A TRINDADE
O MISTÉRIO DE DEUS
MUSEU PAROQUIAL DE ÓBIDOS
(IGREJA DE SÃO JOÃO BAPTISTA)
A TRINDADE
O MISTÉRIO DE DEUS
MUSEU PAROQUIAL DE ÓBIDOS
IGREJA DE SÃO JOÃO BAPTISTA
Ficha Técnica
Organização:
Câmara Municipal de Óbidos
Rede de Museus e Galerias
Óbidos Patrimonium, E.M.
Coordenação e textos:
Sérgio Gorjão
Museografia:
Sérgio Gorjão
Empréstimos:
Paróquia de Santa Maria de Óbidos
Paróquia de São Pedro de Óbidos
Santa Casa da Misericórdia de Óbidos
Santuário do Senhor Jesus da Pedra
Fotos:
Câmara Municipal de Óbidos
Associação de Defesa do Património
do Concelho de Óbidos
Colaboração:
Daniel Sousa, João Liberata Machado,
João Pedro Tormenta, Patrícia Roque,
Paula Maria Ganhão, Zélia Ferreira.
Design:
Costa Valença, Publicidade Lda
Impressão:
Palma Artes Gráficas, Lda
Depósito legal n.º
1000 exemplares
Óbidos, 2006
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SANTÍSSIMA TRINDADE
Séc. XVI (1.ª metade)
Escultura em pedra policromada e dourada
60 x 30 x 25 cm.
Museu Municipal de Óbidos, Inv.nº.157 (aquisição 1999)
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Cristo Ressuscitado
Escultura policromada e dourada, séc. XVI (final), Igreja de São Tiago de Óbidos
(Museu Municipal de Óbidos)
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INTRODUÇÃO
A exposição e o presente texto, propõem
uma abordagem sintética e parcial dos texto bíblicos onde se refere a figura de Deus
que, na tradição religiosa cristã, se assume
numa unidade, a Trindade, ou seja, uma só
natureza em três pessoas: o Pai, o Filho e o
Espírito Santo.
A justificação para a apresentação deste
tema radica no facto de ser um elemento
central da teologia cristã, tão importante
que em tempos foi motivo de acesas discussões entre as diversas igrejas e mesmo motivo de cisão entre o Ocidente e Oriente.
Óbidos é uma terra onde os aspectos religiosos e a vida espiritual se revelam sob
diversas formas. Há evidências de uma religiosidade pungente e histórica nos templos
dispersos na Vila e no extenso calendário
de actividades que pontuam todo o ano.
Sobretudo sente-se um ambiente subtil que
nos transporta facilmente para uma dimensão diversa daquela a que nos habituámos
no contexto de vida actual.
Mais uma vez o Museu Paroquial tenta trazer à luz do dia um tema importante para o
cristianismo, mas configurando-o como uma
referência cultural. Arte, Cultura e Religião
são conceitos que em muitos aspectos se
relacionam para ajudar o Homem a compreender e a vivenciar a sua dimensão espiritual.
No contexto do mundo contemporâneo, sobretudo no mundo tocado pelo Catolicismo,
o aspecto simbólico da arte pode ser crucial
para a defesa dos valores da vida, da paz e
da tolerância; bem como para a assunção da
consciência do Homem como um meio de expressão do divino. A pesquisa sobre a arte, no
seu aspecto externo e na sua dimensão interna (transcendente), são veículos para o entendimento da vocação da Igreja, da História do
Homem, do caminho apontado por Cristo no
passado, no presente e, sobretudo, no futuro.
Reflectir sobre a Santíssima Trindade, um
tema tão central para o cristianismo, é essencial para entender a História e a natureza da palavra de Deus, numa manifestação
superabundante de amor.
Para este “Catálogo”, além dos textos introdutórios, utilizaram-se duas bases textuais
insuperáveis: a Bíblia e o Novo Catecismo
(Lei e Doutrina), basilares para o conhecimento e entendimento (ou justificação) da
realidade transcendente da Trindade. Para
a exposição utilizaram-se peças de referência no panorama artístico do concelho de
Óbidos, sendo que nos merecem especial
destaque os provenientes de templos como
o Santuário do Senhor Jesus da Pedra, importante monumento barroco dedicado à figura de Cristo no Calvário; a Igreja de Santa Maria (com várias representações da vida
de Cristo), a Igreja de São Pedro, dedicada
a um dos discípulos de Cristo, a Capela do
Espírito Santo da Sancheira Grande (A-dosNegros) e, obviamente, os museus, onde se
concentram algumas das principais obrasprimas.
No contexto da presente exposição e dos
propósitos de uma unidade museal com as
características do Museu Paroquial de Óbidos, é fundamental ter presente o valor espiritual dos bens artísticos religiosos que se
exibem.
Segundo o novo Catecismo, “o homem exprime também a verdade da sua relação a
Deus Criador pela beleza das suas obras artísticas. A arte é, com efeito, uma forma de
expressão especificamente humana. Para
além da busca da satisfação das necessidades vitais, comum a todas as criaturas vivas, a arte é uma superabundância gratuita
da riqueza interior do ser humano”.
Sérgio Gorjão
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Fides omnium christianorum in Trinitate consistit
A fé de todos os cristãos consiste na Trindade
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O PRINCÍPIO DA UNIDADE TRINITÁRIA
A formação do dogma da Trindade encontra-se na raiz da fé cristã e é expresso
em diversos passos bíblicos, como na saudação “A graça do Senhor Jesus Cristo, o
amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2 Co 13,13;
cf. 1 Cor 12,4-6; Ef 4,4-6). A partir das
referências bíblicas e desde os primeiros
séculos do cristianismo, a Igreja procurou
formular com exactidão a base doutrinal
da sua fé trinitária, não só para aprofundar a sua compreensão da fé, mas também para evitar eventuais deturpações ou
ambiguidades na sua interpretação. Desta
forma foram vários os concílios e doutores
da Igreja que se debruçaram sobre a questão, desenvolvendo raciocínios filosóficos
e teológicos, bem como uma terminologia
específica, na qual se sintetizam conceitos como o de “substância” (o equivalente
a “natureza” ou “essência”), ”pessoa” ou
“hipóstase” (a diferenciação das figuras
divinas), e outros conceitos.
No dogma da Santíssima Trindade defende-se o aspecto de unidade já que não há
uma confissão a três deuses distintos, mas
a um só Deus manifesto em três pessoas.
É o conceito de “Trindade consubstancial”
estabelecido no Concílio de Constantinopla II, no ano 553 (DS 421).
entre si: “Deus é único, mas não solitário”. “Aquele que é o Pai não é o Filho,
e aquele que é o Filho não é o Pai, nem o
Espírito Santo é o Pai ou o Filho” (Cc. de
Toledo XI, ano 675: DS 530), distinguindose pela suas relações de origem “O Pai que
gera, o Filho que é gerado, o Espírito Santo que procede” (Cc. Latrão IV, ano 1215:
DS 804).
Sendo que as pessoas divinas apresentam
uma relatividade para com as restantes é
neste ponto que elas se distinguem (não
propriamente dividem). Também esta definição é feita no Concílio de Toledo XI, no
ano 675 (DS 528), na qual se diz “Nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido
ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo
aos dois; quando se fala destas três pessoas considerando as suas relações, crê-se
todavia em uma só natureza ou substância”. Perto de 800 anos depois, no Concílio de Florença de 1442 (DS 1330 e 1331)
reafirma-se este princípio de unidade já
que “Tudo neles é uno, lá onde não existe
a oposição de relacção”. “Devido a esta
unidade, todo o Pai existe no Filho e no
Espírito Santo; o Filho está todo no Pai,
e no Espírito Santo; o Espírito Santo está
todo no Pai e no Filho”.
