terça-feira, 29 de dezembro de 2009

As Revelações do Irmão José


Procurando imagens na internet sobre o Irmão José para minha postagem anterior, deparei com a quase total ausência de informações sobre este religioso. A excessão foi este texto que encontrei no blog Karipuna(http://www.karipuna.blogspot.com/), contendo inclusive dados biograficos deste religioso (o que é ainda mais raro). Como o interesse da população do Juruá sobre este tema ainda é muito presente, achei legal publicar.
A foto é de 1980 de Wolf Grauer. Irmão José da Cruz está entre os índios Ticuna.

O texto abaixo é de responsabilidade de seu autor, citado ao final.
“No princípio da década de 70, chegou à selva peruana um pregador brasileiro chamado José Francisco da Cruz. Durante três anos percorreu mais de 500 cidades, aldeias, povoados, pregando a devoção à cruz, como meio de salvar-se do castigo iminente de Deus. Desencadeou uma mobilização religiosa, em todos os lugares que visitou. Plantou grandes cruzes de madeira nas aldeias e deixou nomeadas pessoas para coordenar o culto; logo regressou ao Brasil. Desde então muitos perderam o entusiasmo apesar de guardarem simpatia ao movimento. Entretanto um reduzido número de seguidores vieram formando uma igreja que se chama Cruzada Católica Apostólica Evangélica do Peru, a base de elementos tomados do catolicismo, do protestantismo e das religiões autóctones.(...) Algumas regiões do Brasil são conhecidas pela grande quantidade de profetas e movimentos messiânicos que foram surgindo ao longo de sua história. José Nogueira se formou nesse ambiente. Nasceu às 11 da noite de 3 de setembro de 1913 em Cristina, no sul do estado de Minas Gerais, a milhares de quilômetros portanto, dos rios e florestas do Peru e fora da bacia amazônica. Sua mãe no sexto mês de sua gravidez, adoeceu e estava a ponto de morrer. Um de seus tios a fez prometer perante o Sagrado Coração de Jesus que, se fosse curada, o filho seria servo de Deus. O menino nasceu e foi batizado pelo Padre José Augusto Leite. (...) Cresceu, e ainda jovem levantou uma capela a que deu o nome de Sagrada Família José e Maria. Se casou e foi pai de sete filhos. Depois de alguns anos se enfermou de hanseníase e queriam interná-lo em um leprosário, mas fugiu para um lugar afastado levando uma Bíblia. Prometeu que, se fosse curado, semearia cruzes por onde passasse e trabalharia pelo bem dos que o quisessem seguir.Segundo algumas versões, o irmão José teve importantes revelações de Deus em 1934, 1951 e 1962.Em 1944 teve três revelações. Na primeira viu uma grande cruz iluminada. Na segunda uma cruz pequena de cor verde e amarela. Em 13 de setembro debaixo de uma árvore lhe apareceu o Sagrado Coração de Jesus em forma de um homem com um manto vermelho, lhe mostrou uma bíblia grande, viu uma cruz grande de cor marrom e na mão uma pequena da mesma cor. Jesus lhe ordenou ir a pregar para as pessoas de toda parte. Tomou o nome religioso de José Francisco da Cruz, missionário do Sagrado Coração de Jesus, apóstolo dos últimos tempos. Percorreu Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, difundindo sua mensagem de salvação. Em sua peregrinação foi expulso da Colômbia em 1969. Entrou no Peru e percorreu o Huallaga, Ucayali, Marañón e Amazonas. Se vestia de hábito franciscano e para a missa do amanhecer de branco. Pregava a palavra de Deus, curava aos doentes com orações, dava receitas de farmácia e organizava o pessoal de cada comunidade para levantar uma cruz grande feita da árvore Palo Sangre, deixando uma junta diretiva para o culto e um estatuto para reger seu comportamento. No final de novembro de 1971 chegou a Iquitos, e plantou a cruz em Morona Cocha a 3 de dezembro.Ao regressar ao Brasil em 1972 o fundador formou um povoado, Vila Santa, que chegou a ser a sede de sua Igreja. Está localizado no rio Içá, afluente do rio Putumayo. É o centro de seu projeto para o desenvolvimento dos povoados da região quanto à produção agropecuária, a saúde e a educação. Como projeto especial estão dedicados à evangelização e desenvolvimento material dos indígenas tikuna.Durante a vida do irmão José, no Brasil, a maioria dos diretores que incentivaram a pregação da Igreja Cruzada eram comerciantes ou patrões que estavam perdendo sua influência política e econômica devido a conflitos com a FUNAI, os comandos militares e a Igreja. Não questionava a situação de dependência dos indígenas e caboclos com relação aos patrões, mas sim os subordinava ainda mais, entregando-os aos patrões que chegavam mesmo a ser diretores, exercendo uma dupla liderança, religiosa e econômica.O sucessor, escolhido pelo próprio irmão José antes de sua morte que aconteceu a 23 de junho de 1982, é Walter Neves, descendente de Omaguas (chamados Kambevas no Brasil) por parte de seu pai. Seu irmão é casado com uma Tikuna. Neves reorganizou a hierarquia e deu mais postos a indígenas. Vários dos ex-dirigentes se retiraram ou estão na oposição. Esta mudança também significou uma maior independência frente aos patrões e comerciantes.Walter Neves visitou o Peru em fevereiro de 1990 para animar aos irmãos na reafirmação de suas crenças. (...) No Brasil são uns 20 mil membros, a metade tikunas e a metade brancos, e no Peru uns 4 mil. Na cidade de Iquitos têm 3 templos com cerca de 150 membros.No começo de sua visita ao Peru, em Pucallpa, o irmão José Francisco não fez muito impacto na população, mas à medida que ia descendo pelos rios, corria a notícia de que fazia milagres e o pessoal acudia em grande número e com entusiasmo e devoção. Falava em português e muitos mal lhe entendiam, mas lhe presenteavam galinhas, mandioca e outros alimentos que costumava utilizar para alimentar a multidão. O acompanhavam intérpretes, ajudantes e cozinheiras. Apesar do fervor religioso, alguns dos ajudantes se aproveitavam da situação e vendiam parte das oferendas populares.A opinião sobre a personalidade do irmão José varia desde os que acreditam que é um santo até os que pensam que é um alienado mental. Muitos asseguram que era um missionário ou enviado de Deus, mas as pessoas de condição mais humilde, camponeses de ascendência indígena, diziam que era Jesus Cristo que havia voltado para anunciar o fim do mundo. Ele afirmava não ser Deus, mas as pessoas acreditavam que só estava tratando de humilhar-se. Os não-crentes não notavam nenhum comportamento milagroso, mas os outros contavam e recontavam as façanhas do irmão. Segundo os testemunhos crentes, caminhava sobre o barro sem se afundar e fez o milagre da multiplicação dos frangos e da farinha para dar de comer à multidão; sua mão tinha ficado encolhida pela lepra, mas as pessoas diziam que tinha em seu corpo as feridas de Jesus Cristo.(...) A maioria dos membros das Cruzadas são descendentes de diversos grupos indígenas da selva, que perderam sua identidade étnica específica e Cocamas, cuja língua é da família Tupi-Guarani; analfabetos ou pessoas que não passaram do terceiro ano de educação primária; agricultores, desocupados, chaucheros (peões do porto), vendedores ambulantes e do mercado, operários eventuais e domésticas pobres. Quase todos vivem marginalizados da sociedade nacional econômica, social e culturalmente.”

