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Compliance trabalhista

2020, Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça

O Compliance consiste um dos temas mais atuais da contemporaneidade.  Sua implementação está em consonância com a função social da propriedade e a responsabilidade socioambiental da empresa, fundamentada em preceitos éticos, morais e transparentes a inspirarem políticas empresariais internas e externas. Embora aplicado inicialmente no âmbito do direito penal, com a finalidade de identificar, reprimir e prevenir práticas atentatórias à administração pública, o Compliance poderá ser aplicado também na seara trabalhista (Compliance Trabalhista), sendo seu conceito, suas nuances e benefícios estudados no presente artigo. Utilizar-se-á o método dedutivo na pesquisa.

COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DA EMPRESA Raíssa Fabris de Souza Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Bolsista CAPES/CNPq. Especialista em Direito Constitucional Contemporâneo pela Universidade Norte do Paraná (UENP). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Advogada. E-mail: raí[email protected]. Luiz Fernando Bellinetti Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (1980). Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (1985). Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Atualmente, é professor associado da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected]. Resumo: O compliance consiste em um dos temas mais atuais da contemporaneidade. Sua implementação está em consonância com a função social da propriedade e a responsabilidade socioambiental da empresa, fundamentada em preceitos éticos, morais e transparentes a inspirarem políticas empresariais internas e externas. Embora aplicado inicialmente no âmbito do Direito Penal, com a finalidade de identificar, reprimir e prevenir práticas atentatórias à Administração Pública, o compliance poderá ser aplicado também na seara trabalhista (compliance trabalhista), sendo seu conceito, suas nuances e benefícios estudados no presente artigo, em que foi utilizado o método dedutivo na pesquisa. Palavras-chave: Função social. Responsabilidade socioambiental. Compliance. Compliance trabalhista. Sumário: 1 Noções introdutórias – 2 Função social da propriedade – 3 Responsabilidade socioambiental das empresas – 4 Compliance e a Lei Anticorrupção – 5 Compliance trabalhista – 6 Considerações finais – Referências 1 Noções introdutórias Os últimos anos foram marcados pelo compartilhamento entre o setor público e o setor privado da fiscalização de políticas empresariais em dissonância com Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 221 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI as ordens normativas internacional e nacional vigentes, bem como com políticas éticas, morais e transparentes. A referida preocupação resulta de uma alteração no comportamento do Estado, da sociedade e do mercado consumidor, que passaram a exigir políticas condizentes com os mencionados preceitos com o objetivo de reduzir impactos negativos à coletividade. Pode-se afirmar que há um controle social das ações empresariais que refletem no modo de agir destas organizações. Neste sentido, surgiram as políticas de compliance inauguradas pela Lei nº 9.613/1998, que foram aprimoradas pela Lei nº 12.846/2013, denominada pelos operadores do Direito Lei Anticorrupção (LAC), estabelecendo uma nova modalidade de gestão no mercado de trabalho ao introduzir os programas de integridade. Inicialmente aplicados para impedir ou reduzir a prática de atos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira, as políticas de compliance podem ser aplicadas também no âmbito do Direito do Trabalho, denominando-se compliance trabalhista. O presente artigo fará uma análise inicial da função social da propriedade e da responsabilidade socioambiental da empresa, que fundamentam as políticas de compliance previstas nas leis infraconstitucionais. Também será analisado o compliance nos moldes da Lei Anticorrupção, sua evolução histórica, conceito e fundamentos. Posteriormente, adentra-se o compliance trabalhista com todas suas nuances e benefícios à própria organização empresarial, aos trabalhadores e à sociedade. O método utilizado no presente artigo é o método dedutivo, explicando-se os conteúdos das premissas iniciais para chegar ao conhecimento de aspectos específicos da temática. 