No Concílio de Toledo XI, em 675 (DS 530),
defende-se que as três pessoas da Trindade
valem cada uma por si o mesmo que todas
juntas, já que de algum modo a “divisão”
nas três pessoas é apenas relativa e não
absoluta; situação esta sublinhada no Concílio de Latrão IV, no ano 1215 (DS 804) em
que se diz que “Cada uma das três pessoas
é a mesma realidade, isto é, a substância,
a essência ou a natureza divina”.
Define-se, também, em diversos eventos
da história do cristianismo, o conceito de
“filioque” em que o Espírito Santo procede
do Pai e do Filho, como aliás é expresso
no Credo de Niceia e mais tarde, no Concílio de Florença de 1438, se redefine que
“O Espírito Santo tem sua essência e seu
ser subsistente ao mesmo tempo do Pai e
do Filho e procede eternamente de Ambos
como de um só princípio e por uma única
expiração...”
Na obra Fides Damasi (DS 71) defende-se
que as três pessoas divinas são distintas
Embora em 381, no Concílio de Constantinopla, afirmação do “filioque” não figurasse,
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existiu desde cedo esta tradição latina e alexandrina, a qual teve especial expressão com
o papa São Leão em meados do século V. É
a diferença de entendimento sobre a procedência do Espírito Santo que gerou a discórdia
e a divisão doutrinal entre as igrejas cristãs
(orientais e ocidental).
No Oriente afirma-se que o Espírito procede
do Pai pelo Filho. No Ocidente é dado relevo
Urna do Santíssimo (com representação da Trindade)
Talha dourada, séc. XVIII (final),
Igreja da Misericórdia de Óbidos
(Museu Municipal de Óbidos)
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à comunhão consubstancial entre o Pai e o
Filho, afirmando-se que o Espírito procede do
Pai e do Filho (“filioque”).
Um dos grandes doutores da igreja do século IV, o Padre Grego da Capadócia S. Gregório Nazianzeno (c.330-390), denominado
“o Teólogo”, faz a seguinte síntese de fé
aos Catecúmenos de Constantinopla: “Antes de todas as coisas, conservai-me este
bom depósito, pelo qual vivo e combato,
com o qual quero morrer, que me faz suportar todo os males e desprezar todos os
prazeres; refiro-me à profissão de fé no Pai
e no Filho e no Espírito Santo. Eu vo-la confio hoje. Eu vo-la dou como companheira
e dona de toda a vossa vida. Dou-vos uma
só Divindade e Poder, que existe Una nos
Três, e que contém os Três de uma maneira
distinta. Divindade sem diferença de subs-
tância ou de natureza, sem grau superior
que eleve ou grau inferior que rebaixe... A
infinita connaturalidade é de três infinitos.
Cada um considerado em si mesmo é Deus
todo inteiro... Deus os Três considerados
juntos. Nem comecei a pensar na Unidade,
e a Trindade me banha no seu esplendor.
Nem comecei a pensar na Trindade, e a unidade toma conta de mim” (0r. 40,41: PG
36,417).
Pai
Espírito Santo
Filho
Pormenor do Sacrário do Retábulo
da Capela-Mor (com representação
da Trindade)
Talha dourada, séc. XVIII (início),
Igreja de São Pedro de Óbidos
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O MISTÉRIO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
De acordo com a doutrina católica, o entendimento da figura trinitária de Deus, ou de
Deus em três “pessoas”, é matéria de Fé,
sobrepondo-se a um mero conhecimento racional.
Segundo o Novo Catecismo da Igreja Católica
“a Trindade é um mistério de fé no sentido
estrito, um dos “mistérios escondidos” em
Deus, que não podem ser conhecidos se não
forem revelados do alto” (Cc. Vaticano I: DS
3015)”. Embora Deus (trinitário) se tenha
revelado no Antigo Testamento manteve-se,
contudo, um mistério inacessível à “pura a
razão e até mesmo à fé de Israel antes da
Encarnação do Filho de Deus e da missão do
Espírito Santo” (1).
Este conhecimento, entendimento ou interiorização pela Fé, é um sinónimo de desenvolvimento espiritual, ligando-nos a uma dimensão superior e sobrenatural. Trata-se de
um conhecimento mais íntimo mas, mesmo
assim, ainda podemos entendê-lo como um
estado intermédio para uma realidade de
revelação em que a dimensão de beatitude
e de clarividência se tornam absolutamente
pungentes e determinantes.
Os mistérios da Trindade, da Encarnação e da
Redenção, pondo a tónica no primeiro que,
de algum modo, aglutina os seguintes, são os
mais importantes do Catolicismo, pelo que
a sua observação e compreensão se tornam
cruciais para uma franca realização espiritual e para uma verdadeira Fé em Deus.
Se por um lado a manifestação de Deus Filho
é muito “palpável” dado a sua componente
histórica e humana, por outro a Santíssima
Trindade é a realidade profunda e um dos
fulcros da Fé, devendo por isso ser mais “estudada” e “ensinada”.
Sendo Deus uma entidade única, as três pessoas da Trindade não podem ser vistas separadamente. Este paradoxo transportaria
para o Cristianismo uma visão politeísta. Assim Deus revela aspectos diversos num plano relativo, mas trata-se apenas de várias
“formas” do mesmo “objecto”. É como que
a manifestação de várias cores do arco-íris
que não o são por si, mas sim como a “diferenciação” de um feixe de luz. Pai, Filho e
Espírito Santo são detentores de uma mesma natureza divina, não repartem entre si
essa natureza e não podem ser entendidas
nunca como três naturezas diferentes.
Contudo, atendendo às limitações do ser humano, por vezes, do ponto de vista intelectual e conceptual é “necessário” distinguir
ou analizar cada uma das três pessoas que
compõe a Trindade. Esta “diferenciação”
revela-se não tanto na natureza divina (que
é igual e concomitante a ambos), mas sim
nos paralelos de relaccionamento existentes
entre cada uma das pessoas divinas. O Pai e
o Filho têm uma relação de paternidade / filiação e a relação destes com o Espírito Santo é de Processão (ou seja procede do Pai e
do Filho). Esta “Pessoa” divina é como que
um elemento vivificador, nascida do laço de
amor que une o Pai e o Filho.
As três pessoas divinas, por possuírem a
mesma natureza, são absolutamente iguais
entre si, manifestam a mesma imutabilidade, imensidade, infinidade, poder, sabedoria
e amor. Na realidade absoluta não se pode
entender que exista Pai sem Filho e sem Espírito Santo e vice-versa, nem nenhuma relação hierárquica, pese embora se entenda
que o Filho procede do Pai e que o Espírito
proceda de ambos.
O Filho de Deus está no Pai porque participa
(1) Catecismo da Igreja Católica, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1993
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da mesma natureza; o Pai está no Filho pela
mesma razão e porque este é feito à Sua
imagem; por fim o Espírito Santo convive na
Natureza divina, é expressão de Amor entre
Pai e Filho, pelo que resulta que as pessoas
divinas habitam em reciprocidade.