Fonte: Regan, Jaime. “Hacia la Tierra sin Mal – La Religión del Pueblo en la Amazonía”. Iquitos, 1993, CETA – Centro de Estudios Teológicos de La Amazonía. 484 p. Páginas 337 a 344. Imagem: ISA - Ticunas

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Papai Noel Brasileiro

Leandro Altheman

Já passei por todas as fases sobre o Natal. Não me lembro de algum dia ter fato acreditado no Papai Noel, mas lembro-me de simplesmente me deixar envolver por esta magia este “espírito do natal” que sempre rende aquelas películas açucaradas de sessão da tarde.

Meus natais eram sempre comemorados na casa de meus avós, na baixada santista, litoral de São Paulo. Natais eram sempre sinônimo de muito calor, noites estreladas e aquele maravilhoso cheiro de maresia. Dormíamos com os ventiladores ligados, quase sempre com aquele ardor de quem passou o dia na praia.
Por esta razão, logo comecei a pensar: por que o “nosso” Papai Noel tem que vir sentado naquele trenó, com aquelas roupas polares, quando a primeira coisa que minha avó fazia quando chegava na sua casa na praia era me obrigar a trocar as calças jeans de “paulista”, por confortáveis bermudas e sandálias?
Por que nós, os brasileiros, um povo conhecido por sua criatividade, ainda não “abrasileiramos” o Papai Noel?Ao invés disso, os “Shoping Centers” preferem gastar toneladas de material para criar uma neve artificial. Por que não lhe damos sandálias, camisas regatas, bermudas, para que possa se deslocar mais confortavelmente pelas terras brasileiras enquanto entrega os seus presentes. Infelizmente, algumas coisas ainda são “transplantadas” de uma cultura a outra criando certas “anomalias”.


De certa forma, me senti um pouco realizado ao ver um senhor de barba branca, anunciar num linguajar bem popular, o crescimento de nosso país e o salário mínimo de 510 reais.

No Juruá

Hoje, vivendo no Juruá, pensei em um pequeno roteiro de um curta metragem, tipo sessão da tarde, mas com as cores dos nossos rios, florestas e gentes.

Cena 1

Papai Noel sobrevoa de trenó o Juruá, se encanta com suas lindas florestas. Vê um lindo lago e decide parar para suas renas descansarem.
Um caçador avistas as renas: - Essas “bicha” vão dá uma boa de uma ceia...
Com alguns disparos de espingarda, abate a montaria de Noel. O bom velhinho, desolado se vê numa “pindaíba”. Tira os presentes do saco e dorme dentro dele, ainda assim é ferrado por levas de carapanãs.

Cena 2

Finalmente Papai Noel é resgatado e consegue carona em um bote com motor de rabeta. Depois de contar a sua historia para o piloto da canoa, este conclui: - Este gringo deve ser meio doido. Vir pro Juruá em um carrinho puxado por veados...

Cena 3






Em meio de viagem começa a sentir os efeitos da malária, em poucos dias está magrinho e amarelo. Finalmente chega em sua primeira casa. – Ho, ho, ho, vocês sabem quem chegou ?
Lá dentro respondem, com as mãos em prece: - Irmão José, quanta graça, ainda guardamos até hoje, aquela água que o senhor benzeu. Bem que minha avó dizia que o senhor iria voltar...

Cena 4

Depois de horas explicando que focinho de porco não é tomada, finalmente Papai Noel convence a família de que não é o Irmão José, mas conhece um pouco da historia e da religiosidade tão rica daquelas pessoas tão simples.
Na segunda casa: - ho, ho, ho vocês sabem quem chegou?
Lá de dentro respondem:
-Padrinho Sebastião, quanta honra! Ainda temos aquele daime do último feitio que senhor dirigiu, lá no Mapiá.
Bem, depois dessa, o Papai Noel se detém por mais tempo, tentando se interar das coisas típicas da região e descobre uma riqueza que sequer imaginava. Resolve tomar o Daime e reconhece uma riqueza e um universo mágico além de suas expectativas.

Cena 5

Por último, passa pela aldeia, onde os índios o chamam simplesmente de Shani Ruapá Tshambichá (Bom Velhinho) . Lá ele toma uma rapé e de manhãzinha, um Kambô, que o livra da malária.
Neste momento já não tem mais nada que o caracterize como o Papai Noel, suas roupas de frio já foram deixadas para trás, seu trenó, ficou atolado em algum ramal, as renas, viraram janta na casa de algum ribeirinho. Finalmente chega a hora de ir embora e ele, depois de deixar todos os seus presentes, pega o seu saco vazio e diz:


- Dei muitos presentes, a maioria deles, inúteis, mas volto para o Pólo Norte com uma bagagem maior do que a que deixei. É uma pena que o mundo ainda desconheça esta magia, tão real, que faz as pessoas daqui viverem felizes mesmo em meio a tanta adversidade... Vocês não precisam de nada, nem de neve, nem de presentes de mentirinha, precisam apenas enxergar com mais amor a si próprios e à riqueza de seu próprio universo ao seu redor...
Epílogo
De volta para o Polo Norte, em meio a rota pelos EUA, Noel, magro e com o passaporte carimbado no Brasil, tem problemas no Aeroporto de Nova Iorque, onde é confundido, com Osama Bin Laden. No entanto, um telefonema de Lula para Obama resolve o mal entendido (afinal, ele é o cara!). Noel segue sem maiores problemas para seu repouso no Polo Norte.

Nota do Autor: Os personagens aqui citados, ainda que de forma bem humorada são dignos de todo respeito. O texto é na verdade uma forma de demonstrar que temos perosnalidades reais que assim como "Papai Noel" despertam um sentido de profunda magia em nosso povo.

Críticos :
...É meio açucaradinho mais serve para enxer linguiça na sessão da tarde...

