COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA
ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE E DA RESPONSABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL DA EMPRESA
Raíssa Fabris de Souza
Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Bolsista
CAPES/CNPq. Especialista em Direito Constitucional Contemporâneo pela Universidade
Norte do Paraná (UENP). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR). Advogada. E-mail: raí
[email protected].
Luiz Fernando Bellinetti
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (1980). Mestre em Direito
das Relações Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (1985). Doutor em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Atualmente, é professor
associado da Universidade Estadual de Londrina. E-mail:
[email protected].
Resumo: O compliance consiste em um dos temas mais atuais da contemporaneidade. Sua
implementação está em consonância com a função social da propriedade e a responsabilidade
socioambiental da empresa, fundamentada em preceitos éticos, morais e transparentes a inspirarem
políticas empresariais internas e externas. Embora aplicado inicialmente no âmbito do Direito Penal,
com a finalidade de identificar, reprimir e prevenir práticas atentatórias à Administração Pública, o
compliance poderá ser aplicado também na seara trabalhista (compliance trabalhista), sendo seu
conceito, suas nuances e benefícios estudados no presente artigo, em que foi utilizado o método
dedutivo na pesquisa.
Palavras-chave: Função social. Responsabilidade socioambiental. Compliance. Compliance trabalhista.
Sumário: 1 Noções introdutórias – 2 Função social da propriedade – 3 Responsabilidade socioambiental
das empresas – 4 Compliance e a Lei Anticorrupção – 5 Compliance trabalhista – 6 Considerações
finais – Referências
1 Noções introdutórias
Os últimos anos foram marcados pelo compartilhamento entre o setor público
e o setor privado da fiscalização de políticas empresariais em dissonância com
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as ordens normativas internacional e nacional vigentes, bem como com políticas
éticas, morais e transparentes.
A referida preocupação resulta de uma alteração no comportamento do
Estado, da sociedade e do mercado consumidor, que passaram a exigir políticas
condizentes com os mencionados preceitos com o objetivo de reduzir impactos
negativos à coletividade. Pode-se afirmar que há um controle social das ações
empresariais que refletem no modo de agir destas organizações.
Neste sentido, surgiram as políticas de compliance inauguradas pela Lei
nº 9.613/1998, que foram aprimoradas pela Lei nº 12.846/2013, denominada
pelos operadores do Direito Lei Anticorrupção (LAC), estabelecendo uma nova
modalidade de gestão no mercado de trabalho ao introduzir os programas de
integridade.
Inicialmente aplicados para impedir ou reduzir a prática de atos contra
a Administração Pública nacional ou estrangeira, as políticas de compliance
podem ser aplicadas também no âmbito do Direito do Trabalho, denominando-se
compliance trabalhista.
O presente artigo fará uma análise inicial da função social da propriedade e
da responsabilidade socioambiental da empresa, que fundamentam as políticas
de compliance previstas nas leis infraconstitucionais.
Também será analisado o compliance nos moldes da Lei Anticorrupção,
sua evolução histórica, conceito e fundamentos. Posteriormente, adentra-se o
compliance trabalhista com todas suas nuances e benefícios à própria organização
empresarial, aos trabalhadores e à sociedade.
O método utilizado no presente artigo é o método dedutivo, explicando-se
os conteúdos das premissas iniciais para chegar ao conhecimento de aspectos
específicos da temática.
2 Função social da propriedade
Historicamente, o direito de propriedade sempre foi visto em sua perspectiva
individual, como um direito subjetivo do detentor. Seu título atribuía apenas
faculdades e vantagens, bastando sua comprovação para perquirir a tutela estatal
repressiva no caso de ameaça ou violação do direito.
Entretanto, o cenário mundial começou a ser alterado a partir da constituição
mexicana de Queretaro, de 1917, a primeira constituição a fazer referência à
função social da propriedade, embora não tenha utilizado expressamente o termo
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(art. 27).1 No mesmo viés dispôs a carta constitucional alemã de Weimar, em
1919 (FACCHINI NETO, 2013, p. 666).
Pode-se dizer que esta revolucionou a temática ao explicitar no art. 153:
“A propriedade obriga. Seu uso deve igualmente ser um serviço ao bem comum
(Eigentum verpflichtet. Sein Gebrauch soll zugleich Dienst sein für das Gemeine
Beste)”. Nestes termos, conferiu ao direito à propriedade obrigações e ônus em
face do bem social.