2 Função social da propriedade Historicamente, o direito de propriedade sempre foi visto em sua perspectiva individual, como um direito subjetivo do detentor. Seu título atribuía apenas faculdades e vantagens, bastando sua comprovação para perquirir a tutela estatal repressiva no caso de ameaça ou violação do direito. Entretanto, o cenário mundial começou a ser alterado a partir da constituição mexicana de Queretaro, de 1917, a primeira constituição a fazer referência à função social da propriedade, embora não tenha utilizado expressamente o termo 222 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... (art. 27).1 No mesmo viés dispôs a carta constitucional alemã de Weimar, em 1919 (FACCHINI NETO, 2013, p. 666). Pode-se dizer que esta revolucionou a temática ao explicitar no art. 153: “A propriedade obriga. Seu uso deve igualmente ser um serviço ao bem comum (Eigentum verpflichtet. Sein Gebrauch soll zugleich Dienst sein für das Gemeine Beste)”. Nestes termos, conferiu ao direito à propriedade obrigações e ônus em face do bem social. No Direito Constitucional brasileiro a Constituição de 1934 foi a primeira a tratar sobre o tema afirmando em seu art. 113, nº 17, que o direito à propriedade “não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar”. Com exceção da Constituição de 1937, todas as demais trataram do direito à propriedade vinculado ao interesse social, tendo a Constituição de 1967 utilizado pela primeira vez a expressão literal em seu texto (FACCHINI NETO, 2013, p. 666). A Constituição da República de 1988 estabeleceu a propriedade e sua função social como um direito fundamental e princípio da ordem econômica, previsto no art. 5º, “caput”, e inciso XXII, e também no art. 170, inciso II. Repisou ao longo de seu texto o referido direito ao estabelecer que lei específica dispusesse sobre a função social das empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias que explorassem atividade econômica (art. 175, §1º, I); as hipóteses em que a propriedade urbana e a rural cumprirão sua função social (art. 182 e 186, respectivamente), bem como ao prever a possibilidade de desapropriação e expropriação no caso de inobservância deste preceito (art. 184 e 243, respectivamente). Segundo Facchini Neto (2013, p. 666): Novidade marcante, na Constituição de 1988, é o fato de que, além de manter a previsão da função social da propriedade como um dos princípios reguladores da ordem econômica (art. 170, III), o vigente texto também a ela faz referência no rol dos direitos fundamentais do art. 5º. Imediatamente após referir, no seu inciso XXII, que “é garantido o direito de propriedade”, o inciso seguinte comanda que “a propriedade atenderá a sua função social”. 1 “A Nação terá sempre o direito de impor à propriedade privada as regras que dite o interesse público, assim como o direito de regular o aproveitamento dos elementos naturais suscetíveis de apropriação, com vista à distribuição equitativa e à conservação da riqueza pública. [...]”. Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 223 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI Deste modo, observa-se que tanto no âmbito mundial, com previsão em diversos ordenamentos jurídicos internacionais,2 como no âmbito nacional, houve a harmonização do direito subjetivo de propriedade com o interesse social, da coletividade, tutelado, inclusive, pela Constituição de 1988. A vinculação do direito à propriedade à sua função social está em consonância com os objetivos fundamentais da República de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), da redução de desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III) e da promoção do bem de todos (art. 3º, IV). Para Eugênio Facchini Neto (2013, p. 3868) “a discussão contemporânea sobre a propriedade e sua função social está associada a uma discussão mais ampla, referente à passagem de uma ética individualista para uma ética solidarista.” Deixou-se de falar apenas em faculdades e vantagens para abarcar ônus, deveres e responsabilidades devendo o detentor da propriedade exercer seu direito em consonância com o interesse social. Segundo Fábio Konder Comparato (1986, p. 75): O adjetivo social mostra que este objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está adiante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica. Na mesma toada, José Afonso da Silva aponta que “função social é elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da propriedade privada incide no conteúdo do direito de propriedade; impõe-lhe novo conceito” (2016, p. 275). Em uma interpretação teleológica e sistemática da Constituição de 1988, atualmente se pode falar também em observância aos ditames ambientais 2 A atual Constituição alemã (1949), após prever a garantia do direito de propriedade, cujo conteúdo e limites seriam definidos na lei ordinária, manteve incorporado ao texto a famosa expressão, estabelecendo, no n. 2 de seu art. 14, que “a propriedade obriga o seu uso e deve, ao mesmo tempo, servir o bem-estar geral”. A mesma laconicidade apresentam os textos da Constituição italiana de 1947 e da Constituição espanhola de 1978. A Constituição do Japão, de 1946, em seu art. 29, prevê que “o direito de propriedade ou de posse dos bens é inviolável. Os direitos da propriedade serão definidos em lei, em conformidade com o bem-estar público”. A minuciosa Constituição da Grécia, de 1975, em seu art. 17, inserida na parte que trata dos direitos individuais e sociais, refere no seu n. 1 que “a propriedade é posta sob a proteção do Estado. Os direitos que dela derivam, todavia, não podem ser exercitados de modo contrário ao interesse geral”. O art. 18, em seus ns. 4 e 6, prevê a adoção de medidas para evitar o fracionamento das pequenas propriedades agrícolas e facilitar a sua recomposição em unidades maiores, que permitam um uso mais racional do solo (FACCHINI NETO, 2013, p. 668). 