trindade e o equilíbrio
Humano-Cosmológico
Profa. Dra. Ir. Maria Freire da Silva- icm.
RESUmO
AbSTRACT:
A experiência cristã das origens
proclama a fé na Trindade relendo a
historia da salvação à luz do evento
pascal. Com o tema Trindade e equilíbrio humano-cosmologico, pretendemos destacar três pontos:
The original christian experience
proclaims faith in the trinity recalling
the history of salvation in the light
of the Pascal event. With the theme
Trinity and Human Cosmological
Equilibrium, we ought to mention out
three points:
1- a unidade entre os seres
humanos
2- os elementos que constituem
a unidade e diversidade
3- a trindade como modelo de
unidade e comunhão
Palavras-chave: Trindade, Unidade, Comunhão, Equilibrio
1) The unity among human beings and the cosmos.
2) The elements that constitute
the unity and diversity.
3) The Trinity as a model of unity
and communion.
Key words: Trinity, Unity, Communion, Equilibrium
INTRODUçãO
A experiência cristã das origens proclama a fé na Trindade relendo a
história de salvação à luz do evento pascal. Com o tema Trindade e equilíbrio
humano-cosmológico pretendemos destacar três pontos:
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1- A unidade entre os seres humanos e o cosmos
2- Os elementos que constituem a unidade e diversidade
3- A Trindade como modelo de unidade e comunhão
Diante do contexto histórico, contemplamos fascinados, a era da ciência da astrofísica, onde cientistas estudam a vida secreta das estrelas; e
da Biologia evolucionária e da informação. Estudiosos descobrem como
mutações no DNA de alguns grupos étnicos, podem indicar caminhos sobre
sua ancestralidades. As neurociências em evolução revolucionam a cada dia
nossos paradigmas. E daí surgem as mais variadas interrogações. Será que
a evolução cósmica segue alguma direção? E como nossa fé se encaixa
dentro desse quadro evolucionário? Que sentido tem a nossa vida cristã
diante dessa evolução? Qual a relevância de nossa fé? O que isso suscita
em nós? Desde o princípio os cristãos foram urgidos a dar uma explicação
de sua fé nos modos contemporâneos de pensar (exemplo: 1 Pd 3, 15).
Como o ser humano está situado nesse novo mapa evolutivo? Em que se
mantém o equilíbrio da humanidade e do universo?
Falando de equilíbrio, o que entendemos por equilíbrio? O termo vem do
latim aequillibrium ( de aequilibris), ou seja equilíbrio, estado justo das balanças,
igualdade, compensação. O equilíbrio e a busca desse, nos leva à relacionamentos maduros, que permanecem e marcam nossa vida. Toda relação em
nossa vida é um aspecto de nossa identidade total enraizada nessa base do
ser. E isso revela a própria natureza de Deus-Trindade como relacionamento1.
Toda relação consciente ou inconsciente é expressão dessa relação primordial.
“A estrutura de toda existência é, portanto, essencialmente trinitária, dinâmica e fluente. O Espírito é a relação que subsiste entre tudo o que existe e,
assim, une todos no eu. Ele torna tudo total (e sagrado). Nada de real pode
existir fora da relação. O Espírito é essencialmente a relação tornando todas
as relações sagradas. É comunicação: revelação de si e doação de si de um
ao outro que une e transcende o “eu e o tu” no nós2. É Ele o amor que une
Pai e Filho numa ciranda amorosa e eterna. O Espírito não pode ser visto
apenas como a ligação entre Pai e Filho, mas, sua própria unidade.
O equilíbrio nos torna pessoas centradas no mistério trinitário e atentas á
realidade do mundo e as necessidades dos pobres e da dimensão ecológica.
1
2
FREEMAN, Laurence., Jesus, o mestre interior, São Paulo 2004.
Idem., pp .234-235.