No Direito Constitucional brasileiro a Constituição de 1934 foi a primeira a
tratar sobre o tema afirmando em seu art. 113, nº 17, que o direito à propriedade
“não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei
determinar”. Com exceção da Constituição de 1937, todas as demais trataram do
direito à propriedade vinculado ao interesse social, tendo a Constituição de 1967
utilizado pela primeira vez a expressão literal em seu texto (FACCHINI NETO, 2013,
p. 666).
A Constituição da República de 1988 estabeleceu a propriedade e sua função
social como um direito fundamental e princípio da ordem econômica, previsto
no art. 5º, “caput”, e inciso XXII, e também no art. 170, inciso II. Repisou ao
longo de seu texto o referido direito ao estabelecer que lei específica dispusesse
sobre a função social das empresas públicas, sociedades de economia mista
e de suas subsidiárias que explorassem atividade econômica (art. 175, §1º,
I); as hipóteses em que a propriedade urbana e a rural cumprirão sua função
social (art. 182 e 186, respectivamente), bem como ao prever a possibilidade de
desapropriação e expropriação no caso de inobservância deste preceito (art. 184
e 243, respectivamente).
Segundo Facchini Neto (2013, p. 666):
Novidade marcante, na Constituição de 1988, é o fato de que, além
de manter a previsão da função social da propriedade como um dos
princípios reguladores da ordem econômica (art. 170, III), o vigente
texto também a ela faz referência no rol dos direitos fundamentais
do art. 5º. Imediatamente após referir, no seu inciso XXII, que “é garantido o direito de propriedade”, o inciso seguinte comanda que “a
propriedade atenderá a sua função social”.
1
“A Nação terá sempre o direito de impor à propriedade privada as regras que dite o interesse público,
assim como o direito de regular o aproveitamento dos elementos naturais suscetíveis de apropriação, com
vista à distribuição equitativa e à conservação da riqueza pública. [...]”.
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Deste modo, observa-se que tanto no âmbito mundial, com previsão em
diversos ordenamentos jurídicos internacionais,2 como no âmbito nacional, houve
a harmonização do direito subjetivo de propriedade com o interesse social, da
coletividade, tutelado, inclusive, pela Constituição de 1988.
A vinculação do direito à propriedade à sua função social está em consonância
com os objetivos fundamentais da República de construção de uma sociedade
livre, justa e solidária (art. 3º, I), da redução de desigualdades sociais e regionais
(art. 3º, III) e da promoção do bem de todos (art. 3º, IV).
Para Eugênio Facchini Neto (2013, p. 3868) “a discussão contemporânea
sobre a propriedade e sua função social está associada a uma discussão
mais ampla, referente à passagem de uma ética individualista para uma ética
solidarista.”
Deixou-se de falar apenas em faculdades e vantagens para abarcar ônus,
deveres e responsabilidades devendo o detentor da propriedade exercer seu
direito em consonância com o interesse social. Segundo Fábio Konder Comparato
(1986, p. 75):
O adjetivo social mostra que este objetivo corresponde ao interesse
coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não significa
que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está adiante de um interesse coletivo, essa função
social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário,
sancionável pela ordem jurídica.
Na mesma toada, José Afonso da Silva aponta que “função social é elemento
da estrutura e do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da
propriedade privada incide no conteúdo do direito de propriedade; impõe-lhe novo
conceito” (2016, p. 275).
Em uma interpretação teleológica e sistemática da Constituição de 1988,
atualmente se pode falar também em observância aos ditames ambientais
2
A atual Constituição alemã (1949), após prever a garantia do direito de propriedade, cujo conteúdo e limites
seriam definidos na lei ordinária, manteve incorporado ao texto a famosa expressão, estabelecendo, no
n. 2 de seu art. 14, que “a propriedade obriga o seu uso e deve, ao mesmo tempo, servir o bem-estar
geral”. A mesma laconicidade apresentam os textos da Constituição italiana de 1947 e da Constituição
espanhola de 1978. A Constituição do Japão, de 1946, em seu art. 29, prevê que “o direito de propriedade
ou de posse dos bens é inviolável. Os direitos da propriedade serão definidos em lei, em conformidade
com o bem-estar público”. A minuciosa Constituição da Grécia, de 1975, em seu art. 17, inserida na
parte que trata dos direitos individuais e sociais, refere no seu n. 1 que “a propriedade é posta sob a
proteção do Estado. Os direitos que dela derivam, todavia, não podem ser exercitados de modo contrário
ao interesse geral”. O art. 18, em seus ns. 4 e 6, prevê a adoção de medidas para evitar o fracionamento
das pequenas propriedades agrícolas e facilitar a sua recomposição em unidades maiores, que permitam
um uso mais racional do solo (FACCHINI NETO, 2013, p. 668).