224 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... previstos no art. 225 e em leis infraconstitucionais, incluindo o direito ao meio ambiente de trabalho hígido (art. 200, VIII, CF). Comparato (1986, p. 76) complementa: O poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular o controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos. No caso de uma propriedade vinculada à exploração empresarial, a função social é imposta ao dirigente, embora em algumas ocasiões haja a sobreposição desta qualidade com a de proprietário da empresa. No que tange aos direitos de índole trabalhista, corrobora com a referida assertiva a dicção do art. 2º da CLT, que prevê a assunção dos riscos da atividade econômica pelo empregador. Ainda que a finalidade precípua da empresa seja o lucro, esta busca não poderá ser feita em dissonância aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e pelas normativas constitucional e infraconstitucional que regem e tutelam direitos transindividuais e individuais. 3 Responsabilidade socioambiental das empresas A postura empresarial no século XXI deve estar pautada não apenas em preceitos normativos, mas também em princípios éticos e morais que regem a sociedade. Trata-se da denominada responsabilidade social empresarial (RSE). Segundo Fernando de Almeida Santos (2015, p. 4): O conceito “ética” tem origem grega, da palavra ethos, que significa modo de ser e representa as características de um grupo, portanto representa a forma de agir de um coletivo, em relação à sua cultura e ao seu comportamento nessa sociedade. O conceito de ética, porém, evoluiu na história, podendo ser considerado caráter ou conjunto de princípios e valores morais que norteiam a conduta humana na sociedade. Assim, a ética consiste em um conceito mutável determinado de acordo com a sociedade, a época e o país em que estiver inserida, podendo-se falar também em uma ética universal, baseada em preceitos de direitos humanos que, fundamentado no princípio da dignidade humana, rege um senso comum ético em todo o globo. Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 225 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI No que concerne à responsabilidade social, Reinaldo Dias (2012, p. 22) traz dois conceitos, o primeiro oriundo do Instituto Ethos e o segundo do Banco Mundial: Do Instituto Ethos: “Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais”. Do Banco Mundial: “RSE abrange uma vasta gama de questões relativas à conduta empresarial, de governança corporativa e proteção ambiental, às questões da inclusão social, direitos humanos e desenvolvimento econômico nacional”. Além da estrita relação com ética, moral e transparência por parte da empresa, denota-se que, diante das alterações ocorridas na sociedade contemporânea, o mercado, a concorrência e os consumidores vêm exigindo padrões de comportamentos pautados na responsabilidade social. Empresas buscam a divulgação de práticas e valores éticos a milhares de pessoas como forma de atrair consumidores, inclusive mediante certificações por sistemas de gestão de qualidade. Além disso, com o auxílio da tecnologia e dos meios e comunicação em massa as pessoas passaram a ter a ciência e consciência de seus direitos e deveres sociais, tolerando cada vez menos práticas polêmicas e antiéticas. Corrobora com esta assertiva o turbilhão de informações a serem repassadas em redes sociais sobre práticas empresariais contrárias ao interesse público, havendo a divulgação a milhares de pessoas em menos de um segundo. Há atualmente um controle social das ações empresariais o que atrai o dever de um agir pautado na responsabilidade social. Para Cláudio Pinheiro Machado Filho (2006, p. 16): As empresas que desenvolvem um comportamento socialmente questionável, intencionalmente ou não, correm o risco de atrair a atenção da mídia, que, por sua vez, pode causar danos irreversíveis à sua imagem, comprometendo a sua própria sobrevivência, como em alguns eventos ligados a espoliação ambiental, exposição a riscos da comunidade circunvizinha, práticas lesivas aos funcionários, para citar alguns exemplos. Já as práticas sociais positivas podem obter o efeito contrário, chamando a atenção da opinião pública, dos clientes, consumidores e governo de maneira positiva. Em outras 226 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... palavras, esses são aspectos de estratégia empresarial que não perdem de vista a função-objetivo de criação de valor para a empresa. Essa é a lógica positiva que direciona a preocupação socialmente responsável das empresas. Complementam Luiz Fernando Bellinetti e Fernando Augusto Sormani Barbugiani (2016, p. 175): O objetivo do lucro encontra-se no DNA