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Hoje, vivemos numa sociedade sem centralidade, a sociedade moderna é
descentralizada. Isso nos leva a perceber a ausência da representação e a
chegada da era da complexidade. Ao mesmo tempo pensamos que:
“toda sociedade constitui uma unidade, dispondo das mesmas
regras e leis, da mesma cultura e até da mesma língua, circunscrita a um território próprio. Contudo, o que é impressionante,
em nossas sociedades modernas, não é só o fato de que
elas possam integrar uma extraordinária diversidade cultural e
étinica…mas também que elas comportem, permanentemente,
rivalidades, concorrências, conflitos de indivíduos ou grupos que
perseguem, cada um por seu lado, seus próprios fins”3.
Nesse emaranhado, podemos nos perguntar: onde está o equilíbrio de
tudo isso? Inicialmente é possível repetir com o apóstolo Paulo: “...O Espírito
intercede por nós com gemidos inefáveis...” (Rm 8,26). O Espírito geme na
história, despertando a necessidade de aproximação de comunhão e unidade entre as pessoas e sobretudo entre os seguidores de Jesus Cristo. É aí
que nossa fé se torna relevante, é aí que nossa fé tem futuro. No vaivém
das organizações das sociedades, os seres humanos têm como prioridade
a busca de aproximação, a qual torna irmão e irmã todos na koinonia da
solidariedade. Diante da globalização do mercado e da mundialização da
violência se fazem necessárias relações de proximidade de “correspondência
e co-responsabilidade” na promoção da cultura do diálogo e do cuidado com
o meio ambiente e na defesa da vida4.
1 - A UNIDADE ENTRE OS SERES hUmANOS
A tradição da Igreja afirma que a pessoa se realiza cabalmente e se
salva na comunhão-koinonia. Por isso faz da comunhão-koinonia (com Deus
e entre os seres humanos) a essência da salvação.
a) Escritura – o ser humano é por natureza um ser relacional, voltado
para o outro, porque criado à imagem e semelhança de Deus. O ser humano não pode existir senão em deus e perante Ele. Nas duas tradições
do Gênesis, o ser humano é criado ao mesmo tempo como um e plural: “`a
3
4
MoRin. Edgar., Para sair do século XX, Rio de Janeiro 1986.
VV.AA. Diálogo inter-reiligioso, São Paulo 2005.
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imagem de Deus ele o criou, criou-os macho e fêmea (Gn 1, 27). A mulher
(ishâh) é para o homem (ish0 o igual que lhe permite ser ele mesmo, precisamente por sua diferença. Cada um deles é assim criado voltado para o
outro (Gn 2, 18-24). Um e outro tem plenamente a natureza humana. Existe
cada um sendo sujeito de parte inteira, nenhum sendo parte do outro. Mas
é um sujeito aberto para o outro, em relação que pertence a sua natureza.
São imagem de Deus somente nessa abertura mútua.
Sua identidade é inseparável da alteridade que faz de um e de outro um
sujeito de pleno direito, que, no entanto não poderia se realizar sem a comunhão de seu eu e de um tu em um nós. Eles são pessoa na comunhão.
b) Sobre essa base – a tradição cristã estabelece uma distinção entre
indivíduo e pessoa, que a reflexão sobre o mistério trinitário incita a aprofundar. Há uma só natureza humana e ela só existe em uma diversidade de
pessoas. Cada pessoa é única, insubstituível, não intercambiável, diferente.
Essa alteridade abre-se para a comunhão.
- Pessoa em grego – significa prosopon, palavra composta de pros e de
um derivado de ôps (olho, olhar), portanto o que é perante os olhos do outro
como o “face a face de alguém”. Portanto o conceito de indivíduo abstrai
da alteridade do ser humano concreto, porque o designa como portador das
propriedades objetivas da natureza comum. Percebe-o enquanto é quinhão
de todo ser humano, a posse do que constitui a humanidade universal, a
definição do homo. Ao contrário, o conceito de pessoa o distingue vendo nele
um eu inscrito no “face a face” das outras pessoas, com aquilo que ele é
único a ser, o que tem de dissemelhante, de próprio, graças ao qual ele pode
não se fundir na identidade da natureza comum, mas entrar em comunhão,
dando e recebendo. Porque a pessoa só se revela no jogo das relações
mútuas e na comunhão. Como indivíduo, o ser define-se pela integridade e
perfeição da natureza nele; como pessoa, define-se pela singularidade que
lhe permite superar-se na comunhão com o outro.
a) o restabelecimento da communio-koinonia
Na escritura, o drama da humanidade virá da ruptura da comunhão
com Deus e com as pessoas humanas.
