depois da vitória do liberalismo, D. Amélia, a ilha e a enteada deixaram Paris, tendo como destino Lisboa. No dia 22 de setembro, a fragata que seguia com D. Amélia entrou na foz do rio Tejo49. No porto, uma grande comitiva a aguardava. D. Pedro, fortemente emocionado, não escondeu a saudade que sentia da esposa e das ilhas50. A pequena Maria Amélia estava prestes a completar dois anos de idade. Maria da Glória completara 14 anos e ganhava feições de mulher. A região ribeirinha estava decorada com bandeiras azuis e brancas e as baterias de canhões da torre de São Julião e da torre do Bugio izeram as saudações de praxe51. A ascensão da jovem rainha portuguesa, D. Maria II, foi acompanhada de uma tragédia familiar. D. Pedro IV, que lutara para defender os interesses da ilha, visitando as províncias do Norte, no regresso a Lisboa em 1834, dava mostras de fraqueza e de estar doente. Na noite de 27 de maio, D. Pedro compareceu ao Teatro São Carlos, a im de dar demonstrações públicas do regozijo da vitória liberal, acompanhado de D. Amélia e de D. Maria II. No caminho, o coche em que seguiam foi atacado por pedras e lama. Os ataques foram atribuídos ao grupo liberal de esquerda que icaria conhecido como Setembrista; este não aceitava o teor do acordo de Évoramonte, entendendo que D. Pedro não tinha agido com a energia necessária. Ao adentrar no recinto do teatro, D. Pedro foi hostilizado com vaias pelos liberais. O ambiente icou extremamente tenso. O bulício foi grande e no meio da confusão D. Pedro desfaleceu, tendo um acesso de tosse, seguido de sangramento pela boca, sinal da debilidade física que o acompanhava e da tensão que sentia. D. Amélia não escondia suas preocupações com a saúde de D. Pedro, que cada dia piorava, com pequenos rompantes de melhora. Apesar da condição física débil, D. Pedro deiniu que visitaria a cidade do Porto, junto 49 ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973, p. 53. 50 SANTOS, Eugénio. D. Pedro IV. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 301. 51 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 171. 232 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção com D. Maria II e D. Amélia para agradecer o apoio dado pela população da cidade, no decorrer da luta contra D. Miguel. Ao regressarem a Lisboa, a doença de D. Pedro se agravou: o quadro se apresentava irreversível. A tarde de 24 de setembro de 1834 ficaria marcada nas lembranças de D. Amélia. A movimentação era intensa no Palácio de Queluz52. O ex-imperador agonizava e a consternação era geral. D. Amélia solicitou que rapidamente a princesa Maria Amélia, que dormia, fosse levada ao quarto do pai, sem que a criança entendesse o que acontecia ao seu redor. O imperador moribundo fez seu último gesto de carinho para com a ilha53. A comoção era geral. D. Pedro faleceu naquela noite, na sala D. Quixote, contando 36 anos de idade 54. D. Amélia icou abalada com a perda do marido, tendo uma ilha para criar. Os amigos e nobres da corte as ampararam, num momento tão difícil. O choro preenchia as salas e corredores do Palácio de Queluz, enquanto tinha início os preparativos para o funeral 55. Atendendo ao desejo de D. Pedro I, D. Maria II casou-se com Augusto de Leuchtenberg (1810-1835), irmão de D. Amélia. Em Munique, no dia primeiro de dezembro de 1834 era celebrado o casamento por procuração. D. Augusto chegou em Lisboa no dia 25 de janeiro de 1835, a bordo do navio “Monarch of London”, para felicidade de D. Amélia que revia o irmão e passaria a ter um forte aliado na corte. O recontro era uma mistura de alegria e ao mesmo tempo tristeza, devido à perda do marido e às lembranças do passado56. A cerimônia de casamento ocorreu no dia seguinte à chegada57. 52 ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973, p. 55. 53 Nota biográica sobre Dona Maria-Amélia de Bragança, Princesa do Brasil. Lisboa: Tipograia Liga dos Combatentes, 1984, p. 10. 54 Ver: CASTILHO, José Feliciano. “A morte do Libertador”: In: A Águia, no. 64. Lisboa, 26 de 1834. Outros jornais noticiaram a morte de D. Pedro e os artigos que tratam do assunto nos dias seguintes é amplo, sempre destacando a grandeza e o heroísmo do homem que defendeu a Carta Constitucional. 55 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 185. 56 MARTINS, Maria Manuela Pereira Pera Lourenço. D. Augusto de Leuchtenberg e Santa Cruz. Lisboa: Colibri, 2001, p. 61. 57 IHGB – Arq 2.4.3 – Documento 10 – Cópia da Certidão do Reitor da Paróquia da Santa Igreja Basílica Patriarcal, do recebimento de sua Majestade a Senhora D. Maria II, com a S.A.R. Príncipe Augusto Duque de Leuchtenberg e de Santa Cruz. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 233 No dia 4 de fevereiro de 1835, D. Amélia cumpria uma das promessas feitas no leito de morte de D. Pedro. O coração do ex-imperador foi coniado ao coronel Baltasar de Almeida Pimentel (1771-1876), conde da Campanhã, para que este conduzisse a urna de Lisboa ao Porto. Em cortejo solene, muitos acompanharam o embarque nas margens do Tejo58. D. Amélia tinha a certeza que os portuenses evocariam sempre a igura de D. Pedro, de saudosa memória. O enlace matrimonial entre Augusto de Leuchtenberg e D. Maria II durou apenas dois meses. Após uma caçada, D. Augusto começou a passar mal e veio a falecer no dia 28 de março de 1835. A perda do irmão foi mais um golpe duro para D. Amélia. Em poucos meses perdera dois entes queridos. O destino que unia, também separava. Não havia remédio que izesse esquecer os dissabores da vida. Sem dúvida a palavra saudade era a que melhor expressava o sentimento de perda e a falta dos entes queridos. As atenções de D. Amélia voltaram-se para a ilha, que recebeu uma educação esmerada, e para as atividades de caridade. Realizou viagens à Baviera, mas regressou para Lisboa. Entendia que sua ilha deveria viver nas terras em que D. Pedro nascera. No dia 27 de agosto de 1851, Maria Amélia, em uma missiva a sua aia, revelava que, depois da morte do pai D. Pedro I, não havia regressado ao Palácio de Queluz. Contando 19 anos de idade e com uma sensibilidade aguçada, ela registra: “Envio-te estas folhas secas que colhi em Queluz para ti; estive lá alguns dias. Desde a morte do meu pai que não tinha lá voltado; não me lembrava de nada, absolutamente nada além do quarto onde o meu pai morreu!.... Aí lembrei-me de tudo; cada objecto estava gravado na minha memória embora tivesse apenas três anos. Foi com indizível emoção que entrei naquele quarto!.... O leito... ainda é o mesmo, no mesmo lugar, com as mesmas cortinas; são as mesmas colchas, as mesmas almofadas... tudo bem conservado! 58 TORRES, Lygia Lemos. Imperatriz Dona Amélia. São Paulo: [s.n], 1947, p. 196. 59 Nota biográica sobre Dona Maria-Amélia de Bragança. [s.l.]: LEIPSIC, 1857, p. 23 (grifo nosso). Ver também: ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973, p. 70. 234 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção O jardim é lindo; mostraram-me um laranjal plantado no ano da morte do meu pai e por sua ordem; e também plátano que meu pai plantou. É desta árvore que mando algumas folhas; sei que as vais receber como recordações queridas e dolorosas... Sinto uma profunda tristeza ao olhar para estas árvores que sobreviveram a meu pai e provavelmente vão sobreviver a todos nós. É para mim uma imagem da fragilidade humana. O homem é o mais frágil de todos os seres; morre enquanto os objectos que pareciam criados para o seu uso, duram séculos... mas estou a desviar-me com relexões melancólicas...” 59. A doença de Maria Amélia se agravou fazendo com que D. Amélia decidisse por passar algum tempo na Ilha da Madeira, considerando o local mais apropriado para a convalescença, pelo clima ser tão benigno, conforme o aconselhamento médico. Estava ciente do risco que corria em fazer tal viagem, mas era preciso arriscar. Em 26 de agosto de 1852, mãe e ilha seguiram a bordo da fragata à vela “D. Fernando”, em direção à cidade de Funchal60. Mãe e ilha se instalaram na Quinta das Angústias. O nome da propriedade expressava bem o sentimento de todos que acompanhavam a jovem, todavia havia o reconforto de uma bela paisagem que permitia vislumbrar a cidade do Funchal e o Oceano. O quadro da doença pulmonar se agravou fazendo com que Maria Amélia icasse coninada no seu quarto, sendo proibida de tocar piano, recreação que apreciava muito. D. Amélia não ocultava o seu temor e a tristeza em ver a ilha em tal situação61. O mês de dezembro de 1852 e janeiro de 1853 foram de um sofrimento cruel para a jovem princesa e para D. Amélia, que acompanhou a agonia da ilha. Os médicos não conseguiram fazer nada para reverter o quadro. Em 27 de janeiro, no meio de uma crise, novamente foram dados os sacramentos a Maria Amélia. A situação era crítica e o sacerdote permaneceu na casa. Quatro dias depois, a convalescente manifestou o desejo de confessar, mais uma vez; sentia que as forças se esvaiam. Em um dos momentos de melhora, no dia 3 de fevereiro, a jovem apanhou uma folha de papel para escrever ela própria uma carta para a sua 60 BRAGANÇA, Carlos Tasso de Saxe-Coburgo. A princesa lor Dona Maria Amélia. Funchal: DRAC, 2009, p. 57 61 ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973, p. 79-80. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 235 prima, Eugénia da Suécia62. Contudo, a debilidade fez com que a missiva fosse interrompida. Os médicos foram chamados e deram o veredicto que nada mais era possível de ser feito. Maria Amélia respirava com muita diiculdade e expectorava sangue. Restava aplicar a santa unção, a qual recebeu ainda em estado de lucidez. Agradeceu a todos com carinho. De maneira espontânea, retirou o anel que trazia no dedo e pediu que este fosse entregue à irmã, Francisca de Bragança63. D. Amélia não conseguiu esconder o seu desconsolo quando a ilha começou a se despedir de todos. Na madrugada do dia 4 de fevereiro, por volta das quatro horas, a jovem faleceu64. Uma mãe inconsolável icou prostrada na cama de leito de morte da ilha. A jovem princesa falecia, aos 21 anos de idade, e nada mais restava a fazer65. Em uma carta dirigida à princesa Maria Clementina de Saxe-Coburgo-Gota (1817-1907), mãe do duque de Saxe, escrita em 16 de março, D. Amélia agradecia a reconfortante mensagem que aquela princesa enviara, e airmava: “Ja’i perdu la compagne chérie de 21 années de ma vie, ma joie, ma consolation sur cette terre, le trésor de mon cœur et cette afection immense que nous avions réciproquement l’une pour l’autre, la cruelle mort m’en a privée. Voici, Madame, je suis seul sur cette triste terre et le seul soulagement a ma douleur, est d’espérer que Dieu dans sa miséricorde daignera bientôt me réunir à l’Ange que j’ai perdu, à l’enfant de mon cœur. Pauvre, cher enfant tourmentait tant de ma douleur, elle présentait tellement mon isolement qu’au milieu des cruelles soufrances de l’Agonie elle ne pensait que me consoler!” 66. Nos anos seguintes, D. Amélia viveu das lembranças dos entes queridos e realizando ações beneméritas. Levava uma vida de reclusão. No começo da década de 1870, D. Amélia demonstrava grande debilidade física e antevia que seus dias chegavam ao im. Febre e acessos de bronquite izeram com que ela pedisse os sacramentos. A visita da irmã, Josephine de Leuchtenberg, rainha da Suécia, e de D. Pedro II e D. Teresa, lhe dariam novo ânimo. 62 Nota biográica sobre Dona Maria-Amélia de Bragança, Princesa do Brasil. Lisboa: Tipograia Liga dos Combatentes, 1984, p. 35. 63 BRAGANÇA, Carlos Tasso de Saxe-Coburgo. A princesa lor Dona Maria Amélia. Funchal: DRAC, 2009, p. 58. 64 IHGB – Arq 2.4.3 – Documento 43 - Certidão de óbito de Dona Maria Amélia de Bragança e Leuchtenberg. Atestado por José Pereira da Costa, licenciado em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra e diretor 236 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção 3 – “Ultimos momentos de S. A. I. a Senhora D. Maria Amelia de Bragança” (gravura do acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa) D. Amélia, que desde 7 de abril de 1831 não via o enteado, icou emocionada em revê-lo67. Quarenta anos haviam se passado. O encontro seria inesquecível68. Talvez a velha senhora procurasse em D. Pedro II as feições do esposo. Por sua vez, o imperador e a imperatriz do Brasil viam na senhora enferma a esposa de D. Pedro I, que tinha deixado tantas saudades. Por uma hora e meia conversaram, revisitando um passado distante que os unia. do Arquivo Distrital de Funchal. Ver também: Nota biográica sobre Dona Maria-Amélia de Bragança. [s.l.]: LEIPSIC, 1857, p. 35-36. 65 SCHMIDT, Maria Junqueira. A Segunda Imperatriz do Brasil (Amelia de Leuchtenberg). São Paulo: Companhia Melhoramentos, [s.d.], p. 137. 66 BRAGANÇA, Carlos Tasso de Saxe-Coburgo. A princesa lor Dona Maria Amélia. Funchal: DRAC, 2009, p. 61-62. 67 SCHMIDT, Maria Junqueira. A Segunda Imperatriz do Brasil (Amelia de Leuchtenberg). São Paulo: Companhia Melhoramentos, [s.d.], p. 172. 68 REAL, José Alberto Corte. Viagem dos imperadores do Brasil em Portugal. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1872, p. 198. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 237 Em 9 de janeiro de 1873, D. Amélia manifestou o desejo de acrescentar alguns detalhes no seu testamento, que já estava pronto desde 6 de janeiro de 1863. Numa das raríssimas fotograias de D. Amélia, é possível vê-la vestida de maneira sóbria e elegante, sentada numa cadeira, tendo ao lado uma pequena mesa que servia de apoio para leitura. Sobre a mesa, um retrato da ilha. Como diria outrora, vivia com “essa saudade cor de rosa”. Na madrugada do sábado dia 26 de janeiro de 1873, morreu D. Amélia de Leuchtenberg69. No inal da vida, as dores físicas aumentaram e se somaram às dores da perda de entes queridos. A exuberância do vestuário e dos penteados que marcaram a juventude desapareceram com o tempo. Os dias passavam num ritmo lento. A memória do passado ocupava grande parte do tempo presente. Talvez Amélia tivesse pensado, nos momentos mais solitários, que viver era sofrer e chorar. A vida lhe tinha reservado presentes, mas também privações. Restava a resignação. As recordações eram dolorosas e mostravam a fragilidade de uma mulher e ao mesmo tempo de todos os seres humanos. 4 – “Sua Magestade a Imperatriz do Brazil Viúva /a Senhora Dona Amelia Duqueza de Bragança / e sua Augusta Filha Sua Alteza Imperial / a Sereníssima Princeza Dona Maria Amelia” (gravura do acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa) 69 SCHMIDT, Maria Junqueira. A Segunda Imperatriz do Brasil (Amelia de Leuchtenberg). São Paulo: Companhia Melhoramentos, [s.d.], p. 176. 238 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Paulo de Assunção 239 Referências Bibliográicas ALMEIDA, Sylvia Lacerda Martins. Uma ilha de D. Pedro I – Dona Maria Amélia. São Paulo: Companhia Nacional, 1973. BRAGANÇA, Carlos Tasso de Saxe-Coburgo. A princesa lor Dona Maria Amélia. Funchal: DRAC, 2009. CELLIEZ, Adelaïde. Les impératrices. France, Russie, Autriche, Brésil. Paris: E. Ducrocq, 1860. DEBRET, Jean Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1839, vol. III. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, vol. I. GIORGIO, Michela. “O modelo católico”. História das Mulheres – o século XIX. Lisboa: Afrontamento, 1994, vol. 4. LE GOFF, Jacques. “Comment écrire une biographie historique aujourd’hui?” In: Le Débat: Paris: Gallimard, n. 54, mar./abr., p. 1989/2, p. 48-53. LORIGA, Sabina. “A biograia como problema”. In: REVEL, Jacques (org). 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Instituto Histórico e Geográico Brasileiro (IHGB) – Arq 2.4.3 – Documento 10 – Cópia da Certidão do Reitor da Paróquia da Santa Igreja Basílica Patriarcal, do recebimento de sua Majestade a Senhora D. Maria II, com a S.A.R. Príncipe Augusto Duque de Leuchtenberg e de Santa Cruz. IHGB – Arq 2.4.3 – Documento 43 - Certidão de óbito de Dona Maria Amélia de Bragança e Leuchtenberg. Atestado por José Pereira da Costa, licenciado em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra e diretor do Arquivo Distrital de Funchal. Ver também: Nota biográica sobre Dona Maria-Amélia de Bragança. [s.l.]: LEIPSIC, 1857, p. 35-36. Nota biográica sobre Dona Maria-Amélia de Bragança, Princesa do Brasil. Lisboa: Tipograia Liga dos Combatentes, 1984, p. 10. Voz Fluminense, 19 de outubro de 1829, no. 1, p. 4. 5 - A saudade é cor-de-rosa 216 – 2 41 241 Resumo Para uma melhor compreensão de todo o fenómeno em torno do café entendemos elaborar uma sinopse dos factos históricos mais importantes sobre o cultivo do café através dos tempos e das suas diversas geograias, assim como fazer uma resenha diacrónica dos primeiros estabelecimentos que se dedicaram, um pouco por todo o mundo, quer à venda do grão ou pó de café, quer à bebida preparada a partir desta planta. No que a Portugal, e à Invicta em especial, concerne e num período de maior acalmia social e política e de maior vigor económico e inanceiro, como o foi a Regeneração, os cafés foram, por excelência, os grandes fora, onde, como em nenhum outro lado, de forma transversal e democrática quase todos gravitaram, quer para vivenciar novas formas de tempo e de lazer, para degustar do jogo e da bebida, assim como para, nesses locais plurais, trocarem relexões de ordem política, social, económica, literária, artística, comercial, entre tantoutras. Os cafés funcionavam como centro nevrálgico de troca ideológica, em conversas animadas de opinião pessoal. Aí se operava o parlatório duma nova forma de vivência das localidades e neles se recolhia todo o tipo de novidades, quer fossem políticas (até de ruptura com regimes vigentes), de oportunidade de negócio, simples tertúlia ou convívio. Frequentados por intelectuais, cientistas, proprietários, artistas, jornalistas, políticos, comerciantes, industriais, inanceiros, prelados, estudantes, iguras típicas… eram, equitativamente, um lugar de sociabilização pelo jogo (de gamão, cartas, dominó, quino, bilhar, monte, damas e xadrez) e de oportunidade para beber (as bebidas em voga na altura: café, móka, groselha, hortelã-pimenta, Doppel-Kümmel ou outro licor, conhaque ou scotch, bem como para experimentar e degustar algumas novidades do tempo, como o foram a cerveja - bock - e a neve ou sorvete), enquanto se cavaqueava. Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária1 Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão)2 Faculdade de Letras da Universidade de Porto Nos contributos que aportamos, além de informação sobre a sociabilidade, possivelmente considerada mais da petite histoire, na vertente dos usos, costumes e vivências hodiernas do Porto (muito importante para se sentir o pulsar da cidade, dos seus habitantes e destas instituições), procurou-se, igualmente, através da compaginação e sistematização, fornecer alguns dados (que noutras obras, que versam sobre a história da cidade, carecem, ou existem de forma esparsa e/ou fragmentada), tornando esta sua anexação, e - em alguns casos - divulgação, capaz de prover um quadro que permita colmatar, nos aspectos que tratámos, uma leitura, sobretudo, diacrónica e diacrítica. Palavras-chave: História do café; Cafés históricos do Porto; Sociabilidade no Porto de Oitocentos; Tertúlias; Personalidades 1 Sobre este assunto, proferimos já uma alocução no II Congresso “O Porto Romântico”, que teve lugar na Universidade Católica do Porto, entre os dias 11 e 12 de Abril de 2014, alocução essa que foi publicada nas respectivas actas desse congresso com o título: Tertúlias oitocentistas do Porto. Além de vertermos a nossa atenção sobre os botequins/cafés, tratámos de estudar, igualmente, algumas das mais signiicativas boticas/farmácias da Invicta que, por este século XIX, funcionavam como areópagos muito concorridos de tertúlia (pode esse artigo ser consultado online em: http://citar.artes.porto.ucp.pt/sites/default/iles/iles/artes/CITAR/Edicoes/Atas_II_Congresso_O_Porto_Romantico.pdf, pp. 454-468). Esta alocução, proferida no âmbito do 1.º Colóquio “Saudade Perpétua”, e aquele artigo, foram fundamentados num mais vasto estudo que deu origem ao terceiro capítulo da nossa Tese de doutoramento, com o título: O Porto da segunda metade do século XIX. No que a esta alocução e àquele artigo concerne a matéria foi extraída, sobretudo, de um subcapítulo inserto nesse capítulo e com a titulatura: Os cafés, as farmácias, os restaurantes, as agremiações sociais, desportivas e comerciais, pp. 223-261. 2 Licenciado e Mestre em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Doutor em Estudos do Património pela Universidade Católica Portuguesa - Porto (com uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia - FCT). 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 243 A história do café e a instituição Botequim / Café3 A palavra café deriva do termo árabe qahwah (um tipo de vinho), que, segundo os lexicógrafos do árabe, deriva do verbo qahiya (que signiica ‘falta de fome’, numa referência às qualidades da bebida como supressor do apetite). De acordo com a lenda, terão sido os antepassados dos actuais Oromo (um grupo étnico que habita a Etiópia e o Norte do Quénia), na região de Kafa, na Etiópia, os primeiros a reconhecerem os efeitos energizantes da planta do café, embora não tenham sido encontradas evidências directas do local em África onde o café crescia, ou quem terão sido as primeiras populações nativas a utilizá-lo como estimulante, ou sequer a reconhecer as suas propriedades especíicas anteriormente ao século XVII. A célebre história do pastor de cabras etíope, de nome Kaldi, que, pelo século IX, terá reparado pela primeira vez na planta do café – após observar o quão energéticas as suas cabras icavam logo após a ingestão dos grãos dessa planta –, não aparece, contudo, em registos escritos senão em 1671 e hoje é tida como supostamente apócrifa. Outros registos atribuem a descoberta do café ao Sheik Omar. Segundo a antiga crónica (preservada no manuscrito de Abd-Al-Kadir), este era muito conceituado pelas suas capacidades de curar enfermos através da oração. Porém, um dia foi exilado de Mokha, no Iémen, para uma cave no deserto perto de Ousab4. Faminto, terá ingerido algumas bagas de uma arbustiva para se revigorar. Todavia, pareceram-lhe muito amargas. Pensou então em torrá-las, como forma de suavizar o seu paladar, mas estas acabaram por icar demasiado rijas. Resolveu então cozê-las, para as amaciar, e este processo acabou gerando um muito aromático caldo castanho, que ele ingeriu e deu conta que o sustinha durante muitos dias. As novas deste ‘caldo miraculoso’ chegaram então a Mokha e Omar foi convidado a voltar, tendo sido feito santo. 3 Livremente baseado, com acrescentos, em: PORTILLO, Luis – El Convenio Internacional del Café y la crisis del mercado, in http://revistacomercioexterior.com/rce/magazines/245/8/RCE8.pdf (2014/12/29; 20.38h) e Cofee, in http://en.wikipedia.org/wiki/Cofee (2014/12/29; 23.58h). 4 Actualmente designada Wusab, a cerca de 90km para oriente de Zabid (que é uma das mais antigas cidades do país e que foi a capital do Iémen entre os séculos XIII e XV; hoje, e desde 1993, é património classiicado pela UNESCO, em 1993 na Lista de Património Mundial e em 2000 na Lista do Património Mundial em Perigo). 244 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Da Etiópia, a planta do café foi introduzida no mundo árabe através do Egipto e do Iémen. As primeiras evidências credíveis de ingestão de café, e conhecimento da sua planta, aparecem por volta de meados do século XV, nas crónicas de Ahmed al-Ghafar, no Iémen. Foi aqui, na Arábia, que pela primeira vez os grãos de café foram torrados e vertidos numa infusão, num método, em tudo, muito similar à preparação actual. O hábito da ingestão das folhas e frutos do café remonta ao século IX e, a sua ingestão, como preparado líquido, a meados do século XV, com os Sui do Iémen, que o ingeriam como forma de manter a atenção, sem sonolência, durante os seus rituais religiosos. Em Meca, os estabelecimentos de venda de café - bem como a ingestão da respectiva bebida - foram banidos aos muçulmanos, entre 1512 e 1524, pelos Imãs, pois eles consideravam estes lugares problemáticos, por serem locais de encontro para discussões de carácter político. Ibn Hajar al-Haytami, um famoso académico islâmico do século XVI, regista nos seus trabalhos e dá notícia de uma beberagem designada qahwa, que era desenvolvida a partir duma árvore autóctone da região de Zeila (na Somália). Pelo século XVI afora, terá chegado ao resto do Médio Oriente, Pérsia, Turquia e Norte de África. As primeiras sementes da planta do café terão sido traicadas para fora do Médio Oriente pelo sui Baba Budan do Iémen para a Índia em 1670 e terão sido plantadas em Mysore (hoje Mysuru). O café espalhou-se então para a Itália e o resto da Europa, para a Indonésia e para as Américas. As prósperas, e constantes, trocas comerciais de Veneza com o Norte de África, o Egipto e o Médio Oriente, izeram chegar este produto, entre muitos outros, aos portos dessa cidade, e daqui se irradiará para a restante Europa. Ademais, o café tornar-se-á uma bebida mais genericamente adoptada aquando da sua classiicação, pelo Papa Clemente VIII, em 1600, como bebida cristã, e isto apesar de instantes pedidos para banir essa ‘bebida islâmica’. A Companhia Holandesa das Índias Orientais foi a primeira a importar café em larga escala. Posteriormente, os holandeses plantá-lo-ão em Java e no Ceilão. As primeiras exportações de café indonésio de Java para os Países Baixos ocorre em 1711. Igualmente a Companhia Britânica das Índias Orientais muito concorreu para a sua disseminação pela Inglaterra. O café foi introduzido em 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 245 França em 1657, na Áustria e na Polónia após a Batalha de Viena em 1683, quando o café foi capturado dos mantimentos do derrotado exército turco. Quando o café chega à América do Norte, durante o período colonial, não obteve o sucesso que havia granjeado na Europa, uma vez que, aí, as bebidas alcoólicas mantinham-se mais populares. Obterá melhor sorte aquando da Guerra de Independência Norte-americana, uma vez que era muito procurado, ao ponto de os comerciantes terem diiculdades em abastecer os pedidos, devido aos seus escassos aprovisionamentos e, por isso, aumentarem os preços de forma assinalável. A maior procura de café deveu-se, também, à escassez de chá, que vinha importado pelos comerciantes britânicos, assim como por uma generalizada resolução, por parte de uma esmagadora maioria de norte-americanos, em não beber chá, na prossecução da Boston Tea Party de 1773. Num movimento assimétrico e contrário, o consumo e gosto pelo café incrementa-se na América após a Guerra de 1812 (devido aos cortes impostos pelos britânicos à importação de chá), enquanto declinava na Inglaterra, cedendo curso ao consumo generalizado de chá durante o século XVIII (numa acção que, em muito, se deve à inluência da rainha Catarina de Bragança, assim como à conquista da Índia pelos britânicos). 1 – Imagem sobranceira ao portal do Zum Arabischen Cofe Baum (1711), em Leipzig, onde se pode observar uma igura com trajes otomanos defronte duma planta do café e recebendo dum efebo uma chávena de café (numa clara referência às origens da planta e do hábito de ingestão do café, bem como numa simbólica do legado do Oriente ao Ocidente). Fonte – Leipzig city of music, in http://www.germany.travel/en/ ms/magic-cities/cities/leipzig/musicand-cofee-zum-arabischen-cofebaum.html (2016/10/01; 18.35h). 246 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) A introdução do café na Martinica Francesa, nas Caraíbas, deveu-se ao francês Gabriel de Clieu, que para aí aportou uma planta de café e da qual grande parte do cultivo de café arábico mundial descende. O café prosperou devido ao clima muito favorável e foi transportado a todas as américas. Foi identicamente plantado em Saint-Dominique (actual Haiti) desde 1734, que, pelo ano de 1788, abastecia metade do café mundial5. O café foi introduzido no Brasil em 1727, embora o seu cultivo apenas tenha ganho importe signiicativo sobretudo depois da independência de 1822. Grandes trechos de loresta tropical foram desbravados, nas cercanias do Rio de Janeiro e de São Paulo, e assacadas ao plantio de café, fazendo com que o Brasil tenha passado de uma residual exportação cafeeira em 1800, para - em 1830 - um importante exportador regional, e até atingir em 1852 o patamar do maior produtor mundial de café6. O cultivo de café foi empreendido, cerca do último quartel do século XIX, por grande parte dos países da América Central (com excepção da Costa Rica, cujas condições não eram favoráveis) e a esmagadora maioria recorreu a massivas deslocações e exploração de mão-de-obra indígena, o que, junto com condições de trabalho estrénuas, conduzirá a muitos levantamentos, golpes e sanguinárias supressões de camponeses. Quintas de menores dimensões e uma acentuada melhoria das condições de trabalho contribuiriam para um apaziguamento, durante o século XIX e século XX. O rápido crescimento da produção sul-americana de café, durante a segunda metade do século XIX, foi acompanhado por um equânime crescimento de consumo por parte dos países desenvolvidos, com especial relevância para os Estados Unidos da América, onde um incremento populacional acentuado foi acompanhado por um dobrar do consumo per capita de café, entre 1860 e 1920. Estes números são mais expressivos devido ao imenso território do país e à sua ingente população (pois, por esta altura, os países nórdicos, a Bélgica e os Países Baixos apresentavam iguais índices, ou até superiores, de consumo per capita), que faziam dos E.U.A. quase o maior consumidor de café entre 1860-1920; cerca de metade da produção mundial de café era ali consumida. 5 As condições de trabalho dos escravos nessas plantações despoletarão, de 1791 a 1804, a Revolução Haitiana e a produção cafezeira nunca recobrou inteiramente neste país. Fez um breve retorno em 1949, quando o Haiti era o 3.º maior exportador de café, mas depressa voltou a entrar em rápido declínio. 6 Entre 1910-1920 o Brasil exportava cerca de 70% do café mundial, os remanescentes 30% de cota pertenciam à Colômbia, Guatemala e Venezuela. A produção do velho mundo tinha uma cota de cerca de menos de 5% das exportações mundiais. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 247 O café tornou-se uma produção vital para muitos dos países em desenvolvimento, fazendo com que mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo dependam dele como fonte de receita primária. Tornou-se, analogamente, a primeira exportação e a espinha dorsal económica para países africanos como o Uganda, Burundi, Ruanda e Etiópia, sem esquecer muitos dos países da américa central. O café é a bebida preparada mais consumida no mundo (c. 400 mil milhões de xícaras por ano), e parece que na, década de 80 do século XX, era a segunda mercadoria mais negociada no mundo, por valor monetário, abaixo apenas do petróleo. Foi, em termos de valor, em 2003, o sétimo mais importante produto agrícola de exportação. Emprega cerca de 20 milhões de pessoas. 2 – Curiosa imagem duma loja de café na Palestina cerca de 1900. Note-se que nesta imagem se podem observar vários momentos, desde a moagem dos grãos até à ingestão da bebida em chávena. Fonte – Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index. php?curid=137261 (2016/10/01; 20.33h). 248 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) A primeira loja de café foi aberta - por comerciantes vindos de Damasco e Alepo – em Constantinopla, em 1475. Em 1530 abre uma em Damasco. Por esta altura, ter-se-á introduzido na cultura otomana, espraiando-se rapidamente a todo o Império Otomano. A primeira loja de café na Europa Ocidental abriu em Veneza em 1570 e foi o resultado das trocas comerciais entre La Serenissima e o Império Otomano. Em Roma, surge uma no ano de 1645. Em Inglaterra, aparece a primeira em Oxford, no ano de 1650, fruto do empreendimento de um judeu de nome Jacob, sita no edifício de nome The Grand Cafe – uma placa na parede memora esse facto e esse local é hoje um cocktail bar muito na moda. Em 1675 existiam já mais de 3000 lojas de café por toda a Inglaterra. Em Paris, abre uma loja de café, pela mão do arménio Pascal, em 1672, porém não obtendo sucesso. A cidade teve de esperar até ao ano de 1686 quando, pela mão de Procopio Cutò7, abrirá o Café Procope, que ainda hoje existe e foi lugar de tertúlia, entre outros, de Voltaire, Rousseau, Diderot, La Fontaine, Danton, Marat, Robespierre, Napoleão, Balzac, Victor Hugo, Condorcet, La Harpe, Verlaine, Anatole France, Mikael Printz, Benjamin Franklin8, John Paul Jones, Thomas Jeferson, Alain-René Lesage, Alexander von Humboldt9, Alfred de Musset, George Sand, Gustave Planche, Pierre Leroux, M. Coquille10, Léon Gambetta, August-Jean-Marie Vermorel. Tido como lugar central de encontro dos iluministas franceses, é, de igual maneira, reputado como o berço da primeira enciclopédia – publicada entre 1751 e 1772, com subsequentes suplementos, edições revistas, traduções –, da lavra de Denis Diderot e Jean le Rond d’Alembert. A América verá a sua primeira loja de café surgir em 1676, na cidade de Boston. Nestes estabelecimentos eram servidos indiscriminadamente o café, o chá e a cerveja, funcionando conjuntamente tanto como cafés assim como tabernas. Num deles, de seu nome Green Dragon, em Boston, planearam a Revolução Americana John Adams, James Otis, e Paul Revere11. 7 Ou Francesco Procopio Cutò ou Francesco Procopio dei Coltelli (Palermo, 9/2/1651-Paris, 10/2/1727). Um pioneiro no negócio dos gelados italianos. 8 Que aqui preparou a Aliança Franco-Americana, de 1778, entre Luís XVI e a nova república americana. 9 Que na década de vinte do século XIX aqui almoçava, todos os dias, entre as 11h e o meio-dia. 10 Editor do Le Monde. 11 Ourives de prata e industrialista, igualmente, muito renomado. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 249 Em Viena de Áustria abre a primeira loja de café, pela mão dum arménio de nome Johannes Theodat, no ano de 1685.12 Alguns aspectos concernentes à sociabilidade e aos botequins / cafés em Oitocentos Pelos idos de Oitocentos13, às senhoras14 não icava bem a frequência dos botequins / cafés15, por se verem associadas às lorettes16. Por essa razão, aos leões 17 do Porto não restava outra alternativa que postarem-se em lugares centrais, 12 Cf. PORTILLO, Luis – El Convenio Internacional del Café y la crisis del mercado, in http://revistacomercioexterior.com/rce/magazines/245/8/RCE8.pdf (2014/12/29; 20.38h) e Cofee, in http://en.wikipedia.org/wiki/ Cofee (2014/12/29; 23.58h). 13 Na verdade, este preceito social apenas se alterará grosso modo já pela segunda metade do século XX. 14 Sobre a sociabilidade doméstica, e pública, destes tempos de antanho, dá-nos Alberto Pimentel algumas nótulas: As damas portuenses de há 30 anos dedicavam-se em geral, à sua casa e à sua família. Todo o governo doméstico estava nas suas mãos, superentendiam em tudo o que se passava de portas adentro: o seu dia de trabalho começava logo pela manhã e só acabava às Trindades, à hora do lusco-fusco, chamada então do pregar da agulha. [...] Por sua vez as meninas da casa, se as havia, aproveitavam a pequena folga do crepúsculo para ir à janela ver passar o namoro, que as cumprimentava muito respeitosamente e não se atrevia a olhar para trás senão à esquina da rua. PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz, editores, 1893. 15 Fruto duma longeva subalternização do feminino ao masculino, que neste como noutros aspectos socio-políticos prevalecerá, e se evidenciará, até pelo menos à Grande Guerra. Alterações vê-las-emos apenas acontecer posteriormente, sobretudo após a II Guerra Mundial, que, fruto de novas conjunturas e necessidades sociais e económicas, verão um estilhaçar inal sobre muitos destes milenares status quo. Vd., sobre alguns aspectos hodiernos do Porto deste tempo: BRANDÃO, Glória Rosas – A posição da mulher na sociedade oitocentista. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos (coord.) – Actas do I Congresso O Porto Romântico. Porto: UCE-Porto, 2012, vol. II, pp. 467-480 e ALVIM, Maria Helena Villas-Boas e – Cenas quotidianas do Porto Romântico (O Comércio do Porto -1854/1879). In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos (coord.) – Actas do I Congresso O Porto Romântico. Porto: UCE-Porto, 2012, vol. II, pp. 481-503. 16 Mulheres de costumes ligeiros e de prazer, assim as designavam os franceses pelos tempos da Monarquia de Julho, por existirem em abundância no bairro parisiense de Notre-Dame-de-Lorette (também designadas por Brédas por se encontrarem igualmente cerca da antiga Rua de Bréda). Serão substituídas pelas Cocottes durante o Segundo Império e, subsequentemente, pelas Grues, no dealbar da Grande Guerra. Cf. Lorette (prostitution), in https://fr.wikipedia.org/wiki/Lorette_(prostitution) (2016/10/01; 16.23h). 17 Os moços janotas do Porto, apelidados, nesse tempo, de: leão, janota, pipi, tirone, gandim, casquilho, canário de mostrador. Esta última designação aplicava-se aos caixeiros do comércio, pelo seu hábito de vestirem garridamente e usarem relógio de bolso, para eles um sinal de ostentação, mesmo que fosse uma peça sem grande valor monetário. Compreende-se, pois estes tinham feito um tirocínio, geralmente de seis anos (começavam a trabalhar entre os 10 a 12 anos de idade), em que nem ordenado ganhavam e estavam sujeitos a uma semana de trabalho de sete dias, aturando pelo caminho os 250 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) para proverem à corte e ao namorico18. E um dos mais reputados19 e procurados, representante da nova centralidade (com os Paços do Concelho e as ruas mais importantes – Clérigos e Santo António – a irradiarem daí) icava logo ali perto. Chegou a ser tão frequentado que conquistou diversas designações curiosas; tratava-se da parte fronteira do edifício do Palácio da Cardosa20, virado à Praça Nova, onde não raramente se podiam ver dezenas de pipis, com o seu coco ou cartola, arrimados à bengala, à espera de verem humores do patrão. Agora folgavam na sua nova situação com desafogo económico, que gostavam de blasonar, por vezes de forma casquilha e alardeada. O Sorvete. N.º 4, 1.º Ano. Porto: 30 de Junho de 1878, (centrais) (os calos d’um caixeiro); O Sorvete. N.º 7, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 12 de Fevereiro de 1888, (p. 6) (são os heróis do Carnaval); O Sorvete. N.º 20, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 27 de Maio de 1888, (im) (os caixeiros da Invicta – não são nada daquilo que foram, hoje trajam bem, dirigem galanteios às damas, cultivam a dança e a poesia, dão vivas à liberdade...); O Sorvete. N.º 32, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 19 de Agosto de 1888 até O Sorvete. N.º 35, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 16 de Setembro de 1888 (poema aos caixeiros da moderna geração); O Sorvete. N.º 18, 12.º Ano. Porto: 24 de Agosto de 1890, (centrais) (caixeirótherapia – ou seja a evolução dos caixeiros de ontem para os de hoje, de escravos a dandy’s). Vd., a propósito da caracterização sócio-económica dos caixeiros e marçanos do Porto de Oitocentos, PEREIRA, José Manuel – O caixeiro e a instrução comercial no Porto oitocentista. Porto: [s. n.], 2001. Dissertação de mestrado em História Contemporânea apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Vd., sobre os primórdios do trabalho e da habitação, no Porto de Oitocentos, FERNANDES, Paula Guilhermina de Carvalho – Trabalho e habitação no Porto oitocentista: 1832-1833: o bairro de Santa Catarina durante o cerco do Porto. Porto: [s. n.], 1995. Dissertação de mestrado em História Moderna e Contemporânea apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e TEIXEIRA, Manuel C. – Habitação popular na cidade oitocentista: as ilhas do Porto. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, D.L. 1996. Tese de doutoramento apresentada na Architectural Association School of Architecture, Londres 1988. Um moço janota do Porto, nesse tempo, poderia ser também apodado de petimetre ou swell (PIMENTEL, Alberto – O Porto na berlinda: memorias d’uma familia portuense. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1894, pp. 101-107), ou palito das secias (PIMENTEL, Alberto – Espelho de portuguezes. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1901, vol. 1, p. 20). Camilo juntalhe ainda outras designações: Chischisbéo; Tranca-ruas; Pintalegrete; Bonifrate; Taful; Secio; Damo; Gavião – cf. CASTELO BRANCO, Camilo – Cancioneiro Alegre de poetas portuguezes e brazileiros: commentado. 2.ª ed. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1887, vol. II, pp. 26-27. 18 Caso dos jardins públicos, como o de S. Lázaro (o primeiro jardim municipal da cidade, desenhado após o cerco do Porto por João José Gomes, primeiro jardineiro municipal do Porto, típico jardim romântico. Inaugurado e aberto ao público em 1834 e concluído em 1841. A fonte de mármore proveio da sacristia do Convento de S. Domingos. O lago era alimentado pelo Manancial da Duquesa de Bragança ou Manancial da Cavaca - entre Rua D. João IV- Rua da Firmeza); o jardim da Cordoaria (data do ano de 1865; em 1869 sofre uma intervenção pelo arquitecto paisagista alemão Emílio David, segundo a proposta do Visconde de Vilar d’Allen. Muito frequentado pela burguesia portuense. Em 1852 designava-se Passeio Público; em 1835 Jardim Mártires da Liberdade; sendo em 1612 a Alameda do Olival) e mais tarde o jardim do Palácio de Cristal (inaugurado em 18/9/1865, com a Exposição Internacional do Porto, com risco do mencionado Emílio David). Outro local para cortejar, além dos bailes e das festas populares, era tentar o vislumbre das meninas - neste caso, as de família - que, ao cair da luz da tarde, se arribavam às janelas da cidade. E a melhor e mais central, no Porto, era, sem dúvida, a Rua do Almada, a que os portuenses designavam a das meninas bonitas. Sobre a formosura e beleza das mulheres do Porto, ver: PIMENTEL, Alberto – O Porto na berlinda: memorias d’uma familia portuense. Porto: Livraria Inter6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 251 passar as suas predilectas no ‘real club dos encostados’, ‘pasmatório dos Lóios’ ou ‘aquário dos imbecis’ - como era designado, pelos portuenses, tal era conhecido o lugar e a tipologia dos circunstantes. O «pasmatorio dos Loyos» usufruía do privilegio das novidades, em tal e tanta maneira que até o noticiário do ‘Braz Tisana’ se intitulava, caracteristicamente, «Boletim do pasmatório dos Loyos»21. nacional de Ernesto Chardron, 1894, pp. 111-121 (textos de: Gomes de Amorim, Viagem ao Minho; José Augusto Vieira, O Minho pittoresco; Camilo, Coração, cabeça e estomago, Os brilhantes do brasileiro, Eusebio Macario, Annos de prosa, Aventuras de Bazilio Fernandes Enxertado; Garrett, Lyrica; Teóilo Braga, O povo portuguez nos seus costumes, crenças e tradições,vol. I, pag. 376; Padre Agostinho Rebelo da Costa, Descripção topográica, e histórica da cidade do Porto; Júlio César Machado, Scenas da minha terra; uma Cantiga popular – Quem me dera ser do Porto // Ou no Porto ter alguém! // Quem me dera ter a fama, // Que as moças do Porto têm!; Pinheiro Chagas, Contos e descripções; Ramalho, As Farpas, tom. I). Gomes de Amorim dizia, aí, sobre a beleza das mulheres do Porto: Das classes mais ínimas até ás mais elevadas da sociedade acham-se os mesmos peris regulares e artisticos, os mesmos olhos meigos e faiscantes, e a mesma cútis ina e assetinada. […] A formusura quasi que perde ali o merecimento; procura-se uma mulher feia como uma gôta d’agua nos desertos da Arabia (p. 112). Lá lembrava o cronista Camilo que no olimpo das beldades portuenses, cuja principal séde era então a rua do Almada [a antiga Rua das Hortas] - cf. PIMENTEL, Alberto – Memórias do tempo de Camilo. Porto: Companhia Portuguesa Editora, 1913, p. 55. E ainda, e sobre esta Rua do Almada em particular, um registo de Amadeu Cunha n’O Tripeiro, sobre o mesmo hábito que se distendeu para inícios do século XX: “Extensa, estreita, a subir até ao campo, algumas vezes a rua (do Almada) fora aproveitada para “feeries” de luminárias sanjoaninas. Janelava-se bastante ao longo dela, em matéria de namorio. Era a época do pigarro e do lenço branco passado pelas vias respiratórias como senhas de enamoramento… Até à Picaria era toda colmeia activa. Daí para cima a residêncialidade desacompanhava-se de lojas, pouso de famílias ditas de tratamento… Naquele curto espaço de rua esses ádvenas, ao maior número dos quais mal pungia o buço, suscitaram estranheza, desconiança… Tratava--se desinquietar as meninas do sítio, em idade de namorar. Habitualmente às tardes, após o jantar, aquelas varandas engraçavam-se da animação delas, que espaireciam, se distraíam, metiam a riso, segregando uma às outras, para os lados. Posto que a rua, rebarbativamente burguesa, andasse, por uma variedade de episódios, em efabulações camilianas e até nas próprias realidades biográicas do romancista (Camilo e Ana Plácido habitaram esta rua) todo o desretraímento entre elas e os rapazes se reduzia, unicamente, a simples, risonhos e a recíprocos brincos de expressão amável sem qualquer trejeito a mais” - cf. CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Carácter, Génio e Costumes dos Portuenses, in http://portoarc. blogspot.pt/search/label/Caf%C3%A9%20Brasil (2014/02/25; 02.32h) 19 Pois existiam outros, desde a década de 40 do século XIX, embora não rivalizassem (se excluirmos os adjacentes) com este em centralidade e reputação: na Calçada dos Clérigos, nos Lóios, na Praça Nova, nas Hortas, junto à Casa Pia, na Batalha, em S. Domingos ou na Rua Nova dos Ingleses. 20 Ou Palácio das Cardosas, assim designado pois fora de Manuel Cardoso dos Santos (S. Martinho de Lordelo do Ouro, -). Os Cardoso do Ouro - assim lhes chamavam por terem a sua residência no sítio do Ouro, junto à estrada da Foz. Brasileiro de torna-volta, um dos contratadores do Tabaco, havia adquirido o edifício, que era uma ala inacabada do Convento dos Lóios (ou Convento Novo de Santa Maria da Consolação, ou Convento dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista), com vista a terminar o edifício. Este foi herdado pela sua viúva, a quem chamavam ‘a Cardosa’ (falecida a 20/8/1890), e que tinha duas ilhas. A viúva, que era, igualmente, sua prima, Joaquina Margarida Cardoso, continuou a obra do edifício. À sua morte, a sua fortuna, depois de deduzido o dote da mulher, montava em 484.552$315 réis. Para além dos muitos edifícios no Porto, Gaia, Vila do Conde; Almada, Lisboa e Brasil, tinha um enorme lote de títulos de crédito, de embarcações, cortinados bordados e de damasco, muitos diamantes em inúmeras jóias, faqueiro e muitos objectos de prata, rico mobiliário, piano, porém, nem um único livro. A viúva voltou a casar, com Francisco Cardoso da Cunha (falecido em 1894). Hoje encontra-se aí 252 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 3 – O chamado “Real Club dos Encostados”, “Aquário dos Imbecis” ou “Pasmatório dos Lóios”, o mais afamado pasmatório do Porto do século XIX, fronteiro ao Palácio da Cardosa. Fonte – Cliché de Aurélio Paz dos Reis - O edifício das Cardosas, CPF apr 1162. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 253 Convém lembrar que no Palácio das Cardosas se encontrava o atelier das Mesdames Ferin22, modistas que ocupavam grande parte do 1.º andar, ao centro, deste palácio, e por isso local apropriado e de passagem das grisettes23. Mas existiam outros ateliers, nas circunvizinhanças (o que avolumava o número, e claro o interesse, deste local privilegiado), como o do Vincent24, na Rua de Santo António, o de Guichard25, na Rua de D. Pedro, e o de madame Amélie, na Rua da Picaria. sediado o Hotel Intercontinental do Porto e o Restaurante Astória [no lugar do histórico Café Astória (12/3/32-15/4/72). Encerrado na década de 70 do XX, voltou a ser aí colocado em 2011, integrado no processo de aquisição e instalação no Palácio da Cardosa do Hotel Intercontinental. Desde 2012 que foi convertido no Restaurante Astória]. 21 BRUNO, Sampaio – O Porto culto. Tomo I. Porto: Magalhães & Moniz, L.da – Editores, 1912, p. 5 e PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 172-173. 22 Eram irmãs do livreiro Ferin, de Lisboa. 23 Eram as costureiras, bordadeiras, engomadeiras, luveiras, iluminadoras ou loristas. Por sugestão de poetas e romancistas franceses eram assim designadas. Encontramos a expressão já em La Fontaine, mas será com os românticos que se populariza. Existe, ademais, uma estátua de La grisette, de 1830, cinzelada por Jean Descomps, em Paris, na Rue du Faubourg du Temple, por cima do Canal de St. Martin, a partir do trecho em que este foi coberto à época de Haussmann, sob o império de Napoleão III. O termo advém da palavra gris, por analogia com o tecido grosseiro e de matiz cinza que as raparigas de baixa condição costumavam utilizar como indumentária. O termo era já comum nos inais do século XVII, referenciado no Dictionnaire de l’Académie française na edição de 1694, mas ganhou matizes na sua edição de 1835, promovendo a designação e incorporando nela uma tendência, nestas mulheres de classe trabalhadora, de coqueterie e lirt que antes não tinha. Podemos encontrar esta forma no poema de Oliver Wendell Holmes, Our Yankee Girls, de 1830, ou em La Grisette, de 1836, de Oliver Wendell Holmes Sr. - cf. http://en.wikipedia.org/wiki/Grisette_%28French%29 (2013/05/13; 00.32h) e PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 206-212 (com ilustração da estátua). Aparece, igualmente, em diversas outras obras, tais como: em To Betty, the Grisette (de 1730), da lavra de Jonathan Swift; na personagem Mimi da obra de Henry Murger Scènes de la vie de bohème (de 1851) que foi largamente adaptada ao teatro e à ópera; na personagem Fantine da obra de Victor Hugo Les Misérables (de 1862); e na obra de Mark Twain Innocents Abroad no capítulo XV (de 1869). 24 Um dos luveiros de maior nomeada que existiu nos inais do século XIX no Porto foi Adolfo Vincent. Era de origem francesa e tinha a sua luvaria numa casa pegada ao Teatro Baquet, na Rua de Santo António n.os 131-133. Era um ‘napoleanista’ ferrenho e tinha, num rico caixilho, emoldurado o retrato de Napoleão, ao qual e em sua honra usava também uns bigodes guias horizontais. LEMOS, António – “No meu tempo de estudante (recordando o passado)”, in O Tripeiro. Vol. VII, 4.ª Série, n.º 6 (176). Porto: Abril 1931, p. 92, col.ª 1 e nota 1. 25 Hector Guichard (de origem francesa), o proprietário do Café Guichard (c. 1833-5/2/1857), do cabeleireiro e de uma casa de modas. Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo. Arrendatário, com o 1.º conde de Burnay, do Palácio de Cristal. Almanak do Porto e seu districto para 1884. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1883, p. 378; PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 62-65; O Tripeiro. Vol. VI, 3.ª Série, Ano II, n.º 46 (166). Porto: 15 de Novembro de 1927, p. 351 e DIAS, Manuel – “Café Guichard”, in O Tripeiro. Vol. VI, 3.ª Série, Ano II, n.º 46 (166). Porto: 15 de Novembro de 1927, p. 352, col.ª 2. 254 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) As grisettes quando iam jantar26, ao meio-dia, incorporavam-se, em bando, com as suas colegas da Rua de Santo António, provenientes das oicinas da Galiano e da Casalini27, da luvaria Bonifácia, da luvaria Napoleão, da luvaria de Mme. Reynaud28, as das modistas e irmãs Bouhardes29, e, passado uma hora, pela mesma rua abaixo, de novo convergiam em direcção aos seus locais de trabalho30. As grisettes eram alegres, quase sempre bem-falantes e polidas, pois emulavam o exemplo das senhoras de sociedade que frequentavam os ateliers e, ainda, pelo estímulo que provinha da troça com que umas às outras se corrigiam algum desmando ou torpeza de língua. Aliás, aquelas que se encontravam ao serviço das Ferin, da Guichard e da Amélie papagueavam de orelha algumas frases francesas com tanto donaire como chiste. E tinham a vantagem de serem um amor constante e, acima de tudo, livre, que não prometia o cárcere – ao estudante ou ao caixeiro – de um casamento31 obrigatório32. 26 Os horários das refeições por estes tempos eram: almoço às 8h da manhã; o jantar as 2h, o mais tardar às 3h da tarde e o cear das 9h para as 10h da noite, quando tangia o sino de recolher, na Sé, chamado também dos ‘mariolas’. O ‘sino dos mariolas’ era a chave sonora com que se fechavam morigeradamente as patuscadas nocturnas – cf. PIMENTEL, Alberto – Fitas de Animatógrapho. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1909, p. 181. 27 Chapeleiro. 28 1893-1894. Havia aí igualmente a de Eugéne Reynaud, mas em 1907. 29 PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 159. 30 Num claro sinal da modiicação do comércio, podemos veriicar o divulgado uso e boa apresentação das montras nos estabelecimentos comerciais e dos nomes estrangeiros, nesta artéria. Nela se concentram quase todas as luvarias, relojoarias, ourivesarias e muitas chapelarias. Estabelecimentos que primavam pela especialização e requinte. Esta seria, também, pela sua centralidade em inais do Oitocentos a principal rua comercial do burgo – cf. FERNANDES, José Alberto V. Rio – Porto. Cidade e comércio. Porto: Câmara Municipal - Arquivo Histórico, 1997, pp. 62, 75. Versão revista da tese de doutoramento em Geograia apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1993. 31 Vd., sobre casamento e condição social, PEREIRA, Gaspar Martins; CORREIA, Luís Antunes Grosso – Casamento e condição social no Porto 4 – Imagem de La Grisette, em Paris. Figura tão frequentemente posta em cena nas obras, entre outros, de: Balzac, Alexandre Dumas, Alfred de Musset, Henry Murger, Victor Hugo. Fonte – Canal Saint-Martin: La Grisette ou la petite marchande des roses, in http:// www.laparisienneetsesphotos. com/canal-saint-martin-lagrisette-ou-la-petite-marchandede-roses-a105893732 (2015/01/06; 22.39h). 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 255 Também as coristas que estanciavam pelos inúmeros, e alguns muito afamados, palcos cénicos da cidade, atraíam o olhar concupiscente dos leões. Sobre estas, que tinham mais mundo e maior vivência, deslocando-se de terra em terra, ganhando, assim, alguma liberdade, diz-nos Severo Portela: Coristas do Porto essas criaturinhas de oprobio, mixtas de penumbra e de luminosidade, subitâneas, colubrinas, a uma por uma cabia-lhes a melancolia dos versos do Hamilton que algumas delas sabiam de côr como ao Padre-Nosso: ‘…esse ideal das ruas // Que mora ao pé de mim numa casita pobre…’ 33. E não referimos o eixo Praça Nova - Rua de Santo António (como ligação nascente à zona da Praça da Batalha) - Rua dos Clérigos (como ligação poente à zona do Carmo) displicentemente, uma vez que é nestas três zonas radiais da Invicta que surgirão os maiores e mais importantes pólos de botequins / cafés da urbe. Pela mesma razão avocada, os apontamentos sobre a sociabilidade e vivência romântica na cidade são como que um pano de fundo, que permite compreender como se passavam algumas das formas de convivialidade, ou procura dessa, no Porto pelo tempo de Oitocentos, e desta forma compreender-se-á melhor em que medida o exponenciar de botequins / cafés irá interferir, e de que modo e em que aspectos, nestas formas de civilidade. Recordemo-nos da imprecação do poeta, e Abade de Jazente, Paulino António Cabral “de Vasconcelos”34 que, já pelos idos de 1786, invocava: Ide, Damas do Pôrto, ide ao pafeio, // ao Theátro, ao Café, ao Jôgo, á Dança…35. Isto faz crer que, já pelos inais do Setecentos, existiriam aqui botequins, mesmo que em escasso número, e se tinha instalado, talvez ainda incipientemente, o costume de degustar café. Não custa a acreditar, pois os mais antigos botequins na cidade datam das primeiras décadas do Oitocentos e alguns eram já, por oitocentista. Porto: [Faculdade de Letras], 1996. Sep. da Revista da Faculdade de Letras, 2.ª Série, vol. XIII (1996), pp. 475-488 e CRUZ, Maria Antonieta – Os Burgueses do Porto na segunda Metade do século XIX. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida, 1999, pp. 437-453. Tese de doutoramento em História Moderna e Contemporânea apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1994. 