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Kambô: a criminalização de um conhecimento



Leandro Altheman

Tomei minha primeira “vacina” em 1998. Foi em São Paulo, aplicado por um ex-seringueiro do rio Liberdade (afluente do Juruá): Francisco Gomes Muniz. Foi uma verdadeira benção. Livrei-me de uma gastrite que já me incomodava há pelo menos uns três anos. Foi como se tivesse dado um “refresh” na minha memória corporal. Nunca me esqueço de quando abri os olhos depois desta aplicação: foi como se os estivesse abrindo pela primeira vez.
Na época, cursava a Faculdade de Jornalismo e um dos assuntos em pauta era a biopirataria. Vi ali naquele caso, um exemplo vivo de um conhecimento indígena com potencial terapêutico e que poderia ser alvo dos “biopiratas”. Acompanhei o trabalho de “seu” Chico em diversas capitais brasileiras. Seus “pacientes” relatavam melhoras em problemas de circulação, respiração, digestão, etc.
Nos anos seguintes vi o Kambô virar uma espécie de “febre”. Nas grandes cidades, todo mundo queria tomar e aqui no Juruá, onde falta quase tudo, inclusive emprego, vi o kambô se tornar uma espécie de promessa na vida de muita gente. Gente que não teria a mínima chance na vida a não ser carregar sacos na cabeça em alguns dos comércios de nossa cidade, mas que com o kambô, pôde desenvolver um trabalho próprio e dignamente pagar o sustento de seus filhos.
Vi também muito excesso. Gente que se iludiu e passou a iludir os outros. Sem o conhecimento adequado, a oferecendo esta medicina em São Paulo, Manaus, Espanha. Era uma espécie de “galinha dos ovos de ouro”.
Enquanto isso a ONG Amazon Link com sede em Rio Branco, denunciou que laboratórios dos EUA e Japão haviam patenteado pelo menos duas substâncias encontradas na secreção do Kambô: A deltorfina e a dermorfina. Uma delas, capaz de reduzir os efeitos da má circulação e outra capaz de imitar o comportamento das endorfinas e auxiliar no tratamento da depressão.


Em 2002, colaborei com os Katukinas em uma chamada ao Ministério do Meio Ambiente. Por um lado, eles estavam preocupados com a rápida popularização deste conhecimento. Por outro, queriam desenvolver seu próprio estudo e o reconhecimento desta sabedoria.

A partir daí foi criada uma comissão no MMA para o estudo deste conhecimento tradicional.

Infelizmente, as coisas fugiram totalmente ao controle. Onde as “leis de mercado” falam mais alto, não há tempo para se regularizar uma prática que ainda que milenar, não possuiu nenhum tipo de histórico nos grandes centros.
Sendo assim, o mais fácil, é proibir. Proibir algo que ainda nem sequer se conhece direito. E assim, o Kambô vira caso de polícia.
Cria-se então um novo tipo de “criminoso”: o aplicador de Kambô. São novos criminosos também as pessoas que coletam a substância na floresta e os que promovem as sessões de terapia nos grandes centros. Tudo resolvido com “carimbaço” de “biopirata” do IBAMA e da ANVISA. E enquanto isso, os grandes laboratórios desenvolvem uma nova linha de medicamentos que em breve estarão nas prateleiras das farmácias pelo mesmo valor absurdo que hoje eu e você pagamos por exemplo pelo “Legalon”, desenvolvido a partir de uma planta medicinal de uso popular, o “Cardo Santo”. E a promessa de se viver a partir da Floresta sem destruí-la, soa cada vez mais distante, uma ilusão bonita que um dia tolos como eu, acreditaram.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Viva a força do Juruá!


Francisco Panthio


Nesses dias, acompanhando toda uma movimentação da imprensa local acerca da viagem dos empresários e políticos acreanos ao Peru, fiquei analisando. E dá pra se perceber que a muralha entre o Juruá e o Vale do Acre é algo que ainda está longe de ser derrubada. Isso é tão histórico que virou cultural. O povo do Juruá é bairrista ao extremo. Se não fosse tanta burocracia constitucional já teria se desmembrado do restante do estado. Tem horas que chegamos a concordar que esse povo está certo.E grande parte da imprensa e dos jornalistas acreanos fazem com que essa barreira cultural se estenda mais ainda. Veja só. O Acre está tendo uma grande oportunidade agora, com a boa vontade dos dois governos, de selar de vez essa integração comercial, e todos sabem que seria uma grande vitória para um povo tão isolados e distantes do resto do país.
Os comerciantes e a população toda de Tarauacá, Feijo, Jordão, Thaumaturgo, Porto Walter, Rodrigues Alves, Mâncio Lima, Guajará no Amazonas e Cruzeiro do Sul com certeza apoiarão essa iniciativa, pois é esse povo que vai sentir a melhoria de perto.
Mas, claro, alguns jornalistas da capital fazem pouco caso, por conta do que falei a pouco: o Juruá será o mais beneficiado com isso. Parece que não aceitam ver essa região se desenvolver e crescer economicamente. Podem também estar analisando pelo lado político, e não querem reconhecer o esforço pessoal do Presidente da Assembléia Legislativa e o apoio de todos os demais. Temos que parabenizar, sim, o Edvaldo, pois não são os críticos e pessimistas lá de Rio Branco que compram tomate de R$ 8,00 e que só podem comer coisa boa durante três meses do ano, nesse curto verão em que se reabre a BR-364. Não são eles que vivem em um isolamento comercial que teima em não ter fim.Esse colunista e blogueiro, que atira sem rumo, dando palpites diariamente sobre a política do estado, e especialmente do Juruá, dizendo quem é o melhor vereador, falando da aceitação de prefeito A e Deputado Z, sem conhecer a realidade aqui do Juruá, deveria entender que queremos sim a integração, e que é uma das maneiras de mostrar nosso potencial, econômico e turístico.Muito se falou e se criticou a quantidade de pessoas e o porque de se gastarem milhares de reais. Sim, é nescessário, pois como é que o Presidente Lula e o presidente peruano, assinarão um acordo histórico e importante para nós, sem que os acreanos estejam la presentes, fazendo uma festa e dando uma demonstração de que queremos de verdade?Olha, tem mesmo é interesses pessoais por trás dessas críticas. Esperem ao menos a coisa se concretizar, e depois façam suas análises. Ou querem que além da abertura, a ALEAC traga e venda os produtos? Já fizeram a parte que tinha que ser feita, agora é com os empresários. Se não for um bom negócio, nós mesmo estaremos aqui reconhecendo e ajudando vocês.
Panhio é dirigente da UJS em Cruzeiro do Sul

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O que nos faz falta são os horizontes