- Extrato Javista do Gênesis – ruptura com Deus (Gn 3, 6), o homem
quebra a solidariedade com a mulher (Gn 3, 12). A continuação da história
4
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será, desde Caim, marcada pela transformação em rivalidades do que devia
ser comunhão. Aqui origina-se a desgraça humana. Deus refaz sua Aliança
fazendo recapitulação.
a) AT – Aliança – Profetas: Os 2, 21s; Is 54, 1-17; Jr 31, 2-34; Ez 16,
59-63) – relação entre esposo-esposa, ilustra (Jr 2, 2; 3,6) estabelece entre
Deus e o povo um laço de fidelidade salvífica para esse.
No NT – a Nova Aliança inaugura novos laços fraternos e a instauração
do Reino de Deus mediante a vida comunitária (Lc 3, 10s; 18, 18-30; Mt
19, 16-30; Mc10, 17-31). Quer transformar as relações humanas dando-lhe
um sentido comunitário de partilha e atenção às necessidades dos outros.
Assim o exige o Reino. O duplo mandamento do amor de Deus e do próximo revela o sentido profundo (Mt 22, 36-40; Mc12, 28-34; Lc 10, 25-28
etc). A carta aos hebreus compreende a vinda do Filho de Deus em carne
humana como uma comunhão-koinonia. A realidade daquilo que a tradição
chama a encarnação.
b) A Trindade divina: comunhão de pessoas
A vida humana necessita da comunicação natural e social, e existe
somente nisso. Vida é relação. Vida é intercâmbio. Nós somente vivemos
em intercâmbio com aquilo que não somos; o primeiro exemplo de tudo é
o ar que respiramos. Este intercâmbio cria comunhão e somente é possível
na comunhão. A vida humana é necessariamente comunitária. É comunicação em comunhão. Vida humana é isso que acontece entre os indivíduos.
Se isolarmos a vida humana individual da vida natural e social, então nós
a estamos matando. É por isso que a participação recíproca pertence à
definição da vida humana.
Não entenderemos estas conexões de vida corretamente se partirmos
da consciência individual do espírito e se considerarmos as relações naturais
e sociais como algo secundário. Espírito é aquilo que acontece de forma
a promover a vida entre pessoas. Deus é Espírito, é a “divindade comum”
que une as pessoas numa vida superior e que, por outro lado, nessa esfera
comunitária, as torna indivíduos especiais5. Dessa forma, o indivíduo é o
lugar da mudança. Ela desenvolve seu projeto coletivo de futuro a partir da
5
J. MoltMann; Doutrina ecológica da criação, Petrópolis, 1993. p.376-378.
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imensidão de experiências com projetos individuais. Por isso, cada sociedade humana, cheia de espírito, se desenvolverá tanto numa democracia
antecipatória quanto numa democracia participatória.
Devemos ter consciência que a razão instrumental não é a única forma
de uso de nossa capacidade de intelecção. Existe também a razão simbólica e cordial e o uso de todos os nossos sentidos corporais e espirituais.
Junto ao logos (razão) está o eros (vida e paixão), o pathos (afetividade e
sensibilidade) e daimon ( a voz interior da natureza). A razão não é nem
o primeiro nem o último momento da existência. Nós somos também afetividade (pathos), desejo (eros), paixão, comoção, comunicação e atenção
para a voz da natureza que fala em nós (daimon). Conhecer não é apenas
uma forma de dominar a realidade. Conhecer é entrar em comunhão com
as coisas. Por isso dizia Agostinho na esteira de Platão: “nós conhecemos
na medida que amamos”.
Dentro desse contexto, a Trindade emerge como Fonte de representações mais adequada do mistério do universo humano e do universo, como
teia de relações de interdependências, como uma dança cósmica e humana.
a Trindade rompe com os sistemas fechados gerando redes de relações, de
novas compreensões e formas de vida em comunhão. É uma complexidade
enorme que se anuncia pelas diferenças de seres e de expressões da complexidade, da subjetividade, da interioridade e da capacidade de koinonia de
cada ser, particularmente os mais complexos.