32 Havia, pois, na ‘grisette’ o núcleo de uma dama de sociedade. Não estranha pois que, em 1868, Alfred de Musset (Fréderic), se tenha apaixonado por uma delas (Bernerette) no seu Nouvelles, em Paris e a tenha avaramente escondido num chalet em Montmorency e sete anos mais tarde tenha louvado os encantos e virtudes da bem conhecida, no Bairro Latino, Mimi Pinson, nos seus Contes, e até Camilo tenha tido a sua e a tenha levado até ao Candal onde viveram o seu idílio. PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 210-211. 33 PORTELA, Severo – A cidade do Porto. Porto: Companhia Portuguesa Editora, [s. d.], [1938], p. 38. 256 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) esses tempos, referenciados como antigos, ou muito antigos, pelos cronistas, se bem que - e não é despiciendo dizê-lo - não eram, de todo, recomendáveis à frequência de damas. Estamos certos que se por estes lugares estanciou alguém do sexo feminino, seria tudo menos aquilo que se pode convencionar, strictu senso, de dama ou senhora. Os primeiros botequins, e durante algum tempo, como assinalámos, até para os homens constituíam um desaio de vontade. Podemos talvez ver, isso sim, nestas palavras do poeta e abade, uma sátira aos costumes, desde sempre considerados mais ousados e de vanguarda nas cidades do que nas zonas rurais. 5 – A Praça Nova num postal com fotograia de Aurélio da Paz dos Reis existente no CPF. Fonte – FIGUEIREDO, Ricardo – do Porto e não só… O Porto há cem anos 4: A praça de D. Pedro IV, in http://doportoenaoso.blogspot.pt/2010/06/o-portoha-cem-anos-4.html (2014/01/22; 19.02h). 34 Amarante, Lomba, Casa do Reguengo, 6/5/1720 - Amarante, São Gonçalo, 20/11/1789. O seu primeiro editor em 1786, o livreiro do Porto Bernardo António Farropo, havia utilizado o nome de Paulino Cabral de Vasconcellos, nisso seguindo o Pároco que lavrou o termo de óbito e lhe acrescentou, por engano, o sobrenome Vasconcelos. 35 CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Divertimentos dos portuenses – XXII, in http://portoarc.blogspot.pt/search/label/Caf%C3%A9%20Brasil (2014/02/24; 23.52h). 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 257 Mas é certo que foi sobretudo pelo século XIX afora que se viu dilatar, no seu número e na sua importância, a todos os níveis, um estabelecimento comercial que podemos reputar como verdadeira instituição social, política, cultural e económica: o Café – ou Botequim, como era designado primevamente; uma vez que a bebida café ainda não tinha supremacia sobre outras, que aí se podiam, irmãmente, degustar. Foi-o não somente no plano nacional como, identicamente, no plano internacional. Vamo-nos ater ao que ao Porto concerne, não deixando, porém, de enunciar que o que referirmos em relação a esta cidade podemos, sem diiculdade, encontrar replicado em qualquer outra, variação feita apenas nas escalas das cidades e, proporcionalmente, no seu impacto nos aspectos expressos acima. Quem, por esta época, queria colher informações de qualquer índole – mas da maior importância para a sociedade, a política ou os negócios – dirigia-se à Praça Nova das Hortas, fulcro central e placa giratória dos eixos portuenses de grande relevância viária, centro por excelência da localização da maior parte do comércio e dos negócios, local de residência dos mais inluentes e poderosos agentes da cidade. Até ao aparecimento do periódico Diário da Tarde (1871-1874), de Urbano Loureiro, Borges de Avelar e Agostinho Albano, as notícias eram publicadas de manhã, o que fazia com que o locutório preferencial, para colher novidades, fosse esta área central do burgo. Aqui chegavam, além disso, as notícias que, por vapor, ou navio, eram oriundas de outros locais do país, ou mesmo do estrangeiro. Temos de ressalvar que, ao começar o século XIX, ainda não havia no Porto distribuição do correio ao domicilio. Um documento régio de 12 de Fevereiro de 1800 determinava que “para as cidades e vilas de maior população e comércio” se introduzisse “o método do aviso” que consistia em aixar, em local público e bastante frequentado, um aviso em que se dava conta das cartas que haviam chegado à repartição do Correio e de quem eram os seus destinatários. No Porto, para a aixação desse aviso, escolheu-se a Praça Nova das Hortas. Era no tronco de um velho choupo, que icava sensivelmente onde agora está o edifício do Banco de Portugal, que se pregava o aviso 36. Nesta centralidade da Praça Nova e suas imediações, próximas ou relativamente chegadas, se concitavam um número signiicativo de agremiações de 36 O célebre café do Camanho, in http://www.jn.pt/PaginaInicial/Desporto/Interior.aspx?content_ id=1184712&page=1 (2014/02/17; 18.13h). 258 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) todo o tipo, entre elas os cafés (e, mais tarde, restaurantes e hospedarias) 37. Naturalmente, neste local central era onde gravitava, por todas as razões elencadas, um cada vez maior número de pessoas, fruto de uma cada vez mais assinalável concentração, nesta zona, de múltiplos serviços. Para o aparecimento de tantos botequins, nesta área, concorreu outra razão de vulto. Após a extinção das ordens religiosas – fruto de uma consolidação dos ideais liberais – pelo decreto de Joaquim António de Aguiar de 30 de Maio de 1834, foi o edifício do Convento da Congregação do Oratório da regra de S. Filipe de Néri, à Praça Nova das Hortas, posto em almoeda e adquirido, à Fazenda Nacional: uma parte pelos Contratadores do Tabaco (que tinham a ideia de aí fazer montar a sua fábrica), sendo a outra comprada pelo cidadão brasileiro Manuel José Duarte Guimarães. Passado algum tempo, o capitalista brasileiro diligenciou, e conseguiu, comprar aos contratadores todo o vasto edifício, do qual fazia parte uma torre – erguida do lado poente da igreja – da qual se lobrigava vista muito assinalável: No sítio da torre e no da portaria conventual, cuja demolição começou em Dezembro de 1842, mandou o novo proprietário construir duas casas de dois andares com frente para o Largo da Feira de S. Bento 38, que em meados do século passado (1852), estavam arrendadas ao cabeleireiro Heitor Guichard [...] e sua esposa, que ali geria um armazém de modas. // Do lado da Praça de D. Pedro, aproveitando as boas caves de abóbada que os padres costumavam alugar a particulares, mandou outrossim o mesmo novo senhorio, ao rés-da-rua, abrir portas regulares para estabelecimentos e rasgar mais janelas de varanda a todo o correr do primeiro andar. // Depois de concluída a respectiva obra de adaptação, é que os botequins, pouco a pouco, começaram a concentrar-se à volta do extinto edifício do Convento dos Congregados 39, tanto para a banda da Praça, como para a de Sá da Bandeira (actual de Sampaio Bruno) como ainda para a do Bonjardim (actual Rua de Sá da Bandeira). 40 37 Pelo ano de 1852, cerca de 54% dos cafés situava-se na baixa da cidade, em torno e circunvizinhanças da Praça Nova, enquanto que, pelo ano de 1993, apenas 17% de todos os cafés se encontravam por esta zona. FERNANDES, José A. Rio – O Botequim, in https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/57409/2/riofernandecoisas2000148116.pdf (2016/10/15; 16.00h). Todavia, convém ressaltar, para a compreensão destes díspares resultados, que o número de cafés foi-se exponenciando muito ao longo do tempo, e se em 1882 os registos apontam para a existência de 37 botequins / cafés, já para o ano de 1992 o número é de 344, o que indica que, com o natural crescimento da urbe, assim como o do enraizamento do hábito de ingestão da bebida, estes, igualmente, se foram disseminando por todo o território por ela ocupado. 38 Foi a Praça do Faval (no século XVI); Terreiro de São Bento (pois icava fronteiro ao Convento de São Bento da Avé-Maria); Largo da Porta de Carros e, actualmente, a Praça de Almeida Garrett. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 259 39 Neste quarteirão lembramos: o Guichard; o Lusitano; o Portuense; o Suisso; o Lisbonense; o Camanho; o Porto Club, o do Júlio; o Áurea; o Central; o Chave d’Ouro; o Liberal; o Moreira; o Paris; o Madrid. E ainda, pelas imediações (já existia o Café da Porta de Carros; o Café das Hortas): Café da Neve; Café Circo; Café Príncipe Real; Café Brasil; Café Chaves; Café Ventura; Café Recreio; Café Primavera; Café A Brasileira; Café República; Café Astória; Café Excelsior; Café Expresso; Café Flórida; 6 – O lado Sul da Praça Nova, numa tomada de prespectiva a partir da Rua de Santo António, em que podemos ver fronteira a Rua do Clérigos e para a esquerda a zona de S. Bento. Aqui se percebe bem a radialidade de toda esta zona. Fonte – FIGUEIREDO, Ricardo – do Porto e não só… O Porto há cem anos 4: A praça de D. Pedro IV, in http:/ doportoenaoso.blogspot.pt/2010/06/o-portoha-cem-anos-4.html (2014/01/22; 19.02h). Além dos cafés existiam, talqualmente, algumas boticas / farmácias que tinham o seu espaço como um local de concitação de largo número de pessoas, que aí se dedicavam à tertúlia de variegada ordem. E isto fará mais sentido se nos recordarmos que, por esses tempos, ademais do gosto pelo convívio, a preparação dos unguentos, comprimidos e fármacos era toda manufacturada e, por tal, levava algum tempo a ser realizada. Uma das mais emblemáticas boticas na Invicta é sem dúvida a Farmácia do Carmo41. Era um dos estabelecimentos que, por ins do séc. XIX e, à conta da sua vasta tertúlia42, mais tarde encerrava, fazendo-o por volta das 10.30h ou 39 Neste quarteirão lembramos: o Guichard; o Lusitano; o Portuense; o Suisso; o Lisbonense; o Camanho; o Porto Club, o do Júlio; o Áurea; o Central; o Chave d’Ouro; o Liberal; o Moreira; o Paris; o Madrid. E ainda, pelas imediações (já existia o Café da Porta de Carros; o Café das Hortas): Café da Neve; Café Circo; Café Príncipe Real; Café Brasil; Café Chaves; Café Ventura; Café Recreio; Café Primavera; Café A Brasileira; Café República; Café Astória; Café Excelsior; Café Expresso; Café Flórida; Café Internacional; Café Rivoli; Café Sport; Café São Tomé. Isto dá bem uma ideia do número, e até da importância (pois grande parte destes foram dos melhores e mais conceituados da Invicta), dos botequins / cafés que, entre esta altura e o dealbar do século XX, por esta zona apareceram e singraram (alguns até aos dias de hoje). 40 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 72. 260 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 41 A antiga Farmácia da Ordem da Trindade - fundada em 1780 pelos frades Carmelitas -, que se encontra nos baixos do Hospital da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (1801 data da fundação do Hospital do Carmo) e era a que fornecia esta unidade hospitalar. Mais tarde, tomou conta de um armazém de vinhos, que icava ao lado, e abriu uma nova secção, com ligação interior à já existente (que icou, como até aí, a manter o serviço privativo da Ordem) - que, depois de 1875, se veio a nomear Farmácia Lemos (de Joaquim Baptista de Lemos - de 1875 a 1891), ou Farmácia Lemos & Filhos (a partir de 1889, quando foi herdada pelos ilhos, António e Joaquim Baptista Alves de Lemos), e que ainda hoje subsiste à Praça de Carlos Alberto. 42 Aqui se reuniam em alegre convívio: Dr. José Carlos Lopes (1838 - ?), professor da Escola Médica do Porto e médico do Hospital da Trindade, poeta e biblióilo distinto; Carlos Lopes (Porto, 15/1/1842 - Porto, 4/10/1906), irmão do Dr. José Carlos Lopes, que usou o pseudónimo Pedro Ivo, literato, director de banco, presidente da Real Companhia dos Caminhos de Ferro de África; Dr. João Pereira Dias Lebre, lente de anatomia, Escola Médico-Cirúrgica do Porto (1890); Dr. Ilídio do Vale, morador em Cedofeita, professor da Escola Médico-Cirúrgica (1890) e reitor do Liceu Central do Porto, deputado nas legislaturas de 1875-78 e 1882-84; Dr. José Frutuoso Aires de Gouveia Osório (Porto, 11/5/1827 - 23/8/1887), o chamado Zé Lena, progressista, morador na Rua do Bonjardim, poeta, que se formou em ilosoia em 1847, e medicina e cirurgia em 1849, pela Universidade de Coimbra, doutorado em medicina pela Universidade de Edimburgo, professor de Higiene e Medicina Legal da Escola Médico-Cirúrgica, fundador da Sociedade de Instrução do Porto e presidente da Câmara Municipal do Porto, presidente da Associação Industrial Portuense de 17/9/1854 a 1/8/1855, membro da comissão de exame de contas da Associação Comercial do Porto em 1876 e 1884 e vice-presidente em 1877-78; Dr. José Pereira Reis (lente jubilado da Escola Médica); António Manuel Lopes Vieira de Castro (Fafe, São Vicente de Passos, Casa do Ermo, 15/7/1766 - Lisboa, 20/9/1842), que morreria de Tifo e icou no cemitério dos Prazeres, fundador e organizador da Companhia de Carros Americanos, sacerdote católico, governador e vigário capitular da Diocese de Viseu, político, guarda-mor da Torre do Tombo, deputado setembrista, ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça e ministro da Marinha e Ultramar, mação; Dr. Augusto de Carvalho Vasques de Mesquita (Porto, 1839 - Porto,1906) advogado; Padre Alexandre Pinto Pinheiro (falecido em 1884), director, capelão (nomeado por concurso em 30/8/1855) e remodelador do Cemitério de Agramonte; Dr. José Augusto Correia de Barros (Porto, Outubro de 1835 - 1908), progressista ferrenho, ourives, ensaiador de teatro, professor, engenheiro, inspector dos incêndios, deputado e, ao tempo, presidente da Câmara Municipal do Porto; Ricardo de Azevedo, negociante; António José Patrício, armador e grande ‘larachista’; João Rodrigues de Sequeira, droguista; Dr. Augusto Sebastião Guerra,oftalmologista e operador; Dr. Augusto de Almeida, director da Casa de Saúde Almeida; Dr. António de Azevedo Barros, advogado e notário; Álvaro Pedrosa de Figueiredo, empregado bancário; Arnaldo Pedrosa de Figueiredo,capitalista; Agostinho de Sousa Vieira, farmacêutico e professor de química no Instituto Industrial do Porto; José Augusto Enes, contabilista; Lourenço da Silva Pereira de Magalhães, capitalista; Félix Machado, negociante e óptimo cavaqueador; Felisberto de Moura Monteiro, industrial e grande capitalista; Dr. José de Oliveira Barros, professor da Escola Médica; Dr. António José de Sousa e Dr. António de Oliveira Chaves, médicos do Hospital de Nossa Senhora do Carmo; António Pinto da Costa Freitas, empregado da Companhia de Seguros Garantia; Dr. George Henry Brandt, médico inglês com muita fama no Porto. O Dr. Filipe do Quental, quando vinha a exames do Liceu, ao Porto, era certo para a conversa todas as noites. Quando a farmácia foi herdada pelos ilhos - António (Porto, 16/1/1864 - 17/5/1931), poeta e escritor, que usou o pseudónimo Álvaro; e Joaquim Baptista Alves de Lemos (Porto, 1865-1926), também poeta - e se chamou Lemos & Filhos Lda. (a partir de 1889), foi outra a leva de convivas: Dr. José Baptista Gonçalves Dias Júnior (médico); Dr. José Martins da Silva (o Gótico, ou o Dente Rei, como lhe chamavam. Médico); Dr. Luís Viegas (médico); Alberto Magno Rodrigues (alcunhado o Manquinho, Guarda-livros); Camilo de Almeida (negociante); José António Marques Póvoas (capitalista); Dr. Adolfo de Artayett (1865 - Porto, Fevereiro de 1939), médico, formado em 1892 na Escola do Porto, que fez a Grande Guerra e, em 1926, alcançou o posto de coronel-médico e a direcção do Hospital Militar do Porto; Dr. Isolino Enes (médico); Dr. Carlos Alberto de Lima e o Dr. Clemente Pinto (médicos e ambos, depois, lentes da Escola Médica); Dr. Gaspar J. Tavares de Castro (médico); Dr. Flávio Pais (Porto, 6/9/1867 - ?), aluno da Academia Politécnica do Porto, onde 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 261 ou 11.30h da noite. Aí se procedia à jogatina diletante de damas e gamão entre os intervalos de fregueses e a preparação da farmacopeia; faziam-se duelos literários em prosa e em verso; inventavam-se anedotas e piadas e conversava-se sobre os mais distintos assuntos e personalidades. concluiu com sucesso o curso de engenheiro civil de obras públicas e minas, que entrou em 1895 para os Caminhos de Ferro do Minho e Douro, colaborou nos trabalhos de construção da nova estação do Porto e elaborou o projecto de modiicação do túnel central de S. Bento, tomou parte nas Conferências de Tráfego Internacional, foi vogal do Conselho Superior dos Caminhos de Ferro, Presidente da direcção da Associação dos Engenheiros Civis do Norte de Portugal, Presidente da direcção do Instituto Cientiico dos Engenheiros Civis do Norte de Portugal, elaborou os estatutos da delegação do Porto da Ordem dos Engenheiros, sendo em 1939 presidente da sua Assembleia Geral, desempenhando esse cargo cumulativamente com o de vice-presidente da Assembleia Geral da Ordem dos Engenheiros em Lisboa, em 1931 participou no 1.º Congresso Nacional de Engenharia, presidindo a algumas sessões, vereador da Câmara Municipal do Porto entre1942 e 1945, vice-presidente do conselho director do Círculo Dr. José de Figueiredo e presidente da Casa dos Pobres da Foz do Douro; Dr. Vasco Taveira (engenheiro); Curcínio Cardoso (despachante da alfândega); Dr. Joaquim Augusto de Macedo Freitas (engenheiro); Bernardino Campos (cambista /banqueiro); Júlio Costa (1874-1940), pintor, sobrinho e discípulo do pintor António José da Costa; Dr. Ricardo Severo da Fonseca (engenheiro); Dr. Vasco Ortigão Sampaio (Rio de Janeiro, 1866 Porto, 1941), engenheiro, pai de Marta Ortigão Sampaio e fundador, com Narciso Ferreira, da empresa Sampaio, Ferreira & Cª.; Dr. Joaquim de Almeida Novais (advogado e depois juiz do Supremo Tribunal). Quando este grupo ali se reunia, já restavam poucos dos anteriores (ainda apareciam José Carlos Lopes, Sebastião Guerra e António Patrício, pois ainda estavam vivos). Aparecia por lá todos os sábados à noite um rapazola, de seu nome Mateus de Oliveira Monteiro (que foi depois conservador de um registo predial), que dali carreava muitas histórias e anedotas para o Dr. Assis em Coimbra e que por suas, depois, passaram. LEMOS, António – “No meu tempo de estudante (recordando o passado)”, in O Tripeiro. Vol. VII, 4.ª Série, n.º 6 (176). Porto: Abril 1931, pp. 91-92 (com lista dos frequentadores); LEMOS, António – “No meu tempo de estudante (recordando o passado)”, in O Tripeiro. Vol. VII, 4.ª Série, n.º 7 (177). Porto: Maio 1931, p. 107; COUTINHO, B. Xavier – “Curiosidades «tripeiras»”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IV, n.º 1. Porto: Maio 1948, pp. 11-12 (IL-SANHUDO); MARÇAL, Horácio – “As antigas Praça e Rua dos Ferradores”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XIV, n.º 2. Porto: Junho 1958, p. 51; S., A. – “As antigas farmácias da Praça de Carlos Alberto”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano XIV, n.º 4. Porto: Agosto 1958, pp. 127-128; MOREIRA, Alberto – “A Sociedade de Geograia Comercial do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano II, n.º 5. Porto: Maio 1962, p. 146; BASTOS, Carlos – “2 cartas originais do poeta”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VII, n.º 8. Porto: Agosto 1967, p. 244; MARÇAL, Horácio – “A Rotunda da Boavista”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano X, n.º 10. Porto: Outubro 1970, p. 295; FERNANDES, José Alberto Rio – “O comércio retalhista na cidade do Porto de inais do século XIX”, in O Tripeiro. 7.ª Série, (Série Nova), vol. X, Ano X, n.º 10. Porto: Outubro 1991, pp. 306(F)-307; O Tripeiro. 7.ª Série, vol. XIII, Ano XIII, n.º 3/4. Porto: Março / Abril 1994, p. 87(F); LEITE, Arnaldo – O “Porto 1900”: crónicas. Porto: Livraria Figueirinhas, 1952, pp. 14-15, 133 (IL); BRUNO, [José Pereira de Sampaio] – Portuenses illustres. Porto: Magalhães & Moniz, 1907, tomo II, pp. 298-299; PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 183-184; PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 45-46, 70; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Página Editora, [s. d.], vol. 19, pp. 984-985; Charivari. 1.º Ano. Porto: 23 de Agosto de 1887 (capa p. 329 e centrais pp. 332-333); A Mosca. N.º 32, 2.º Ano. Porto: 7 de Setembro de 1884 (capa); Diário de Notícias. Lisboa: 19 de Agosto de 1907 (capa); PEREIRA, António Manuel – Governantes de Portugal desde 1820 até ao Dr. Salazar. Porto: Manuel Barreira, Editor – Livraria Simões Lopes, 1959, p. 100 e FREITAS, Eugénio de Andrea da Cunha e – Memória Histórica da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo da cidade do Porto. Porto: [s. n.] [Impr. Portuguesa], 1956, pp. 99-100. 262 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Outra botica muito frequentada foi a Farmácia Amorim43, que, todavia, era mais conhecida como o Clube Rigollot44, tão expressiva era a sua tertúlia. Aqui, desde o im da tarde até por vezes noite adentro, se reunia vasto número de personalidades45 em amena cavaqueira de assuntos muito diversos, porém tentando evitar a conversa sobre política partidária. 43 De Francisco José de Amorim, natural de Braga. Viveu algum tempo em França e na Ilha da Madeira e depois radicou-se na Foz do Douro. Esteve aberta a farmácia em inais do século XIX - fechou nas primeiras décadas do século XX, nos n.os 34-35 da Esplanada do Castelo, na Foz do Douro. Tinha um ajudante de apelido Pereira. 44 Nome dado em homenagem à memória de um benemérito, João Paulo Rigollot, aperfeiçoador dos sinapismos outrora usados. 45 Por aqui se encontravam: barão de Paçô Vieira, José Joaquim de Sousa Barreiros Coelho Vieira Júnior (Guimarães, 16/8/1825 - Guimarães, Casa de Paçô Vieira, 2/3/1906), formado em Direito (1851), delegado do Procurador Régio, auditor do Exército (1864), governador civil de Braga (15/2/1865), vice-presidente e posteriormente presidente do Tribunal da Relação do Porto (1894 e 1896 respectivamente), juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (1901), deputado em várias legislaturas, pai do conde de Paçô-Vieira (1.º) e do visconde de Guilhomil. Título de 11/7/1868, por D. Luís I; Francisco Ramalho Ortigão (sobrinho de Ramalho Ortigão), comerciante que dirigiu a casa comercial Ramalho Ortigão & Filho, chegou a montar nos jardins da sua residência, à Rua Alto da Vila, uma fábrica de tapetes, excelente cavaleiro e amador de equipagens, foi um dos organizadores do antigo Centro Hípico do Porto, Cônsul do Panamá, a quem chamavam Rof porque, na sua mocidade, fez jornalismo assinando-se R.O.F., pai de Francisco Veiga Ramalho Ortigão, passava temporadas na Foz; engenheiro Barros Araújo; José Diogo Arroio (Porto, Rua Formosa, 23/7/1854 - Porto, Foz, 16/11/1925), doutor em ilosoia pela Universidade de Coimbra, lente da cadeira de Zoologia e de Química Inorgânica (durante 44 anos) e director interino da Academia Politécnica do Porto, professor de Química Geral e Análise Química do Instituto Comercial e Industrial do Porto, director da Faculdade de Ciências do Porto durante 7 anos, jornalista e um dos fundadores do Jornal de Notícias, político, deputado, Conselheiro de Estado e notável pianista, primeiro director do Teatro Nacional de S. João; Adriano Bandeira; João José Vaz da Gama Barata (oicial superior do Exército); Dr. António Brandão Pereira (nasceu em Braga); José Alves Bonifácio (Viana do Castelo, freguesia de Castelo de Neiva, 22/1/1860 - 1943), professor do Liceu Central do Porto e da Academia Politécnica, vereador da Câmara Municipal do Porto, viveu na Rua do Gama, na Foz do Douro; José Maria Rodrigues de Carvalho (Braga, 2/4/1829 - Paris, 31/7/1908), juiz conselheiro, deputado em várias legislaturas, nomeado par do Reino e que presidiu à Câmara Alta; António Marinho Falcão de Castro; Domingos Correia (coronel); Pedro Maria Pinto Leite da Fonseca (1868-1930), caricaturista e autor do álbum de caricaturas Glórias da Foz e do Clube Rigollot, cantor amador; Manuel Ribeiro Rodrigues Forbes; António Granjo (Chaves, 27/12/1881 - Lisboa, 19/10/1921), assassinado na Noite Sangrenta, advogado, político, presidente da Câmara Municipal de Chaves (de Fevereiro a Julho de 1919), fundador do Partido Republicano Liberal, ministro da justiça no governo de coligação de Domingos Pereira (entre 30 de Março a 30 de Junho de 1919 e de novo entre 15 e 21 de Janeiro de 1920), presidente do conselho de ministros (entre 19 de Julho e 20 de Novembro de 1920, num governo liberal, e de novo entre 30 de Agosto e 19 de Outubro de 1921), maçom; Manuel Granjo (professor do Liceu); Henrique Carlos de Meireles Kendall (Porto, Santo Ildefonso 11/5/1839 - Porto, Foz do Douro 15/9/1917), morador na Rua do Rosário, n.º 112 em Miragaia, comerciante da praça do Porto, jornalista, banqueiro, accionista do Banco Mercantil de Viana do Castelo (com 100 acções), presidente do conselho administrativo da Companhia das Docas e Caminhos de Ferro Peninsulares, fundador e gerente da companhia de navegação Progresso Marítimo Portuense, deputado eleito pelo Porto na legislatura de 1906, membro da comissão organizadora das festas que se realizaram no Porto em Abril de 1904, comemorando o centenário do infante D. Henrique, vogal efectivo no Tribunal do Contencioso Fiscal (junto à alfândega do Porto), membro da comissão de exame de contas da Asso6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 263 ciação Comercial do Porto em 1870, director em 1882 e presidente da Associação Comercial do Porto em 1894 e 1895 (no último ano, não exerceu o cargo até ao im), vice-presidente da Real Companhia Hortícola, membro do conselho iscal do Banco Comercial do Porto e da Companhia de Fiação de Salgueiros, tesoureiro e membro da direcção da Associação das Creches de S. Vicente de Paulo, cultor das belas-artes e amador de música muito considerado, tendo tomado parte em alguns concertos de caridade, a que nunca recusou o seu valioso auxilio, escritor e memorialista, pai de onze ilhos, em cuja casa se lançaram as bases do Orpheon Portuense, tendo sido a Rua D. Carlos I - depois Rua José Falcão - por ele aberta em inais da década de 1880, um dos maiores e mais assíduos animadores deste clube Rigollot; Artur César Veiga de Lacerda, Director da Companhia Aliança, director do Clube da Foz; Vitorino Teixeira Laranjeira (Amarante, S. Gonçalo, 21/3/1855 - 1934), bacharel pela Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, engenheiro militar que supervisionou o estudo e a construção da linha férrea do Douro, na etapa do Pocinho a Barca d’Alva, fez parte do Conselho Superior da Instrução Pública, administrador da Companhia das Docas e da Companhia dos Caminhos de Ferro Peninsulares e presidente da Comissão da Cultura do Tabaco do Douro, professor da Academia Politécnica (cadeira de Construções Civis - Vias de Comunicação), do Instituto Industrial e Comercial, e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, vice-reitor e reitor da Universidade do Porto, general graduado, escritor e poeta humorístico; Ernesto Teixeira de Lencastre, coronel-médico, durante muitos anos director do Hospital Militar D. Pedro V, à Boavista; José da Cunha Lima, Capitão de Mar e Guerra, falecido Almirante, impulsionador da construção dos courts de ténis da Foz, ainda hoje existentes; António Pinto de Queirós Montenegro (nascido no Marco de Canaveses, Casa do Casal, 28/11/1846), morador na Foz, empreiteiro do caminho de ferro; Alberto Pais, coronel, conspirador no 13 de Dezembro, adido militar em Madrid e irmão de Sidónio Pais, aluno de Manuel Granjo, que o chumbou em Alemão impedindo-o assim de ingressar no curso de Estado-Maior (em pleno Clube Rigollot, Pais foi desagravar-se, mas, como Granjo lhe respondesse desabridamente, Pais desferiu-lhe uma chapada e envolveram-se em contenda, que os demais sócios, e em particular Montenegro, tudo izeram para acalmar; Granjo quis intentar uma acção judicial contra Pais, mas como não conseguisse alguém que tivesse visto algo, acabou por desistir e tudo foi esquecido mais tarde); Cândido Augusto Correia de Pinho, médico, professor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto (1890), durante algum tempo presidente da Câmara Municipal do Porto, 2.º reitor da Universidade do Porto (1918-1919); José Nunes da Ponte (Açores, Ribeira Grande, 20/5/1848 - Porto, 5/9/1924), poeta que publicou, ainda nos tempos de estudante em Coimbra, a obra Ondulações, que Camilo refere no Cancioneiro Alegre, amigo de António de Macedo Papança (conde de Monsaraz), médico pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1879, segundo governador civil republicano do Porto (entre 31/5/1911 e 20/9/1911), vereador e presidente da Câmara Municipal do Porto; membro do Partido Republicano Português e depois do Partido Unionista, deputado e ministro do Fomento durante o governo de Pimenta de Castro (1915), da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, vice-provedor da Misericórdia, provedor da Ordem de S. Francisco; Francisco Eduardo Leite da Silva, médico conhecido como o Leite das Moças; Jorge Pinto da Silva (cônsul da Bélgica); Joaquim Ferreira da Silva, ferrenho anglóilo; Sousa Vieira (médico analista). Não terá durado muitos anos esta “agremiação” pois, em dezembro de 1952, o brigadeiro Nunes da Ponte, na revista O Tripeiro, 5.ª série, asseverava que nenhum dos sócios do clube Rigollot pertencia ao número dos vivos. ORTIGÃO, Francisco Veiga Ramalho – “A propósito de O Clube Rigollot”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IX, n.º 7. Porto: Novembro 1953, p. 206, col.ª 2; PONTE, Luís Nunes da – Recordando o velho Porto. Arcozelo: Enepê, 2002, vol. 1, pp. 158-167, 184-194 e RIGAUD, João-Heitor – O compositor Nicolau Ribas, in http://www.meloteca.com/pdfartigos/joao-heitor-rigaud_o-compositor-nicolau-ribas.pdf pp. 20, 30-31 (2012/03/08; 17.43h). Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto: José Alves Bonifácio, in http:// sigarra.up.pt/up/web_base.gera_pagina?P_pagina=1006511 (2012/07/12; 5.47h); http://www.arqnet.pt/dicionario/kendallh.html (2011/03/14; 7.09h); PORTELA, Carlos – Vitorino Laranjeira, in http://amaranteportal.pt/index.php/ historia-de-amarante (2013/03/19; 22.07h); PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, p. 255; PEREIRA, António Manuel – Governantes de Portugal desde 1820 até ao Dr. Salazar. Porto: Manuel Barreira, Editor – Livraria Simões Lopes, 1959, pp. 51, 57-58, 60, 62, 101; FRAGA, Luís Alves de – Do intervencionismo ao sidonismo: os dois segmentos da política de guerra na 1.ª República, 1916-1918. Coimbra: Imprensa da Universidade, D.L. 2010, pp. 450-451. 264 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Por último, mencionemos a Farmácia do Padrão46, pela singularidade de aí se concitar, por volta dos idos de 1899, um curioso número de ferrenhos amadores de bisca lambida ou não, que até exararam um regimento de jogo muito peculiar, quando não humorístico nalguns dos seus itens47. 7 – “Na esquina do largo dos Loios, icava a melhor livraria do Porto, — a More, — onde, além dos livros, se vendiam «quinquilharias» várias; a esquina da More foi um lugar cé¬lebre de cavaco”, dizia Magalhães Basto na sua obra O Porto do Romantismo. Fonte – FIGUEIREDO, Ricardo – do Porto e não só… O Porto há cem anos 4: A praça de D. Pedro IV, in http://doportoenaoso.blogspot. pt/2010/06/o-porto-ha-cemanos-4.html (2014/02/17; 18.13h). Ressalvamos, ainda, como lugar de encontro e cavaqueira, a conceituada Livraria Moré48. Aqui, entre a recolha das novidades literárias e a palestra sobre este e outros assuntos, se congregavam muitas personalidades de vulto49. 46 De inais do século XIX e que ainda hoje existe, no Largo do Padrão. 47 “1º. Dentro do Templo da Bisca é proibido a má língua. Só se permite falar de vidas alheias, berrar contra o governo – seja ele qual for – e descompor os parceiros que jogarem mal. 2º. Cada sócio é obrigado a contribuir com 200rs por mês para as despesas do expediente. 3º. Os mirones são considerados sócios honorários. Como só gozam metade, a sua entrada na sala de jogo,… obriga-os ao pagamento mensal de 100rs. 8º. Nenhum sócio é obrigado a jogar além das 10 horas da noite. 10º. Não é permitido molestar o físico das cartas. Quem o izer dobrando-as, torcendo-as ou batendo-as violentamente na mesa pagará a multa de 20rs. 11º. Os sócios a quem for dado o gozo de deslorar um baralho de cartas, esportularão em homenagem à virgindade a quantia de 10rs por caveira. 12º. Não são permitidas as escamações. Quem perturbar a paz e a santa harmonia do Clube, zangando-se por causa de assuntos bisqueiros, terá de beneiciar a caixa social com a quantia de 100rs, como sinal de profundo arrependimento por ter tido a ousadia de levar a desordem ao Sagrado Templo da Bisca. 13º. Como o Templo da Bisca é lugar de entretimento e não de batota, os jogos são a feijões ou Padre-Nossos.” – cf. CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: divertimentos dos portuenses – XXV, in http://portoarc.blogspot.pt/2013/11/divertimentos-dos-portuenses-xxv. html (2014/02/17; 20.17h). 48 De Nicolau Moré, também conhecida por Viúva Moré, na esquina Lóios / Praça Nova. Aberta em 1835, desaparece nos inais do XIX / inícios do XX, sendo substituída por uma camisaria – cf. PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 250-251. 49 Tais como: Júlio Dinis (que nunca abandonou esta editora pela de Chardron); Camilo Castelo Branco (pois foi, durante muitos anos, a sua editora); Sousa Monteiro; conde de Samodães (2.º); D. António Aires de Gouveia; Augusto Luso da Silva; Pedro Ivo; Manuel Paulino de Oliveira; cónego Alves Mendes; Freitas 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 265 Existiam, evidentemente, muitos outros lugares de encontro de tertulianos50, que brevemente enunciamos, tais como: à porta da Casa Lino51; a Casa Havaneza52; a Tabacaria Freitas & Azevedo53; a loja oculista do Sanches54; a Estalagem da Ponte da Pedra55; a Hospedaria Francesa56; ou a joalharia de João Marques Nogueira Lima57. Fortuna; Epifânio da Silva Dias; Agostinho Albano; conde de Azevedo (1.º); Rodrigues de Freitas; Eça de Queirós; Guerra Junqueiro; Ramalho Ortigão; Fernandes (bibliómano da Picaria); Adolfo Soares Cardoso; Albino Montenegro; Molarinho; Pedro de Amorim Viana; Alberto Pimentel; Ernesto Chardron (que foi caixeiro e empregado superior desta livraria); José Gomes Monteiro (gerente desta livraria); visconde de Vilarinho de São Romão; Dr. Albuquerque; Eduardo Allen; Eduardo Sequeira; Gonçalo Sampaio; Sampaio Bruno; Dr. Magalhães Lemos; Alberto de Aguiar; Rocha Peixoto; Ricardo Severo; Arnaldo Gama; visconde de Benalcanfor; Coelho Lousada; Mathieu Lugan. 50 Afora a livraria Moré, ostentavam os seus mostruários no Porto outras que foram das mais produtivas do país: a Chardron, mais tarde de António Leite, livreiro arrojado, homem honesto e patriota; a de Magalhães e Monis [Magalhães & Moniz]; a da Companhia Portuguesa Editora; a da Empresa Literária e Tipográica, de Joaquim Antunes Leitão, alma cheia de luz e de bondade e que tão martirizadamente se inou. Algumas mais de que não me lembro a irma sob que giravam. Nessas livrarias, como sucedia na Moré, cavaqueavam, dissertavam, criticavam e mordiscavam os frequentadores.” NORONHA, Eduardo – Escritores, Poetas e Jornalistas. O Primeiro de Janeiro: Porto: 4 de Setembro de 1942. 51 Casa comercial que icava ao fundo da Calçada dos Clérigos, à esquina da Rua das Hortas - actual Rua do Almada, muito próxima da Viela da Polé, que foi expropriada por causa da construção do novo edifício do Banco de Portugal, cuja frontaria está voltada para a Praça da Liberdade. Sobre este estabelecimento e seus convivas pode-se consultar a obra: SARAIVA, José – Á porta do Lino: colecção de notas saudosas da vida portuense nos últimos sessenta anos. Famalicão: Tip. “Minerva” de Gaspar P. de Sousa & Irmão, 1933. Na obra, fala-se da tertúlia que reunia à porta desta casa comercial, sobretudo a partir da p. 195 até à p. 378. 52 No cimo da Rua de Santo António. 53 Esquina da Rua do Almada com a Rua dos Clérigos; casa de fazendas depois vertida numa tabacaria. Em 1908 era a Freitas & Barbosa e depois passou a ser Daniel Barbosa & C.a. 54 De José Luís Sanches, na Rua de Santo António. Sobre os dois estabelecimentos comerciais antes citados, podemos ler na obra de Alberto Pimentel a seguinte informação: Muitos dos confrades [da Sociedade Graciosa, de 1867, onde pontiicavam: Pereira Pote; Urbano Loureiro; Manuel Vieira de Andrade; Marcolino - actor, que por doença se retirou de Lisboa; Fernandes - do correio] encontravam-se logo de manhã na loja de fazendas, do Freitas & Azevedo, ao fundo dos Clérigos, mas de tarde eram certos na loja do Sanches, oculista, da Rua de Santo António. Ao cair da noite, iam para a Águia d’Ouro. – cf. PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 81-82. 55 Ou Tasca do tio António, onde, entre outros, se podiam encontrar: João Roberto de Araújo Taveira (juiz da Relação do Porto); António Guedes Infante; José Augusto Pinto de Magalhães (marido de Fanny Owen); João Guimarães; os Leites de Paço de Sousa; os morgados de Riba-Douro, Riba-Corgo e Riba-Tâmega; Camilo; Aloísio Ferreira de Seabra. 56 Largo da Batalha - à esquina de Cimo de Vila, e depois na Travessa da Fábrica - defronte do palácio do visconde de Laborim. Este lugar tinha a peculiaridade de ser o coio dos marialvas do norte, que na opinião da burguesia, levavam vida desregrada, conversando, bebendo e jogando toda a noite, accordando ao meio dia, jantando depois do escurecer, e que eram odiados por serem os amotinadores da cidade paciica, cujas calçadas desgastavam com as ferraduras dos seus cavalos de preço […] Diziam as más linguas que alli se tirava o dinheiro aos homens e a reputação ás mulheres – cf. PIMENTEL, Alberto – Os Amores de Camilo. Lisboa: Libanio & Cunha - Editores, 1899, pp. 7-10. 57 Na Rua das Flores. Esta sua casa era mais frequentada por literatos do que por fregueses, mas não esquecer que ele foi proprietário de um dos mais importantes periódicos literários de então – A Grinalda 266 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Como se pôde ver, o Porto vibrava, um pouco por todo o lado, com lugares de vária feição, onde se plasmava o forte sentimento da convivialidade, da lânerie ou do boulevardier58 e da boémia59 tão característica do Oitocentos. Todavia foram, sem dúvida nenhuma, os Botequins / Cafés que, durante todo o século XIX (pelo menos), agregaram, mais do que a qualidade de casa comercial de venda do produto, per si, a particularidade de se transformarem, paulatinamente, no maior centro de convívio60 social, interclassista e intergeracional, onde se engendraram trocas de informação social, política, cultural, religiosa e económica. (1855-1869) – que concitava nomes maiores das letras como, entre outros: Guilherme Braga; Júlio Dinis; Pedro de Lima; Augusto Luso; José Dias de Oliveira; Augusto de Queirós; Joaquim Pinto Ribeiro; Sousa Viterbo; Soares de Passos; Maria Adelaide Fernandes Prata; Henrique Luso. 58 Um conceito que já remonta ao século XVI / XVII mas que agora se amplia e imbui de um sentimento que Honoré de Balzac tão bem descreve como a gastronomia do olho. Muito ligado à urbanidade e seu fruir, para o qual contribuem agora os novos arruamentos, avenidas, jardins, como de igual modo - e com a paulatina iluminação eléctrica da cidade - o espraiar da vivência para horários mais noctívagos. 59 Outro conceito muito da urbanidade e que é renovado como neotérico pela obra: Scènes de la vie de bohème, de 1851, de Henry Murger - obra que ecoará na de Camilo em Bohemia do Espírito, de 1886; e contagiará a ópera de Puccini - de 1896 - e a de Leoncavallo - de 1897 - La Bohème, e ainda o ilme - com o mesmo título - de 1926 de King Vidor, bem como o de Aki Kaurismäki La Vie de Bohème de 1990, entre tantas outras obras. E porque não recordar a Gazeta do Realismo – Orgão da última bohemia (1879), que por falta de dinheiro dos seus autores - que eram Sampaio Bruno, Joaquim Araújo, Francisco Carrelhas, José da Luz Braga e Gaspar de Lemos - foi justamente editada no Café Lisbonense. 60 E damos uma descrição, disto mesmo, da ambiência no Café Guichard, mas podia bem ser no Botequim do Pepino, ainda mais convulso, ou em qualquer outro: Ás noites, no Guichard, esses moços que vinham da Tavora Redonda, escorropichavam copinhos de hortelã pimenta, declamando Lamartine, Soares de Passos e João de Lemos. Era o botequim dos Alfredos e dos Manricos [personagens de Die Fledermaus de Johann Strauss e de Il Trovatore, de Verdi], de melena revolta e alma ardendo em labaredas romanticas. Aí se reuniam habitualmente os literatos, os poetas e os romanticos que vinham das agitações do cêrco e da Patuleia e que, entre um calice de licôr e uma fumaça de charuto, decidiam dos destinos da arte e da politica. Era lá que, ás tardes, invariavelmente aparecia, hirto e misterioso, o Friedelain, consul alemão, homem de habitos exoticos, elegante como o [Ricardo de Clamouse] Brown e como ele apaixonado pela musica. Esse diplomata janota, que reunia os seus amigos numa sala atulhada de moveis de arte, a que uma Venus de marmore presidia do alto do seu rico pedestal de pau preto, cantava velhas canções germanicas, encostado ao piano, de olhos itos na Venus tutelar… Camilo achava-o maluco, mas encantador. E Friedelain galhardamente lhe demonstrou a sua gratidão impedindo que, em certa tarde agitada, o Brown, ardendo em colera, chicoteasse o romancista que, para se defender, puxára duma navalha toledana, como numa rixa sordida de magarefes ou almocreves… De resto, no Guichard […] muitas vezes sucediam casos tragicos de murros vingadores. Os poetas suspiravam mas tambem batiam… e levavam. E era sempre no botequim que essas batalhas de amor se feriam, aquecidas ordinariamente a cognac ou a licôr de rosa, que era o netar predileto dos moços apaixonados… Nesses tempos de balada e murro, o botequim era o centro de toda a vida portuense. Á volta de uma mesa compunham-se odes, combinavam-se raptos, planeavam-se conjuras. Discutiam-se os mais complicados problemas da politica e da arte, umas vezes serenamente, outras entre vociferações, apostrofes, ameaças e… garrafas partidas – cf. PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, pp. 22-23. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 267 É, por tudo isto, irrefragável que dediquemos uma especial e alargada atenção a este tipo de estabelecimento, que, ademais, aporta consigo novidades muito particulares no plano da revolução social61. Fazemo-lo porque encontrámos uma grande carência de informação sobre eles. Quando esta existe, está fragmentada, dispersa, sem sistematização, por vezes sem cronologia apontada, por vezes com localizações erróneas, quase sempre sem grande informação descritiva, dos seus mais variados aspectos, ou bio-bibliográica. Assim, aspirámos oferecer um subsídio em que se possa compaginar, reunindo, toda esta informação. Acrescentamos alguma informação adicional, relacionando estes estabelecimentos, casuisticamente, com outras instituições. Lembremo-nos que, na rua, as classes e gerações sempre se miscigenaram. É certo que, nos espaços comuns de algumas casas de espectáculos cénicos ou de entretenimento, isso irmãmente parecia acontecer, porém cada qual era direccionado, subsequentemente, para um lugar especíico e a triagem era feita pela capacidade inanceira de cada um. 61 Tão importantes foram estes estabelecimentos na história dos povos, que sobre eles airmava Garrett: O café é uma das feições mais características de uma terra. O viajante experimentado e ino chega a qualquer parte, entra no café, observa-o, examina-o, estuda-o e tem conhecido o país em que está, o seu governo, as suas leis, os seus costumes, a sua religião. // Levem-me de olhos tapados onde quiserem, não me desvendem senão no café; e protesto-lhes que em menos de dez minutos, lhes digo a terra em que estou, se for país sublunar. GARRETT, Almeida – Viagens na minha terra. 2.ª ed. Porto: Porto Editora, [s. d.] [1977], pp. 48-49. Mas podemos avocar outros autores de nomeada: Goethe escreveu que, neste tipo de estabelecimento, se pode icar sentado durante horas, a discutir, escrever, jogar às cartas, receber correio e, sobretudo, folhear um número ilimitado de jornais e de revistas; já Balzac chamava aos cafés o parlamento do povo – cf. DIAS, Marina Tavares – Os Cafés de Lisboa. Lisboa: Quimera Editores, D.L. 1999, p. 8; Torga, sobre a robusta capacidade de trabalho das pessoas no Porto, assevera que até dos cafés faz bôlsa – espécie de mercado livre – onde compra e vende como numa loja cf. TORGA, Miguel – O Pôrto: conferência lida no Clube dos Fenianos Portuenses na noite de 5 de Fevereiro de 1944. Coimbra: [s. n.] [Gráica de Coimbra], [s. d.] [D.L. 1995], p. 11; ou ainda Louis, chevalier de Mailly, na sua obra, de 1702, Les Entretiens des cafés de Paris, et les diferens qui y surviennent comentava: Les Cafés font [leia-se: sont] des lieux fort agréables,& [et] où l’on trouve toute fortes [sortes] de gens & [et] de diferens [diférents] caracteres. L’on y voit de jeunes Cavaliers bien faits qui s’y rejoüifent [réjouissent] agréablement. L’on y voit aui [aussi] des perfones [personnes] favantes [savantes] qui viennent s’y delafer [délasser] l’efprit [l’esprit] du travail du Cabinet. L’on y en voit d’autres dont la gravité & [et] l’embonpoint leur tiennent lieu de merite. Ceux-ci d’un ton élevé impofent [imposent] souvent ilence [silence] au plus habile, & [et] s’éforcent de loüer ce qui eft [est] digne de blâme, & [et] de blâmer ce qui eft [est] digne de loüange. Leur ignorance en eft [est] la cause, & [et] quelque fois leur jalouie [jalousie]. Quel divertifement [divertissement] pour des gens d’efprit [d’esprit] de voir des originaux s’ériger en arbitres du bon fens [sens], & [et] decider d’un ton imperieux ce qui eft [est] au defus [au-dessus] de leur portée! - cf. MAILLY, Chevalier de - Les Entretiens des cafés de Paris, et les diferens qui y surviennent. Trevoux: Etienne Ganeau, 1702, pp. 1-2 [Premier entretien]. 268 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Recordemo-nos que, até ao aparecimento dos democráticos e públicos botequins, o convívio era feito em agremiações62 de carácter privado63, como sejam os casos: da Assembleia Portuense64, depois Club Portuense65; da 62 Para além das de carácter desportivo, que reuniam, obrigatoriamente, apenas pessoas com gostos ains, a exemplo: o Real Clube Fluvial Portuense (4/11/1876; MARÇAL, Horácio – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 5-6. Porto: Maio - Junho de 1987, p. 150); o Oporto Cricket & Lawn Tennis Club (1893; PONTE, Luís Nunes da – Recordando o velho Porto. Arcozelo: Enepê, 2002, vol. 1, pp. 205-216); o Clube Ginástico de Mafamude (Clube Recreativo de Mafamude depois conhecido por Clube da Rasa, dos Cunhas da Rasa - Alfredo, António e Eduardo da Silva Cunha, chamados Cunha da Rasa; pertenceu também a este clube Ilídio de Faria Guimarães); ou o Clube Velocipedista Portuense (9/3/1880 - 1883; com sede na Rotunda da Boavista, que se deveu aos esforços de Alberto d’Andrade, Aurélio Vieira, Carlos Soares, John Minchin Júnior, e Guilherme Minchin; acabou ao im de 3 anos e foi refundado com o nome de Club Velocipedista do Porto, mas desaparecendo, de novo, em poucos anos; foi reorganizado a 1/10/1892, pelos incessantes esforços de Frederico Braga). Sobre o Club Velocipedista ver: DELGADO, António Martins – A velocipedia: hygiene e therapeutica. Porto: Typographia Gandra, 1893, pp. 64-65; O Sorvete. N.º 130, 3.º Ano. Porto: 14 de Novembro de 1880, (pp. 559-560) (corridas na Boavista); O Sorvete. N.º 292, 6.º Ano. Porto: 16 de Dezembro de 1883, (capa) (corridas no Palácio); O Sorvete. N.º 170, 15.º Ano. Porto: 6 de Agosto 1893, (centrais) (a velocipedemania...); O Sorvete. N.º 175, 15.º Ano. Porto: 10 de Setembro de 1893, (capa) (polémica com o jornal Velocipedista). 63 Caso, igualmente, da Associação Comercial do Porto (1834), grande centro de decisões e de poder institucional e de negócios; da Associação Industrial Portuense (3/5/1849); das associações mutualistas; das instituições de previdência; da Misericórdia; das instituições bancárias… centros decisores sócio-políticos, mas de acesso restrito. 64 (31/5/1834 - c: 1905), na Praça do Laranjal (antigo Terreiro ou Praça da Erva), em parte da casa de António Bernardo Ferreira, marido de D. Antónia Adelaide Ferreira (a Ferreirinha); o ‘palheiro’, como lhe chamava Camilo: Ora o «Palheiro» era na Assembleia Portuense uma sala [Sala de Companhia] em que se reuniam por costume sujeitos vesados a falar das vidas alheias, a descobrir ou inventar escandalos. Nela predominavam o elemento brasileiro de torna-viagem e ganhou o nome de Palheiro, segundo o sarcasta Camilo, pois que palha era o alimento natural dos seus frequentadores. Claro que a origem do nome advinha, segundo relatos coevos, do facto de a sala ter no chão uma esteira a cobrir o soalho. PIMENTEL, Alberto – O Torturado de Seide. Lisboa: Livraria de Manoel dos Santos, 1922, p. 92; PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 162-163 e PONTE, Luís Nunes da – Recordando o velho Porto. Arcozelo: Enepê, 2002, vol. 1, pp. 9-16 (F). 65 Fundado a 24/5/1857. A dissensão com a Assembleia Portuense deu-se por motivos inanceiros, que levaram esta agremiação a suspender uma das tradições desta casa: a oferta diária (variando o horário consoante as estações) de chá e bolos. Os sócios mais antigos (designados chásistas) protestaram e acabaram por sair e fundar outra Assembleia (do lado de lá da Praça do Laranjal, num edifício que, em parte, é onde hoje está o Clube Fenianos). Com o Clube Portuense se fundiu, em 8/8/1880, a Sociedade Filarmónica Portuense que tinha a sua sede por cima do Botequim das Hortas, na Rua das Hortas – actual Rua do Almada – onde, hoje, se encontra o Hotel Intercontinental. A Sociedade Filarmónica Portuense fora fundada em 13/3/1840 por Francisco Eduardo da Costa (Lamego, 15/3/1818 - Porto, 27/8/1855), pianista, nomeado organista da Sé do Porto pelo bispo D. Jerónimo Rebelo, que morreu tuberculoso e encontra-se sepultado no Prado do Repouso. Fez, ainda, parte da Sociedade dos Quartetos Clássicos do Porto. Com a fusão destas duas associações, surgiu o Grémio Portuense. Tem a sua sede, desde 1924, na Rua Cândido dos Reis. – cf. O Tripeiro. Vol. III, 1.ª Série, 3.º Ano, n.º 73. Porto: 1 de Julho de 1910, (p. 5); PEREZ, Gustavo D’Ávila – “O Tripeiro” Camiliano”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano II, n.º 8. Porto: Agosto 1962, pp. 248-249; O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VI, n.º 3. Porto: Março 1966, (p. 82 planta); MARÇAL, Horácio – “O antigo sítio do Laranjal”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VI, n.º 4. Porto: Abril 1966, (p. 107 F., Assembleia Portuense) 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 269 Terpsícore66 e da Nova Euterpe67, que deram origem ao Ateneu Comercial do Porto68; ou dos Fenianos69. Contudo, nestas associações70 a entrada não era, e não o é ainda hoje, livre: implicava que se fosse sócio, ou convidado por um sócio, para se ter acesso às instalações71. pp. 109-110. O Sorvete. N.º 2, 12.º Ano. Porto: 26 de Janeiro de 1890 (centrais) (posição algo inglesada dos membros do Club Portuense). PIMENTEL, Alberto – O Porto por fóra e por dentro. Porto – Braga: Livraria Internacional de Ernesto e Eugenio Chardron, 1878, p. 171; PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 102, 162, 188-189. Vd., para a história do Club Portuense, PONTE, Luís Nunes da – Recordando o velho Porto. Arcozelo: Enepê, 2002, vol. 1, pp. 9-27(F), 38-44, 58-70 e vol. 2, pp. 83-96; BASTO, Artur de Magalhães – O Club Portuense: breve monograia histórica. Porto: Club Portuense, 2004; FERREIRA, Damião Veloso – Os 140 anos do Club Portuense, 1857-1997. Porto: Club Portuense, 1998; TORRES, Manuel Augusto Pereira e Cunha Pinheiro – O sesquicentenário do Club Portuense, 1857-2007. [S. l.] [Porto]: Club Portuense, 2008 e SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – História do Club Portuense (1857-2007). Porto: Club Portuense, 2008. 66 Sociedade Terpsícore, com sede no Largo do Corpo da Guarda (antes chamado Largo da Relação ou Largo da Chancelaria). Serviu de cenário a um sarcástico trecho da obra de Camilo, Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado, publicado em 1863. Vd. PEREIRA, Gaspar Martins (coord.) – Álbum de memórias do Ateneu Comercial do Porto: 1869-1994. Porto: Ateneu Comercial do Porto, 1995. 67 Sociedade Nova Euterpe ou Sociedade Comercial Nova Euterpe (29/8/1869), com sede na Rua da Porta do Sol, fundiu em si diversos clubes recreativos anteriores. O Sorvete. N.º 101, 3.º Ano. Porto: 2 de Maio de 1880, (pp. 323, 324, – sessão solene na Nova Euterpe em honra de Brito Capelo e de Roberto Ivens, com a presença de Joaquim de Vasconcelos, 325); O Sorvete. N.º 248, 6.º Ano. Porto: 11 de Fevereiro de 1883, (p. 471); O Sorvete. N.º 299, 7.º Anno, Porto 3 de Fevereiro de 1884 (p. 35) (baile, e uma história de saias...); O Sorvete. N.º 300, 7.º Ano. Porto: 10 de Fevereiro de 1884, (p. 47) (sarau ginástico na Euterpe) e O Sorvete. N.º 312, 7.º Ano. Porto: 4 de Maio de 1884, (p. 143) (sarau ginástico na Euterpe); O Sorvete. N.º 214, 16.º Ano. Porto: 10 de Junho de 1894, (capa, p. 2, centrais) (sobre a presença no Porto de Luciano de Castro, para uma soirée progressista na Euterpe, com a presença do Dr. Costa e Almeida, António Cândido, Alves Mateus, o jornalista José de Alpoim, e Pinheiro de Melo da ex-associação dos lojistas de Lisboa. Doutrinas políticas – enquanto estão no poder exercem pressão sobre o povo, quando na oposição gritam constantemente contra o governo, e pedem o bota abaixo). Vd. PEREIRA, Gaspar Martins (coord.) – Álbum de memórias do Ateneu Comercial do Porto: 1869-1994. Porto: Ateneu Comercial do Porto, 1995. 68 Fundado a 29 de Agosto de 1869 (reunindo outras associações anteriores, caso da Terpsícore e da Nova Euterpe), com sede própria, na Rua de Passos Manuel (desde Maio de 1885). Tem um riquíssimo espólio artístico com representação dos mais consagrados nomes da arte portuguesa (em núcleos de pintura, escultura, faiança e porcelana, numismática e medalhística…) e, sobretudo, possui uma das melhores bibliotecas privadas de fundo de livro antigo da Península Ibérica (destacamos a primeira edição dos Lusíadas – a camoniana é das melhores do país; a camiliana, a garrettiana...), uma bíblia de 1500, escritos de Fernão Lopes, Nobiliário do Conde D. Pedro 1527…). Vd., para a história do Club, BASTO, Artur de Magalhães – Os setenta e cinco anos do Ateneu. Porto: Ateneu Comercial do Porto, 1945. (Conferência pronunciada pelo autor em a noite de 11 de Dezembro de 1944, no salão nobre do Ateneu Comercial do Porto) e PEREIRA, Gaspar Martins (coord.) – Álbum de memórias do Ateneu Comercial do Porto: 1869-1994. Porto: Ateneu Comercial do Porto, 1995. O Sorvete. N.º 369 8.º Ano. Porto: 31 de Maio de 1885, (p. 171, centrais) (sobre a inauguração da nova sede em Passos Manuel); O Sorvete. N.º 390, 8.º Ano. Porto: 25 de Outubro de 1885, (p. 347) (pagou as contas do Hotel do Porto e da Companhia Viação, relativas à presença dos exploradores africanos no Porto); O Sorvete. N.º 4, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 22 de Janeiro de 1888, (capa) (Bordalo Pinheiro expõe as suas louças das Caldas no Salão do Ateneu); O Sorvete. N.º 5, 11.º Ano, 2.ª Série. 270 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Com entrada franca e sem pré-requisitos, o democrático botequim / café, transformar-se-á gradativamente em grande areópago social, onde as classes sociais se miscigenam e convivem sem qualquer outra exigência que não seja a da pura vontade de o fazer. E veremos, pela clientela apontada para cada estabelecimento, que, ao longo da sua evolução no tempo, as barreiras sociais caíram e aí conviviam, pela primeira vez, lado a lado, os banqueiros com os estudantes, as coristas e os actores com os industriais, os comerciantes com os prelados, os professores com os desportistas, os cientistas com os artistas, os jornalistas com os farmacêuticos, os poetas e escritores com os diplomatas, as iguras típicas com as personalidades de vulto…, num interclassismo que fez vibrar de troca de experiências, de conhecimentos e de ideologia, em fraterno convívio, o Porto de Oitocentos. Por todas as razões avocadas o botequim / café teve, por estes idos de Oitocentos, uma vertente muito importante e até revolucionária, em termos societários e de hábitos e costumes de diferenciada ordem.72 Porto: 29 de Janeiro de 1888, (capa) (a abertura da Exposição de Faianças das Caldas no Ateneu), (im) (agradece a Bordalo o convite para a exposição); O Sorvete. N.