empresarial. A adoção de certas políticas voltadas ao bem comum como a reciclagem ou fomento a atividades beneficentes não soam espontâneas. Refletem estratégias de marketing para a fixação de uma imagem positiva perante o público, aumentando a receptividade de seus produtos e, com isto, o lucro. Trata-se de um investimento. É a preocupação com a imagem. Por isto, quando essas pessoas jurídicas se encontram envolvidas em escândalos de corrupção, fraudes, sonegação fiscal ou crimes contra a economia como a formação de cartéis, o interesse no restabelecimento da imagem é um imperativo negocial. Nesta senda, a responsabilidade social consiste em um instrumento positivo para as empresas que atraem consumidores e se mantêm competitivas no mercado, assim como para a sociedade, diante dos reflexos que uma política empresarial pautada em preceitos éticos e morais efetivam para o bem comum. Para Bellinetti e Barbugiani (2016, p. 175), a responsabilidade social “não é um imperativo econômico ou jurídico. Trata-se de uma demanda social. É o reconhecimento da empresa de que seus produtos e serviços devem atender um anseio ético e moral.” Embora sua inobservância não acarrete sanções por parte dos órgãos fiscalizatórios e do Poder Judiciário, há um controle social no cumprimento dessas ações, resultando em benefícios às empresas e proporcionando seu reestabelecimento no mercado. Infere-se pela diferenciação entre a função social da empresa, apresentada no tópico anterior, e a responsabilidade social. A primeira constitui preceito constitucional que impõe ao detentor da propriedade, ou, no caso das organizações empresariais aos dirigentes dos meios de produção, o estrito cumprimento das normas jurídicas vigentes no ordenamento jurídico. A segunda vai além do cumprimento normativo para abranger condutas pautadas em preceitos éticos e morais vigentes em determinada sociedade. Nestes termos: É importante demonstrar que o termo “responsabilidade social” que tem ganhado projeção no debate empresarial contemporâneo, não se Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 227 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI confunde com “função social”. Os termos função social e responsabilidade social são essencialmente distintos. A função social está implicada no quadrante jurídico, ao passo que a responsabilidade social está perspectivada sob a ótica da ética e da moral. O direito impõe uma obrigatoriedade normativa distinta da obrigação ética e moral. O aparato jurídico é institucional e possui uma forca coativa estatal; já as disposições valorativas ou principiológicas que a ética e a moral impõe são provenientes da consciência individual e da expectativa social (BANNWART JÚNIOR, 2017, p. 38). Assim, no cenário contemporâneo, as empresas deverão alterar seu padrão de conduta e efetivar não apenas o cumprimento do ordenamento jurídico, mas também pautar suas políticas internas, inclusive no que tange aos seus empregados, códigos de condutas empresariais, estratégias de marketing e ações ambientais, em condutas éticas e morais. Neste contexto se inserem as práticas de compliance. 4 Compliance e a Lei Anticorrupção Após períodos demarcados por tolerância à prática de corrupção, tanto no cenário mundial como no âmbito nacional, diversos instrumentos internacionais foram ratificados visando à eliminação de condutas corruptivas e atentatórias à livre concorrência, podendo-se apontar a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 1996 a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, de 1997; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003, todas ratificadas pelo Brasil. No âmbito nacional houve o reconhecimento por parte do Estado da necessidade de combater práticas ilícitas considerando os efeitos deletérios causados ao mercado, à economia, à Administração Pública e à sociedade, culminando em mudanças estruturais de diversas empresas e da Administração Pública direta e indireta. Em paralelo, aponta-se o modelo cooperativo implementado pelo Estado para a cooperação e investigação do crime de lavagem de dinheiro, bem como o aparelhamento e fortalecimento de entidades aptas a promover a fiscalização e combate das referidas práticas, como o Ministério Público e a Polícia Federal (MENDES; CARVALHO, 2017, p. 21). A Lei nº 9.613/1998, que trata dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, trouxe uma inovação no ordenamento jurídico ao prever 228 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... a necessidade de identificação dos clientes e manutenção de registros (art. 10) com a adoção de políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com o porte e volume de operações da empresa, que lhes permitam efetivar a comunicação às autoridades competentes no caso de indícios de crimes (art. 11). Estipulou sanções às pessoas jurídicas e a seus administradores caso haja o descumprimento das referidas medidas, como advertência, multa, inabilitação temporária para exercício do cargo de administrador e