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previstos no art. 225 e em leis infraconstitucionais, incluindo o direito ao meio
ambiente de trabalho hígido (art. 200, VIII, CF).
Comparato (1986, p. 76) complementa:
O poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens
são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do
titular o controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses
coletivos.
No caso de uma propriedade vinculada à exploração empresarial, a função
social é imposta ao dirigente, embora em algumas ocasiões haja a sobreposição
desta qualidade com a de proprietário da empresa. No que tange aos direitos de
índole trabalhista, corrobora com a referida assertiva a dicção do art. 2º da CLT,
que prevê a assunção dos riscos da atividade econômica pelo empregador.
Ainda que a finalidade precípua da empresa seja o lucro, esta busca não
poderá ser feita em dissonância aos tratados internacionais de direitos humanos
ratificados pelo Brasil e pelas normativas constitucional e infraconstitucional que
regem e tutelam direitos transindividuais e individuais.
3 Responsabilidade socioambiental das empresas
A postura empresarial no século XXI deve estar pautada não apenas em
preceitos normativos, mas também em princípios éticos e morais que regem a
sociedade. Trata-se da denominada responsabilidade social empresarial (RSE).
Segundo Fernando de Almeida Santos (2015, p. 4):
O conceito “ética” tem origem grega, da palavra ethos, que significa
modo de ser e representa as características de um grupo, portanto
representa a forma de agir de um coletivo, em relação à sua cultura
e ao seu comportamento nessa sociedade. O conceito de ética, porém, evoluiu na história, podendo ser considerado caráter ou conjunto
de princípios e valores morais que norteiam a conduta humana na
sociedade.
Assim, a ética consiste em um conceito mutável determinado de acordo
com a sociedade, a época e o país em que estiver inserida, podendo-se falar
também em uma ética universal, baseada em preceitos de direitos humanos que,
fundamentado no princípio da dignidade humana, rege um senso comum ético em
todo o globo.
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No que concerne à responsabilidade social, Reinaldo Dias (2012, p. 22)
traz dois conceitos, o primeiro oriundo do Instituto Ethos e o segundo do Banco
Mundial:
Do Instituto Ethos: “Responsabilidade social empresarial é a forma
de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo
estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e
promovendo a redução das desigualdades sociais”.
Do Banco Mundial: “RSE abrange uma vasta gama de questões relativas à conduta empresarial, de governança corporativa e proteção
ambiental, às questões da inclusão social, direitos humanos e desenvolvimento econômico nacional”.
Além da estrita relação com ética, moral e transparência por parte
da empresa, denota-se que, diante das alterações ocorridas na sociedade
contemporânea, o mercado, a concorrência e os consumidores vêm exigindo
padrões de comportamentos pautados na responsabilidade social. Empresas
buscam a divulgação de práticas e valores éticos a milhares de pessoas como
forma de atrair consumidores, inclusive mediante certificações por sistemas de
gestão de qualidade.
Além disso, com o auxílio da tecnologia e dos meios e comunicação em
massa as pessoas passaram a ter a ciência e consciência de seus direitos e
deveres sociais, tolerando cada vez menos práticas polêmicas e antiéticas.
Corrobora com esta assertiva o turbilhão de informações a serem repassadas em
redes sociais sobre práticas empresariais contrárias ao interesse público, havendo
a divulgação a milhares de pessoas em menos de um segundo. Há atualmente
um controle social das ações empresariais o que atrai o dever de um agir pautado
na responsabilidade social. Para Cláudio Pinheiro Machado Filho (2006, p. 16):
As empresas que desenvolvem um comportamento socialmente
questionável, intencionalmente ou não, correm o risco de atrair a
atenção da mídia, que, por sua vez, pode causar danos irreversíveis
à sua imagem, comprometendo a sua própria sobrevivência, como
em alguns eventos ligados a espoliação ambiental, exposição a riscos da comunidade circunvizinha, práticas lesivas aos funcionários,
para citar alguns exemplos. Já as práticas sociais positivas podem
obter o efeito contrário, chamando a atenção da opinião pública, dos
clientes, consumidores e governo de maneira positiva. Em outras
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palavras, esses são aspectos de estratégia empresarial que não perdem de vista a função-objetivo de criação de valor para a empresa.
Essa é a lógica positiva que direciona a preocupação socialmente
responsável das empresas.