º 211, 16.º Ano. Porto: 20 de Maio de 1894, (centrais) (uma exposição de lores); O Sorvete. N.º 82, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 8 de Janeiro de 1899, (p. 2) (sobre a iniciativa do Ateneu para as comemorações do centenário de Almeida Garrett); O Sorvete. N.º 85, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 22 de Janeiro de 1899, (im) (sobre centenário de Garrett); O Sorvete. N.º 87, 22.º Ano, 2.ª Série. Porto: 5 de Fevereiro de 1899, (capa, p. 2) (a única iniciativa de monta no Centenário de Garrett foi promovida por esta instituição [Ateneu], tudo o mais foi meramente oprobizante à memória de tão grande vulto) e O Sorvete. N.º 142, 23.º Ano, 2.ª Série. Porto: 6 de Maio de 1900, (capa, p. 2, centrais) (a imagem de Pedro Alvares Cabral, o descobridor do Brasil, refere ainda que o actor Álvaro Cabral é o mais chegado descendente deste navegador (ironia); as parcas comemorações pela passagem do 4.º centenário do ‘descobrimento’ do Brasil, limitaram-se à iluminação do edifício dos Paços do Concelho, uma sessão solene no Ateneu Comercial do Porto, uma irrisória iluminação das ruas de Sá da Bandeira, Passos Manuel e Santa Catarina, e uma agendada sessão solene na Associação Comercial, ainda sem data certa de realização. As comemorações do 1.º de Maio). BRUNO, [José pereira de Sampaio] – Portuenses illustres. Porto: Magalhães & Moniz, 1908, tomo III, pp. 66-77 (sobre a biblioteca da instituição). 69 Clube Carnavalesco Fenianos Portuenses (o seu primeiro nome) fundado na Praça da Batalha em 1904 e depois em 1935 na sua sede actual, à Rua dos Fenianos, n.º 29 (topo da Avenida dos Aliados). Vd., sobre esta instituição, BRITO, Sandra Cristina Pereira de – Clube Fenianos Portuenses: um projecto de civilização, uma busca de projecção. Porto: [s. n.], 2003. Dissertação de mestrado em História Contemporânea apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 70 Como também no Círculo Católico de Operários do Porto (fundado em 9/6/1898, Rua Duque de Loulé) ou na Associação Católica do Porto (aprovada pelo Governo Civil em 20/1/1872 e pelo Cardeal D. Américo a 9/2/1872) que, depois de ter sede nas ruas do Almada, da Fábrica, e Cimo de Vila, inaugurou em 22 de Junho de 1884 a actual, na Rua de Passos Manuel. 71 Vd., sobre sociabilidade em agremiações colectivas ou em casas particulares: CASCÃO, Rui – Vida quotidiana e sociabilidade. In MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993, 5.º vol., p. 528. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 271 Na segunda metade do século XIX, era uma instituição de tão grande relevo, que concedia sinal de modernidade e civilização a uma localidade. Recordemos que Camilo coadjuva isto mesmo quando infere: o «café» - a prova real da civilisação73. E esta cidade liberal e progressista teve inúmeros cafés; alguns muito conceituados e outros que começaram, ulteriormente, a juntar-lhe a qualidade de restaurante74. Neles se entregavam os jovens e menos jovens, da altura, a alegres convívios e tertúlias animadas pela constante conversa e boa amizade. Os mais jovens, centenas de rapazes, rendiam-se a ceias altas horas da madrugada, guitarras75 […], tipoias guiadas por batedores, como o Mil-homens [Arnaldo Barreiros Mendes], o Nogueira, o Dominó – respeitadores dos ‘patrões’, e tratando as ‘mariposas’ que os acompanhavam, com toda a delicadeza, ajudando-as a descer dos carros como se 72 Nesses tempos de balada e murro, o botequim era o centro de toda a vida portuense. Á volta de uma mesa compunham-se odes, combinavam-se raptos, planeavam-se conjuras. Discutiam-se os mais complicados problemas da politica e da arte, umas vezes serenamente, outras entre vociferações, apostrofes, ameaças e… garrafas partidas – cf. PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, pp. 22-23. 73 CASTELO BRANCO, Camilo – Novellas do Minho. 2.ª Ed. Porto: Parceria Antonio Maria Pereira, 1903, p. 165. 74 Para uma lista de cafés, restaurantes e hotéis, na segunda metade do século XIX: Almanak do Porto e seu districto para 1884. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1883, pp. 385-387; Almanak do Porto e seu districto para 1892. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1891, pp. 193, 303-304, adenda; Almanak do Porto e seu districto para 1896. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1895, pp. 395-396; Almanak do Porto e seu districto para 1899. Porto: Livraria e Typographia Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1898, pp. 296-298, 349-350; Almanak do Porto e seu districto para 1900. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1899, pp. 14, 210, 233-234, 251-252; Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1900, pp. 229-230, 254-255, 275 e O Tripeiro. Vol. I, 1.ª Série, Ano I, n.º 1. Porto: 1 de Julho de 1908, p. 11, col.as 1 e 2 (Hotéis em 1865, 1908); O Tripeiro. 5.ª Série, Ano VI, n.º 10. Porto: Fevereiro 1951, p. 235, col.ª 2 (Hotéis em 1879). Os hotéis eram [c. de 1863], já o disse, detestáveis, faltos de comodidades e confortos. O do Louvre, organizado à moderna, foi o único que o cônsul do Brasil no Porto achou digno de hospedar o Sr. D. Pedro II. [e sua mulher D. Teresa Cristina Maria, entre 1 a 9 de Março de 1872] [p. 80] […] Ainal o ‘Hotel do Louvre’ acabou, talvez à falta de imperadores, que pudessem sustentar-lhe o esplendor, pois que nessa época apenas o senhor D. Pedro II parecia ter gosto em vir à Europa visitar o Porto. // Só decorridos anos, graças à acção evolutiva do progresso, é que se fundaram os amplos ‘hotéis’ de Entre-Paredes e o ‘Grande Hotel do Porto’ [a 27/3/1880]. [p. 81] […] Antes de se fundar o ‘Hotel do Louvre’, não havia um que fosse bom, que tivesse as comodidades indispensáveis aos hóspedes menos exigentes. Mas manda a verdade dizer que, naquele tempo, quem chegava a um ‘hotel’, não pensava senão em tratar de seus negócio, e safar-se. Não se viajava por gosto. E se os hotéis eram maus, poucas pessoas tinham melhor em sua casa [p. 154] – cf. PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 80, 81, 154. 75 Sobre música nos cafés (e alguns deles tinham orquestra), ver: O Sorvete. N.º 13, 1.º Ano, 2.ª Série. Porto: 1 de Setembro de 1878 (p. 104) (a propósito da musica no café e a fuga das assistências, quando o artista vai solicitar uma recompensa monetária pela sua, até aí muito cativante, actuação). 272 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) fossem senhoras da primeira sociedade. Muitos destes cafés / restaurantes contavam com clientela certa que se deslocava da periferia para vir ao Porto às compras, em especial nos dias de feira: terças76 e sábados77. Os outros, a maior parte, viviam da clientela da noite.78 Tendo redigido já um artigo em que tratámos alguns dos mais emblemáticos destes cafés79, iremos agora intentar recuperar alguma, da escassa, informação existente sobre os mais antigos e iniciais botequins da cidade. Estes dão-nos80 um diferenciado olhar sobre a génese destes estabelecimentos e sobre muitas das vivências da urbe por esta época. 76 Este era um dia de feira tão importante que a Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses facultou, até aos anos vinte do século XX, um desconto especial a quem se deslocava ao Porto nesse dia – cf. FERNANDES, José Alberto V. Rio – Porto. Cidade e comércio. Porto: Câmara Municipal-Arquivo Histórico, 1997, p. 45. Versão revista da tese de doutoramento em Geograia apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1993. 77 Oferecemos um relato muito imagético e realista (escola literária que ao tempo era escassa) destes dias, pelo olhar de Arnaldo Gama, para contextualizar sócio-historicamente: A terça-feira foi sempre, desde tempos immemoriaes, dia de multidão incomoda nas ruas do Porto, sobretudo nas ruas commerciaes. É o dia em que os aldeãos dos arredores costumam vir feirar á cidade. Logo de madrugada, invadem-n’a em turba por todas as avenidas conhecidas, atroando-a com borborinho do palavriado vasconço e com o estrépito infernal de cincoenta mil tamancos e sócos. Depois a multidão espraia-se pelas ruas, e agita-se aqui e ali; vai e vem em mil direcções opostas, e redemoinha aos encontrões entre o zumbido atroador e confuso de homens e mulheres e creanças, uns descalços e outros calçados, uns a pé e outros a cavallo, e uns caminhando e outros parados a admirar com espanto parvo o painel de cavallinhos ou a carapuça vermelha que o adélo pendurou por chibantaria na porta. Este espicaça aqui a mula ronceira e felpuda com espora de ferro capaz de abrir d’um só golpe um penedo; ali um moço de lavoira, sujo e asselvajado, puxa pela soga d’uns bois, que, a despeito de todo o incitamento, tiram com a natural pachorra um carro carregado até aos telhados; acolá uma ‘cachopa’ menos mal assombrada de corpo e de feições, de chinelas nos pés, saia de rofegos, collete maiato, lenço cahido para traz das costas, compridas arrecadas de oiro nas orelhas, e ao pescoço dois ou três cordões também de oiro com gigante coração de iligrana do mesmo metal, - estira-se já lacrimejante, a puxar pela arreata da égua alentada, que, de focinho no ar, orelha tesa, e passo de tenteio, cede com repugnância aos aturados esforços da triste. Aqui este cobre com o abarracado guarda-sol de paninho vermelho a anafada companheira, que carrega com as compras do dia; est’outro vai ali açodado com o guarda-sol debaixo do braço; e acolá aquelle, de varapau ao hombro, rodeia-se conversando, sem lhe importar se algum olho menos cauteloso passa ageito de sofrer com aquelle modo de fazer uso das bengalas da aldeia. E tudo isto a agitar-se, a caminhar e a redemoinhar aos encontrões nas ruas do Porto. E ali uma padeira de Avintes ou Crestuma abrindo caminho aos cotovelões por entre o povo, carregando com o cesto das bôroas á cabeça; e acolá uma mula de Valongo com as alterosas canastras bifurcadas no dorso, e a padeira sentada sobre a alta bifurcação, a romper irresistivelmente por entre o gentio, com quem arremete denodada, como os malaios de Calecut arremettiam, nos elephantes encastelados, contra os portuguezes de Cochin. GAMA, Arnaldo – Um motim ha cem annos: chronica portuense do seculo XVIII. Porto: Typographia do Commercio, 1861, pp. 48-49. 78 LEITE, Arnaldo – O “Porto 1900”: crónicas. Porto: Livraria Figueirinhas, 1952, pp. 17-21. 79 Café Guichard; Café Águia d’Ouro (e restaurante); Café Camanho (e restaurante); Café Lisbonense (e restaurante) e Grande Café Suisso (e restaurante). Vd., para estes, o meu artigo: DUARTE (DE CIFANTES E LEÃO), Rui Manuel da Costa Fiadeiro – Tertúlias oitocentistas no Porto. In SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e (coord.) – II Congresso “O Porto Romântico” - Actas. Porto: CITAR - Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, 2016. ISBN 978-989-8497-07-9. Pp. 454-468. Disponível em versão e-book em http://citar. artes.porto.ucp.pt/sites/default/files/files/artes/CITAR/Edicoes/Atas_II_Congresso_O_Porto_Romantico.pdf. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 273 As fontes documentais sobre alguns deles são algo parcas, mas diligenciaremos apontar algumas das suas singularidades, quer no que de mais importante neles se passou, quer no que icou pelos registos das crónicas e literatura sobre eles, no plano da clientela que neles se concitava, nos seus mais simbólicos aspectos arquitectónicos, pela sua inserção no tecido urbanístico da Invicta, ou pela relevância que tenham tido nos mais vastos planos81: Botequim da Porta de Carros Não se sabe ao certo a data de fundação desta casa de bebidas do género botequim. Sabe-se apenas que, em 1852, já era reconhecido e por essa altura considerado muito antigo. Ficava no Largo da Porta de Carros, no rés-do-chão dum prédio grande – que tinha um primeiro andar e icava entre outros dois edifícios –, erguido entre o ângulo da Rua da Porta de Carros82 e a Igreja dos Congregados, arrimado à Muralha Fernandina e ao mirante das freiras do Convento de S. Bento da Avé-Maria, em frente da Igreja de Santo António dos Congregados. Este prédio terá sido derruído no ano de 1894, juntamente com o pano de muralha, ao qual se encostava, com o início da destruição do Convento de São Bento da Avé-Maria83. 80 Com relação aos anteriormente tratados. 81 Seguimos a apresentação, não por nomenclatura alfabética, mas por ordem cronológica de existência. 82 Que depois dos arranjos urbanísticos nesta zona, e com basto alargamento da via, deu origem à agora renomeada Rua de Sá da Bandeira, no troço entre o início desta - do lado dos Congregados - até à Rua de Sampaio Bruno. 83 Um dos mais imponentes e belos conventos da urbe e do qual damos breve nota: O rei D. Manuel I, que no ano anterior outorgara foral ao Porto, mandou construir em 1518, à custa de sua fazenda, o Convento da Avé-Maria ou da Encarnação das monjas de São Bento, no local chamado das Hortas do Bispo ou da Cividade. O rei não o chegou a ver concluído, embora o desejasse, tendo chegado a invectivar João Lopes a que metesse mais pessoal. Neste foram recolhidas, no dia 6 de Janeiro de 1535, as monjas dos Mosteiros de Rio Tinto, Vila Cova, Tarouquela e Tuías. Ainda no século XVI recebeu algumas freiras de um extinto mosteiro em Macieira de Sarnes. Foi a sua primeira abadessa D. Maria de Melo, monja de Arouca e, ao mesmo tempo, regedora do Mosteiro de Tarouquela. As suas habitantes eram oriundas da nata idalga, ao ponto de no burgo o epíteto de senhoria se outorgar, em exclusivo, ao Bispo e à Abadessa de S. Bento. Sofreu um incêndio na madrugada de 10/10/1783, tendo sido posteriormente reconstruído. A última freira a falecer foi, como noutros casos aconteceu, a abadessa, D. Maria da Glória Dias Guimarães, 274 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Designou-se igualmente Botequim do Frutuoso. Era propriedade de Frutuoso José da Silva Aires84, que foi pai de José Frutuoso Aires de Gouveia Osório85; de D. António Frutuoso Aires de Gouveia Osório86, de Joaquim Frutuoso Aires de Gouveia Osório87 e avô de Alberto Rodrigues Ayres de Gouvêa88. em 17/5/1892 (o convento albergava ainda, nesta data, 24 recolhidas). A este convento se ligam as iguras de Camilo e Junqueiro, que ali versejaram nos afamados abadessados, o último dos quais em 1871, aquando da eleição de Ermelinda Doroteia (que se sentou na cadeira abacial primevamente em 1863, cumprindo vários mandatos até 1883). Félix Ramos também lá estadeou entre os mais boémios e azougados. António da Silva Leite, insigne compositor nortenho, animou muitas das festas com a sua música, até à sua morte, ocorrida em 1833, e ao convento legou muitas das suas partituras (hoje em depósito na Biblioteca Nacional). A demolição dos claustros inicia-se cerca de 1894 e a da igreja processa-se entre Outubro de 1900 e Outubro de 1901. As ossadas das monjas foram recolhidas numa catacumba mandada construir no cemitério do Prado do Repouso pela Câmara Municipal do Porto, em 1894. 84 Vouzela, Ventosa, 1804 - Gaia, São Félix da Marinha, 9/3/1881. 85 Porto, numa casa muito humilde coninante com a Praça Nova, em frente à igreja dos Congregados, encostada à muralha da cidade, 11/5/1827 - 18h, 23/8/1887. Progressista. Morador na Rua do Bonjardim. Poeta; formou-se em ilosoia em 1847 e medicina e cirurgia em 1849 pela Universidade de Coimbra, doutorado em medicina pela Universidade de Edimburgo, professor da cadeira de higiene e medicina legal na Escola Médico-cirúrgica do Porto (os rapazes puseram-lhe a alcunha de Zé Lena), fundador da Sociedade de Instrução do Porto, 42.º Presidente da Câmara Municipal do Porto, entre 2/1/1887-23/8/1887, presidente da Associação Industrial Portuense de 17/9/1854 a 1/8/1855, membro da comissão de exame de contas da Associação Comercial do Porto em 1876 e 1884 e vice-presidente em 1877-1878. 86 Porto, numa casa muito modesta coninante com a Praça Nova, em frente à igreja dos Congregados encostada à muralha da cidade, 13/9/1828 - Porto, 17/12/1916. Poetastro; empregado de escritório; formouse na Universidade de Coimbra, lente de direito (1861); padre (1870); 1871 – bispo eleito do Algarve; 1881 - bispo de Bethsaída; presidente da Câmara de Deputados na sessão de 1871, o deputado que primeiro apresentou ao parlamento português um projecto de lei abolindo a pena de morte, em 1863 (foi deputado nas legislaturas de 1861-64, 1865 - de sessão única, 1865-68, 1870 - de sessão única, e 1871-74); ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça (de 5/3/1865 a 17/4/1865); ministro da Justiça e Estrangeiros (17/1/1892 a 23/12/1892); ministro dos Estrangeiros (de 27/5/1892 a 23/12/1892); Par do Reino; 1905 - Arcebispo de Calcedónia. Terá usado do pseudónimo: Um Curioso Obscuro. Habitou, em Coimbra, numa república na Rua dos Militares, onde teve por companheiros Soares de Passos e Alexandre Braga Filho. Num tempo em que os operosos comerciantes desdenhavam dos literatos e dos poetastros, por considerarem que isso não granjeava, nem modo de vida inanceiro, nem qualquer outro interesse de monta, mas em que alguns moços, ilhos de esforçados negociantes, se bandeavam, com ainco, para o campo das letras , muito para agravo dos progenitores, disso colhemos em Pimentel um curioso registo: Todos os bons pais portuenses, maiórmente na classe comercial, eram implacáveis na sua repugnância aos versos que os seus ilhos pudessem compor ainda que por mero desenfado e entre estes lembramos os casos de Joaquim Pinto Ribeiro Júnior, José Dias de Oliveira ilhos de negociantes e que apesar de conseguidos poetas nunca os pais consentiram que os felicitasse alguém pelo talento literário dos ilhos, bem como o caso de Soares de Passos e de António Aires de Gouveia, também ilhos de negociantes, com o destino selado ao comércio, que conseguiram libertar-se deste fado, com a ajuda de parentes e amigos, tendo ido para a Universidade de Coimbra já maiores de 20 anos e conseguindo assim libertarem-se duma carreira que lhes asixiaria a vocação literária e que até aí haviam praticado no segredo e entre amigos – cf. PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, p. 177. Foi frequentador do célebre Café Guichard e da Livraria Moré. 87 Porto, 27/2/1832 - Porto, 27/4/1878. Exportador de vinhos. Pai do pintor Alberto Rodrigues Ayres de Gouvêa. 88 Porto, Rua da Restauração, 3/3/1867- Vila Nova de Gaia, Candal, Quinta de Santo António do Jordão, 12/10/1941. Pintor e vogal da Academia Nacional de Belas-Artes, estudou na Escola de Belas Artes do 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 275 O proprietário deste botequim é considerado como o fundador da Praia da Granja, uma vez que tendo adquirido, em 1860, a quinta e largos talhões de terrenos, antes pertencentes aos frades Crúzios de Grijó, neles fez construir as primeiras ediicações, constituídas essas por sete casas, umas para os respectivos ilhos e outras para alugar, iniciando deste modo a fundação daquela praia. Curiosamente, praia à qual Ramalho Ortigão, na sua obra Praias de Portugal, designava de: praia de algibeira.89 O Botequim do Frutuoso era o preferido pela juventude e pelos intelectuais.90 8 – Botequim do Frutuoso – no Largo da Porta de Carros frente à Igreja dos Congregados, arrimado à Muralha Fernandina e ao mirante do Convento de São Bento da Avé Maria. Fonte – CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Divertimentos dos portuenses – XXII: Botequins e Cafés – I, in http://portoarc.blogspot. pt/search/label/Caf%C3%A9%20Brasil (2014/02/24; 23.52h). Porto, onde foi discípulo de Marques de Oliveira (1853-1907). 89 PONTE, Luís Nunes da – Recordando o velho Porto. Arcozelo: Enepê, 2002, vol. 1, pp. 173, 176. 90 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 70; IDEM – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 5. Porto: Maio 1987, p. 149. 276 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Botequim das Hortas Este botequim terá sido fundado pelo ano de 1820 e ainda aparece mencionado no Almanak do Porto de 189291, no mesmo local (Rua da Fábrica, n.º 4 e Rua das Hortas, ou Rua do Almada, n.º 125). O dito almanaque alude-lhe como sendo o antigo (pois faz menção a um novo Café das Hortas, na Rua da Fábrica, n.º 72, com o proprietário Francisco da Costa Passos). Ao contrário de todos os autores que até hoje se lhe referem como tendo subsistido apenas 60 anos e tido o seu terminus em 1880, na verdade ele poderá ter tido uma duração superior. Como se aponta acima, este botequim localizava-se na esquina da Rua da Fábrica, no n.º 4, com a Rua das Hortas (depois renomeada Rua do Almada92), no n.º 125. O botequim ocupava o andar ao nível da rua e tinha no andar superior uma sala com bilhares. Foi o seu fundador e proprietário Domingos José Rodrigues. Era muito frequentado pelos comerciantes da Rua de Santa Catarina das Flores93 e da Rua dos Clérigos, que á hora do “meio-forte” [ou seja, meia chávena de café; alguns botequins faziam-no para os clientes menos endinheirados], reuniam-se os homens de negócio, os mercadores, os contratadores de gado. Falava-se em comércio, em transações, em coisas positivas, e, á noite, jogava-se o «quino»94. O botequim possuía um compartimento, perto da sua cozinha, que era reservado aos frequentadores plebeus, e nele almoçavam numerosas lavradeiras e regateiras um copo de café com leite e um biscoito de argola, ao preço de 30 réis, se o copo era grande, ou de 20 réis se o copo fosse pequeno; pelo biscoito pagava-se 5 réis. 91 Almanak do Porto e seu districto para 1892. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1891, p. 303. 92 Memorando os grandes obreiros das obras de expansão urbana da cidade do Porto, durante o século XVIII: João de Almada e Melo e seu ilho Francisco de Almada e Mendonça. 93 Que se renomeou apenas de Rua das Flores aquando dos arranjos urbanísticos da Rua Bela da Princesa (que nas plantas de Balck, de 1813, e de Costa Lima, de 1839, ainda aparece escassamente povoada), que depois se incorporará na Rua Nova de Santa Catarina (1748) e hoje, na sua totalidade, se chama de Rua de Santa Catarina (e corre desde a Praça da Batalha até à antiga Praça da Aguardente, hoje a Praça do Marquês - referente ao marquês de Pombal). 94 PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, p. 23. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 277 Este espaço tinha granjeado copiosa fama pelo bom café que servia. Deste modo a boa sociedade, que o frequentava, demorava-se apenas o tempo necessário a esvaziar a chávena, saboreando esse precioso liquido. Entre essa boa sociedade encontrava-se o recebedor de Vila Nova de Gaia – de apelido Coelho e irmão do arrematante da Ponte Pênsil - que, morando em Gaia, vinha todas as tardes ao Porto, depois do jantar, a pé, para aí tomar o seu café, que ele airmava era o melhor que podia encontrar. Isto revela bem do gosto, e assiduidade, que, por estes tempos, esta bebida, assim como alguns estabelecimentos, tinham já inculcado nalgumas pessoas, para, de tão longe e diariamente (e, cogitamos nós, sob qualquer circunstância climatérica), se proporem a tão longa jornada a pé. Outra crónica, na mesma linha de continuidade da anterior, sobre o hábito enraizado de algumas pessoas se deslocarem a este tipo de estabelecimento, a vamos encontrar na pessoa do Dr. Henrique Gonçalves, um homem muito alto e magro, casado com uma senhora da família Vilar. Também este, pessoa da boa sociedade, nunca dispensava o assíduo hábito de se deslocar ao Botequim das Hortas para aí degustar o seu café. Todavia, a esposa deste cavalheiro queria demonstrar-lhe que não era preciso sair de casa para tomar bom café, e por toda a cidade procurava o de melhor qualidade, sem olhar ao preço. Baldado empenho. Um dia lembrou-se de o mandar buscar em segredo ao café das Hortas e insistiu com o marido que ao menos bebesse um golo. Ele transigiu, mas recalcitrou logo: // - Nada! Não é a mesma coisa. Nem sequer se parece. // Então sua mulher desatou a rir, a rir. // - Por que te ris tu? // - Porque mandei buscar este café ao botequim das Hortas. É de lá; é o mesmo. // Mas avisadamente, sem titubear, e com um aceno de comicidade, logo lhe redarguiu o marido: - Pois então dá- -se com o café o que se dá com as águas medicinais, que tomadas na origem não perdem nenhuma das suas eicazes Virtudes. Foi igualmente seu cliente o célebre “Visconde das Hortas”, de seu nome António Fernandes Guimarães95, igura célebre no burgo, que laborava e habitava muito perto deste botequim, e que parece tinha, ademais, o 95 (Ruivães, Vila Nova de Famalicão, 26/12/1827 - Porto, 30/5/1885). Filho de José Fernandes Guimarães e de Cecília Teresa Guimarães, proprietários na freguesia de Ruivães no Concelho de Vila Nova de Famalicão. Residia num prédio de cinco andares na Rua das Hortas, do lado direito de quem vai para os Lóios. Tinha um depósito de algodões próximo da Viela da Polé (viela que ligava a Rua das Hortas à Praça Nova das Hortas), com o qual fez fortuna à custa de muito trabalho. Gastrónomo. D. Luís I fê-lo Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e Comendador da Ordem Militar de Cristo. 278 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) hábito de se deslocar, tanto a este como ao Café Guichard96, cito na Praça Nova das Hortas, ao im da sua jornada de trabalho, com o seu roupão e tamancos, para poder usufruir da convivência dos seus amigos. Jocosamente, para se ver livre duma nobilitação e inerente pagamento da mercê, terá incluso invocado esta sua singularidade de hábito. Sobre este espaço e sua ambiência narra-nos Ramalho Ortigão: O velho Botequim das Hortas, em que à noite se jogava o Loto, a vintém o cartão, e que ao abrir-se uma das suas portas envidraçadas, guarnecidas de cortininha de cassa branca, enchia de um picante perfume de calda de capilé e de café torrado a rua toda97. Pimentel acrescentaria que, neste estabelecimento, se jogava muito o trinta e um98. 9 – O Botequim das Hortas situava-se na esquina da Rua da Fábrica com a Rua das Hortas, nesta planta onde está assinalado com o quadrado a vermelho. Fonte – Fragmento da Planta Redonda, de George Balck, de 1813. Parece que uns amigos seus industriaram junto do Rei D. Luís para o fazerem visconde de Corim, terra em Águas Santas onde tinha uma quinta, mas este terá declinado essa mercê por já ser conhecido por “Visconde das Hortas” pelo povo portuense e querer continuar a poder usufruir de sua vida normal e de suas idas em tamancos até ao Café das Hortas (na esquina da Rua do Almada com a Rua da Fábrica) e ao 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 279 Após o desaparecimento deste botequim, nesse local viremos a encontrar o Restaurante do Porto99 e, subsequentemente, até hoje, a Livraria / Editora Educação Nacional e, nos andares superiores desse edifício, composto de rés-do-chão e três andares, o Hotel Internacional100, que ainda subsiste.101 Botequim da Graça Já aparece mencionado pelo ano de 1833. Situava-se no edifício da Academia Real de Marinha e Comércio, na parte deste que fazia ângulo para o Largo do Carmo e para a antiga Praça da Farinha, depois chamada dos Voluntários da Rainha102. No Periódico Crónica Constitucional da Cidade do Porto, de 26 de Janeiro de 1833, pode-se ler que: No Botequim da Graça que faz frente para a feira do Pão n.º 12 e 13 há para vender Água-ardente da terra e vinho da madeira de superior qualidade103. Café Guichard (na actual Praça da Liberdade), onde tinha por hábito reunir-se ao im da tarde com seus amigos, e também assim ver-se, avisadamente, livre do pagamento do direito de tal mercê. 96 (c. 1833-5/2/1857). Que foi um dos mais celebrados cafés do Porto e era o centro dos literatos, dos elegantes e da juventude boémia da urbe. 97 Os Cafés do Porto, in http://oicinadacultura.blogspot.pt/2011/04/os-cafes-do-porto.html (2016/10/15; 16.50h). 98 PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 153. 99 Que teve como proprietário, na transição do século, Joaquim Alonso Barciella. MARÇAL, Horácio – “A Rua do Almada”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano XI, n.º 3. Porto: Março 1971, p. 74 e O imparcial: semanario politico, noticioso e litterario. Porto: Typ. de José S. Mendonça, 1899-1900. A. 1, n.º 1 (2 Out. 1899)-a. 1, n.º 21 (19 Fev. 1900) (em secção de anúncios). 100 O antigo Hotel Real. Conhecem-se-lhe, como proprietários, Seraim Pereira e também a irma Adriano Caetano & C.ª. Esta unidade hoteleira ocupa os três andares superiores do prédio. PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 203-205. 101 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 69; IDEM – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 5. Porto: Maio 1987, p. 149 e O Sorvete. N.º 233, 5.º Ano. Porto: 29 de Outubro de 1882, (p. 350). 102 Esta praça teve inúmeras designações ao longo das épocas: Campo e Horto do Olival - até ao século XVII; Campo ou Largo dos Meninos Órfãos ou Largo do Colégio de Nossa Senhora da Graça (a igreja do século XVII e o recolhimento icavam onde está hoje o edifício da Academia Real de Marinha e Comércio); Terreiro da Praça - 1735; Praça da Farinha; Praça do Pão ou Praça da Feira do Pão; Praça dos Voluntários da Rainha - 1835 (pois era neste local que os militares do referido batalhão se exercitavam); Praça Parada Leitão; Praça da Universidade (c. 1916) ou Praça dos Leões; Praça Dr. Gomes Teixeira – matemático. Por conservadorismo, a população continua, coloquialmente, a designa-la por Praça dos Leões (ajardinada em 1888) (requaliicada em 2001). Curiosamente, o que se vê igurado dentro do chafariz não são leões, mas sim quatro iguras mitológicas de grifos. Este chafariz, em ferro fundido, foi criado em 1877,em Paris, pela Compagnie Génèrale des Eaux pour l’Étranger, que era a concessionária das águas no Porto, e entrou em funcionamento cerca de 1885. 280 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Na verdade, nesta zona conhecem-se três Cafés da Graça. O primeiro e designado como o antigo – localizado no Passeio da Graça – pertencia a António José Gomes de Carvalho. Dos outros dois, considerados os novos, um situava-se em Santa Teresa104 e pertencia a José Lourenço Russo, e o outro, na Praça dos Voluntários da Rainha, pertencia a António Gonçalves Valença. Este último foi substituído, em 18 de Maio de 1889, pelo Café e Cervejaria de Chaves105. Pimentel, que o frequentou, dá-nos deste botequim breves nótulas. Tinha loja e sobreloja; era um espaço muito frequentado pela estudantina, que pouco ligava aos jogadores de dominó, mas que muito se embevecia com as lindas farinheiras e loiceiras que, de canequinha em punho, iam ali fazer a sua provisão de café. Informa, ainda, que aqui jogava-se com ainco o trinta e um106. No Café da Graça estanciou, durante algum tempo, uma igura típica do burgo meramente conhecida por Macrão107, pois nem o seu nome de baptismo passou à história. Numa breve descrição, poderíamos apresentá-lo como um pobre idiota, à custa do qual o rapazio se divertia açulando-o com ruidosas montarias108. Devido às obras da Academia Politécnica, em 1900, o botequim não poderá ter permanecido mais tempo nesse edifício e eventualmente terminou. 103 DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – O Porto Desaparecido. Lisboa: Quimera, cop. 2002, p. 156. 104 Campo da Via Sacra ou Largo do Calvário Velho (ins do século XVII), depois Praça da Feira do Pão ou Praça do Pão, depois Praça de Santa Teresa e hoje Praça Guilherme Gomes Fernandes. 105 MARÇAL, Horácio – “Ainda os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 6. Porto: Junho 1964, p. 181. 106 PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, pp. 82-83. 107 Pouco se sabe dele a não ser que era uma daquelas iguras típicas do Porto de antanho e que, graças a um desaio, lançado entre dois autores e amigos, icaria imortalizado, para sempre, pela pena literária de Eugénio de Montalegre e pelo pincel artístico de Sebastião Sanhudo. Este personagem, muito conhecido, do Porto era destituído de bom raciocínio e tinha a candura típica desses seres. Era capaz, por dez réis, de deixar que lhe puxassem as orelhas (sem, no entanto, o ferirem), ou por um cálice de genebra ou meio café, que lhe oferecessem, apresentar-se no trajo de Adão, antes do peccado original em qualquer lugar, ou ainda, como se não bastasse, pela oferta dum cigarro postar-se de joelhos e braços abertos em cima de uma mesa de café durante um par de horas. O seu poiso foi, durante algum tempo, o Café da Graça. Certo dia em que Eugénio de Montalegre andava na rua, dá de caras com Sebastião Sanhudo, que, ao vê-lo, lhe arremete com uma das suas caricaturas e lhe pergunta: – Conhece-o? Montalegre; que vinha justamente ensimesmado a pensar na ingenuidade e bonomia do Macrão, que há pouco havia encontrado e com quem tinha trocado algumas palavras, e, claro, dando-lhe uma espórtula de um vintém - coisa que muito havia alegrado o pobre coitado -, redarguiu que vinha justamente com essa alma no pensamento e relatou o encontro. Sanhudo aproveita o ensejo e lança-lhe de imediato o repto, dizendo: – Nesse caso, intimo-o a que escreva duas linhas em honra do Macrão… Vamos tornal-o conhecido, a este pobre diabo, que se perde, obscuro, no seio das multidões, sendo, como é, 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 281 Botequim ou Café Comércio Foi inaugurado a 11 de Outubro de 1833. Ficava na Rua Nova dos Ingleses109. Este antigo botequim, frequentado pela sociedade elegante, esteve instalado onde posteriormente se veio a ixar a Companhia de Seguros Garantia, antes de ter transitado para a Rua Ferreira Borges. O proprietário deste café, passados alguns anos, foi estabelecer-se com uma hospedaria e restaurante no edifício do Águia d’Ouro, à Batalha.110 o primeiro homem do nosso país. Montalegre indaga porque Sanhudo o apoda do primeiro homem, e Sanhudo explica que, no seu entender, o Macrão…é o primeiro imbecil virtuoso que tenho encontrado n’esta epocha de depravação, em que, por via de regra, todos os imbecis são traicantes… Montalegre, acolhendo a incitação, assevera que colaborará para o fazer conhecer aos leitores do seu Almanach […] como o prototypo da imbecilidade… virtuosa. E desta forma, sui generis, passou para a intemporalidade uma igura anódina, mas que espelha uma lição de moral. – cf. SANHUDO, Sebastião – Almanach de caricaturas Pae Paulino, Porto, 1.º ano, 1878. Porto: Typ. Occidental. Edição: Livraria Civilização. Litograia Portugueza a vapor de Mendonça & Sanhudo, 1877, pp. 31-32. 108 PIMENTEL, Alberto – Fitas de Animatógrapho. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1909, p. 190. 109 Rua Formosa de S. Nicolau (D. João I chamava-lhe a sua rua fermosa); depois Rua Nova; Rua Nova de S. Nicolau; depois Rua Nova dos Ingleses; hoje a Rua do Infante D. Henrique. 110 MARÇAL, Horácio – “Ainda os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 6. Porto: Junho 1964, p. 186, col.ª 2, nota 2. 282 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 10 – O antigo Botequim da Graça situava-se no local assinalado com o quadrado a vermelho. Por 1890 a Academia Politécnica ainda não tinha a actual arcaria vazada, como se observa na imagem, e no seu interior encontravam-se casas comerciais, tais como este botequim e o Café Chaves. Fonte – CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Colégios e recolhimentos - II; Colégio dos Meninos Órfãos - II, in http:// portoarc.blogspot.pt/search/label/Academia%20 da%20Marinha%20e%20Com%C3%A9rcio (2015/02/25; 03.35h). 11 – Imagem da Rua Nova dos Ingleses onde se fundou o Café Comércio. Fonte – FIGUEIREDO, Ricardo – do Porto e não só… – O Porto há cem anos 1, in http://doportoenaoso. blogspot.com/2010/05/o-porto-ha-cem-anos-1_3135. html (2014/02/25; 03.35h). 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 283 Botequim do Pepino Embora não se encontre data da fundação deste botequim, sabe-se que existia já em meados do século XIX e era dos mais antigos da Invicta. Localizava-se no Muro dos Bacalhoeiros, a poente da Porta dos Banhos, contudo, porque o edifício onde se encontrava teve de ser demolido, por força da abertura da Rua Nova da Alfândega111, este botequim, em 1871, foi então para o Beco do Forno Velho. Era seu proprietário António Pereira Porto112, mais conhecido por Pepino e daí o seu estabelecimento ser designado por Botequim do Pepino. Era muito mal afamado, pelas insalubres condições do espaço, por ser horrendamente mal frequentado, pelas cenas de desacato constantes, pela falta de moral e ordem da sua clientela, por ser um local onde se corria perigo de perder os bens e até a própria vida. Arnaldo Gama dá-nos, desse espaço, o seguinte registo muito elucidativo: O botequim do Pepino tinha as traseiras imundíssimas voltadas para um pequeno largo, que por uma travessa sempre suja comunica com Cima do Muro. A frente, um pouca mais limpa estava voltada para o rio. A casa tinha 3 andares, incluindo o térreo. N’este é que era o botequim; nas traseiras, que davam para cima do muro havia uma saleta suja e imunda, que não sei como era chamada na gíria da casa, mas que na dos frequentadores era conhecida pela “Casa dos Horrores”. Os andares de cima eram a vivenda do dono da casa, mas quando havia “mais obra”, serviam como qualquer outra para o “ganho”. O café era mobilado por bancos e mesas de pinho. As duas portas traseiras tinham vidraças, que já nem mesmo nos dias claros deixavam entrar mais do que uma luz duvidosa, do que uma claridade de dia invernoso, tal era a espessa capa de anosa imundície, 111 Para a abertura desta nova via procedeu-se a demolições, entre 1869 e 1871, do velho casario ribeirinho e de muitas ruas bem antigas, tais como: a Rua da Porta Nova ou da Porta Nobre; a Rua da Ourivesaria; a Rua dos Banhos (identiicada, por um pergaminho da Misericórdia de 1354, com a serventia que tinha o curioso nome de Rua das Boas Mulheres do Mester); a Rua do Forno Velho. FREITAS, Eugénio Andrea da Cunha e – Toponímia Portuense. Matosinhos: Contemporânea Editora, Lda., D.L. 1999, pp. 250-251. 112 Sabe-se que casou a 18 de Outubro de 1845, por uma notícia saída no Periódico dos pobres no Porto: Anteontem de tarde atravessava a todo o trote a Praça de S. Lázaro um cabriolé a quatro, carregado de pessoas do sexo feminino em grande luxo, e acompanhado de cavaleiros. Era o botequineiro Pepino de Cima do Muro que tinha ido casar, e que se recolhia a casa em grande estado - cf. CRUZ, Nuno – A Porta Nobre: uma porta de entrada para o Porto do passado, in http://aportanobre.blogspot.pt/2014/01/ainda-o-botequim-do-pepino.html (2016/10/19; 04.09h). 284 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) que o tempo e as exalações de toda a espécie tinham ido acumulando sobre elas. De noite era alumiado por um candeeiro de latão de 4 bicos, suspenso do tecto. A mais de três quartas partes do comprimento da saleta havia um balcão de pinho coberto de manchas de toda a qualidade, inclusive sangue; e por trás dele estava sempre, majestosamente sentado numa poltrona do séc. XVI, já quase sem vestígios arqueológicos, ou de pé, mão sobre um copo de quartilho e a outra eniada na algibeira, o Sr. António Porto vulgo “O Pepino”, respeitável proprietário do estabelecimento.113 Sobre a sua horrenda clientela e o perigoso ambiente aí vivido, podem-se colher dois testemunhos preciosos. O primeiro é narrado por Pimentel, informando-nos que, sendo esse um Botequim de matalotes e rameiras da Ribeira, passou á história. O proprietário deu o nome ao estabelecimento, mas quero crer que da gentalha que o frequentava e da reles camaradagem d’elles e d’ellas, viria o calão “Pepino, Pepineira, Apepinar”. Se isto é assim, o Porto pode gabar-se de ter fornecido a etymologia de dois derivados bordalengos: “De “Fajardo” 114, “fajardice”; de “Pepino”, “pepineira”.115 O segundo é-nos relatado por João Manuel Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues e diz que este antro se tornou celebre e conhecido, ao tempo, como nenhum outro do paiz. Fazia-se música lá dentro, dançava-se e berrava-se furiosamente, até altas horas da noite, jogava-se a pancadaria, e por im dormia se, estirado no pavimento, quando a acção do alcool fazia perder a razão aos bebedores. Era concorrido por marujos, sobretudo estrangeiros, meretrizes e outra gente de baixa condição, e tinha-se como certo que n’elle eram embriagados e depois assassinados e atirados ao Douro os marinheiros russos, inglezes, allemães, e outros, endinheirados, que o frequentassem. A policia exercia sobre o estabelecimento uma rigorosa vigilancia, mas isso não impedia que os boatos aterradores corressem de quando em quando a proposito do que se passava em tal espelunca, embora nunca se chegasse a apurar nada de positivo. O proprietario do estabelecimento que se chamava Antonio Pereira Porto, por alcunha o Pepino, enriqueceu n’elle, e tanto mais que tinha a admiravel faculdade de advinhar o dia e a hora em que a policia iria assaltar-lhe a baiúca. Morreu pelos anos de 1850, mas a viuva conservou o negócio até 1871, anno em que a casa, como outras, foi demolida para se abrir a rua Nova da Alfandega.116 113 GAMA, Arnaldo – O génio do mal. Porto: Jacinto A. P. da Silva, 1857. 114 João da Costa Fajardo (1825-1908). O Fajardo foi um famoso ‘escroc’ do Porto, que morreu regenerado, mas cujo appellido se generalizou no paiz para designar um larapio hábil – cf. PIMENTEL, Alberto – O Porto na berlinda: memorias d’uma familia portuense. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1894, p. 99. 115 PIMENTEL, Alberto – O Porto na berlinda: memorias d’uma familia portuense. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1894, p. 146. 116 PEREIRA, João Manuel Esteves; RODRIGUES, Guilherme – Diccionário Histórico, Chorográphico, 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 285 Camilo, eterno cronista da cidade, suas gentes e seus hábitos, acrescenta uma nótula, através de um personagem que tem como intenção vir estudar para o Porto, e refere que esse conhecia de fama o botequim do Pepino em Cima do Muro, onde o fado batido deitava á madrugada, com entre-actos de facadas e muito banzé, o que revela que a fama deste botequim era já ultramontana. Mais adiante, aporta ainda outra nota importante, quando menciona: Não encontrava no circulo das suas inas relações algum fadista curioso. Ainda os não havia fora das tabernas da Porta de Carros e das alfurjas da Porta-Nobre, ramiicações do Pepino de Cima do Muro117. A estúrdia jovem da época ia ali inalizar a noite, depois de fechados os outros lugares de convívio. Não verdade não se sabe ao certo até que data este espaço terá existido.118 12 – O Botequim do Pepino icava no Muro dos Bacalhoeiros, a poente da Porta dos Banhos, porta que aqui se vê na imagem. Fonte – CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Divertimentos dos portuenses - XXII: Botequins e Cafés - I, in http://portoarc.blogspot. pt/search/label/Caf%C3%A9%20Brasil (2014/02/25; 00.52h). 13 – Rua de Cima do Muro da Ribeira, onde se localizou o Botequim do Amaro, num desenho de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova, de 1833. Fonte – CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Divertimentos dos portuenses – XXII: Botequins e cafés – I, in http://portoarc.blogspot. pt/search/label/Caf%C3%A9%20Brasil (2014/02/24; 23.52h). Biográphico, Bibliográphico, Heráldico, Numismático e Artístico. Vol. V, rubrica Porto. Lisboa: João Romano Torres & C.ª - Editores, 1911, p. 570. 117 CASTELO BRANCO, Camilo – Sentimentalismos e historia. 2.ª Ed. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron - Editor, 1880, pp. 47, 135. 118 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 70; IDEM – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 5. Porto: Maio de 1987, pp. 149-150. 286 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Botequim do Amaro Não se sabe a data da sua fundação, todavia este botequim terá existido até muito depois de 1876 (data em que aí se constitui o Fluvial). Situava-se na Rua de Cima do Muro da Ribeira, logo ao alto da sinuosa escada que, vinda do fundo da Rua de S. João, dá acesso a este muro. Teve igualmente como designações a de Botequim ou Café Rio Douro (parece que por esta altura com outro/s proprietário/s) e a de Café de Cima do Muro, devido à sua localização. Este botequim pertencia a José Pereira de Santo Amaro, que veio a ser o 2.º presidente da direcção do Real Clube Fluvial Portuense. Numa dependência deste botequim fundou-se o Real Clube Fluvial Portuense (em 4/11/1876) – que por aí estanciou durante dois anos - pelos adeptos de remo David José de Pinho e pelo próprio Amaro. Passou depois, este clube, para a Travessa de S. João n.º 13, no 2.º andar. 287 Nos seus últimos tempos este começou a derivar para “dancing” e, também neste botequim, como no do Pepino, as zaragatas eram amiudadas e não raras vezes as cadeiras, chávenas e bandejas andavam pelos ares. O ambiente só acalmava com a intervenção, imediata, do temido cabo Anjinho, da Esquadra do Infante.119 Botequim da Pomba Era um botequim de antiga fundação e que pelo ano de 1854 ainda se encontrava no mesmo local. Ficava no Carmo, perto da Estalagem Lisbonense, fronteiro à Igreja e Convento dos frades da Ordem dos Irmãos Descalços de Nossa Senhora do Monte Carmo (Carmelitas). Tirando o local deste botequim quase todos os baixos dos prédios, entre a Travessa do Carmo e a Praça de Parada Leitão, pertenciam ao alquilador Lopes, que aqui e na antiga Viela do Assis, onde vivia, tinha as estrebarias, as cocheiras, as oicinas de ferrador...120 119 Almanak do Porto e seu districto para 1884. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1883, p. 385; Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1900, p. 229; MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 70; IDEM – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 5. Porto: Maio 1987, pp. 149-150 e CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Divertimentos dos portuenses – XXII, in http://portoarc.blogspot.pt/search/ label/Caf%C3%A9%20Brasil (2014/02/24; 23.52h). 120 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 70; IDEM – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 6. Porto: Junho 1987, p. 182. 288 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 14 – Imagem dos edifícios fronteiros à Igreja e Convento da Ordem dos Carmelitas e à Igreja da Ordem Terceira do Carmo, local onde se situava o antigo Botequim da Pomba. Fonte – Monumentos desaparecidos, in http://monumentosdesaparecidos. blogspot.pt/search/label/Retratos%20 do%20Passado (2014/02/12; 15.18h). 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 289 Botequim da Rua de Santo António Botequim da Neve Este botequim terá sido fundado pelo ano de 1851. Localizava-se na Rua de Santo António, por cima do portão121 que dava acesso ao Teatro-Circo do Príncipe Real122. Este teatro, antes dos arranjos urbanísticos da Rua de Sá da Bandeira123, tinha a sua entrada principal pela Rua de Santo António, através de uma escadaria que lhe dava acesso e que passava por baixo do Botequim da Neve. Este estabelecimento além de ser conhecido como Botequim da Rua de Santo António e Botequim da Neve, foi de igual modo conhecido como Café Circo, uma vez que se encontrava no acesso àquele reconhecido e emblemático teatro. Chamavam-lhe Botequim da Neve pois nele se serviam sorvetes (que, por essa altura, eram a novidade124 e se tinham tornado um hábito entre as pessoas do Porto) – a sua especialidade. 121 Que ainda hoje se encontra nessa rua. 122 Teatro Circo (4/8/1855), depois renomeado de Teatro-Circo do Príncipe Real (c. 1876) e inalmente designado, e até aos dias de hoje, como Teatro de Sá da Bandeira (desde Outubro de 1910). 123 Que antes curvava para poente em direcção à Praça Nova, onde ela terminava (como se pode constatar na carta da cidade que apresentamos em ilustração). Este trecho da Rua de Sá da Bandeira designar-se-á, posteriormente (e ainda hoje), Rua de Sampaio Bruno. Já o trecho que antes se chamava Rua da Porta de Carros e, mais tarde, Rua do Bonjardim, após os mencionados arranjos urbanísticos - e com o alargamento desta via - veio a ser o prolongamento da Rua de Sá da Bandeira, que agora se desenvolvia no sentido Sul e terminava no lado poente da Rua de Santo António. 124 Novidade esta que se podia desfrutar não só no Botequim ou Café da Neve, como noutros cafés: Café Portuense (e restaurante; 15/1/1860-1891. Por vezes designado Café D. Pedro, dada a sua localização na esquina da antiga Rua de Sá da Bandeira - depois dos arranjos urbanísticos a Rua Sampaio Bruno - com a Praça de D. Pedro, ocupando parte dos baixos do antigo Convento dos Congregados. No lugar do Café Portuense havia estado o Café Lusitano. Depois o Café Portuense cederá o seu lugar ao Grande Café Suisso e irá para o ângulo oposto àquele onde se encontra o edifício do Banco Borges & Irmão na Rua do Bonjardim com a antiga Rua de Sá da Bandeira - como se pode veriicar por um anúncio de 1895), que tinha até uma sala para as senhoras irem degustar os sorvetes. Também no Café Guichard (c. 1833-5/2/1857) onde o italiano Trucco iniciára o tripeiro nas delicias do sorvete - cf. PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, pp. 22-23. A esta novidade vai buscar o nome para o seu periódico humorístico, num claro sinal de modernidade, Sebastião Sanhudo (O Sorvete. 1878-1900). Recordemos o poema de Camilo que, sempre oportuno cronista, a esta novidade alude igualmente: Aqui lhe rebenta um pintalegrete // Que tanto se adama e se emboneca, // P’ra ir aos cafés tomar um sorvete, // Passear o seu Bem, pregar-lhe uma sécca. […] – cf. CASTELO BRANCO, Camilo – Cancioneiro Alegre de poetas portuguezes e brazileiros: commentado. 2.ª ed. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1887, vol. II, p. 26. 290 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Este botequim era o preferido pelos libertinos da época. Pelo ano de 1864 já se lhe referia Francisco Ferreira Barbosa, que dele dizia ser um dos mais afamados e vetustos da Invicta, que possuía bons bilhares e confeccionava bons sorvetes125. Aí se podia, ainda, tomar um reconfortante chocolate126. Deste espaço dá-nos Pimentel a seguinte crónica: Abriu-se um café na rua de Santo Antonio, da cidade do Porto, que dizem os jornaes e correspondências ser uma coisa que á vista do Marrare de Lisboa é o mesmo que comparar o Salitre a S. Carlos! A architectura, a mobília e o serviço são de um luxo e gosto de primor. Lá chamam-lhe o Marrare por ironia. Quando teremos nós disto em Lisboa? // Devia ser o café contiguo ao portão do Circo. Que ingénuos tempos lá vão! Os portuenses, afeitos à pirangaria do ‘Guichard’, acharam sumptuoso o novo botequim da rua de Santo Antonio; e os lisboetas invejavam-no com uma pontinha de ironia mansa127. Camilo oferece-nos um retrato deste lugar e sua sociabilidade: O botequim da rua de Santo António era um cardume de libertinos: quem ali entrasse a tomar um capilé, e se demorasse dez minutos, saía cínico. E Innocencio, começando a frequentar aquella caverna com o cândido intento de jogar o quino, passou depois ao bilhar, e d’aqui ás mezas marmóreas onde a sã moral era espostejada como cadáver combalido em amitheatro anatómico128. Neste local jogava-se igualmente com afã o trinta e um129. Gaspar Martins Pereira130 recorda-nos que o Botequim da Rua de Santo António era frequentado pelos irmãos Passos e muito animado pelas discussões políticas.131 125 BARBOSA, Francisco Ferreira – Elucidário do viajante no Porto. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1864, p. 103. 126 CASTELO BRANCO, Camilo – O sangue. 3.ª Ed. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1907, p. 214. 127 PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, p. 174. 128 CASTELO BRANCO, Camilo – O sangue. 3.ª Ed. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1907, pp. 99-100. 129 PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 153. 130 PEREIRA, Gaspar Martins – No Porto romântico, com Camilo: (e itinerário camiliano na Foz do Douro de hoje). Porto: Casa Comum/O Progresso da Foz, 1997, p. 60. 131 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 70; IDEM – “Ainda os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 6. Porto: Junho 1964, p. 186n; IDEM – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 6. Porto: Junho 1987, p. 183. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 291 Pela sua proximidade imediata, seria frequentado pelos artistas que estanciavam quer pelo Teatro-Circo do Príncipe Real, quer pelo Teatro Baquet; e sobre isto mesmo encontrámos registo, de um episódio que se processou neste botequim, e que nos é relatado por Firmino Pereira: No botequim da rua de Santo António, proximo ao portão de ferro que ligava com a viela da Neta, pontualmente compareciam os actores do Teatro-Circo e do Baquet. Foi lá que uma tarde, o Amaro, galã fanhoso e feroz, ilando pela gola do casaco o critico Galaria, que o apreciára desfavoravelmente no papel de Armando Duval, ao lado de Emília das Neves, o arrastou até á escada, sovando-o brutalmente... // O Galaria era um pobre moço, roído por uma tuberculose... E o Amaro, alarvemente estupido, logo espalhou pelo Café e pela rua a façanha heroica em que triunfára, para exemplo de criticos futuros que tivessem de aludir á sua ilustre personalidade...132 15 – O Botequim da Neve localizava-se onde se encontra o quadrado vermelho (sensivelmente a meio da Rua de Santo António). Nesta carta podemos ver assinalado, nesse lugar, a escadaria que passava por baixo deste botequim e dava acesso ao Teatro Circo do Príncipe Real (depois renomeado de Teatro Sá da Bandeira); e nela ainda aparece o antigo traçado da Rua de Sá da Bandeira. Fonte – CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui - Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Bairros da cidade - XX: Bairro de Santo Ildefonso - VII, in http:// portoarc.blogspot.pt/2012_11_01_archive. html (2016/10/15; 22.05h). 132 PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, pp. 23-24. 292 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) E uma vez que este botequim se situava numa das ruas, e zonas do Porto, com maior actividade comercial, ponderamos que seria, de igual modo, lugar de passagem de negociantes que ali perto laboravam ou ali se deslocavam. Botequim de São Lázaro Este botequim já existia pelo ano de 1851. Situava-se no Passeio de S. Lázaro, entre os largos da Ramadinha e de Santo André. Pelo menos entre 1884 e 1901 foi seu proprietário José de Lima Lobo133. Frequentado e dilecto dos estudantes134. Posteriormente tomou a designação de Café América (em 1904 já tinha esta denominação). Horácio Marçal, que foi um dos seus frequentadores, airmava que aqui se jogava bastante o dominó e as damas. Pimentel acresce que nele se jogava muito o trinta e um135. Este botequim foi frequentado por uma igura típica da Invicta, muito assuada pelo gentio que, todavia, ignorava a história rocambolesca, interessante e até heróica que se encobria por trás dessa triste igura, já pelo im de sua vida: o chamado Desgraça, porém de seu verdadeiro nome José Maria da Graça Strech136. Horácio Marçal, numa crónica no ano de 1964, atesta que esse botequim havia encerrado há relativamente poucos anos.137 133 Almanak do Porto e seu districto para 1884. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva – Editor, 1883, p. 386 e Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1900, p. 230. 134 PIMENTEL, Alberto – Fitas de Animatógrapho. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1909, p. 181. 135 PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 153. 136 (Porto, Rua Direita, hoje Rua de Santo Ildefonso, 1793/1794 - Porto, Rua de Cima de Vila, Hospital dos Entrevados, 20/5/1859). Cremos que ninguém, por esses tempos, o conhecia pelo seu nome, Desgraça era o apodo com que o rapazio o apupava a toda a hora. Era neto de um alemão, capitão de navios 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 293 16 – O Botequim de S. Lázaro icaria sensivelmente na zona assinalada a vermelho nesta planta do projecto do Jardim de S. Lázaro, de 1830, de João Baptista Ribeiro. Fonte – CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui - Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Governo político - V: Abertura de algumas ruas importantes - II, in http://portoarc.blogspot.pt/search/label/ Jardim%20de%20S.