Bart, Daniel. (2023). Évaluation et didactique, un dialogue critique.
Brussels: Peter Lang, 276 p.
Daniel Bart é Professor de Ciências da Educação da Universidade de Lille e membro da equipa Théodile do Centre Interuniversitaire de Recherche en Education de Lille/
Laboratoire des sciences de l’éducation, um grupo de investigação no domínio das
didáticas das disciplinas que integram os curricula escolares. A sua pesquisa incide
nas práticas e nos modelos de avaliação, incluindo o PISA, tendo dado origem a uma
vasta bibliografia, cuja lista pode ser consultada na sua página de docente. Em 2021,
adquiriu, na Universidade de Paris, a habilitation à diriger des recherches, o grau mais
elevado do sistema universitário francês, que consagra a qualidade e a originalidade
da investigação dos candidatos e permite o acesso à categoria de Professeur des
Universités. Para o efeito, apresentou um trabalho de fundo, demonstrativo das potencialidades da pesquisa que leva a cabo, o qual está na base deste livro, saído há
poucos meses.
Estas considerações, por se afigurarem circunstanciais, não são despiciendas, já
que a obra carrega a muitos níveis as marcas consequentes. O título, revestido de uma
inequívoca sobriedade académica, indica a área de investigação, entre avaliação e
didática, bem como o alinhamento por uma orientação crítica. A organização do índice, em quatro partes, enquadradas por uma introdução, uma conclusão e uma ampla
e atualizada bibliografia, manifesta uma diferença estrutural entre dois momentos de
extensão assaz diversa, que uma didascália da leitura, com o recurso regular a retomadas e resumos, a acompanhar a panóplia de referências e citações, contribui para
justificar.
De um lado, com uma amplitude dominante, apesar da sua função propedêutica,
figuram as três primeiras partes, sobre didática e avaliação, modelos de avaliação,
avaliação e investigação, respetivamente. Cada uma, por sua vez, divide-se em três
capítulos, no que segue a estrutura dialética ternária, com a qual, de duas posições
com sentido mais ou menos contrário, se extrai uma outra, conclusiva, que as compreende e eleva a um novo nível de questionamento. De um outro lado, a quarta parte,
composta por sete breves capítulos, contém o conspecto essencial do programa investigativo propalado.
Esta desproporção quantitativa não configura qualquer insuficiência qualitativa ou
falha de originalidade. Antes, corresponde a uma intenção deliberada de estear a investigação pessoal no âmbito geral da pesquisa nas áreas em causa, de estabelecer uma
pertença genealógica, em função de um diálogo crítico com percursos fundacionais e
orientações mais recentes, de se posicionar como elo de uma rede em expansão, de
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doi: 10.24140/issn.1645-7250.rle61.14
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ser consequente com a adoção de uma perspetiva construtivista do conhecimento,
que opera através do jogo das convergências e das divergências.
Assim, pelo modo como são reconstituídos os debates, pelo sentido que se lhes
imprime e pelo vetor judicativo que perpassa leituras e ordenamentos, as opções
de fundo, resumidas na última parte, surgem, de algum modo, antecipadas nas três
primeiras: fomento do diálogo entre avaliação e didática; acolhimento de uma visão
comparatista respeitadora das diferenças; retenção relativamente à interferência da
investigação no condicionamento da prática docente; recusa de conferir à investigação uma dominante prescritiva e defesa da vertente descritiva, orientada para propor conhecimento relevante, utilizável pelos agentes; defesa de uma distinção entre
investigação e avaliação, tendo em vista a preservação das especificidades de cada
uma delas; adoção de uma perspetiva crítica, de cariz científico, que procura manter-se nos limites funcionais da intencionalidade dos objetos e dos fatores em análise.
Uma outra característica da obra, potencialmente redutora do seu escopo, afigura-se justificada pelo mesmo conjunto de opções metodológicas. Ainda que o autor
limite, assumidamente, o corpus das referências ao contexto francófono europeu e
eleja as didáticas do francês e da matemática como campos privilegiados de análise,
fá-lo para potenciar uma espécie de imersão intensiva num processo conversacional
de alinhamentos e controvérsias, por entre uma pluralidade de textos e de contextos,
incluindo colóquios das associações científicas ou números temáticos de revistas especializadas.