cassação ou suspensão de autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento (art. 12). Nestes termos, pode-se dizer que a partir dos referidos dispositivos se inaugurou o sistema de compliance no Brasil (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2015, p. 180). No entanto, foi com o advento da Lei nº 12.846/2013, denominada pelos operadores do Direito Lei Anticorrupção (LAC), que ficou estabelecida uma nova modalidade de gestão no mercado, revolucionando o cenário brasileiro. A lei trata da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, preceituados exemplificativamente no art. 5º, aplicando, no caso de descumprimento, a penalidade administrativa de multa sobre o faturamento bruto do último exercício e publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6º). Afirma que serão levados em consideração na aplicação das sanções, dentre outros itens, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica (art. 7º, inciso VIII). Denota-se que o conceito de programa de integridade está previsto no art. 41 do Decreto nº 8.420/2015,3 que regulamentou o tema. Trata-se da necessidade de implementação de práticas de compliance. Segundo Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho (2017, p. 31): Ao pensar sobre os motivos pelos quais a Administração incentiva os programas de compliance, nota-se que se trata de uma espécie de compartilhamento de uma atividade própria do poder público com os agentes privados. Ou seja, entende-se que a sociedade tem 3 Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade. Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 229 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI algo a ganhar se for criado um incentivo para que as próprias empresas sejam parcialmente responsáveis por garantir o cumprimento da legislação. Evidentemente, o Estado não abdica dessa atividade (e nem poderia fazê-lo), mas conscientemente confere aos agentes privados um papel maior na observância da lei, criando incentivos palpáveis para as empresas que desenvolverem um programa efetivo de compliance. Assim, pode-se dizer que houve a repartição entre o Poder Público e os entes privados da responsabilidade pelo efetivo comprimento da legislação e pela fiscalização de práticas potencialmente lesivas no âmbito empresarial, criando o legislador um incentivo para o desenvolvimento de programas de compliance. Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho (2017, p. 29) apontam que: A palavra compliance vem do inglês to comply, que significa cumprir. De forma resumida, um programa de compliance é aquele que busca o cumprimento da lei. Se isso esclarece o conceito, diz muito pouco a respeito de como propriamente tais programas são estruturados. Um programa de compliance visa estabelecer mecanismos e procedimentos que tornem o cumprimento da legislação parte da cultura corporativa. Ele não pretende, no entanto, eliminar completamente a chance de ocorrência de um ilícito, mas sim minimizar as possibilidades de que ele ocorra, e criar ferramentas para que a empresa rapidamente identifique sua ocorrência e lide da forma mais adequada possível com o problema. Mais do que um programa que visa ao efetivo cumprimento de normas jurídicas, se enquadrando no conceito de função social da empresa, medidas de compliance visam à implementação de uma responsabilidade socioambiental empresarial. Condutas éticas e morais devem ser introduzidas em políticas empresariais, por exemplo, a implementação de código de ética e conduta a ser observado por todos aqueles que fazem parte do espaço empresarial. Ademais, normas ambientais também devem ser observadas por todos os colaboradores visando à tutela do meio ambiente (Art. 225, CF/88). Carla Verríssimo (2017, p. 277) afirma haver diversas fases de implementação de compliance, as quais deverão sempre levar em consideração as peculiaridades da empresa e do ramo empresarial em que estiver inserida: A estrutura de um programa de compliance é assim organizada: 1ª Coluna: Formulação (identificar, definir, estruturar) – Análise de riscos e valoração dos riscos – Definição de medidas de prevenção, 230 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... detecção e comunicação, definição dos valores da empresa – Criação de uma estrutura de compliance. 2ª Coluna: Implementação (informar, incentivar, organizar) – Comunicação e detalhamento das especificações de compliance – Promoção da observância do compliance – Medidas organizacionais para criação de processos de compliance. 