Leandro Altheman

Podem acreditar. Não são as frutas verduras e legumes o que mais nos fazem falta. Tampouco é a pedra para asfaltar as estradas. Nem a própria estrada nos faz tanta falta assim.
Depois desta viagem, decidi que o que realmente nos faz falta, são os horizontes.
Isto por que a falta de horizonte atulha nossa visão. Nos faz mais limitados do que realmente somos. Vemos apenas dificuldades e obstáculos, onde na verdade existem possibilidades quase que ilimitadas.
A visão limitada e a pequenez de pensamento deveriam ser eleitos como nossos verdadeiros inimigos. São eles quem fazem de nós estúpidos e ignorantes seres. Destruidores em potencial de tudo que está a sua volta. Destruímos a Terra em busca de tesouros que jamais encontraremos aí, pois o buscamos no lugar errado. Destruímos aos nossos semelhantes, ao supor-los menores do que são. Ou maiores também. Ao colocarmos alguém acima de nós, lhe tiramos a possibilidade de ser o que é: humano.
Se enxergássemos as coisas simples como são, também nos maravilharíamos diante de tudo. Não precisaríamos nem mesmo de cinema, circo ou televisão. Se olhássemos verdadeiramente para quem está próximo, não precisaríamos de novelas para nos emocionar.
Por isso que digo que o que nos falta são os horizontes. Perspectiva. Enquanto tivermos um olhar “viciado” nada será possível, a não ser a repetição monótona do que todos já sabemos: um mundo velho, cansado, violento e impessoal.
Olhar com o olhar inocente de uma criança, que descobre a cada segundo, a magia da vida. Este deveria ser o nosso desafio diário. Despertar seria então um ato de bravura, e dormiríamos cientes de que a próxima alvorada trará principalmente surpresas. Assim seríamos impelidos a acreditar em nós mesmos e nos daríamos conta de que o vínculo sagrado e invisível que une eu, você e todas as coisas é tão real quanto o Sol que brilha todas as manhãs no horizonte.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pucallpa, Solidão e Rock N´Roll


Sou impelido a escrever por nada mais do que o entra e sai de putas deste hotel. Fim de viagem , e quase já não me sobre a “plata” para pagar este pulgueiro.

Elas, apesar de contarem com o meu total e irrestrito respeito, não me deixam dormir todavía. Gozam tão alto e bonito que me fizeram olhar nos bolsos. Nada.

Pucallpa é uma grande farra: madeira, ouro e outras cositas más fazem a plata circular em suas veias. E para fazer jus às contradições, é também a cidade ayahuasqueira por excelência, verdadeira referencia nacional e internacional. Mas, meus caminhos, com seus pneus e carburador me levaram aos motoqueiros e estes curtem rock e cerveja. Tudo bem aceito o destino, desta vez. Com minha moto parada na oficina há uma semana, estou sem mobilidade. Dinheiro, nem para o Ceviche. Por bem que ainda se pode tomar uma “massato” por apenas 50 céntimos.

Pela primeira vez, sinto o “hueco” (buraco) da solidão a me perturbar.

Não fora assim durante toda a viagem. Percorri satisfeito altitudes, selvas e desertos. O Sol, o Céu e as Montanhas me bastaram imensamente. Não havia solidão, nem mesmo solito na noite silente da montanha sob as estrelas em Taray.

Havia antes um transbordamento de felicidade, de contentamento, e se senti a falta de alguém do meu lado, não foi para tapar algum “buraco” deixado pela solidão, senão, para compartir a beleza de cada lugar por onde passei.

Que belo mergulho no inferno, Pucallpa. Jamais me olvidarei! Tuas ruas entupidas de “motocars”, teus tratores selvagens, tuas esquinas, teus faróis.

Jamais esquecerei da acolhida dos hermanos “Charapa´s Rally Club” , aventureiros do Peru Selvático.Um mundo tão diverso do meu. Não tanto pela pátria, mas pelas escolhas. Mas se são fronteiras que nos separam, por que não cruzá-las?

Nunca em toda minha viagem tive tantos amigos. E porque então, me sinto tão só?

¿Serão as ilusões que entopem os sentidos?
¿Serão as luzes, as ofertas, os desejos?

Alimentos que não me servem mais.
Prazeres que apontam em uma única direção possível: o vazio.

Vazio que encontro em minha alma. Tao fácil é recheá-lo com fantasias doces, quão amargo é descobri-lo ainda assim, oco.

Mas assim o é. Tampouco encontrei a verdade em salões estéreis de adoração.

Ainda que imersos em ilusões, estas são pessoas reais. Gente com a mão suja de graxa que comparte "una cerveza" com seus amigos na porta da oficina.

Talvez seja melhor que o prazer mesquinho de contar as notas ao fim do dia. ¿Quem saberá?

Não entendo mais nada. Mas aos poucos aceito a verdade de que não há mesmo nada para entender.

A vida, essa sim, nos dá razoes de sobra para enlouquecer. ¿E o fazemos?

Exatamente isso: enlouquecemos, para poder viver.

Diferente disso, é a distância, o veto gélido em minha cara, a infinita geografia. Montanhas e Vales, frio e calor, isso para mim é real. O mais é questionável.

A montanha está ali e temos que subir-la. A cada curva a respiração nos falta. Realidade pura despertando os sentidos.

Um paredão de pedras estrangulando a visão e o caminho. Ouço apenas o eco de meus passos.
A claustrofobia apertando a garganta. E ao final, se abre, desvelando-se quem sempre esteve ali: o infinito Céu azul, cobrido verdes vales e montanhas.

A lição que aprendi no Tawantinsuyo é de amar a Realidade. Bela ou feia, não há como separá-la nem de Deus, nem de nós.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A Ayahuasca no Tawantinsuyo

Leandro Altheman

Entre as religioes ayahuasqueiras do Brasil sao muitas as expeculacoes sobre como poderia ter sido o uso da ayahuasca durante o Império dos Antigos Incas, que em seu tempo foi chamado de Tawantinsuyu, termo que significa "Império das 4 Direçoes."
Durante a minha primeira visita a Cuzco e Machu Pichu em 1999, questionei sobre esta possibilidade, e a resposta foi de que os Incas nao deveriam utilizuar a ayahuasca simplesmente porque ela nao existe nos Andes.

No entanto, durante esta viagem, com a possibilidade de andar mais, investigar mais e conhecer um pouco mais sobre o uso atual da ayahuasca nos Andes, recebi novas informaçoes que lançaram uma luz sobre este assunto.

O primeiro é que sendo o Tawantinsuyu composto de 4 regioes (Chinchaysuyo, Contisuyo, Collasuyo, Antisuyo), o uso da ayahuasca já era milenar, e portanto anterior aos próprios Incas, no chamado Antinsuyu, extremo ocidental da regiao amazonica. É mais do que provável que os povos que vivem hoje no atual Estado do Acre devem ter tido algum tipo de contato com o Império Inca. O fato é que uso da ayahuasca já exitia antes do Incas nesta grande regiao e continua até hoje. Nós, acreanos, bem como nossos vizinhos peruanos de Madre de Dios e Ucayally compartilhamos a "pátria" da Ayahuasca- o Antisuyu.