Complementam Luiz Fernando Bellinetti e Fernando Augusto Sormani
Barbugiani (2016, p. 175):
O objetivo do lucro encontra-se no DNA empresarial. A adoção de certas políticas voltadas ao bem comum como a reciclagem ou fomento
a atividades beneficentes não soam espontâneas. Refletem estratégias de marketing para a fixação de uma imagem positiva perante o
público, aumentando a receptividade de seus produtos e, com isto, o
lucro. Trata-se de um investimento. É a preocupação com a imagem.
Por isto, quando essas pessoas jurídicas se encontram envolvidas
em escândalos de corrupção, fraudes, sonegação fiscal ou crimes
contra a economia como a formação de cartéis, o interesse no restabelecimento da imagem é um imperativo negocial.
Nesta senda, a responsabilidade social consiste em um instrumento
positivo para as empresas que atraem consumidores e se mantêm competitivas
no mercado, assim como para a sociedade, diante dos reflexos que uma política
empresarial pautada em preceitos éticos e morais efetivam para o bem comum.
Para Bellinetti e Barbugiani (2016, p. 175), a responsabilidade social “não
é um imperativo econômico ou jurídico. Trata-se de uma demanda social. É o
reconhecimento da empresa de que seus produtos e serviços devem atender um
anseio ético e moral.”
Embora sua inobservância não acarrete sanções por parte dos órgãos
fiscalizatórios e do Poder Judiciário, há um controle social no cumprimento
dessas ações, resultando em benefícios às empresas e proporcionando seu
reestabelecimento no mercado.
Infere-se pela diferenciação entre a função social da empresa, apresentada
no tópico anterior, e a responsabilidade social. A primeira constitui preceito
constitucional que impõe ao detentor da propriedade, ou, no caso das organizações
empresariais aos dirigentes dos meios de produção, o estrito cumprimento
das normas jurídicas vigentes no ordenamento jurídico. A segunda vai além do
cumprimento normativo para abranger condutas pautadas em preceitos éticos e
morais vigentes em determinada sociedade. Nestes termos:
É importante demonstrar que o termo “responsabilidade social” que
tem ganhado projeção no debate empresarial contemporâneo, não se
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confunde com “função social”. Os termos função social e responsabilidade social são essencialmente distintos. A função social está implicada no quadrante jurídico, ao passo que a responsabilidade social
está perspectivada sob a ótica da ética e da moral. O direito impõe
uma obrigatoriedade normativa distinta da obrigação ética e moral. O
aparato jurídico é institucional e possui uma forca coativa estatal; já
as disposições valorativas ou principiológicas que a ética e a moral
impõe são provenientes da consciência individual e da expectativa
social (BANNWART JÚNIOR, 2017, p. 38).
Assim, no cenário contemporâneo, as empresas deverão alterar seu padrão
de conduta e efetivar não apenas o cumprimento do ordenamento jurídico,
mas também pautar suas políticas internas, inclusive no que tange aos seus
empregados, códigos de condutas empresariais, estratégias de marketing e ações
ambientais, em condutas éticas e morais.
Neste contexto se inserem as práticas de compliance.
4 Compliance e a Lei Anticorrupção
Após períodos demarcados por tolerância à prática de corrupção, tanto no
cenário mundial como no âmbito nacional, diversos instrumentos internacionais
foram ratificados visando à eliminação de condutas corruptivas e atentatórias
à livre concorrência, podendo-se apontar a Convenção Interamericana contra a
Corrupção, de 1996 a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários
Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, de 1997; e a
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003, todas ratificadas
pelo Brasil.
No âmbito nacional houve o reconhecimento por parte do Estado da
necessidade de combater práticas ilícitas considerando os efeitos deletérios
causados ao mercado, à economia, à Administração Pública e à sociedade,
culminando em mudanças estruturais de diversas empresas e da Administração
Pública direta e indireta.
Em paralelo, aponta-se o modelo cooperativo implementado pelo Estado
para a cooperação e investigação do crime de lavagem de dinheiro, bem como
o aparelhamento e fortalecimento de entidades aptas a promover a fiscalização
e combate das referidas práticas, como o Ministério Público e a Polícia Federal
(MENDES; CARVALHO, 2017, p. 21).
A Lei nº 9.613/1998, que trata dos crimes de “lavagem” ou ocultação de
bens, direitos e valores, trouxe uma inovação no ordenamento jurídico ao prever
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a necessidade de identificação dos clientes e manutenção de registros (art. 10)
com a adoção de políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis
com o porte e volume de operações da empresa, que lhes permitam efetivar a
comunicação às autoridades competentes no caso de indícios de crimes (art. 11).