3ª Coluna: Consolidação e Aperfeiçoamento (reagir, sancionar, aperfeiçoar) – Estabelecimento de um processo para apuração de violações ao programa de compliance – Estabelecimento dos critérios para a sanção das violações ao programa de compliance – Avaliação continuada e aperfeiçoamento do programa. Desta forma, não basta a mera previsão no regulamento empresarial interno das medidas de compliance, mas estas devem ser efetivamente implementadas e seu cumprimento fiscalizado para que tenha efetividade e cumpra o intuito teleológico da norma. Além do cumprimento da função social e da responsabilidade socioambiental da empresa, diversos benefícios diante da sua implementação são verificados, podendo-se apontar: benefício financeiro com a redução da imposição de penalidades por parte dos órgãos estatais diante do efetivo cumprimento das normas jurídicas; impacto na reputação da empresa perante o mercado e os consumidores que, a cada dia, exigem uma postura hígida e polida dos entes empresariais; facilitação na contratação com o Poder Público mediante processos licitatórios; dentre outras. 5 Compliance trabalhista Embora o instituto do compliance tenha sido inaugurado no ordenamento jurídico com o advento da Lei nº 9.613/1998 (“Lavagem” ou ocultação de bens) e aprimorado na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e no Decreto nº 8.420/2015 (Art. 41 – programas de integridade), sua aplicação não se encontra restrita ao âmbito criminal, sendo aplicado atualmente também na seara trabalhista. O compliance trabalhista consiste no cumprimento de normas trabalhistas e de regras éticas, morais e transparentes relacionadas ao Direito do Trabalho, tanto no ambiente empresarial interno, como nas relações empresariais com clientes, investidores e fornecedores. A dinamicidade do mundo do trabalho e as constantes alterações normativas efetivadas no ordenamento jurídico, especialmente com o advento da Lei nº 13.467/2017, denominada reforma trabalhista, exigem por parte das empresas Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 231 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI maior cautela e atenção na implementação de suas políticas empresariais. Devemse atentar inclusive para as recorrentes alterações jurisprudenciais efetivadas pelos Tribunais Trabalhistas de todo país considerando os diversos aspectos polêmicos da nova legislação. Neste viés, afirma Rogéria Gieremek (2015): O cenário empresarial e o ambiente regulatório trabalhista estão cada vez mais complexos, afetando diretamente as relações profissionais. O fato requer atualizações constantes nas políticas internas das empresas. Aplicado na criação e na manutenção de um código de condutas comportamentais da companhia, o compliance trabalhista entra em cena para imunizar a atmosfera corporativa contra práticas antiéticas e ilegais, atendendo à necessidade das corporações de se manterem pautadas na ética e na legislação vigente. A implementação do compliance trabalhista no âmbito empresarial vai muito além de uma ferramenta para evitar a imposição de multas por órgãos de fiscalização ou a condenação da empresa no âmbito judicial. Sem dúvida que essas medidas são e devem ser consideradas, especialmente quanto à prevenção contra demandas que tutelam interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos que podem ocasionar condenações expressivas por dano moral coletivo, instituto implementado para a tutela de direitos extrapatrimoniais da coletividade que visam a extirpar a noção de custo-benefício no descumprimento da legislação. O compliance relacionado à seara laboral, além de estar em consonância com a função social e a responsabilidade socioambiental da empresa, agregam valor à entidade empresarial e atrai consumidores, investidores e parceiros, proporcionando um aumento significativo do lucro. O cumprimento das normas nacionais e internacionais no que concerne ao meio ambiente de trabalho (art. 200, VIII e 225, CF/88 e Convenções 155 e 161 da Organização Internacional do Trabalho), além de evitar doenças e acidentes, proporciona um ambiente harmônico e hígido, refletindo na produtividade da empresa diante de um maior engajamento e comprometimento dos trabalhadores com suas funções. Assim, além de benefícios empresariais com o aumento da produtividade e aos trabalhadores que trabalharão em um ambiente sem riscos de doenças mentais ou físicas e acidentes laborais, há benefício a toda a sociedade que seria onerada quando do pagamento de benefícios previdenciários e auxílio-desemprego diante da alta rotatividade que um ambiente degradante ocasiona. Nestes termos, afirma Juliana Dato Leal (2015) que: 232 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... [...] um programa eficaz de Compliance, aliado às melhores práticas de Gestão de Pessoas, aumenta o grau de satisfação e de confiança do empregado na empresa, impactando diretamente no clima organizacional. Fica claro que a qualidade da produção está ligada a satisfação do trabalhador, trabalhar num ambiente saudável, ético, íntegro, que respeite os valores intrínsecos ao ser humano e que efetivamente busque o bem da coletividade, gera maior produtividade e lucro pro empregador. A adoção de uma política ética e transparente nas relações de trabalho poderá se dar com a elaboração de regulamento interno empresarial, códigos de ética e conduta, estabelecimento de um canal de denúncias para que trabalhadores relatem acontecimentos no ambiente interno, o que é bastante efetivo