DA SALA DE AULA AO LABORATÓRIO:
quem participa da construção das ciências?
Neide Mayumi Osada
Maria Conceição da Costa1
Introdução
A versão não contata da participação feminina na história das ciências
brasileira, a ausência de mulheres em cargos de direção de instituições de pesquisa e
de financiamento, a baixa representatividade na direção de faculdades, universidades,
academias de ciências e institutos de pesquisa e o reduzido percentual de mulheres
titulares têm criado, no imaginário popular, e até dentro da academia, falsas noções a
respeito da presença de cientistas e das suas contribuições. A androgenia e as
discussões hostis sobre o tema mulher, ciência e tecnologia demonstram que as
dificuldades enfrentadas por elas desde a primeira metade do século XVIII, quando
Nísia Floresta defendia uma maior participação feminina em cargos de comando e a
presença delas nas universidades, permanecem até os dias de hoje.
As publicações que retratam a história da USP mostram, através de
fotografias, imagens de mulheres pesquisando nos laboratórios da recém-criada
universidade, a partir de 1934. Além disso, as pesquisas sobre mulheres na USP
apontam que elas eram maioria nos cursos da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
(FFCL), atual Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas USP (FFLCH),
representando 60% das formadas entre 1934 e 1969 [ver tabela 1].
Nos final dos anos 1990, o cenário parece mais favorável à participação das
mulheres na academia e isso se traduz com o aumento significativo da presença de
1
Neide Mayumi Osada é mestranda do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto
de Geociências da Unicamp. Maria Conceição da Costa é professora do Departamento de Política
Científica e Tecnológica, DPCT/UNICAMP.
versão draft
1
mulheres nos bancos da universidade. Mas essa situação convive, ainda, com uma
participação desigual nos níveis mais altos da hierarquia das ciências.
Com isso, esse texto pretende discutir a situação da mulher na produção
contemporânea das ciências e os principais obstáculos enfrentados na construção de
suas carreiras. Para tanto, será necessário entender o contexto no qual se dá a inserção
da mulher no ensino superior e suas desventuras na busca pela qualificação, o texto
discutirá, assim, a situação do ensino primário e secundário durante o período anterior
a 1934, assim como retratará as condições da mulher naquela época.
A história mostra que as mulheres chegam tarde ao mundo da academia, mas
entram num momento de importantes mudanças nas ciências2, permitindo que elas
conquistem espaço nas universidades e se tornem maioria nos cursos de filosofia,
letras e ciência3. Da década de 1970 até os dias de hoje, as barreiras se tornaram mais
sutis, no entanto, ainda pesam sobre docentes e pesquisadoras, questões como
maternidade, dupla jornada, cuidados com crianças, idosos e valores masculinos das
ciências.
Inserção das mulheres nas ciências
A entrada da mulher no sistema educacional ocorre em 1827 a partir da Lei
Geral de ensino que cria alas femininas nos cursos de Primeiras Letras [equivalente ao
atual ensino primário]; em 1874 são criadas as primeiras escolas normais [equivalente
ao ensino médio] com seção especial para meninas. A educação feminina desde o
Primeiras Letras até o ensino secundário tinha como objetivo formar mães de famílias
e não visavam a formação intelectual e profissional, tal fato pode ser percebido pela
presença de professoras analfabetas que não foram impedidas de exercer suas
atividades docentes, já que não saber ler e escrever eram compensadas pelas
habilidades manuais e artesanais.
De acordo com Marcílio:
“Até a Lei Geral do ensino no Brasil de 1827 a instrução das meninas
sempre foi um setor negligenciado. A concepção sobre a educação que se deve dar às
meninas tinha, naturalmente, relação com a idéia que se fazia da natureza e do papel
da mulher na sociedade. Todas as autoridades que tratavam da educação das meninas
2
Criação de instituições de fomento à pesquisa, fundação da Universidade de São Paulo, importância
do laboratório como espaço privilegiado de conhecimento, convite a professores estrangeiros, criação
de programas de aperfeiçoamento no exterior, entre outras ações.