Segundo ponto: é fato também que nem o cipó, e muito menos a “chacronita” se adaptam ao clima frio e seco da regiao de Cuzco, umbigo do Império das 4 direçoes e portanto, capital dos Incas. Apesar disso grande parte do sucesso do Império Inca deve-se a sua grande capacidade de comunicar pessoas e mercadorias por milhares de quilometros, levando produtos exóticos de uma parte a outra deste grande império. Sao muitas as estradas construídas para ligar selva, andes, desetro e litoral em um império que se estendia da Colômbia ao norte do Chile. Portanto é mais do que provável que a Ayahuasca tenha sido utilizada, nao pelo conjunto da populaçao andina, mas por uma elite sacerdotal que tinha acesso a bebida. Uma prova que atesta isto é o próprio nome "ayahuasca", palavra de origem quétchua ("vinho dos espíritos").

Chacana



A segunda expeculaçao é sobre como poderiam ter sido estes rituais. Neste ponto, ainda que nos seja impossível saber detalhes, uma coisa é certa: seu uso estava contextualizado dentro do que hoje se conhece como “cosmovisao andina”. E muito embora, o uso da ayahuasca tenha desaparecido nos Andes como resultado de 500 anos de perseguiçao religiosa, a cosmovisao andina permanece viva até hoje. Trata-se de um modo particular de ver e compreender o universo. Uma forma que sintetiza esta visao é a “Chacana” ou "Cruz Andina".
A Chacana é a resultante de dois conceitos. O primeiro é a divisao do Universo em tres mundos: o mundo subteraneo, o mundo médio, em que vivemos, e o mundo superior. O segundo conceito é o o mesmo do Tawantinsuyu, ou seja, as quatro direçoes.
Com três degraus para cada uma das quatro direçoes a chacana forma um desenho de 12 degraus, que sobem e descem e podem ter simbolizado de maneira simples, as quatro estaçoes, os doze meses do ano, os ciclos da natureza, as etapas de evolucao do homem, e etc.

O Criador e os Apus

Apesar de terem sido chamados de politeístas, panteistas e idólatras, esta na verdade é apenas uma visao superficial do que teria sido a religiao incaica. É verdade que os Incas, bem como seus antecessores, viam na natureza, reflexos do divino. No entanto, hoje, embora existam visoes diferentes, há uma concordância de que os Incas acreditavam em um único principio criador universal, além do universo visível. Este princípio, segundo algumas versoes seria Wiracocha, palavra que em quétchua significa aproximadamente “lago de luz”. A partir de Wiracocha, principio unico e indivisível teriam surgido Tempo e Espaco representados respectivamente como Pachacamac e Pachamama e a partir destes, surgiram entao os desemembramentos seguintes dando origem ao movimento e aos diferentes universos dimensionais, inclusive a Terra. Para eles nao havia o conceito de paraíso perdido, e a Terra bem como toda a própria realidade eram parte inseparáveis do principio universal criador, devendo por isso serem objeto de louvor.

Neste sentido surgem os Apus, forças da natureza divinizadas cujo culto eram parte do grande culto à natureza e à realidade que prestavam os antigos Incas.


A Ayahuasca hoje

O uso da ayahusca volta a surgir nos Andes, impulsionado por pessoas visionárias que buscam restaurar nao apenas o uso da bebida, mas o proprio Tawantinsuyu. Desta vez com um conceito ampliado, ou seja, um espaço de respeito, paz, prosperidade e liberdade na America do Sul.
Em Pisac, Vale Sagrado dos Incas, tive a oportunidade de participar de dois rituais com a ayahuasca, e nos dois estavam totalmente presentes os elementos da “cosmovisao andina”, ou seja, de uma maneira de pensar, sentir, ser e viver, que remonta a mais de 5 mil anos atrás, fruto da interaçao entre povos que atingiram um surpreendente grau de evoluçao em suas sociedades. De certa forma, o uso da ayahuasca nos Andes também ajuda a reestabelecer a ligaçao entre o antigo "umbigo" do império, com as regioes selváticas do "Antisuyu".

Este ensaio é uma pequena resposta às algumas indagaçoes das quais parti em busca de respostas. O assunto é longo, extenso, complexo, inesgotável, e principalmente, apaixonante.


OBS: "Chacana" é também como o povo desta regiao chama até hoje a constelacao do Cruzeiro do Sul.



Bibliografia consultada: Tawantinsuyu 5.0 – Alonso Del Rio

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Da Selva aos Andes - Parte 3 “Hasta Cuzco”

Leandro Altheman

Assim que sai de Marcapata iniciei uma nova subida, desta vez ainda mais íngreme. No entanto, após 5 km o asfalto surge novamente e a estrada, em que pese a altitude, é segura. Apesar disso, a moto mal conseguia ultrapassar os 20 km/h e em alguns momentos tive que zigzaguear na pista para que ela nao morresse de todo. Alguns quilometros adiante tive a visao do nevado Auzangate o maior da regiao com mais de 6.300 metros de altitude.
A carretera, no entanto tem o seu ponto culminante a 4.725 metros de altura, de onde entao comeca a decida novamente. Neste momnento revela-se uma paisagem totalmente diferente, mais seca, com muitas casas feitas de adobe (tijolos feitos barro e palha), mas também muito acolhedora, com suas lhamas e alpacas pastando nos campos próximo a estrada. Depois d edescer a cerca de 3 mil metros de altiutudes cruzamos o rio Vilcanota, que mais na frente ganha volume de águas e passa a se chamar Urubamaba que é um dos principais formadores do Amazonas. Depois voltamos a subir novamente até os 4.125 metros e descemos de novo desta vez até cruzar o rio Ocongate. A partir daí já estamos bem proximos de Cuzco. Passamos ainda pela cidade de Urcois, com sua praca e mercado movimentados, turistas do mundo inteiro e ônibus que oferecem transporte para Cuzco. A partir daí inicia-se uma suave descida até Cuzco passando por diversos pequenos municipios. Após atravessar-se uma área urbana caótica e barulhenta, chegamos finalmente ao Centro Histórico de Cuzco, e a partir daí tem-se a impressao de se estar em um novo universo: Ruas limpas, predios historicos bem cuidados do tempo colonial, e sitios arqueologicos pré-colombianos no meio da cidade. Nas ruas de Cuzco passeiam gente de todo mundo, europeus, principalmente, mas também muitos latino americanos e os próprios cuzqueños que adoram aproveitar a beleza da sua mundialmente famosa “Praca de Armas”.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Da Selva aos Andes Parte 2 : Déjà Vu em Marcapata

Leandro Altheman

Entre as pedras e as águas

A cada curva em torno dos paredões de pedra, as transformações na paisagem vão ficando cada vez mais evidentes. Vão desaparecendo as arvores grandes, e surge uma vegetação rasteira, musgos e liquens que cobrem as rochas, embora nos pés das montanhas ainda seja possível identificar espécies típicas da Amazônia como embaúbas e cana-brava.