“Paradoxalmente” a relação de procedências do Filho relativamente ao Pai, e do
Espírito Santo conduzem a uma caracterização de atributos mais adequados a uma
ou outra pessoa divina. Deste modo o Pai
é essencalmente detentor de poder e criação (“Deus Pai Todo Poderoso, criador do
Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis
e invisíveis.....”); o Filho é instrumento de
redenção e, por isso mesmo, manifestação
de Sabedoria de conciliação entre justiça e
Misericórdia e, sobretudo, de dádiva do seu
ser para a remissão dos pecados do Mundo;
e o Espírito Santo é manifestação de Amor,
cuja missão é a santificação das Almas.
Ao receber o sacramento do Baptismo este
é dado “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Por este motivo se afirma que
o Mistério da Santíssima Trindade é o mistério central do Cristianiamo e da Fé, já que
se reporta a Deus em si mesmo, sendo, por
isso, precedente a qualquer outro mistério.
Apresentação da Trindade (três Anjos) a Abraão (Gn 18)
Azulejos polícromos, fábrica do Juncal (Alcobaça) ?, c. 1770-80, Quinta das Janelas
(Óbidos)
11
“Continuava eu a olhar até que foram preparados uns troncos
e um ancião sentou-se.
Branco como a neve era o seu vestuário
e os cabelos da cabeça eram como de lã pura (...)”.
(Dn 7, 9)
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DEUS PAI
A invocação de um deus criador ou do qual
procede o ser humano ou o universo é comum
a muitas religiões.
Na antiga religião judaica a concepção Deus
é materializada na figura do Rei supremo de
Israel e sobretudo na figura de Pai: a origem
primordial de todas as coisas; a autoridade
transcendente e a expressão de um amor paternal de bondade e solicitude para com os
seus filhos, mas também de punidor (tal é o
caso do Deus da Aliança com Noé). Há, contudo, um forte sentimento dual entre o sujeito
e o objecto, ou seja, entre o Homem e o seu
Deus.
A Fé em Deus Pai radica, desta forma, na confiança da relação e experiência humana da
paternidade e maternidade. Por este motivo
é considerada a primeira esfera de relação
espiritual a dos filhos com os seus pais biológicos ou de criação e daí uma segunda relativa aos sacerdotes (segundos pais) e com Deus
(o Pai absoluto).
Criação do Universo
No princípio, quando Deus criou os céus e a
terra, a terra era informe e vazia, as trevas
cobriam o abismo, e o espírito de Deus movia-se sobre as águas.
Deus disse: “Faça-se luz”. E a luz foi feita.
Deus viu que a luz era boa e separou a luz das
trevas. Deus chamou dia à luz e às trevas,
noite (...) foi o primeiro dia.
Deus disse: “Haja um firmamento entre as
águas, para as manter separadas umas das
outras” (...) foi o segundo dia.
Deus disse: “Reúnam-se as águas que estão
debaixo dos céus, num único lugar, a fim de
aparecer a terra seca”. (...) Deus disse: “Que
a terra produza verdura” (...) foi o terceiro
dia.
Para o cristianismo Deus Pai não é só o Deus
Criador de todas as coisas, numa origem historicamente remota, mas é também um Pai
eterno, que está para além da concepção
humana de tempo, personificada em Cristo
como Seu filho, a encarnação do Verbo, tornando-se, assim, Pai de todos os Homens de
todos os tempos.
No ritual cristão o primeiro passo é o sacramento do baptismo, acção iniciática e propiciatória em que se afirma, perante o exemplo
de Cristo, a fé no Mistério da Trindade. Deste modo os apresentados são baptizados “em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”
(Mt 28,19), tendo antes, contudo, respondido
“Creio”, inequivocamente, à pergunta sobre a
sua certeza e fé nas três pessoas da Trindade.
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Deus Pai (pormenor do Túmulo de D. João de Noronha e D.ª Isabel de Sousa)
João de Ruão, Coimbra, escultura em pedra calcária, c. 1523, Igreja de Santa Maria de Óbidos
Deus disse: “Haja luzeiros no firmamento dos
céus, para separar o dia da noite e servirem
de sinais, determinando as estações, os dias
e os anos” (...) foi o quarto dia.
Deus disse: “Que as águas sejam povoadas
por inúmeros seres vivos, e que por cima da
terra voem aves, sob o firmamento dos céus”
(...) foi o quinto dia.
Deus disse: “Que a terra produza seres vivos,
segundo as suas espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes (...)”.
Depois, Deus disse: “Façamos o ser humano
à nossa imagem, à nossa semelhança (...)”.
Deus criou o ser humano (...) Ele os criou
homem e mulher. Abençoando-os Deus disselhes: “Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra (...) foi o sexto dia.
Concluída, no sétimo dia, toda a obra que havia feito, Deus repousou (...).
Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o,
visto ter sido nesse dia que Ele repousou de
toda a obra da criação. (Gn 1-2)
A Expulsão do Paraíso e a Aliança com Noé
Após a expulsão de Adão e Eva do jardim do
Éden, gera-se uma descendência de homens
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que se entregam ao mal e Deus, pretendendo
puni-los, ordena a Noé, “...um homem justo e perfeito, entre os homens do seu tempo
(...)”, que construísse uma arca.
Deus disse a Noé: “(...) Constrói uma arca de
madeiras resinosas. Dividi-la-ás em compartimentos e calafetá-la-ás com betume, por
dentro e por fora. (...) É que Eu vou lançar
um dilúvio que, inundando tudo, eliminará
debaixo do céu todos os seres vivos. (...) Contigo, porém, farei a minha aliança: entrarás
na arca com os teus filhos, a tua mulher e as
mulheres de teus filhos.
De tudo o que tem vida, de todos os animais,
levarás para a arca dois de cada espécie
(...)”.
Choveu torrencialmente durante quarenta
dias sobre a terra, depois a chuva parou, as
águas foram baixando e a terra foi secando,
até que se puderam libertar os animais que
estavam na arca.
Noé construiu um altar ao Senhor, onde Lhe
fez ofertas em holocausto.
Deus disse no seu coração: “De futuro não
amaldiçoarei mais a terra por causa do homem (...). Enquanto subsistir a Terra, haverá
sempre a sementeira e acolheita, o frio e o
calor, o Verão e o Inverno, o dia e a noite”.
(Gn 6-8)
Moisés e a Sarça-ardente (Ex 3, 2)
Azulejos polícromos, fábrica do Juncal (Alcobaça) ?, c. 1770-80, Quinta das Janelas (Óbidos)
A Aliança com Abraão
Deus ordena a Abrão que partisse para a terra que Ele indicasse, e este assim fez fixando-se em Hebron, terra que lhe ficara prometida para si e para os seus descendentes,
apesar da sua mulher, Sarai, ser estéril.
Sarai, para manter a linhagem de Abrão,
oferece ao marido a sua escrava Agar, a qual
veio a conceber e a dar à luz Ismael.
Deus, contudo, aparece a Abrão e estabelece
com ele uma nova aliança, permitindo-lhe ter
filhos da própria mulher, os quais haveriam de
constituir a origem de diversos povos. Em sinal da aliança com Deus, todos os homens da
sua casa e ele próprio, seriam circuncidados.
Desde esse momento Abrão passa a denomi-
nar-se Abraão e a sua mulher deixaria de se
chamar Sarai para ser conhecida por Sara.
Nasce Isaac, filho legítimo de Abraão e Sara,
mas Deus ordena a Abraão, como prova do
sua fidelidade, que sacrifique Isaac, o seu filho legítimo.