Estipulou sanções às pessoas jurídicas e a seus administradores caso haja
o descumprimento das referidas medidas, como advertência, multa, inabilitação
temporária para exercício do cargo de administrador e cassação ou suspensão de
autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento (art. 12).
Nestes termos, pode-se dizer que a partir dos referidos dispositivos se inaugurou
o sistema de compliance no Brasil (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2015, p. 180).
No entanto, foi com o advento da Lei nº 12.846/2013, denominada pelos
operadores do Direito Lei Anticorrupção (LAC), que ficou estabelecida uma nova
modalidade de gestão no mercado, revolucionando o cenário brasileiro.
A lei trata da responsabilização administrativa e civil de pessoas
jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou
estrangeira, preceituados exemplificativamente no art. 5º, aplicando, no caso de
descumprimento, a penalidade administrativa de multa sobre o faturamento bruto
do último exercício e publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6º).
Afirma que serão levados em consideração na aplicação das sanções,
dentre outros itens, a existência de mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação
efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica (art. 7º,
inciso VIII). Denota-se que o conceito de programa de integridade está previsto
no art. 41 do Decreto nº 8.420/2015,3 que regulamentou o tema. Trata-se da
necessidade de implementação de práticas de compliance.
Segundo Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho (2017,
p. 31):
Ao pensar sobre os motivos pelos quais a Administração incentiva
os programas de compliance, nota-se que se trata de uma espécie de compartilhamento de uma atividade própria do poder público
com os agentes privados. Ou seja, entende-se que a sociedade tem
3
Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa
jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes
com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a
administração pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as
características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o
constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.
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algo a ganhar se for criado um incentivo para que as próprias empresas sejam parcialmente responsáveis por garantir o cumprimento
da legislação. Evidentemente, o Estado não abdica dessa atividade
(e nem poderia fazê-lo), mas conscientemente confere aos agentes
privados um papel maior na observância da lei, criando incentivos
palpáveis para as empresas que desenvolverem um programa efetivo
de compliance.
Assim, pode-se dizer que houve a repartição entre o Poder Público e os
entes privados da responsabilidade pelo efetivo comprimento da legislação e pela
fiscalização de práticas potencialmente lesivas no âmbito empresarial, criando
o legislador um incentivo para o desenvolvimento de programas de compliance.
Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho (2017, p. 29) apontam
que:
A palavra compliance vem do inglês to comply, que significa cumprir.
De forma resumida, um programa de compliance é aquele que busca
o cumprimento da lei. Se isso esclarece o conceito, diz muito pouco a
respeito de como propriamente tais programas são estruturados. Um
programa de compliance visa estabelecer mecanismos e procedimentos que tornem o cumprimento da legislação parte da cultura corporativa. Ele não pretende, no entanto, eliminar completamente a chance
de ocorrência de um ilícito, mas sim minimizar as possibilidades de
que ele ocorra, e criar ferramentas para que a empresa rapidamente
identifique sua ocorrência e lide da forma mais adequada possível
com o problema.
Mais do que um programa que visa ao efetivo cumprimento de normas
jurídicas, se enquadrando no conceito de função social da empresa, medidas
de compliance visam à implementação de uma responsabilidade socioambiental
empresarial. Condutas éticas e morais devem ser introduzidas em políticas
empresariais, por exemplo, a implementação de código de ética e conduta a ser
observado por todos aqueles que fazem parte do espaço empresarial. Ademais,
normas ambientais também devem ser observadas por todos os colaboradores
visando à tutela do meio ambiente (Art. 225, CF/88).
Carla Verríssimo (2017, p. 277) afirma haver diversas fases de implementação
de compliance, as quais deverão sempre levar em consideração as peculiaridades
da empresa e do ramo empresarial em que estiver inserida:
A estrutura de um programa de compliance é assim organizada:
1ª Coluna: Formulação (identificar, definir, estruturar) – Análise de
riscos e valoração dos riscos – Definição de medidas de prevenção,
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detecção e comunicação, definição dos valores da empresa – Criação
de uma estrutura de compliance.
2ª Coluna: Implementação (informar, incentivar, organizar) –
Comunicação e detalhamento das especificações de compliance –
Promoção da observância do compliance – Medidas organizacionais
para criação de processos de compliance.
3ª Coluna: Consolidação e Aperfeiçoamento (reagir, sancionar, aperfeiçoar) – Estabelecimento de um processo para apuração de violações ao programa de compliance – Estabelecimento dos critérios
para a sanção das violações ao programa de compliance – Avaliação
continuada e aperfeiçoamento do programa.