Em certa altura, a vegetação praticamente desaparece, para reaparecer novamente mais adiante. Mas há um trecho que a viagem é puramente no “reino mineral”, entre rochas nuas de diferentes tonalidades. No meio, uma corredeira cada vez mais forte. Neste trecho da viagem deparei-me com uma das principais preocupações com relação a viagem. Tive de atravessar por diversas vezes trechos por dentro d´água. As vezes não é possível determinar com exatidão a fundura do rio, e também existe a possibilidade de se bater e um pedra. As primeiras travessias foram tranqüilas e a água não chegou a ameaçar o motor da motocicleta. A água, tão pura e cristalina, muito convidativa para um banho, quando ainda faz calor. Em um destes não resisti e cai no banho, como havia visto diversos caminhoneiros fazendo trechos atrás. Uma das coisas que torna a viagem especialmente atrativa é que existem diversos pontos, onde se é possível parar, admirar a paisagem, descansar, enfim, aproveitar ao maximo. Uma impressão do Peru de minha primeira viagem em 1999 ao Peru que se confirmou agora: diferentemente do Brasil, não há cercas separando os terrenos e muita terra na verdade parece ser estatal ou comunal o que permite-se andar livremente por grandes áreas. No Brasil, há cerca ate no meio do Pantanal.

Bem, depois de passar por algumas corredeiras inofensivas, a brincadeira foi ficando mais seria, e comecei a cruzar trechos de maior profundidade. Em um deles a coisa ficou tão funda que a moto morreu no meio de uma corredeira capaz de empurrar a moto longe. De pronto, pulei da moto e a empurrei ate o outro lado da margem. Felizmente ela ligou rápido e expulsou a água do carburador.

Apu

Em uma certa altitude, parei para urinar. De repente, me vi constrangido diante da enorme presença que se erguia a minha frente. Uma das mais espetaculares montanhas que já havia visto. Ao meu redor, estava cercado por elas: imponentes, majestosas. Percebi que estava entrando em um reino diferente. Sem saber como ou porque saquei de minha mochila, um pequeno saquinho com folhas de coca. Guiado por algum tipo de inspiração ou forca divina, chame como quiser, ergui as folhas acima de minha cabeça pedi a proteção daqueles senhores e lembre-me de seu nome em quéchua: Apu. Os Apu no que pude entender são aspectos divinos da natureza presente na forca dos elementos.
O fato é passei pelas altitudes com uma boa dose de segurança e tranqüilidade. Não sofri nenhum dos efeitos da altura como desmaios, tonturas ou enjôos. No entanto, soube também nesta hora que para ter a sua proteção é preciso respeitar a montanha. Despir-se da arrogância de quem acha que vai “vencer” a montanha. Ninguém vence a montanha. Nossos filhos e netos já terão partido deste mundo e a montanha ainda estará lá.

Cruzando os Andes em um barbeador elétrico

O mesmo não pode ser dito de minha motocicleta, embora valente ela começou a sofrer os efeitos da altitude por volta dos 2 mil metros, quando começaram as primeiras falhas. Por volta de 3 mil, o motor parecia a de uma enceradeira e a 4 mil, um barbeador elétrico. E neste trecho ficam as piores subidas, o que exige ainda mais da motocicleta. Ultrapassar é totalmente impossível, e ela não chega a 20 km por hora. Cruzei com motoristas de caminhão, de carro e motociclistas e todos me dizem o mesmo: “Es normal,pero se llega, despacio”. Ou seja, não havia muito o que fazer, somente ter paciência para ir devagarinho ate chegar lá.

Déjà Vu em Marcapata

Eram cerca de 4 horas da tarde quando cheguei ao vilarejo de Marcapata, há quase 4 mil metros de altura. Já estava dirigindo há 13 horas portanto, e o normal era que estivesse muito cansado. Mas o que provocou meu maior cansaço não foi o frio, que a esta altura já era bem forte, nem as rajadas de vento, nem a chuva fina e fria que molhava me corpo e sim, a fraqueza da motocicleta. Acho que resolvi parar mais em respeito a ela do que a mim mesmo, que ainda encontrava-me disposto a seguir viagem.

No vilarejo, fui tomado por uma sensação fora do comum. Primeiro parecia que as pessoas já me esperavam, o que é deveras estranho para um lugar onde não há fluxo de turistas. Antes de procurar hospedagem para mim, procurei para a moto, afinal ela merecia descansar sob uma garagem, depois de todo seu heroísmo.

Depois de guarda-la sob o conforto de um teto, procurei um teto para mim mesmo cheguei a uma casa, onde a dona hospeda principalmente trabalhadores da Transoceânica. Os quartos são coletivos, mas peguei um quarto sozinho. O local quente e aconchegante, alem de limpo, embora estivesse faltando água.

Depois de tirar a roupa úmida, desci de meus aposentos para uma copa, onde se servia a janta. O Clima era de uma taverna de tempos antigos, as pessoas eram fregueses, ais ao mesmo tempo, amigos dos donos. Todos tratavam-se como conhecidos enquanto aguardavam sua sopa quente. A experiência de chegar a Marcapata daquele jeito foi riquíssima, por que tive a oportunidade de participar da intimidade do cotidiano da comunidade. Sem prepara para o recebimento de turistas, tudo que tinham a oferecer era sua hospitalidade. Sentei-me em uma mesa em que estavam dois trabalhadores da transoceânica, um de Lima e outro de Cuzco, e pude perceber a diferença marcante de personalidade. Enquanto o limenho era brincalhão e falador, o cuzqueño era mais reservado, mas de uma gentileza e generosidade sem par. Na mesma mesa ainda estavam um jovem medico que trabalhava no posto de saúde da comunidade, e uma jovem local, perto dos 25 anos, de família de agricultores.

Todos conversavam animadamente e minha presença parece que os animou ainda mais. Em diversas vezes, ali, como em todo Peru, referiam-se ao Brasil como “O Pais más grande del mundo”. Enquanto explicavam-me como são as formações das cordilheiras, suas passagens ou “passos”, tive uma sensação muito interessante: tive a nítida impressão que já havia vivido aquela exata situação antes, o mesmo lugar, as mesmas pessoas, a mesma conversa e os mesmos pensamentos, inclusive. Para mim, foi como se eu estivesse vivendo uma situação já antes profetizada em sonhos. A sensação é conhecida e tem ate um nome próprio “Deja Vu”. Para uns trata-se apenas de uma “confusão” no cérebro, como uma miragem. Já para outros, ela seria o resultado de que presente, passado e futuro existem unidos e de alguma forma se tem acesso as trilhas invisíveis que nos conduzem nos destinos. Uma explicação absurda, mas que tem o aval da moderna física quântica. Seja qual for a explicação o fato é que vivi intensamente, o que reforçou a minha idéia de estar realizando um caminho, antes de tudo, espiritual.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Da Selva aos Andes em Duas Rodas (Parte 1)

Leandro Altheman

Sai de Puerto Maldonado as 3 da manha e viajei as primeiras horas totalmente no escuro. A estrada contudo era segura, e pude viajar com absoluta tranqüilidade. Quase não havia trafego, embora nos primeiros quilômetros passassem por mim muitos táxis para pegar clientes na área peri-urbana de Maldonado, onde estão a maior parte das casas noturnas. Mas depois de alguns quilômetros, a estrada ficou praticamente deserta.Percebia apenas que estava em uma leve, mas constante subida.