Abraão, dilacerado mas com total obediência
a Deus, promove a execução de Isaac, mas
num último instante o mensageiro do Senhor
chamou Abraão do céu (...) e disse-lhe: “Juro
por mim mesmo, declara o Senhor, que, por
teres procedido dessa forma e por não teres
recusado o teu filho (...), abençoar-te-ei e
multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu e como a areia das praias do
mar (...)”. (Gn 12-22)
15
Recolha do Maná (Ex 16, 15), azulejos polícromos, fábrica do Juncal (Alcobaça) ?, c. 1770-80, Quinta das Janelas (Óbidos)
Apanha das codornizes no deserto (Ex 16, 13), azulejos polícromos, fábrica do Juncal (Alcobaça) ?, c. 1770-80, Quinta das Janelas (Óbidos)
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Água na rocha no Horeb (Ex 17, 6), azulejos polícromos, fábrica do Juncal (Alcobaça) ?, c. 1770-80, Quinta das Janelas (Óbidos)
A Aliança com Moisés
Deus Libertador e Justo
Moisés, nascido de uma família judia, salva-se ao martírio dos inocentes ordenado
pelo faraó Ramsés II, sendo depositado num
cesto e deixado à deriva no Nilo, de onde
é recuperado e adoptado por uma princesa
egípcia.
Crescendo na convicção de ser um membro
da casa real, Moisés é confrontado, já em
idade adulta, com a sua verdadeira origem
e retira-se para junto das famílias de Israel,
casando com Séfora.
Estando um dia, na montanha, a apascentar
os rebanhos de seu sogro, assiste ao milagre
da sarça-ardente, revelando-lhe Deus a missão a que estava destinado: libertar os povos
de Israel.
Por ordem de Deus, Moisés e Aarão vão à
presença do faraó pedir-lhe a libertação dos
seus povos. O faraó recusa, mesmo quando
confrontado com as sete pragas que foram
lançadas sobre o Egipto: a transformação da
água do Nilo em sangue, a praga de rãs, de
mosquitos e moscas, a morte dos animais de
criação, e a criação de úlceras e pústulas; a
chuva de granizo e fogo; a praga dos gafanhotos e as trevas e, por último, a morte de
todos os filhos primogénitos no Egipto durante a celebração da Páscoa judaica.
Só depois disto o faraó acaba por permitir a
partida dos judeus.
Na travessia do mar vermelho, Deus opera
um novo milagre, permitindo a passagem
por entre as águas. Na outra margem, no
deserto, o povo de Israel chega ao oásis de
Elim, onde se opera o milagre da purificação
das águas, e o milagre do maná e das codornizes.
Os israelitas chegam, por fim, ao deserto do
Sinai, onde Deus pronuncia os dez mandamentos a Moisés. (Êxodo)
Embora o Antigo Testamento esteja repleto
de revelações de Deus Pai, estes são os passos
essênciais da aliança estabelecida com a Sua
criação e os alicerces da Casa que culmina
com a assunção do Filho Redentor.
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Morte da filha de Jefté (Jz 11, 34), azulejos polícromos, fábrica do Juncal (Alcobaça) ?, c. 1770-80, Quinta das Janelas (Óbidos)
Moisés apresentando as Tábuas da Lei (Ex 32, 15)
Azulejos polícromos, fábrica do Juncal (Alcobaça) ?,
c. 1770-80, Quinta das Janelas (Óbidos)
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Eu sou o alfa e o ómega,
O primeiro e o último, o princípio e o fim.
O que é, o que era e que há-de vir.
(Apoc 22, 13 e 1, 8)
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DEUS FILHO - JESUS CRISTO
A manifestação encarnada do Verbo divino
na pessoa de Jesus é um dos momentos mais
extraordinários da História da Humanidade,
independentemente de se professar o Cristianismo.
Este sentimento de algo tão transcendentalmente extraordinário reside no facto desta
ser uma manifestação da natureza primordial
em absoluto, e não tanto pelo seu aspecto
relativo no que respeita à História humana ou
à história das diversas igrejas cristãs.
Jesus portou em si todo um potencial que
veio a manifestar-se gradualmente em vários
estágios da sua vida. Como Ser espiritual Ele
é perfeitamente realizado e consubstancial
ao seu Pai. Como Ser físico e humano, Ele reporta a Si toda a humanidade assumindo-se
como um caminho vivo ou um porta para a
Salvação.
Pese o contexto histórico e cultural em que
Jesus nasceu e de um trajecto comum aos
restantes seres que buscam a Felicidade, os
episódios relativos à Sua vida, os sentimentos, sensações e a transformação mental que
provocou; a Sua expressão, actos e palavras
são profundamente actuais. Podemos mesmo
dizer que estas “acções” de Jesus Cristo, por
se basearem na expressão absoluta de amor e
compaixão, aplicados com igualdade a tudo e
todos por igual, transforma a segunda pessoa
da Trindade na totalidade das restantes duas
partes e, em simultâneo, numa expressão
que está para além da nossa capacidade de
conceptualização de espaço e tempo.
Cristo é o “Jesus” homem, síntese de todos
os outros; e é a manifestação física e humana
de uma natureza superior presente em todos
os tempos ou para além dos tempos.
De acordo com a tradição apostólica e com
a confissão do “Credo” emanado do primeiro concílio ecuménico (reunido em Niceia no
ano 325), Jesus é o Filho “consubstancial”
ao Pai, sendo, por isso, Deus com o Pai. No
segundo concílio ecuménico (realizado em
Constantinopla em 381), redefiniu-se esta
expressão: “Filho unigénito de Deus, nascido
do Pai antes de todos os séculos; Luz de Luz;
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado,
não criado, consubstancial ao Pai.”
Ainda na oração do “Credo” se concentra todos os restantes mistérios da Sua vida, reportando-se ao Pai e ao Espírito Santo.
Missale Romanum
Roma, 1735, Santuário do Senhor Jesus da Pedra (Óbidos)
As Fontes
Os evangelhos foram produzidos em condições históricas ímpares, em pleno processo
de afirmação e de expansão das comunidades
cristãs não só no próximo oriente, mas também no mundo romano (sobretudo na Grécia
e Roma), pelo que as suas redacções em primeira-mão são vulgarmente conhecidas em
grego.
A redacção definitiva dos textos ocorre a partir da década de 70 do primeiros século, até
cerca do ano 100, numa segunda geração de
cristãos que transportavam uma tradição oral
veiculada por testemunhas presenciais de
Cristo mas, temendo a possibilidade de corrupção da pureza inicial dessa comunicação,
transformaram a palavra verbal em texto.
21
Evangelistas da banqueta do altar-mor
Francisco Borjão, Lisboa, 1747, Santuário do Senhor Jesus da Pedra (Óbidos)
Os evangelhos sinópticos
São considerados sinópticos (semelhantes entre si) os evangelhos de S. Mateus, S. Marcos
e S. Lucas, ficando de fora apenas o de S.
João devido ao grau de diferenças, inclusivamente de ordem descritiva do ambiente onde
decorre a acção.
De todos eles, o escrito atribuído a Mateus
é aquele que apresenta um maior grau de
historicismo e, sobretudo, foca com maior
insistência a relação entre Cristo e a Lei de
Moisés.
Os textos apócrifos
Do conjunto de textos, existentes a determinado
momento, foi necessário seleccionar os “verdadeiros”, embora alguns dos que ficaram de fora
tenham uma celebridade e “autenticidade” que
rasam a fronteira do “canónico”.
De entre todos eles são famosos os “evangelhos”
de S. Pedro, de S. Tomé, Santa Maria, Santa Maria Madalena, etc., revelando passos da vida de
Cristo, de S. Joaquim e Santa Ana, ou mesmo de
S. José e da Virgem, mais ou menos aceites pela
Igreja. Recorde-se que na actual composição bíblica são escassas as referências à Mãe de Deus
e que, devido à expansão da devoção mariana,
esta torna-se uma das figura mais presentes.