%20L%C3%A1zaro (2016/10/19; 04.42h). 294 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Botequim da Porta do Olival Este botequim existia já pelo ano de 1853. Ficava no então Largo da Porta do Olival138, na parte compreendida entre as embocaduras das Ruas de Trás e dos Caldeireiros.139 O nome deste botequim deriva do facto de incluir no seu pano de parede uma porção do panejamento da vetusta Porta do Olival, que aí se situava, pertencente à anciã Muralha Fernandina.140 e mais tarde comerciante em Cima do Muro, e ilho do capitão do exército Graça Strech e da ilha da morgada da Quinta das Chãs. Uma igura que o povo reputava de maníaco e que, de facto, foi uma criatura atormentada pela amargura do destino. Era visto pela cidade, já pelos seus sessenta e tantos anos, a coxear arrimado ao seu bordão, enformado numa sobrecasaca completamente abotoada e com um chapéu alto todo amassado, na boca um enorme cigarro que ele manipulava com pontas de charuto dadas ou apanhadas do chão, num dedo da mão esquerda um anel de oiro liso com uma só pedra, a medalha de prata da Guerra Peninsular na sobrecasaca e a sua inseparável guitarra e seu iel cão, vivendo na mendicidade. Mas tinha uma longa, e dolorosa, história de vida por detrás. Valente combatente com o pai na Bateria do Bonim, aquando da invasão francesa em 1809, onde pereceu seu pai. Ele foi ferido quase mortalmente pelos soldados de Soult, mas conseguiu recobrar e ver a sua querida irmã morta. Travou muitos outros combates, sendo ferido com gravidade em vários deles. Quando Portugal se preparou para a terceira invasão de Massena, José Maria alistou-se no regimento de infantaria 18, e, nas diversas batalhas que travou, foi de novo ferido em Salamanca e em Vitória. Tinha nessa altura o posto de Tenente e foi agraciado com a Torre e Espada e com a Cruz de S. Fernando de Espanha, tendo recebido depois a medalha de Prata da Guerra Peninsular. Tinha uma ilha que, depois da dispensa, foi procurar por toda a Itália, sem descobrir o paradeiro dela. Na sua afadigada e tenaz busca encontrá-la-á em Londres, no meio de uma rua, mendicante. A mãe era já morta de parto. Porém, pouco durou a sua alegria pois a sua ilha virá em breve a morrer, com apenas 14 anos. Ele acabou, com tanto sofrimento, por ensandecer. Entrou no hospital dos entrevados em Cimo de vila em 1857, onde faleceu com 66 anos em 1859. Tocava guitarra, que aprendeu nas campanhas militares com outro soldado da Régua, chegando à primazia. Foi o protagonista da obra, de Alberto Pimentel, O annel mysterioso: scenas da guerra peninsular. Lisboa: Lucas & Filho, 1873, e igura entre os personagens do quadro de António José da Costa, Outros Tempos. Aparece a sua vida contada na obra Galeria de homens e mulheres celebres do Porto, (desde 1830 até 1875) contendo as biographias do Vinte e um e do Rolhas, da Dona Maria 2.ª, do Faustino, do Negro Melro, do Cartolas, do Bispo, do Nanaia, do Corcunda, do Manoel Zé, do Desgraça, do Urbano, da Henriqueta e do Martinho. Porto: Typ. da Imprensa Litterario-Commercial, 1875, pp. 39-48. 137 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, p. 71; MARÇAL, Horácio – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 5. Porto: Maio de 1987, p. 150. 138 Toda esta zona se designa hoje Campo dos Mártires da Pátria (a anterior Praça da Cordoaria) e engloba o Largo dos Mártires da Pátria e o vetusto Largo do Olival, que se reuniram aquando da demolição, a partir de 11/10/1853, de uma iada de 16 prédios (entre estes e a Cadeia da Relação passava a Muralha Fernandina), o que possibilitou desafogar a dita cadeia e reunir os Largos do Olival e da Cordoaria. 139 Na Porta do Olival existiu analogamente o vetusto Botequim da Pátria, sobre o qual se sabe apenas 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 295 Firmino Pereira quando menciona a azáfama que existia no largo fronteiro ao Anjo, entre as traseiras da Academia e a Rua de Trás, refere que encostados ao Botequim do Adães, os galegos 141, em mangas de camisa, esperavam os fretes dos armadores do bairro, – o José da Silva, o Lisboa, o Delim. Ao lado do Adães, um frasco de bichas de sangrar denunciava a existência de um barbeiro142. Este Botequim do Adães – talvez aludindo ao nome do seu proprietário – seria então o inicial, uma vez que também Horácio Marçal aduz que, quando Joaquim Maria da Silva tomou conta do Botequim da Porta do Olival, já lá existia uma casa de bebidas, possivelmente este Botequim do Adães (que se situaria no mesmo local). Horácio Marçal, pela década de 60 do século passado, alude que, por essa altura, existia um outro café – com o mesmo nome Porta do Olival próximo deste, e que nos primeiros anos desse século pertencia a um senhor de barbas compridas, de nome Joaquim [Maria] da Silva143. Posteriormente o botequim veio a pertencer à criada deste, a quem ele legou – antes de falecer, em 1916 ou 1917 – a posse do estabelecimento e de seu recheio. Com a morte da criada e do seu marido, António de Oliveira, este botequim veio a pertencer a uma irmã de António de Oliveira, que por sua vez o trespassou. que teve uma existência muito efémera. Frequentado pela rapaziada da Academia e da Escola Médica. Um dos estudantes aí certo todas as tardes era o Rosemberg, que teve uma morte sem sentido por ter apostado que era capaz de comer uma dúzia de pães quentes. Ganhou a aposta, mas perdeu a vida. PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 153. 140 MENDES, Nuno Fernando Ferreira – Cafés históricos do Porto: na demanda de um património ignoto. Porto: [s. n.], 2012, p. 135. Dissertação de mestrado em História da Arte Portuguesa apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 141 Estes eram provenientes da Galiza e ocupavam-se de tarefas menores, mas, sobretudo, ocupavam o cargo de aguadeiro. Num tempo em que a canalização de água nos edifícios era muito diminuta ou praticamente inexistente, eram eles que, espalhados pela cidade, com os seus grandes cântaros de barro, levavam das fontes municipais até a casa dos fregueses, a pedido destes, os respectivos cântaros de água que lhes eram solicitados. Era, pois, um trabalho árduo e fatigante e aqui radica a génese da expressão “trabalhar como um galego”. Recordamos, a propósito, que a concessão foi feita por decreto Real de 22/3/1882, mas o serviço público apenas se iniciou em Janeiro de 1887-28/3/1927. A Compagnie Génèrale des Eaux pour l’Étranger, que foi a concessionária da água para a cidade do Porto; depois houve ainda a Companhia de Águas do Porto, até que, mais tarde, em 1/4/1927, com a municipalização, apareceram os Serviços Municipalizados de Águas e Saneamentos do Porto. 142 PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, p. 80. 143 Os almanaques do Porto, para 1884 e 1901, dão como proprietário deste café Joaquim Maria da Silva - cf. Almanak do Porto e seu districto para 1884. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva Editor, 1883, p. 386 e Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1900, p. 230. 296 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Horácio Marçal dá-nos, ainda, deste botequim um registo na primeira pessoa: Durante o ano de 1927, quando recruta do regimento da 1.ª Companhia de Saúde, nas Taipas, fomos bastantes vezes ao 1.º andar deste modesto cafèzinho jogar algumas partidas de bilhar com o nosso alegre camarada da tropa Eduardo Augusto da Silva, o fadista, como era conhecido no Quartel. Esta preciosa informação permite-nos saber que nessa altura o café teria dois pisos (ao contrário do que sucede nos dias de hoje). Firmino Pereira outorga sobre este Campo do Olival, onde na Porta com este nome se encontrava a lápide que elegia Nossa Senhora da Conceição padroeira do reino de Portugal, preciosas nótulas de sociabilidade e valor histórico, relatando-nos que nas tabernas imundas do lado do Olival, mulheres sujas, vermelhas do calor dos fogareiros, frigiam peixe, á porta das infectas baiucas [e pela imagem utilizada como ilustração deste botequim percebemos que, pelas décadas de 30 e 40 do século XX, o ambiente não havia cambiado]. A soldadesca da municipal derriçava sopeiras, sob as arvores, ou encostada ás soleiras das portas. Nos bancos de pedra, gente da aldeia, de jaleca ao hombro, fazia as suas contas, esperando pelo tiro do meio dia, na torre dos Clerigos. E, na fonte da cadeia, á entrada de S. Bento, raro era o dia em que o mulherio do sitio não gritasse e izesse uma bulha ensurdecedora, esgotando o seu vocabulário de injurias na ansia apressada de encher o seu caneco... // Este espaço era o antigo Campo do Olival, o historico campo por onde, em remotos tempos, passaram os luzidos e aparatosos cortejos que acompanharam a princesa D. Filipa de Lencastre quando veio casar á Sé com o mestre de Aviz, e seguiram o arcebispo D. Gaspar na sua passagem para Braga, em cuja diocese havia sido apresentado. Do velho Porto d’outros tempos, esse campo, tambem chamado horto, alameda e monte, ocupa na memoria do burgo tripeiro um logar muito especial. Depois do bairro da Sé era o mais movimentado e pitoresco144. Este botequim usufruía da preferência da juventude e dos intelectuais145. 144 PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, pp. 80-81. 145 MARÇAL, Horácio – “Os antigos botequins do Porto”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano IV, n.º 3. Porto: Março 1964, pp. 70-71; IDEM – “Botequins do Porto”, in O Tripeiro. Série Nova, vol. VI, Ano VI, n.º 6. Porto: Junho 1987, p. 182. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 297 Botequim dos Macacos Localizou-se na Rua do Bonjardim. Sobre ele, conta-nos Pimentel: Aqui, que me conste, não se tirava a vida a ninguém, mas a bengala e o lenço de assoar tirava-se a toda a gente. Do relógio não falo porque os frequentadores habituais não o tinham, a não ser que tivesse pertencido aos outros.146 Esta crónica revela que este espaço era um botequim à ‘moda antiga’, aqui aplicado no dúbio sentido; uma vez que, tal como nalguns primevos botequins, era um lugar de pouca reputação, por vezes coio de zaragateiros e meliantes de toda a espécie. Parece que era a este botequim que se referia Firmino Pereira dizendo que aqui, neste antro, na Rua do Bonjardim à entrada da Viela da Neta, escuro e fumacento continuava-se a tradição arruaceira e temerária do Botequim do Pepino147. 146 PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 152. 298 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) 17 – O Botequim da Porta do Olival (assinalado pelo quadrado a vermelho), que ainda hoje subsiste, pode-se ver nesta foto que retrata o comércio das vendedeiras no “mercado da cordoaria”, pelos anos de 30-40 do século XX. Fonte – Monumentos desaparecidos, in http://monumentosdesaparecidos. blogspot.pt/search/label/Retratos%20 do%20Passado (2014/02/12; 15.18h) 18 – O Botequim dos Macacos que se localizava na Rua do Bonjardim; sensivelmente onde está assinalado, a vermelho, nesta planta de W.B. Clarke de 1833. Fonte – FIGUEIREDO, Ricardo – do Porto e não só… – A planta topográica da cidade do Porto 1839, in http:// doportoenaoso.blogspot.pt/2010/07/ planta-topograica-da-cidade-do-porto. html (2016/10/19; 15.53h). Tasca do João do Buraco (e restaurante) Este estabelecimento era já muito reputado pelos alvores do século XX.148 Ficava na Praça de Santa Teresa (hoje, e desde 1/5/1915, com a inauguração aí do busto do ilustre bombeiro, com a designação de Praça Guilherme Gomes Fernandes). Este é daqueles casos de botequins, ou tabernas, que agregam já a valência de restaurante. Esta casa era uma célebre taberna onde se comiam bons petiscos e se bebia bom vinho do Douro; Amarante e Basto… Frequentava-a a melhor roda do Porto. Foram seus clientes: Guedes Infante; Diogo Souto (por antonomásia o Cartola de Vila Nova ou o Souto Cartola); Agostinho Albano; José de Setembro; 147 PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, p. 23. 148 LEITE, Arnaldo – “Os restaurantes do principio do século. Ceias de ontem, almoços de hoje”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IV, n.º 10. Porto: Fevereiro 1949, p. 227, col.ª 2. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 299 os alegres rapazes dos Calenderes [António José Guedes; Santa Clara (professor)] e dos Catreus; Gayarre (tenor); Bordalo, sempre que nos visitava ia cear a esta famosa taberna; também o conde de Rezende não se envergonhava de entrar para comer um caldo verde, numa tijela de barro, como o comem os lavradores minhotos – com um garfo de ferro […] o João do Buraco, gorducho, louro e amavel, pôde gabar-se de qua a sua casa era a preferida pelos janotas, pelos literatos e pelos gastronomos do velho burgo portucalense. Efetivamente, nesta taberna de aspeto nada convidativo comia-se bem e bebia-se melhor. 149 19 – A Praça de Santa Teresa, na transição do século XIX para o século XX, e onde se localizava a famosa Tasca do João do Buraco. Fonte – CUNHA, Maria José; CUNHA, Rui – Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos nossos dias: Víveres que anualmente se gastam na cidade - I, in http://portoarc.blogspot.pt/search?updatedmin=2014-01-01T00:00:00Z&updated-max=2015-0101T00:00:00Z&max-results=14 (2014/02/25; 03.35h). 149 PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, pp. 115-116. 300 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) Notas inais E pelos idos do alvor do Oitocentos estes foram alguns dos parlatórios preferenciais, onde as gentes do Porto, e não só, transitavam para desfastio de algumas horas de ócio; para troca de algumas ideias, com importância, nas mais vastas áreas do pensamento; para compor poesia, engendrar artigos para periódicos ou esquadrinhá-los na leitura; congeminar obras literárias e discutir problemas artísticos; para a procura e consecução de oportunidades de negócio; para a degustação das novidades da época; para o simples recreio através do jogo150 ou do mero cavaquear; como num tempo posterior para a volúpia de umas horas de música ou para se deleitarem a acompanhar algumas evoluções técnicas que iam surgindo (como foi o caso das imagens em movimento / cinema). Nalguns casos, igualmente, para forjar algumas acções de reacção e revolutio contra um status quo que não era de feição com os novos movimentos literários, ideológicos e políticos que se iam gerando, por esses tempos, quer internamente, quer por força dos novos ideários que sopravam vindos de outras partes do mundo. Talvez que no princípio, nos botequins, as pessoas se congregassem por ainidades proissionais, sociais ou intelectuais. No entanto, se isto era no fundo uma permanência e um prolongamento daquilo que secularmente se passava em casa, nos clubes e associações privadas de toda a ordem, todavia, na verdade, aqui faziam-no num espaço público e aberto a todos. Estamos convictos que esta democraticidade na partilha de um mesmo espaço, por intervenientes de variegada proveniência, a breve trecho, embora de forma paulatina, irá fazer estilhaçar as barreiras sociais e da timorata conveniência num convívio mais transversal, alargado e plural. Quando estes espaços se converteram, para muitos, numa extensão da habitação, ou do local de labor, e neles as pessoas começaram a tratar de assuntos de família, ou privados e de sua intimidade, antes remetidos exclusivamente para locais de âmbito mais secluso e restricto, mas agora discutidos 150 Jogo que por vezes dava basto rédito: contava-se que o proprietário do Café Lisbonense deu os proventos, do jogo do dominó, como dote de uma das ilhas e calculou o seu rendimento em cerca de 600$000 réis anuais – cf. PIMENTEL, Alberto – O Porto na berlinda: memórias de uma família portuense. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1894, pp. 90-91 (José Augusto Vieira; O Minho pittoresco). 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 301 em lugares públicos (e neste caso bem públicos e democráticos), ponderamos, no plano sociológico, em que medida tenha talvez começado aí a miscigenação entre estes dois planos distintos. Quiçá se deu início assim à dissolução entre a divisão, anteriormente claríssima, entre o que é do domínio privado e aquilo afecto à esfera do público. Ulteriormente, alguns cafés complementar-se-ão com novas valências, tais como a de restaurantes151 e alguns até de hospedarias152, agregando num só espaço a tríplice oferta, num movimento algo incipiente da hotelaria, em que aos clientes, agora com a perspectiva de os verter em hóspedes, se procura oferecer o indispensável à sua estadia153. 151 Vd., sobre a história e a importância do aparecimento dos restaurantes, BRILLAT-SAVARIN, [Jean Anthelme] – Fisiologia do Gosto: com uma leitura de Roland Barthes. Lisboa: Relógio d’Água, 2010, pp. 181-188. Transcrevemos uma brevíssima passagem, para ilustrar sobre a sua relevância histórica e, também, como novo centro de sociabilização: Por volta de 1770 […], eram escassíssimos os recursos que permitiam aos estrangeiros comer bem em Paris. // Eram forçados a recorrer à cozinha das estalagens, que era geralmente má. Existiam alguns hotéis com serviço de refeições para os hóspedes mas que, salvo raríssimas excepções, ofereciam apenas o estritamente necessário e servido a horas ixas. // É certo que se podia encomendar comida feita, mas geralmente estas casas só serviam peças inteiras, e […] tinha de encomendar os pratos antecipadamente. E estamos a falar de Paris. O aparecimento de restaurantes lexibilizou, muito, as quantidades servidas, a sua variedade, o seu custo e o seu horário disponível. E o salão de um restaurante, se for examinado em pormenor, oferece ao olhar escrutinador de um ilósofo, um quadro digno de interesse, devido à variedade de situações que aí se encontram (pp. 181-183). O aparecimento de casas, sofrivelmente dignas, de restauração, por cá, deu-se mais tarde, como vemos na nota adiante. 152 Caso do Café Águia d’Ouro. 153 Além dos cafés, que juntavam a qualidade de restaurante, referenciamos ainda, pela sua importância, entre outros, no Porto, ou nos seus arredores próximos, citando, apenas, os mais afamados, os seguintes restaurantes: Restaurante do Palácio de Cristal – 1865; foi uma inovação porque cozinhava à francesa;no entanto, os portuenses habituados a comer opiparamente, não se seduziram muito pelas massas e cremes deste restaurante; porém, deixaram-se seduzir por se alimentarem numa mesa aparatosa, servida por criados de casaco, gozando, através das janelas, a vista do mar, e ouvindo tocar, no coreto, a banda do Palácio. Podemos acrescentar que o maior cliente que esta casa teve não era nacional, era sim um alemão, o guarda-livros da casa, que ali jantava durante três horas, e lá deixava icar tudo quanto ganhava. – cf. PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 155-156. A Rainha – Praça Nova; também conhecido como Casa de Pasto e Estalagem do Rainha. Era um lugar mal aparentado, onde se comia bem (repleto de imagens de santos e santas, de variegados tamanhos, nas paredes); onde alguns patuscões iam cear copiosamente à antiga portuguesa, e onde costumavam jantar, nos dias de feira, os lavradores mais abastados: Era uma baiuca popular, onde de dia ou à noite os fregueses achavam deliciosa a carne assada com batatas, a pescada cozida com molho de azeite e vinagre, a orelheira com feijão branco, – e até o badulaque, a chanfana com alguma mosca à mistura. Gomes de Amorim, que aí foi parar por engano, em meados do século, habituado que estava a jantar no Mata, do Cais do Sodré, descreve-o bem, mas pela negativa. Esta casa de pasto tinha, no entanto, fama de vender vinho de qualidade – cf. PIMENTEL, Alberto – O Porto na berlinda: memorias d’uma familia portuense. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1894, pp. 147-148; PIMENTEL, Alberto – A Praça Nova. Porto: ‘Renascença Portuguesa’, 1916, p. 252 e PIMENTEL, Alberto – O Porto há trinta anos. 2.ª ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2011, p. 155). ...o poeta, Gomes de Amorim, em hora de má digestão, comparou a um “antro horrendo”… – cf. PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, p. 116; Restaurante Reimão – Av. Rodrigues de Freitas esquina com a Rua do Barão de S. Cosme; um dos mais 302 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) afamados restaurantes que o Porto teve, onde se servia bom prato de peixe frito com salada e azeitonas e se comiam boas tripas e caldo verde. Foi fundado por um francês de nome Raimon, que primeiro se estabeleceu com uma padaria, onde vulgarizou, entre nós, o pain mollet, que o tripeiro haveria de vulgarizar como molete, como vernacularizará o nome do seu proprietário em Reimão – cf. PEREIRA, Firmino – O Porto d’outros tempos: notas historicas, memorias, recordações. Porto: Livraria Chardron, 1914, pp. 12, 27. Artur Pereira Barbedo em 1892 era o proprietário do Restaurante Reimão; em 1896 do Restaurante Reimão e em 1901 aparece como proprietário do Restaurante Porto-Club e do Restaurante Reimão – cf. Almanak do Porto e seu districto para 1892. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva – Editor, 1891, p. 304; Almanak do Porto e seu districto para 1896. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1895, p. 395 e Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva – Editor, 1900, p. 275. Sobre a história do pão molete e deste afamado restaurante, podemos, ainda, carrear mais informação: O Reimão (à época também se escrevia Reymon) foi o restaurante de maior fama no Porto dos inais do XIX. Ficava na Avenida Rodrigues de Freitas, na esquina com a Rua Barão de São Cosme. Estava instalado numa casa térrea com um amplo quintal e ramada, debaixo da qual havia mesas de ardósia onde se serviam os petiscos da casa. Havia anexos e um enorme barracão coberto para quem não quisesse comer ao ar livre. O ambiente era agradável, sobretudo no Verão, e a qualidade da comida era excelente. Não havia ementa, e tão pouco o restaurante confecionava pratos especiais. Pedia-se o que se queria e era tudo cozinhado na hora. Camilo (Castelo Branco), que frequentou este restaurante, apreciava a pescada cozida com cebola e azeitonas. A casa térrea onde funcionava o restaurante foi demolida e no seu lugar construiu-se um novo edifício, onde funcionou o “HOTEL REIMÃO” e um novo restaurante que já não teve a fama gastronómica do seu antecessor. // Todos sabemos que os franceses, no termo de cada uma das três invasões que izeram a Portugal, tiveram de fugir apressadamente. // No que à segunda invasão respeita, que foi aquela que mais dramaticamente atingiu a nossa cidade, a pressa de sair do Porto foi tanta que os franceses deixaram para trás muitas armas, munições e até alguns objetos de ouro e prata, produto do saque que haviam efetuado. Consta até que, quando as tropas anglo-lusas entraram no Porto, o general Soult se preparava para almoçar no Palácio das Carrancas (atual Museu de Soares dos Reis), onde se encontrava instalado. Mas, na pressa de abandonar a cidade, não chegou a sentar-se à mesa e, ao que parece, foi o general inglês Wellesley, que comandava as tropas libertadoras, que acabou por comer a refeição. // Além das bagagens, os franceses também deixaram abandonados na cidade do Porto sete mil militares internados em vários hospitais. Uma boa parte deles acabaria por icar pelo nosso país e por se adaptar aos nossos costumes. Esteve neste caso um soldado – padeiro de proissão – conhecido por “Maneta”, por ter perdido um braço na guerra, de seu nome Reymont ou Raimon, que – aportuguesado – deu Reimão, a quem é atribuído o nome dado a um sítio do Porto e a invenção do nosso tão conhecido e apreciado “molete”, aquele saboroso pão feito de farinha de trigo. // Mas terá sido mesmo assim? // Vejamos os factos: A atual Avenida Rodrigues de Freitas era – primitivamente – o antigo caminho para Campanhã, que icava “além da Gafaria dos Lázaros”. Aí, por meados do século XV, este velho caminho ladeava um campo chamado do Vale Formoso, que a Câmara do Porto – por aquela altura – emprazou a Pedro Anes de Santa Cruz e a um ilho deste, Gonçalo Reimão, que o transformaram numa bela quinta, que tomou o nome daquele último proprietário, ou seja, “Quinta do Reimão”. Com a urbanização desta propriedade, ocorrida em pleno século XVII, o antigo caminho transformou-se em artéria e foi-lhe dado o nome de Rua do Reimão, em alusão à quinta que icava ali mesmo ao lado. // Moral da história: Não foi, portanto, o francês, que só aparece no século XIX a dar o nome ao sítio. // Mas é verdade que o antigo soldado de Napoleão (Bonaparte) se instalou nas imediações da atual Avenida Rodrigues de Freitas, onde montou uma padaria e um restaurante, que tomaram o seu nome. A tradição diz que era nessa padaria que se fabricavam os “moletes”. // Ora, a palavra “molete” – segundo os mais conceituados dicionaristas – signiica “pão de trigo pequeno e mole”. // Mas terá sido esta espécie de pão uma invenção do Reimão? // Parece que não. // Manuel Parente de Novais, monge beneditino, que em 1690 escreveu a “Anacrisis Historial”, obra fundamental e de leitura obrigatória para quem quiser estudar a fundo a história do Porto, ao referir a criação, no tempo dos Filipes, da Casa da Relação do Porto, diz que se tratou de uma importante decisão e que com a criação daquele novo tribunal quem mais beneiciou foi a cidade e o seu comércio, porque, segundo o cronista, muita gente das terras do interior passou a vir à cidade, nomeadamente para tratar dos casos que andavam em tribunal e que essa aluência de povo beneiciou sobretudo o comércio, as estalagens, as casas onde se comia que se esmeravam, acrescenta Pereira Novais, “por apresentar os melhores produtos como sejam as tenras carnes, não só daqui como as que vêm de fora; o fresco e saborosíssimo pescado; as lindas e apetitosas frutas e o nosso tão apreciado pão, não apenas o que se fabrica na cidade, mas também nos seus arredores, como Valongo, Maia, Arnelas, Avintes e de outras paragens, muito bem confecionado, branquíssimo e leve, tanto no género da regueifa como no do molete…” // Ora aí está: O pão molete, pelos vistos, já existia no século XVII; pelo menos, a sua existência já é referida no ano de 1690. // Mas como apareceu então a história do Reimão e do molete? Ao que parece alguém, que terá vivido no tempo das invasões francesas, contou a história do soldado Reymont (ou Raimon), mas nada sabia do texto de Pereira Novais nem da existência do citado Gonçalo Reimão e associou o nome do sítio ao do militar. // E, neste caso, como em muitos outros, iquemos com Garrett quando disse “… eu tenho mais 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 303 fé no livro da tradição popular que em todos os livros dos cronistas arqueólogos e seus comentadores, quantos há…” // E às vezes, de facto, a lenda é muito mais rica do que a realidade. Fiquemos com ela. – cf. SILVA, Germano – A história do “Reimão”, in Jornal de Notícias. Porto: 5 de Abril de 2009, p. 70, col.as 1 a 5. Restaurante Sentieiro – 1875; de Manuel Luís Sentieiro, grande orador dos comícios do partido progressista, explorava também a Serralharia Sentieiro, na Rua da Vitória (entre os Caldeireiros e a Rua do Ferraz), Fábrica de Fundição de Ferro na Rua da Vitória, junto à serralharia. Pouco depois de inaugurada a Estação da Boavista [ Estacão dos Caminhos–de–ferro do Porto à Póvoa e Famalicão (Outubro de 1873- Abril de 1920, deixou de ter interesse pela construção da linha férrea da Póvoa até à Trindade. A partir daí a população faria serventia do apeadeiro da Avenida da França) ], montou aí, na esquina da Rotunda da Boavista com a Rua das Pirâmides (actual Avenida da França), Sentieiro o seu restaurante, que em muito pouco tempo, fruto de um apurado requinte culinário, atinge invulgar reputação no meio citadino. Era em forma de chalet, com um belo jardim verdejante na frente e cercado de gradeamento de ferro e respectivo portão, sob o qual, em letras em ferro fundido, se lia o nome Sentieiro. Nas suas traseiras tinha um grande quintal com um dilatado caramanchão de ferro envolto em odorosas trepadeiras, debaixo deste e de um túnel de japoneiras, nos dias quentes da época estival, eram as refeições servidas. Um dia, sem razão aparente pois o estabelecimento tinha muita clientela, Sentieiro fechou o seu estabelecimento e aí, nesse local, se veio a fundar o Clube da Boavista (que teve breve existência). Mais tarde o chalet foi usado para os escritórios da Companhia dos Caminhos de Ferro da Póvoa. Nos anos vinte, do século XX, serviu de habitação ao pessoal dessa companhia. Ficou depois abandonado. Lembramos que já na segunda metade do século aí esteve uma dependência bancária e hoje encontra-se devoluto, de novo. O Almanak do Porto e seu districto para 1896. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1895, p. 395, aponta como proprietário deste restaurante, nessa altura, Leopoldo Eduardo Alves. MARÇAL, Horácio – “A Rotunda da Boavista”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano X, n.º 10. Porto: Outubro 1970, p. 298; O Sorvete. N.º 17, 1.º Ano, 2.ª Série. Porto: 29 de Setembro, 1878 (p. 136) (a prisão do nosso amigo Manuel Luís Sentieiro, em a noute de 22 de Setembro de 1879, por causa dos distúrbios populares…a implacável patrulha arrebatou para o Carmo um político sincero); O Sorvete. N.º 69, 2.º Ano. Porto: 28 de Setembro de 1879 (p. 170, 172); O Sorvete. N.º 100, 3.º Ano. Porto: 25 de Abril de 1880 (p. 316); O Sorvete. N.º 105, 3.º Ano. Porto: 30 de Maio de 1880 (centrais) (o julgamento do Porto em caza de Pilatos); O Sorvete. N.º 121, 3.º Ano. Porto: 10 de Setembro de 1880 (p. 484); O Sorvete. N.º 195, 5.º Ano. Porto: 5 de Fevereiro de 1882 (pp. 42-43); O Sorvete. N.º 284, 6.º Ano. Porto: 21 de Outubro de 1883 (p. 755) (o Hércules da eloquência...); O Sorvete. N.º 305, 7.º Ano. Porto: 16 de Março de 1884 (centrais) (eleições); O Sorvete. N.º 308, 7.º Ano. Porto: 6 de Abril de 1884 (desdobrável) (a feira de S. Lázaro política – onde estão todos os políticos como aberrações circenses, inclusivamente os eleitores ignaros e comandados...); O Sorvete. N.º 309, 7.º Ano: Porto 13 de Abril de 1884 (im) (os folares – Sentieiro com Maryanno de Carvalho no folar, Adriano Machado com Anselmo Braamcamp no folar, Delim de Oliveira Maia com Corrêa de Barros no folar...); O Sorvete. N.º 310, 7.º Ano. Porto: 20 de Abril de 1884 (centrais) (a babel progressista... ninguém se entende – Corrêa de Barros, Adriano Machado, Sentieiro, Maryanno de Carvalho, Braamcamp, Delim de Oliveira Maia...); O Sorvete. N.º 319, 7.º Ano. Porto: 22 de Junho de 1884 (p. 195) (cita o seu restaurante O Reimão). Restaurante Porto - depois de 1880; na transição do século, era seu proprietário Joaquim Alonso Barciella; no lugar do extinto Café das Hortas; este restaurante dará lugar ao actual Hotel Internacional de Seraim Pereira e também da irma Adriano Caetano & C.ª, na Rua do Almada – cf. MARÇAL, Horácio – “A Rua do Almada”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano XI, n.º 3. Porto: Março 1971, p. 74 e O Imparcial, de 1899-1900, secção anúncios). Restaurante Adriano - 25/11/1888; na Rua do Bonjardim, n.º 52; muito afamado; de Adriano da Silva Nunes; societário também do Hotel Aliança (1881, na Rua Sampaio Bruno), do qual era proprietário José Henriques Gonçalves; que foi em 1862 o Hotel Inglês (Rua da Reboleira, n.º 53-55, na casa onde nasceu Pedro Pedrossem da Silva), em 1871 a Hospedaria Inglesa (Rua de Sá da Bandeira, n.º 4) – cf. LEITE, Arnaldo – “Os restaurantes do princípio do século. Ceias de ontem, almoços de hoje”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IV, n.º 10. Porto: Fevereiro 1949, p. 228 (F), MARÇAL, Horácio – “A Rua de Sá da Bandeira”, in O Tripeiro. 6.ª Série, Ano VII, n.º 1. Porto: Janeiro 1967, p. 8; O Tripeiro. 7.ª Série, (Série Nova), vol. X, Ano X, n.º 3. Porto: Março 1991, p. 102(F). O Sorvete. N.º 44, 11.º Ano. 2.ª Série. Porto: 25 de Novembro de 1888 (p. 6) (anuncia a abertura deste nesse dia, na rua do Bonjardim n.º 52, junto ao Café Lisbonense; e informa que Adriano já era ex-societário do Hotel Aliança); O Sorvete. N.º 45, 11.º Ano, 2.ª Série. Porto: 2 de Dezembro de 1888 (capa) (observamos dois clientes em dissensão sobre uma questiúncula política); O Sorvete. N.º 244, 17.º Ano. Porto: 6 de Janeiro de 1895 (im) (ilustração da ampla e nova sala inaugurada em 1 de Janeiro de 1895); A Actualidade. 15.º Ano, n.º 283. Porto: 25 de Novembro de 1888 (faz anúncio da sua abertura neste dia; na Rua do Bonjardim, n.º 52, 54); 304 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Rui Manuel da Costa Perdigão da Silva Fiadeiro Duarte (de Cifantes e Leão) A Actualidade. 15.º Ano, n.º 297. Porto: 12 de Dezembro de 1888 (novo anúncio; desta vez aos jantares de mesa redonda, entre as 3 e as 7 horas). Restaurante Comercial - 1894, Rua do Infante D. Henrique; sob a iniciativa do mestre de cozinha espanhol Manuel Recarey Antelo – cf. O Porto há cem anos 1: De Leixões ao Centro, in http://doportoenaoso.blogspot. com/2010/05/o-porto-ha-cem-anos-1_3135.html (2011/09/15; 7.43h), de José Alves Machado, em 1900-1901, e situava-se na Rua da Madeira, n.º 37, segundo informa o Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1900, p. 275; Restaurante do Pires – Rua de Santa Catarina, também conhecido como Café de Lepes. E ainda, por volta de 1900: Antiga Cascata – na Praça da Liberdade. Europa – na Praça da Liberdade. Internacional – na Praça da Liberdade. Mesquita. Monteiro. O Fiandeiro – na Senhora da Hora. O Luís - no Areínho, frequentadíssimo e muito afamado. Pálace – na Batalha. Túnel Central – Rua do Bonjardim, na parte que vai da Fernandes Tomás até Guedes de Azevedo, antes Fradelos. Em 1911 mudou-se para o primeiro andar de um prédio no Largo de Santo António do Bonjardim, depois Largo Dr. Tito Fontes. Especialidade: bacalhau assado no forno. Proprietário: Francisco António da Silva (falecido em 1922. Pouco tempo depois da morte deste, fechou também o restaurante) e sua mulher Anna Marie Adéle Heiderscheidt da Silva (belga). Muito afamado e frequentado por literatos, artistas, jornalistas, políticos. Muitas vezes era enviado o repasto para Lisboa, no comboio rápido, embrulhado em mantas para se manter quente, para o almirante Ferreira do Amaral, presidente do Conselho de Ministros, e para Francisco Grandela (dos célebres Armazéns). Entrava-se por um portal, espaçoso e comprido – de aí lhe veio o nome de túnel – que ia dar a uma quadra, térrea, larga e ampla, ao lado da qual havia gabinetes. Ao fundo, cozinha e uma sala destinada a jantares de maior categoria. Tudo simples, tão simples como o Sr. Francisco da Silva e sua esposa, a M.me Anna Marie Adéle Heiderscheidt da Silva. [Quando mudou para o Largo Dr. Tito Fontes] A casa era mais moderna e confortável, tendo no primeiro andar uma sala ampla e cheia de claridade, onde os devotos do patriarca da Terra Nova, prestavam culto ao seu patrono […] A nova casa manteve as mesmas tradições: bem servir. Teve como clientes: Leal da Câmara; André Brun; almirante Ferreira do Amaral; Ernesto Rodrigues; Eduardo Reis (pai; cenógrafo); Félix Bermudes; Chaby Pinheiro; José Ricardo; Luís Gomes (da agência Havas e redactor d’O Primeiro de Janeiro); João Bastos; Vasconcelos (redactor do Diário da Tarde); João do Santíssimo; Matias de Azevedo (chefe da tipograia d’O Primeiro de Janeiro); Eugénio Martins; Baptista Machado (ilho); Armando Gagean; Augusto Veras; Tomás Vieira; Dr. Duarte Leite; Dr. Afonso Costa; Dr. Alexandre Braga; Dr. Germano Martins; Dr. Paulo Falcão; Jaime Valado; Luís Nunes da Ponte (brigadeiro) e Eduardo Artayett (grande boémio, tinha sempre fretado um galego para o levar ao colo até casa, quando o seu estado, após qualquer daquelas pantagruélicas ceias, em que amiúde tomava parte, lhe não permitia transportar-se sozinho, e o gratiicava com a importância de quarenta réis, ou seja, um pataco) – cf. LEITE, Arnaldo – O “Porto 1900”: crónicas. Porto: Livraria Figueirinhas, 1952, pp. 23-34; PONTE, Luís Nunes da – Recordando o velho Porto. Arcozelo: Enepê, 2002, vol. 1, pp. 195-204 (indica os frequentadores a partir de Duarte Leite). Ventura – dos mais afamados; de Ventura dos Reis Brenha, na Rua do Sá da Bandeira, n.º 23; Almanak do Porto e seu districto para 1896. Porto: Livraria Archivo Juridico de J. J. Vieira da Silva – Editor, 1895, p. 395; Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva - Editor, 1900, p. 275. Vidal & Constantino – na Rua de Sá da Bandeira, n.º 32; Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva – Editor, 1900, p. 275 (a irma Vidal & Constantino era também proprietária do Hotel Portuense, na Rua de Sampaio Bruno, esquina com a Praça Nova, mais tarde o Hotel do Cisne, na Rua de Sá da Bandeira, n.os 30, 32, 40, os números de porta variam entre o Almanak do Porto e seu districto para 1884. Porto: Livraria Archivo Juridico de A. G. Vieira Paiva - Editor, 1883, p. 387 e o Almanak do Porto e seu districto para 1901. Porto: Livraria e Typographia Arquivo Jurídico, de J. J. Vieira da Silva – Editor, 1900, p. 255). LEITE, Arnaldo – “Os restaurantes do princípio do século. Ceias de ontem, almoços de hoje”, in O Tripeiro. 5.ª Série, Ano IV, n.º 10. Porto: Fevereiro 1949, pp. 227-228. 6 - Cafés Históricos do Porto: a aventura sedentária 242 – 305 305 Postal da Praça de D. Pedro IV. Rossio. Fontes Monumentais. Lisboa. Fonte : http://cartas-e-postais.blogspot.pt/2014/ Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista1 Sílvia Barradas2 Durante a segunda metade do século XIX tornou-se evidente o predomínio da inluência francesa no desenho e forma urbana da cidade de Lisboa oitocentista, onde se incluía o Mobiliário Urbano de Fundição Artística. Para veriicar essa inluência foi necessário analisar as estruturas legais e responsáveis que, na Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa, tiveram preponderância no desenvolvimento urbanístico e consequente materialização do mobiliário urbano em ferro fundido na panorâmica global da cidade. Sob o ponto de vista normativo e urbanístico, veriicámos que o projecto de Haussmann para Paris, em 1867, teve um grande predomínio no exercício das funções dos membros da Repartição Técnica como também ajudou a acelerar o aparecimento das primeiras tipologias de mobiliário urbano em ferro fundido na cidade de Lisboa. Estas vinham dar resposta às necessidades emergentes das novas políticas de saneamento e de saúde pública seguindo as recentes tendências de embelezamento urbano oitocentista francês. Com o início dos primeiros serviços públicos e, principalmente, com o fornecimento de água potável, foram aparecendo gradualmente novas tipologias de mobiliário urbano, tais como bancos, urinóis, quiosques, colunas e painéis anunciadores, entre outros. Este artigo pretende inventariar as tipologias de mobiliário urbano em ferro fundido que foram aparecendo na Lisboa oitocentista e que estiveram sob inluência francesa. Palavras-chave: Fonte d’Art francesa; Les Promenades de Paris ; Mobiliário Urbano de Fundição; Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa. 1 Este artigo faz parte da Tese de Doutoramento “A produção de Mobiliário Urbano de fundição em Portugal. De 1850 a 1920” do programa “Espacio Público y Regeneración Urbana: Art, Teoría y Conservación del Patrimonio” da Universidade de Barcelona. 2 Licenciada em Design de Mobiliário Urbano pela ESAD. Pós-graduada em Design Urbano pelo Centro Português de Design e Universidade de Barcelona. Mestre em Design Urbano pela Universidade de Barcelona e Doutorada em Espaço Público e Regeneração Urbana pela Universidade de Barcelona. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 307 As primeiras tipologias de Mobiliário Urbano de Fundição | Bancos Uma das primeiras tipologias de mobiliário urbano no séc. XIX a surgir na Lisboa oitocentista foi a tipologia Banco. De início era pouco visível nos espaços públicos oitocentistas, mas com o avançar do século, e com a introdução das novas necessidades de embelezamento urbano e das novas tecnologias na indústria da fundição foram surgindo, por toda a cidade, diferentes modelos de bancos. Os primeiros a serem utilizados foram os modelos de bancos conhecidos como “sofás de ferro”. Surgiram no imaginário da capital, nomeadamente no Passeio da Estrela, em 1859, quando a Câmara Municipal encomenda ao Instituto Industrial de Lisboa, 12 bancos de acordo com a proposta apresentada à mesma pelo Dr. Teixeira Duarte (A.M. CML. 35. 1859:1), cujo desenho, infelizmente não foi possível encontrar, mas a sua presença pode ser confirmada pelas fotografias pertencentes à Colecção de Eduardo Portugal existente no Arquivo fotográfico de Lisboa e que seguiam os modelos franceses pertencentes às Fundições M. André (Imagem 2) e da Tusey (Imagem 3 e 4). 1 - Desenho de R. CHRISTINO, Monumento aos Restauradores da Independência de Portugal, Praça dos Restauradores, inaugurado a 28 de Abril de 1886. Fonte: Revista O Occidente nº 265, 1 de Maio de 1886. 308 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas 2– Banc Dauphin. Catálogo M. André. s/d. 3 – Bancs de Jardins Montés. Planche 232. Catálogo Tusey. s/d. 4 – Bancs de Jardins Montés. Planche 232. Catálogo Tusey. s/d. O segundo modelo de banco – banco duplo – apareceu na Praça D. Pedro IV (Imagem 5) no ano de 1863. No entanto a sua existência em alguns dispostos municipais remonta a anos anteriores a esta data, como podemos confirmar na sessão de câmara do dia 2 de Junho de 1858. Nela é decidido, pela primeira vez e por unanimidade camarária, a colocação de “alguns assentos de ferro” na Praça de Pedro IV. A empresa designada para a construção desses assentos foi a Companhia Perseverança, à qual a Câmara mandou pagar, no edital de 27 de Agosto de 1863, a quantia de “1:146$ 480 reis, em prestações, conforme as forças do cofre”, pelo fornecimento de 60 bancos que iriam ser colocados na placa central da Praça D. Pedro. (AS.CML. 1863) No entanto, durante o ano de 61, nomeadamente a 18 Março, o Presidente da Câmara leu, em sessão camarária, uma proposta, assinada por Alfredo Agirony e Cordeiro e companhia, bastante curiosa. Nela era sugerido a colocação de “cadeiras de ferro nos passeios públicos e nas 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 309 5– Rossio. Fonte: http://lugarescompatrimonioporelisabeteserol.blogspot.pt/2015/12/rossiomantem-lojas-unicas-na-cidade-de.html#!/2015/12/rossio-mantem-lojas-unicas-na-cidade-de. html diversas praças de Lisboa, (…) conforme o systema seguido em Paris.3” Uma semana mais tarde a câmara resolve aprovar a proposta (AS.CML. 1861). Anos mais tarde, e por ocasião da alteração dos passeios laterais da Praça D. Pedro IV é referido na sessão de 22 Junho de 1882 um programa, elaborado pela Repartição Técnica 4, para o fornecimento de 24 bancos a serem colocados nos referidos passeios laterais da praça. Este novos bancos apresentavam igual desenho e eram o mesmo modelo que os anteriormente colocados na placa central da mesma praça. O responsável pelo desenho foi Augusto César dos Santos, arquitecto do município, a 9 de Junho de 1882. A câmara aprova o programa e resolve 3 Acreditamos que foi com esta deliberação que a autarquia começou a adoptar os parâmetros de embelezamento urbano de Paris de Haussmann, nos novos projectos urbanísticos municipais. 4 Pelouro responsável pela colocação e escolha de todo mobiliário urbano colocado na cidade de Lisboa na segunda metade do século XIX. Note-se que a Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa foi criada em 1852 durante um período bastante conturbado da sociedade lisboeta oitocentista. Se por um lado os primeiros tempos da Regeneração começavam a ressoar em todo o sector politico e económico nacional, por outro lado continuava-se a disputar o controlo da gestão urbanística da capital, entre o poder central e o poder local, representados respectivamente, pelo Ministério das Obras Públicas e pela Câmara Municipal de Lisboa. 310 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas anunciar que, para este fornecimento, todas as propostas devem ser dirigidas, em carta fechada, até às 12 horas da manhã do dia 13 de Julho (AS. CML. 1882). E assim foi feito. A 13 de Julho foram abertas as propostas recebidas para o fornecimento dos vinte e quatro bancos de ferro e madeira para os novos passeios da Praça de D. Pedro IV. Os pedidos foram acompanhados pelo respectivo preço a que correspondia cada unidade. Das propostas recebidas e por apresentar o valor mais baixo, a Câmara adjudica a Constantino Augusto Pereira, Sócio gerente da Carpintaria de José Manoel & Companhia o fornecimento dos referidos bancos pelo preço de 11$ 490 reis cada um, como constava na sua proposta. No entanto, a colocação destes bancos nos referidos passeios laterais nunca chegou a ser concretizada. Embora todas as menções descritas anteriormente tenham sido deferidas em deliberações camarárias, um parecer datado de 12 de Janeiro de 1883 vem contrariar todas as decisões anteriores. Nele é concedido o requerimento, enviado pelos moradores e comerciantes da Praça de D. Pedro IV à autarquia, a pedir que não se “collocassem bancos nos passeios lateraes d ’aquela praça” (AS.CML.1883). O motivo pelo qual a Câmara alterou as suas deliberações continua incógnito. Continua igual- 6– Bancos duplos. Jardim do Príncipe Real. Fotograia do autor. 2005. 7– Bancos duplos. Jardim do Príncipe Real. Fotograia do autor. 2005. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 311 mente incógnito o destino dos 24 bancos encomendados a Constantino Augusto Pereira, Sócio gerente da Carpintaria de José Manoel & Companhia. Com a nova reforma da Praça, em 1919, todos os bancos que foram colocados em 1863, na placa central, foram transferidos para o Jardim do Príncipe Real, local onde ainda se encontram actualmente (Imagem 6 e 7). Este modelo apresentava semelhanças com alguns dos seus congéneres parisienses. Veja-se o caso das pranchas dedicadas aos bancos de jardim publicadas pela Fundição de Fonderie du Val d’Osne (Imagem 8) e na publicação Les Promenades de Paris (Imagem 9). Ainda em relação a esta tipologia, o outro modelo – de duas tábuas também fazia parte do imaginário lisboeta oitocentista (Imagem 10). Era constituído por duas tábuas, no assento e nas costas, e por uma consola de ferro fundido com motivos vegetalistas, que faziam lembrar pequenos troncos de árvores. Este modelo aparece, no ano de 1856, no Jardim de S. Pedro d’Alcântara onde foram colocados 6 destes exemplares, tendo aumentado o seu número, no ano de 1862 (Imagem 11). 8– Bancs du Jardim. Planche 439. Catálogo Société Anonyme des hautes Fourneaux & fonderies du Val d’Osne s/d. 9– Voie Public. Details. Pormenor de banco de jardim. Fonte: Les Promenades de Paris. 312 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 313 10 – Banco de Duas ripas. Lisboa. Fotograia do autor. 2017. 11 – Miradouro de S. Pedro de Alcântara. Fonte: Archivo Pittoresco. 1863 12 – Jardim do Príncipe Real. Fotografo não identiicado. Fonte: http://aps-ruasdelisboacomhistria. blogspot.pt/2008/05/praa-do-prncipe-real-v.html. A.M.L. Um ano mais tarde, em 1863, foi a vez do Jardim do Príncipe Real receber 30 novos bancos deste modelo (Imagem 12). Todos estes exemplares seguiam quase à risca, não só os modelos publicados em Les Promenades de Paris (Imagem 13 e 14), como outros modelos ilustrados nos catálogos das indústrias de Fonte d ’Art, como foi o caso da Fundição de Tusey (Imagem 15). A única diferença que podemos registar refere-se aos pormenores decorativos de alguns elementos em ferro, nomeadamente os pés e as secções laterais. Nalguns casos apresentam elementos ornamentais mais vegetalistas e trabalhados, noutros menos ornamentados e mais simples. Por ocasião da abertura da Avenida da Liberdade em 1886, foram desenhados mais três novos modelos de bancos, elaborados pela Repartição Técnica e assinados por Frederico Ressano Garcia – banco de ripas. Estes modelos foram colocados ao longo dos vários talhões que compunham as 314 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas 13 – Square de Bagtignolles. Détails. Fonte: Les Promenades de Paris. partes laterais da referida avenida e na Praça dos Restauradores. Dois dos projectos consistiam num assento comprido de ripas finas de madeira, sob duas consolas de ferro em forma de “s” com motivos vegetalistas, na versão com e sem braços (Imagem 16 e 17), sendo o último projecto um modelo da mesma versão, mas mais comprido, sob três consolas de ferro. De acordo com Bebiano Braga, estes 3 modelos, deram “continuidade à inspiração francesa, tratando este nobre espaço urbano, como zona verde que o é, dotando-o de bancos que proporcionem o boulevardismo, mesmo que alfacinha, de quem passa ou, sentado, vê passar, à semelhança do que acontecia nos Champs Elysées, em Paris, num lazer todo urbano, coquette e etiquetado, que hábitos antigos de ida ao Passeio, logo se tranforma em fazer a Avenida” (Bebiano Braga, P. 1995:114). 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 315 14 – Pormenor do Banc. Square de Bagtignolles. Détails. Fonte: Les Promenades de Paris. 15 – Prancha 315 pertencente ao Catálogo Tusey. Bancs de Jardins. Hauts-Fourneaux Fonderies & Ateliers de Constructiom de Tusey. Fonte: Catálogo Tusey. 16 – Banco de Ripas. Jardim da Estrela. 2000. Fonte: Fotograia do autor. 316 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas Estes modelos seguiam mais uma vez os modelos franceses, não só os de Davioud5, publicado em Les Promenades de Paris (Imagem 18 e 19), como outros modelos ilustrados nos catálogos das indústrias de Fonte d ’Art, como foi o caso da Fundição Durenne (Imagem 20) ou da Fundição de Tusey (Imagem 21). Novamente verificamos que apenas existia um elemento diferenciador entre estes dois modelos e que dizia respeito ao desenho decorativo dos elementos em ferro: mais uma vez variava entre o vegetalista e ornamentado e o mais simples 6 e pouco adornado. Verificamos assim que ao longo da segunda metade do século XIX existiam predominantemente quatro tipos de bancos, três dos quais com consolas em ferro fundido e assento e costas de madeira: banco duplo, banco de duas tábuas e banco de ripas, e um outro totalmente em ferro fundido: o sofá de ferro. 17 – Banco de Ripas. Jardim da Estrela. 2000. Fonte: Fotograia do autor. 18 – Square de Bagtignolles. Détails. Fonte: Les Promenades de Paris. 5 Arquitecto francês responsável pelo projecto do monumento a D. Pedro IV, em parceria com o escultor Elias Robert, situado na Praça de D. Pedro IV na cidade de Lisboa e mandado erigir em 1867. 6 Estes modelos foram os que mais proliferaram nas ruas de Lisboa sendo ainda visíveis nos dias de hoje. Infelizmente não nos foi possível verificar, quer nas atas das sessões quer nos diversos arquivos consultados, quais os lugares onde foram exactamente colocados. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 317 318 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas 19 – Pormenor do Banc. Square de Bagtignolles. Détails. Fonte: Les Promenades de Paris. 20 – Banc du jardin. Fonte: Catálogo Fundição Durenne. 21 – Costieres pour Bancs de Jardin. Pl. 318. Hauts Forneaux Fondeire & Atelier de construction de Tusey. Fonte: Catálogo Fundição Tusey. 21.1 – Pormenor de Bancos de Ripas. Costieres pour Bancs de Jardin. Pl. 318. Hauts Forneaux Fondeire & Atelier de construction de Tusey. Fonte: Catálogo Fundição Tusey. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 319 Marcos Fontenários | Fontes-Bebedouros Lisboa foi crescendo e com ela surgiram novas tipologias de mobiliário urbano em ferro fundido ligados à higiene e à salubridade urbana. O fornecimento da água potável, através da nova rede hidráulica. À cidade de Lisboa deu-se a partir do ano de 1835 sob a alçada da sua municipalidade, quando esta tomou a seu cargo a administração das águas da cidade, anteriormente pertencentes à Companhia das Águas Livres. Assim, o Município de Lisboa passou a partir dos finais da segunda metade do séc. XIX, a ser a autoridade responsável pela colocação e construção dos fontes-bebedouros, marcos-fontenários, urinóis e outras tipologias de mobiliário urbano relacionadas com a água. No caso das fontes-bebedouros foi no ano de 1882, que Lisboa viu nascer os seus três primeiros exemplares, colocados um no Largo do Corpo Santo, outro no Largo dos Caminho de Ferro (Santa Apolónia 7) e o último na Praça do Comércio (imagem 22). Estes três exemplares foram oferecidos à Capital, por Júlio de Andrade 8, em nome da Sociedade Protectora dos Animais (Imagem 23). Eram todos em ferro fundido, compostos por uma coluna, três bacias em forma de concha, rematadas por um letreiro que servia de afixação da legislação municipal sobre os animais. No jornal “O Zoophilo” descrevia-se ao pormenor a composição deste novo artefacto urbano: ” … a primeira bacia e a mais elevada é para receber a água que cahir da torneira de serviço das pessoas; a segunda por baixo d ’essa, é para recolher a água que cahir da primeira bacia e servir de bebedouro para os animais pequenos; e a terceira e maior é para bebedouro dos animais grandes. O painel que colmatava a composição das bacias servia para (…) afixação dos artigos de posturas municipaes relativos ao tratamento dos animaes e a quaisquer publicidade” (1882, nº 7: 5). Em 1889, Júlio de Andrade, doa novamente à cidade, quatro novas fontes-bebedouros, situadas, uma na Rua de S. Bento, outra no Largo de S. Roque, no Pátio do Regedor e nas Portas do Arco do Cego, todos 7 Onde ainda se encontra actualmente. 8 Foi director do Banco de Portugal e do Banco Lisboa & Açores, fundou a Sociedade Protectora dos Animais e editou à sua custa o opúsculo de propaganda zoófila: “O Zoóphilo”. 320 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas 22 – Bebedouro na Praça do Comércio. Fonte: Ilustração Portuguesa 1912. 27 de Maio. P.647. ilustração 25. 23 – Pormenor da placa pertencente à Fonte- Bebedouro do Príncipe Real. Fonte: Fotograia de autor. Lisboa. 2005. fabricados pela Empreza Industrial Portugueza, que os apresentava na folha do seu catálogo, em modelo semelhante e com várias variantes, a par de outros marcos fontenários 9. No total foram mandados colocar catorze fontes-bebedouros 10 (Imagem 24 e 25), tendo sido retirados, a pedido da Câmara, o de Xabregas e o de Campo de Ourique por não terem conseguido fazer chegar-lhes a água durante os quatro anos que ali estiveram. Júlio de Andrade, enquanto Presidente da Sociedade, ofereceu-os à cidade do Porto, que os inaugurou em 1903, um na Praça Carlos Alberto e outro na Praça da Batalha. (O Zoophilo. Nº 5 e 6. 1903.) A 15 de Julho de 1901, a Repartição Técnica, designava um novo local, o Campo das Cebolas, para colocar outra fonte-bebedouro igual aos anteriores propostos pela Sociedade Protectora dos Animais, e produzidos pela Empreza Industrial Portugueza (Imagem 26 e 27). 9 De acordo com Pedro Bebiano Braga foram mandados construir 14 marcos fontenários. 10 Regista-se que destes modelos sobrevivem ainda os situados em Santa Apolónia e no Jardim do Príncipe Real. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 321 24 – Fonte- Bebedouro do Príncipe Real. Fonte: Fotograia de autor. Lisboa. 2005. 25 – Fonte- Bebedouro do Príncipe Real. Fonte: Fotograia de autor. Lisboa. 2005. 26 – Fonte- Bebedouro de Santa Apolónia. Fonte: Fotograia de autor. Lisboa. 2006. 27 – Pormenor da Placa pertencente à Fonte- Bebedouro de Santa Apolónia. Fonte: Fotograia de autor. Lisboa. 2017. 