Porém, o alcance desta estratégia está longe de se limitar à evidenciação de um
conhecimento aprofundado do domínio de estudo ou da pertença do autor ao coletivo
de investigadores na área da didática e da avaliação. É que esse campo de pesquisa
constitui, ele próprio, o objeto de estudo, o que torna o conteúdo da obra uma investigação sobre a investigação. Esta propõe-se, por conseguinte, como um verdadeiro
exercício de cartografia, ao incidir sobre as posições teóricas fundamentais, as linhas
privilegiadas pela inquirição, os valores que vão determinando a fronteira entre o desejável e o indesejado, as várias controvérsias, tomadas como factos investigativos,
suscetíveis de tratamento próprio. Não que, como já apontámos, o autor pretenda
esconder a sua orientação no interior desse campo com uma improvável neutralidade,
mas porque essa sua axiologia decorre e comprova-se, precisamente, a partir do resultado do mapeamento efetuado.
Desengane-se, portanto, quem espera encontrar a proposta de um modelo de
avaliação, de um conjunto de prescrições sobre a maneira correta de avaliar, de uma
série de instrumentos ou recursos avaliativos, suscetíveis de aplicação na prática docente. Também não se vai deparar com considerações sobre estratégias de ensino e
aprendizagem, no âmbito das didáticas disciplinares. Esta é uma obra de metateoria,
de epistemologia da investigação, sobre um segmento que se caracteriza, segundo
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o autor, pela escassez de interlocuções, salvo no que respeita aos debates em torno
do papel da avaliação formativa nas didáticas disciplinares. Esta carência de estudos
sobre a lógica que assiste ao campo de investigação confere uma relevância particular
à proposta.
Esse olhar metateórico evidencia um conjunto de condições de possibilidade de
pesquisa, definidas a posteriori, ou seja, em função do exercício cartográfico, das
saliências teóricas que dele resultam, das transformações temporais dessa geologia
epistémica, na qual o próprio autor concomitantemente evolui. Atravessa-o a convicção de que a seriedade de qualquer trabalho científico, em que os objetos são construídos, é proporcionalmente inversa às tentativas de naturalização, que acompanham
as propostas de sistemas e modelos, tidos por ideais ou únicos.
Claro que, pelo meio de um tal percurso interpretativo, dependente extensivamente
da leitura dos trabalhos de outros (Allal, Barbier, Bronckard, Brousseau, Bru, Chevallard, Daunay, De Ketele, Delcambre, Figari, Fluckiger, François, Lecointe, Marjolinas,
Martinand, Mercier, Mottier Lopez, Reuter, Sensevy, de entre muitas outras referências), o leitor acede a informação importante sobre diferentes conceitos de didática e
avaliação, entendimentos sobre práticas e limites das mesmas, paradigmas e respetivas derivações, mas esse conhecimento destina-se a escorar um desígnio de investigação, nunca a montar um procedimento avaliativo ou docente particular. Acompanhemos, então, alguns dos gestos que assentam essa intencionalidade.
Na primeira parte, o autor identifica uma predominância dos modelos gerais de
avaliação, pensados para funcionar em todas as esferas de intervenção, com a consequente magreza das propostas que se destinam especificamente aos contextos didáticos, generalização que julga indevida. Motivo para que valorize as principais tentativas
de fixar um domínio próprio da(s) didática(s), e suscitar a necessidade de modelos
diferenciados de avaliação. Se se lhe afigura consensual que a didática se caracteriza
por um triângulo gerado pela introdução do conhecimento a transmitir como terceiro
termo, mediador entre o docente e o aprendente, suscetível de complexificar a linearidade da relação dual de teor pedagógico, esse entendimento deixa de ser evidente
quando se atenta nas orientações dominantes da pesquisa. Duas tendências que simultaneamente se opõem e se entrecruzam são detetáveis, apelando, ipso facto, a
escolhas por partes de investigadores e praticantes.
Um primeiro movimento, preconizando a especificação do campo da didática, valoriza a relação entre o triângulo didático e as disciplinas escolares, enquanto leva à defesa da inevitável pluralidade de perspetivas didáticas em função da variedade dessas
conjugações. Por exemplo, à didática do francês ou da matemática corresponderiam
processos didáticos e avaliativos próprios, em função das áreas disciplinares de conhecimento e do que, de cada uma delas, cabe ensinar e aprender.
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Um segundo movimento, mais recente, orientado pela procura de traços comuns,
por um lado, aplica metodologias comparatistas, e, por outro, leva ao desenvolvimento
de conceitos universalizantes, como os de transposição didática, situações didáticas,
contrato didático, ação conjunta, que sugerem a existência de procedimentos comuns, da ordem do didático, na expressão de Jean Paul Bronckart.