3
Conf. Blay & Lang (2004) e Cerdeira (2001).
versão draft
2
tinham como preocupação principal a formação da futura esposa, da futura mãe de
família. Se instruída, ela será uma boa esposa e como mãe seria capaz de criar de
forma cristã seus filhos. Mas a educação das meninas deveria ser separada da dos
meninos. O consenso existente era de que as meninas deveriam aprender, junto com
ler, escrever e contar, os trabalhos domésticos, os trabalhos de agulha. Nunca deveria
chegar ao ensino do latim, ou seja, não deveriam ter acesso ao tipo de cultura que os
humanistas consideravam indispensáveis aos meninos da elite”4
Na escola normal, a separação por sexo permitiu o ensino diferenciado com
disciplinas como bordado, música, educação religiosa para que elas se tornassem
“rainhas do lar”5 ou para que elas seguissem a carreira de professoras do primeiras
letras ou do ensino normal. Além disso, a separação por sexo tornou o ensino da
mulher ainda mais precário, já que os cursos femininos foram os que mais sofreram
com a falta de recursos.
Algumas mulheres nesse período lutaram por uma educação igualitária, entre
elas Nísia Floresta Brasileira Augusta6, uma das mulheres mais notáveis do Rio
Grande do Norte que enfatizou a importância da educação para as mulheres. Em
1838, ela funda o Colégio Augusto que inova ao incluir aulas de francês, latim,
italiano e inglês e pela qualidade do ensino, ao contrário das escolas femininas que
incluíam apenas educação religiosa e trabalhos manuais7.
Em 1879, é permitida a entrada de mulheres no ensino superior. No entanto, a
medida pouco repercutiu sobre sociedade: as alunas das escolas normais femininas
sequer podiam prestar os exames de admissão pois somente os alunos das “escolas
normais oficias” estavam aptos a prestar os exames8, como era o caso dos alunos do
Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, que não aceitava meninas. A abertura para as
mulheres ocorre somente em 1922 por pressão do movimento das sufragistas liderado
por Berta Lutz.
Na primeira metade do século XX, a situação da educação feminina era
bastante desfavorável no Brasil. Em termos macro, o cenário nacional da educação era
ainda desanimador, o censo no início do século XX apontava que 75% da população
do Estado de São Paulo era analfabeta9.
4
Marcílio, 2005: 63/64.
Constância Duarte apud Blay e Lang, 2004: 10.
6
Floresta nasceu em Papari no dia 12 de outubro de 1810, foi escritora e educadora.
7
Conforme Blay e Lang, 2004 e Constância Lima Duarte in:
http://www.editoramulheres.com.br/autor3_20.html
8
Marcílio, 2005.
9
Blay e Lang, 2005: 12.
5
versão draft
3
A entrada efetiva da mulher ao ensino superior ocorrerá somente em 1934
quando a FFLC da USP é inaugurada. Cerdeira [2001] e Blay & Lang [2004]
demonstram que a FFLC trouxe novas perspectivas para que as mulheres pudessem
construir carreiras de pesquisa e docência. Os dados apresentados por Cerdeira sobre
participação feminina e masculina na FFLC, Faculdade de Medicina e Faculdade de
Direito, estas duas últimas incorporadas à USP em 1934, mostram que as mulheres
ingressam efetivamente no ensino superior a partir da criação da USP. Os dados da
Tabela 1 demonstram que desde a criação das faculdades de Direito e Medicina e da
Escola Politécnica até 1969, a presença feminina nessas instituições não chega a 10%.
A FFCL tem comportamento inverso, de 1934 a 1969, a presença das mulheres no
corpo discente é de 60.4%, ou seja, elas já eram maioria [ver tabela abaixo].
Naquele período, as mulheres que ingressavam nos cursos da FFLC tiveram
papel de melhorar e ampliar o nível primário e secundário das escolas do estado de
São Paulo, a maioria das alunas da FFLC era normalista, ou seja, professora do
secundário, e assim que concluíam o curso, retornavam às atividades de docência no
secundário.
Algumas, poucas, se destacaram, fizeram pós-graduação e tornaram-se
docentes do ensino superior, como relata Blay [2001]. Na biologia, infelizmente, há
poucos relatos e registros sobre as primeiras biólogas formadas pela USP.