Desta forma, não basta a mera previsão no regulamento empresarial interno
das medidas de compliance, mas estas devem ser efetivamente implementadas
e seu cumprimento fiscalizado para que tenha efetividade e cumpra o intuito
teleológico da norma.
Além do cumprimento da função social e da responsabilidade socioambiental
da empresa, diversos benefícios diante da sua implementação são verificados,
podendo-se apontar: benefício financeiro com a redução da imposição de
penalidades por parte dos órgãos estatais diante do efetivo cumprimento das
normas jurídicas; impacto na reputação da empresa perante o mercado e os
consumidores que, a cada dia, exigem uma postura hígida e polida dos entes
empresariais; facilitação na contratação com o Poder Público mediante processos
licitatórios; dentre outras.
5 Compliance trabalhista
Embora o instituto do compliance tenha sido inaugurado no ordenamento
jurídico com o advento da Lei nº 9.613/1998 (“Lavagem” ou ocultação de bens) e
aprimorado na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e no Decreto nº 8.420/2015
(Art. 41 – programas de integridade), sua aplicação não se encontra restrita ao
âmbito criminal, sendo aplicado atualmente também na seara trabalhista.
O compliance trabalhista consiste no cumprimento de normas trabalhistas
e de regras éticas, morais e transparentes relacionadas ao Direito do Trabalho,
tanto no ambiente empresarial interno, como nas relações empresariais com
clientes, investidores e fornecedores.
A dinamicidade do mundo do trabalho e as constantes alterações normativas
efetivadas no ordenamento jurídico, especialmente com o advento da Lei nº
13.467/2017, denominada reforma trabalhista, exigem por parte das empresas
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maior cautela e atenção na implementação de suas políticas empresariais. Devemse atentar inclusive para as recorrentes alterações jurisprudenciais efetivadas
pelos Tribunais Trabalhistas de todo país considerando os diversos aspectos
polêmicos da nova legislação.
Neste viés, afirma Rogéria Gieremek (2015):
O cenário empresarial e o ambiente regulatório trabalhista estão cada
vez mais complexos, afetando diretamente as relações profissionais.
O fato requer atualizações constantes nas políticas internas das
empresas. Aplicado na criação e na manutenção de um código de
condutas comportamentais da companhia, o compliance trabalhista
entra em cena para imunizar a atmosfera corporativa contra práticas
antiéticas e ilegais, atendendo à necessidade das corporações de se
manterem pautadas na ética e na legislação vigente.
A implementação do compliance trabalhista no âmbito empresarial vai
muito além de uma ferramenta para evitar a imposição de multas por órgãos de
fiscalização ou a condenação da empresa no âmbito judicial. Sem dúvida que essas
medidas são e devem ser consideradas, especialmente quanto à prevenção contra
demandas que tutelam interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos
que podem ocasionar condenações expressivas por dano moral coletivo, instituto
implementado para a tutela de direitos extrapatrimoniais da coletividade que
visam a extirpar a noção de custo-benefício no descumprimento da legislação.
O compliance relacionado à seara laboral, além de estar em consonância
com a função social e a responsabilidade socioambiental da empresa, agregam
valor à entidade empresarial e atrai consumidores, investidores e parceiros,
proporcionando um aumento significativo do lucro.
O cumprimento das normas nacionais e internacionais no que concerne ao
meio ambiente de trabalho (art. 200, VIII e 225, CF/88 e Convenções 155 e 161
da Organização Internacional do Trabalho), além de evitar doenças e acidentes,
proporciona um ambiente harmônico e hígido, refletindo na produtividade da
empresa diante de um maior engajamento e comprometimento dos trabalhadores
com suas funções.
Assim, além de benefícios empresariais com o aumento da produtividade
e aos trabalhadores que trabalharão em um ambiente sem riscos de doenças
mentais ou físicas e acidentes laborais, há benefício a toda a sociedade que seria
onerada quando do pagamento de benefícios previdenciários e auxílio-desemprego
diante da alta rotatividade que um ambiente degradante ocasiona.
Nestes termos, afirma Juliana Dato Leal (2015) que:
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[...] um programa eficaz de Compliance, aliado às melhores práticas
de Gestão de Pessoas, aumenta o grau de satisfação e de confiança do empregado na empresa, impactando diretamente no clima organizacional. Fica claro que a qualidade da produção está ligada a
satisfação do trabalhador, trabalhar num ambiente saudável, ético,
íntegro, que respeite os valores intrínsecos ao ser humano e que
efetivamente busque o bem da coletividade, gera maior produtividade
e lucro pro empregador.