No espírito humano, o Espírito Santo molda o seu templo. Se revela
como motor de libertação de harmonia de transcendência, interioridade e
transparência. Assim o ser humano se torna a Schekiná de Deus. Nesse
dinamismo, o ser humano adquire identidade na configuração com Cristo,
no deixar-se instruir pelo Espírito numa busca contemplativa do mistério do
Pai. Nasce o novo jeito do aprender a aprender. A aprendizagem se identifica
através do conhecimento perpassado pela sabedoria em lidar com o saber
adquirido como ponto de partida e não de chegada. Aprender a saber exige
aprender a lidar com a complexidade da vida, respeitando a diversidade, na
categoria de discípulo.
A exemplo do modelo trinitário, o ser humano é por natureza criativo.
Não se conforma em transmitir velhos mitos educacionais, métodos arcaicos
que já não atraem o aprendiz. É alguém que tem dynâmis, força interior,
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eros pela evangelização, pathos pela busca incessante do saber, é alguém
que escuta o daimon interior.
Do ponto de vista de Edgar Morin:
“O mistério humano está ligado ao mistério da vida e ao mistério do cosmo, pois carregamos em nós a vida e o cosmo. O
mistério da vida não está apenas em seu nascimento tão difícil
de conceber, mas também na criação de formas incontáveis,
complexas e refinadas. A criatividade é o mistério supremo da
vida. Compreender o ato criativo significa reconhecer que ele
é inesplicável e sem fundações”6.
Porém, tudo está inter-relacionado, conectado. Há uma unidade humana e uma diversidade. A unidade não está somente nos traços biológicos,
como também a diversidade não se encontra apenas nos traços psicológicos,
culturais, sociais do ser humano. Contudo, a diversidade não deve encobrir
a unidade, nem a unidade mascarar a diversidade7. Tanto unidade quanto
diversidade devem aparecer de forma inter-relacionadas, pericoretizadas. O
ser humano entra em relação com toda uma carga de diversidade e outra
de unidade. Essa se encontra com a realidade diversa e una da outra pessoa. No encontro, o equilíbrio está em saber ser diante do outro e deixar
que o outro seja.
Nesse encontro está presente tanto a objetividade quanto a subjetividade, essa última comporta a afetividade. O ser humano está potencialmente
destinado para o amor, à entrega, à amizade, a inveja, ao ciúme, à ambição,
ao ódio. Fechado sobre si mesmo ou aberto às forças de exclusão ou inclusão. Na relação com o outro distinto, a equação subjetiva Ego/Eu é pessoal
e inalienável. É possível partilhar as alegrias, dores e viver por empatia os
sofrimentos do outro, porém, ainda que partilháveis, são intransferíveis. O
sofrimento egocêntrico torna o outro estranho para nós; a abertura altruísta
o torna simpático, agradável. Diante do desconhecido oscilamos entre medo
e simpatia 8.
Aqui a relação se dá numa grande empatia. O amor relacional se reconhece por empatia mediante a partilha dos mesmos sentimentos e projetos.
6
7
8
MoRin.
e. Métodos: a humanidade da humanidade a identidade humana, Porto Alegre 2003.
Idem., p. 65.
Idem., p. 77.
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Unido a isso vem a questão básica da liberdade como elemento essencial
ao equilíbrio. O conceito definitivo da filosofia grega é a idéia do cosmo, da
ordem; o primeiro ensinamento bíblico é a idéia da criação. Traduzindo por
princípios eternos, o cosmos significa o destino, enquanto a criação significa
a liberdade. O universo é o resultado da liberdade9.
Na relação o outro é o nada em relação ao tudo do eu: é um pensamento frágil. A denominada ontologia do declínio, negação pura e símples
do pensamento forte, característico da metafísica do fundamento. Aqui podemos perguntar: Onde habita o outro? Em tudo isso há uma relação com a
dimensão ética de nosso existir. O ethos como práxis e como costume e por
outro o ethos como pátria e como morada. Não é possível construir práxis
sem morada. Aqui se constrói pensamentos idéias novas, projetos, visão de
mundo. A abertura do pensamento ao vindouro e ao novo é a forma que o
“eschaton” da revelação da Trindade imprime à razão teológica, o conteúdo
que lhe transmite é o futuro de Deus: não um futuro já colocado nas mãos
e na mente do homem como é o “homo absconditus” presente no “princípio
esperança” de Ernst Bloch, mas o futuro de Jesus Cristo, revelado como esperança na contradição de sua ressurreição em relação à morte na Cruz10.