Tabela 1: Alunos formados pela USP de 1901 a 1996 por sexo e faculdade
Faculdade
Período
Direito
1901 - 1969
Total
Mulheres
%
12,249
1,116
9.11
Escola Politécnica
1895 - 1969
5,810
93
1.60
Medicina
1918 - 1969
3,595
314
8.73
FFLC
1934 - 1969
7,976
4,817
60.39
Fonte: Cerdeira, 2001: 103
Elaboração própria
Laboratórios do projeto genoma da Fapesp
Os esforços realizados pelo País para o desenvolvimento da área da genética se
iniciam em 1918, quando a Escola de Superior de Agricultura Luis de Queiros (Esalq)
versão draft
4
oferece o primeiro curso de genética ministrada por Carlos Teixeira Mendes. Nos
anos posteriores, outras instituições de pesquisa, como o Instituto Agronômico de
Campinas (IAC) e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, iniciaram as aulas de
genética, instalaram laboratório de pesquisa e convidaram professores estrangeiros
para impulsionar a área10.
Dessa forma, os resultados coletados pelo Projeto Genoma da Fapesp (PGF)
não podem ser entendidos apenas pela soma de recursos investidos, mas também
pelos esforços realizados ao longo do século XX; é preciso considerar que a “difusão
da ciência não ocorre no vazio cultural”, como afirmou Saldaña [2000].
A participação da mulher na produção científica, em especial nas ciências
biológicas e no projeto genoma, demonstra que a sua trajetória é marcada pelas
diferenças de gênero. Os dados apresentados mostram que nas salas de aula elas
correspondem a quase 60% dos discentes [da graduação ao pós-doc] e participam
igualitariamente do corpo docente [47% mulheres]11.
No entanto, a situação se agrava quando as mulheres não obtêm os mesmos
desempenhos acadêmicos e de pesquisa que seus pares homens. Elas caminham mais
lentamente nas carreiras e nas hierarquias da academia, coordenam menos pesquisas
[cerca de 39% das pesquisas coletivas são dirigidas por mulheres] e muitas vezes
estão fora dos “thinktanks” científicos e das decisões mais importantes tomadas por
institutos de pesquisa, instituições financiadoras e universidades.
As instituições de fomento à pesquisa têm papel crucial na consolidação das
ciências modernas. A aprovação de um projeto temático na Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) ou no Conselho Nacional de Pesquisa
(CNPq), por exemplo, garante ao pesquisador e à sua equipe recursos financeiros,
aquisição de equipamentos, reforma da infra-estrutura existente, garantia dos
suprimentos para pesquisa [laboratórios, informática etc], reserva técnica, custeio de
participação em eventos no país e no exterior entre outras facilidades. Ela também
certifica o grupo de pesquisa quanto à sua competência na área: o pesquisador ganha
visibilidade na comunidade científica e, quando os resultados alcançam a mídia,
torna-se referência na área junto à sociedade.
10
11
Conforme Schwartzman 2001.
Ver gráfico 1, 47% representa a média de professoras na USP, Unesp e Unicamp.
versão draft
5
Dessa forma, é fundamental saber quais são as áreas prioritárias das ciências
para conhecer quem faz ciência no país. Os dados apresentados na Tabela 2 mostram
o número de Projetos Temáticos aprovados na Fapesp de 1992 a 200412. Ao longo da
década de 1990 é possível acompanhar historicamente as áreas de maior prestígio, ou
de acordo com a Fapesp, “área de relevância da pesquisa para o desenvolvimento da
Ciência e Tecnologia”.
Os projetos temáticos aprovados nas áreas da biologia, ciência da computação
e química, principais áreas que compõem o projeto genoma, desde 1992 até 2004
mostram que, na somatória geral de 232 projetos financiados, apenas 31% foram
concedidos às mulheres. A ciência da computação obteve financiamento em apenas 6
projetos, todos coordenados por homens. Ao longo da década analisada, a química
teve 44 projetos temáticos aprovados, a maioria no período de 1996 - 1997 e 20002001, desse total apenas 14% foram concedidos às mulheres.