322 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas Outra tipologia que também teve uma enorme difusão na capital, nomeadamente nas duas últimas décadas do século XIX foi o marco fontenário. Era composto por dois elementos: o próprio marco fontenário em ferro fundido e uma bacia de pedra. Em 1883 surge o “Projecto de construção de um chafariz no Largo da Rua dos Mouros, em substituição do que existia juncto à muralha de S. Pedro de Alcântara”, elaborado por José Luís Monteiro e assinado por Frederico Ressano Garcia cuja conclusão arrastou-se até ao ano de 1889, tendo um custo total de 114$600 réis. Nesse ano, Ressano Garcia apresenta idêntico projecto para a transferência definitiva do dito chafariz alegando que fosse “estabelecido novamente n’a quelle recanto, como teria de ficar 6m apenas mais abaixo do que o nível da alameda que lhe fica sobranceira, teria o conveniente, como teem todos os outros chafarizes públicos, de afungetar as famílias que costumam procurar aquella alameda, para d ’a li disfructarem o panorama da cidade, e não quizessem ser incomodados pelos abusos de linguagem que são habituaes em aguadeiros e mais gente que os frequenta” e que de acordo com o Inspector-geral dos Incêndios tinha, “(…) toda a vantagem, pelo facto de poder prestar muito maior serviço interno ao Bairro Alto, onde se faz sentir a sua falta, do que nas ruas das Taipas, Becco do Falla Só e circunvizinhanças, que são perfeitamente abastecidas pelo chafariz da Alegria” (CML. AAC. Cx nº 66. Agosto de 1889). No ano anterior, em 1888, foi mandado colocar no Largo da Achada (Imagem 28) uma variante do anterior marco fontenário, mas agora apenas com duas bicas, pelas mãos de Augusto César dos Santos, e orçado em 25$000 réis. Em 1896, António Maria de Avelar apresenta para a Rua da Palma de Cima um projecto do modelo de marco fontenário de duas bicas, mas agora com algumas alterações em relação ao anterior modelo: a coluna central fica mais larga e mais alta; com elementos vegetalistas e encimada por um género de uma bolota. Esta coluna estava assente no meio de um tanque oval de alvenaria, que por sua vez estava colocado num embasamento com acesso por dupla escadaria e grade de ferro (Imagem 29, 30, 31 e 32). No mesmo ano surge outro projecto para o Alto do Pina, pelas mãos de António Maria Avelar do mesmo modelo que o anterior, mas com novas alterações: coluna com menos vegetação ornamental, supressão do embasamento, degraus e grade. O seu valor ascendeu os 67$000 réis. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 323 28 – Largo da Achada. Ilustração Roque Gameiro. Fonte: Lisboa Velha nº10 29 – Fonte-Bebedouro na Praça da Viscondessa dos Olivais. Lisboa. s/d. Fonte:http://www.sfuco.net/pagina_prava_viscondessa_chafariz.html. 30 – Fonte-Bebedouro na Praça da Viscondessa dos Olivais. Lisboa. s/d. Fonte: Fotograia do autor. 2017 31 – Fonte-Bebedouro na Praça da Viscondessa dos Olivais. Lisboa. s/d. Fonte: Fotograia do autor. 2017 32 – Fonte-Bebedouro na Praça da Viscondessa dos Olivais. Lisboa. s/d. Fonte: Fotograia do autor. 2017 Três anos mais tarde surgem dois projectos para a colocação de novos marcos-fontenários: um para o Paço do Lumiar (Imagem 33, 34 e 35) e outro para o bairro dos Barbadinhos, ambos de autoria de António Maria Avelar. Em 1903 foi elaborado outro ““projecto, obedecendo ao typo de hà annos adoptado para servir as povoações limítrofes da capital”, para o Largo da Palma de Baixo, cuja ““população é na sua maioria constituída pelas classes pobres e operaria (…) e a acquesição da água lhes é necessária para os uzos domésticos” (AAC. Cx. 69). Em 1904 outro de modelo semelhante é colocado na Calçada dos Barbadinhos, próximo da Igreja de Santa Engrácia, projecto desenhado por António Maria Avelar. Do mesmo autor é o projecto datado de 1906 para a Alameda do Beato. Outro tipo de bebedouro que apareceu em Lisboa na segunda metade do século XIX era de origem francesa e tinhas características homólogas à famosa fonte francesa, a Fontaine Wallace, e era conhecida pela “Fonte dos Anjinhos”. Colocada na Praça D Pedro IV, foi produzida pela fundição 324 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas Sommevoire, como consta na sua marca (Imagem 36), e julgamos que a data da sua colocação terá sido posterior ao ano de 1882, por ocasião da transformação dos passeios laterais da praça, a 17 de Maio de 1882, onde era proposto para a parte central da Praça, uma nova distribuição para os candeeiros que ali se encontravam. Junto a essa informação vinha anexada uma planta correspondente ao assunto em questão, e tinha desenhado a lápis a sinalização e localização deste elemento. Comparando esta planta com a atual posição da mesma (Imagem 37 e 38), podemos constatar que a sua localização não se encontrava muito longe do proposto no esboço da planta – colocada no alinhamento das árvores. No Livro Rocio Rossio. Terreiro da Cidade, publicado pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, afirma-se que “terá vindo de Paris ao mesmo tempo que as fontes implantadas no Rossio, produto da Fábrica de Fundição do Val D’osne” (PC.CML.1999). 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 36 5 325 33 – Fonte-Bebedouro no Paço do Lumiar. Lisboa. Fonte: Fotograia do autor. 2017. 34 – Fonte-Bebedouro no Paço do Lumiar. Lisboa. Fonte: Fotograia do autor. 2017. 35 – Pormenor da cúpula da Fonte-Bebedouro no Paço do Lumiar. Lisboa. Fonte: Fotograia do autor. 2017. 36 – Fonte dos Anjinhos. Pormenor da marca A.Durenne. Somemevoire. Fotograia do autor. Em relação às fontes ornamentais/monumentais (Imagem 39), e pelo que consta na deliberação camarária de 10 Junho de 1887, foi proposto, para a Praça D. Pedro IV, por intermédio do vereador José da Costa Pedreira, a colocação de duas fontes monumentais na placa central da dita praça: “Para a Praça de D. Pedro IV se mandem construir duas fontes ornamentaes, sendo uma em frente do Theatro D. Maria II e outra em frente ao Arco do Bandeira, e que pela repartição technica se estude o melhor modo de aproveitar as sobras das aguas de S. Pedro de Alcântara e do chafariz do Largo do Carmo para alimentação das mesmas fontes 11” (AS. CML. 188 7 ). A 10 Outubro de 1888 é lida, em sessão de câmara, uma informação da Repartição Técnica referente ao “orçamento e projectos para a construção de duas fontes monumentaes na Praça de D. Pedro IV.” A mesma repartição alertava que existiam “sobre a meza várias indicações para o mesmo fim, fornecidas particular e officiosamente á co11 Este pedido demonstra a vontade de tornar a Praça de D. Pedro IV numa das mais emblemáticas da cidade. A colocação das duas fontes ornamentais conferiu-lhe um novo estatuto, cada vez mais ao estilo internacional. 326 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas missão executiva, e a ella remettidas directamente de Paris” (AS. CML. 1888). Um ano depois, na sessão de 31 de Dezembro, é finalmente deliberada a abertura da proposta para o projecto referente à “construção de duas fontes monumentaes que se propõem erigir na Praça de D. Pedro IV ” uma vez que esta obra “não somente contribue muito para o embellezamento d ’este logradouro, tão frequentado pelos habitantes da cidade, mas também na estação calmosa contribue muito para a hygiene” (AS. CML. 1888). No entanto este assunto estava longe de ser pacífico. A repartição técnica, depois de analisar os vários trabalhos que tinha sobre a mesa, decide, que os dois “desenhos de fontes” enviados pela Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d ’Osne tinham as “dimensões apropriadas ao local e de effeito agradável, e por conseguinte preferíveis aos que haviam sido projectados na mesma repartição” (AS. CML. 1888). Por sua vez, a Comissão de Obras, embora “achando ponderoso o parecer do engenheiro chefe da repartição technica, acceitando qualquer dos últimos desenhos, como apreciados em grandeza ao local, e até mesmo de effeito agradável, parecia-lhe todavia excessivo o “emprego dos dois grupos de figuras, que decoram os pedestaes de uma e outra bacia, visto o pedestal e columna do monumento 37 – Fonte dos Anjinhos. Lisboa. Fotograia do Autor. 38 – Fonte dos Anjinhos. Lisboa. Fotograia do Autor 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 327 39 – Postal da Praça de D. Pedro IV. Rossio. Fontes Monumentais. Lisboa. Fonte : http://cartas-e-postais.blogspot.pt/2014/ principal da praça serem decorados também de igual numero de figuras dispostas analogamente” (AS. CML. 1888). Deste modo, propunha, que em lugar das duas figuras fosse apenas colocado “um só grupo de figuras, estudando-se este em maiores dimensões” (AS. CML. 1888). Lembrava ainda que: “tantos desejos e esforços tem, empregado para o desenvolvimento das artes, que seria occasião propicia de, em logar de adoptar moldes de fábricas já conhecidas, o mandar elaborar um projecto definitivo pela repartição technica, e convidar à execução d ’estes trabalhos artistas nacionaes, ou talvez preferível ainda o abrir concurso entre estes, o que, sem augmento de dispêndio, (visto os orçamentos apresentados) decoraria a praça e auxiliaria as bellas artes no paiz” (AS. CML. 1888). Mas pelo que consta na sessão extraordinária de 11 de Março de 1889, esta discussão não foi tida em conta. A Câmara é informada pela repartição técnica que esta recebeu da Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d’Osne o orçamento referente às duas fontes a colocar na praça. O valor atribuído pela Societé foi de “46:000, francos (…) que comprehende 4 figuras e o acondicionamento de todas as peças”, exceptuando as canalizações interiores (AS. CML.188 9 ). 328 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas Resolve-se assim adquirir as duas fontes nas condições declaradas, remetendo “desde já o terço d ’aquella quantia, ou seja 15:333fr conforme é exigido, e manda pedir nota do preço porque poderão ser fornecidos os tubos interiores12” (AS. CML. 1889). Paralelamente aos preparativos de aquisição destes novos elementos, a autarquia delineava um programa de condições necessárias para o assentamento das bordaduras dos dois tanques que devem circundar as fontes monumentaes a construir na Praça de D. Pedro IV (AS. CML. 1889). A 20 de Maio de 1889, a Repartição Técnica recebe um parecer, nº 8014, referente às alterações que este programa teria que sofrer. Era, nele, sugerido a alteração do diâmetro de cada um dos referidos tanques. Não se sabe quanto mediram anteriormente, mas sabe-se, como consta no parecer, que passaram a medir 15 metros de diâmetro exterior. A bordadura total de cada lago era composta por “64 pedras iguaes segundo o perfil e cercias que serão fornecidas pela Repartição Technica (…) e serão todas de Lioz de melhor qualidade, isento de falhas, tacos ou outro qualquer defeito” (AS. CML. 1889). No mesmo dia é recebida a confirmação da encomenda de “duas fontes monumentaes para os tanques a construir na praça de D. Pedro” pertencentes à Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d ’Osne, e, passados três dias, é igualmente confirmada, em sessão de câmara, a recepção dos “álbuns dos trabalhos da especialidade da Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d ’Osne, conforme o pedido desta câmara” (Imagem 40 e 41) (AS. CML. 1889). Estava tudo definido para que as duas fontes monumentais fossem inauguradas no decorrer do ano de 1889. 40 – Société Anonyme des Fonderies d’Art du Val D’Osne. Vol 2. Planche 624 A. Statues. 41 – Société Anonyme des Fonderies d’Art du Val D’Osne. Vol 2. Planche 554. Vasque T. 12 A 29 de Maio de 1889 o Serviço de Obras deliberou que a tubagem de distribuição da água para as “fontes monumentaes do Rocio” seriam produzidas em Portugal por ser 30% mais barato que no estrangeiro. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 329 | Urinóis As preocupações de ordem higienista que explodiam na segunda década de Oitocentos fizeram emergir nos espaços públicos lisboetas um novo artefacto urbano, “eminentemente masculino”, denominado por Urinol. A primeira referência sobre a colocação deste elemento na Lisboa oitocentista figura nos expedientes da Câmara Municipal de Lisboa e data de 14 de Dezembro de 1833 pelas mãos de Malaquias Ferreira Leal, e diz respeito a dois modelos de urinóis de encosto em pedra - “Projecto de Ourinadeiras – ambos destinados às fachadas dos edifícios: um para as empenas e outro para os cunhais. No entanto, os modelos em ferro fundido só começaram a aparecer nos expedientes municipais anos mais tarde, precisamente a 3 de Agosto de 1869 nos seguintes termos: “Os abaixo assignados teem a honra de propor á Exma. Câmara Municipal de Lisboa a collocação nas praças Públicas da Capital, e lugares ao diante mencionados, de columnas urinóis das dimensões e forma de desenho juncto. Os proponentes encarregam-se da construção e collocação das columnas, às quais serão construídas à sua custa, com as seguintes condições: - Que lhes ficará o direito de poderem collocar annuncios permanentes, pintados, mediante o preço que os proponentes estabelecerem; - Que a Exma. Câmara Municipal se encarregue de fazer a canalisação desde as columnas até aos canos parciais da cidade; - Que a Exma. Câmara fornecerá toda a água necessária para limpeza dos dictos urinóis, os quais serão construídos por forma que nelles esteja agua constantemente correndo. Os proponentes obrigam-se a collocar columnas urinóis nos seguintes lugares:- Cais do Sodré e Aterro; Praça do Príncipe Real, Terreiro do Paço, Praça de D. Pedro; Praça d ’ Alegria; Largo da Estação do Caminho-de-ferro; Campo de St’Anna; Passeio de S. Pedro de Alcântara; Jardim da Estrella. E finalmente que a excellentissima câmara não concederá a nenhuma outra pessoa o direito de collocar columnas urinoes nos locaes acima designados. Assignados, C.H. Delapierre, Júlio Cordeiro (AS.CML. 1869 ). A câmara aprova o documento, mas acrescenta uma última cláusula: “Devendo ter terminado a collocação de todos, no espaço d ’um anno, e começando dentre em trez mezes 13” 13 Parece-nos que esta ressalva delimitativa de ordem temporal demonstra a constante preocupação, por parte da autarquia, em manter a cidade segundo os padrões estéticos e funcionais adoptados nas outras congéneres europeias. 330 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas (AS.CML. 1869). Esta primeira referência das collumnas urinois, remete-nos para o modelo francês de colonne Rambuteau ou Vespasiennes, colocado em Paris, por volta de 1839, pelas mãos do Perfeito Rambuteau (Imagem 42): “ J’ai autorisé, à titre d ’essai, la construction de colonne d ’a ffiches avec urinoirs intérieurs, sur le Boulevard Montmartre et des Italiens, à condition que les urinoirs seront entretenus constamment propres et qu’ils seront ventilés ao moyen d ’ouvertures pratiquées dans la partie supérieure de la colonne.” No início da década de 70 estes modelos começam aos poucos a desaparecer e a ser substituidos por modelos mais modernos como foi o caso dos urinóis de encosto, urinóis de guarita e urinóis do tipo francês. Estes novos modelos eram elaborados pela Repartição Técnica e assinados pelos seus funcionários. Para a Calçada do Sacramento foi colocado, junto à igreja, um urinol de encosto, em ferro e de dois lugares, apresentado pela empresa de João Burnay. Este tipo de urinol era composto por um resguardo em ferro, com recorte de motivos vegetalistas no topo da chapa (Imagem 43 e 44). Temos dois exemplos de resguardo: um simples, re- 42 – Charles Marville (1816-1878). “Album mobilier urbain : quai de l’Hôtel de Ville, modèle de vespasienne, dite colonne Rambuteau”, 1865. Paris, Musée Carnavalet. Fonte: www. parisenimages.fr/fr/galerie-des-collections-selection.html 43 e 44 – Pormenor do Urinol no Largo Viscondessa dos Olivais. Fonte: Fotograia do autor. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 331 cortado e vazado em circulos e semi circulos como é o exemplo do Largo do Matadouro, e outro, com uma decoração rendilhada, no cimo. Vão ser estes dois modelos de resguardo, com algumas variantes decorativas, que vão ser utilizados durante vários anos, quer em urinóis de encosto quer nos urinóis de guarita, cujos raros exemplares sobreviveram até aos dias de hoje. Apenas dois deles se mantêm nos locais inicialmente colocados: um nas Portas do Castelo e outro na Praça Viscondessa dos Olivais (Imagem 45, 46 e 47). Em 1877, quando já existiam mais de 515 urinóis nas ruas, praças, largos e jardins de Lisboa, chegam à capital, três novos modelos de urinóis, pelas mãos de Gruis & Vianna que representava a sua congénere francesa Cail & Cª (C.M.L. A.M. 1877: 507). Contudo estes modelos nunca chegaram a ser colocados devido a uma polémica gerada sobre a legalidade da encomenda, efectuada pela vereação anterior, cuja contratação levaria a um elevado e incomportável custo pela parte da municipalidade, uma vez que implicaria a substituição de todos os urinois existentes na cidade. Nos anos seguintes assiste-se a uma substituição destes artefactos, retirando-se os velhos modelos para adoptar outros, apostando agora mais nas questões de melhoramento sanitário e estético. 332 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas 45, 46 e 47 – Pormenor do Urinol no Largo Viscondessa dos Olivais. Fonte: Fotograia do autor. A 2 de Abril de 1898, Augusto César dos Santos, apresenta um novo modelo das “Guaritas em ferro para Urinóis”, com os respectivos desenhos de resguardos e alpendres conforme desenho apresentado” (C.M.L. A.A.C. Gaveta 41: 1898). Quem ganhou a adjudicação deste trabalho foi a empresa “Salinas e Martins”, oficina de serralharia, cuja proposta compreendia a execução de dez “guaritas de ferro para urinóis” pelo valor de 109$000 reis cada, estabelecendo-se, como de costume, um detalhado caderno de encargos, onde estavam descritos todos os pormenores técnicos a serem seguidos pela empresa adjudicada pela autarquia. Outro modelo de guarita que ficou municipalmente conhecido foi o urinol do typo francês, de planta pentagonal, em ferro e vidro, de três ou cinco lugares. Na sessão de 21 de Junho de 1890 foi aberto novo concurso, nº 9:406, relativo à designação da empresa responsável pela execução de vinte urinóis de typo francez a serem colocados em diversas praças de Lisboa. A única empresa a apresentar alguma proposta foi a Empreza Industrial Portuguesa, a qual a câmara resolveu adjudicar este fornecimento, na sua totalidade, “por cinco contos de reis, preço designado na proposta”. O desenho destes 20 urinóis foi assinado, um ano depois, por Augusto César dos Santos, sendo 14 de 3 lugares e os restantes 6 de 5 lugares. Estes 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 333 Localização Praça das Amoreiras Rua das Amoreiras Rua de S. Francisco de Sales Travessa das Bruxas Travessa da Fábrica de Sedas Travessa da Fábrica dos Pentes Calçada da Fábrica da Louça Pátio da Nora Largo de Pedrouços Campo Pequeno Rua Vasco da Gama Estrada de Benica Rua Borges Carneiro Largo de Alcântara Rua Bica do Sapato Largo Conde Barão Janelas Verdes Fontes Pereira de Melo Calçada de S. Vicente Rua da Palma 48 – Postal Avenida da Liberdade. Pormenor Urinol de tipo francês. Lisboa. Fonte:http://www.prof2000.pt/users/avcultur/postais/LisboaPostais/035_Lisboa.jpg modelos foram sendo distribuídos por vários locais de Lisboa (Tabela 1 e Imagem 48) substituindo os modelos mais velhos. Assim, verificamos que esta tipologia surgiu pela Tabela 1: Localização dos urinóis do tipo francês colocados em Lisboa entre 1890 e primeira vez em Lisboa em 1833, diversificando as 1910. suas formas e modelos, e que gradualmente começaram a cair em desuso a partir dos anos 20 no século seguinte, sendo totalmente eclipsados pelas grandes reformas urbanas no final dos anos 30. | Quiosques Outra das tipologias de mobiliário urbano em ferro fundido que figurou nos espaços públicos lisboetas foi o Quiosque. A primeira referência sobre a colocação de Quiosques, que aparece nos expedientes da Câmara Municipal de Lisboa, é datada do ano de 1867 e consta num pedido para a instalação dos primeiros quiosques a serem colocados na cidade de Lisboa, dirigido à Câmara, por D. Tomás de Mello e proposto pelo Verea- 334 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas dor Joaquim Rodrigues, a 4 de Novembro do mesmo ano, nos seguintes termos: “…Propponho que se oficie ao Governo de Sua Magestade, dizendo que a Câmara approva a collocação dos “Kioskos” propostos pelo Senhor D. Tomás de Mello, como causa útil e, até certo ponto, como meio de embellezamento; mas que dependendo de approvação superior a referida collocação, se pede a autorização necessária…” (AS.CML.1867). Em resposta a este pedido, o Ministério do Reino envia à Câmara Municipal de Lisboa um ofício relativo ao “estabelecimento de Kioskes para annuncios de theatros e jornaes, etc,” onde expressava não haver “inconveniente algum em permittir-se ao Sr Thomaz de Mello o estabelecimento de Kioskes” desde que “aquelles se construam de fórma que não impeçam o transito publico nem deturpem as praças” (AS.CML. 1867). Assim o pedido é deferido e a 12 de Novembro, do ano seguinte, a licença é finalmente autorizada nos seguintes termos: “…a Câmara autorizou o seu arquitecto, Senhor Domingos Parente da Silva, para designar os locais em que devem ser postos os “Kioskos”, tendo contudo em vista as condições de duas escritas já feitas sobre o assunto, com os Senhores D. Tomás de Mello e José Maria de Porto Miguéis, e bem assim quaisquer outras resoluções…” (AS.CML. 1868). Em resposta a esta licença foram vários os locais eleitos pelo arquitecto da Repartição Técnica. A sua distribuição e colocação, de acordo com o parecer de Parente da Silva, eram concedidas segundo um sistema de hierarquização espacial. Ou seja os 3 modelos de quiosques, 1ª, 2ª e 3ª, eram colocados segundo a valorização, hierarquização e categorização dos espaços seleccionados. Para a Praça de D. Pedro IV, Praça do Comércio, Passeio Público e Alameda de S. Pedro de Alcântara foram distribuídos “Kiosques” de 1ª classe. Os de 2ª classe foram colocados no Largo da Estação dos Caminhos de Ferro (Stª Apolónia), Largo de S. Roque, Praça do Príncipe Real e Aterro da Boavista. Por último, os de 3ª classe foram colocados no Campo de Santa Clara, Campo St’Ana e na Praça das Armas. Contudo, na década de 80, uma nova tipologia de quiosque foi adoptada pela Repartição Técnica. Este novo modelo surge nas praças, jardins e ruas de Lisboa, depois de um curioso pedido feito a 3 de Dezembro de 1881 pela empresa francesa Burke & Cª 14. 14 Burke & Cª. Publicité diurne & nocturne sur les Kiosques Lumineux, les colonnes et les gares des chemins de fer. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 335 Esta empresa envia uma carta aos “Membros do Conselho Municipal da Cidade de Lisbonne” a pedir autorização para construir nas “praças dessa cidade columnas para affixação de annuncios e kiosques para a venda de jornaes” (AS.CML. 1881). Anexado a este pedido vinha o respectivo desenho e descrição das referidas colunas e quiosques, que passamos a citar: “As columnas serão ôcas e poder-se-há guardar nellas as ferramentas e apparelhos da limpeza da Cidade. Os Kiosques estarão durante toda a noite interiormente illuminados a gáz e concorrerão para a illuminação e segurança das ruas. Nós nos obrigamos a affixar gratuitamente todos os annuncios e editais de serviço público e nos submettemos a todos os impostos e posturas municipaes. (…) Estas columnas e kiosques são de uma forma elegante, rica e do melhor gosto, a cidade por tanto só terá a ganhar com elles e por esta razão confiamos obter de V. Exª a authorização que solicitamos. Nós pretendemos estabelecer para começar: 30 columnas e 20 Kiosques, nas praças e logares que a Vossa Exª nos approvar e nos indicar” (AS.CML. 1881). Esta empresa, para incentivar a autarquia lisboeta a importar estes novos modelos, informa de um modo “cativante” que Paris possui desde 1857, “kiosques e columnas desse género e o olhar do estrangeiro fita-se com prazer sobre estas columnas elegantes e sobre os kiosques de annuncios multicores que a illuminação faz tão bem em realçar” (AS.CML. 1881). Tal era a vontade em colocar e importar estes novos elementos que ainda sugere, caso a autarquia julgasse necessário, a deslocação de um dos seus representantes a Lisboa “levando um espécimen dos Kiosques que pretendemos erigir.” No entanto, mais nada se falou sobre este assunto até ao ano de 1884, nomeadamente na sessão de 10 de Julho, onde a câmara finalmente resolve que sejam informados os requerentes de modo a indicarem “os logares onde desejam estabelecer os kiosques e columnas illuminadas a que se referem os memoriaes de 3 de Dezembro de 1881” (AS.CML. 188 4 ). Não se sabe se esta resolução foi avante pois, sobre este assunto, mais nada se encontrou nas diversas deliberações camarárias. Outros requerimentos a pedir a colocação de novos quiosques foram chegando à Repartição Técnica durante a década de 80. Na sessão de 18 de Agosto de 1883 é enviado, pelo Sr. João Machado Dos Reis à Câmara Municipal de Lisboa, um requerimento a pedir “licença para estabelecer 4 kiosques no passeio central da Praça de D. Pedro” (AS.CML. 1883 ). A Câmara 336 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas resolveu que este requerimento fosse enviado à Comissão de Obras e Melhoramentos a fim desta emitir o seu parecer. A 10 de Julho de 1884 a Comissão de Obras e Melhoramentos envia resposta, parecer nº 1291, informando que seria concedido ao Sr. João Machado Dos Reis a licença para colocar apenas 2 Kiosques na Praça de D. Pedro. Os outros 2 restantes seriam atribuídos à empresa Oliveira e C.ª. Um ano mais tarde, precisamente a 13 de Agosto de 1885 (AAC. AS. 1885: 354) João Machado dos Reis volta a solicitar à Câmara um novo pedido, mas agora relativo à autorização para ceder a “Frederico Napoleão da Victoria e a Abílio Marques todos os direitos e obrigações inherentes á concessão que a câmara lhe fizera para a collocação de dois Kiosques na Praça de D. Pedro IV; e bem assim se lhes permitta collocal-os um em frente da Calçada do Carmo e outro da Rua do Amparo; approvando-se-lhes o projecto que apresentaram com requerimento datado de 24 de Maio ultimo” (AS.CML. 1885). Este pedido é remetido para a Comissão de Obras e Melhoramentos, a fim de esta dar novo parecer. Um mês depois, a 13 de Setembro de 1885, a Comissão envia resposta, parecer nº 1581, autorizando a “renúncia do primeiro em favor dos segundos requerentes na conformidade do seu pedido” (AS.CML 1885). De igual modo autoriza que se “approve o projecto de construção;” mas aponta uma ressalva relativa à colocação dos referidos quiosques. Caberia à Repartição Técnica indicar quais “os pontos em que se devem ser estabelecidos de modo que não prejudiquem a vista do monumento alli existente” (AS.CML 1885). Devido à enorme afluência de pedidos para colocar esta tipologia de artefacto urbano nos vários espaços públicos lisboetas a autarquia decide fazer uma relação de todos os tipos de quiosques existentes na cidade. A resolução é tomada por intermédio do pedido feito, no ano de 1885, pela Comissão de Obras e Melhoramentos da Câmara, que solicita ao então Chefe da Repartição Técnica, Frederico Ressano Garcia, uma relação completa de todos os quiosques existentes até à data na cidade de Lisboa, de modo a acabar com a demonstrada anarquia reinante na política de instalação dos quiosques. A 3 de Agosto de 1886, Ressano Garcia apresenta a relação da “Distribuição de quiosques, a que se refere o ofício nº 5327”, no qual podemos ler: “Tenho a honra de submetter á apreciação de V. Exª o projecto para os kiosques que têem de ser adoptados em Lisboa, bem como o plano de distribuição dessas pequenas 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 337 construções pelas diferentes ruas e praças publicas. Este plano não se subordinou aos Kiosques actuaes porque se sopoz que a Exmª Câmara providenciaria para que sejam todos removidos, sem excepção alguma 15” (AS.AAC. 1886). Ainda sobre este assunto, o Vereador José da Costa Pereira apresentou, na sessão de 22 de Novembro de 1886, uma proposta que apoiava o plano de Ressano Garcia, na qual podemos ler: “Convendo regular a destribuição pelas principaes praças e ruas da capital de Kiosques destinados á venda de jornaes, tabacos e outros objectos, em vez de os deixar como até aqui collocados, por assim dizer, ao arbítrio de seus proprietários e sem subordinação a um plano geral previamente estudado, mas pedido também a equidade que se salvaguardem os interesses dos indivíduos a quem foram concedidas licenças para levantar essas pequenas construções mediante o competente arrendamento annual do terreno por elles occupado, tenho a honra de vos propor: 1º- Que aos donos dos Kiosques construídos nos differentes pontos da cidade seja concedido o prazo de cinco annos para remove-los mediante o pagamento de 100$000 reis, devendo findo esse prazo, removê-los immediatamente, sem direito a idemenização alguma. 2º- Que por conta da Câmara se mandem construir, em conformidade da consulta dada pela Commissão de Obras Públicas em 15 do corrente sobre o projecto e plano geral apresentado pela Repartição Technica, os Kiosques indicados n’esse plano que forem compatíveis com os existentes, pondo-se depois em praça, o seu arrendamento pelo período de trez annos” (AS. AAC. 1886). Sem nada ficar resolvido, a 27 de Fevereiro de 1893 é enviado pelo Serviço Geral de Obras Públicas um novo ofício, nº 2034, referente à anterior proposta da Repartição Técnica. Este ofício viria pôr fim às sucessivas indecisões camarárias, uma vez que ficou resolvido que “os donos dos Kiosques sejam até certo ponto indemnizados, adquirindo-se-lhes pelo preço justo em que fossem avaliados, tendo em atenção o tempo que já foram por elles explorados e os lucros que lhes tenham produzido durante esse tempo, afim de taes kiosques poderem ser removidos para os pontos mais excêntricos da cidade onde possam ainda servir” (AS.CML. 1893). Para dar cobro a esta situação foram inventariados todos os quiosques situados nas principais ruas, largos e praças de Lisboa (Tabela 2). 15 Apenas encontramos o plano de distribuição dos quiosques para a Praça de D. Pedro IV. Não encontramos os desenhos referentes aos projectos dos quiosques. 338 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas Localização Nº Praça d’Alcantara Praça de D. Pedro Praça do Príncipe Real Largo de S. Roque Rua 24 de Julho Avenida da Liberdade Cais do Sodré Praça do Comércio Praça do Duque de Terceira Praça de S. Paulo 1 4 1 1 2 2 1 3 2 1 Tabela 2: Adaptação daptação do “Mappa “ dos Kiosques que existem actualmente assentes nas ruas, praças e outros locaes da via pública em Lisboa” Fonte: AAC.CML. A par desta inventariação foi feito igual levantamento dos: 1º- Nomes dos arrendatários; 2º - Respectivas condições de arrendamento e valor da renda anual; 3º - Superfície por eles ocupada; 4º - Valor correspondente de cada quiosque; 5º - Que vendia; 6º - Forma e dimensão. Este inventário era acompanhado por um “Mappa dos Kiosques que existem actualmente assentes nas ruas, praças e outros locaes da via pública em Lisboa”, no qual eram apresentadas as plantas de todos os referidos quiosques. Estava assim deliberado que todos os quiosques inventariados fossem removidos e instalados noutros pontos da cidade. Em seu lugar seriam colocados novos quiosques projectados segundo os modelos camarários. Tal situação só aconteceu no ano de 1895, quando Ressano Garcia consegue, finalmente, impor o seu plano de regularização e uniformização dos quiosques. De acordo com a Repartição Técnica, as autorizações e respectivas concessões só seriam renovadas caso os proprietários obedecessem às regras de localização, dimensão, forma e função comercial, em conformidade com os modelos por ela aprovados, e segundo uma hierarquização de lugares16. Deste modo, os quiosques de 1ª classe destinavam-se às ““princi pais Praças e Avenidas, os de 2ª classe, largos de menor concorrência e importância e os de 3ª classe nos pontos mais afastados do grande movimento” (Braga, Pedro Bebiano. 1995: 147). 16 Esta intenção relembra as anteriores deliberações de 1868 onde cada quiosque era desenhado segundo a sua categorização espacial. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 36 5 339 Para que tudo fosse resolvido em conformidade com as anteriores deliberações camarárias ficou o Serviço de Obras Públicas Municipais encarregue de “escolher e determinar os pontos em que se deve ser collocado cada (…) e de fiscalizar se a construção do Kiosque e mesas e a sua collocação obedecem ao plano da classe apropriada ao local” (AS.CML. 1895). Estes quiosques ”diferenciados pelo tamanho e pormenores da planta e decoração, são absolutamente idênticos entre si, hexagonais, com uma esguia estrutura de ferro e vidro, coberta por cúpula de zinco emplumada e revestida de escamas sobrepostas” (C.M.L. AAC. Cx. nº 37. 5 Novembro de 1895). Este foi o modelo de quiosque mais utilizado em Lisboa e como prova disso, a Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade apresentam, em 1900, o projecto de um quiosque para transformadores eléctricos a instalar a sul da Praça Luís de Camões. As alterações introduzidas em relação ao desenho do modelo camarário são o encerramento de todas as faces do corpo do quiosque para esconder o mecanismo eléctrico, substituindo 49 – Voie Publique. Bureaux & Kiosque. Fonte: Les Promenades de Paris. 340 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas o vidro por empenas cegas com respiradores para arejamento na parte superior. Em 1909, a mesma Companhia, pede para colocar um outro quiosque para abrigo de um transformador de corrente eléctrica, no Jardim da Cruz do Tabuado e outros dois no Campo Grande em 1911 (AS. 1910: 760, 1912: 151). De acordo com Bebiano Braga, “existe neste gesto de repetição do mesmo tipo de quiosque adaptando-o às diversas funções, tal como o vimos nos desenhos de Davioud, a noção de estandardização e harmonia, que foi directriz do município, durante alguns anos, para estes móveis” (1995: 149). Apesar da enorme persistência por parte da Repartição Técnica em tentar uniformizar os quiosques, através do planeamento e projecto de modelos que foram aprovados, vão continuar a aparecer nos serviços camarários diversos pedidos para colocação de outros modelos de quiosque, com diferentes formas e dimensões, que pela falta de qualidade ou de desenho apresentado, vão sendo rejeitados pela autarquia. Deste modo, verificámos que em Lisboa, os quiosques começaram a ser colocados por volta de 1867, tentando a Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa controlar a anarquia na sua colocação a partir de 1885, através da uniformização do modelo de quiosque “parisiense de Davioud”, para virem a ser demolidos, entre 1919-29, perdendo a cidade muitos dos seus exemplares (Imagem 49, 50, 51). 50 – Modelo de quiosque com base grande. Fonte: Les Promenades de Paris. 51 – Modelo de quiosque com base pequena. Fonte: Les Promenades de Paris. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 341 | Painéis e Colunas Anunciadoras Só nos finais do século XIX, por volta do ano de 1875, é que Lisboa vê surgir os primeiros modelos de artefactos urbanos em ferro fundido dedicados à publicidade. Falamos dos Painéis e Colunas Anunciadoras. A primeira referência a estes modelos aparece na sessão de 12 de Abril de 1875 onde a Câmara concede a D. Tomaz de Melo – o primeiro impulsionador dos primeiros quiosques (1869) na cidade – e ao Visconde de Pernes licença para ”colocarem columnas iluminadas de annuncios nos locaes indicados em planta anexxa ao parecer que se ocupa daquela concessão, a saber: (…) centro do refugio da Praça de D. Pedro” (AAC. AML-AL-PISO 1. Sala F. Arquivador A2 Gav.3. 1875). Outra referência encontrada no mesmo ano e nos expedientes municipais diz respeito “à Relação do número de painéis e columnas annunciadoras que se podem collocar nos locais indicados pelos requerentes, pelo qual verificamos que foram colocadas 4 columnas anunciadoras situadas na Praça de D. Pedro” (AAC. AML-AL-PISO 1. Sala F. Arquivador A2 Gav.3. 1875). Em 1897 aparecem novamente nas disposições municipais referências a esta nova tipologia. Nesse ano a Repartição Técnica indica nova “relação do número de painéis e columnas anunciadoras que se podem collocar os locaes indicados pelos requerentes”, com 32 painéis e 79 colunas, espalhados pe- 52 – Postal. Colonne Morris au Square Louvois. Fonte: http://www.paris1900.fr/ le-mobilier-urbain/colonnes-morris. 342 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas 53 – Modelo Coluna francesa pertencente a Les Promenades de Paris. los vários pontos da cidade (AAC. AML-AL-PISO 1. Sala F. Arquivador A2 Gav.3. 1897). Geralmente eram colocados um por cada rua, calçada, largo, praça ou jardim, com excepção do Largo da Graça e da Rua da Junqueira onde foram colocados dois painéis. No caso das colunas excepção foram a Alameda de S. Pedro de Alcântara, Praça de S. Paulo, Restauradores, Praça do Comércio, Praça D. Luís, Campo Mártires da Pátria e Campo de Santa Clara, que tiveram direito a duas colunas. No Rossio e no Campo Grande foram colocadas quatro; na Avenida da Liberdade sete e na Avenida 24 de Julho, oito. A Repartição Técnica, a 20 de Outubro do mesmo ano, propõe uma nova “Relação dos locaes não designados pelos requerentes onde devem ser colocados painéis anunciadores”, em 14 novos locais: Rua da Lapa, das Trinas, Ferreira Borges, Amoreiras, Fernandes da Fonseca e Rua Maria; Largo das Necessidades, da Páscoa, do Poço Novo, Borratém, Arroios, Santa Bárbara, do Andaluz e D. Estefânia. Ainda no ano de 1897 a Repartição Técnica elabora um novo desenho “nº 2 junto ao programma de condições de praça para a collocação e exploração de painéis e columnas para affixação de annuncios na via pública”. Este novo modelo é bastante semelhante ao modelo da coluna Morris (Imagem 52) desenhado por Davioud em Les Pormenades de Paris (imagem 53). A coluna lisboeta apresenta diferenças no corpo da coluna – é arredondado - e na parte superior da cúpula – mais arredondada - e o pináculo – com uma flecha empluma. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 343 54 – Postal de Lisboa. Avenida da Liberdade. Pormenor de Porte-Aiche. Fonte:http://www.prof2000.pt/users/avcultur/postais/LisboaPostais/020_ Lisboa.jpg 55 – Porte Aiche. Les Promenades de Paris. Os painéis anunciadores, os quais não foi possível encontrar o desenho nem referência nos expedientes camarários, eram, de acordo com Bebiano Braga, “compostos por uma base de candeeiro, onde, logo, no arranque do poste, se encontrava um painel, também em ferro, com uma moldura trabalhada, em linear ornamento, de gramática vegetal, encimada pelas armas do município e do qual desapareceu a iluminação; o interior do painel continuava reservado para a afixação ou pintura de uma única publicidade.” (…) ” (Bebiano Braga, 1995: 165). Deste modo, supomos que estes (Imagem 54) seguem os mesmos modelos utilizados em Paris e apresentados por Davioud na prancha de Square de Batignolles. Details – Porte- Affiche (Imagem 55) em Les Promenades de Paris, uma vez que as fotografias encontradas no Acervo do Arquivo Fotográfico de Lisboa demonstram, como igualmente confirmam, esta afirmação. No entanto, verificamos algumas diferenças e alterações formais nos elementos decorativos. 344 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas Teve de se esperar pelo novo século para que se instalassem outros painéis anunciadores, novamente por intermédio de D. Tomáz de Melo, então dono da Agência Universal d’Annuncios, que pede à Câmara que: “se torne definitivo, com a respectiva taxa, a concessão provisória para a colocação de painéis na via pública, que lhe foi concebida em sessão de camara a 20 de Fevereiro de 1896 (…) para mandar proceder à affixação d ’esses painéis nos locaes desegnados no contracto que subsequentemente se fizer” (A.S. 1904: 157 e 158). Seis meses depois, D. Tomaz foi autorizado a colocar “nos lugares indicados e segundo o modelo”, trinta painéis, pagando 500$000 réis por cada. Infelizmente, e mais uma vez, não conseguimos encontrar os desenhos referentes a este modelo. Em 1907 a agência Lusa, também propriedade de D. Tomaz de Melo, pede à Câmara “para substituir alguns dos painéis anunciadores do typo concedido por outros de columnas de feitio quadrangular” (A.S. 1904:375) que eram constituídos por quatro painéis rectangulares em ferro, unidos, ao alto, por um dos lados, a uma coluna metálica, cruzados, fazendo um X (Imagem 56). Em 1911, Ventura Terra 17, vereador da CML propõe em sessão de câmara que a Agência Lusa fosse intimada “a mandar retirar todas 56 – Avenida D. Amélia (Actual Almirante Reis) in Ilustração Portugueza nº 167: 552. Fonte: AF. CML 17 Arquitecto formado no Porto. Frequentou a École Nationale et Speciale de Beaux-Arts em Paris e foi discípulo de Victor Laloux, arquitecto autor da Gare De Orsay, actual Museu D’Orsay. Em 1896 regressa a Portugal e integra os quadros do Ministério das Obras Públicas como arquitecto de 3º Classe. Em 1908 foi eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa até 1913. Fez inúmeras propostas de melhoramentos urbanos para a cidade de Lisboa, entre eles destacamos um projecto urbanístico para o Parque Eduardo VII, zona ribeirinha de lisboa, etc. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 345 as placas annunciadoras de chapa cruzada que possui nas ruas e praças de Lisboa até ao dia 1 de Abril próximo” uma vez que já lhes tinha sido adjudicado a concessão das placas annunciadoras sobre columnas, não havia razão para que continuassem a existir estes painéis, “nos logares públicos da cidade (…) pois não é só ofendida gravemente a esthetica, porque eles são feiisimos, mas ainda a decência (…) a servirem de refugio para actos indecorosos e offensivos da moral pública” (A.S. 1912: 157 e 162). Deste modo podemos concluir que as tipologias de mobiliário urbano destinadas à publicidade começaram a aparecer em finais de oitocentos, e tiveram maior impacto urbano nas primeiros décadas de 1900. Com o avançar do século começaram a ser gradualmente substituídas por suportes de reclames luminosos e néons. Feito o levantamento das principais tipologias de mobiliário urbano em ferro fundido executados pela Repartição Técnica da C.M.L. e feita a análise aos principais meios de divulgação e publicação destes artefactos franceses – catálogos e publicações técnicas – verificamos que a adaptação, cópia ou decalque, a par dos modelos importados, poderiam ser os processos mais utilizados por estes serviços municipais. Tomemos como exemplo o Desenho Typpo dos bancos para os novos passeios na Praça D. Pedro IV, em Lisboa, projectado a 9 de Junho de 1882, por Augusto César dos Santos, chefe da Repartição das Calçadas. Comparando este modelo mu- 57 – Modelos de bancos duplos pertencentes à Fonderie du Val d’Osne 346 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas nicipal com os publicados na estampa do Bancs de Ville da Fonderie du Val d ’Osne (Imagem 57) ou da Fundição de Saint Dizier (Imagem 58, 59), quer na publicação Le Promenades de Paris (Imagem 60), verificamos diversas semelhanças formais e decorativas entre eles. Por exemplo o modelo da Fundição Saint Dizier e o publicado em Les Promenades de Paris apresenta uma consola lateral de apoio em forma de pináculo invertido, enquanto o da Fundição Val D’Osne e da Repartição Técnica apresentam apenas motivos vegetalistas. Os pés também apresentam decorações distintas entre as várias representantes. Num caso os pés são rectos em forma oblíqua, enquanto no outro modelo são redondos encaracolados. 58 – Pieds de bancs. Société des Fonderies de Bayard et Saint Dizier Modèle adoptés pour le Service des Plantations et Promenades de la Ville de Paris. P : 318. 59 – Pormenor do Banco duplo. Pieds de bancs. Société des Fonderies de Bayard et Saint Dizier Modèle adoptés pour le Service des Plantations et Promenades de la Ville de Paris. P : 318. 60 – Modelos de bancos duplos pertencentes a Les Promenades de Paris. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 347 61 – Modelo Coluna francesa pertencente a Les Promenades de Paris. 348 Outro dos modelos passível de ser comparado é o das colunas anunciadoras. Comparando este modelo com o divulgado por Alphand em Les Promenades de Paris, podemos verificar que este é outro dos elementos copiados dos desenhos de Davioud, embora apresente ligeiras alterações. No desenho lisboeta a cúpula é mais alongada e abaulada, sendo rematada por uma flecha emplumada. No desenho francês a cúpula é mais baixa sendo rematada por uma espécie de pinha (Imagem 61). Esta presença vem reforçar, uma vez mais, a vontade da autarquia de uniformizar sucessivamente as diferentes tipologias de mobiliário urbano, utilizando como base os modelos não só de Les Promenades de Paris como de alguns catálogos de fundições francesas de Fonte d ’Art. Os painéis anunciadores, dos quais, e mais uma vez, não foi encontrado desenho nem referência nos expedientes camarários – seguem igualmente os mesmos modelos utilizados em Paris, uma vez que as fotografias encontradas no Acervo do Arquivo Fotográfico de Lisboa demonstram, como igualmente confirmam, esta afirmação. De acordo com Bebiano Braga estes elementos eram “compostos por uma base de candeeiro, onde, logo, no arranque do poste, se encontrava um painel, também em ferro, com uma moldura trabalhada, em linear ornamento, de gramática vegetal, encimada pelas armas do município e do qual desapareceu a iluminação; o interior do painel continuava reservado para a afixação ou pintura de uma única publicidade” (Braga. Pedro Bebiano. 1995). Partindo desta descrição, julgamos que este modelo seguia o apresentado por Davioud – Porte- Affiche em Les Promenades de Paris (Imagem 62). Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas A par dos métodos de cópia e decalque utilizados pela Repartição Técnica, interessa-nos ainda verificar como funcionavam os processos de adjudicação feitos pela autarquia às fundições portuguesas, produtoras das diversas tipologias de mobiliário urbano. Pegando no mesmo modelo de bancos, e depois de consultadas as actas das sessões da Câmara, podemos avançar com uma possível hipótese. Na sessão de 22 Junho de 1882 é apresentado pela Repartição Técnica, um programa para o fornecimento de 24 bancos, de ferro e madeira, a colocar nos passeios laterais da Praça de D. Pedro IV. Nele constavam, como vimos anteriormente, algumas especificações técnicas acompanhadas do desenho do modelo a produzir. De acordo com esta deliberação camarária, julgamos que o processo de produção desenrolava-se da seguinte maneira: 1ºA repartição técnica elaborava um programa no qual apresentava desenhos dos modelos a produzir; 2º - O programa passava pela aprovação camarária; 3º – Era aberto um concurso para a adjudicação da empresa produtora; 4º - A câmara escolhia a empresa que melhor preço oferecesse face ao produto encomendado. Deste modo, julgamos poder avançar com a confirmação de que às fundições portuguesas, apenas lhes era solicitada a produção/execução de artefactos desenhados pela Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa, depreendendo que todo o processo criativo não passava por este sector. Ou seja era a Repartição Técnica e os seus funcionários, a quem cabia desenhar, elaborar e executar, todos os programas para concurso de adjudicação da empreitada solicitada pela autarquia. Constatamos deste modo que a publicação Les Promenades de Paris foi uma das principias fontes de divulgação e inspiração das peças de mobiliário urbano de fundição oitocentista aqui analisadas. Contudo 62 – Porte- Aiche. Les Promenades de Paris. devemos também, e muito, às indústrias de fundição 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 349 francesas a sua produção e difusão. Empresas como a Fundição Val d ’Osne, Durrenne, Tusey, Ducel ou Burke & Ca aparecem pela primeira vez no mercado multinacional como produtores e distribuidores de um vasto repertório de Mobiliário Urbano, através da edição e publicação de catálogos. Por intermédio destas publicações julgamos que foram abertos precedentes para os novos processos de produção e divulgação do mobiliário urbano oitocentista adoptado, na época, pela Repartição Técnica. A repartição técnica organizava um programa, no qual expunha quais os modelos a implementar nos espaços públicos O programa passava pela aprovação camarária. Depois de aprovado, era aberto concurso para a adjudicação da empresa produtora. A câmara escolhia a empresa que melhor preço oferecesse face ao produto encomendado. Esquema 1: Possível modelo de funcionamento dos processos de adjudicação feitos pela autarquia às fundições portuguesas. Outro dos processos utilizados pela Repartição Técnica que nos interessa perceber diz respeito à importação dos modelos franceses. Umas das referências encontradas nas actas das sessões refere a recepção dos “álbuns dos trabalhos da especialidade da Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d ’Osne, conforme o pedido desta câmara” (AS. CML. 1889) da qual resultou a colocação das duas fontes monumentais na Praça de D. Pedro IV. A 31 de Dezembro de 1888, é aberto um concurso para o projecto referente à “construção de duas fontes monumentaes que se propõem erigir na Praça de 350 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas D. Pedro IV” uma vez que esta obra iria contribuir “para o embellezamento d ’este logradouro, tão frequentado pelos habitantes da cidade” (AS. CML. 1888). Embora a repartição técnica tivesse sobre a mesa outros projectos, decide que os dois “desenhos de fontes” enviados pela Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d’Osne (Imagem 63) tinham as “dimensões apropriadas ao local e de effeito agradável, e por conseguinte preferíveis aos que haviam sido projectados na mesma repartição” (AS. CML. 1888). 63 – Capa da Publicação Les Promenades de Paris. A par destas duas fontes a “Fonte dos Anjinhos” é outro exemplo. Embora existam inúmeras dúvidas quanto à data da sua colocação e como terá surgido em Portugal, verificamos que foi produzida pela fundição francesa A. Durenne Sommevoire como consta na sua marca. Podemos ainda referir o projecto para o novo jardim situado entre a Avenida da Liberdade e o Jardim Botânico, elaborado por António Maria Avelar, arquitecto da Repartição Técnica. Embora o projecto tenha 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 351 ficado no papel, inclui-a na sua memória descritiva, em relação ao gradeamento a ser utilizado, “que não pode deixar de ser n’a quelle local certa grandeza, recorremos ao álbum da fundição Val d ’Osne. (…) Adoptando-se um typo que figura no album de uma das mais importantes fabricas temos a certeza da boa construção e da grande economia (2400$00), comprehendendo 1 portão central, 2 portões laterais, 15 pilastras de ferro fundido e 40 m de grade e 2 candeerios bronzeados” (CML. AAC. Comissão de Obras Públicas, Pareceres, parecer nº 71). Neste projecto ainda estavam incluídos, uma fonte e um coreto, ambos vindos da Fundição du Val d ’Osne. Por último, outro dos exemplos a que podemos fazer referência diz respeito ao modelo de quiosque importado pela Burke & Cª. A 3 de Dezembro de 1881 esta empresa envia uma carta aos “Membros do Conselho Municipal da Cidade de Lisbonne” a pedir autorização para construir nas “praças dessa cidade columnas para affixação de annuncios e kiosques para a venda de jornaes” (AS.CML. 1881). Não sabemos ao certo se este quiosque chegou a vir para Lisboa. Mas, de acordo com os desenhos elaborados pela repartição técnica, podemos constatar que este modelo foi por eles desenhado e adaptado, como consta na legenda do modelo do “desenho do Kiosque typo adoptado, com a base augmentada, approvado pela comissão municipal a 18 de Novembro de 1895.” | Confirmação da Influência francesa Como temos vindo a comprovar, o resultado deste inventário revelou uma característica única: a procedência desses mesmos artefactos. Estavam todos sob a influência francesa nomeadamente através das principais fundições artísticas e da publicação Les Promenades de Paris (Imagem 63). Esta última foi a que compilou todas as normas da regularização, regulamentação e introdução do mobiliário urbano de ferro fundido na paisagem urbana oitocentista. Nela estavam definidas as “regras” da nova concepção de espaço público proposta por Alphand. As diversas pranchas publicadas neste “manual” tornaram-se fundamentais meios de informação, pois incluíam todas as especificações e desenhos técnicos necessários para a compreensão da leitura global da cidade. Através de uma de352 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas finição na localização da vegetação, com uma sistemática repetição nos critérios de colocação e adopção das diversas tipologias de mobiliário urbano, foram criados parâmetros de unificação espacial da cidade a que A. Remesar denomina de normalização da paisagem urbana18 (Remesar: 2004). Esta influência veio demonstrar ainda que os circuitos de importação entre Portugal e França ganharam estrutura a partir da segunda metade do século XIX. Uma das razões, se não a principal razão, tem a ver com o papel de arquétipo cultural que França exibia na época e que permitiu que Portugal recorresse a ele quando se tratou de “embelezar” as suas cidades. Foi a partir de 1859 que a cidade de Lisboa começou a denunciar pequenos apontamentos de influência francesa. Com as novas restruturações nos serviços municipais são contratados arquitectos e engenheiros vindos directamente de França ou arquitectos e engenheiros portugueses com formação francesa. A entrada de P. J. Pezerat como Chefe da recém-criada Repartição Técnica contribuiu para aumentar a fama que a escola francesa do século XIX vinha a ter no universo dos engenheiros e arquitectos portugueses. Com os seus conhecimentos adquiridos na École Politécnique e na École des Beaux-Arts fez com que alguns dos arquitectos e engenheiros pertencentes à Repartição Técnica da C.M.L. tentassem a sua sorte na formação francesa, como foi o caso de Ressano Garcia. Antes de ingressar como Engenheiro-chefe desta Repartição, foi aluno da École Imperiale des Ponts et Chaussés em Paris. E foi sob essa influência, que Ressano Garcia começou a impor um novo ritmo aos trabalhos realizados na cidade de Lisboa. Com a ajuda de A. César dos Santos, António Maria Avelar e José Luís Monteiro foram inseridas novas políticas de saneamento e embelezamento urbano sob a utopia parisiense que tiveram como última consequência a uniformização do desenho de muitas das novas tipologias de Mobiliário Urbano, onde se denota uma forte influência francesa. Com esta tentativa de unifor- 18 “La normalización del paisaje urbano (arredamento, amenagement...) proviene de un largo proceso patente ya en los tratadistas clásicos que pretendía una organización funcional y estética de los lugares compartidos, espacios públicos, mediante su regulación (normativas de alineaciones, de pavimentación, etc) y va incorporando, de forma sistemática, la creación de los artefactos que actualmente conocemos como mobiliario urbano.” (Remesar, A. “Historia de dos ciudades. Cidades e habitats de inovação”. Geoinova – nº 10. 2004.) 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 353 mização vemos o reflexo da vontade municipal de criar um “estilo” de mobiliário urbano, procurando “afrancesa-lo”. Assim, verificamos que esta influência no Mobiliário Urbano em Portugal existiu por meio de duas vias de divulgação e disseminação: 1. Modelos importados directamente das Fundições Artísticas Francesas - Modelos Importados. 2. Modelos publicados em catálogos franceses foram copiados e utilizados na produção de mobiliário urbano nas Fundições Portuguesas - Modelos Copiados. | Modelos Importados O que menos se conhece, e que com este artigo se pretende demonstrar, foram as políticas de importação que algumas das fundições francesas, nomeadamente a Fundição Barbezat & Ca - Val d ’Osne, J.J. Ducel, Sommevoire e a Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d ’Osne, tiveram na divulgação e disseminação do mobiliário urbano em ferro fundido em Portugal. Dos modelos importados directamente de França e encomendados pela Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa, destacamos as duas Fontes Ornamentais/Monumentais e a Fonte dos Anjinhos, ambas situadas na Praça D. Pedro IV. As duas fontes ornamentais/monumentais, situadas na placa central da Praça, foram encomendadas, à Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d ’Osne, no ano de 1889, pela autarquia, que recebeu, meses mais tarde desta Sociedade, o orçamento e as condições de venda referente às duas fontes a colocar na praça. A validação desta encomenda deu-se quando a repartição técnica avançou com um terço do valor do orçamento total pedido. Esta era uma das condições para que a encomenda fosse considerada válida. A escolha desta encomenda partiu da autarquia, pedindo directamente à Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d ’Osne, o envio dos seus álbuns para depois poder seleccionar os elementos a requerer (AS. CML. 1889). 