A relação aberta e criativa face a face, traz ao ser humano, a capacidade
de interagir com o meio ambiente e daí a necessidade da objetividade. Para
conhecer o outro faz-se necessário conhecê-lo, percebê-lo objetivamente,
estudá-lo objetivamente e subjetivamente. Dessa forma, o sujeito não está
sozinho porque o outro e o nós moram nele. O ser humano é complexo por
natureza11. Contudo, dentro dessa complexidade existe um equilíbrio onde o
ser humano é capaz de projetar-se sentir-se vivo e co-participante.
No relacionamento entre os seres humanos: mulher e homem, faz-se
necessário construir a confiança mútua e o respeito ao diferente. A confiança
é a arte de conviver não apenas com o que se tem de comum mas também
com as diversidades12. As comunidades cristãs pela experiência do Espírito
ultrapassam seus limites assumindo a missão de Jesus Cristo, instruídos
pelo Espírito numa glorificação ao Pai. A comunhão abre uns para os outros, produz a participação de um no outro e cria respeito um pelo outro. A
9
HESCHEL. A. Joshua., Deus em busca do homem, São Paulo 2006.
Idem., pp. 144-146.
11
Idem., p. 81.
12
MoltMann. Jürgen., O Espírito da vida , Petrópolis 1991.
10
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comunhão vive em participação mútua e do reconhecimento mútuo. Essa
surge onde seres distintos possuem algo em comum, onde coisas comuns
são compartilhadas por seres diferentes13.
A nossa fé se encaixa na consciência plena de nossa identidade cristã
e de nossa responsabilidade frente aos desafios. Para escapar ao círculo
vicioso da sociedade, é preciso tentar estabelecer uma comunicação, um
diálogo, ou melhor ainda, uma espécie de pericórese entre fé, unidade e
diversidade. Nessa dinâmica, os seres humanos buscam somar entre si e, na
sua relação com o meio ambiente, através do cuidado e da construção de
uma racionalidade ambiental, produzindo maior qualidade de vida humanocósmica. Há um elo de aproximação e cumplicidade entre o ser humano e
o cosmos. Portanto, o equilíbrio humano afeta a expansão do criado.
Quando conhecemos o meio ambiente, os ecossistemas, não é para
nos distanciarmos, mas é para aprendermos a conviver melhor. A negação
do outro produz distanciamento que, por sua vez, provoca indiferença a
tudo aquilo que nos cerca. Viver a unidade exige uma saída de um ethos
egocêntrico em que cada um é, para si mesmo, centro de preferência e
age para si. Como também do ethos genocêntrico em que são os nossos
progenitores e progenitura, família, clã, que constituem o centro de referência
e de preferência. É necessário ir mais além, ser com o diferente, o outro
como outro, na sua identidade e alteridade.
As únicas relações humanas verdadeiras são aquelas de pessoa para
pessoa. Uma das características do cristianismo é o amor fraterno, o querer bem às outras pessoas, a capacidade de ultrapassar limites e incluir o
diferente na grande comunhão. O seguimento radical de Jesus Cristo, de
sua prática de amor para com todas as pessoas, implica diálogo com os
membros de outras religiões.
A busca de unidade deve possibilitar a consciência de que a solidariedade com todos os seres humanos e o cosmos constitui uma exigência
fundamental. Chamados ao exercício da diakonia na comunidade eclesial, na
sociedade no universo. Testemunhando Jesus Cristo enviado para evangelizar
os pobres (Mt 11, 5; Lc 4, 18) na diakonia (Mc 10, 45), os cristãos envolvidos
no dinamismo pericorético trinitário, atestam que esse modo de testemunhar a
unidade e a comunhão implica a vocação profética de anúncio do evangelho
13
Idem., p. 207.