As ciências biológicas tiveram 182 projetos temáticos concedidos, desse total
apenas 36% foram coordenados por mulheres. A biologia é considerada eqüitativa do
ponto de vista do gênero13, e se avaliado do ponto de vista da participação de alunos e
alunas na graduação e na pós-graduação, a carreira poderia ser considerada feminina.
O levantamento de dados apresentado até o momento mostra que a baixa
representatividade de mulheres coordenadoras de pesquisas temáticas [ver tabela 3]
não é resultado de um número inferior de mulheres aptas a encaminhar e solicitar
recursos dessa natureza, também não se trata de fenômeno recente da presença
feminina. Como entender, então, a lentidão com que as mulheres avançam nas
ciências?
A categoria Auxílio à Pesquisa Regular da Fapesp14 concedeu 2.642 recursos
financeiros, de 1992 a 2004, a pesquisadores individuais com vínculo em instituições
de pesquisa no Estado de
São Paulo, desse total 49% foram concedidos a
pesquisadoras e 51% a homens nas áreas das ciências biológicas, para esse tipo de
financiamento as mulheres obtiveram recursos financeiros na mesma proporção que
homens.
12
Os dados para 2004 são resultados parciais.
Para Maffia, a ciências humanas no país é a única área do conhecimento feminina, as ciências
biológicas e da saúde são carreiras eqüitativas [Costa, 2002:29].
14
O Auxilio à Pesquisa Regular Fapesp tem como objetivo financiar pesquisas individuais no período
de um ou dois anos. Os arranjos internos para encaminhamento do pedido podem se configurar como
coletivo, no entanto o pedido é feito individualmente.
13
versão draft
6
O programa especial Jovem Pesquisador da mesma instituição tem como
objetivo principal oferecer condições adequadas de trabalho para pesquisadores sem
vínculo empregatício em instituições de pesquisa e que, de acordo com a Fapesp,
tenham “expressiva produção científica ou tecnológica”. O programa prevê a
formação de um grupo de pesquisa com orçamento para bolsas [de IC ao pós-doc],
aquisição de equipamentos, suprimentos para pesquisa, auxílio viagem entre outros.
Nesse programa, de 1992 a 2004, apenas 40% dos recursos foram concedidos às
mulheres.
Tabela 2: Projetos Temáticos Fapesp nas áreas da Biologia, Química e
Ciência da Computação por sexo de 1992 a 2004
Ano
1992 - 1993
T
M
1994 - 1995
%
Biofísica
-
-
Biologia Geral
1
1
Bioquímica
1
-
Botânica
1
1
T
100
M
1996 - 1997
%
T
M
1998 - 1999
%
T
M
2000 - 2001
%
T
M
2002 - 2003
%
1
-
-
1
-
-
3
1
33
1
-
-
-
-
-
-
-
1
1
100
-
-
T
-
M
2004
%
T
Total
M
%
T
M
%
-
-
-
-
-
-
6
1
17
1
-
-
-
-
-
3
2
67
-
3
-
-
17
5
29
12
2
17
7
4
57
10
3
30
4
3
75
54
17
31
100
-
-
-
2
2
100
2
1
50
1
1
100
-
-
-
-
-
-
6
5
83
Ciência da Computação
1
-
-
-
-
-
3
-
-
1
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
6
-
-
Ecologia
-
-
-
1
-
-
1
1
100
1
-
-
2
-
-
1
-
-
1
-
-
7
1
14
Farmacologia
1
-
-
3
-
-
4
1
25
3
1
33
3
1
33
8
4
50
-
-
-
22
7
32
Fisiologia
4
1
25
1
-
Genética
1
1
100
1
1
Imunologia
-
-
-
1
Microbiologia
-
-
-
Morfologia
-
-
-
Parasitologia
-
-
-
1
1
Química
4
1
25
6
-
-
-
-
-
14
5
36
18
2
Zoologia
Total
-
2
1
50
8
1
13
4
1
25
6
2
33
2
-
-
27
6
22
100
1
-
-
5
2
40
3
2
67
4
2
50
3
2
67
18
10
56
-
-
4
2
50
4
2
50
6
3
50
5
3
60
1
1
100
21
11
52
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