Assim, artistas e teólogos, têm constantemente
recorrido ao conteúdo de alguns apócrifos para
caracterizar a vida da Virgem.
22
Cristo Antes de nascer
A esperança na vinda do Messias, o ungido, estava no auge devido às humilhações sentidas
pelos judeus no decurso da ocupação romana.
A manifestação do Salvador, sabia-se, teria lugar na cidade santa de Jerusalém. Mais ainda, o Messias seria da descendência de David.
O Profeta Isaías declara-o com veemência:
“Brotará um rebento do tronco de Jessé, e
um renovo brotará das suas raízes. Sobre ele
repousará o espírito do Senhor” (Is 11, 1-2).
Sabia-se, também, que nasceria em Belém,
de acordo com as indicações de Miqueias:
“Mas tu, Belém-Efrata, tão pequena entre as
famílias de Judá, é de ti que há-de sair aquele que governará em Israel” (Mq 5, 1).
Nascendo como homem, no dizer de Ezequiel
e de Daniel, chamar-se-ia Emanuel, ou seja
“Deus connosco” (Is 7, 14), e teria uma vida
sujeita a opressão mas que, no final, seria de
triunfo.
O Livro de Isaías é precioso e minucioso nas
descrições que faz das características do Salvador, revelando um forte sentido profético.
Anunciação a Maria
Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por
Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada por um homem
chamado José, da Casa de David; e o nome
da virgem era Maria. Ao entrar em casa dela,
o anjo disse-lhe: “Salvé, ó cheia de
graça! O Senhor está contigo.” Ouvindo isto, Maria ficou preocupada e perguntava a si mesma o que a saudação
queria dizer.
O anjo disse-lhe: “Maria, não temas,
porque encontraste graça diante de
Deus. Eis que vais ficar grávida e darás
à luz um Filho, ao qual porás o nome
de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. E o Senhor
dar-lhe-á o trono de seu pai David,
e Ele reinará para sempre sobre os
descendentes de Jacob. E o seu
reino não terá fim”.
Maria perguntou ao anjo: “Como
vai acontecer isso, se não vivo com
nenhum homem?” O anjo respondeu: “O Espírito Santo virá sobre Ti
e o poder do Altíssimo Te cobrirá
com a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será
chamado Filho de Deus. Também
a tua parente Isabel, apesar da sua
velhice, concebeu um filho. Aquela
que era considerada estéril já há
seis meses que está grávida. Para
Deus nada é impossível”.
Maria disse: “Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a
tua palavra». E o anjo retirou-se
de junto dela. (Lc 1, 26-38).
Visitação de Maria a Isabel
Naqueles dias, Maria partiu
para a região montanhosa, dirigindo-se, à pressa, a uma cidade da Judeia.
Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a
saudação de Maria, a criança agitouse no seu ventre e Isabel ficou cheia
do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: “Bendita és Tu entre
as mulheres e bendito é o fruto do
Profeta do Antigo Testamento (pormenor do
Túmulo de D. João de Noronha e D.ª Isabel
de Sousa), João de Ruão, Coimbra, escultura
em pedra calcária, c. 1523, Igreja de
Santa Maria de Óbidos
23
Natividade
José era da família e descendência de David. Subiu da cidade de Nazaré, na Galileia,
até à cidade de David, chamada Belém, na
Judeia, para se registar com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam
em Belém, completaram-se os dias para o
parto, e Maria deu à luz o seu filho primogénito. Ela enfaixou-o e colocou-o numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na
hospedaria. (Lc 2, 1-7)
Visitação, André Reinoso, 1628, pintura sobre madeira, Igreja
da Misericórdia de Óbidos
teu ventre! Como posso merecer que a Mãe
do meu Senhor me venha visitar? Logo que
a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a
criança saltou de alegria no meu ventre.
Bem-aventurada Aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor Lhe prometeu”. (Lc 1 39-45)
Visitação, séc. XVI (final), pintura sobre madeira, Igreja de São
Pedro de Óbidos / Museu Paroquial
24
Adoração dos Magos do Oriente
Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia,
no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente.
E a estrela que tinham visto no Oriente ia
adiante deles, até que, chegando ao lugar
onde estava o menino, parou. Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria; e, entrando na casa, viram o menino com, Maria,
sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no; e,
abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes,
regressaram ao seu país por outro caminho. (Mt 2, 1-12)
Adoração dos Magos, Marcos da Cruz ?, séc. XVII (meados),
pintura sobre tela, Capela de Nossa Senhora de Monserrate
(Óbidos) / Museu Municipal de Óbidos
Adoração dos pastores
Naquela região havia pastores, que passavam a noite nos campos, tomando conta do
rebanho. Um anjo do Senhor apareceu aos
pastores; a glória do Senhor envolveu-os em
luz e eles ficaram com muito medo. Mas o
anjo disse aos pastores: “Não tenhais medo!
Eu anuncio-vos a Boa Notícia, que será uma
grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que
é o Messias, o Senhor.
Adoração dos pastores
Missale Romanum, Roma, 1735, Santuário do Senhor Jesus da
Pedra (Óbidos)
De repente, juntou-se ao anjo uma grande multidão de anjos. Cantavam louvores a
Deus, dizendo: “Glória a Deus no mais alto
dos céus e paz na terra aos homens por Ele
amados”. (Lc 2, 8-14).
Circuncisão e apresentação
de Jesus no Templo
Celebra-se, a 2 de Fevereiro, duas festividades
no calendário litúrgico. Uma reporta-se à Purificação da Virgem e, outra, à apresentação de
Jesus no Templo, festividades celebradas em
conjunto e que adquiriram um extraordinário
peso religioso durante a Idade Média.
Por ser o dia em que as velas eram benzidas,
velas essas que, acesas, simbolizavam Cristo
(reportando-se ao milagre do velho Simeão
no Templo), a
Virgem
assume
nesta data a invocação de Senhora
das Candeias ou
da Candelária.
A festividade mariana deste dia
reporta-se
ao
momento em que
a Virgem, quarenta dias depois
do
nascimento
de Cristo e obedecendo à lei judaica, se deveria
apresentar
no
templo e entre- Circuncisão
da Costa, c. 1622, Igreja de
gar ao sacerdote João
Santa Maria de Óbidos
para sacrifício um
cordeiro, duas rolas e dois pombos. Só assim a
mulher era readmitida nas suas funções normais e poderia entrar no templo. Uma outra
lei fazia com que os primogénitos varões fossem circuncidados e, no caso especial dos da
tribo de Levi (à qual pertencia S. José), fossem apresentados no templo e dedicados ao
serviço de Deus.
Esta festividade é uma das mais tradicionais
em Óbidos e remonta à Idade Média, sendo
celebranda a evocação da Senhora da Graça.
O oratório desta evocação é numa das portas
da Vila. Dada a localização deste oratório no
limite da antiga judiaria, era também este um
tema compreensível pela comunidade hebraica, já que a festa da Purificação e Apresentação no Templo, e mesmo a circuncisão, faziam
parte dos preceitos judaicos.
25
Repouso na fuga para o Egipto, Baltazar Gomes Figueira,
Óbidos, 1643, pintura sobre tela, Igreja de Santo António de
A-da-Gorda (Óbidos).
Baptismo, André Reinoso, c. 1640, pintura sobre tela, Igreja
de Santa Maria de Óbidos.