Pelo modo como, paulatinamente, constrói a sequência expositiva e gere a crítica, torna-se percetível o esforço do autor para evitar versões excessivas, de modo a
preservar o que considera fundamental: a diferenciação disciplinar e a consequente
peculiaridade dos factos didáticos, que supõem a existência de diferentes tipos de
avaliação; a viabilidade de um exercício comparatista, em torno de características gerais e específicas, que não negue a diferenciação, mas se oriente pelo interesse epistemológico de levar as didáticas a pensarem sobre e entre si; a prática permanente e generalizada da função crítica, destinada, entre outros aspetos, a evitar uniformizações
indevidas, em matérias nas quais a diferença é sempre mais relevante, a contrariar
qualquer validação a priori do ordenamento disciplinar e de modelos de avaliação tidos
como naturais e a questionar o pendor prescritivo da investigação, inclusive aquele
que, como mostra, se esconde por detrás de considerações descritivas.
É, então, o binómio descrição/prescrição que mobiliza as análises da segunda parte. Esta, como a seguinte, distingue-se formalmente da primeira por acrescentar uma
análise das perspetivas preponderantes nas didáticas do francês e da matemática,
cujos resultados já transparecem, contudo, nas considerações gerais. Tal deve-se a
dois fatores: por um lado, o par afigura-se estruturador do próprio campo de investigação, pelo que permite subsumir a intencionalidade das propostas na dialética que
instaura entre os dois termos, ao mesmo tempo que induz a necessidade de uma
escolha consciente sobre o papel da investigação; por outro lado, em cada uma das
duas didáticas é possível determinar uma linha orientadora, que assume um caráter de
exemplaridade do modo como se pode afirmar uma versão mais prescritiva ou mais
descritiva da avaliação.
Na didática do francês, o autor encontra uma preocupação central com a tipologia da avaliação, as suas práticas, as metodologias, que se traduz em três vertentes
principais: uma crítica do peso da avaliação sumativa e a consequente valorização das
avaliações formativas; uma ponderação da interferência indesejável de fatores externos, sociais e políticos, nos processos avaliativos escolares; uma procura de contrapor
às práticas docentes, que são tidas por conservadoras, uma praxeologia da inovação,
que a pesquisa didática se encarregaria de materializar.
O autor evidencia essa propensão normativa, tornando percetível a dificuldade que
sente em acompanhá-la, nomeadamente, por nela encontrar um recurso constante a
modelos idealizados sem verdadeiro contacto com a realidade, uma frequente desqualificação dos docentes e do modo como estes lidam com a sua atividade profissional,
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a favor de alternativas oriundas da pesquisa teórica, e uma indistinção acrítica entre
conhecimento sobre a ação e conhecimento para a ação.
Porém, também reconhece os efeitos positivos desse extenso debate, pelo que
não deixa de salientar como cada uma das vertentes suscita um conjunto de problemas determinantes para os estudos sobre avaliação. Assim, lembra que a crítica dos
modelos estritamente quantitativos esteve na origem da constituição da disciplina de
avaliação; que a relação profunda com o contexto didático leva a um processo de mútua interpelação, por exemplo, sobre se a avaliação é o garante do contrato didático
ou se é este que a gera; que a denúncia da interferência de diferentes interesses
avaliativos na avaliação didática, propriamente dita, permite enfrentar a questão fundamental de saber se a avaliação é necessária para o ensino e a aprendizagem ou se,
pelo contrário, constitui um elemento heterogéneo que afeta negativamente o contrato
didático, pelo que deve ser abandonada.
Do mesmo modo, o exercício cartográfico permite-lhe detetar um incremento sucessivo do recurso a elementos descritivos, seja com o propósito de encurtar o hiato
entre teoria e prática, seja com o intuito de questionar a prevalência da invenção.
Por seu lado, a didática da matemática oferece um padrão na aparência oposto.
O pouco interesse que as questões problemáticas sobre a avaliação aí encontram,
traduz, segundo o autor, uma espécie de consenso relativamente à normalidade da
avaliação, a qual não cabe, por isso, criticar, nem submeter a um regime alternativo
de normatividade, teórico ou prático. Em contrapartida, o papel da investigação deve
consistir em descrever métodos e procedimentos, determinar os respetivos sentidos,
procurar interagir com o funcionamento dos contextos didáticos, sem visar a constituição de uma disciplina autónoma, suscetível de regular a prática. Tal significa que a
pesquisa se quer fundamental, o que aponta para uma visão não avaliativa da investigação, salvo no que respeita à determinação da coerência e da robustez dos modelos
propostos.