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na sociedade. Assim expressa o equilíbrio necessário á promoção humana,
constituição de um povo unido nos mesmos objetivos.
2 OS ELEmENTOS qUE CONSTITUEm A UNIDADE E DIVERSIDADE
Na busca de unidade faz-se necessário:
a) abandonar o princípio de separação e adotar o princípio da cooperação: a unidade como koinonia. A cooperação ecumênica na ação social e
cósmica e na luta pela paz é fundamental.
b) O reconhecimento como categoria básica da alteridade onde se produz a revelação da dimensão do infinito do outro. Isso exige uma metanoia,
um ato de conversão que implica numa experiência kenótica.
c) definir os valores éticos. A denúncia contra tudo aquilo que impede
a primazia do reino de Deus na história: sensibilidade ecológica, unidos
trabalhar pela justiça, a paz e a conservação da Criação de Deus.
d) a liberdade dos povos como eixo articulador do respeito ao outro
como outro. Tendo presente o totalmente Outro: Deus uno e trino.
e) a consciência de que a garantia da unidade se dá através de uma
profunda convicção de fé e de confiança no Espírito de Deus. Nessa dinâmica, o cristão/a é chamado/a a tornar-se discípulo/a inserido/a na comunhão
capaz de articular grupos de cristãos, igrejas e movimentos sociais. Consequentemente o agir ecumênico é um ato de amor, pois está alicerçado em
Deus que é amor (1Jo 4,8). A identidade da fé é também um postulado e
um imperativo necessário para a realização da unidade dos cristãos o que
interage no equilíbrio.
As relações de unidade e comunhão dos seres humanos encontram
seu fundamento na realidade do mistério trinitário de Deus. O Concílio Vaticano II, ao retornar à Tradição da Igreja, descobriu uma eclesiologia de
comunhão fundada na iniciativa trinitária. Assim se expressou o Concílio: “
Dessa maneira aparece a Igreja toda com o povo reunido na unidade do
Pai e do Filho e do Espírito Santo”14.
14
Concilium Oecumenicum Vaticanum II, Constitutio dogmática de Ecclesia, Lúmen Gentium, 1,
4. in Freire da S. Maria Trindade, Teologia da Criação e Ecologia, Roma 2003.
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Essa retomada de uma consciência trinitária feita pelo Concílio vem
favorecer a idéia de que, quanto mais as Igrejas forem, no aqui e agora
da História, ícones do dinamismo pericorético trinitário, mais se encontrarão
unidas. Unidas na construção da fraternidade e da paz universal num acolhimento recíproco entre as Igrejas e as comunidades eclesiais no respeito
às diferenças, buscando conjuntamente, a expressão histórica mais adaptada
para a unidade existente e para gerar crescimento rumo à unidade almejada.
Com relação à ação política dos cristãos, o concílio incentivou:
Todos os cristãos se tornem cônscios de seu papel próprio
e especial na comunidade política. Devem distinguir-se pelo
exemplo, diretamente ao bem comum, harmonizar a autoridade
com a liberdade, a iniciativa pessoal com a solidariedade e o
equilíbrio de todo corpo social, a conveniete unidade com a
diversidade proveitosa15.
Espelhando-se no Concílio Vaticano II, a Conferência de Medellín (1968),
deu ênfase à unidade da história e à dimensão política da fé. Em 1979, a
Conferência de Puebla destacou e colocou como eixos fundamentais da
evangelização e da meta almejada, a comunhão e a participação; “ Deus
é amor, família, comunhão, é fonte de participação em todo seu mistério
trinitário e na manifestação de sua nova revelação com os homens pela
filiação e destes entre si pela fraternidade” afirmou Puebla16. Para isso é
necessário se imbuir de uma mística trinitária tremendamente marcada pela
cruz e ressurreição de Jesus.
O papa João Paulo II, por ocasião do Jubileu, afirmou que o mistério da
Trindade é origem do caminho de fé e seu termo último, quando finalmente
os nossos olhos contemplarem eternamente o rosto de Deus.