Algumas horas depois o sol surgiu atrás de mim, lançando os raios da aurora por cima de minha cabeça.

Quando tudo começou a ficar mais claro, comecei a perceber que estava em uma região de floresta, mas com um solo totalmente diferente da região do Juruá. Ao invés do barro, lama e dos terrenos arenosos, imensas quantidades de cascalho brotavam a superfície, especialmente nos córregos que cruzam por baixo da pista. A água também, ao inves de barrenta ou negra como em nossa região, límpida e cristalina.

A paisagem é bela e a estrada, boa e segue tranqüilamente assim ate a localidade Quince mil, onde surge um aviso diante do condutor: “Peligro de Muerte”. Daí para frente a estrada fica mais perigosa e também mais bonita. Contudo, é perfeitamente possível dirigir sem pressa e observar a paisagem. A estrada alias é uma obra admirável de engenharia, pontes suspensa a grandes altura em terrenos íngremes e curvas muito angulosas. Ainda assim, na maior parte da viagem há pista dupla, o que possibilita dois carros passarem em sentidos opostos. As exceções são os trechos em obras que são em geral bem sinalizados enquanto um funcionário da construtora regula o transito com placas abrindo e fechando para cada um dos lados. Absolutamente seguro. Algo que não vi, por exemplo, na BR 364 e que muitas vezes cria grandes complicações especialmente para os caminhoneiros.

Um dos trechos mais incríveis da viagem e o cruzamento do rio Inambari. Uma admirável ponte suspensa cruza o rio em grande altitude. Em algumas passagens o rio esta bastante deteriorado pelo efeito da mineração. Vemos nele uma água barrenta, e uma grande quantidade de cascalho fora de lugar, o que mudou um pouco o leito natural do rio. Mais acima, o rio apresenta sua beleza natural. De uma lado vemos o rio com seu grande caudal, corredeiras impressionantes que descem dos Andes em meio a floresta. A Floresta neste ponto, me lembrou um pouco a Serra do Mar. Imensos paredões de pedra cobertos com uma vegetação exuberante, muitas flores exóticas como orquídeas nascem em meio as arvores. Apesar da semelhança com a Serra do Mar, a paisagem supera em imponência, pois o rio que corre é imenso e os paredões de pedra se erguem a alturas inimagináveis no Brasil.

Cada curva na montanha é um mergulho mais para dentro dos Andes, é possível muitas vezes perceber a mudança de clima de vegetação a cada volta, para muitas vezes retornar ao bioma anterior. Isto por que a viagem, embora seja para o alto é feita de subidas e descidas, há vales profundos no interior que não são possíveis de serem cruzados no alto, então é necessário descer até quase o nível do rio, para novamente uma ponte cruzar para o outro lado. Então começa-se uma nova volta subindo pouco a pouco.

Mais adiante percebi uma mudança significativa na vegetação. As arvores, cada vez mais finas, são agora cobertas por liquens e musgos, muitas tem raízes aéreas. Uma forma de captar a umidade do ar, uma vez que a camada de solo é muito pequena até a rocha nua... (continua na proxima postagem)

PS: Os erros de ortografia se devem grande parte ao teclado espanhol que
nao possui os mesmo acentos graficos do português. Agradeço a compreensao!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Fronteiras

Leandro Altheman

De certa forma foi este incontido e inexplicável desejo de viajar, de expandir os limites para além do conhecido que me trouxe ao Vale do Juruá. Mas depois servir por três anos a Marinha do Brasil, percebi que a “visao de marinheiro” nao me bastava mais. Uma visita esporádica a muitos lugares permite apenas uma visao limitada, descomprometida. Com o Juruá nao bastava um simples namoro, a paixao foi tanta que resolvi casar e ser filhos. Enfim entranhar-me na realidade, deixar com que o sol, as águas, a terra e as gentes, me mudassem por dentro e por fora. Extrapolar as fronteiras de minha própria identidade. E assim se passaram dez anos e a identidade que antes fora nova já começa a pesar como uma incômoda carcaça que me impede de enchergar com maior profundidade, minha verdadeira e sagrada identidade.

E assim, como a um filho que chega a hora de nacer, surge novamente este inexplicavel desejo, que soa como ordem dentro de meu ser.

A viagem, em si, começa antes do primeiro passo, quando se decide, enfim, viajar. Entao estao lá, de prontidao, todos os medos como guardas cuidadosos que utilizarao d etodas suas manhas para nos fazer desistir. Há muitos mais motivos para nao faze-lo do que para realizar a viagem. Por isso, a razao nao conta. Há algo maior, misterio profundo que diz: “vai, segue em frente”.

Na primeira parada encontro a mim mesmo: estou só, magro e cansado. Fui deixado de lado por mim mesmo enquanto alimentava desesperadamente… O que mesmo? Nem me lembro! E de pensar que vivia dia após dia uma selvagem luta para cumprir metas e objetivos exteriores a mim, que nao me traziam mais compensaçao do que uma sardinha traz a uma foca que com sucesso, equilibra a bola no nariz. Chega uma hora que os aplausos do fim do dia nao mais ajudam.
Magro, sozinho e cansado sou presa fácil de minhas próprias ilusoes.

Mas nao agora. Depois de consagrado na poeira da estrada, com o vento nos cabelos, sou outro. Ou melhor, longe de do que achava ser eu, sou mais eu mesmo.

“Vou me encontrar longe do meu lugar, eu, caçador de mim” –

Milton Nascimento – Caçador de Mim

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Impressões da Capital


Leandro Altheman

Alguns dias em Rio Branco me fizeram enxergar melhor algumas contradições que tornam tão incrível este estado que é o Acre.
Cada dia vivido na Capital torna mais evidente que existem realidades muito distintas no Acre. Não é de se estranhar que muitas vezes nossa voz soe tão fraca, tão impotente nas ermas paragens do Juruá. Nossos conterrâneos da capital estão em outro nível civilizatório. Aqui se dispõem de produtos, serviços e comodidades que ainda sequer sonhamos em Cruzeiro do Sul.
Uma visita à gôndola de verduras e legumes do maior supermercado de Rio Branco é como entrar em um novo mundo, desconhecido da maior parte dos juruaenses. Mas para não ficar no óbvio, tão cantado em versa e prosa do alto custo de vida de Cruzeiro do Sul, relacionei também outros aspetos, que às vezes passam despercebidos por quem se encanta com as facilidades da capital.
O primeiro, é que geralmente quando se fala em custo de vida, não se leva em conta o alto custo da habitação em Rio Branco, exceto para uma minoria privilegiada, a maior parte da população vive em casas apertadas em bairros periféricos, muitas vezes sem um quintal para as crianças brincarem. A falta de água é uma constante. Em Cruzeiro do Sul ainda é relativamente fácil para uma família, mesmo de baixa renda, morar em uma casa decente, com quintal e sombra. O calor aliás, aqui é infernal, devido à reduzida quantidade de árvores da área urbana e nos arredores.
O trânsito é caótico, fruto de uma cidade que cresceu sem planejamento, as ruas estreitas, com muitas conversões proibidas, não suporta o crescente aumento da frota de automóveis e o resultado é um trânsito de deixar qualquer um, enlouquecido.