354 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas A Fonte dos Anjinhos também é de origem francesa e foi produzida pela fundição Durenne/Sommevoire, como consta na sua marca. Os contornos do processo de encomenda e sua importação não são conhecidos. Apenas pela sua actual presença, precisamente no mesmo local onde foi colocada originalmente, podemos confirmar a sua proveniência. Referimos ainda o projecto, que ficou no papel, para o novo jardim situado entre a Avenida da Liberdade e o Jardim Botânico, elaborado por António Maria Avelar, arquitecto da Repartição Técnica que recorreu “ao álbum da fundição Val d ’Osne. (…) uma das mais importantes fabricas temos a certeza da boa construção e da grande economia. Inclui-a na sua memória descritiva a compra de 1 portão central, 2 portões laterais, 15 pilastras de ferro fundido e 40 m de grade e 2 candeeiros bronzeados” (CML. AAC. Comissão de Obras Públicas, Pareceres, parecer nº 71), incluído ainda, uma fonte e um coreto. O paradigma francês também se reflectiu, embora mais escassamente, na cidade do Porto. A existência de modelos franceses é bastante mais evidente aqui, pois ficou circunscrita a um recinto limitado e que albergou a Exposição Universal de 1855. No entanto os contornos das suas encomendas e adjudicações também ficaram incógnitos. Podemos apenas confirmar que as fundições que deixaram no Porto as suas obras foram a Barbezat & Ca - Val d ’Osne, Val d ’Osne, J.J. Ducel e a Durenne/Sommevoire, uma vez que as mesmas ainda se encontram no local onde foram colocadas por ocasião dessa exposição. | Modelos Copiados Os primeiros modelos cópia de inspiração francesa a serem colocados em Lisboa foram os 12 “sofás de ferro” no Passeio da Estrela, em 1859, produzidos pelo Instituto Industrial de Lisboa a pedido da Câmara Municipal de Lisboa. Este modelo foi copiado do modelo francês “Banc Dauphin” pertencente à Fundição M. André ou do modelo nº 1 do Banc de Jardin Montés pertencente à fundição Tusey. Os segundos copiados dos modelos franceses foram os 60 bancos duplos colocados na placa central da Praça de Pedro IV em 1863. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 355 A empresa designada para a construção desses foi a Companhia Perseverança a pedido da Câmara Municipal de Lisboa. Em 1919, por ocasião da remodelação da Praça, estes bancos foram transferidos para o Jardim do Príncipe Real, local onde ainda se encontram actualmente. Este modelo foi copiado do modelo francês publicado em Les Promenades de Paris ou do catálogo da Société Anonyme des Hauts-Fourneaux & Fonderies du Val-d ’Osne, pelas mãos de Augusto César dos Santos em 1882. Os modelos de banco de duas tábuas corridas, assento e costas, com consola de ferro fundido com motivos de pequenos troncos de árvores, foram copiados dos modelos publicados pela Fundição de Tusey, ou da prancha de Voie Publique em Les Promenades de Paris, embora não se conheça o seu desenho nem autor. Também os 3 modelos de bancos desenhados em 1886 por Ressano Garcia para os talhões da Avenida da Liberdade são claramente de influência francesa. Seguiam à risca, não só o modelo de Davioud, publicado em Les Promenades de Paris, como outros modelos ilustrados nos catálogos da Fundição Durenne ou da Fundição Tusey. Os painéis anunciadores, dos quais não foi possível encontrar o desenho nem referência nos expedientes camarários mas confirmados através das fotografias encontradas no Acervo do Arquivo Fotográfico de Lisboa, seguem claramente o modelo utilizados em Paris e apresentados por Davioud na prancha de Square de Batignolles. Details – Porte- Affiche em Les Promenades de Paris, apresentando apenas algumas alterações formais nos elementos decorativos. Por último, outro dos exemplos a que podemos fazer referência diz respeito ao modelo de quiosque importado pela Burke & Cª. A pedido desta empresa é solicitada, em 1881, à Repartição Técnica uma autorização para colocar nas “praças dessa cidade columnas para affixação de annuncios e kiosques para a venda de jornaes” (AS.CML. 1881). Não conseguimos averiguar se este quiosque chegou mesmo a vir para Lisboa. Mas, de acordo com os desenhos encontrados no Arquivo do Arco do Cego da C.M.L. e elaborados pela repartição técnica, podemos constatar que este modelo foi posteriormente desenhado e adaptado pela Repartição Técnica, como consta na legenda do modelo do “desenho do 356 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas Kiosque typo adoptado, com a base augmentada, approvado pela comissão municipal a 18 de Novembro de 1895”. Les Promenades de Paris e a fundição Burke & Cª foram os recursos de inspiração para os novos quiosque propostos pela Repartição Técnica aquando do reordenamento dos espaços públicos e uniformização dos seus modelos entre 1885/86 e 1895. Das diferenças encontradas verificamos que variaram apenas no seu tamanho e nos detalhes e pormenores de decoração. Conseguiu-se ainda verificar que, do inventário feito ao Mobiliário Urbano de Fundição português aqui analisado, só o modelo dos marcos fontenários, desenhado por António Maria Avelar, A. César dos Santos e Ressano Garcia, funcionários da Repartição Técnica da CML, pode ser considerado original. Confirmou-se também que das restantes peças desenhadas pela Repartição Técnica foram todas adoptadas e/ou copiadas dos modelos franceses através dos catálogos e pranchas enviadas ou adquiridos pela autarquia às Fundições de Fonte d ’Art francesas ou da publicação Les Promenades de Paris. Assim, destacamos as três fundições de Fonte d’Art francesa que influenciaram significativamente o mercado de fundição português, por um período de quase um século. Elas foram a Burke & Cª, a fundição Tusey, du Val d‘Osne e a Fundição Durenne/Sommevoire. Estas últimas foram sérias concorrentes entre si mas que se tornaram numa só, em virtude do declínio do mercado dos seus produtos, transformando-se na Societé dês hauts fourneaux et fonderies du Val d’Osne. Cabe por fim salientar que este inventário contribui para o reconhecimento que o Mobiliário Urbano teve na cidade de Lisboa oitocentista e que, em parte, continua a ter e se prolonga para a cidade actual. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 357 Fundições francesas sugerem por iniciativa própria C.M.L. encomenda directamente às fundições francesas CML Adjudica Colocação Mobiliário Urbano nos Espaços Públicos de Lisboa. Colocação Mobiliário Urbano nos Espaços Públicos de Lisboa. Esquema 2: Modelos importados directamente das Fundições Artísticas Francesas – Modelos Importados. Catálogos das Fundições de Fonte d’Art Francesas Les Promenades de Paris Repartição Técnica – CML. Copia/ desenha/ abre concurso e adjudica Fundição portuguesa produz Colocação Mobiliário Urbano nos Espaços Públicos de Lisboa. Esquema 3: Modelos publicados em catálogos franceses foram copiados e utilizados na produção de mobiliário urbano nas Fundições Portuguesas - Modelos Copiados. 358 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas | Bibliografia Geral Annaes do Municipio de Lisboa. 1859. CML. Lisboa. Actas das sessões. Câmara Municipal de Lisboa. De 1886 a 1935. CML. Lisboa. Actas das sessões administrativas. Câmara Municipal de Lisboa. De 1886 a 1935. CML. Lisboa. Actas das sessões da Comissão ExecutivA. Câmara Municipal de Lisboa. De 1886 a 1926. CML. Lisboa. Actas das sessões da Comissão Municipal. Câmara Municipal de Lisboa. De 1892 a 1895. CML. Lisboa. Actas das sessões extraordinárias da Comissão Municipal. Câmara Municipal de Lisboa. De 1917 a 1924.CML. Lisboa. Alphand, A., Les Promenades De Paris. J. Rothschid Éditeur. Paris. Princeton Architectural Press. 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Champeaux, Alfred., Dicttionaire des fondeurs, ciseleurs-modeleurs en bronze et doreurs depuis de Moyen âge jusqu’á l’époque actuelle. J. Rouam. Paris. 1886. Champier, V., Les Industries d’art à l’Exposition Universelle de 1889. (2 Tomos). Union Centrale des Arts Décoratifs. 1889-1891. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 359 Decamps, A., L’art et l’Industrie au XIXe siècle. Tomo 3. Revue Republicaine. 1834. Des Cars, J., Paris – Haussmann: Le Paris d’Haussmann. Edition du Pavillion de L’arsenal. Paris. 1991. Remesar, A., Historia de dos ciudades. Cidades e habitats de inovação. Geoinova – nº 10. 2004. Remesar, A; Lecea, I, Grandas, C. La Fonte de las Três Gracias. On the W@ terfront, nº5. Barcelona. 2004. www.ub.edu/escult/Water/N05/W05_2.pdf. Remesar, A., Cord Técnica. Do projecto ao objecto. Manual de boas práticas de mobiliário urbano em centros históricos. CPD. 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Praça do Comércio. 1907 Img 19/ A9393. Urinol Público. Paulo Guedes. Inicio Séc. XX. Img 19/ A9404. Avenida Fontes Pereira de Melo. Urinol. Paulo Guedes. Inicio Séc. XX. 360 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas IMG 26/ A12929. Restauradores. Inicio Séc. XX. IMG 41/ A20147. Rua da Palma. Inicio Séc. XX. IMG 119/ A 59467. Largo de S. Roque. Inicio séc. XX. IMG 142/ A 705454. Mercado da Ribeira. Ant. 1900. IMG 194/ B 096870. Largo Conde Barão. S/d. IMG 194/ B 96787. Rua das Janelas Verdes. S/d. IMG 194/ B 096798. Travessa da Palmeira. S/d. IMG 194/ B 096867. Largo de S. Domingos. S/d. Prova nº 8579. Banco da Avenida da Liberdade. F. Ressano Garcia. 1885. Prova nº 14489. Coreto de Belém. 1881. Prova nº 16999. Coreto da Avenida da Liberdade. J. Luís Monteiro. 1894. Prova nº 36841. Coreto dos Olivais. 1896. | Arquivo Histórico do Arco do Cego. (AAC) Actas das sessões. Câmara Municipal de Lisboa. De 1886 a 1935. CML. Lisboa. Actas das sessões administrativas. Câmara Municipal de Lisboa. De 1886 a1935. CML. Lisboa. Actas das sessões da Comissão Executiva. Câmara Municipal de Lisboa. De 1886 a 1926. CML. Lisboa. Actas das sessões da Comissão Municipal. Câmara Municipal de Lisboa. De 1892 a 1895. CML. Lisboa. Actas das sessões extraordinárias da Comissão Municipal. Câmara Municipal de Lisboa. De 1917 a 1924.CML. Lisboa. Annaes do Municipio de Lisboa. 1859. CML. Lisboa. Synopses dos principais actos administrativos. Câmara Municipal de Lisboa. De 1833 até 1844. CML. Lisboa. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 361 COMISSÃO DE OBRAS E MELHORAMENTOS MUNICIPAIS. (COMM) DESENHO JUNTO AO PROGRAMA DAS CONDIÇÕES COM QUE É POSTO EM PRAÇA O FORNECIMENTO DE VINTE URINOIS DE TIPO FRANCÊS. 1890-02-25. Desenho de urinol tipo francês, vista de frente, corte AB, planta dos urinóis de três e cinco lugares e programa das condições em que é posta em praça a execução por empreitada de fornecimento de vinte urinóis. OFICIO Nº 385. 1907. Planta sobre a colocação de bancos na Via Pública. OFICIO Nº 4799. 1895-12-31. Planta junta ao ofício nº 4799 do engenheiro di- rector geral. Desenho de bancos destinados à Praça do Comércio. OFICIO Nº 7995. 1889-03-07. Projecto de localização de um urinol a colocar no Largo do Barão de Quintela. Planta junta ao ofício n.º 7995 do Engenheiro chefe da Repartição Técnica. PARECER N.º 25. 1874-11-30. PARECER N.º 42. 1875-05-24. Parecer nº 919.1881-06-03. PARECER N.º 1405. 1884-10-08. PARECER N.º 1335. 1884-04-26. PARECER N.º 1579. 1885-08-25. DSU – CX 28. Planta 6305 e 6306. DSU - CAIXA 37. S/C Nota da concessão feita pela Camara, sessão de 10 de Julho de 1884 a diversos, para estabelecimento de Kiosques em diferentes ruas e praças públicas. Doc. 19 de Junho de 1900. DSU - CAIXA 40. Nº 30 GUARITA EM FERRO COM O RESPECTIVO ALPENDRE E RESGUARDO DESTINADA PARA ABRIGO DE URINOL. 1890-07-23. Planta e desenho de um urinol em ferro visto de frente, de lado, detalhe do resguardo e vista exterior, corte da almofada e detalhes em tamanho natural para o resguardo, guarita e para cúpula. DSU – CX 101 Planta do Campo de Santa Clara. Alberto Pedro da Silva. 1916- 01-13. DSU – CX 102 Doc. 21 DSU – CX 112 PROJECTO DE SUBSTITUIÇÃO DO URINOL TIPO FRANCÊS EXISTENTE NO LARGO DA BOA HORA, POR OUTRO DE ENCOSTO COM CINCO LUGARES. 1899-07-19. Autor: Augusto César dos Santos. 362 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas DSU – CX 112 RESGUARDO PARA URINOL DO LARGO DA BOA HORA. De- senho do resguardo em ferro com alpendre, para o urinol de cinco lugares do largo da Boa Hora. 1900-03-28. Autor: Augusto César dos Santos. DSU – CX 123 PLANTA DO LARGO DO INTENDENTE. Com a localização dos candeeiros, bancos, mesa de refrescos, urinol, marco postal e guarita do expedidor da Companhia Carris de Ferro. Henrique Sabino dos Santos. 1898-07-12. DSU – CX 123 PLANTA DA PRAÇA DOM PEDRO IV. A planta inclui a locali- zação dos candeeiros, urinóis, marcos fontenários, bancos, marcos postais, quiosques de tabaco e mesas de refresco. Henrique Sabino dos Santos. 1898- 07-12. Gaveta 42 Desenho de Urinol de três Lugares. 1911-04 Sala do Passeio Público. Nº 260 inv. Banco para Passeio Público. Malaquias Ferreira Leal. 1840. Serviço Geral de Obras (SGO) CX 2 planta 5782. Urinol. 1860. CX 2 Planta 7926. Urinol para a Calçada do Sacramento. João Burnay. 1870. CX 5 Planta 5822. Desenho de quiosques destinados a venda de jornais. Dese- nho de dois quiosques destinados à venda de jornais, elaborados pela irma Burke and Company, 20 Boulevard Poissonnière, 20, destinado à “Publicité diurne et nocturne sur les kiosques lumineux les Colonnes et dans les gares des chemins de fer”. 1881- 12-03. CX 14Doc. 89. Quiosque da Rua 24 de Julho e Largo de S. Roque. 1893 CX 14Doc. 89. Quiosque dA Avenida da Liberdade. 1893 CX 14 Doc. 89. Quiosque do Cais do Sodré. 1893 CX 14 Doc. 89. Quiosque do Rossio. 1893 CX 14 Doc. 89. Quiosque da Praça de Alcântara. 1893. CX 14 Doc. 89. Quiosque da Praça do Comércio. 1893. CX 14 Doc. 89. Quiosque da Praça do Duque de Terceira. 1893. CX 14 Doc. 89. Quiosque da Praça de S. Paulo. 1893. CX 14 Doc. 89. Quiosque Principe Real. 1893. CX 15Planta 6142. Urinol do Campo Pequeno. 1894. CX 15Planta 7929. Urinol da Calçada do Sacramento. 1870. CX 15Planta 7930. Urinol Modelo. 1870. 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 363 CX 15Planta 7933. Urinol Modelo. 1870. CX 15Planta 7938. Urinol Modelo. 1880. CX 15Planta 7946. Urinol do Largo do Conde Barão. 1880. CX 15Planta 7947. Urinol. 1870. CX 15Planta 7978. Urinol. 1870. CX 15Planta 7979. Urinol do Arco da Bandeira. 1903. CX 15Planta 7982. Resguardo do Urinol do Largo do Matadouro. 1880. CX 15Planta 7983. Resguardo do Urinol Modelo. 1880. CX 16 doc 312 CX 16 Planta 6200. Banco da Praça do Comércio. F. Ressano Garcia. 1895. CX 16 Planta 7990. Urinol do Largo do Conde Barão. Alterações. 1890. CX 18 Doc. Nº 259 E Planta 7606. Quiosque Abrigo Rua da Boa Vista. 1897. CX 23 Planta 8875. Urinol do Campo Grande. 1894. CX 31 Planta 9169. Urinol da Rua do Arco do Limoeiro. 1890. CX 37/V Quiosque da Avenida da Liberdade e Rossio. 1887. CX 37/V Quiosque da Praça do Comérco. 1895. CX 37/V Quiosques Modelo. F. Ressano Garcia. 1895. CX 37/V Quiosque da Praça Luís de Camões. Cias. Reunidas de Gás e Electri- cidade. 1900 CX 37/V Quiosque da Rotunda e Avenida Fontes Pereira de Melo. 1906. CX 40 Painel Anunciador. 1896. CX 41 Coluna Anunciadora. 1896, 1897. CX 41 Painel Anunciador. 1897. CX 43 Planta 10552. Banco da Avenida da Liberdade. F. Ressano Garcia. 1885. CX 43 Planta 10553. Banco da Avenida da Liberdade. F. Ressano Garcia. 1885. CX 43 Planta 10554. Banco da Avenida da Liberdade. F. Ressano Garcia. 1885. CX 80 Planta 10527. Urinol do Largo da Boa-Hora. 1899. CX 81 Planta 10539. Urinol da Praça do Comércio. F. Ressano Garcia. 1902. 364 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Sílvia Barradas | Bibliothèque des Arts Décoratifs. Paris Catalogue Durenne : Fonte de Fer ; Catalogue JJ Ducel ; Catalogue de Société anonyme des Hautes Fourneaux et Fonderie de Brousseval. Paris . 7 - Mobiliário Urbano de Fundição Artística em Lisboa Oitocentista 306 – 365 365 Resumo O presente artigo vem na sequência da tese de doutoramento que concluímos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob o tema: “O sistema hidráulico na arquitectura sacra gótica em Portugal dos séculos XIII a XVI”. Este projecto partiu de um conceito de arquitectura entendida como um conjunto estruturado de sistemas que, faseadamente, constituem a preocupação do mestre construtor. Neste conjunto de sistemas está incluído o sistema hidráulico, que dividimos em subsistema hidráulico superior (referente ás águas pluviais) e subsistema hidráulico inferior (referente ao solo), sendo que, neste caso especíico, só nos iremos referir ao primeiro subsistema evocado. No que diz respeito ao subsistema hidráulico superior, dividimos o mesmo por soluções encontradas em diversos edifícios religiosos pertencentes à arquitectura gótica e tardogótica portuguesa e estrangeira, circunscritos entre os séculos XIII e O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia (Cemitério do Alto de São João, em Lisboa) e dos Condes do Ameal (Cemitério da Conchada, em Coimbra) Caso de estudo Ana Patrícia R. Alho1 Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa XVI, para, com isto, podermos concluir quais as soluções mais adoptadas e os elementos arquitectónicos mais usados como auxiliares do sistema hidráulico superior, entre eles: gárgulas, goteiras, arcobotantes, contrafortes, terraços, telhados, entre outros. Neste artigo propomo-nos fazer uma abordagem histórica e artística, dando especial atenção ao subsistema hidráulico superior presente nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia, em Lisboa, e dos Condes do Ameal, em Coimbra (obras da viragem para o século XIX, pertencente ao período inal do Romantismo Português), não esquecendo uma análise aos restauros efectuados em ambas as obras, dando especial atenção aos restauros que, de algum modo, afectaram o subsistema hidráulico superior. Quanto ao jazigo dos Benfeitores, presente à entrada do Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, trata-se de uma obra pertencente ao neomanuelino ricamente trabalhado, projetada pelo arquiteto Adães Bermudes e construída entre 1906 e 1909, para albergar os restos mortais daqueles que beneiciaram a Misericórdia de Lisboa. Quanto ao jazigo dos Condes do Ameal, obra importante no Cemitério da Conchada, em Coimbra, sabe-se que foi projectado por António Augusto da Costa Mota Tio (1862-1930), a pedido do Conde do Ameal, o Dr. João Aires de Campos, no ano de 1895, ocupando o lugar central para onde convergem as ruas mais importantes do cemitério da Conchada. Tem planta poligonal, com um desenho revivalista neogótico. Palavras-chave: Arquitetura, Tumulária, Hidráulica, Água, Gárgulas 1 ARTIS – Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ana_alho@ hotmail.com 8 - O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia e dos Condes do Ameal 3 66 – 379 367 Introdução O sistema hidráulico é um subsistema arquitectónico, que pode ser compreendido atendendo ao seu duplo desenvolvimento: um primeiro que se refere à água, ao nível do solo (sistema hidráulico inferior), e um segundo que compreende as águas pluviais (sistema hidráulico superior). No entanto, nestes dois subsistemas deparamo-nos com três aspectos comuns com elevada importância para a funcionalidade de qualquer edifício: captação, distribuição e evacuação. Existe também uma articulação entre estes dois subsistemas, condicionando a organização arquitectónica. O sistema hidráulico é, sem dúvida, fundamental para o bom funcionamento dos edifícios, visto tratar-se de um vasto conjunto de elementos que constituem um subsistema da organização arquitectónica geral: coberturas, caleiras de escoamento, gárgulas e goteiras, roços em contrafortes e arcobotantes, canalizações no solo, entre outros2. Todo o sistema hidráulico demonstra uma elevada complexidade e cuidado: desde sempre que uma das primordiais preocupações do mestre/arquitecto, ao conceber o edifício, foi conduzir as águas pluviais para o exterior da zona coberta, sendo também uma das grandes preocupações demonstradas aquando dos restauros efectuados nos edifícios ao longo dos anos. Após a análise inicial ao sistema hidráulico superior presente na arquitectura religiosa europeia (em França, Espanha, Itália e Inglaterra), encontrámos várias soluções hidráulicas para cada um dos edifícios, o que nos levou a, posteriormente, propor tipologias, compostas por dez grupos: I. Telhados de duas ou mais águas com gárgulas ou goteiras; II. Terraços inclinados com gárgulas ou goteiras; III. Gárgulas duplas no arcobotante; IV. Gárgulas duplas no contraforte; V. Canalização interior no contraforte; VI. Utilização do contraforte como auxiliar do sistema hidráulico; VII. Utilização do arcobotante como auxiliar do sistema hidráulico; VIII. Utilização do varandim como auxiliar do sistema hidráulico; IX. Utilização de taças em ferro; X. Utilização de arcobotantes duplos. 2 Ao mencionarmos as gárgulas e as goteiras, consideramos que ambos os elementos possuem uma mesma função hidráulica. Estamos, contudo, cientes da função simbólica e iconográica que as gárgulas possuem, e que é inexistente nas goteiras. 368 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Patrícia R. Alho Quanto ao sistema hidráulico superior presente na arquitectura religiosa nacional, encontrámos também várias soluções, o que nos levou a estabelecer posteriormente as respectivas tipologias: I. Telhados de duas ou mais águas, sem gárgulas ou goteiras; II. Telhados de duas ou mais águas, com gárgulas ou goteiras; III. Terraços de duas águas, sem gárgulas ou goteiras; IV. Utilização do arcobotante com taças; V. Utilização do arcobotante sem taças; VI. Telhados com duas ou mais águas, terraços, gárgulas ou goteiras; VII. Utilização do contraforte como auxiliar do sistema hidráulico; IX. Terraços sem gárgulas ou goteiras; X. Existência de “rampas de lançamento” de águas pluviais. Apesar das tipologias propostas não serem absolutamente iguais, podemos reletir sobre os elementos da arquitectura mais utilizados no subsistema hidráulico superior, sendo eles: telhados, terraços, gárgulas e goteiras, arcobotantes e contrafortes. Também encontrámos nestas tipologias soluções inovadoras e originais como, por exemplo, a utilização de taças concentradores e distribuidoras de água, no caso nacional. Breve resenha histórica acerca da fundação dos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia (Cemitério do Alto de São João, em Lisboa) e dos Condes do Ameal (Cemitério da Conchada, em Coimbra) O Jazigo dos Benfeitores integra-se no movimento artístico do neomanuelino e encontra-se integrado no Cemitério do Alto de São João, que se localiza na zona oriental da cidade, servindo as populações dessa zona, cuja composição socioeconómica era, em geral, mais desfavorecida, em comparação com a zona ocidental, servida pelo Cemitério dos Prazeres. Este monumental jazigo foi construído entre os anos de 1906 e 1908, segundo o projecto encomendado pela Misericórdia de Lisboa ao Arquitecto Adães Bermudes, para albergar os restos mortais dos beneméritos da instituição3. 3 O arquitecto Adães Bermudes realizou ainda outras obras para a Misericórdia, na mesma época, como a Sala de Extrações da Lotaria e o Museu de São Roque - Folheto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, O Mausoléu dos Benfeitores. Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 2 de Novembro de 2009. 8 - O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia e dos Condes do Ameal 3 66 – 379 369 O Jazigo dos Benfeitores foi erguido num espaço nobre e não destinado a jazigos, mas que passou a poder sê-lo depois do precedente que foi a construção da capela do Visconde de Valmor 4. A partir da Acta5 da Sessão de 26 de Novembro de 19036, icamos a saber que: “Por esta ocasião resolveu a Administração que se incumba ao architecto Bermudes o desenho, plano e orçamento de um jazigo que a despensas da Santa Casa da Misericordia seja levantado em um dos cemitérios da cidade e destinado a receber os restos mortaes dos benfeitores da mesma Santa Casa, que não tenham jazigo próprio, devendo, logo que o mesmo architecto apresente o seu trabalho organizar-se o necessario orçamento supplementar para acudir á respectiva despesa, devendo a obra ser posta a concurso”. Cronologicamente, sabemos que, em 1904, no dia 30 Setembro, o projecto do arquitecto estava já concluído e a Mesa delibera atribuir-lhe a concretização da obra por administração direta. No ano seguinte, a 16 Janeiro, a Mesa paga os honorários a Adães Bermudes pelo projeto de arquitetura, autorizando-o a escolher a pedra para o monumento. Assim sendo, o arquitecto escolhe diversas pedreiras fora de Lisboa, inovando face às pedras conhecidas nos edifícios da cidade. Um ano mais tarde, precisamente no dia 11 Abril, dá-se a cerimónia de colocação da primeira pedra do monumento. Sabemos que, no início do ano de 1909, o mausoléu estava quase concluído, tendo-se encomendado os motivos decorativos em metal do portão da entrada e procedendo-se à colocação de quatro escudos pintados a fogo, nas janelas principais, dois com as armas portuguesas e outros dois com as armas da Misericórdia de Lisboa. A 11 Março do mesmo ano as obras estão concluídas e, assim sendo, a Mesa encarrega o arquiteto Adães Bermudes de fazer um altar. Delibera ainda que um cruciixo em marim e dois castiçais fossem transferidos do Convento de São Pedro de Alcântara para ornamentarem o referido altar, sendo a 20 Março realizada a assinatura do auto de entrega da mesa. 4 A Capela do Visconde de Valmor foi traçada pelo arquitecto Álvaro Machado, tendo sido a empreitada atribuída à oicina de António Moreira Rato & Filhos, e encarregado das cantarias o mestre Eduardo. - QUEIROZ, José Francisco Ferreira, Os Cemitérios do Porto e a arte funerária oitocentista em Portugal. Consolidação da vivência romântica na perpetuação da memória. Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2002, Vol. 1, Tomo II, p. 181. 5 Acta da Sessão de 26 de Novembro de 1903, Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. 6 Na Sessão de 26 de Novembro de 1903, estiveram presentes os Ex.mos Senhores Provedores e Adjuntos Veiga e Dr. Barrozo. 370 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Patrícia R. Alho Segundo se relatava na revista “O Occidente” 7, em artigo publicado em 1905, “o Jazigo deve ser construído à entrada do Cemitério Oriental em pendant com o do Visconde de Valmor, outra obra d’arte que ali está a concluir”, tratando-se de uma obra do revivalismo neomanuelino, que evocava a época de fundação das Misericórdias em Portugal. A sua estrutura arquitectónica é composta por fachadas de volumes articulados em cantaria, profusamente decoradas com motivos vegetalistas e alguns atributos associados ao estilo manuelino, como as cordas, a esfera armilar, as cruzes de Cristo, lores, alcachofras, folhagens, iguras zoomóricas e efígies. Os volumes são coroados por pináculos e centrados por um coruchéu oitavado, ornado por cogulhos vegetalistas. As fachadas são compostas em cantaria, desenvolvidas sobre soco saliente, rasgado por frestas de arejamento, com o corpo central mais elevado que os braços da cruz, deinido nos ângulos por pilares hexagonais, decorados por cabo central, integrando no topo gárgulas zoomóricas e coroados por pináculos vazados e rendilhados. O corpo central remata em cornija e com platibanda vazada, ornada com cruzes de Cristo inseridas em círculos, e é coberto por abóbada sobreposta por amplo coruchéu piramidal, oitavado, vazado e coroado por cruz. Os corpos dos braços da cruz, à exceção do correspondente à cabeceira, são limitados por um conjunto de três pilastras, criando edículas geminadas, de arco apontado e remate em pináculos rendilhados e de cogulhos vegetalistas, possuindo na zona inferior das edículas medalhões envolvidos em elementos entrelaçados. Estes corpos, com cobertura plana, são rematados por cornija decorada por lorões e em cabo, encimada por platibanda rendilhada de acantos. A fachada principal, virada a sudeste, é formada por um portal em arco de volta perfeita, de três arquivoltas, assente em colunelos de capitéis vegetalistas, sendo a arquivolta interior polilobada, a central decorada com elementos vegetalistas e a exterior encimada por molduras com cogulhos vegetalistas, criando um falso arco canopial; ao centro deste, surge uma cartela com relevo, representando Nossa Senhora da Misericórdia. As fachadas laterais são idênticas e viradas a nordeste e a sudoeste, rasgadas por uma janela mainelada, em arco deprimido, sobre colunelos de capitéis vegetalistas, envolvidos por 7 “Jazigo dos Benfeitores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: Projecto do arquitecto Sr. Adães Bermudes”, in “O Occidente”, Vol. 28, N.º 965, Lisboa, 1905, pp. 197-198. 8 - O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia e dos Condes do Ameal 3 66 – 379 371 moldura em arco trilobado, ornado de cogulhos. A fachada posterior, voltada a noroeste, é composta por cinco panos separados por falsos contrafortes, com gárgulas, coroados por pináculos de remate helicoidal e cogulhos vegetalistas, sendo rematada por uma platibanda vazada de acantos. Nos três panos centrais abre-se uma fresta, com moldura em arco de volta perfeita sobre colunelos de capitéis vegetalistas. O jazigo é guardado por uma grade baixa, em ferro, e rodeado por um pavimento em calçada “à portuguesa”, com as inscrições “Misericórdia de Lisboa” e “Jazigo dos Benfeitores”. 1 – Projecto do Arquitecto Adães Bermudes, Jazigo dos Benfeitores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa8 No interior, a planta é em cruz grega, permitindo a criação de nichos para depósitos de caixões e de uma escada de caracol que dá acesso à cripta. O espaço é coberto por abóbadas de nervuras e de aresta, assentes sobre arcos de volta perfeita sobre colunelos com capitéis vegetalistas. A abside é de planta pentagonal, possuindo um altar em cantaria, com três panos centrais rasgados por frestas, sendo o corpo principal rasgado por janelas maineladas com vitrais geométricos. A cripta tem também planta em cruz grega. 8 “Jazigo dos Benfeitores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: Projecto do arquitecto Sr. Adães Bermudes”, in 372 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Patrícia R. Alho Os trabalhos de cantaria foram realizados por canteiros oriundos de Coimbra ligados à Escola Livre das Artes do Desenho, e formados na oicina de João Machado, que foi responsável pela execução do relevo do tímpano do portal, que representa Nossa Senhora da Misericórdia. O mestre lisboeta João da Cruz foi responsável pelos trabalhos de alvenaria, o serralheiro António Santos pela porta em ferro, e a oicina do mestre Cláudio Martins pelos vitrais9. Obra Ano Nome Função 1903-1909 Adães Bermudes Arquiteto 1906-1909 João Machado e outros Canteiros da Escola Livre das Artes do Desenho Canteiros Executa o relevo do portal do jazigo e os restantes trabalhos de cantaria são entregues a escultores saídos da sua oicina 1909 João da Cruz Canteiro É responsável pelos trabalhos de alvenaria 1909 António Santos Serralheiro Executa a porta em ferro 1909 Cláudio Martins Vitralista Vitrais 1953 Artur Raúl Roque Arquiteto 1953 Victor Palha Arquiteto 1954 José Henrique dos Santos Torres Canteiro 1991 A União, António da Silva Dores, Lda. 1991 Sociedade Mármores Central da Boa-Hora à Ajuda, Lda. Canteiros Tabela 1 – Mestres encarregues das obras de construção do Jazigo dos Benfeitores10 “O Occidente”, Vol. 28, N.º 965, Lisboa, 1905, pp. 197-198. 9 http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=35396, visualizado a 6 de Junho de 2016. 10 http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=35396, visualizado a 6 de Junho de 2016. 8 - O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia e dos Condes do Ameal 3 66 – 379 373 No que diz respeito ao jazigo dos Conde do Ameal, sabe-se que foi projectado por António Augusto da Costa Mota Tio (1862-1930) e construído por José Guilherme Correia & C.ª (Primos)11, a pedido do Conde do Ameal, o Dr. João Aires de Campos, no ano de 189512. Este jazigo encontra-se no Cemitério Municipal da Conchada, em Coimbra, ocupando o lugar central para onde convergem as ruas mais importantes do cemitério. António Augusto da Costa Mota Tio, autor do jazigo dos Condes do Ameal, realiza várias outras obras, em parceria com João Machado, como O Trovador, no Palácio-Hotel do Buçaco, ou o grupo escultórico da Quinta da Regaleira, em Sintra (c. 1910), obras essas que são também de especial requinte e beleza. O mausoléu da família dos Condes do Ameal é criado segundo uma estética revivalista neogótica, muito ao gosto da época, em que se recuperaram os gostos artísticos da Idade Média e Renascença, dando origem a novas correntes revivalistas. Tem uma planta poligonal, possui um piso subterrâneo onde são depositadas as urnas dos membros falecidos desta família. O Jazigo é construído em pedra de lioz, oriunda dos arredores de Lisboa, o que segundo, Francisco Queiroz, o torna curioso por ser monumento construído em Coimbra e a pedra dos arredores de Coimbra ser a utilizada no jazigo dos Benfeitores. Campanhas de restauro efectuadas no Jazigo dos Benfeitores da Misericórdia Quanto às obras de restauro realizadas no jazigo dos Benfeitores, está documentado que, no ano de 1954, a 24 Setembro, o canteiro José Henrique dos Santos Torres concluiu o trabalho de escultura, executando réplicas das peças que compõem o mausoléu. Dez anos mais tarde, a 17 Julho de 1964, veriica-se a necessidade de restaurar as pedras do mausoléu, uma vez que estavam a desfazer-se, devido à acção das chuvas. A 28 de Janeiro de 1965, são autorizadas as obras de limpeza supericiais do monumento. 11 QUEIROZ, José Francisco Ferreira, Os Cemitérios do Porto e a arte funerária oitocentista em Portugal. Consolidação da vivência romântica na perpetuação da memória. Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2002, Vol. 1, Tomo II, p. 175. 374 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Patrícia R. Alho Para o ano de 1999, a 6 de Dezembro, encontrámos uma informação, por parte dos Serviços de Testamentarias, alertando para a degradação das pedras e pedindo à Provedoria uma intervenção urgente, iniciando-se assim o processo que haveria de desencadear o restauro do monumento, sendo que, no dia 18 de Outubro de 2004, são adjudicadas as obras de recuperação e beneiciação do mausoléu à empresa Monumenta - Conservação e Restauro do Património Arquitectónico, L.da13. Ano Nome 1992 Adães Bermudes 1998 João Machado e outros Canteiros da Escola 2004-2005 Monumenta - Conservação e Restauro do Património Arquitectónico, Lda. Tabela 2 – Empresas encarregues das obras de restauro do Jazigo dos Benfeitores 14 Subsistema Hidráulico Superior nos jazigos dos Benfeitores e dos Condes do Ameal No que diz respeito ao sub-sistema hidráulico superior presente no Jazigo do Benfeitores, encontramos três soluções: a) As águas pluviais que caem nos telhados são encaminhadas para os canais que os circundam, indo directamente para as gárgulas, que mais uma vez expulsam as águas para o exterior do monumento, sendo as águas amparadas pelos contrafortes escalonados. b) As águas pluviais que caem nos telhados são encaminhadas para os canais que os circundam, indo directamente para as gárgulas, que mais uma vez expulsam as águas para o exterior do monumento. 12 João Maria Correia Aires de Campos, 1.º Conde do Ameal, era ilho de João Correia Aires de Campos e de Leonor de Sá Correia, foi chefe do Partido Regenerador em Coimbra, deputado e presidente da Câmara Municipal. 13 http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=35396, visualizado a 06 de Junho de 2016. 14 Idem. 8 - O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia e dos Condes do Ameal 3 66 – 379 375 c) As águas pluviais que caem nos telhados são encaminhadas para os canais que os circundam, indo directamente para as goteiras e daí para o exterior. No que diz respeito ao sub-sistema hidráulico superior presente no jazigo dos Condes do Ameal, encontrámos apenas uma solução correspondente às águas pluviais que caem nos telhados e são encaminhadas para os canais que o circundam, indo directamente para as gárgulas, que mais uma vez expulsam as águas para o exterior do monumento, sendo posteriormente amparadas as águas pelos contrafortes escalonados. É importante referenciar que, durante o trabalho de campo realizado para esta investigação, não tivemos oportunidade de visitar o interior dos jazigos, condicionando a nossa análise ao mesmo à bibliograia existente. Podemos então concluir que os elementos arquitectónicos que fazem parte do subsistema hidráulico superior presente nestes dois monumentos são: telhados, gárgulas, goteiras e contrafortes. Finalmente, no que diz respeito ao número de gárgulas em cada um dos jazigos, veriicamos que, no jazigo dos Benfeitores, existe um conjunto de dez gárgulas (duas na fachada Sul, duas na fachada Oeste, duas na fachada Este e quatro nos contrafortes) e quatro goteiras na cabeceira, enquanto que no Jazigo dos Condes do Ameal existem seis gárgulas localizadas no arranque dos contrafortes. O facto de um dos monumentos ser neogótico e o outro neomanuelino não veio condicionar as opções hidráulicas escolhidas, pois no exemplo do Jazigo dos Condes do Ameal, só encontramos uma única solução, também ela adoptada no Jazigo dos Benfeitores da Misericórdia. 376 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Patrícia R. Alho 8 - O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia e dos Condes do Ameal 3 66 – 379 377 2 a 4 – Solução Hidráulica presente no jazigo dos Benfeitores (foto de Patrícia Alho) 5 a 8 – Solução Hidráulica presente no jazigo dos Condes do Ameal (foto de Patrícia Alho) 378 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Ana Patrícia R. Alho Referências Bibliográicas Bibliográicas “Jazigo dos Benfeitores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: Projecto do arquitecto Sr. Adães Bermudes”, in “O Occidente”, Vol. 28, N.º 965, Lisboa, 1905, pp. 197-198. FRANÇA, José Augusto, “A Arte em Portugal no século XIX”, Vol. 2, Lisboa, Bertrand, 1966, pp. 168-177. “Mausoléu dos Benfeitores. Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, Lisboa, Santa Casa. 2 de Novembro de 2009. BELO, Elsa, António Augusto Mota Tio, in, Arte e Teoria, N.º 4, 2003, pp. 151164. ANACLETO, Regina et al., O Neomanuelino ou a reinvenção da arquitectura dos Descobrimentos, Lisboa, IPPAR, 1994. QUEIROZ, José Francisco Ferreira, Os Cemitérios do Porto e a arte funerária oitocentista em Portugal. Consolidação da vivência romântica na perpetuação da memória. Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2002, Vol. 1, Tomo II, pp. 175-182. PORTELA, Ana Margarida, QUEIROZ, Francisco, O Cemitério da Conchada. Introdução ao seu estudo, in, Munda – Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 37, Maio de 1999, pp. 65-76. Arquivísticas Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSB/ AGER-N/02/09923 – Escritura de cedência de terreno para construção do jazigo destinado aos Benfeitores da Santa casa da Misericórdia Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Acta da Sessão de 26 de Novembro de 1903. Internet http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=35396, visualizado a 6 de Junho de 2016. 8 - O subsistema hidráulico superior nos jazigos dos Benfeitores da Misericórdia e dos Condes do Ameal 3 66 – 379 379 LAVRADEIRA (Parcial) Postal Colecção da Casa-Museu Teixeira Lopes – Vila Nova de Gaia - Pormenor duma igura de grandes dimensões, bela e expressiva, em que se salienta o detalhe das pinturas das vestes, tratadas com grande minúcia. As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes António Teixeira Lopes Cruz Resumo O escultor José Joaquim Teixeira Lopes (1837-1918), também conhecido como Teixeira Lopes Pai, dedicou-se desde muito cedo à criação de miniaturas em barro cozido, representando costumes populares e pintadas “a carácter”, que constituíram uma pequena mas signiicativa área dentre as diversas que a sua multifacetada produção artística abrangeu. A proliferação de igurinhas e grupos atingiu a dimensão das dezenas e, apostando numa qualidade esculturo/pictórica elevada, conseguiu defrontar e vencer a vasta concorrência que invadia um mercado sôfrego de iguras, mas com limitadas apetências artísticas. De referir que, ao invés do que é sugerido por alguns autores, a magníica produção do género que caracterizou os séculos XVII e XVIII, em Portugal, primacialmente no que se refere a iguras de presépio, não se interrompeu, mas, outrossim, manteve uma continuidade assegurada por artistas de primeira grandeza e por modestos barristas de cariz popular, sem subtilezas ou preocupações artísticas. Palavras-chave: igurinhas em barro cozido, escultores barristas dos séculos XVIII e XIX, José Joaquim Teixeira Lopes, continuidade de produção deste género, concorrência de vários barristas versus procura elevada 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 381 Agradecimentos Não queremos deixar de exprimir o nosso reconhecimento às entidades que, com a sua disponibilidade e apoio, muito contribuíram para que este trabalho se concretizasse: Prof. Engº. Luís Aires-Barros, Presidente da Sociedade de Geograia de Lisboa, que gentilmente autorizou a publicação de fotograias da magníica coleccção de igurinhas da mesma; Dr Delim Sousa, Vereador com o pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e Drª Raquel Martino, da Casa-Museu Teixeira Lopes, pelo apoio e disponibilidade que têm vindo a demonstrar para este e outros trabalhos; Prof. Doutor Francisco Queiroz, que nos aconselhou e forneceu importante e pertinente informação e diversas imagens para estudo; Padre Manuel Pires Bastos, que permitiu a edição de imagens do excelente Presépio da Igreja Matriz de Ovar; Prof. Engº. Armando José Latourrette de Oliveira Pombeiro, que sempre nos incentivou e criou importantes pontes para outras entidades; Sr. Carlos Jorge Martins Pinto Barreira, do Arquivo Histórico Casa Ferreirinha Sogrape, Vinhos S.A., pelo apoio prestado; Familiares, Amigos e Conhecidos, que disponibilizaram incondicionalmente fotograias das suas colecções; Os ilhos do autor, Rita e Tiago Cartageno Ribeiro Lopes da Cruz, responsáveis por várias fotograias de igurinhas/grupos. 382 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz Índice 1. Figuras de Costumes Populares – subgénero no campo da escultura 2. A Modelação e a Pintura 3. A Diversidade 4. As Figuras e os Estudos Etnográicos/Etnológicos 5. Marcas e datação 6. Comercialização 7. Exemplos de iguras 8. Inluências de Artistas so Século XVIII e da Primeira Metade do Século XIX 9. O Presépio de Ovar 10. Apreciações Críticas 11. Participação em exposições 12. Concorrência 13. Coleções 14. Colaboradores 15. Referências e Notas Bibliográicas 16. Bibliograia Adicional Consultada 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 383 1 – José Joaquim Teixeira Lopes junto da sua estátua “Andrómeda” (nº 10 do Catálogo da Fábrica das Devesas), fotograia por ele assinada, dos anos 60 do século XIX, uma das mais antigas que dele se conhecem, pertencente ao autor deste texto. 384 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 1. Figuras de Costumes Populares – subgénero no campo da escultura Este tipo de peças cerâmicas é muitas vezes considerado “menor” do ponto de vista artístico, sobretudo devido à fraca qualidade que transparece de muitas delas, produzidas por barristas destituídos de conhecimentos no campo da escultura, simples “espontâneos” de horizontes limitados e sem preocupações artísticas. Apresentam um carácter tipicamente popular/rústico, por vezes denotando uma certa imaginação criadora. No entanto, este artesanato não deve ser menosprezado, pelo que revela do espírito, gosto e iniciativa dos que nele laboram, e pela sua boa aceitação por uma variada clientela, que com ele se identiica. Mas, tendo sido cultivada por escultores e barristas de renome, com elevada preparação técnica, e reportando-nos apenas a Portugal, tem havido uma produção paralela de alta qualidade, que se materializou, desde os séculos XVII/ XVIII, em iguras isoladas e grupos (presépios, em particular), constituindo verdadeiras obras de arte em miniatura. 2. A Modelação e a Pintura Teixeira Lopes desde o início da sua carreira de artista (1859), quando se instalou no Porto (e mais tarde em Vila Nova de Gaia), dedicou uma parte substancial do seu tempo a modelar de forma sistemática igurinhas de cariz popular (1), em barro de monocozedura, normalmente com olhos de vidro, conforme tradição oral familiar e nossa observação directa de algumas das peças mais antigas (cfr. 5. MARCAS e DATAÇÃO), as quais pintava com as cores naturais, podendo ser foscas ou vidradas. Mas, peças iguais podiam apresentar pinturas com cores totalmente diferentes. Igualmente, as iguras e grupos eram, por vezes, alteradas na sua conformação ao nível de pormenores, porventura aquando da substituição de moldes. A sua altura (sem contar com a base) variava entre 28/33cm e 70cm, para as maiores.(2) As bases caracterizavam-se por serem frequentemente pintadas 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 385 lateralmente com uma textura “marmoreada”, que diferenciava as suas peças das dos concorrentes. Igualmente, criou grupos de iguras, sendo o “Carro de bois” e a “Matança do porco” os mais importantes, tendo igurado na Exposição Cerâmica do Porto de 1882, entre outras. Estas iguras são hoje escassas, verdadeiras peças de colecção, raramente surgindo em leilões ou antiquários. 3. A Diversidade Foram-se assim acumulando Lavradeiras e Lavradores, Varinas e Varinos, Ceifeiras, Leiteiras, Vendedeiras de galinhas, Dançarinos e Tocadores de viola ou gaita de foles, iguras que existiram na realidade (“Urbano”), iguras jocosas (“Frade glutão”, “Matança do porco”), ou representativas de dramas sociais (“Casal de bêbados”, “Grupo de mendigos”), ou em trajes domingueiros, etc. 4. As Figuras e os Estudos Etnográicos/Etnológicos A sua fonte de inspiração principal foi a sua própria observação dos costumes, trajes, proissões, personagens típicas, humorísticas ou que desenvolvem actividades lúdicas, de várias regiões do país. Teixeira Lopes tinha a preocupação do realismo e idelidade nos trajes, adereços, instrumentos, poses e expressões faciais, em todas as suas peças, 386 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz que eram tratadas como pequenas obras de arte, não perdendo qualidade apesar da sua profusão, mesmo nos múltiplos destinados à venda, que não desmerecem dos originais. Estas largas dezenas de estatuetas constituem um notável retrato da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX, de grande valor etnográico e etnológico, focando essencialmente as camadas mais populares. 5. Marcas e Datação As iguras por vezes eram marcadas, na base ou por baixo dela: “FA DAS DEVEZAS A. ALMEIDA COSTA & Cª ” ou assinadas “Teixeirª Lopes (pai) ou (pae)”, “T. L.(pae)”, ou assinadas e marcadas simultaneamente “T. Lopes Pai” e “F. DAS DEVEZAS PORTO”. Teixeira Lopes só adoptou essa assinatura cerca de 1890, a partir do momento em que seu ilho António se revelou um escultor de elevado mérito, e, para se distinguirem facilmente, optou voluntariamente por se secundarizar face ao valor que via irradiar do ilho. A obtenção de uma menção honrosa por parte de António Teixeira Lopes no Salon de Paris, atribuída ao “Caim” em 1890, marca o início do seu reconhecimento a nível internacional e, certamente, inluenciou decisivamente seu pai naquela pouco vulgar e altruística tomada de decisão de conceder toda a ribalta ao ilho, remetendo-se para uma subalternidade imerecida. Este facto permite datar as iguras onde surge a inscrição “pai” (ou idêntica) como sendo posteriores a 1890. As restantes, poderão ser datáveis a partir de 1874, data em que surgiu oicialmente a irma “A. ALMEIDA COSTA & Cª”, ou mesmo antes. Mas, como a maioria das peças que se conhecem não apresentam qualquer marca, assinatura ou data, torna-se difícil situá-las no tempo. “O Mendigo “ data de 1873, como veremos, e conhece-se um exemplar do “Carro de bois” datado de 1877. Mas, Teixeira Lopes, conforme referido acima, já produzia este tipo de estatuetas em 1859, pelo que se pode especular que as peças não marcadas 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 387 poderão ser as mais antigas, que, ao serem multiplicadas num contexto empresarial mais exigente, passaram a ostentar o nome/irma da fábrica e a rubrica/assinatura do seu autor. 6. Comercialização Numa primeira fase, as iguras concebidas por Teixeira Lopes eram vendidas a capelistas e em feiras no Porto e arredores por Raquel, sua mulher.(1) A sua presença posterior em Exposições Nacionais e Internacionais, incluídas na representação da Fábrica de Cerâmica das Devesas, proporcionou-lhes uma grande visibilidade e alargou a respectiva clientela. Os preços constantes do Catálogo da Fábrica de Cerâmica das Devesas de 1910, variavam de 500 (peças pequenas) a 3000 réis (peças de 70cm), em fosco, e de 900 a 5000 réis, em vidrado; os grupos “Carro de bois” e “Matança do porco” eram vendidos a 4500 réis, em fosco, e a 6500 réis, em vidrado. (2) 6. Exemplos de Figuras Nem todas as iguras a seguir apresentadas têm correspondência no referido Catálogo, que compreende 50 peças. Sabe-se que muitas outras foram criadas, tendo a respectiva produção sido descontinuada, sendo a usura dos seus moldes a principal razão. As designações das iguras que correspondem à sua identiicação no Catálogo de 1910 serão assinaladas entre aspas, enquanto as restantes serão atribuição do autor. As 16 fotograias seguintes e respectivas iguras pertencem à colecção da Sociedade de Geograia de Lisboa: 388 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 4 – Ceifeira 5 – “Ceifeira” 6 – Mulher do Fogadeiro 7 – Fiadeira 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 389 8 – “Varina” 9 – “Varina” 10 – Lavradeira 11 – Lavrador 390 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 12 – “Homem dançando” 13 – “Mulher do da viola” (sic) 14 – “Galinheira” 15 – Lavadeira 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 391 16 – Leiteira 17 – Padeira 18 – Mulher de guarda-chuva 19 – “Minhota” 392 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 20 – “Grupo de Cabreiro”. Colecção do autor (Fotograia de Rita Cartageno Cruz) 21 – “Frade”. Colecção e fotograia do autor 22 – “Grupo de Mendigos”. Colecção de familiar do autor (Fotograia de Rita Cartageno Cruz) Uma igura importante de Teixeira Lopes, rica em detalhes bem conseguidos: imagem 20, o pastor a tocar lauta com naturalidade, a cabra a mimar maternalmente o cabrito. Ao conjunto é conferido um adequado ar bucólico. Este frade “glutão”, imagem 21, parodia um certo monaquismo devotado aos prazeres bem terrenos da comida e da bebida... O autor conferiu ao “Grupo de Mendigos, imagem 22, uma certa rigidez, que retrata o acomodamento e a resignação, mas deixa espelhar a miséria, a tristeza e a infelicidade, que perpassam pelas três iguras, talvez da mesma família, mas também o carinho e amparo mútuos, que lhes permite melhor defrontar a adversidade. De realçar o pormenor com que os panejamentos das vestes foram tratados. Teixeira Lopes não se coninou ao espaço nacional, tendo tratado iguras de espanhóis, em particular galegos, que, à época, trabalhavam em Portugal em grande número. Os gaiteiros de foles, imagens 23 e 24, são um interessante exemplo. 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 393 23 – “Galego”. Colecção do autor 24 – “Galego”. Colecção do autor 8. Inluências de Artistas do Século XVIII e da Primeira Metade do Século XIX Imagem do inal do século XVIII/ início do XIX, de autor desconhecido. A Casa-Museu Teixeira Lopes/Galerias Diogo de Macedo possui no seu acervo uma igura igual, mas com indumentária cinzenta. 394 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 25 – Figura feminina. Colecção e fotograia do autor Teixeira Lopes foi o digno continuador dos grandes criadores de presépios e igurinhas avulsas do século XVIII e primeira metade do XIX, que procuraram dotar as suas criações dum cariz popular, sem abdicarem duma superior qualidade de modelação e pintura, que as distinguia da produção vulgar dos oleiros espontâneos. O facto daqueles associarem às suas imagens artísticas preços razoáveis permitiu que elas fossem acessíveis a todas as classes sociais. Destacaram-se os escultores e seguidores da Escola de Escultura de Mafra, onde pontiicou o italiano Alexandre Giusti, mestre estatuário do palácio/convento, Machado de Castro, António Ferreira, Manuel Dias, José Joaquim Leitão, Faustino José Rodrigues, entre outros barristas, cuja arte se materializou sobretudo em magníicos presépios, que constituem “um primor nacional de jovialidade e de mimo e uma das mais características glórias do nosso engenho artístico”, artístico” nas palavras de Ramalho Ortigão (4). Carlo Amatucci De igual modo se salientou o Imaginário do escultor/canteiro italiano Carlo Amatucci (17??-1819), centrado em iguras do clero com 27 a 30 cm de altura (essencialmente frades e freiras), de alta qualidade de execução. José Queirós airma que “Teixeira Lopes (pai) foi o continuador do italiano (Carlo) Amatucci, a quem se devem iguras muito interessantes pelo seu acabamento e pelo seu carácter, que representam, em séries completas, os professos de ambos os sexos das ordens religiosas... ””. Existia uma colecção destas iguras na Quinta das Lágrimas (Coimbra), outra pertencia ao Barão de Forrester e outra ao conde de Monte Real. (5) 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 395 Estas iguras serão datáveis entre o último quartel do século XVIII e 1819, data do falecimento de Amatucci. Se, como supõe José Queirós, estas imagens “são reprodução de outra coleção mais antiga” (5), então esta seria obra de meados do século XVIII. Carlo Amatucci, sendo escultor e ornatista, evidenciou-se sobretudo nas imagens populares e para presépios (pertencendo à conhecida escola neoclássica de artistas napolitanos, que cultivaram esta temática em inais do século XVIII) (6) As três primeiras imagens seguintes pertencem a um colecçionador particular, autor das fotografias. A quarta pertence à colecção do autor (fotografia de Tiago Cartageno Cruz). 26, 27, 28 e 29 – Imagens de Carlo Amatucci O conde polaco Athanasius Raczynski (1788-1874), quando desempenhou funções de ministro da Prússia em Portugal (entre 1842 e 1848), estudou em profundidade a arte portuguesa, tendo registado as suas impressões de reputado crítico e coleccionador de arte em numerosas cartas que enviava à Sociedade Artística e Cientíica de Berlim. 