1
-
-
1
-
-
-
-
1
1
100
1
-
-
4
1
25
1
1
100
2
-
-
2
1
50
-
-
-
6
3
50
9
4
1
25
12
1
8
4
1
25
3
1
33
44
6
14
2
1
50
7
2
29
40
17
8
47
232
72
31
100
-
-
-
-
11
1
2
-
-
1
1
100
2
-
-
-
-
11
49
13
27
47
14
30
44
13
30
43
17
Fonte: Fapesp, 2004
T= Total de pesquisadores
M= Mulheres
% = porcentagem de mulheres
Elaboração Própria
versão draft
7
Tabela 3: Programas de Apoio à pesquisa na biologia por sexo de 1992 a
2004
Programas
de
1992 - 2004
Pesquisa Fapesp
T
M
%
Projetos Temáticos
182
66
36%
Jovem Pesquisador
164
66
40%
Genoma
218
88
40%
Total
564
220
39%
Fonte: Fapesp, 2004
T= Total; M= Mulheres e %= de mulheres sobre o total
Elaboração própria
Gráfico 1: Distribuição de docentes do curso de biologia da Unesp,
Unicamp e USP - 2005
USP
UNICAMP
UNESP
46%
47%
41%
54%
59%
53%
Mulheres
Homens
Fonte: USP, Unesp e Unicamp, 2005/ Elaboração própria
A análise dos projetos temáticos em biologia por subárea do conhecimento
mostra que a participação da mulher varia de acordo com a temática, os dados mais
interessantes são para genética nas quais
as mulheres coordenaram 56% dos
temáticos [tabela 2], ou seja, de um total de18 projetos, 10 foram coordenados por
mulheres. O Gráfico 1 [acima] apresenta a participação por sexo no corpo docente dos
versão draft
8
cursos de biologia das principais universidades do Estado, no geral, as mulheres
representam 47% do total do corpo docente.
Por departamento os dados mostram que a botânica é uma área feminina tanto
na USP [13 de um total de 22 vagas] quanto na Unesp [10 de 13]; na Unicamp as
mulheres ocupam 50% das vagas [9 de 18]. No departamento de Genética e Evolução
da USP, as mulheres ocupam 61% das vagas [21 mulheres de um total de 34 vagas];
no entanto, na Unesp e Unicamp a participação é majoritariamente masculina, sendo
66% e 70% respectivamente [ver gráfico 2]. A Unicamp e a Unesp possuem algumas
características em comum como grande número de departamentos totalizando uma
média de 12, enquanto que a USP possui apenas 5 departamentos, herança da FFLC.
Gráfico 2:
Participação de docentes por área nas ciências
biológicas por sexo e unidade, em porcentagem - 2005
Zoologia Unicamp
Zoologia Unesp
Zoologia USP
Genética Unicamp
Genética Unesp
Genética USP
Fisiologia Unicamp
Fisiologia Unesp
Fisiologia USP
Botânica Unicamp
Botânica Unesp
Botânica USP
0
20
40
Feminino
60
80
100
Masculino
Fonte: Unesp, Unicamp e USP, 2005
Elaboração própria
A partir da criação e desenvolvimento do Projeto Genoma da Fapesp, a
biologia muda radicalmente sua forma produzir conhecimento. A biologia molecular
versão draft
9
ganha espaço ainda maior espaço no cenário nacional, os recursos públicos para
pesquisa têm privilegiado a área em detrimento dos setores tradicionais da biologia,
empresas de biotecnologia foram criadas a partir da introdução de técnicas de
mapeamento genético de organismos vivos e do fortalecimento de áreas como
genômica, proteômica e expressão.
O projeto genoma da Fapesp envolveu um número grande de pesquisadores de
diversas áreas do conhecimento das ciências da vida e exatas, e se justifica pela
complexidade do projeto, pela aplicabilidade do conhecimento em praticamente todas
as áreas das ciências da vida e pelo fato de se tratar de um novo conhecimento de
interesse multidisciplinar.