A verdade é que diferentemente de Cruzeiro do sul e de Sena Madureira, cidades criadas como tal, para cumprir a função de capitais, Rio Branco é um seringal que virou cidade, verdade inconveniente que muitas vezes o pessoal daqui não gosta de lembrar.
As muitas novas e grandes avenidas construídas durante as últimas administrações, são uma exceção, e não é difícil entender porque as administrações da frente popular são idolatradas em Rio Branco: um ponto simples e convincente é que a abertura de pontes, avenidas e rodovias valorizou imensamente os imóveis em Rio Branco beneficiando desde o grande empresariado até ao pequeno morador de uma antes esquecida colônia na periferia da capital.

Ah!Também não passa despercebido o pobre e triste rio Acre, trabnsformado em um "igarapé", ou "boulevard" que cruza a cidade, com o pouco que restou de navegação no histórico rio de combates e batalhas da Revolução Acreana. Resultado da ocupação indiscriminada das margens.
Uma Cruzeiro do Sul de mentirinha

Nos jornais de Rio Branco não faltam notícias sobre Cruzeiro do Sul, a maioria, pura mentira. Os jornais trazem informações sobre a “excelente” (sic) administração do prefeito Wagner Sales. Nada como dinheiro no bolso para fazer sorrir os carrancudos empresários da comunicação da capital. Até aí, tudo bem, divulgar as ações da prefeitura (que existem, sim, é verdade) é uma coisa normal, resultado de bom trabalho de sua assessoria. Daí, alguns imbecís escreverem em sua coluna que a administração do prefeito Wagner Sales é uma “unanimidade”(sic), é um puro e total exagero. O tipo de falácia que às vezes me envergonha de pertencer à classe jornalística. Com isso, cometem um verdadeiro desserviço á população, em especial, aos milhares de cruzeirenses e juruaenses que adotaram à capital em busca de melhores condições de vida e oportunidades. Lendo com uma certa dose de revolta um destes jornais cheguei a afirmar “não sei onde fica esta Cruzeiro, com certeza não é a mesma em que eu vivo”

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O Ambientalismo à serviço do Capital

Leandro Altheman

Ninguém nega o fato de que a entrada de Marina Silva no cenário político nacional como provável candidata à presidência, altera por completo não apenas o quadro sucessório do presidente Lula, mas o próprio debate político-ideológico. Um ganho enorme para todos nós, brasileiros.

No entanto há uma série de armadilhas pela qual Marina terá que passar. A primeira delas já está mais do que clara nas entrelinhas da mídia nacional.

O PV Acreano é aliado do PT e PCdoB na Frente Popular. No Acre, as causas sociais e ambientais celebram um casamento de mais de 12 anos (apesar das corriqueiras brigas pela qual todo casal passa). O Acre é o berço do sócio-ambientalismo, resultado da luta de indígenas e seringueiros tão bem representada na figura emblemática de Chico Mendes.

No eixo Rio-São Paulo, a história é outra. Lá, as causas ambientais foram abraçadas pelo grande empresariado o que resultou em uma aliança entre PV, PSDB e DEM. Esta aliança não é apenas um produto de uma conjuntura particular, é o resultado de uma forma de pensar típica do chamado "primeiro mundo."São aqueles que querem exercer sobre o Norte-Nordeste do Brasil a mesma relação "Metrópole- Colônia" a que se submetem.

São estes que condenam veementemente a destruição da floresta amazônica, o “pulmão do mundo”, mas jamais cogitam abrir mão dos confortos da vida moderna, mesmo que isso signifique a destruição dos recursos naturais do planeta. Também não aceitam dividir a riqueza conquistada em séculos de exploração e opressão. Mas ainda assim, querem ter direitos sobre a maior floresta tropical do mundo, sem nunca ter pisado neste solo.

Não por acaso, já aparecem na TV comentários de que “a descoberta do petróleo do pré-sal não tem tanta importância assim, afinal, em 20 anos teremos uma mudança na matriz energética”. Comentário "ambiental" muito oportuno para quem quer reduzir a importância desta descoberta.

Esta aliança política colocou dentro do mesmo grupo que defende a preservação da floresta amazônica os que, por exemplo, defendem a ampliação da marginal Tietê para dar mais fluxo à já gigantesca frota de veículos de São Paulo (há mais carros em São Paulo do que pessoas em qualquer cidade brasileira), mesmo que isso signifique destruir o pouco que ainda resta de cobertura vegetal na megalóple.

Também há neste grupo severos críticos à política do presidente Lula de promover o poder de compra nas camadas mais baixas da população, e diminuir as desigualdades regionais. Para eles, um pobre ter geladeira é um problema, uma vez que vai aumentar o consumo de energia, e ái do meio ambiente! Os que dizem isso, provavelmente têm mais de um carro na garagem (para fugir do rodízio em São Paulo), almoçam em restaurantes de luxo e viajam de avião pelo menos uma vez por ano.

Ou seja, não é novidade a utilização do discurso ambientalista para justificar e manter as desigualdades sociais e econômicas, produto do capitalismo. Infelizmente é preciso dizer que o IBAMA e sua política são fruto deste pensamento. A importância do órgão é inegável, mas sua atuação rende-se à lógica capitalista. Por esta razão que os pequenos agricultores padecem para tirar uma licença para abrir o seu roçado, enquanto alguns dos maiores devastadores do Juruá, passeiam em automóveis de luxo pelo centro da cidade de Cruzeiro do Sul, depois de fazerem “um termo de ajustamento de conduta” em que, por exemplo, constroem um muro para o escritório do órgão. A população entende o recado de que os grandes devastadores são hoje os maiores parceiros do IBAMA e crime mesmo, é ser pobre.

Para não terminar esta postagem apenas com uma interrogação, digo que enquanto o ambientalismo estiver à serviço do capitalismo, não terá respaldo popular. Será apenas a bandeira de uma “minoria consciente”, mas privilegiada. Marina, por sua história, tem toda condição de levar este debate a um outro nível. As questões ambientais são sim, urgentes, mas mais urgente ainda, é a mudança de uma visão de mundo, de atitude, de comportamento, enfim, de um paradigma, algo que somente uma revolução no pensamento ocidental é capaz de realizar.