396 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz Na sua 18ª carta, refere uma visita que fez ao Barão de Forrester : “Admirei no escritório do Sr. Forrester grupos em terracota, que ele adquiriu no Porto e em Lisboa e que estavam partidos em mil pedaços quando os comprou. Ele passou vários anos a reunir estes fragmentos”. “...suponho que estas peças sejam espanholas... As obras deste tipo executadas no Porto, embora muito bem feitas, têm menor mérito artístico. Dentro daqueles grupos há iguras com 81cm...Todas estas iguras são pintadas... Nós vemos na Alemanha velhas esculturas em madeira deste género; mas nunca vi em terra (cota) nenhumas que as ultrapassassem artisticamente, excepto agora. É uma parte da arte de que eu não tinha qualquer idéia antes de vir a Portugal” (Tradução livre do francês, da nossa responsabilidade) (7) 30 – Conde Raczinsky, pintura de Augusto Roquemont – Museu Nacional Soares dos Reis As peças da colecção de iguras de religiosos executadas por Amatucci pertencente ao Barão, referida por José Queirós, variam entre 27 a 30 cm de altura e não identiicam as ordens religiosas. Enquanto que as referidas por Raczynski chegam a atingir 81cm de altura (7); são de autoria diferente e a sua origem espanhola não será de excluir. Na colecção de Augusto Luso da Silva (1827-1902) há “exemplares antigos d’esta industria, que remontam talvez á epocha de 1820. São raros e notáveis uma velha, e seu companheiro não menos velho, que parecem modelados sobre as iguras de (David) Teniers (O Novo), com humour.” (8) 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 397 Joaquim da Rocha Gonçalves Mas, o Barão de Forrester tinha uma outra colecção mais recente de iguras de costumes e de imagens de monges de várias ordens, identiicadas nas suas bases em cartelas amareladas frontais, criadas por Joaquim da Rocha Gonçalves e baseadas em desenhos que provavelmente serão do próprio Barão e datáveis dos anos 1850. (9) Joaquim da Rocha Gonçalves tinha oicina de barrista na Rua das Congostas, 23, no Porto, de acordo com um anúncio de 1862 ou 1863, tendo sucedido nessas instalações a Francisco de Pinho, também criador de iguras de barro cozido, religiosas e profanas. (11) Usava fornos de pão para cozer as suas imagens. (11) (12) Foi desalojado desse local no início de 1873, juntamente com outros barristas da mesma rua, por virtude de expropriação e demolição que abrangeu diversos edifícios, com a inalidade de abrir a Rua Mouzinho da Silveira. Naquele local foram mais tarde encontrados muitos moldes cerâmicos (12) e vestígios de uma fábrica cerâmica (13). Emídio Carlos Amatucci Emídio Carlos Amatucci (1811- 1872), ilho de Carlo, instalou, com sucesso, a sua oicina de cantaria de mármore no Porto, na rua de Santa Catarina, onde trabalhou António Almeida Costa, futuro sócio de Teixeira Lopes, que, dada a sua amizade com ele, certamente conheceu Emídio Amatucci e deste terá recebido alguma inluência e informação sobre as obras de seu pai Carlo, sendo provável que possuísse alguns exemplares e permitisse que Teixeira Lopes os observasse. Teixeira Lopes deu, de facto, continuidade à obra de barrista de Carlo, embora orientando-se para os costumes populares e emprestando à sua produção o seu cunho pessoal.(14) (15) 398 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 31 –Monge da Ordem de S. Bruno. Imagens de Joaquim da Rocha Gonçalves 32, 33, 34 e 35 – Imagens de Joaquim da Rocha Gonçalves 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 399 Aliás, Teixeira Lopes colaborou na oicina do escultor João Joaquim Correia de Lacerda, próxima da de Amatucci, não sendo de excluir a hipótese de ter aprendido e/ou modelado pontualmente para este. (15) O próprio Emídio criou estatuetas de costumes, tais como o “Casal de minhotos”, assinado, que foi leiloado pela Leiloeira Cabral Moncada em Dezembro de 2009. (16) 36 e 37 – Casal de Minhotos. Altura da igura maior: 54 cm Emídio ensinou o escultor barrista Manuel José dos Santos, que foi coevo de Teixeira Lopes, como se constatará adiante: “...Este Amatucci (Carlo) ensinou o seu ofício a um tal Santos que vivia na Cordoaria, à Porta do Olival, que, por sua vez, começou a esculpir iguras representativas de certos extractos sociais como, por exemplo, lavradores, moços de lavoura, e representantes de certas proissões e mesteres. Para pintar as suas igurinhas, este Santos utilizava ingredientes que extraía de sementes e com os quais polvilhava os bonecos tentando imitar alguns tecidos como a castorina, o burel, o pano felpudo, o veludo e a lã ina”. Este curioso texto foi escrito por Germano Silva e é citado por Francisco Queiroz. (17) 400 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz Mas, Germano Silva estabeleceu confusão: onde refere Carlos (aportuguesando Carlo) devia ao invés ter nomeado Emídio Carlos, uma vez que Carlo não poderia ter sido mestre de Santos, devido às diferenças geracionais; Santos é mencionado como activo em 1869,1876 e 1909, pelo que é seguro só ter nascido após o falecimento de Carlo. (18) Em conclusão, parece admissível airmar que houve “um io condutor” entre os barristas Barrocos, Neoclássicos e os inseríveis no Romantismo, no que concerne a produção de igurinhas de barro pintadas (ou não), não tendo havido hiatos, já que o seu fabrico se manteve activo para responder a uma procura sempre elevada. (19) 9. Presépio de Ovar Teixeira Lopes criou um grande presépio, que pode ser admirado na Igreja Matriz de Ovar, encomenda de Ferreira Menéres, que o ofertou.(20) A historiadora de arte Soia Vechina aponta a data da doação da maquineta com o presépio: “executado na Fábrica das Devesas cerca de 1860 e atribuído a Teixeira Lopes (Pai)”. Acrescenta que Menéres também ofereceu o órgão do coro-alto, datado de 1862, o que poderá abonar a favor daquela data aproximada, embora as duas doações não sejam funcionalmente complementares. (21) (22) Sucede que nas datas supracitadas a Fábrica das Devesas ainda não existia: só surge em inais de 1865 sob a irma TEIXEIRA & C.ª. A encomenda teria portanto sido feita a Teixeira Lopes directamente, numa época em que já tinha adquirido uma razoável notoriedade pública. É provável que o benemérito tivesse tido oportunidade de apreciar igurinhas de Teixeira Lopes, por ele criadas a partir de 1859, como foi referido, e o considerasse como capaz de construir o presépio a seu contento. Ainal, o que é um presépio, senão um conjunto de igurinhas, embora sujeitas a uma adequada planiicação e a regras ditadas pela tradição, com coerente cenário envolvente? 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 401 402 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 38, 39, 40, 41 e 42 – Fotograias do Presépio O presépio denota características barrocas (em particular a maquineta), desfasadas no tempo, que indiciam que Teixeira Lopes se inspirou directamente nas grandes obras congéneres do século anterior. 10. Apreciações Críticas O escultor José Maria de Sá Lemos, (1892-1971) neto de Teixeira Lopes, escreveu um pequeno, mas signiicativo artigo eivado de ternura e admiração, que constitui um testemunho essencial de alguém que privou com este e presenciou o seu labor. (24) A ele se dirigindo, escreveu: 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 403 “Tu, que conhecias até ao ámago os teus modêlos, reproduzia-los conversando com eles, mesmo ausentes, por que os tinhas dentro de ti, no coração: olha aquele “Aguadeiro”, Tanagra popular da saudosa R. do Laranjal, o que te levava a “Aguadeiro água todos os dias e contigo conversava, aquele que tu curaste de uma grande gripe com uma aplicação de ortigas”. Alcunhou de Tanagras as iguras do avô que, à semelhança das gregas antigas assim designadas, eram de barro cozido e, em geral, de reduzidas dimensões e de propósitos naturalistas. Sá Lemos destaca também o “Urbano”, “igura típica que foi (de Vila Nova de Gaia) e que eu bem conheci e me lembro de ver a caminho do matadoiro, em Stº Ovídio, prestando a sua ajuda fraca mas necessária à sua manutenção. Sempre descalço, o primeiro homem que deixou de usar chapéu” 43 – “Aguadeiro” e 44 – “Urbano” Colecção de famíliar de autor Fotograias de Tiago Cartageno Cruz 404 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz “O Par de Romeiros que em plena romaria estão, ele de caneca do rascante na dextra parece convidar a consorte a partilhar da libação. Tenho a impressão de sentir o odor na pituitária daquele sumo que escorre da vasilha;” 45 – “Grupo de bêbados” Postal. Colecção do extinto Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos – Porto O escultor e crítico de arte Diogo de Macedo, discípulo de António Teixeira Lopes, descreve José Joaquim Teixeira Lopes e a sua produção barrista nestes termos: “...deixou-nos uma formosa colecção de iguras regionais, modeladas em barro e coloridas a capricho, hoje raras e arquivadas em galerias de amadores...” (25) 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 405 O arquitecto Ventura Terra considerava Teixeira Lopes como “o mais notável barrista depois de Machado de Castro”. O escultor Soares dos Reis delirava com o rapaz que leva os bois à soga; dizia: “isto é duma diiculdade atroz, fazer este dorso todo inclinado e sem ser forçado!” (26) O pintor e crítico Joaquim Lopes, também relaciona Teixeira Lopes com os barristas do século XVIII e refere: “Esses curiosíssimos barros de Teixeira Lopes, pai, cuidadosamente e com certo rigor coloridos, já hoje constituem apreciáveis raridades para os nossos coleccionadores de arte”… “Quão longe estamos desse tempo de puros sentimentos artísticos e honestas realizações! Infelizmente não existe comparação possível entre as pequenas igurinhas de costumes populares, que Teixeira Lopes, pai, inteligente e carinhosamente modelou e o que hoje para aí se exibe nos escaparates dos louceiros e bazares mais ou menos pretensiosos….”(27) O escritor Júlio Brandão refere-se às iguras de Teixeira Lopes nos seguintes termos: “...o barrista modela tipos de costumes regionais, na realidade encantadores de sentimento, de movimento, de leveza, ...em que logo sentimos a destreza e o gosto dum artista excepcional” (28) O etnólogo, arqueólogo e tenaz defensor do ensino técnico proissional Joaquim de Vasconcelos, a propósito da Exposição de Cerâmica..., airma: “...O primeiro (Costa, das Devezas) oferece verdadeiros primores, como o typo da mulher de Vianna do Castello, e o grupo do carro de bois nacional...” (29) 9. Participação em Exposições Exposição Universal de Viena – 1873 Foi a primeira vez que a Fábrica Cerâmica das Devesas esteve presente num evento internacional capaz de lhe permitir alargar o seu mercado, através da apresentação dos seus produtos. A empresa preparou-se atempadamente, 406 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 46 – “Mendigo”. Coleção de autor (fotograia de Rita Cartageno Cruz) tendo Teixeira Lopes criado peças especiicamente para este certame: a mais conhecida é a estatueta “O Mendigo” (1873) (30) que, aliás, também teve papel de destaque na Exposição de Filadélia. Figura gritante de verdade, com todos os estigmas próprios da sua dramática condição: roupa rota e desalinhada, perna semi-nua empanada, ferida ou doente, e decorrente muleta, mão estendida a solicitar a caridade duma esmola. Todo o conjunto emociona e apela à generosidade de quem com ele se cruzar. Não obstante, não há exagero na caracterização do personagem: assume um porte digno, olhar frontal sem subserviência, maleitas apresentadas com naturalidade. A modelação é perfeita em todos os pormenores. É uma das mais expressivas e melhores figuras do escultor. Exposição do Centenário em Filadélia – 1876 São expostas 18 iguras de costumes não especiicadas, que serão de 1876 ou anteriores (imagem 47, primeira abaixo) e um numeroso grupo de igurinhas de barro pintadas, de Silva & Santos (imagem 48, segunda abaixo). (31) É bem visível em primeiro plano à direita a referida estatueta “Mendigo” de Teixeira Lopes. Notam-se diversas outras peças da Fábrica. 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 407 O comentário seguinte espelha bem a estranheza e agrado com que a crítica americana encarou as numerosas estatuetas de costumes apresentadas e a sua singularidade: “Muito notáveis eram as únicas e engraçadas igurinhas de barro pintado, por vezes agrupadas numa cena humorística, outras vezes sozinhas, e ilustrativas dos trajes e costumes nacionais. O humor que os portugueses infundiram na sua arte levou a que a secção de cerâmica do seu pavilhão na Exposição do Centenário fosse a sua maior atracção; e combinada com excelentes modelação e cores, cuja natureza diicilmente podemos especiicar, excitou a nossa curiosidade em conhecer os antecedentes históricos artísticos que possam ter existido para a arte que agora escolhe tal expressão” (Tradução livre, a partir da versão em inglês, da nossa responsabilidade). (32) Exposição na Fábrica de Cerâmica das Devesas – 1877 Foi exposta na Fábrica a estátua do Conde Ferreira de Teixeira Lopes e uma colecção de pequenas iguras de costumes. (33) Exposição Universal de Paris – 1878 A Fábrica Cerâmica das Devesas participou com terracotas representando costumes nacionais. (34) Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro – 1879 A Fábrica Cerâmica das Devesas participou com “ceramicas”(35) e iguras de barro representando costumes (36) , tendo sido recompensada com uma medalha de prata. (35) A participação portuguesa a nível de esculturas foi “razoável”, apontandose as “ausências dos nomes mais sonantes da escultura nacional na época, como Soares dos Reis e José Teixeira Lopes, embora este último não terá, certamente, deixado de estar representado na categoria de cerâmica, sócio que era, da fábrica das Devesas, em Gaia e uma das participantes premiadas”. (37) 408 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz Exposição Cerâmica do Porto – 1882 A revista “Occidente” acompanhou a exposição e o seu cronista Manuel Rodrigues dedicou-lhe um artigo, em que se debruça sobre a Fábrica Cerâmica das Devesas. Refere-se a esta em termos favoráveis, bem como aos seus responsáveis, não deixando de incluir os “costumes populares” na descrição das peças expostas. (38) Joaquim de Vasconcelos que descreve detalhadamente todas as colecções expostas, a que acrescenta a sua crítica, também é elogioso ao referir a participação das Devesas: “...uma exposição muito distincta, e que abona o talento do artista modelador da fabrica o snr. Teixeira, socio do snr. Costa...” (39) “O Comércio de S. Paulo” também dedica ao certame uma circunstanciada notícia, donde se extrai o seguinte fragmento: “… Os outros expõem grande numero de typos e costumes das nossas aldêas ruraes e maritimas. A fabrica das Devezas expõe além d’isso diversos grupos, como são: a morte do porco, e o carro de bois. A esculptura que esta fabrica exhibe, torna-se notavel pela correcção de linhas e naturalidade de expressão, sem exaggeros, e a pintura accusa um aturado estudo…” (40) “A Matança do Porco”, importante grupo, pleno de movimento e veracidade, que retrata um dos acontecimentos populares tradicionais mais importantes, aqui tratado de forma humorística: preparando a matança, os dois homens esforçam-se para imobilizar o mais possível o animal; a mulher tratou de “cavalgá-lo”, para ajudar, sendo sacudida pelo porco, que a atira de costas para o chão, icando com uma das pernas no ar. 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 409 Tal Talvez a mais emblemática produção de Teixeira Lopes no domínio das iguras de costumes: o difícil transporte duma pipa num “Carro de Bois”, com um homem à frente a tanger os animais e outro atrás a ajudar na condução e estabilização da pipa, é surpreendente na riqueza de pormenores e na perfeita distribuição, escala e aderência à realidade das várias peças do grupo. Uma notável obra-prima de miniaturização! 49 – “Matança do porco grupo” Colecção do autor (fotograia de Tiago Cruz) 50 – “Carro de bois” (1877) Colecção de familiar do autor (fotograia de Tiago Cruz) Exposição Agrícola da Tapada da Ajuda – 1884 Exposição Industrial Portuguesa – 1888 Exposição Industrial Portuguesa – 1891 Exposição Universal de Antuérpia -1894 A Fábrica de Cerâmica das Devesas participou nestas quatro Exposições, mas só há referência explícita a “estatuetas” relativamente à última. (41) 410 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz Exposição Agrícola e Industrial de Gaia – 1894 A Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devesas expôs “...iguras de barro coloridas, typos populares, typos de rua – o lavrador e a lavradeira maiatas, o agente policial, o vendilhão ambulante, o malandrim... “os trabalhos alli produzidos são excelentes, rivalisando com muitos do estrangeiro”. (42) Exposição Universal de Paris – 1900 Almeida Costa & C.ª participou com materiais de construção e sanitários e numerosas estatuetas representando os tipos dos camponeses do Norte de Portugal. (43) Exposição Cerâmica do Porto – 1901 A Fábrica das Devesas expõe dezenas de peças, que cobrem a quase totalidade da sua variada produção, à excepção das grandes estátuas para exterior, que primam pela sua ausência, inferindo-se, assim, que as iguras de costumes estariam presentes. (44) Exposição Nacional do Rio de Janeiro – 1908 As Devesas apresentaram faianças e materiais de construção, não havendo qualquer referência às estatuetas. (45) Homenagem Póstuma e Exposição promovida pelos Amigos do Mosteiro da Serra do Pilar – 1933 Esta exposição abrangeu grande parte da sua obra, num total de 106 peças, que incluiu 27 estatuetas de costumes. (46) 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 411 12. Concorrência A produção “é abundante, e não satisfaz o consumo. Tudo que estava na exposição foi vendido, muitos grupos tres e quatro vezes”. (47) A elevada procura, que tinha como contrapartida uma abundância de oferta de fabricantes do Porto/Gaia (e não só), traduziu-se para Teixeira Lopes numa aguerrida concorrência que tinha de combater. São conhecidos os principais competidores, que marcaram algumas das suas peças: M. J. Santos (Manuel José dos Santos), de alcunha Chanato, santeiro e escultor popular em barro vermelho instalado em 1869 (48) na Rua das Taipas, 48, cujas marcas são as nºs. 620 (fabrico de 1876) e 125 (fabrico de 1909), conforme atesta José Queirós no Dicionário de Marcas da sua obra “Cerâmica Portuguesa (49) (50) ...que apresentou diversas iguras de costumes em barro pintado, bem modeladas, expressivas e a baixo preço”, na Philadelphia Centennial Exposition (1876), onde se inscreveu sob a irma Silva & Santos (51), na Exposition Universelle de Paris (1878) (52) e na Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro (1879) (53), nas quais também se inscreveu sob a dita irma Silva & Santos; na Exposição Cerâmica do Porto (1882), em que participou com cerca de cinquenta iguras populares retratando “typos das aldeias, menos perfeitos do que os do snr. Costa, mas também mais baratos...” (47) (54) e na Exposição Industrial Portuense (1887), tendo recebido recompensas em todas elas. (54)(55) Participou ainda na Exposição Nacional das Indústrias Fabris de Lisboa (1888), com doze iguras representando “Costumes dos Arrabaldes do Porto”, considerados como a especialidade do fabricante” (1 000 réis cada), um carro de bois (4 500 réis) e imagens (800 réis cada) (55) e na Exposição Cerâmica do Porto (1901), com um Santo António (preço 18 000 réis), uma Senhora da Conceição (5 000 réis), seis frades de diversas ordens (1 200 réis cada), quatro iguras populares (1 000 réis cada) e um carro de bois (5 000 réis). (56) 412 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz “Fabrico de 1876 – marca gravada na pasta... Encontra-se esta marca nas iguras de barro vermelho, encarnadas e de vestes coloridas, que representam, em geral, costumes populares e pequenos industriais do Norte do país”. (49 ) “Fabrico de 1909 – marca gravada na pasta... Além das iguras (costumes populares) tem este artista a especialidade das imagens de culto – Altura média dos santos e iguras profanas é de 0,31”. (50) M. de Sá e Castro Júnior, Porto, que participou com iguras de costumes na Exposição Por Portuguesa no Rio de Janeiro (1879), tendo obtido uma menção honrosa. (61) Martinho de Carvalho e Sousa, Porto, que marcou peças com carimbo com o seu nome em maiúsculas gravado na pasta, imagens 55 e 56. António Carvalho Sousa, que marcou peças (possível familiar do atrás referido Martinho de Car Carvalho e Sousa), imagem 57. António Pinto da Costa, do Porto, que apresentou diversas iguras de costumes em barro pintado na Exposition Universelle de Paris (1878), tendo obtido uma menção honrosa: “uma centena de iguras representando todas as classes, abundam os monges, sobretudo os mendicantes, muitos guitarristas, cenas de costumes, como um sargento da polícia a agaragar rar pelo colarinho um ladrão” (tradução do francês e adaptação da responsabilidade do autor). (60) Participou igualmente na Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro (1879). (61) 51 e 52 – Varina. Marca 620: Manuel José dos Santos. Colecção particular 53 e 54 – Músico. Marca 125: Chanato. Colecção particular Miguel Campolini, da Travessa de S. Sebastião, 14 e 16, Porto, que apresentou uma pequena colecção de iguras de costumes em barro pintado, ao estilo de Manuel José dos Santos, nas “Exposição Internacional do Porto (1865)” (62) e “Exposition Universelle de Paris (1867)” (63), em que recebeu medalhas, 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 413 e nas “Philadelphia Centennial Exposition (1876)” (64), na “Exposition Universelle de Paris (1878)” com igurinhas de costumes dos arredores do Porto (65) e “Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro (1879)”, em que recebeu uma menção honrosa. (61) Joaquim da Rocha Gonçalves, já referido anteriormente (segunda colecção Forrester), que tinha oicina de barrista na Rua das Congostas, 23, no Porto e que participou na Exposição Cerâmica do Porto de 1882 com 27 iguras masculinas das Ordens religiosas, tal como se apresentavam nos anos 30/40 do século XIX. (57) Estas iguras terão tido como modelos uma série de estampas portuguesas, algumas das quais coloridas (58), que, por sua vez, foram buscar inspiração numa publicação inglesa que apresentava desenhos coloridos dos vários representantes das Ordens, masculinos e femininos, além de vários tipos de iguras populares: (59) 55 e 56 – Lavradeira Colecção do autor (fotograia de Tiago Cartageno da Cruz) 57 – Casal de Populares Colecção de particular, que identiicou as peças 414 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz 58 e 59 –Representantes das Ordens Religiosas Tipos coimbrões foram também modelados pelo artista António Augusto Gonçalves (imagens 60 e 61). Na Exposição Cerâmica do Porto de 1882, expôs “uma collecção em barro vermelho cozido, de caricaturas; acabava de crear este género em Coimbra, que também igurou na exposição districtal d’esta cidade em 1884, bem como vasos de fantasia. Esta tentativa valeu-lhe os aplausos dos críticos competentes pela nitidez e beleza da modelação”. (66) 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 415 60 – Estudante. Colecção e fotograia do autor 61 – Catedrático. Colecção e fotograia do autor Mas foi Teixeira Lopes que, primeiro sozinho e depois em sociedade, marcou de forma determinante durante dezenas de anos este ramo artístico. Tanto assim que o Catálogo da Fábrica Cerâmica das Devezas de 1910, já Teixeira Lopes se retirara da empresa, engloba na sua oferta larga quantidade destas igurinhas (cinquenta). (67) Há conhecimento de que muitas outras existiram e que não fazem parte do dito Catálogo, provavelmente porque os respectivos moldes, devido à usura a que foram sujeitos, já não permitiriam a obtenção de exemplares de qualidade. 416 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz Das estatuetas descritas no Catálogo, dez não contêm as imagens correspondentes. Francisco Queiroz conseguiu minorar esta questão, identiicando num catálogo das Devesas da década de 1890 um casal de saloios e uma galega nele ilustrados, bem como apresentando uma fotograia parcial de uma varina, que não é representada em nenhum dos dois catálogos referidos, embora descrita no de 1910. (68) Algumas estatuetas foram fotografadas isoladas ou em conjunto de duas, entre 1868 e 1880, certamente para divulgação comercial. (69) 13. Colecções São conhecidas as colecções da Sociedade de Geograia de Lisboa, considerada a maior do género, da Casa-Museu Teixeira Lopes de Vila Nova de Gaia, da Casa-Museu Fernando de Castro do Porto, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e a do extinto Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos – Porto, as duas últimas actualmente depositadas no Museu de Olaria de Barcelos. 14. Colaboradores Os ilhos de Teixeira Lopes, António e José, na sua juventude, aprenderam com o pai as técnicas de fabrico das igurinhas e passaram a ajudá-lo nesse trabalho, a partir de inais da década de 70, o primeiro, e de meados da de 80, o segundo. António, aos doze anos, fazia olhos de vidro na perfeição, em quantidade que lhe permitiu vendê-los para todos os santeiros do Porto e mesmo para o Brasil. Mas são fantasiosas as referências de alguns autores à alegada vigilância que os dois irmãos teriam feito à banca de feira de sua mãe, para evitar roubos: simplesmente ainda não eram nascidos; quando António, o mais velho, veio ao mundo, em 1866, já a Teixeira & C., precursora da Fábrica de 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 417 Cerâmica das Devesas (70), estava em laboração e a venda em feiras populares já não seria decerto necessária quando António atingiu a idade em que poderia servir de guarda. Existe uma referência a um “escultor Santos”, que seria colaborador de Teixeira Lopes e que, com este “foram os criadores de uma extensa multidão de iguras de barro, documentação etnográica...” (71) É certamente este o José Manuel dos Santos, discípulo de Emídio Amatucci, acima referido (no capítulo 12. CONCORRÊNCIA), que deve ter trabalhado com Teixeira Lopes antes de se estabelecer por conta própria (1869, pelo menos), ou em sociedade (“Silva & Santos”) (desde 1876, pelo menos), embora possa eventualmente ter colaborado de alguma forma depois desta data. 15. Referências e Notas Bibliográicas (1) Mourão, Ramiro - “Exposition de travaux de Teixeira Lopes (père), sculpteur et céramiste”, 1933 , pgs. 9, 18, 19 e 20 (adaptação em francês, manuscrita) (2) Catálogo da Fábrica de Cerâmica das Devesas de 1910 (3) Mourão, Ramiro - “Exposition de travaux de Teixeira Lopes (père), sculpteur et céramiste”, 1933 , pg. 9 (adaptação em francês, manuscrita) (4) Ramalho Ortigão, José Duarte – “Arte Portuguesa” – Tomo II, pgs. 15 e 167 (5) Queirós, José - “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987, pg. 231 (6) Queiroz, Francisco – “Os Amatucci – três gerações de uma família de artistas”, pgs. 223 e 224, in http://ler.letras.up.pt/uploads/icheiros/6145. http://ler.letras.up.pt/uploads/icheiros/6145.pdf página visitada em 2 de Março de 2014 418 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz (7) Raczynski, Athanasius – “Les Arts en Portugal”, Paris, 1846, pg. 388 (8) Vasconcelos, Joaquim – “Ceramica Portugueza” Série II, Porto, 1884, pg. 101 (9) Cordeiro, Augusto – “As ordens religiosas em Oeiras” in http://www. oeirascomhistoria.pt/as-ordens-religiosas-em-oeiras/ página visitada em 19 de Setembro de 2015 (10) Cinco peças pertencentes à Sogrape Vinhos, SA, que iguraram na “Exposição Barão de Forrester: Razão e Sentimento. Uma História do Douro (1831-1861)”, realizada no Museu do Douro, Régua, 2008, e constantes do respectivo catálogo; autor das fotograias desconhecido (11) Pacheco, Helder - “Porto”, Editorial Presença, 1984, pg. 92 (12) Martins, Carla Maria Braz e Abranches, Paula Barreira – “Memória (I) material da Praça do Infante”, Porto, pg. 5 in http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:s98pEG38EzsJ:ler.letras.up.pt/uploads/icheiros/10405.pdf+&cd=3&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt página visitada em 23/3/2016 (13) opus citada na Nota (12), pg. 8 (14) Queiroz, Francisco – “Os Amatucci – três gerações de uma família de artistas”, pg. 225 in http://ler.letras.up.pt/uploads/icheiros/6145.pdf página visitada em 2 de Março de 2014 (15) Queiroz, Francisco – “Um Virtuoso do Mármore”, in Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, Dezembro de 1997, pgs. 49-54 (16) http://www.cml.pt/cmleiloes.nsf/artigos/799717E3F4D7C4A802576 88039A862 página visitada em 20 de Março de 2014 (17) Queiroz, Francisco – “Os Amatucci – três gerações de uma família de artistas”, pg. 224 in http://ler.letras.up.pt/uploads/icheiros/6145.pdf página visitada em 2 de Março de 2014 (18) Ver capítulo 12. CONCORRÊNCIA (19) Vasconcelos, Joaquim - opus e página citadas Nota (8) (20) Bastos, Manuel Pires in “Os Ferreira Menéres de Ovar”, artigo publicado no jornal “João Semana” de 1/10/2009 (21) Vechina, Soia – “A Igreja Matriz de Ovar nos séculos XVII-XIX: obras e artistas, pg 534, 2010 in http://www.cepesepublicacoes.pt/portal/pt/obras/a-encomenda.-o-artista.-a-obra/a-igreja-matriz-de-ovar-nos-seculos-xvii-xix-obras-e-artistas (página consultada em 16-06-2015) (22) http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt/2009/02/familia-ferreira9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 419 meneres-de-ovar-texto.html (página consultada em 16-06-2015) (23) http://paroquiaovar.blogspot.pt/2013/12/presepio-da-igreja-matriz-de-ovar.html (página consultada em 16-06-2015) (24) Sá Lemos, José Maria de – “O Avô, alma de artista – Teixeira Lopes (Pai)” in Boletim Cultural de Gaia, nº 2, Novembro de 1966, pgs. 29, 30 e 31 (25) Macedo, Diogo de – “Gaia a de nome e renome”, Lisboa, 1938, pg. 42 (26) Teixeira Lopes, José Marcel – Memórias dactilografadas, pg. 40 (27) “Revista de Guimarães”, nº 59, 1949, pgs. 149, 158 (28) Brandão, Júlio – “Festa de amor e de arte – No atelier de Teixeira Lopes” in “Atlântida” nº 16, de 15 de Fevereiro de 1917, pg. 248 (29) Vasconcellos, Joaquim – “Ceramica Portugueza” Série II, Porto, 1884, pg. 100 (30) “O Commercio do Porto”, nº 30 de 5 de Fevereiro de 1873, pgs. 1 e 2 (31) “International Exhibition, 1876 at Philadelphia – Portuguese Special Catalogue”, Class nº 400, pgs. 88 a 90 (32) Young, Jennie – “The Ceramic Art. The History and Manufacture of Pottery and Porcelain”; New York, Harper & Brothers publishers, 1878, pg. 239. (33) Leão, Manuel - “A Arte em Vila Nova de Gaia”, pg. 128 (34) “Catalogue Spécial de la Section Portugaise”, a l’Expositon Universelle de Paris en 1878, Paris, Imprimerie Typographique de A. Pougin, 1878, groupe III, classe céramique, pg. 28 (35) “Revista da Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro em 1879”, Responsável: Dr. Domingos J. B. de Almeida, 1879, pg. 185 (36) “Gazeta da Noite”, Rio de Janeiro, 14 de Agosto de 1879 (37) Neto, Maria João – “A Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro em 1879: Ecos de um Diálogo entre Arte e Indústria” in “Oitocentos, Intercâmbios Culturais entre o Brasil e Portugal”, Tomo III, pg. 368, ed CEFET/RT 2ª ed., Rio de Janeiro, 2014 (38) “Occidente”, vol VI, nº 150, de 21 de Fevereiro de 1883, pgs. 45 e 46 (39) Vasconcelos, Joaquim de – “Ceramica Portugueza” Série II, Porto, 1884, pg. 59 (40) “O Comércio de S. Paulo”, de 13 de Novembro de 1882 (41) “Exposition Universelle d’Anvers 1894 – Catalogue Oiciel Général, Typographie et Litographie Adolphe Mertens, pg. 683 420 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz (42) Firmino, Pereira – “Centenário do Infante D. Henrique”, editores Magalhães & Moniz, Porto, Março de 1894, pgs. 158, 159 (43) “Exposition Universelle Internationale de 1900 – Rapports du Jury International”, Paris, Imprimerie Nationale, 1902, pg. 79 “Céramique” (44) “Catalogo da Exposição de Ceramica do Porto”, ed. Typograia Universal – a Vapor, 1901, pgs. 31 a 35, incl., 1901 (45) Seixas dos Santos, Regina Maria – “Portugal na Exposição Nacional do Rio de Janeiro – 1908”, Dissertação de Mestrado, FLUP, 1999, pg. 176 (46) Mourão, Ramiro – “Exposition de travaux de Teixeira Lopes (père), sculpteur et céramiste”, 1933 , pgs. 30 e 31 (adaptação em francês, manuscrita) (47) Vasconcelos, Joaquim – “Ceramica Portugueza” Série II, Porto, 1884, pg. 101, opus citada na Nota (8) (48) ) “International Exhibition, 1876 at Philadelphia – Portuguese Special Catalogue”, Class nº 400, pgs. 88 a 90 - opus e pgs. citadas Nota (31) (49) Queirós, José – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987 – opus citada, pg. 320 (50) Queirós, José – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987 – opus citada, pg. 270 (51) “International Exhibition, 1876 at Philadelphia – Portuguese Special Catalogue”, Class nº 400, pgs. 88 a 90 – opus e pgs. citadas Notas (31) e (48) (52) “Catalogue Spécial de la Section Portugaise”, a l’Expositon Universelle de Paris en 1878, Paris, Imprimerie Typographique de A. Pougin, 1878, groupe III, classe céramique, opus citada Nota (34), pg. 29 (53) “Revista da Exposição Portugueza do Rio de Janeiro em 1879”, Responsável: Dr. Domingos J. B. de Almeida, 1879, opus citada Nota (35) pg. 188 (54) Lepierre, Charles – “Estudo Chimico e Technologico sobre a Ceramica Portugueza Moderna”, Imprensa Nacional, Lisboa, 1899, pgs. 166 e 167 (55) “Catálogo da Exposição Nacional de Industrias Fabris”, em Lisboa, 1888, pg. 323. Informação gentilmente fornecida por Francisco Queiroz (56) “Catalogo da Exposição de Ceramica promovida pelo Instituto Portuense de Estudos e Conferencias efectuada no Palacio de Crystal (1901)”, pg. 54, Porto, ed. 1901 (57) Vasconcellos, Joaquim – “Ceramica Portugueza” Série II, Porto, 1884, pg. 101 - opus citada nas Notas (8) (19) (29) (39) (47) (58) Reunidas na obra “Galeria das ordens religiosas e militares desde a 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 421 mais remota antiguidade até aos nossos dias”, Porto, 1843, Typographia na Rua Formosa nº 92 (59) Kinsey, Rev . W. M., B. D. – “Portugal Illustrated; in a séries of letters”, London 1829, publicação do autor, 2ª edição (sendo a 1ª em 1827) (60) “L’ Exposition Universelle de 1878 Illustré” nº 156; Paris, pg. 807 (61) “Revista da Exposição Portugueza do Rio de Janeiro em 1879”, opus citada nas notas (35) (53), pg. 188 (62) “Catálogo da Exposição Internacional do Porto – 1865”, pg. 98 (63) “Exposition Universelle de 1867 a Paris Catalogue Général – première partie”, Paris, E. Dentu, éditeur, pg. 114 (64) “International Exhibition, 1876 at Philadelphia – Portuguese Special Catalogue, Class nº 400, pgs. 88 a 90 – opus e pgs. citadas Notas (31) (48) (51) (65) ) “Catalogue Spécial de la Section Portugaise”, a l’Expositon Universelle de Paris en 1878, Paris, Imprimerie Typographique de A. Pougin, 1878, groupe III, classe céramique, opus citada Notas (34) (52), pg. 27 (66) Lepierre, Charles – “Estudo Chimico e Technologico sobre a Ceramica Portugueza Moderna”, Imprensa Nacional, Lisboa, 1899, opus citada Nota (54), pg. 167 (67) Catálogo da Fábrica de Cerâmica das Devesas de 1910, opus citada na Nota (2) (68) Queiroz, Francisco – “Os Catálogos da Fábrica das Devesas”, Chiado Editora, 2016, pg. 62 (69) Queiroz, Francisco, opus citada, pgs. 37 e 38 (70) Queirós, José – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987 – opus citada, pg. 323, marca 648 (71) “Panorama: revista portuguesa de arte e turismo”- vol. 3, 1956 16. Bibliograia Adicional Consultada Teixeira Lopes, António – “Ao correr da pena, memórias de uma vida”, Gaia, Câmara Municipal de Gaia, 1968 Teixeira Lopes, Manuel Ventura – “Biograia de Mestre Teixeira Lopes” – centenário do seu nascimento, 1966, edição dactilografada 422 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” António Teixeira Lopes Cruz Macedo Júnior, Diogo José (Mem Bugalho) – “Soares dos Reis”, Porto, Marques Abreu editor, 1937 “Guia de Portugal”, 4º volume, edição Fundação Calouste Gulbenkian Ramalho Ortigão, José Duarte, – “Crónicas Portuenses” (1859-1866), Livraria Clássica Editora, A. M. Teixeira & C.ª, Lisboa, 1944 Ramalho Ortigão, José Duarte – “Arte Portuguesa” – Tomos I e III, Livraria Clássica Editora, A. M. Teixeira & C.ª, Lisboa, 1947 França, José-Augusto – “A Arte em Portugal no século XIX”, 2 Vols., Lisboa, Livraria Bertrand Editora, 1966 Brandão, Júlio – “Galeria das Sombras”, Porto, Livraria Civilização editor Fialho D’Almeida, José Valentim - “ Barbear, Pentear” - Livraria Clássica Editora, A. M. Teixeira & C.ª, Lisboa, 1910 Conde D’Aurora – “Itinerário Romântico do Porto, Porto, Editorial Domingos Barreira, 1962 Portela, Severo – “A Cidade do Porto” – Porto, Companhia Portugueza Editora “Museu” vol I nº 2 Setembro de 1942, publicação do Círculo Dr. José Figueiredo Rio-Carvalho, Manuel – “História da Arte em Portugal”, vol. 11 – “Do romantismo ao im do século”, Lisboa, Publicações Alfa Cordeiro, Luciano – “Segundo Livro de Critica”, Porto, Typographia Lusitana Editora, 1871 “Soares dos Reis – In Memoriam”, organizado pela Escola de Belas artes do Porto, Litograia Nacional, 1947 Figueiredo, Antero de – “Jornadas em Portugal”, Lisboa, Tipograia da Emprêsa Diário de Notícias, 1919 Ribeiro Arthur, Bartholomeu – “Arte e artistas Contemporaneos”, Lisboa, Livraria Ferin, 1898 Leão, Manuel – “A Cerâmica em Vila Nova de Gaia”, Fundação Manuel Leão, 1999 9 - As Figuras de Costumes Populares de José Joaquim Teixeira Lopes 380 – 423 423 Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931), elementos de uma família de artistas ativos no Porto e em Vila Nova de Gaia, entre o século XVIII e o século XX Susana Moncóvio1 Resumo Embora o título destaque apenas os elementos do sexo feminino, este estudo foca três gerações de uma família de artistas ativos no Porto e em Vila Nova de Gaia, dos inais do século XVIII até ao século XX. Damos a conhecer aspetos biográicos, a formação, o exercício e os mecanismos de representação artística de António Simões Pereira de Vasconcelos (ativo entre 1805 e 1819), retratista e pintor de lores; o seu genro, Manuel da Fonseca Pinto (1802-1882), escultor, docente e diretor da Academia Portuense de Belas-Artes; Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e Eduardo da Fonseca Vasconcelos (1835-1913), ilhos deste; e uma prima, Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931). Esta abordagem diacrónica compreende um período de convulsões sociais, políticas e militares, bem como profundas alterações no quadro das mentalidades, em consonância com a transição de uma sociedade do Antigo Regime para uma sociedade sob regime liberal, mas, sobretudo, permite reforçar a nossa linha de investigação sobre a educação pelas Belas Artes e a construção social da igura da Mulher Artista. Palavras-chave: Ensino Artístico; Mulheres Artistas; Porto; Vila Nova de Gaia; século XIX 1 Membro do grupo informal «Saudade Perpétua». Licenciada, Mestre e Doutora em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Investigadora do CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória». Investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património, grupo de trabalho da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 425 Introdução Embora com pouca expressão na historiograia portuguesa, os estudos de núcleos familiares de artistas permitem conjugar múltiplas perspetivas biográicas, evidenciar contextos de formação, exercício proissional e representação artística, além de dinâmicas pessoais e interpessoais na longa duração. A vantagem desse tipo de abordagem icou patente na projeção que os Almeida Furtado alcançaram na história da arte portuguesa com a exposição que decorreu no Museu Grão Vasco, em 1998, atendendo aos estudos desenvolvidos e publicados no respetivo catálogo2. A pesquisa efetuada sustentou conhecimento e conferiu notoriedade a uma família visiense que se tornou uma referência nacional no domínio da pintura em miniatura, através das obras do patriarca, José de Almeida Furtado, o Gata (1778-1831), ativo localmente e em Espanha, e dos seus ilhos, Tadeu Maria de Almeida Furtado (1813-1901), Francisca de Almeida Furtado (1826-1918), Doroteia de Almeida Furtado (n. 1829), Maria das Dores de Almeida Furtado (m. 1842), Eugénia de Almeida Furtado e Rosa de Almeida Furtado. Estabelecidos no Porto após a morte do progenitor, Tadeu Maria de Almeida Furtado ingressou na docência da Academia Portuense de Belas Artes como segundo agregado, em 1837, efetuou concurso e foi nomeado professor substituto de Desenho Histórico, em 1843. A sua carreira estendeu-se por quatro décadas, pelo que foi responsável pela formação de gerações de artistas, jubilou-se em 1881 e foi substituído por João Marques da Silva Oliveira (18531927). Simultaneamente, orientou o ensino particular de desenho e de pintura (coadjuvado pelas irmãs) e deu aulas em colégios femininos, no que foi seguido por sua irmã Francisca. Os Almeida Furtado partilharam com alguns dos elementos que integram este estudo o mesmo espaço institucional e o ambiente sociocultural, contudo, devemos salientar o seu inluente papel no desenvolvimento da educação artística das mulheres portuenses3. 2 Cf. FERREIRA, 1998. 3 Francisca de Almeida Furtado granjeou em vida o reconhecimento dos pares, que lhe valeu a nomeação como académica de mérito da Academia Portuense de Belas Artes, em 1852, juntamente com a irmã Doroteia de Almeida Furtado, e o favor do público, já que manteve uma assídua participação em exposições locais e no estrangeiro, destacando-se em pintura de miniatura, embora seja de salientar o seu contributo para a difusão da técnica da aguarela. Os Almeida Furtado, e outros artistas, foram responsáveis pela educação artística das mulheres da burguesia portuense, no ambiente doméstico e escolar, pela exposição da 426 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Este I Colóquio Saudade Perpétua proporcionou a oportunidade para apresentar uma comunicação que concilia as duas vertentes. Por um lado, ampliar a historiograia, dando a conhecer contextos de aprendizagem, métodos, tipologias de produção, exposições e mecanismos de representação de uma família ativa no Porto e em Vila Nova de Gaia, entre os inais do século XVIII e o século XX, aqui representada por António Simões Pereira de Vasconcelos (ativo entre 1805 e 1819), retratista e pintor de lores; o seu genro, Manuel da Fonseca Pinto (1802-1882), escultor, docente e diretor da Academia Portuense de Belas-Artes; Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e Eduardo da Fonseca Vasconcelos (1835-1913), ilhos deste; e ainda uma prima destes dois últimos, Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931). Por outro, enfatizar a presença e atividade dos elementos femininos, motivo pelo qual foram nomeadas no título da comunicação, como forma de potenciar a linha de investigação que temos vindo a desenvolver sobre o processo de construção social da Mulher Artista na sociedade portuguesa de oitocentos, e no contexto portuense em particular4. 1.ª Geração: António Simões Pereira Vasconcelos (ativo entre 1805 e 1819) António Simões Pereira Vasconcelos era natural da região bracarense, casou com Ana Albina Januária de Sousa Vasconcelos, da freguesia de São Nicolau, Porto, tendo desta união nascido, em 1799, uma ilha, Cândida Peregrina Pereira e Vasconcelos (1799-1886)5. [Fig.1] sua produção, e inluenciaram a perceção pública quanto à igura da Mulher Artista, um tema desenvolvido no nosso mestrado, mas que temos vindo a aprofundar nos estudos realizados desde então, procurando individualizar percursos, contextos, estratégias e processos de airmação artística das mulheres. – Cf. MONCÓVIO, 2009, I, II. 4 Este tema tem vindo a ser desenvolvido e aprofundado em outros contextos nacionais, nomeadamente em França e Inglaterra. - Cf. BODINIER, 2009: 175-185, 419-433; - Cf. CHADWICK, 2007: 175-204. 5 Estudo analítico: Tabela I. Não foi possível conirmar e documentar a sua ligação familiar a um ourives ativo no Porto, de acordo com a informação veiculada pelo Professor Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa, a quem agradecemos. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 427 1 – Retrato de António Simões Pereira de Vasconcelos ANÓNIMO, 1908: 221. 428 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Embora sem data deinida, é apontado como um dos alunos da Aula de Debuxo6, pelo que integrou a geração que beneiciou do ensino estabelecido no Porto durante o período pombalino pela Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (entidade criada em 1756)7. Recordamos a importância da Aula de Náutica (30-07-1762), onde os alunos aprendiam «desenho de máquinas e instrumentos, cartas geográicas e topográicas dos países, plantas das cidades, de embarcações», entre outras aplicações práticas, matérias estas que interessavam a «fabricantes, artistas, oiciais, aprendizes e marinheiros»8. Mas a frequência da Aula de Debuxo e Desenho (27-11-1779), criada por D. Maria I (1734-1816)9, a qual teve início em 17 de fevereiro de 1780 e foi dirigida por António Fernandes Jácome, terá colocado António Simões Pereira de Vasconcelos em contacto com o ensino pelas «regras básicas do debuxo, passando às partes do corpo humano, objeto dos dois reinos da natureza animal e vegetal», o «desenho de máquinas, instrumentos e operações próprias de cada diferente arte»10. Talvez já não fosse aluno da instituição quando a direção da escola foi entregue a Francisco Vieira, o Portuense (1765-1805), o que ocorreu em 1800, nem assistisse à abertura solene da Academia de Desenho e Pintura (14-061802), cujo projeto pedagógico foi integrado no ensino da Academia de Marinha e Comércio do Porto (09-02-1803), instituição que ministrava aulas de Matemática, Comércio, Línguas Francesa e Inglesa, Náutica e Desenho11. Tornou-se irmão da Santa Casa da Misericórdia do Porto (S.C.M.P.) pouco depois de 1799, atendendo à data de abertura do livro (iniciado em 1799) e ordem de entrada do registo: 6 FERREIRA-ALVES, 2008: 336. 7 SOUSA, 2003: 299-339. Sobre a situação dos ofícios no período anterior consultar António Cruz. – Cf. CRUZ, 1943. 8 A Aula de Náutica teve em vista a construção e conservação de duas fragatas destinadas à escolta do comércio marítimo, solicitadas pelos homens da praça do Porto (alvará de 25-11-1761). – Cf. SANTOS, 1980:9;16. A gravura «Vista da cidade do Porto desde a Torre da Marca até às Fontainhas, realizada por Manuel Marques de Aguilar, em 1799, permite objetivar o ensino ministrado na Aula de Náutica e de Desenho. 9 A Aula pública de Desenho e Debuxo foi inanciada com o produto do imposto que incidia sobre as fragatas. – Cf. SANTOS, 1980:19. 10 SANTOS, 2003:23. 11 A Academia de Marinha e Comércio do Porto foi criada em 9 de fevereiro de 1803, a pedido dos homens de negócios do Porto, sob proteção do príncipe regente [futuro D. João VI]. – Cf. SANTOS, 1980: 26,32; SANTOS, 2006. I:42-49. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 429 «Registo N. º 129 – António Simões Pereira de Vasconcelos. Ourives ao Paraíso [Lapa], ou Retratista morador na Rua Chã [Sé], casado com Ana Albina Januária de Sousa Vasconcelos. Faleceu. Pediu em Agosto de 1804 e em Setembro de 1807»12. Entre 1805 e 1818 pintou oito retratos para a Galeria dos Benfeitores da Misericórdia do Porto, dos quais foi possível localizar seis, adiante designados (apenas três com ilustração), mas também fez trabalhos de douramento, molduras e restauro de pinturas, documentados até 181913. Neste período, faziam ainda parte da lista de pagamentos da instituição, entre outros, os pintores José Vicente Magalhães Queirós, em 1812, Luís Augusto Correia Leal, em 1814, e Joaquim Rafael (1783-1864), em 1815 e 181914. 2 – Retrato de Manuel Teixeira de Carvalho, 1805 António Simões Pereira de Vasconcelos S.C.M.P. - Inventário RT0267 3 – Retrato de António Ribeiro de Faria, 1806 António Simões Pereira de Vasconcelos S.C.M.P. - Inventário RT0265 12 A.H.S.C.M.P., 11v; SOUSA, 1999:321. 13 MORAIS, 2001, I: 122-123. 14 MORAIS, 2001; I:81. 430 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Respeitando a cronologia, o primeiro pagamento efetuado a António Simões Pereira Vasconcelos data de 23 de julho de 1805, tendo recebido 3.200 reis pelo retrato de Manuel Teixeira de Carvalho (m. 21-04-1805) [RT0267] 15. A pintura apresenta uma reduzida paleta cromática e a igura em traje civil, casaca e chapéu tricórnio, que se antepõe ao fundo arquitetónico, acusa deiciências ao nível do desenho anatómico e da expressão plástica em geral. [Fig.2] No dia 5 de julho de 1806, recebeu 38.400 reis pela execução de dois retratos. O primeiro, representa António Ribeiro de Faria (m. 25-09-1805) [RT0265] 16 sentado a escrever, rodeado de livros. Embora a pintura cumpra a caracterização geral do indivíduo, não ilude as deiciências do artista no tratamento da perspetiva e da anatomia. [Fig.3] 15 Retrato a óleo sobre tela (900x850mm), inscrição: «Manuel Teixeira de Carvalho. Faleceo em 21 de Abril de 1805», no Hospital de Santo António, Porto. S.C.M.P. – Inventário RT0267. – Cf. A.H.S.C.M.P. – Série L/Banco 6/ n.º 8, l. 65. – Cf. MORAIS, 2001, I: 35; II: 62; III: 19. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 431 O segundo, mostra a igura de Manuel Silvestre Ferreira [RT0021]17 em posição frontal, com vestes de eclesiástico, tendo um livro aberto sobre os joelhos, uma iconograia que alude à obra que escreveu em 1771, intitulada «Memórias da Sancta Igreja de Cedofeita e da sua insigne, e real Collegiada»18. No dia 4 de julho de 1807, o pintor recebeu 23.000 reis pelo retrato do conselheiro José Lopes da Silva (m. 06-03-1807), [RT0272]19. A composição mostra o benfeitor numa postura convencional, junto dos objetos do seu quotidiano, mas a carecterização dos traços isionómicos consegue sobrepor-se ao fraco domínio técnico já apontado antes. [Fig.4] A 20 de maio de 1810, Pereira Vasconcelos recebeu 19.200 reis pelo retrato de António Sousa Melo (uma obra não localizada)20. A 30 de novembro de 1818, recebeu 57.600 reis por conta de três novos retratos para a Galeria dos benfeitores21: o retrato do Doutor Simão, uma obra documentada, mas não catalogada ou localizada22; o retrato de Luís António Teixeira (m. 23-05-1818), referido como lapidário e ourives [RT0039]23, e o retrato de Margarida Inácia da Silva Barros (m. 02-05-1818), [RT0123]24, sendo que, estas duas últimas exibem traços isionómicos rudes e a mesma insuiciência ao nível do desenho anatómico. 16 Retrato a óleo sobre tela (1000x850 mm) com a inscrição: «Ant.º Rib.º de Faria Bemfeitor desta S.ª Caza Faleceo em 25 de 9.bro de 1805», no Hospital de Santo António S.C.M.P. – Inventário RT0265. – Cf. A.H.S.C.M.P. - Série L/Banco 6/ n.º 9, l. 65v. - Cf. MORAIS, 2001, II: 62; III: 20. 17 Retrato a óleo sobre tela (1000x800mm), tem a inscrição: «O N. I. RDO. DOR. Manoel Silvestre Ferreira», colocado nas repartições centrais da Santa Casa. S.C.M.P. – Inventário RT0021 – Cf. A.H.S.C.M.P. – Série L/Banco 6/ n.º 9, l. 65v. – Cf. MORAIS, 2001, I: 35; II: 62; III: 21. Agradecemos à S.C.M.P. o registo iconográico, mas atendemos ao pedido de não o publicar (mau estado). 18 «Memórias da Sancta Igreja de Cedofeita e da sua insigne, e real Collegiada». [Manuscrito: oferecidas aos singulares patronos da mesma Jesus, Maria e S. Martinho e subdedicadas ao Sereníssimo Senhor D. Gaspar, Arcebispo e senhor de Braga, Primaz das Hespanhas], 1771. [D. Gaspar de Bragança (1758-1789)] 19 Retrato a óleo sobre tela (1070x900mm) com a inscrição: «Jose Lopes da Silva. Fal.ceo em 6 de Março de 1807»; no Instituto Araújo Porto. S.C.M.P. – Inventário RT0272. o valor pago corresponde a 19.200 reis pelo retrato, 1.400 reis pelo caixilho e 2.400 reis pelo douramento. – Cf. A.H.S.C.M.P. – Série L/Banco 6/ n.º 10, l. 61. – Cf. MORAIS, 2001, II: 63; III: 22. 20 A.H.S.C.M.P. – Série L/Banco 6/ n.º 12, l. 53v. – Cf. MORAIS, 2001, II: 63. 21 A.H.S.C.M.P. – Série L/Banco 6/ n.º 21, l. 110v. – Cf. MORAIS, 2001, II: 66. 22 MORAIS, 2001, II:66. 23 Retrato a óleo sobre tela (1000x800mm), contém a inscrição: «Luís António Teix.ra Bemfeitor desta St.ª Caza de Misericordia. Faleceu em 23 de maio de 1818». S.C.M.P. - Inventário RT0039. – Cf. A.H.S.C.M.P. –Série L/Banco 6/ n.º 21, l. 110v. – Cf. MORAIS, 2001, I:38; II: 66; III:28. Agradecemos à S.C.M.P. o registo iconográico, mas atendemos ao pedido de não o publicar (mau estado). 24 Retrato a óleo sobre tela (1030x830 mm), com a inscrição: «A N. Bemfeitora D. Margarida Ignacia da Silva Barros. Falecida em 2 de Mayo de 1818», colocado no Instituto Araújo Porto. S.C.M.P. – Inventário RT0123. – Cf. A.H.S.C.M.P. – Série L/Banco 6/ n.º 21, l. 110v. – Cf. MORAIS, 2001, I:38; II: 66; III: 29. Agradecemos à S.C.M.P. o registo iconográico, mas atendemos ao pedido de não o publicar (mau estado). 432 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Em fevereiro de 1818, recebeu a quantia global de 72 mil reis, correspondendo à execução do painel «Ecce Homo» (38.400 reis), por «retocar» o retrato do Bispo D. Nicolau Monteiro (14.400 reis) e um adiantamento para prosseguir com outros retratos (19.200 reis)25. Em agosto de 1819, foi pago por diversos trabalhos efetuados no ano anterior 26. Data de 1819 o último registo de pagamento da S.C.M.P. ao pintor, a quantia de 19.200 reis metal por serviços prestados (relativos a 1818)27. 4 – Retrato de José Lopes da Silva, 1807 António Simões Pereira de Vasconcelos S.C.M.P. - Inventário RT0272 25 A.H.S.C.M.P. - Série L/Banco 6/ n.º 21, l. 80 (05-02-1818). Vd. MORAIS, 2001, II: 65. 26 A.H.S.C.M.P. - Série L/Banco 6/ n.º 22, l. 107v (21-08-1819). Vd. MORAIS, 2001, II: 97. 27 A.H.S.C.M.P. - Série L/Banco 6/ n.º 22, l. 107v. - Cf. MORAIS, 2001, II: 97. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 433 Referido como um «notável pintor portuense» no domínio do retrato28 e um «apreciável pintor de lores»29, Pereira Vasconcelos encontrava-se no início do século XX quase completamente esquecido, pelo que, devemos a Eduardo da Fonseca e Vasconcelos (1835-1913), seu neto e colaborador artístico do periódico portuense O Tripeiro, a publicação de memórias e elementos iconográicos que se encontravam na sua posse. Em 1908, surgiu um retrato desenhado, representando Pereira Vasconcelos com os atributos da sua proissão: sentado diante do cavalete, com um pincel numa mão e a paleta na outra 30. [Fig.1] Em 1909, por ocasião do centenário do desastre da ponte das barcas (em 29 de março de 1809, evocando um episódio da segunda invasão francesa, no âmbito da Guerra Peninsular), O Tripeiro publicou dois apontamentos gráicos copiados por originais da sua autoria: um «croquis tirado do natural pelo pintor António Simões, testemunha ocular d´ella. (Da colecção de seu neto Eduardo de Vasconcellos)» 31 [Fig.5]; e a cópia de uma «aguarela, não concluída, do pintor portuense António Simões Pereira de Vasconcellos, testemunha presencial da tragédia e avô do nosso collaborador artístico snr. Eduardo da Fonseca Vasconcellos» 32. [Fig.6] Embora tenha sido em determinada altura atribuído a Pereira de Vasconcelos (O Tripeiro, em 190933), o painel que evoca o desastre das barcas, existente na capela das Almas, da Irmandade das Almas, na igreja de São José das Taipas, encontra-se, efetivamente, assinado por A. da Cunha e datado de 184534. Documentalmente, a última referência à sua atividade surge no ano de 1819, como vimos, mas reconhecemos não termos esgotado todas as possibilidades de pesquisa, nomeadamente a identiicação de outras obras da sua autoria, em especial retratos nas galerias de irmandades ou confrarias, bem como o alcance cronológico da mesma, pelo que, deve este esboço sobre António Simões Pereira Vasconcelos servir, essencialmente, para ixar a memória deste pintor setecentista e estimular a sua descoberta em estudos mais aprofundados35. 28 FURTADO, 1882:76. 29 ANÓNIMO, 1908: 221. 30 ANÓNIMO, 1908: 221. 31 PEREIRA, 1909:160-161. 32 PIMENTEL, 1909:155-156. 33 PEREIRA, 1909:160-161. 434 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio 5 – Desastre da ponte das barcas, c. 1809 A partir de desenho original de António Simões Pereira de Vasconcelos PEREIRA, 1909:161 6 – Desastre da ponte das barcas, c. 1809 A partir de aguarela original de António Simões Pereira de Vasconcelos PIMENTEL, 1909:155 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 435 2.ª Geração: Manuel da Fonseca Pinto (1802-1882) A segunda geração encontra-se representada por Manuel da Fonseca Pinto (1802-1882), também nomeado Manuel da Fonseca Pinto Carneiro, que nasceu a 20 de dezembro de 1802, em Salvador de Magrelos, Marco de Canaveses, ilho de João da Fonseca e de Quitéria Maria [Quitéria Rosa, no assento de óbito], naturais da mesma freguesia36. [Fig.7] Fixou-se inicialmente em Coimbra e empregou-se no comércio, enquanto o irmão, Alexandre da Fonseca Pinto, ocupava o cargo de administrador do Correio. Mais tarde, estabeleceu-se no Porto e ingressou na oicina do escultor João Joaquim Alves de Sousa Alão (m. 1837), de cujo ilho, Manuel Joaquim, se tornara amigo37. Aqui recebeu os primeiros ensinamentos da arte de esculpir, juntamente com Francisco Pedro Oliveira e Sousa (m. 184?), que seria mais tarde seu colega na Academia Portuense de Belas Artes. Sousa Alão, o autor da estátua «Porto» (1818), em parceria com João da Silva, emigrou para o Brasil (por volta do ano de 1824) e aí faleceu em 1837. A sua partida poderá ter motivado o ingresso de Manuel da Fonseca Pinto na Academia de Marinha e Comércio. Como vimos antes, esta instituição foi dirigida até 1805 por Francisco Vieira e depois por Domingos António de Sequeira (1768-1837), até 1807, tendo este renovado o regulamento e o material didático, reforçado a aplicação prática do ensino do desenho (preparação de tintas e aguadas para a realização de plantas - recorte terrestre e de navios - e cartas geográicas e topográicas) e organizado uma exposição de trabalhos escolares38. Na sua ausência, a direção era assegurada por José Teixeira Barreto (1763-1810), coadjuvado por Raimundo Joaquim da Costa 34 Agradecemos ao senhor engenheiro João Pedro Cunha a partilha desta informação, pelo que estudos posteriores devem atender às pesquisas empreendidas pela Irmandade das Taipas e ainda não publicadas. 