quando estamos diante de casos de assédios moral e sexual. Ademais, deverá ser implementada e aplicada antes, durante e após a relação empregatícia. A aplicação pré-contratual se relaciona à ausência de discriminação na contratação de pretensos candidatos à vaga empregatícia, com o requerimento, por exemplo, de documentação que tenha estrita relação com a vaga de trabalho proporcionada (princípio da neutralidade). No período pós-contratual pode-se apontar a vedação de divulgação de “listas negras”, sejam aquelas que apontam empregados que entraram com ações trabalhistas ou as relativas àqueles que possuem atuação sindical significativa. No período contratual infere-se pelo cumprimento estrito da legislação e dos princípios que imperam no Direito do Trabalho, como o pagamento no prazo adequado da remuneração e das verbas rescisórias e o cumprimento de normas relativas ao trabalho decente, impedindo a exposição a condições análogas à de escravo, por exemplo. Corrobora com a referida política a instituição de uma comissão representativa de trabalhadores com a finalidade de proporcionar e facilitar o diálogo com o empregador e seus prepostos, o que era previsto no art. 11 da Constituição da República de 1988, e veio a ser regulamentado pelos arts. 510-A e seguintes da CLT. A comissão possui o papel primordial de estabelecer um diálogo transparente e direto em busca de melhores condições de trabalho e soluções pacíficas de conflitos internos. Ademais, o sindicato também possui um papel primordial na estipulação do compliance em acordos e convenções coletivas de trabalho. Estas ganharam especial relevância com o advento da Lei nº 13.467/2017, que estabeleceu a prevalência de instrumentos negociados em face da legislação em temáticas previstas no art. 611-A do diploma celetista. Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 233 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI Assim, entidades sindicais também possuem o dever de cumprimento das normas legais, mas, acima de tudo, de uma atuação ética e moral, que fundamentam políticas de compliance. Na terceirização de serviços, prática recorrente diante das alterações na organização do trabalho e das formas de estruturação do capital com o advento da globalização, compete às empresas a implementação da prática denominada “due diligence”, inserida dentre as políticas de compliance. Quanto ao assunto, Marcos Assis (2018, p. 71) explicita: Especificamente no que se refere à due diligence de terceiros, tem-se uma averiguação detalhada sobre o contexto jurídico-econômico em que está inserido um determinado prestador de serviços, representante comercial, parceiro de negócios, fornecedor ou consultor. Esta averiguação serve, sobretudo, para mapeamento de possíveis riscos de fraudes, corrupções, lavagem de dinheiro, entre outras ilicitudes que possam acabar trazendo à sua empresa (contratante) passivos administrativos e judiciais, além de perdas financeiras e reputacionais. Intermediários, terceiros, prestadores de serviços, fornecedores, sub-contratadas, distribuidoras e parceiras (por exemplo, uma empresa consorciada) compõem os riscos mais importantes a serem mitigados por um programa de compliance. Plenamente possível e recomendada a aplicação da referida cautela na contratação de empresas prestadoras de serviços. Cumpre à empresa tomadora averiguar além da existência de um capital social mínimo para honrar com as obrigações trabalhistas (art. 4º-B, Lei nº 6.019/1974), verificar sua idoneidade e fiscalizar as condições de labor existentes nas empresas, sob pena de responsabilização. Complementa Marcos Assis (2018, p. 76): Dessa forma, à medida que a mão de obra utilizada passa a advir de diferentes espécies de contratação (direta ou indireta, por intermédio de uma ou mais prestadoras de serviços terceirizados, admitida, a quarteirização), é certo que os riscos decorrentes dessas empreitadas aumentam, tornando imprescindível a realização de diligências e monitoramentos contínuos e, consequentemente, impedindo que o controle sobre os atos e as omissões dos empregados seja perdido de vista. É imperioso ressaltar, conforme apontado no tópico anterior, que além da implementação, necessário se faz a observância e fiscalização quanto ao cumprimento das medidas. Para Breno Novelli (2016), a consecução de um 234 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... programa de compliance trabalhista efetivo e exitoso deve atuar em duas frentes, a saber: [...] criação de políticas e procedimentos internos de observância à legislação (e jurisprudência) laboral e vigilância efetiva (interna e externa) de seu cumprimento. Na primeira frente é necessário, mapeando as especificidades de cada núcleo organizacional, criar um ambiente transparente, sadio e respeitoso no trato interpessoal entre todos os funcionários, observando os ditames do complexo ordenamento jurídico trabalhista pátrio, passando, ainda, pela jurisprudência pertinente às relações trabalhistas. [...] Já na segunda