A maioria dos laboratórios envolvidos, de um total de trintas espalhados pelo
Estado de São Paulo, é de biologia, já que as técnicas de seqüenciamento e os
equipamentos necessários pertencem à biologia. Dados extraídos dos sites da Fapesp e
dos projetos Xylella, Xanthomona e Cana-de-Áçucar [projetos genomas analisados]
mostram que 30,5% dos laboratórios foram coordenados por mulheres, 47,3% da
equipe de pesquisadores eram mulheres e nenhuma mulher presente entre os
coordenadores gerais do projeto, assim como nenhuma mulher foi convidada a
participar das primeiras reuniões que decidiram os rumos do projeto genoma.
Gráfico 3:
Projeto Genoma: coordenadores e pesquisadores por sexo em
percentagem
80
69.44
70
52.66
60
47.34
50
40
30
30.56
20
10
0
Coordenadores
Feminino
Pesquisadores
Masculino
Fonte: Fapesp, 2005. Elaboração própria
versão draft 10
Ainda que a biologia possa ser considerada uma área feminina, as subáreas que
mais cresceram e mais recursos receberam têm sido coordenadas por pesquisadores
homens. Para ss primeiras reuniões organizadas pelo então diretor científico da
Fapesp, Fernando Perez, foram convidados dezoito pesquisadores e consultores em
biologia e áreas afins. Quando questionado a um dos coordenadores do projeto
genoma sobre as razões da ausência das mulheres, a pergunta ficou flanando pelo
laboratório de biologia sem que nenhuma resposta convincente fosse captada pelo
gravador.
Considerações Finais
O amadurecimento da ciência brasileira acontece a partir da segunda metade
do século XX, desenvolve-se de forma heróica, ainda que periférica. O ensino
superior abre-se, efetivamente, para a entrada da mulher a partir de 1934, quando as
alunas das escolas normais passam a ser instruídas e não apenas educadas para o lar, é
quando a FFLC-USP convida as normalistas a prestarem os exames de admissão.
Já na década de 1960, 60% das alunas constituem do corpo discente da FFLC .
Mas essa história não é relatada pelos historiadores das ciências que as colocam ainda
mais no poço do obscurantismo: “Mulher naquela época não fazia ciência e nem
desenvolvia uma carreira profissional15”, tais afirmações apontam para uma certa
androgenia das ciências e da sua história.
Ironicamente, para alguns analistas, as mulheres não faziam ciência. E hoje
fazem?
Os dados da Fapesp apontam para avanços das mulheres nas ciências
biológicas na graduação, pós-graduação e pós-doc, representando 60% do total de
alunos. Na universidade, elas são 47%
16
do total de docentes, mas apenas 17%17dos
professores titulares. Isso demonstra que nas posições mais altas da hierarquia há subrepresentação feminina, e uma das razões para esse fato é a forma inadequada com
que as instituições de pesquisa e de fomento avaliam a produção feminina. Ao não
respeitar as diferenças entre os sexos - não nos aspectos que as denigrem, mas nas
15
Frase de analista da história da ciência ao explicar a ausência das mulheres, em entrevista por
email.
16
Ver gráfico 1
17
Academia Brasileira de Ciências, 2003.
versão draft 11
diferenças que as impedem de produzir, pesquisar, publicar na mesma velocidade que
homens - a ciência impõe que a mulher se adapte ao perfil masculino.
Como afirma Pérez Sedeño18, a biologia ainda é um dos últimos redutos da
razão impessoal, e valores como universalidade, objetividade, neutralidade e
racionalidade são compartilhados por aqueles que produzem conhecimento na área
das ciências biológicas, homens e mulheres.
Tais valores [objetividade/ subjetividade, neutralidade/ emoção, racionalidade/
sensibilidade] atuam como pares binários e dicotômicos que impem compreender as
ciências em toda a sua complexidade. Donna Haraway [2000] propõe a idéia de
valores polifônicos e polivalentes e como alternativa aos valores universais das
ciências fala em conhecimentos situados. No caso da biologia brasileira, houve
grandes avanços em termos quantitativos [presença de alunas na graduação e na pósgraduação]; qualitativamente ainda estamos vivendo o iluminismo das ciências19,
valores iluministas ainda persistem e não são questionadas pelas cientistas, além
disso, os cargos mais altos da hierarquia das ciências/ academia e institutos de
pesquisas são ocupados majoritariamente por homens.
Referência Bibliográfica
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