Fuga para o Egipto
Depois de partirem, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para
o Egipto e fica lá até que eu te avise, pois
Herodes procurará o menino para o matar.”
E ele levantou-se de noite, tomou o menino e
sua mãe e partiu para o Egipto, permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta:
Do Egipto chamei o meu filho. (Mt.2, 13-15)
Pai-Nosso
“Rezai, pois, assim: Pai-nosso, que estás no
Céu, santificado seja o teu nome, venha o teu
Reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no Céu. Dá-nos hoje o nosso pão de
cada dia; perdoa-nos as nossas ofensas, como
nós perdoamos aos que nos ofenderam; e não
nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do
mal.
Porque, se perdoardes aos homens as suas
ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos
homens as suas ofensas, também o vosso Pai
vos não perdoará as vossas”. (Mt 6, 9-15)
Baptismo de Jesus
Então, veio Jesus da Galileia ao Jordão ter
com João, para ser baptizado por ele. João
opunha-se, dizendo: “Eu é que tenho necessidade de ser baptizado por ti, e Tu vens a
mim?” Jesus, porém, respondeu-lhe: “Deixa
por agora. Convém que cumpramos assim
toda a justiça.” João, então, concordou.
Uma vez baptizado, Jesus saiu da água e eis que
o Céu se abriu e viu o Espírito de Deus descer
como uma pomba e vir sobre Ele. E uma voz vinda do Céu dizia: “Este é o meu Filho muito amado, no qual pus o meu encanto.” (Mt 3, 7-17)
26
Eleição dos Doze
Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos maus e de curar
todas as enfermidades e doenças. São estes
os nomes dos doze Apóstolos: primeiro, Simão,
chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e
Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu; e Tadeu; Simão, o
Zelota, e Judas Iscariotes, que o traiu.
Cura do paralítico de Cafarnaum, Bartolomeu Antunes ?,
Lisboa, c. 1747, Santuário do Senhor Jesus da Pedra (Óbidos).
Cura do leproso, Bartolomeu Antunes ?, Lisboa, c. 1747,
Santuário do Senhor Jesus da Pedra (Óbidos).
Cura do paralítico de Cafarnaum
“Pois bem, para que saibais que o Filho do
Homem tem, na terra, poder para perdoar
pecados: Levanta-te, - disse Ele ao paralítico - toma o teu catre e vai para tua casa”.
E ele, levantando-se, foi para casa. Ao ver
isto a multidão ficou dominada pelo temor e
glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos
homens” (Mt 9; 6-8).
alarido disse: “Retirai-vos, porque a menina
não está morta; dorme”. Mas riram-se d’Ele.
Retirada a multidão, Jesus entrou, tomou a
mão da menina e ela ergueu-se” (Mt 9; 18-19,
23-25).
Ressurreição da filha de Jairo
“Dizendo-lhes estas coisas, aproximou-se
d’Ele um chefe da sinagoga, que se Lhe prostrou diante e disse: “Minha filha acaba de
morrer, mas vem impor-lhe a Tua mão e viverá”. Jesus, levantando-Se, seguiu-o com os
discípulos”. “Quando chegou a casa do chefe,
vendo os flautistas e a multidão em grande
Ressureição da filha de Jairo, Bartolomeu Antunes ?,
Lisboa, c. 1747, Santuário do Senhor Jesus da Pedra (Óbidos).
Cura do leproso
“Ao descer o monte, seguia-O uma enorme
multidão. Foi então abordado por um leproso
que se prostrou diante d’Ele, dizendo-Lhe:
“Senhor, se quiseres, podes limpar-me”. Jesus
estendeu a mão e tocou-o, dizendo: “Quero,
fica limpo”! No mesmo instante, ficou são da
lepra” (Mt 8; 1-3).
Cura do cego Bartimeu
“Quando ia a sair de Jericó com os Seus discípulos e uma grande multidão, o filho de Ti-
Cura do Cego Bartimeu, Bartolomeu Antunes ?, Lisboa,
c. 1747, Santuário do Senhor Jesus da Pedra (Óbidos).
27
meu, Bartimeu, um mendigo cego que estava
sentado à beira da estrada, ouvindo dizer que
era Jesus de Nazaré, começou a gritar: “Jesus, filho de David, tem piedade de mim!”
“Jesus parou e disse-lhe: “Chamai-o”. Chamaram o cego, dizendo-lhe: “Coragem, levanta-te, que Ele chama-te”. E ele, atirando
fora a capa, deu um salto e veio ter com Jesus. Jesus perguntou-lhe: “Que queres que te
faça?” “Rabboni, que eu veja!”, respondeulhe o cego. Jesus disse-lhe: “Vai, a tua fé te
salvou!” E logo recuperou a vista e seguiu a
Jesus na viagem” (Mc 10; 46-47, 49-53).
Edificação da Igreja
“E vós, quem dizeis que eu sou?” Tomando
a palavra, Simão Pedro respondeu: “Tu és o
Messias, o Filho de Deus vivo”.
Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão,
filho de Jonas, porque não foi a carne nem
o sangue que to revelou, mas o meu Pai que
está no Céu. Também eu te digo: tu és Pedro
e sobre esta Pedra edificarei a minha igreja (...) Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu;
tudo o que ligares na terra ficará ligado no
Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu”. (Mt 16, 15-19)
São Pedro e São Paulo, esculturas em madeira policromada e dourada, séc. XVIII, Igreja de São Pedro de Óbidos
28
Transfiguração de Jesus
Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro,
Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles,
a um alto monte.
Transfigurou-se diante deles: o seu rosto resplandeceu como o Sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. Nisto, apareceram
Moisés e Elias a conversar com Ele. (Mt. 17, 1-3)
A liturgia deste dia comemora este acontecimento, e as celebrações tradicionais de Ramos, com a sua procissão, identifica os cristãos católicos como o povo de Jerusalém.
Em Óbidos a procissão de Ramos abre a quadra pascal com uma procissão que tradicionalmente sai da Igreja de São João Baptista,
hoje Museu Municipal.
Última ceia - Instituição da Eucaristia
Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, depois de pronunciar a bênção, partiu-o e deu-o
aos seus discípulos, dizendo: “Tomai, comei:
Isto é o meu corpo”.
Em seguida, tomou um cálice, deu graças e
entregou-lho, dizendo: “Bebei dele
todos. Porque este é o meu sangue, sangue da Aliança, que vai
ser derramado por muitos,
para perdão dos pecados”.
(Mt, 26, 26-29)
Transfiguração, André Reinoso, c. 1640, pintura sobre tela,
Igreja de Santa Maria de Óbidos.
Entrada triunfal em Jerusalém
Do ponto de vista litúrgico o Domingo de Ramos celebra a entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém. Sucedendo ao Sábado da ressurreição de Lázaro, este dia de Ramos simboliza, também, a vitória da Vida sobre a Morte
e pronuncia a Paixão de Cristo.
A entrada solene e triunfal de Jesus na cidade santa cumpre a profecia de Zacarias “Eis
o teu Rei que vem montado num jumento”
(Zac. 9:9), e significa a aclamação pública de
Jesus como sendo o Messias, Rei e Salvador de
Israel. É a inauguração do Reino de Cristo.
Oração de Jesus
no monte Getsémani
Tendo Jesus dito isso,
saiu com os seus discípulos para além
do ribeiro de Cedrom, onde havia
um horto, no qual
ele entrou com os
seus
discípulos.
E Judas, que o
traía, também conhecia aquele lugar, porque Jesus
muitas vezes se
ajuntava ali com
os seus discípulos.