3 - A TRINDADE – mODELO DE UNIDADE E COmUNhãO
A liturgia batismal cristã oferece uma clara profissão de fé na Trindade
como atesta a Didaqué (cap 7). Desde os tempos remotos o batismo é
administrado em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo.
15
GS, 4, 75 in FREIRE da S. Maria., Trindade, teologia da criação e ecologia , Tese/Gregoriana
/Roma 2003.
16
CELAM. Doc. Puebla, 70.
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Trindade e o Equilíbrio Humano-Cosmológico
O símbolo apostólico da fé, que em sua forma primitiva se identifica
com o primeiro símbolo batismal romano, segue as linhas da fórmula trinitária do batismo.
As antigas doxologias expressam igualmente a fé na Trindade. A antigüidade cristã conhece duas fórmulas: a coordenada, Glória ao Pai e ao
Filho e ao Espírito Santo; e a subordinada, Glória ao Pai pelo Filho no Espírito Santo. Devido o mal uso dos arianista que a interpretaram de forma
subordinacionista, São Basílio mudou da seguinte forma: Glória ao Pai com
o Filho em união do Espírito Santo17.
A fé cristã confessa que a unidade do Deus trinitário é um acontecer
de mediação perfeita do uno e o plural, enquanto o Deus uno existe somente na Trindade de pessoas, porém a Trindade de pessoas só existe na
realização pericorética da essência divina una. De forma coerente, também
a unidade da pessoa criada.
A unidade de Deus é na recíproca troca de amor que é comunicação
do ser na distinção. Já Agostinho havia identificado amor com a Trindade,
na sua famosa frase: Vides Trinitatem si caritatem vides. A unidade mais
profunda que pode existir no Deus trino é, de conseqüência, a do amor.
Portanto, unidade e distinção não são contraditórias. A única essência divina
não é vista em oposição à pluralidade das pessoas nem prévia a essa, mas
considerada como a mesma unidade e comunhão entre as pessoas divinas,
o que não significa que essa unidade seja conseqüência de uma união de
três. A unidade e Trindade são ambas primeiras e originais, nenhuma é anterior a outra. Ambas têm seu único fundamento no Pai, que é relação com
o Filho e com o Espírito Santo. Metodologicamente poderá ser válido pegar
uma ou outra como ponto de partida, mas sempre consciente de que não
existe logicamente nem ontologicamente uma prioridade de uma ou da outra.
O monoteísmo cristão é o monoteísmo do Deus trino revelado em Jesus.
O Concílio de Florênça em decreto aos Jacobitas, ensina que Cristo dá
testemunho de que o Pai está n`Ele e ele no Pai (Jo 10, 30). O Pai e eu
17
“A fórmula coordenada e a subordinada concordam no essencial, enquanto que as duas
certificam que tanto o pai como o Filho são princípio; porém ambas se complementam. Na
primeira se põe em relêvo a unicidade e a indivisibilidade do princípio, a segunda insiste com
maior vigor em que o Pai é princípio fontal (cf. San Agustín, De Trin. XV 17, 29: “de quo procedit principaliter”). Em que o Filho enquanto “Deus de Deus” é princípio derivado, e que por
isso com a substância divina recebe também do pai a virtude espirativa (cf. Dz 691)” em ott.
Ludwig; Manual de teologia dogmática, Barcelona 1986.
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Profa. Dra. Ir. Maria Freire da Silva
somos uma mesma coisa (10, 38) – a existência do Espírito Santo no Pai
e no Filho é indicada em (1 Cor 2, 10s). A essa relação amorosa entre as
pessoas trinitárias a teologia denominou de pericórese. Gregório Nazianzeno
foi o primeiro que aplicou o nome pericórese à relação entre as naturezas
de Cristo a denominada pericórese cristológica. São João Damasceno em
( De fide orth. I 8; i 14; III 5) o emprega como termo técnico designando a
compenetração das duas naturezas de Cristo como a compenetração entre
si das três pessoas divinas.