35 No início do século XX, estavam na posse do neto, Eduardo da Fonseca Vasconcelos, «esboços dos seus trabalhos de lores e uma interessante aguarella representando a catástrofe da Ponte das Barcas a cuja trágica scena elle assistiu como espectador». – Cf. ANÓNIMO, 1908: 221. 36 Estudo analítico: Tabela II. 37 FURTADO, 1882: 76. 38 Domingos Sequeira organizou uma exposição de trabalhos escolares, complementada por um concerto musical no Teatro de São João, contando com a participação de desenhos e de pinturas realizadas por D. Carlota Joaquina (1775-1830), D. Maria Teresa, D. Maria Ana (1736-1813) e D. Maria Francisca Benedita, cuja inauguração devia ocorrer no dia 5 de outubro de 1807, contudo, esse evento não se concretizou devido à partida da família real para o Brasil, em novembro de 1807. – Cf. LIMA, 1925: 17, 30. 436 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio (1778-1862), professor substituto desde 1804 e lente desde 1811, altura em que João Baptista Ribeiro (1790-1868), antigo aluno da aula de Desenho (de 1803 a 1810), preencheu a vaga de substituto39. Manuel da Fonseca Pinto frequentou as aulas de Desenho, Francês e Matemática e, perante as cronologias indicadas, foi aluno do gravador Raimundo Joaquim da Costa e de João Baptista Ribeiro40. Em 1827, recebeu um prémio em Desenho41, eventualmente a cópia da gravura de Rafael, pois o acervo do Fundo Antigo da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto possui um desenho da «Madona da cadeira» com a inscrição «Manuel da Fonseca Pinto Carneiro desenhou no anno de 1827» [DSCN7021]. [Fig.8] 7 –Retrato de Manuel da Fonseca Pinto, 1851 Francisca de Almeida Furtado (1827-1918) Fotógrafo José Pessoa. Museu Nacional de Arte Antiga Inventário MNAA 52Min 8 – Madona da cadeira, 1827 Manuel Fonseca Pinto Carneiro (1802-1882) Fundo Antigo da Faculdade de Ciências-UP Inventário DSCN7021 39 VITORINO, 1925: 86-88. 40 FURTADO, 1882:76. 41 BASTO, 1937:125. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 437 9 – Gravura do bergantim real de D. Maria BARBOSA,1867: 81 10 – Notícia da entrega do busto a D. Pedro ANÓNIMO, 1832:26 438 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Em 1829, Manuel da Fonseca Pinto casou com Cândida Peregrina Pereira e Vasconcelos, «ilha única do muito conhecido retratista, na altura, António Simões Pereira de Vasconcelos»42, e desse matrimónio nasceram: Maria, ou Maria da Glória, em 183143, e Eduardo, em 183544. Ficou precocemente conhecido pela escultura em madeira para ornamentação dos barcos construídos nos estaleiros portuenses do Ouro e de Vila Nova de Gaia. Desta produção sobressaiu a obra de talha para a «Escuna Real», uma embarcação executada em Vila Nova de Gaia sob direção do engenheiro Manuel Luís dos Santos (1808-1870)45, destinada ao uso pessoal de D. Miguel de Bragança (1802-1866), (reina de julho de 1828 a maio de 1834)46. A notoriedade artística de Fonseca Pinto perpetuou-se através dos apontamentos coligidos pelo Bispo Conde D. Francisco (1766-1845), publicados em 183947 e, mais tarde, nas «Obras Completas» do então Cardeal D. Francisco de S. Luís Saraiva, em 187648. A carecer de posteriores desenvolvimentos, avançamos que a descrição da escuna dos anos trinta apresenta semelhanças formais com o bergantim real dito de D. Maria I (n. 1734 / r. 1777 / m. 1816), cujas fotograias foram enviadas à Exposição Universal de Paris, de 1867, e publicadas na imprensa da época49. [Fig.9] Mas o absolutismo, que no Porto se fez sentir pela ação persecutória e punitiva da Alçada, foi contrariado pela entrada e permanência do exército liberal de D. Pedro (1798-1834) na cidade. Durante o período do Cerco do Porto, um episódio marcante das Guerras Liberais (1832-1833), Manuel da Fonseca Pinto foi recebido em audiência a 2 de dezembro de 1832, pelo duque de Bragança, tendo-lhe oferecido o busto que dele modelara (tamanho natural) e distribuído pelos presentes um soneto que mandara imprimir em cetim50. [Fig.10] 42 FURTADO, 1882:76. 43 Moradores na Travessa do Laranjal, ou Travessa de Trás da Sé. – Cf. A.D.P., 1831:80v. 44 Moravam na rua do Estevão, na freguesia de Santo Ildefonso. – Cf. A.D.P., 1836:11. 45 SANTOS, 1832. 46 Desenvolvemos atualmente um estudo sobre a construção da «Escuna Real» nos estaleiros levantados junto ao convento de Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia, e questões envolventes, a apresentar e publicar, eventualmente, em 2017/18. 47 FRANCISCO, 1839: 59. 48 SARAIVA, 1876, VI:336. 49 BARBOSA, 1867: 81. 50 ANÓNIMO, 1832:26. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 439 11 – Busto de D. Pedro, c. 1832 Réplica da obra de Manuel da Fonseca Pinto Solar Condes de Resende, V. N. de Gaia Esse busto não terá sido o único. Manuel da Fonseca Pinto ofereceu os «bustos que izera dos retratos de SS. MM. F e Il.» para integrar o espólio do Museu Portuense, de cuja organização se encarregou João Baptista Ribeiro, em 1836, enquanto Francisco Pedro de Oliveira e Sousa entregou duas peças, o «busto de S.M.F. observada pelo oferente no acto em que S.M. visitou o Museo – e o busto que executou do Excellentissimo José Ferreira Borges» 51. O Museu Nacional Soares dos Reis, Porto, possui um exemplar do busto de D. Pedro da autoria de Manuel da Fonseca Pinto, e o que existia no Solar Condes de Resende, Vila Nova de Gaia, em gesso policromado, por estar muito degradado, no ano 2000 foi reproduzido em material sintético. As réplicas efetuadas (em duas versões: branco total e bronze, com 90 cm de altura) foram colocadas em diversos equipamentos municipais de Vila Nova de Gaia, podendo ser observadas, por exemplo, no Solar Condes de Resende e no Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner. O escultor respresentou o duque de Bragança em uniforme militar de aparato, e o busto, patinado a bronze, assenta sobre uma coluna marmoreada animada por um baixo-relevo representando a deusa Atena, com os atributos guerreiros (elmo, escudo, armadura, lança) e da sabedoria (coruja) 52. [Fig.11] De acordo com a correspondência publicada, Manuel da Fonseca Pinto «deu as primeiras lições de desenho» ao portuense Luís de Miranda Pereira de Meneses (1820-1878), 2.º visconde de Meneses (titular em 1853), antes deste se ter instalado em Lisboa, 51 VITORINO, 1930:21-24. 52 Agradecemos ao Dr. Gonçalves Guimarães ter facultado a publicação da imagem do busto existente no Solar Condes de Resende, Canelas, Vila Nova de Gaia. – Cf. GUIMARÃES, 2000:32-33; GUIMARÃES, 2008:40. 440 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio o que terá ocorrido cerca de 1834 53. Atribui-se à sua aproximação a D. Pedro e às simpatias granjeadas entre a família real e outras importantes personalidades, o facto de ter sido nomeado professor substituto da Aula de Desenho da Academia de Marinha e Comércio (Decreto de 11-08-1834), apesar de esse lugar ter sido previamente posto a concurso 54. Efetivamente, uma portaria do governo (15-12-1834) declarou «sem efeito o concurso para a substituição da cadeira de Desenho da Real Academia de Marinha e Comercio, que se havia annunciado em 30 de Outubro passado, em consequência de Sua Majestade Fidelissima se ter já dignado fazer mercê da dita Cadeira» 55. Fonseca Pinto foi indigitado para o cargo (carta régia de 05-11-1834) e desempenhou funções docentes até outubro de 1836, altura em que foi exonerado pelo governo de Manuel da Silva Passos (1801-1862), por ter recusado jurar a Constituição de 1822 (Decreto de 10-10-1836) 56. Vários professores foram excluídos da instituição por idêntica tomada de posição, à exceção de João Baptista Ribeiro que logo ascendeu a diretor da Academia de Marinha e Comércio, cargo que acumulou com a direção da Academia Portuense de Belas Artes (criada em 22-11-1836). Pouco depois, no âmbito das reformas do ensino, a Academia de Marinha e Comércio deu lugar à Academia Politécnica do Porto (decreto de 13-01-1837). Manuel da Fonseca Pinto foi professor de Desenho, até 183957, no Conservatório das Artes e Ofícios Portuense (criado pelo decreto de 05-01-1837), estabelecimento que privilegiava as ciências industriais em oposição aos estudos clássicos58, mas pouco depois foi enviado «pelo governo da snr.ª D. Maria II, abrir uma aula de desenho annexa á de mathematica da Universidade, onde foi lente por muitos annos, passando, a seu pedido, para esta cidade»59. Efetivamente, no ano letivo 1840/1841 encontrava-se a ministrar a cadeira de Desenho cientíico anexa ao curso de Matemática da Universidade de Coimbra, tomando posse interinamente a 07-10-1840 (Decreto de 53 Carta de Manuel José Carneiro ao Visconde de Meneses (18-08-1861). – Cf. VALENTE, 1945:182. 54 FURTADO, 1882:76. 55 SALGADO, 1834:[3?] 56 BASTO, 1937:125. 57 FRANCISCO, 1839:59. 58 Com a reforma geral da Instrução Pública fomentada por Costa Cabral, o Conservatório de Artes e Ofícios foi integrado na Academia Politécnica do Porto, «no estado em que elle se achar» (Decreto de 2009-1844). – Cf. PORTUGAL, 1989:73;126. 59 ANÓNIMO, 1882a:2. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 441 15-07-1840) 60, embora, segundo as memórias institucionais, tenha continuado a vencer pela Academia da Marinha e Comércio do Porto61. Em novo ciclo político, Fonseca Pinto aproximou-se do ministro do Reino, António Bernardo da Costa Cabral (1803-1889), e, em 1842, fez-lhe o retrato desenhado e litografado62. [Fig.12] 12 – Retrato de Costa Cabral, 1842 Manuel da Fonseca Pinto Biblioteca Nacional Digital <purl.pt/6752> 13 – Cena da morte de Inês de Castro A Arte Portugueza. Porto (setembro de 1882), il. <hemerotecadigital.cm-lisboa.pt> 60 POLICARPO, 1993: 295-313; BASTO, 1937:125. 61 FURTADO, 1882:76. 62 Retrato de Costa Cabral, 1842. BND: Acesso em linha. URL: <http://purl.pt/6752>. 442 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio O ano de 1842 revelou-se compensador. Recebeu o título de Escultor Honorário da Casa Real, atribuído por D. Maria (carta régia de 14-05-1842), depois de ter sido nomeado lente proprietário (decreto de 02-05-1842) na cadeira de Escultura da Academia Portuense de Belas-Artes (posse 20-061842), sucedendo a Constâncio José dos Reis (1778-1865) tendo, no lugar de professor substituto, o antigo colega na oicina de Sousa Alão, Francisco Pedro Oliveira e Sousa63. Neste período, realizou diversos bustos, de iguras da família real e outras personalidades (barro e gesso), e retratos (desenho, litograia)64. Em 1842 realizou-se a primeira exposição trienal da Academia Portuense de Belas Artes, materializando um princípio estatutário que permitia a apresentação conjunta dos trabalhos dos alunos e dos professores da instituição, mas também de artistas já estabelecidos e de amadores. Manuel da Fonseca Pinto participou pela primeira vez na segunda exposição trienal, em 1845, com um baixo-relevo representando um episódio da morte de Inês de Castro65. Essa peça serviria de modelo nas suas aulas de escultura66 e foi exposta no salão de Belas Artes organizado por ocasião do tricentenário de Camões, no Porto, em 188067. [Fig.13] Na 3.ª exposição trienal, em 1848, expos uma estátua de D. Pedro, e nesse ano, a ilha, Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos, então com 17 anos, faz a sua estreia pública com um «desenho»68, enquanto o ilho, Eduardo da Fonseca Vasconcelos, de 13 anos, se matriculou no primeiro ano de Desenho Histórico. Na 4.ª exposição, em 1851, apresentou duas esculturas de tema religioso / bíblico69, e na seguinte, em 1854, expos quatro obras (gesso e barro), 63 A Academia Portuense de Belas Artes era então dirigida por Joaquim Rodrigues Braga (1793-1853), lente de Pintura Histórica e diretor interino, e Joaquim da Costa Lima Júnior (m. 1863) lente de Arquitetura Civil e secretário interino. – Cf. LISBOA, 2007. 64 Entre outros, veja-se o registo gráico visual de António Bernardo de Brito e Cunha (m. 1829), de 1836 [<http://purl.pt/5647>]. – Cf. Biblioteca Nacional de Portugal. Digital; LIMA, 1945: 103; SOARES, 1947. I:58. 65 A exposição académica suscitou a publicação de um soneto da autoria de Manuel António da Silva Benevides, que distinguiu «Fonseca primeiro regio Lente» e «um Sousa, seu digno supplente». – Cf. BENEVIDES, 1846:9. 66 ANÓNIMO, 1845: 962. 67 MONCÓVIO, 2015, I:268-269. 68 ANÓNIMO, 1848: 1041. 69 A partir de 1851, as exposições foram acompanhadas de catálogos. Residia na rua do Almada, 261, no Porto. – Cf. CATALOGO, 1851:14-15. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 443 entre as quais o busto do Dr. Vicente José de Carvalho (a partir da máscara fúnebre e da fotograia). Nesse ano instalou o seu ateliê em Vila Nova de Gaia, onde estabeleceu residência70. Em 1857, substituiu o diretor na abertura solene da exposição trienal, onde expos uma estátua de D. Pedro V (barro) e o ilho recebeu o primeiro prémio no concurso trienal de escultura71. Nos anos 60, apresentou, na exposição trienal de 1860, uma estátua em barro («A Verdade») e o retrato de Manuel de Clamouse Browne (meio peril em baixo relevo)72. Em 1861, participou na exposição da Associação Industrial Portuense com três obras: um santuário com cruciixo, uma Santa Maria Madalena e um jarrão com pedestal73. Foi preterido nos dois concursos que decorreram no Porto: o concurso para a estátua de D. Pedro IV, destinada à praça de D. Pedro (praça da Liberdade), que decorreu entre 1862 e 1866, e ao qual apresentou uma maquete (gesso), executada em parceria com o arquiteto José Luís Nogueira, 2.º arquiteto e mestre-de-obras da Câmara Municipal do Porto74 (ganhou a proposta de Anatole Calmels)75; e o concurso para o monumento a D. Pedro V, para a praça da Batalha, que decorreu entre 1861 e 1866, tendo sido aprovado o projeto de Joaquim José Pirralho (1848-1873), de 186276. Na exposição trienal de 1863 apresentou a estátua «O Tempo» e António Soares dos Reis (1847-1889) surgiu com os primeiros trabalhos de aluno de escultura (2.º ano)77. A partir de janeiro de 1864, Manuel da Fonseca Pinto sucedeu ao arquiteto Joaquim da Costa Lima Júnior (m. 1863) nas funções de diretor interino da Academia Portuense de Belas Artes78. Em 1865, integrou o júri de Belas Artes (12.º Grupo) na Exposição Internacional do Porto, realizada no Palácio de Cristal79, um certame participado por artistas nacionais e estrangeiros e que projetou a cidade e o país no circuito das exposições mundiais. Em 1866, expos 70 Residia na rua de Baixo, 33, Vila Nova de Gaia, onde abriu ateliê (escultor e retratista). – Cf. CATALOGO, 1854: 26. 71 Residia na rua de Baixo, 33, em Vila Nova de Gaia. – Cf. CATALOGO, 1857: 18-19. 72 A família residia no Porto, na rua do Laranjal, 70. – Cf. CATALOGO, 1860: 20. 73 RELATORIO, 1862:148. 74 Obra descrita no jornal Diário Mercantil. Porto, n.º 835, de 1861. 75 Carta de Manuel José Carneiro ao Visconde de Meneses (29-10-1862). – Cf. VALENTE, 1945:187. 76 A.H.M.P. a; b; Carta de M. José Carneiro ao Visconde de Meneses (30-12-1865). – Cf. VALENTE, 1945:189. 77 Fonseca Pinto residia então na rua do Laranjal, 70, Porto. - Cf. CATALOGO, 1863: 16-17. 78 FURTADO, 1882:75-77. 79 CATALOGO, 1865. 444 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio na exposição trienal um baixo-relevo em gesso, original, «Viriato jurando sobre o cadáver de uma jovem guerra eterna aos romanos», tema que Soares dos Reis desenvolveu no concurso trienal de Escultura, sob o titulo «Viriato», tendo obtido o 1.º prémio; enquanto José Joaquim Teixeira Lopes apresentou um conjunto de oito estátuas alegóricas que a fábrica das Devesas produziu e comercializou sob a designação «Amizade», «Bondade», «Indústria», «Comércio», entre outras80. Na 10.ª exposição trienal, de 1869, registou-se a participação de um elevado número de artistas de Lisboa, em pintura (Leonel Pereira, Isaías Newton e outros) e em gravura (João Pedroso), uma dinâmica associada à atividade da Sociedade Promotora das Belas Artes, de Lisboa, com exposições públicas desde 1862. Cumprindo os estatutos, Fonseca Pinto expos um estudo pelo natural, «Cabeça de velho», para integrar o material didático da Academia, e José Joaquim Teixeira Lopes recebeu o 1.º prémio no concurso magno trienal de escultura, com a composição em gesso, original, «O ilho prodigo»81. Rompendo a regularidade imposta pelos estatutos, a undécima exposição foi cumprida cinco anos depois, em 1874, após obras de consolidação da galeria do Ateneu, local onde se desenrolavam as exibições. Manuel Fonseca Pinto apresentou o busto em gesso do conde de Samodães, vice inspetor da Academia, e Soares dos Reis exibiu a estátua «O Desterrado», inspirada nas «tristezas do desterrado» poesia de Alexandre Herculano, a «Infância do artista», «Cabeça de preto» e outras82. Nesse período registou-se a nomeação de António Soares dos Reis e José Geraldo da Silva Sardinha para académicos de mérito da Academia Portuense de Belas Artes, e o concurso para pensionista do Estado em pintura histórica e pintura de paisagem, prosseguido por João Marques da Silva Oliveira e por António Carvalho da Silva Porto, respetivamente. Durante breve período de ausência por doença, Fonseca Pinto terá sido substituído pelo ilho na condução da aula de Escultura83. Na duodécima exposição trienal, em 1878, Fonseca Pinto expôs um autoretrato, busto de tamanho natural, em gesso, e o modelo de estátua equestre 80 Fonseca Pinto morava na rua de Liceiras, 57, Porto. - Cf. CATALOGO, 1866: 26-29. 81 Fonseca Pinto morava na rua de Santa Catarina, Porto. - Cf. CATALOGO, 1869: 34-39. 82 Fonseca Pinto morava na rua de Santa Catarina, 400, Porto. - Cf. CATALOGO, 1874:39-40. 83 TRIPEIRO, 1913:501. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 445 de D. Pedro IV, em barro cozido e bronzeado84. Teve uma participação fugaz no salão de Belas Artes camoniano, integrado nos festejos do tricentenário de Camões no Porto, em junho de 1880, com dois baixos-relevos: «Minerva coroando Camões» e «Morte de D. Inês de Castro». Depois de uma longa carreira de mais de quarenta anos ao serviço do ensino artístico, Manuel da Fonseca Pinto foi jubilado em 23 de dezembro de 1880, tendo continuado a dirigir o estabelecimento de ensino, mas, a partir de outubro de 1881, e após concurso, António Soares dos Reis (18471889) ocupou a vaga por ele deixada. Assim, a exposição trienal desse ano acolheu o último trabalho do antigo professor, um baixo-relevo, «A Religião defendendo a Humanidade contra o Fanatismo», e os primeiros estudos do novo docente em exercício85. O escultor Manuel da Fonseca Pinto faleceu aos 79 anos (05-10-1882)86, «morrendo pobre, e deixando sua triste família ao desamparo»87. No círculo familiar que manifestou o seu pesar, encontramos a esposa, Cândida Peregrina Pereira e Vasconcelos, os ilhos Maria da Glória Pereira e Vasconcelos e Eduardo da Fonseca e Vasconcelos, e alguns parentes, Clara Clorinda Araújo e Vasconcelos, Ana Cândida da Fonseca Braga, Dr. Abílio Augusto da Fonseca Pinto (ausente) e João Gomes da Cruz Braga88. Destes, destacamos o nome de Ana Cândida da Fonseca Braga, diretora do Colégio Português para Meninas (ativo nos anos oitenta) e do Colégio de Nossa Senhora da Conceição89; e de Abílio Augusto da Fonseca Pinto (1831-1893), provavelmente seu sobrinho, bacharel em Direito pela universidade de Coimbra (1847 a 1852), que desde 1865 trabalhou como revisor literário da Imprensa da Universidade [seu administrador interino, em 1882, e efetivo, em 1885]90. Tadeu Maria de Almeida Furtado, professor e secretário da Academia Portuense de Belas 84 Fonseca Pinto morava no Poço das Patas, 49, Porto. – Cf. CATALOGO, 1878: 51. 85 Fonseca Pinto morava na rua de Wellesley, 64, Porto. – Cf. CATALOGO, 1881: 86 A.D.P., 1882:91. 87 ANÓNIMO, 1882a: 2. 88 ANÓNIMO, 1882b: 3. 89 Ambos os colégios abriram nos anos cinquenta de oitocentos. O Colégio de Nossa Senhora da Conceição, instalado na rua das Hortas, obteve uma menção honrosa na Exposição Industrial do Porto, de 1861, com os trabalhos das suas alunas (Desenho aplicado à indústria). – Cf. RELATORIO, 1862: 132,166; MONCÓVIO, 2009, II:26. 90 LEMOS, 1974: 28. 446 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Artes, redigiu um esboço biográico que foi publicado na revista do Centro Artístico Portuense – A Arte Portugueza, n.º 9 (setembro de 1882), referindo-se ao escultor como um artista que «tinha muita imaginação e facilidade»91. O longo período de docência académica, a que se juntou a direção da instituição, leva-nos a reletir sobre a necessidade de um estudo que coloque em perspetiva a igura de Manuel da Fonseca Pinto. Não terá suscitado afetos entre os que o rodeavam, designadamente os alunos, no entanto, a lexibilidade patente nas diversas alianças que promoveu, de acordo com os ciclos políticos, evidencia uma inteligência social que a muitos não assistiu. 3.ª Geração: Maria da Glória, Eduardo e Leonor Augusta 1. Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) Maria da Glória nasceu a 22 de janeiro e foi batizada com o nome de «Maria» a 13 de fevereiro de 1831, em Santo Ildefonso, no período em que vingava o absolutismo, foram padrinhos Luís da Silva Maia e António José Dias Lopes (m. 1848)92. A sua atividade artística assumiu visibilidade nas exposições trienais da Academia Portuense de Belas Artes e em outros certames congéneres (de 1848 a 1881)93. Aos 17 anos, debutou na 3.ª exposição trienal (1848), mas o «desenho» exposto não mereceu destaque na imprensa periódica94. A partir de 1851, a publicação regular dos catálogos das exposições trienais permite reter os aspetos quantitativos e o teor descritivo das obras apresentadas. Sabemos assim que, Maria da Glória apresentou um quadro de lores modeladas em cera, um gosto que partilha com Jerónimo 91 O texto surge ilustrado com um retrato de Manuel da Fonseca Pinto, desenhado por João Marques de Oliveira, e um croquis de Soares dos Reis, que reproduz o baixo-relevo que relata um episódio da morte de Inês de Castro, tema exposto na exposição trienal da Academia Portuense de Belas Artes, em 1845, e na exposição do salão de Belas Artes comemorativo do tricentenário de Camões, em 1880. – Cf. FURTADO, 1882:75-77. 92 Os pais moravam na Travessa do Laranjal, ou Travessa de Trás da Sé. – Cf. A.D.P., 1831:80v. 93 Estudo analítico: Tabela III. 94 ANÓNIMO, 1848: 1041 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 447 448 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Filipe Simões, autor de trabalhos na mesma tipologia; e dois desenhos, uma «cabeça de mulher», cópia de um modelo do curso elementar de desenho difundido por Bernard-Romain Julien (1802-1871) [Fig.14]; e «Beatriz de Cence [Censi]», cópia de uma obra de Guido Reni (15751642)95 [mas que a critica atual atribui a Elisabetta Sirani (1638-1664)], um dos representantes do classicismo da escola de Bolonha, distinguido por Almeida Garrett (17991854) no «Ensaio sobre a história da pintura», de 1821. [Fig.15]. Atendendo aos modelos usados, podemos avançar que o método do desenho pelo contorno linear das iguras constituía um dos fundamentos da aprendizagem progressiva. 14 – Cours Élementaire, Bernard-Romain Julien (1802-1871) México. Benemérita Universidade Autónoma de Puebla <www.buap.mx> 15 – Beatriz de Censi Guido Reni (1575-1642) / Elisabetta Sirani (1638-1664) <https://en.wikipedia.org> 95 CATALOGO, 1851: 23. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 449 450 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Na trienal seguinte, em 1854, período em que reside em Vila Nova de Gaia96, voltou a expor um trabalho em cera: o «retrato da duquesa de Bragança cercado de lores». Esta modalidade era praticada por homens e mulheres, estando Jerónimo Filipe Simões e Domingos António Máximo entre os mais destacados97. Ausente em 1857, regressou em 1860 com dois desenhos, «Cabeça de Jovem», uma cópia de uma pintura de João António Correia (1822-1896), e o «busto de Manuel da Fonseca Pinto», desenhado do natural, a esfuminho98. Em 1861, apresentou-se na secção de Belas Artes (classe 28.º) da Exposição Industrial do Porto com um desenho, cópia de um gesso, «Cabeça de Vitélio», e uma pintura a óleo, copiada de outra escultura em gesso, «Cabeça de Augusto», «que o Júri achou muito bem feito» e distinguiu com uma medalha de prata99. A tipologia e teor descritivo aproximam estes trabalhos dos que exibiu nas exposições da Academia. Em 1863, agora com 32 anos, surgiu com uma produção mais elaborada: um desenho pelo gesso (do antigo, modelo clássico), e sete quadros a óleo, entre os quais dois retratos: o «retrato de Maria Cândida de Sousa Monteiro» e o «retrato de Manuel Joaquim de Sousa Monteiro», de meio corpo ao natural. Na exposição de «Archeologia e Objectos raros», realizada no Palácio de Cristal, em 1867, expos uma cabeça de estudo, copiada a esfuminho, e o retrato do pai, cópia do natural100. Depois de ter estado ausente nas edições de 1866 e de 1869, mais de uma década desde a última presença, regressou ao convívio das trienais em 1874. Agora, aos 43 anos, exibiu duas pinturas a óleo: o «Retrato de Filomena Rangel», pintado pelo natural; e uma «Cabeça de velho», copiada por outra. Nesta exposição encontrou-se com a estreante Leonor Augusta Gonçalves Pinto, sua parente. Em 1881, depois de um interregno, contava 50 anos de idade quando participou pela última vez nas trienais, contribuindo com uma pintura a óleo, «Um quadro de fructas e lores». Nesse ano, expuseram igualmente Clarice de 96 No presente ano (2016), efetuámos uma comunicação no colóquio «A história da Educação em Vila Nova de Gaia», realizado no Arquivo Municipal, que reuniu as irmãs Gomes da Costa, as irmãs Rocha Leão, Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos e Rita Ricardina da Costa, enquanto mulheres de Vila Nova de Gaia que representam o paradigma da educação pelas Belas Artes, intitulada: «A educação feminina pelas Belas Artes na sociedade de oitocentos», cujo texto aguarda publicação pelo CITCEM, eventualmente em 2017. 97 CATALOGO, 1854: 41. 98 CATALOGO, 1860: 6. 99 RELATORIO, 1862: 140,143,159. 100 CATALOGO,1867:51. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 451 Menezes (c.1865-1945), que apresentou «diversos estudos, copias e quadros de natureza morta, feitos do natural», Henriqueta Pauly (1850-1938), que exibiu «dous retratos e um quadro de natureza morta», elogiados como «trabalhos muito apreciáveis», e Rita Ricardina da Costa (1842-1934), que expos «Uma paizagem do natural»101. Atendendo às obras expostas, extraímos o peril da sua aprendizagem: dos 17 aos 32 anos, Maria da Glória evoluiu na técnica do Desenho, adquirindo progressiva autonomia à medida que dominava a cópia, método assente nos modelos dos cursos de Julien, mas também a partir de esculturas em gesso ou de pinturas de mestres consagrados. Posteriormente, e até aos 50 anos, apresenta pintura a óleo, designadamente, cópias de quadros de outros pintores, retratos de personalidades da época e natureza-morta, tudo produções originais. Importa destacar, no entanto que, do ponto de vista da função social (e sob a perspetiva do género), não existe qualquer registo de atividade artística pública até 1882, ano do falecimento de Manuel da Fonseca Pinto, o protetor moral, social e inanceiro da família. É então que, por uma questão de subsistência, aos 51 anos, Maria da Glória se airma proissionalmente no mercado livre da encomenda entre os artistas consagrados e os novos, ombreando com António José da Costa, Caetano Moreira da Costa Lima, Francisca de Almeida Furtado, Francisco José Resende, Guilherme António Correia, João António Corrêa, João Marques da Silva Oliveira, Joaquim Vitorino Ribeiro, José Alberto Nunes, José de Brito, Joaquim Pirralho, Júlio Costa e o irmão, Eduardo da Fonseca Vasconcelos102. Os anúncios na imprensa periódica esclarecem o leque de serviços proissionais: no «Comércio do Porto», Maria da Glória «oferece o seu prestimo tanto em collegios como em casas particulares, para lições de desenho, pintura a óleo, em seda, corta bordados a ponto alto, tira retratos tanto a óleo como em crayon, ensina a fazer lores de panno, cera, bem como fructas de cera», mas o irmão também «se oferece para leccionar desenho e toma conta de obras de esculptura»103. No jornal «Anunciador», «oferece o seu prestimo, tanto em 101 ANÓNIMO, 1881b:1-2. 102 Os Fonseca Vasconcelos moravam então na rua de Wellesley, Porto. - Cf. ALMANAK, 1881:379-380. 103 Os Fonseca Vasconcelos moravam na rua da Alegria n.º 281. - Cf. ANÓNIMO, 1882c:3. 452 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio collegios, como em casas particulares, para lições de desenho e pintura a oleo e em seda; corta bordados em ponto alto, tira retratos tanto a oleo, como em crayon, ensina a fazer lôres de panno, cêra, bem como fructos de cera», de igual modo, Eduardo também se «oferece para leccionar desenho, pintura a óleo e a crayon, escomilho, etc., tomando conta de obras de esculptura»104. Em 1883, os irmãos Fonseca Vasconcelos continuam a surgir entre os «Pintores retratistas»; em 1884, a categoria redeine-se para «Pintores, cenógrafos e retratistas»; mas, em 1885, apenas Maria da Glória se apresenta entre os «Pintores de quadros históricos e retratistas»; enquadramento proissional que se manteve em 1886105. Quando Cândida Peregrina faleceu, aos 87 anos, em 1886106, Maria da Gloria da Fonseca e Vasconcelos era já considerada uma «sabia e delicada professora de pintura»107, um destino proissional que o coletivo social foi «impondo» ao género feminino108. Não foi possível determinar até quando se manteve ativa, adivinhando-se um peril de encomenda pouco exigente, pelo que parte das suas obras estarão dispersas em casas particulares. 2. Eduardo da Fonseca Vasconcelos (1835-1913) Eduardo da Fonseca Vasconcelos nasceu a 14 de dezembro de 1835, foi batizado a 14 de fevereiro de 1836, na igreja de Santo Ildefonso, teve por padrinhos João Allen (1785-1848), negociante e colecionador, e Leonor Carolina Allen109. [Fig.16] Aos 13 anos ingressou na Academia Portuense de Belas Artes e frequentou os diversos cursos da instituição entre 1848 e 1880, em três períodos, ao longo de três décadas110. Na primeira fase, compreendida entre 1848 e 1854, efetuou 104 Os Fonseca Vasconcelos moravam no Campo dos Mártires da Pátria / Jardim da Cordoaria, n.º 75. – Cf. ANÓNIMO, 1882d:3. 105 ALMANACH, 1882:475; idem, 1883:475; idem, 1884:286; idem, 1885:400. 106 A.D.P., 1886:88v. 107 ANÓNIMO, 1886:2. 108 Expetativas que vimos emergir com a matrícula da primeira mulher na Academia Portuense de Belas Artes. – Cf. MONCÓVIO, 2016a:174-187. 109 Os pais de Eduardo da Fonseca Vasconcelos moravam então na rua do Estevão. - Cf. A.D.P., 1836:11. 110 Estudo analítico: Tabela IV e Tabela V. A.F.B.A.U.P. - Processo do Aluno: Eduardo da Fonseca Vasconcelos. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 453 o curso de Desenho Histórico, sob a docência de Tadeu Maria de Almeida Furtado (1813-1901) e, entre 1851 e 1856, o curso de Escultura, sob orientação paterna e de Francisco Pedro de Oliveira Sousa, além das cadeiras de Perspetiva e de Anatomia. Os trabalhos escolares foram apresentados na 4.ª exposição trienal de 1851, na categoria de Desenho com uma cópia de Marc-Antoine Hervier, pintor e miniaturista francês formado no neoclassicismo de Jacques-Louis David (1748-1825). Na trienal de 1854, expos dois desenhos, um dos quais a prova de exame do 5.º ano de Desenho, uma «Figura de estudo de homem, pelo modelo vivo», na aula do nu, «aprovado plenamente e elogiado»; e quatro obras na categoria de escultura, entre as quais, as provas de exame do 3.º e do 2.º ano. Em 1857, recebeu o primeiro prémio no concurso de escultura e concluiu o percurso académico111. 16 – Retrato de Eduardo da Fonseca e Vasconcelos (1835-1913) TRIPEIRO, 1913: 501. 111 ANÓNIMO, 1857: 2-3. 454 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Na exposição trienal de 1860, apresentou-se como antigo aluno e exibiu uma composição de grupo, em barro, e a igura de «D. Fernando», em gesso; uma situação que se repetiu em 1863, apresentando agora uma estátua alegórica em gesso. Na Exposição da Associação Industrial Portuense, de 1861, apresentou um grupo em gesso, a partir de um tema mitológico, que foi distinguido pelo júri com uma medalha de prata112. Depois de vários anos de ausência, retomou o ensino académico no ano letivo de 1864/1865, matriculando-se em Pintura Histórica. Esta segunda fase coincide com a ascensão do pai ao cargo de diretor interino da instituição, por falecimento de Joaquim da Costa Lima Júnior113. Voltou a interromper as aulas, icando ausente nas trienais de 1866 e de 1869. Por esta altura, o seu nome surge entre os dinamizadores do teatro amador. Pelos anos sessenta pertencia ao círculo da Sociedade Dramática de Amadores Molière, grupo dirigido por David de Castro e Sibilina de Castro, que atuava no palacete dos barões de Nevogilde, constituído por amadores com diversas ocupações, funcionários, proprietários ou homens das letras, entre os quais encontramos Augusto Luso, Soares de Passos, Nogueira Lima, Júlio Dinis e outros; músicos, como Miguel Ângelo, Ciríaco Cardoso, Hipólito e Nicolau Ribas; professores, como Francisco José Resende e Tadeu de Almeida Furtado, Ercole Lambertini, o cenógrafo, e Eduardo da Fonseca Vasconcelos, conhecido como o «Fonsequinha», o caracterizador da companhia114. Mais tarde, nos anos setenta, associou-se à sociedade dramática «Luz e Caridade», para a qual desenhou o emblema, após a concessão da proteção régia, composto por uma igura alegórica e respetivos atributos115. [Fig.17] O grupo de teatro «Luz e Caridade» era constituído por amadores e suas famílias116, encenavam no salão da Euterpe (depois Ateneu Comercial do Porto), deram a primeira récita pública em 1877, na sala do teatro Baquet, em benefício da aula da Associação Industrial Portuense, sessão que repetiram perante D. Luís e a família real. O último espetáculo teve lugar em 112 RELATORIO, 1862: 145-146,154. 113 FURTADO, 1882:75-77. 114 MOUTINHO, 1909a:109-111. 115 MOUTINHO, 1909c:132-134. 116 MOUTINHO, 1909b:120-121. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 455 17 – Emblema da “Sociedade Dramática Luz e Caridade” / MOUTINHO, 1909c, 132-134. 456 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio dezembro de 1879, a favor do Centro Artístico Portuense, com a participação de Eduardo da Fonseca Vasconcelos: «Estou a ve-lo no meu camarim, de pé, tracejando-me a cara, fallando mansamente na sua voz mellílua, recuando até ao extremo do recinto para ver o efeito do seu trabalho e, uma vez concluído, deixar-me sem mais preâmbulos, para ir, n´um passo miudinho e bamboleado, applicar as suas artes na cara de outro senhor» (MOUTINHO, 1909d:201-203). Na década de setenta, participou na Exposição Internacional de Madrid (1871) com um baixo-relevo117 e terá substituído o pai na direção da aula de Escultura, por motivo de doença deste118. Na trienal de 1874, apresentou um busto de «D. Luís», em gesso, que icou a pertencer à Academia de Belas Artes. A terceira fase corresponde à frequência escolar encetada no ano letivo de 1875/1876, quando voltou a matricular-se nas aulas de Pintura Histórica, que frequentou até 1880, e em Arquitetura, no ano letivo de 1876/1877, concluída na mesma data. Na exposição trienal de 1878, exibiu 19 projetos, plantas, alçados, cortes, dos exames e outros trabalhos desenvolvidos nos três anos de aprendizagem. Em 1880, foi um dos alunos do curso de Pintura Histórica que subscreveu o comunicado público dos estudantes, contra o professor e júri do concurso para pensionista do Estado em pintura, Francisco José Resende (1825-1893), nomeadamente em relação à opinião expressa por este na imprensa, sobre o processo de seleção que decidiu entre as provas de Henrique Pousão e de José Júlio da Silva Pinto, pela instituição do Porto (que venceriam), e as de António Ramalho e de Ernesto Condeixa, pela homóloga da capital. Uma tomada de posição coletiva que emergia do espírito associativo enquadrado pelo Centro Artístico Portuense119. 117 PAMPLONA, 1988: 320. 118 TRIPEIRO, 1913:501. 119 Assinaram o manifesto: Custódio da Rocha, Alfredo Augusto Pinto de Queiroz, Eduardo da Fonseca e Vasconcelos, Gonçalo Artur da Cruz, Nuno Ferreira de Novais Ribeiro Júnior, Júlio Gomes Pereira da Costa, José de Brito, Joaquim Augusto Marques Guimarães, Adolfo Nunes, Joaquim Marques da Silva Oliveira, José da Silva Pereira, Alfredo José Torquato Pinheiro e Francisco Aguiar dos Santos, a maioria eram sócios do Centro Artístico Portuense. – Cf. MONCÓVIO, 2015, vol. 1, p. 121-122. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 457 Em 1883, contribuiu para a dinamização do mercado da arte moderna, entregando algumas obras na Exposição-bazar Permanente, um projeto promovido por amadores, entre os quais o visconde da Trindade, que foi inaugurado em 1882 no Palácio de Cristal. Entre as peças, constavam projetos de arquitetura; um baixo-relevo modelado em gesso, e pinturas a óleo, uma cópia de Paulo Veronês, e a cabeça da Vénus de Milo120. Como vimos anteriormente, após o falecimento do pai e nos anos seguintes, Eduardo da Fonseca Vasconcelos anunciou serviços como escultor e retratista mas, quando a mãe faleceu, em 1886, encontrava-se empregado na repartição Técnica dos Caminhos de Ferro do Minho e Douro121, vindo a ocupar posteriormente o lugar de Desenhador na Direção de Obras Públicas do Distrito do Porto, que complementava com a atividade de ilustrador na revista «O Tripeiro»122. Faleceu em 1913 e foi recordado como «uma igura doutros tempos»: «Afastado do bulício da sociedade que outr´ora tanto frequentou, era hoje quasi um desconhecido, vivendo isoladamente. Nos seus tempos áureos, Fonseca Vasconcellos conviveu com artistas e com a mais alta sociedade. Procurou sempre exercer a caridade dentro das suas posses»; «É com pesar que sentimos a falta das suas palestras sobre pintores, architectos e esculptores» (TRIPEIRO, 1913:501). 3. Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931) O anúncio do falecimento e o testamento de Clara Clorinda Lopes de Vasconcelos Araújo, em 1884, permitiram estabelecer o grau de parentesco entre os ilhos de Fonseca Pinto e Leonor Augusta. Efetivamente, Leonor Augusta Gonçalves Pinto, Maria da Gloria da Fonseca Vasconcelos, Eduardo da Fonseca Vasconcelos, Ana Amália Gonçalves Pinto Lessa, Ana Augusta Lapa, Ana Ferreira Guimarães de Vasconcelos, António Gonçalves 120 ANÓNIMO, 1883a:1; ANÓNIMO, 1883b:2. 121 ANÓNIMO, 1886:2. 122 TRIPEIRO, 1908:98. 458 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Pinto e António Augusto Pereira Baptista Lessa são apresentados como primos da inada123. Em testamento, Clara Clorinda, viúva de João de Araújo Álvares, atribui a «Leonor, ilha do seu primo António Gonçalves Pinto, a propriedade da rua do Almada, n.ºs 495 a 499»; por uma só vez, a «D. Maria da Gloria da Fonseca e Vasconcellos, a propriedade que possue no Campo da Regeneração n.ºs 15 e 16, com reserva do usufructo que lega a seus paes; lega também á dita D. Gloria e a seu irmão Eduardo 100$000 reis por uma só vez»; «Do remanescente dos seus haveres institui único herdeiro seu primo, o sr. António Gonçalves Pinto, e, na sua falta, suas ilhas e ilho em metade do remanescente. A metade restante será para sua irmã D. Anna, casada com o sr. António Augusto Lessa»124; disposições que um novo testamento conirma e atualiza125. Leonor Augusta Gonçalves Pinto nasceu a 13 de julho e foi batizada a 10 de agosto de 1849, na igreja de São Nicolau; ilha de António Gonçalves Pinto e de Rita Ricardina da Silva Lessa Pinto, neta paterna do doutor António Gonçalves Pinto (m. 1816)126 e de Maria Miquelina Amália Gonçalves Pinto, e neta materna de Manuel Luís da Silva Lessa e de Francisca Cândida da Silva Lessa, teve por padrinhos António Augusto Baptista Lessa e o doutor José Joaquim Peres da Silva127. Podemos apreender o modelo de aprendizagem desenvolvido por Leonor Augusta através das obras apresentadas nas exposições em que participou, as quais reforçam a perspetiva de um exercício gradual e progressivo128. A sua primeira aparição pública ocorreu no espaço académico, inserida na 11.ª exposição trienal, de 1874, contava já 25 anos e apresentou-se sob a tutela de Guilherme António Correia (1829-1890), professor de Desenho de Ornato do Instituto Industrial do Porto129. Nesta mostra, apresentou um desenho a esfuminho, cópia de uma litograia religiosa, «S. Francisco», e duas pinturas de paisagens, cópias de Pillement, e o retrato de António Gonçalves Pinto 123 ANÓNIMO, 1884b:3. 124 ANÓNIMO, 1884a:1. 125 ANÓNIMO, 1884c:1. 126 A.D.P., 1816: 4v. 127 A.D.P., 1849: 60. 128 Estudo analítico: Tabela VI. 129 Guilherme Correia formou-se na Academia Portuense, frequentou ateliês em Paris, ingressou no ensino em 1870, mas apresentou-se como professor particular de diversas alunas desde 1857 (até 1878). – Cf. MONCÓVIO, 2009, I: 60-64. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 459 Júnior, pintado a óleo pelo natural130. Na exposição Hortícola Internacional, de 1877, participou na categoria de amadores com uma pintura a óleo e obteve o 3.º prémio, uma medalha em cobre131. Em 1878, voltou a participar na exposição trienal da Academia Portuense de Belas-Artes, agora com 29 anos, ainda como discípula de Guilherme Correia. Expos dois desenhos: os retratos de António Gonçalves Pinto e de um menino, copiados a partir das respetivas fotograias; e duas pinturas, estudos do natural: «a iadeira» e «uma cozinha». Aos 32 anos participou na I Exposição-Bazar de Belas-Artes promovida pelo Centro Artístico Portuense, em 1881, ainda sob a mesma orientação, e apresentou uma natureza-morta132, considerado um quadro «muito bem pintado»133. Leonor Augusta faleceu em 1931, aos 82 anos, solteira, legando os seus bens aos sobrinhos, ilhos de sua irmã Helena Eulália Gonçalves Pinto (n. 1842) e de Joaquim de Azevedo Sousa Vieira da Silva Albuquerque (1839-1912)134, casados em 1869135. Muito certamente, parte das obras que executou e que podemos identiicar nos catálogos, estarão ainda na posse de familiares e em coleções privadas, no entanto, a ausência do testemunho material impede qualquer juízo critico acerca das sua capacidades técnicas e estéticas. Contudo, e atendendo às ultimas apresentações, percebemos que a sua produção seguiu os parâmetros tipológicos correntes, culminando nos quadros de natureza-morta, um género que loresceu entre as mulheres artistas do inal do século XIX, e pelo século XX adiantado. 130 Morava então na rua dos Fogueteiros, 8 [3?], atual rua Azevedo de Albuquerque. 131 CATALOGO, 1877:44. 132 APPENDICE, 1881:23. Pintura: N.º 4 - Um Quadro de Natureza morta. (A. 1,05 x L. 0,86). 133 ANÓNIMO, 1881a:2. 134 A.H.M.P., 1931, l. 60v-63. 135 A.D.P., 1869, l.8-8V; REIS, 2016: 12-13. Joaquim de Azevedo Sousa Vieira da Silva Albuquerque nasceu na casa da Quinta das Virtudes, mandada construir pelo bisavô, José Pinto de Azevedo Meireles, em 1767, formou-se em Engenharia de Pontes e Estradas na Academia Politécnica do Porto, lecionou no Liceu do Porto (1862 a 1876) e na Academia Politécnica do Porto (1876-1910), ano em que se jubilou. 460 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Conclusão Embora alguns destes elementos tenham sido já alorados em estudos prévios, a presente comunicação levou-nos a aprofundar certos aspetos da investigação e a apresentá-los de forma mais consistente. Assim, mais que concluir, o desenvolvimento deste tema colocou-nos perante novos desaios, os quais servirão de móbil para pesquisas futuras. Entre esses domínios, salientamos o mercado da encomenda artística no Porto, nomeadamente o estudo das condições de produção, eventuais associações ou parcerias, a situação social dos artistas e de suas famílias, sobretudo em im de vida útil, em casos de morbilidade ou mesmo de mortalidade. Também se aigura promissora, a ideia de correlacionar a formação académica especializada e a empregabilidade do alunos das Belas Artes em gabinetes técnicos, uma perspetiva que permite agregar o indicador da mobilidade social. Embora já tenhamos chamado a atenção para o enquadramento das práticas artísticas das mulheres pelos costumes e valores da sociedade burguesa, da qual as mesmas são originárias136, entendemos profícuo continuar a explorar a historicidade de cada percurso individual. No entanto, e apostando numa visão mais abrangente dos fenómenos culturais, na transição da sociedade oitocentista para o século XX, e perante as novas expressões de associativismo artístico, torna-se necessário compreender a interdependência entre a crescente participação das mulheres em exposições públicas, uma tendência percecionada como uma (aparente) abertura ao nível dos costumes, e a persistente menorização dessas manifestações ao nível do discurso da crítica, no qual surgem quase sempre «domesticadas» pelo estigma do amadorismo. Ideias que, esperamos, inspirem o programa do próximo, ou próximos, encontros do grupo «Saudade Perpétua»! 136 MONCÓVIO, 2016b. 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 461 Anexos Tabela I – Atividade artística de António Simões Pereira de Vasconcelos António Simões Pereira de Vasconcelos (falecido depois de 1819) Ano Idade Evento Local Técnica 1805 Retrato de Manuel Teixeira de Carvalho (Falecido a 21-04-1803) S.C.M.P. RT0267 Pintura 1806 Retrato de António Ribeiro de Faria (Falecido a 25-11-1805) S.C.M.P. RT0265 Pintura 1806 Retrato de Manuel Silvestre Ferreira (m. 1767?) S.C.M.P. RT0021 Pintura 1807 Retrato do Conselheiro José Lopes da Silva (Falecido a 06-03-1807) S.C.M.P. RT0272 Pintura 1808 António de Sousa Melo Vasconcelos (Falecido a 05-01-1808) S.C.M.P. Não Id. Pintura 1809 Desenho desastre da ponte das Barcas Porto Desenho 1809 Desenho desastre da ponte das Barcas Porto Desenho 1818 Retrato de Margarida Inácia Silva Barros (Falecido a 02-05-1818) S.C.M.P. RT0123 Pintura 1818 Retrato de Luís António Teixeira (Falecido a 23-05-1818) S.C.M.P. RT0039 Pintura Retrato do Dr. Simão S.C.M.P. Não Id. Pintura Flores Não Id. Pintura 1818 1800s Fonte: Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto e Galeria de Benfeitores; MORAIS, Maria Antonieta – Pintura dos séculos XVIII e XIX na Galeria de Retratos da S.C.M.P. Mestrado em História da Arte Portuguesa. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001, 3 volumes. 462 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Tabela II – Atividade artística de Manuel da Fonseca Pinto (1802-1882) Participação em exposições Ano Idade Evento Local Técnica 1845 42 Anos 2.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1848 46 Anos 3.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1851 49 Anos 4.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1854 52 Anos 5.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1857 55 Anos 6.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1860 58 Anos 7.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1861 59 Anos Exposição da Associação Industrial Porto Escultura 1863 61 Anos 8.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1866 64 Anos 9.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1869 67 Anos 10.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1874 72 Anos 11.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1878 76 Anos 12.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1881 79 Anos 13.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura Fonte: Catálogos das exposições indicadas (consulte bibliograia inal) 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 463 Tabela III – Atividade artística de Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) Participação em exposições Ano Idade Evento 1848 17 Anos 3.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Desenho - - 1851 20 Anos 4.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Desenho - Cera 1854 23 Anos 5.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto - - Cera 1860 29 Anos 7.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Desenho - - 1861 30 Anos Exposição da Associação Industrial Porto Desenho Pintura - 1863 32 Anos 8.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Desenho Pintura - 1867 36 Anos Exposição de Arqueologia e objetos raros Porto Desenho - - 1874 43 Anos 11.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto - Pintura - 1881 50 Anos 13.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto - Pintura - Fonte: Catálogos das exposições indicadas (consulte bibliograia inal) 464 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Local Técnica Tabela IV – Formação artística de Eduardo da Fonseca Vasconcelos (1835-1913) Academia Portuense de Belas Artes Aulas 1.º Ano 2.º Ano 3.º Ano 4.º Ano 5.º Ano Desenho Histórico 1848/1850 1850/1851 1851/1852 1852/1853 1853/1854 Anatomia 1850/1851 Perspetiva 1850/1851 1876/1877 1877/1878 1876/1877 1876/1877 1852/1853 1853/1854 1854/1855 1855/1856 1876/1877 1877/1878 1878/18779 1879/1880 1864/1865 Pintura Histórica 1866/1867 1875/1876 Gravura 1852/1853 Escultura 1851/1852 Arquitetura 1851/1852 1876/1877 Fonte: A.F.B.A.U.P. – Processo do aluno Eduardo da Fonseca Vasconcelos 10 - Maria da Glória Fonseca Vasconcelos e Leonor Augusta Gonçalves Pinto, elementos de uma família de artistas no ativo no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX 42 4 – 475 465 Tabela V – Atividade artística de Eduardo da Fonseca Vasconcelos (1835-1913) Participação em exposições Ano Idade Evento Local Técnica 1851 16 Anos 4.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Desenho 1854 19 Anos 5.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Desenho 1857 22 Anos 6.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto - 1860 25 Anos 7.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1861 26 Anos Exposição da Associação Industrial Porto Escultura 1863 28 Anos 8.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1874 39 Anos 11.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Escultura 1878 43 Anos 12.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Projetos 1883 48 Anos Exposição Permanente no Palácio Cristal Porto Projetos Escultura - Escultura Fonte: Catálogos das exposições indicadas (consulte bibliograia inal) Tabela VI – Atividade artística de Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931) Participação em exposições Ano Idade Evento 1874 25 Anos 11.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Desenho 1877 28 Anos Exposição Hortícola Porto Pintura 1878 29 Anos 12.ª Exposição trienal A.P.B.A. Porto Pintura 1881 32 Anos I Exposição-Bazar Centro Artístico Porto Pintura Fonte: Catálogos das exposições indicadas (consulte bibliograia inal) 466 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio Local Técnica Pintura Imagem da capa FACULDADE de Ciências da Universidade do Porto: História da Faculdade de Ciências (Aula de Debuxo e Desenho – ilustração: Vista da cidade do Porto desde a Tore da Marca até às Fontainhas, de Manuel M. de Aguillar, em 1791). Acesso em linha. URL: <https://sigarra.up.pt/fcup/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=1019848>. Consultado em 12-06-2016. Siglas A.D.P. – Arquivo Distrital do Porto A.F.B.A.U.P. – Arquivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto A.H.M.P. – Arquivo Histórico Municipal do Porto A.H.S.C.M.P. – Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto F.A.F.C.U.P. – Fundo Antigo da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Fontes A.D.P. – Paróquia de Bonim. Óbitos. Ano 1882, l. 91. A.D.P. – Paróquia de Cedofeita. Óbitos. Ano 1886, l. 88v. A.D.P. – Paróquia de Santo Ildefonso. Batismos. Ano 1831, l. 80v. A.D.P. – Paróquia de Santo Ildefonso. Batismos. Ano 1836, l. 11. A.D.P. – Paróquia de São Nicolau. Batismos. Ano 1849, l. 60. A.D.P. – Paróquia de Sé. Óbitos. Ano 1816, l. 4v. A.F.B.A.U.P. – Processo do Aluno: Eduardo da Fonseca Vasconcelos. A.H.M.P. – Testamento de Leonor Augusta Gonçalves Pinto (falecida a 27 de outubro de 1931). 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Conde de Samodães, vice-inspector da Academia Portuense das Bellas-Artes, na respectiva sessão pública e distribuição de prémios da mesma Academia no dia 31 do mez d´Outubro de 1869. Porto: Na Typ. de Manoel José Pereira, 1869. CATÁLOGO das obras apresentadas na 11.ª Exposição Triennal e discurso pronunciado pelo Ill. e Ex.mo Snr. Conde de Samodães, vice-inspector da Academia Portuense das Bellas-Artes, na respectiva sessão pública e distribuição de prémios da mesma Academia no dia 31 do mez d´Outubro de 1874. Porto: Typographia de Manoel José Pereira, 1874. CATÁLOGO das obras apresentadas na 12.ª Exposição Triennal e discurso pronunciado pelo Ill. e Exc.mo Snr. Conde de Samodães, vice-inspector da Academia Portuense das Bellas-Artes, na respectiva sessão pública e distribuição de prémios da mesma Academia no dia 31 do mez d´Outubro de 1878. Porto: Typographia de António José da Silva Teixeira, 1878. CATÁLOGO das obras apresentadas na 13.ª Exposição Triennal e discurso pronunciado pelo Ill. e Exc.mo Snr. Conde de Samodães, Inspector da Academia Portuense das Bellas-Artes, na respectiva sessão pública e distribuição de prémios da mesma Academia no dia 31 do mez d´Outubro de 1881. Porto: Typographia de António José da Silva Teixeira, 1881. CATÁLOGO das obras apresentadas na 7.ª Exposição Triennal da Academia Portuense das Bellas Artes, no anno de 1860. Porto: Na Typographia de C. Gandra, 1860. CATÁLOGO das obras apresentadas na 8.ª Exposição Triennal da Academia Portuense das Bellas Artes, no anno de 1863. Porto: Na Typographia de C. Gandra, 1863. CATÁLOGO das obras apresentadas na 9.ª Exposição Triennal e discurso pronunciado pelo Ill. e Ex.mo Snr. Conde de Samodães, vice-inspector da Academia Portuense das Bellas-Artes, na respectiva sessão pública e distribuição de prémios da mesma Academia no dia 31 do mez d´Outubro de 1866. Porto: Typographia de Manoel José Pereira, 1866. CATÁLOGO das obras apresentadas na décima-quarta Exposição Triennal e discurso pronunciado pelo Ill. e Ex.mo Snr. Conde de Samodães, Inspector da Academia Portuense 470 Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua” Susana Moncóvio das Bellas-Artes, na respectiva sessão pública e distribuição de prémios da mesma Academia no dia 31 do mez d´Outubro de 1884. Porto: Typographia de António José da Silva Teixeira, 1884. CATÁLOGO das obras apresentadas na décima-quinta Exposição Triennal e discurso pronunciado pelo Ill. e Exc.mo Snr. Conde de Samodães, Inspector da Academia Portuense de Bellas-Artes, na respectiva sessão pública e distribuição de prémios da mesma Academia no dia 1 de Dezembro de 1887. Porto: Typographia de A. J. da Silva Teixeira, 1887. CATÁLOGO de pinturas, desenhos, esculpturas, arquitecturas, lores, e outros objectos d´arte, feitas pelos Professores e Discípulos da Academia Portuense das Bellas Artes; bem como por varias outras pessoas: Exposição feita ao Público em virtude do Art.º 69 dos respectivos Estatutos, na Galeria do Atheneo D. Pedro, em seguida à Sessão Pública para a distribuição dos Prémios aos Alumnos da mesma Academia, em 13 d´Outubro de 1851. Porto: Typographia de Gandra & Filhos, 1851 CATÁLOGO Oicial da Exposição de Archeologia e de objectos raros, naturaes, artísticos e industriaes, realisada no Palácio de Crystal Portuense. Porto: Typographia do Jornal do Porto, 1867. CATÁLOGO Oicial da Exposição Hortícola Internacional realisada nos dias 29 de junho a 8 de julho de 1877 no Palácio de Crystal do Porto. Porto: Typographia Occidental, 1877. CATÁLOGO Oicial da Exposição Internacional do Porto em 1865. Porto: Typographia do Commercio, 1865. CHADWICK, Whitney (2007) – Women, Art, and society. 4.ª ed. 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