Se, como já terá ficado sugerido, o escopo principal desta matriz, de uma investigação descritiva e compreensiva, tendencialmente não avaliativa, coincide com o seu
próprio entendimento, o autor não deixa de identificar alguns dos riscos que dela podem decorrer: que, por não se separar devidamente controlo normativo e avaliação de
práticas e instituições, se venha a consagrar os processos didáticos vigentes, apenas
em função do seu estatuto consuetudinário; que se confunda avaliação e validação
de conteúdos e/ou práticas docentes; que se evite ponderar o modo como os fatores
económicos, sociais e políticos interferem, quer na avaliação, quer na própria didática,
desse modo, alheando a investigação do compromisso com a melhoria constante do
ensino e de um certo alcance revolucionário, associado ao sentido e ao valor da educação escolar, aspetos que, em contrapartida, sobejam nos contributos oriundos da
didática do francês.
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Por fim, o tracejamento das principais orientações da didática da matemática patenteia, igualmente, um certo movimento contraditório, em boa parte, pela influência
determinante da figura de Yves Chevallard e do seu percurso evolutivo. Este fez-se em
direção a uma inevitável generalização, por via de conceitos como o de transposição
didática, e a uma inesperada normatividade, que advém da versão recente de uma antropologia do didático, a qual supõe uma omnipresença dos processos avaliativos, em
consequência do uso constante da faculdade de julgar, no que ao homem diz respeito.
Desta mole de temas e problemas sobressai a questão do estatuto epistemológico
de uma disciplina de avaliação e das suas relações possíveis com as didáticas, objeto
da terceira parte. O autor fragmenta-a em várias zonas dilemáticas, mais interessado
em suscitar interrogações, convicto de que avaliação e didática não formam domínios
constituídos ou resolvidos, mas em constituição e debate.
Das incursões anteriores resulta um conjunto de preocupações sobre o caráter
mais científico, mais prático ou mais político da avaliação. O autor evidencia que tais
inquietações ocorrem pela prevalência de um paradigma que supõe uma analogia entre avaliação e atividade científica. Uma tal identificação gera expectativas sobre os
efeitos objetivadores da avaliação, quando esta decorre de modelos concebidos no
âmbito da academia, e leva a que se valide a combinação entre a avaliação produzida
pela investigação em didática e a investigação avaliativa.
Tendo em vista desmontar a evidência desta conjugação e levar a uma ponderação
superior, suscita duas dúvidas de fundo: até que ponto podem as avaliações ser científicas e, se a resposta for positiva, como conseguem sê-lo?; até que ponto é desejável
que o sejam, muito particularmente, se a objetividade advier de modelos idealizados
pela pesquisa em didática e avaliação?
Os receios que se adivinham são de três ordens: que se legitime uma submissão
das atividades didáticas aos modelos de teor científico, aos quais se atribui a propriedade exclusiva da conceptualização e da gestão dos processos inovadores, que a prática deve, por isso, incorporar e contribuir para validar; que se reduza a investigação
à avaliação, em detrimento de outras dimensões investigativas, mais descritivas ou
conceptivas; que se perca o sentido da cooperação paritária entre todos os intervenientes nesse exercício complexo que é ensinar algo a alguém e avaliar. Tal como no
capítulo anterior, o autor verifica a ocorrência destas interpelações nas duas didáticas
escolhidas para análise.
Perante um campo em que dogmatismo e interrogação formam duas constantes,
como resulta do traçado que debuxou, o autor só encontra um sentido para a pesquisa: incrementar a zetética, ampliar o ponto de vista, desenvolver a reflexão de cariz
interdisciplinar, lidar com a avaliação como um problema de investigação e não como
uma tecnologia a produzir pela pesquisa. A quarta parte enuncia, por conseguinte,
alguns dos traços dessa meta interrogação, mais descritiva que prescritiva, que se
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deve estender a discursos, conceitos, pressupostos, modelos, a partir de problemas
específicos, capazes de suscitar um diálogo produtivo, longe, portanto, de uma tentativa de recondução das especificidades temáticas e disciplinares à visão soberana
do investigador.