Tendo, pois, Judas
recebido a coorte
e oficiais dos principais sacerdotes e
fariseus, veio para
ali com lanternas,
e archotes, e armas.
Cálice - Custódia
Séc. XVII (primeira metade), prata cinzelada e dourada, Igreja de
São Pedro de Óbidos.
Jesus no horto, Baltazar Gomes Figueira, Óbidos, c. 1640-50, pintura sobre tela, Igreja de Santo António de A-da-Gorda (Óbidos).
Sabendo, pois, Jesus todas as coisas que sobre ele haviam de vir, adiantou-se e disse-lhes: A quem buscais?
Responderam-lhe: A Jesus, o Nazareno. Disse-lhes Jesus: Sou eu. E Judas,
que o traía, estava também com eles.
Quando, pois, lhes disse: Sou eu, recuaram e
caíram por terra. (Jo 18, 1-6)
Coroação de espinhos
Os soldados do governador conduziram Jesus para o pretório e reuniram toda a corte
à volta dele. Despiram-no e envolveram-no
com um manto escarlate. Tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e
uma cana na mão direita. Dobrando o joelho
diante dele, escarneciam-no, dizendo: “Salve, rei dos Judeus!” E, cuspindo-lhe no rosto,
agarravam na cana e batiam-lhe na cabeça.
Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe
o manto, vestiram-lhe as suas roupas e levaram-no para ser crucificado. (Mt 27, 27-31)
Pilatos saíu de novo e disse-lhes: “Vou trazê-Lo cá fora para saberdes que eu não vejo
Nele nenhuma causa de condenação”. Então saíu jesus com a coroa de espinhos e
o manto púrpura. Disse-lhe Pilatos: “Eis o
Homem”.(Jo 19,4-5)
30
Senhor da cana verde (Ecce Homo), Diogo Teixeira, c. 1590,
pintura sobre tela, Igreja da Misericórdia de Óbidos.
Procissão de Passos, 1960, Óbidos
Gafaú na Procissão de Passos, 1960, Óbidos
A caminho do Calvário - Crucifixão de Jesus
À saída, encontraram um homem de Cirene,
chamado Simão, e obrigaram-no a levar a
cruz de Jesus.
Quando chegaram a um lugar chamado Gólgota, isto é, “Lugar do Crânio”, deram-lhe
a beber vinho misturado com fel; mas Ele,
provando-o, não quis beber. Depois de o terem crucificado, repartiram entre si as suas
vestes, tirando-as à sorte. Figuraram ali sentados a guardá-lo. Por cima da sua cabeça,
colocaram um escrito, indicando a causa da
sua condenação: “Este é Jesus, o Rei dos Judeus”. Com Ele, foram crucificados dois salteadores: um à direita e outro à esquerda.
Os que passavam injuriavam-no, meneando a
cabeça e dizendo: “Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias, salva-te a ti
mesmo! Se és Filho de Deus, desce da cruz!”
Os sumos-sacerdotes com os doutores da Lei
e os anciãos também zombavam dele, dizendo: “Salvou os outros e não pode salvar-se a
si mesmo! Se é o rei de Israel, desça da cruz,
e acreditaremos nele. Confiou em Deus; Ele
que o livre agora, se o ama, pois disse: “Eu
sou Filho de Deus!” Até os salteadores, que
estavam com Ele crucificados, o insultavam.
(Mt 27, 32-44)
31
Calvário, séc. XV, pintura sobre madeira,
Igreja de Santa Maria de Óbidos
Morte de Jesus
Desde o meio-dia até às três horas da
tarde, as trevas envolveram toda a terra. Cerca das três horas da tarde, Jesus
clamou com voz forte: “Eli, Eli, lemá sabactháni?”, isto é: “Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonaste?”
Alguns dos que ali se encontravam, ao
ouvi-lo, disseram: “Está a chamar por
Elias.” Um deles correu imediatamente,
pegou numa esponja, embebeu-a em vinagre e, fixando-a numa cana, dava-lhe
de beber. Mas os outros disseram: “Deixa;
vejamos se Elias vem salvá-lo”. E Jesus,
clamando outra vez com voz forte, expirou. (Mt 27, 45-50)
32
Calvário, séc. XVII, Índia (Goa) escultura em marfim, ébano e latão, Igreja de Santa Maria de Óbidos / Museu
Paroquial
Cristo crucificado, séc. XVI, Ceilão (Sri Lanka), escultura
em marfim, Igreja da Misericórdia de Óbidos
Cristo crucificado, séc. XVIII, escultura em madeira,
Igreja da Misericórdia de Óbidos
33
Sepultura de Jesus
Ao cair da tarde, veio um homem
rico de Arimateia, chamado José,
que também se tornara discípulo de
Jesus. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe
o corpo de Jesus. Pilatos ordenou que
lho entregassem.
José tomou o corpo, envolveu-o num
lençol limpo e depositou-o num túmulo novo, que tinha mandado talhar
na rocha. Depois, rolou uma grande
pedra contra a porta do túmulo e retirou-se. Maria de Magdala e a outra
Maria estavam ali sentadas, em frente do sepulcro. (Mt 27, 57-61)
Descimento da cruz, André Reinoso, c. 1628-30, pintura
sobre tela, Igreja da Misericórdia de Óbidos
Pietá, séc. XVI-XVII, escultura em barro policromado,
Museu Municipal de Óbidos
Lamentação sobre Cristo morto, Baltazar Gomes Figueira, c.1640-50, pintura sobre tela, Igreja de Santo António
de A-da-Gorda (Óbidos)
34
Ressurreição
As mulheres vão ao sepulcro - Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana,
Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar
o sepulcro. Nisto, houve um grande terramoto: o anjo do Senhor, descendo do Céu, aproximou-se e removeu a pedra, sentando-se sobre
ela. O seu aspecto era como o de um relâmpago; e a sua túnica, branca como a neve. Os
guardas, com medo dele, puseram-se a tremer
e ficaram como mortos. Mas o anjo tomou a palavra e disse às mulheres: “Não tenhais medo.
Sei que buscais Jesus, o crucificado; não está
aqui, pois ressuscitou, como havia dito. Vinde,
vede o lugar onde jazia e ide depressa dizer
aos seus discípulos: Ele ressuscitou dos mortos
e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis.
Eis o que tinha para vos dizer”. (Mt 28, 1-7)
Cristo Ressuscitado, séc. XVIII, escultura em madeira policromada e dourada, Igreja de São Pedro
de Óbidos / Museu Paroquial
35
O Espírito desce ao mundo, mas a sua Pessoa esconde-se...
Só se manifesta nos seus dons e nos seus carismas.
As suas imagens na Escritura são vagas e fugidias:
sopro, chama, perfume, unção, pomba, sarça ardente...
Ele é essencialmente misterioso.
P. Evdokimov
36
ESPÍRITO SANTO
Antes da Páscoa de Jesus Cristo este anunciou
o envio de “outro Paráclito” (Defensor): o Espírito Santo.
Esta figura divina e consubstancial ao Pai e ao
Filho manifesta a sua acção desde a criação
(cf. Gn 1,2) e pela voz dos profetas, bem como
na pessoa dos discípulos de Jesus Cristo (cf.
Jo 14,17) a fim de ensiná-los (cf. Jo 14,16) e
conduzi-los “à verdade” (Jo 16,13).
O Espírito Santo, apesar de não se conter num
plano temporal, manifesta-se, contudo em diversas missões e assume aos olhos dos homens
algumas “formas”, embora a sua “materialidade” seja vacuidade.