frente, é preciso comprovar o envio de esforços, de forma constante, no cumprimento de todo o regramento criado, tanto interna quanto externamente. Devem, então, as empresas, promoverem treinamentos constantes, palestras explicativas, submeterem-se à auditorias de controle e, também, provar a aplicação de penalidades (que obedeçam critérios objetivos) aos infratores das políticas internas criadas (sempre observando a razoabilidade e direito de defesa). Deste modo, a implementação de política de compliance trabalhista, além de prevenir e reduzir os riscos de futuras condenações, está alinhado ao princípio da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (Art. 1º, III e IV, CF/1988), aos objetivos da República de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional e a promoção do bem de todos (art. 3º, I, II e IV), bem como na valorização do trabalho humano que fundamenta a ordem econômica brasileira (Art. 170, CF/88). 6 Considerações finais As políticas de compliance trabalhista consistem no efetivo cumprimento do ordenamento jurídico e de normas éticas, morais e transparentes que podem ser implementadas nos âmbitos empresariais interno e externo. Possuem a finalidade precípua de identificação de riscos, diminuição de demandas trabalhistas e condenações judiciais, e, acima de tudo, de implementação de política empresarial condizente com a função social e a responsabilidade socioambiental da empresa. Inúmeros benefícios podem ser identificados. Para a empresa, aponta-se o aumento da lucratividade diante da redução de condenações administrativas e judicias; a atração de consumidores e investidores do mercado diante da boa reputação que ostenta, bem como com o aumento da produtividade diante de um maior engajamento de seus trabalhadores. Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 235 RAÍSSA FABRIS DE SOUZA, LUIZ FERNANDO BELLINETTI Para aqueles que laboram no espaço empresarial interno, os benefícios advêm de um meio ambiente laboral hígido e sadio com a ausência de doenças e acidentes do trabalho, de discriminação e abusos hierárquicos, aumentando a qualidade de vida de todos os colaboradores. Para a sociedade, os ônus impostos com o pagamento de benefícios previdenciários e seguro desemprego são reduzidos, mas, acima de tudo, reflete em toda a coletividade diante da ausência de violação de um patamar mínimo civilizatório tutelado pelas ordens internacional e nacional vigentes. Denota-se, inclusive, que a violação de direitos sociais resulta no denominado “dumping social”, ocasionado uma concorrência desleal no mercado de trabalho perante demais empresas cumpridoras de seus deveres. Assim, verifica-se no atual estágio de desenvolvimento dos direitos humanos e do mercado de trabalho que as empresas devem satisfazer as exigências estruturais e legais impostas pela ordem jurídica e pela sociedade de modo que políticas de compliance auxiliem nesta empreitada. Labor compliance: an analysis based on the social function of ownership and the socio-environmental responsibility of the company Abstract: Compliance is one of the most current themes of contemporary times. It’s implementation is in line with the social function of ownership and the social and environmental responsibility of the company, based on ethical, moral and transparent principles to inspire internal and external business policies. Although initially applied under criminal law, in order to identify, suppress and prevent practices that threaten public administration, Compliance may also be applied in the labor court (Labor Compliance), with its concept, nuances and benefits being studied in this article. The deductive method will be used in the research. Keywords: Social role. Socio-environmental responsibility. Compliance. Labor compliance. Summary: 1 Introductory notions – 2 Social function of property – 3 Socio-environmental responsibility of companies – 4 Compliance and Anti-Corruption Law – 5 Labor compliance – 6 Final considerations – References. Referências ASSIS, Marcos; HANOFF, Roberta Volpato. Compliance: como implementar. São Paulo: Trevisan Editora, 2018. BANNWART JÚNIOR, Clodomiro. Responsabilidade integral – pedagogia da responsabilidade integral. In: BANNWART JÚNIOR, Clodomiro J.; CATARINO, Dílson; LIMA, Gleiton; NUNES, 236 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019 COMPLIANCE TRABALHISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... Liliane. Responsabilidade integral, metodologia, estratégica para o desenvolvimento pessoal, corporativo e educacional. Londrina: Midiograf, 2017. 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Compliance trabalhista: uma análise a partir da função social da propriedade e da responsabilidade socioambiental da empresa. Direitos Fundamentais & Justiça, Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019. Recebido em: 05.06.2018 Pareceres: 14.10.2018, 15.10.2018 e 22.02.2019 Aceito para publicação: 26.02.2019 238 Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019