Desta proposta de uma modéstia investigativa, processual, democrática, que recusa constituir-se em guardiã da verdade, segundo uma racionalidade aparentada à
que Jürgen Habermas designou pós-metafísica, não está ausente a viabilidade de
contribuir para a modificação de práticas e processos. Pelo contrário, parece decorrer
das posições assumidas que, estando a investigação atravessada por um zelo colaborativo, será também solicitada a propor conhecimento técnico, se tal vier a justificar-se. Mas esse exercício deve evitar tornar-se utópico, dogmático e normativo, não
se coibindo, outrossim, de ativar o que o próprio autor designa uma crítica da crítica.
Este cuidado em manter a investigação num plano de horizontalidade, de proximidade com o campo epistémico, os objetos que nele emergem e os atores que lhe
conferem expressão sensata, bem como de contenção de propósitos sobranceiros,
deixa-se ver com clareza nas páginas finais, nas quais discute a posição do colega de
Departamento, Cédric Fluckiger, sobre a axiologia que sustenta a crítica.
Ao passo que, para este, há um conjunto de valores prévios, que determinam e
permeiam o exercício crítico, para o nosso autor, a normatividade que assim se institui
afigura-se excessiva e desnecessária. Excessiva, por resultar de uma certa indistinção
entre condições metodológicas, essenciais para a investigação, e posições políticas,
extrínsecas à esfera da pesquisa. Essa amálgama só se justifica por se supor que o
investigador detém o verdadeiro ponto de vista sobre o conhecimento e a realidade,
conferindo-lhe o poder último de fazer a triagem entre o que é adequado e desadequado, por exemplo, em função de uma determinada conceção da vida democrática
que se acredita dever verificar-se também na atividade académica. Desnecessária, na
medida em que, tal como exemplifica com os seus próprios estudos do PISA, a crítica
pode exercer-se plenamente por uma combinação entre, por um lado, uma avaliação
interna (uma comparação entre os objetivos definidos pelos textos, os processos ensaiados e os resultados expressos), e, por outro, uma identificação dos interlocutores
visados e dos recetores efetivos, a qual tornará a análise mais fina, ao permitir diferenciar diferentes níveis de interesse e eficácia, bem como esquemas diversificados de
repúdio e adesão. Deste modo, sugere o autor, a crítica deixa de estar assente num
juízo revelador, genérico e inexorável, para tornar-se mais incisiva, por dizer respeito
acada objeto em particular, e mais compreensiva, por prever diferentes graus e tipos
de recetividade.
Esta metodologia, que visa uma crítica localizada, casuística, processual e diferenciadora, configura porventura um dos aspetos mais originais da obra. Porém, a seu
propósito, cabe refletir sobre algumas questões. Por um lado importa determinar quais
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são os limites dessa proximidade para que não se incorra numa espécie de validação
do que se pretende submeter ao exercício crítico. Por outro lado, há que explicar de
que modo se consegue igualmente identificar uma certa mundivisão transversal que,
por ser geral, não deixa de estar presente nos textos particulares e de neles influir. Por
último, não se pode deixar de ponderar até que ponto a subjetividade do investigador,
com as suas posições axiológicas, não constitui o imponderável da pesquisa, logo
na escolha da área científica, dos objetos e das metodologias de investigação, de tal
modo que se tenha de considerá-lo parte constitutiva do processo investigativo, mesmo que se lhe retire o atributo da soberania.
A avaliação, a relação de ensino e de aprendizagem ou a determinação do que
cabe ensinar e aprender são temas de extrema complexidade, que requerem, por
isso, uma reflexão constante e diversificada, que conjugue dialeticamente prática(s),
tecnologia(s) e teoria(s) e se recuse a determinações dogmáticas. Este livro constitui
um excelente contributo nessa direção, desde logo, por tornar percetível que uma
abordagem que queira ser verdadeiramente investigativa tem de considerar as opções
meta teóricas que a estruturam, nem de conhecer as sinuosidades do campo epistemológico em que se insere. Com a sua leitura, não se fica a saber como avaliar ou
ensinar, mas acede-se a uma perspetiva ampla, crítica e fundamentada do estado da
arte, a um conhecimento significativo de polémicas e consensos, assim como a uma
proposta séria dos modos como se pode produzir conhecimento válido em ciências
da educação.
Luís Manuel A. V. Bernardo
Universidade Nova de Lisboa -Professor Catedrático
Coordenador da Secção Autónoma de Educação e Formação Geral
Coordenador do Mestrado em Ensino de Filosofia no Ensino Secundário
Email:
[email protected]
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3587-7799
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