A adoção de uma política ética e transparente nas relações de trabalho
poderá se dar com a elaboração de regulamento interno empresarial, códigos de
ética e conduta, estabelecimento de um canal de denúncias para que trabalhadores
relatem acontecimentos no ambiente interno, o que é bastante efetivo quando
estamos diante de casos de assédios moral e sexual.
Ademais, deverá ser implementada e aplicada antes, durante e após a
relação empregatícia. A aplicação pré-contratual se relaciona à ausência de
discriminação na contratação de pretensos candidatos à vaga empregatícia, com
o requerimento, por exemplo, de documentação que tenha estrita relação com a
vaga de trabalho proporcionada (princípio da neutralidade).
No período pós-contratual pode-se apontar a vedação de divulgação de
“listas negras”, sejam aquelas que apontam empregados que entraram com ações
trabalhistas ou as relativas àqueles que possuem atuação sindical significativa.
No período contratual infere-se pelo cumprimento estrito da legislação e
dos princípios que imperam no Direito do Trabalho, como o pagamento no prazo
adequado da remuneração e das verbas rescisórias e o cumprimento de normas
relativas ao trabalho decente, impedindo a exposição a condições análogas à de
escravo, por exemplo.
Corrobora com a referida política a instituição de uma comissão representativa
de trabalhadores com a finalidade de proporcionar e facilitar o diálogo com o
empregador e seus prepostos, o que era previsto no art. 11 da Constituição da
República de 1988, e veio a ser regulamentado pelos arts. 510-A e seguintes da
CLT. A comissão possui o papel primordial de estabelecer um diálogo transparente
e direto em busca de melhores condições de trabalho e soluções pacíficas de
conflitos internos.
Ademais, o sindicato também possui um papel primordial na estipulação
do compliance em acordos e convenções coletivas de trabalho. Estas ganharam
especial relevância com o advento da Lei nº 13.467/2017, que estabeleceu a
prevalência de instrumentos negociados em face da legislação em temáticas
previstas no art. 611-A do diploma celetista.
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Assim, entidades sindicais também possuem o dever de cumprimento
das normas legais, mas, acima de tudo, de uma atuação ética e moral, que
fundamentam políticas de compliance.
Na terceirização de serviços, prática recorrente diante das alterações na
organização do trabalho e das formas de estruturação do capital com o advento
da globalização, compete às empresas a implementação da prática denominada
“due diligence”, inserida dentre as políticas de compliance. Quanto ao assunto,
Marcos Assis (2018, p. 71) explicita:
Especificamente no que se refere à due diligence de terceiros, tem-se
uma averiguação detalhada sobre o contexto jurídico-econômico em
que está inserido um determinado prestador de serviços, representante comercial, parceiro de negócios, fornecedor ou consultor. Esta
averiguação serve, sobretudo, para mapeamento de possíveis riscos
de fraudes, corrupções, lavagem de dinheiro, entre outras ilicitudes
que possam acabar trazendo à sua empresa (contratante) passivos
administrativos e judiciais, além de perdas financeiras e reputacionais. Intermediários, terceiros, prestadores de serviços, fornecedores, sub-contratadas, distribuidoras e parceiras (por exemplo, uma
empresa consorciada) compõem os riscos mais importantes a serem
mitigados por um programa de compliance.
Plenamente possível e recomendada a aplicação da referida cautela na
contratação de empresas prestadoras de serviços. Cumpre à empresa tomadora
averiguar além da existência de um capital social mínimo para honrar com as
obrigações trabalhistas (art. 4º-B, Lei nº 6.019/1974), verificar sua idoneidade
e fiscalizar as condições de labor existentes nas empresas, sob pena de
responsabilização.
Complementa Marcos Assis (2018, p. 76):
Dessa forma, à medida que a mão de obra utilizada passa a advir de
diferentes espécies de contratação (direta ou indireta, por intermédio
de uma ou mais prestadoras de serviços terceirizados, admitida, a
quarteirização), é certo que os riscos decorrentes dessas empreitadas aumentam, tornando imprescindível a realização de diligências e
monitoramentos contínuos e, consequentemente, impedindo que o
controle sobre os atos e as omissões dos empregados seja perdido
de vista.