Segundo concílio ecumênico de Constantinopla
em 381, vincula-se a crença “no Espírito Santo,
Senhor que dá a vida, que procede do Pai”,
“a fonte e a origem de toda a divindade” (Cc.
de Toledo VI, ano 638: DS 490), e “com o Pai
e o Filho é adorado e glorificado” (Concílio de
Constantinopla, ano 381).
Esta tradição latina, expressa no Credo, que
confessa que o Espírito “procede do Pai e do
Filho” (naquilo que se designa por filioque) reporta-se à explicação de que o Espírito Santo
ser subsistente ao mesmo tempo do Pai e do Filho e procedente eternamente de ambos como
de um só princípio e por uma única expiração.
A afirmação do filioque não figurava no símbolo
professado em 381 em Constantinopla. Contudo, tendo por base uma antiga tradição latina e
alexandrina, o Papa S. Leão afirmou-o dogmaticamente em 447, posição reforçada no Concílio
de Calcedónia em 451. Contudo o uso desta fórmula no Credo e na liturgia romana foi inserida
gradualmente entre os séculos VIII e XI. Esta
referência fez com que se clivasse a distância
teológica, doutrinária e de relação de poder
entre a igreja de Roma e a ortodoxia imperial
de Constantinopla, já que a tradição oriental
“organiza” a procedência do Espírito como advindo do Pai pelo Filho não “procedente do Pai
e do Filho”, logo, não pondo em evidência a
comunhão consubstancial das três pessoas da
Trindade como se adoptou no Ocidente.
De algum modo a clivagem criada provocou
um sectarismo entre as confissões cristãs (catolicismo romano versus ortodoxia oriental),
que nos dias de hoje poderiam ser esbatidos
no sentido de uma maior comunhão com os
princípios básicos do cristianismo e sem exacerbar cada um dos pontos de vista, em último
recurso pontos estes que confluem para uma
mesma realidade, promovendo a unidade, a
tolerância religiosa, prevenindo a radicalização, característicos da imperfeição dos fenómenos humanos e absolutamente contraproducentes ao desenvolvimento saudável de uma
espiritualidade. Sem dúvida que, nos tempos
que correm, o afastamento de uma linha mais
tradicional e institucional de Fé, deve-se às
aparentes incongruências e às sucessivas tentativas de massificação, pouco ajustadas a uma
capacidade individual de crescimento espiritual, de conhecimento (mesmo que académico)
e de vivência interior.
O Espírito Santo é recebido na vida de cada
crente em primeiro lugar pelo Baptismo, manifestação de pertença à comunidade de crentes
e de purificação de todos os pecados precedentes, sinal que revela um forte simbolismo
pelo uso da água; e depois pelo Crisma, com
óleo consagrado, a confirmação da vontade de
pertença a Cristo.
Baptismo de Cristo, of. Bartolomeu Antunes ?, Lisboa, c. 1750,
Capela do Espírito Santo da Sancheira Grande (Óbidos).
37
O Espírito Santo
A terceira pessoa da Santíssima Trindade é o
Espírito Santo, também designado por Espiração ou Amor.
O Espírito Santo é uma pessoa divina porque
age sobre todos os seres e sobre todas as coisas no dom de Amar. Este Amor procede da
relação do Pai e do Filho, numa superabundância de vida.
O Amor do Espírito Santo é o caminho e o elo
de ligação com a Essência Divina.
A Missão do Espírito Santo
A Missão do Espírito Santo é a preparação dos
corações para o caminho de Amor que conduz
à Luz.
É uma missão que opera de forma silenciosa
e oculta em cada pessoa e corresponde a um
terceiro “momento” do mundo. Deus Pai cria
um mundo visível e sem pecado, que o homem
desfigura; Deus Filho confere ao mundo a redenção e restaura-o, sendo evidente a presença material e visível desse mesmo mundo.
O Espírito Santo não promove a criação de um
mundo visível, mas de um caminho para atingir o mundo livre e redimido por Cristo.
A acção do Espírito Santo resume-se à tentativa de fazer com que o Homem sinta o apelo
do Amor emanado do Pai e do Filho.
Decorrendo da Passagem de Cristo na Terra
surge a Igreja que recebe o legado de conduzir, na terra, os fiéis. Esta Igreja, conjunto
do povo cristão, também é tutelada pelo Espírito Santo.
O Espírito Santo não tem forma
Deus Pai, sem que, contudo, possa ser representado, vislumbra-se por se conhecer que o
Homem foi criado à Sua imagem e por diversas outras manifestações, como a visão de
Daniel (Dn 7, 9).
Deus Filho, por ter encarnado, tem feição
humana e, por esse motivo, é representável
como acto de lembrança.
O Espírito Santo, pelo contrário, não produz
manifestações visíveis ao Homem, agindo
como uma energia superior. Mesmo assim o
Espírito fez-se ocultar (revelando-se) através
da pomba imaculada, a mesma que trouxe a
Noé o ramo de oliveira após o dilúvio (Gn 1,
38
2), ou que sobrevoou Cristo no Seu baptismo.
O próprio João Evangelista afirma: “Vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba
e permanecer sobre Ele” (Jo 1, 32). Surge,
ainda, em forma de nuvem que envolve Jesus
no momento da Transfiguração, dela saindo
uma voz que dizia “Este é o Meu Filho Bemamado” (Mt 17, 5). O fogo é outra das manifestações, surgindo a Moisés, no Monte Sinai,
no milagre da sarça-ardente (Ex 19, 18); e
em línguas de fogo que pairaram sobre as cabeças dos apóstolos no Pentecostes: “Quando
chegou o dia de Pentecostes, encontravam-se
reunidos no mesmo lugar. Subitamente ressoou, vindo do céu, um som comparável ao
de uma forte rajada de vento, que encheu
toda a casa onde estavam. Viram, então,
Pentecostes, André Gonçalves?, Lisboa, c. 1750, pintura sobre
tela, Capela do Espírito Santo da Sancheira Grande (Óbidos).
aparecer umas línguas à maneira de fogo que
se iam dividindo, e pousou uma sobre cada
um deles” (Act 1,14). Surge frequentemente
em “forma” de voz, ou sopro, veja-se o caso
da descrição do episódio da Torre de Babel
(Act 2, 2), as palavras dos profetas, ou mesmo na iconografia do Papa S. Gregório Magno, cuja reforma na igreja que promoveu
fora-lhe segredada pelo Espírito Santo.
Por último Ele vislumbra-se através de
raios de luz e áureas (símbolo místico
do caminho para Deus ou do estado de
graça divina).
As Virtudes, Dons e Frutos
do Espírito Santo
Virtudes Teologais: Fé, Esperança e Caridade.
Virtudes Morais: Temperança, Fortaleza, Justiça e Prudência.
Dons relativos às Virtudes Morais: Temor, Fortaleza em Jesus Cristo, Espírito de Piedade, Espírito de Conselho
Dons relativos ás Virtudes Teologais no
sentido da vida contemplativa: Espírito
de Ciência, Espírito de Inteligência, Espírito de Sabedoria.
Frutos do Espírito Santo
amor, alegria, paz, paciência, benignidade,
bondade, fidelidade, mansidão, auto-domínio (Gl 5, 22-23).
São João Baptista, séc. XVIII, escultura em madeira policromada e dourada, Igreja de São Pedro
de Óbidos
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SÃO JOÃO
MUSEU
PAROQUIAL
Paróquia
São Pedro
Óbidos