A concepção grega de pericórese desempenha um papel muito amplo
tomando como ponto de partida a pessoa do Pai, como princípio único,
Origem e Fonte da divindade, ensina que a vida divina flui do Pai ao Filho
e por meio do Filho ao Espírito Santo. Acentuando a compenetração mútua
das três pessoas divinas, salva a unicidade da substância divina. A concepção latina parte da natureza divina e espiritual, Deus é antes de tudo
um Espírito Absoluto que pensa e ama. Partindo da unidade da substância
divina, explica como esta, pelas processões divinas imanentes, se constitui
em Trindade de pessoas. Aparece, portanto, em primeiro lugar a idéia de
consubstancialidade18. O Concílio de Latrão IV (1215) ensina que as três
pessoas divinas constituem “um único princípio de todas as coisas” ( Dz
704; cf. Dz 254, 281, 284).
CONCLUSãO
Portanto, Deus como Pai em perspectiva trinitária nas suas relações
pericoréticas com o Filho e o Espírito Santo é modelo para todos os que
buscam construir o equilíbrio humano-cosmológico a partir da unidade na
diversidade. A distinção Pai e Filho possibilita uma relação de comunhão de
mútua entrega. Emerge assim o dom recíproco: o Espírito Santo. É importante perceber que a unidade divina vista na perspectiva trinitária, emerge
como expressão da eterna comunhão e essencial interpenetração de vida
e de amor entre os divinos três. Essa realidade divina se revela na história
mediante a pessoa de Jesus Cristo. Sem dúvida, os cristãos a darem testemunho de solidariedade realizam a missão de Jesus. A unidade é constitutiva
da missão: “Eu neles e Tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e
para que o mundo reconheça que me enviaste” (Jo 17, 23).
18
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Trindade e o Equilíbrio Humano-Cosmológico
A maior contribuição é provocar uma reflexão sobre a unidade entre
os o ser humano e sua relação com o cosmos à luz do dinamismo trinitário
de Deus, na tentativa de mostrar que o cristianismo é relevante, capaz de
dialogar com o mundo globalizado, e que a fé tem algo a dizer diante da
crise de valores da descentralidade da sociedade e dos problemas ecológicos.
Portanto, a unidade entre a humanidade e a ecologia, segundo a medida
do Deus trino (cf. Jo 17) é o oposto do nivelamento do âmbito pessoal, da
negação da alteridade do outro como outro e do meio ambiente.
A contribuição emerge no construir uma racionalidade ambiental: do
diálogo de saberes na construção de um futuro sustentável entrelaçando palavras, símbolos, razões práticas em sintonia com uma consciência ecológica19.
Steven Rose nos diz que, como seres humanos possuímos a capacidade
de criar e recriar os nossos mundos20. Contudo, essa capacidade não inclui
a mentalidade de exclusão do diferente. Para isso, carece compreender o
amor trinitário derramado na história, como dom de um Deus que transborda amorosamente em sua criação e que todo o universo procede do seu
impulso como pura gratuidade. Do equilíbrio humano depende o equilíbrio
ecológico. Como nos afirma São Paulo:
“...a criação anseia pela revelação dos filhos de Deus.....a criação
foi submetida avaidade - não por seu querer, mas por vontade
daquele que a submeteu - na esperança de ela também ser
libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da
glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme
e sofre as dores de parto até o presente” (Rm 8, 20-22).
Sem dúvida, o equilíbrio do ser humano e do cosmos tem sua fonte e
origem no coração infinito da Trindade. Vivendo a fascinans e o tremendum, a
humanidade encontra seu destino no restabelecimento de um comportamento
ético vocacionado a um desenvolvimento sustentável, onde o ser humano
aparece como imagem e semelhança de Deus e o universo resplandece
em sua imperiosa criatividade. No equilíbrio do humano e do cosmos, Deus
se manifesta na kénosis do seu esplendor e no esplendor de sua kénosis
numa glorificação eterna.
19
LEFF., Enrique, Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza, Rio de Janeiro
2006.
20
ROSE., Steven., O cérebro do século XXI: Como entender, manipular e desenvolver a mente,
São Paulo 2006.
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Profa. Dra. Ir. Maria Freire da Silva
profa. Dra. Ir. maria Freire da Silva- icm.
Doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana Roma.
Profa. na Pontifícia Faculdade de Teologia N. Sra. da Assunção/SP.
bIbLIOGRAFIA
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