É imperioso ressaltar, conforme apontado no tópico anterior, que além
da implementação, necessário se faz a observância e fiscalização quanto ao
cumprimento das medidas. Para Breno Novelli (2016), a consecução de um
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programa de compliance trabalhista efetivo e exitoso deve atuar em duas frentes,
a saber:
[...] criação de políticas e procedimentos internos de observância à legislação (e jurisprudência) laboral e vigilância efetiva (interna e externa) de seu cumprimento. Na primeira frente é necessário, mapeando
as especificidades de cada núcleo organizacional, criar um ambiente
transparente, sadio e respeitoso no trato interpessoal entre todos
os funcionários, observando os ditames do complexo ordenamento
jurídico trabalhista pátrio, passando, ainda, pela jurisprudência pertinente às relações trabalhistas. [...] Já na segunda frente, é preciso
comprovar o envio de esforços, de forma constante, no cumprimento de todo o regramento criado, tanto interna quanto externamente.
Devem, então, as empresas, promoverem treinamentos constantes,
palestras explicativas, submeterem-se à auditorias de controle e,
também, provar a aplicação de penalidades (que obedeçam critérios
objetivos) aos infratores das políticas internas criadas (sempre observando a razoabilidade e direito de defesa).
Deste modo, a implementação de política de compliance trabalhista, além
de prevenir e reduzir os riscos de futuras condenações, está alinhado ao princípio
da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (Art. 1º, III e IV,
CF/1988), aos objetivos da República de construção de uma sociedade livre, justa
e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional e a promoção do bem de todos
(art. 3º, I, II e IV), bem como na valorização do trabalho humano que fundamenta
a ordem econômica brasileira (Art. 170, CF/88).
6 Considerações finais
As políticas de compliance trabalhista consistem no efetivo cumprimento do
ordenamento jurídico e de normas éticas, morais e transparentes que podem ser
implementadas nos âmbitos empresariais interno e externo. Possuem a finalidade
precípua de identificação de riscos, diminuição de demandas trabalhistas e
condenações judiciais, e, acima de tudo, de implementação de política empresarial
condizente com a função social e a responsabilidade socioambiental da empresa.
Inúmeros benefícios podem ser identificados. Para a empresa, aponta-se
o aumento da lucratividade diante da redução de condenações administrativas
e judicias; a atração de consumidores e investidores do mercado diante da boa
reputação que ostenta, bem como com o aumento da produtividade diante de um
maior engajamento de seus trabalhadores.
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Para aqueles que laboram no espaço empresarial interno, os benefícios
advêm de um meio ambiente laboral hígido e sadio com a ausência de doenças
e acidentes do trabalho, de discriminação e abusos hierárquicos, aumentando a
qualidade de vida de todos os colaboradores.
Para a sociedade, os ônus impostos com o pagamento de benefícios
previdenciários e seguro desemprego são reduzidos, mas, acima de tudo, reflete
em toda a coletividade diante da ausência de violação de um patamar mínimo
civilizatório tutelado pelas ordens internacional e nacional vigentes.
Denota-se, inclusive, que a violação de direitos sociais resulta no denominado
“dumping social”, ocasionado uma concorrência desleal no mercado de trabalho
perante demais empresas cumpridoras de seus deveres.
Assim, verifica-se no atual estágio de desenvolvimento dos direitos humanos
e do mercado de trabalho que as empresas devem satisfazer as exigências
estruturais e legais impostas pela ordem jurídica e pela sociedade de modo que
políticas de compliance auxiliem nesta empreitada.
Labor compliance: an analysis based on the social function of ownership and the socio-environmental
responsibility of the company
Abstract: Compliance is one of the most current themes of contemporary times. It’s implementation
is in line with the social function of ownership and the social and environmental responsibility of the
company, based on ethical, moral and transparent principles to inspire internal and external business
policies. Although initially applied under criminal law, in order to identify, suppress and prevent
practices that threaten public administration, Compliance may also be applied in the labor court (Labor
Compliance), with its concept, nuances and benefits being studied in this article. The deductive method
will be used in the research.
Keywords: Social role. Socio-environmental responsibility. Compliance. Labor compliance.
Summary: 1 Introductory notions – 2 Social function of property – 3 Socio-environmental responsibility
of companies – 4 Compliance and Anti-Corruption Law – 5 Labor compliance – 6 Final considerations –
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2018 da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
SOUZA, Raíssa Fabris de; BELLINETTI, Luiz Fernando. Compliance trabalhista:
uma análise a partir da função social da propriedade e da responsabilidade
socioambiental da empresa. Direitos Fundamentais & Justiça, Belo Horizonte,
ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019.
Recebido em: 05.06.2018
Pareceres: 14.10.2018, 15.10.2018 e 22.02.2019
Aceito para publicação: 26.02.2019
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