Há alguns meses atrás, um colega de trabalho, que em tese seria meu subalterno, fez um duro questionamento à minha postura em uma reportagem. Disse-me que eu havia sido “parcial”e faltado com a ética. Crítica pesada. Mais tarde, depois do pôr-do-sol, de cabeça fria tive que lembrar que estava no século XXI e que tais práticas tão eficazes consagradas nos sete mares, infelizmente não poderiam ser mais utilizadas.
Na verdade, decidi que um sujeito que tem a coragem de dizer abertamente que discorda de uma posição, é exatamente o tipo de pessoa que preciso do meu lado para que meu trabalho seja cada vez melhor.
Este preâmbulo serve apenas para ilustrar o verdadeiro objeto desta postagem que é a questão sobre a mudança de fuso horário. Não se trata mais de discutir se o melhor horário é o antigo ou o atual. O povo já decidiu isso no referendo de 2010. A questão agora é cumprir o que o povo decidiu. Isso tem se tornado um problema ainda maior na medida em que firulas jurídicas são encontradas para justificar o não-cumprimento da vontade popular.
Para a população a leitura é simples: sua vontade não está sendo respeitada. Trouxe-me alívio a posição publicamente assumida pelo senador Jorge Viana de que o desejo popular manifesto no referendo será respeitado. Mas as complicações jurídicas do problema são percebidas pela população em geral apenas como “interesses escusos” do atual horário. Sejamos francos: uma questão jurídica só se torna uma questão, se há interesses a serem representados. E esses interesses já estão mais do que evidentes para todo mundo. Precisa dizer mais?
Esse é um problema político sim, e tentar abstrair a questão política desta equação trará conseqüências políticas aos envolvidos. Como bem disse o jornalista Mariano Maciel se essa fosse uma questão religiosa seria decidida pelo Papa, mas está sendo decidida em âmbitos políticos, sejam as urnas, ou o legislativo. Talvez por esta razão seja melhor chamar o antigo horário de ao invés de “Horário de Deus” simplesmente de “Horário do Povo”. Aliás, é bom que se diga que a alcunha “Horário de Deus” surgiu naturalmente nos ramais, seringais e aldeias do Vale do Juruá, muito antes de Flaviano Melo, Tião Bocalon e Sérgio Petecão pisarem por aqui. Não foi uma invenção da oposição, e se fosse talvez nem tivesse virado jargão comum na boca do povo. Eles apenas como políticos experientes que são, souberam “surfar na onda” do desejo popular, enquanto os que insistem em ir contra esta vontade, estão se afogando nesta mesma onda. Como diz o ditado popular: “boi lerdo bebe água suja”.
Mais uma vez sejamos francos conosco mesmo: a oposição na verdade é muito fraca. Fossem partidos de esquerda a defenderem a questão, o povo já estaria nas ruas.
É triste perceber que o posicionamento do bloco situacionista do Acre tem sido a antítese do slogan de Governo “Servir ao Povo”. Servir ao Povo neste caso seria simplesmente fazer valer a vontade popular. O acirramento da questão no campo político e o conseqüente desgaste seriam evitáveis simplesmente apreciando e honrando esta vontade. Mas para quem esta cercado de opiniões comprometidas é difícil enxergar isso. O debate infrutífero sobre uma questão já decidida nas urnas toma espaço desnecessário na mídia, justamente agora em que o governo dá sinais de uma arrancada sem precedentes nos campos da produção e na conclusão de obras que estão no âmago dos sonhos de qualquer acreano.
Já está passando da hora em reconhecer que quem é por direito o verdadeiro dono deste estado é o povo acreano e que a sua vontade tem que ser respeitada.
A reportagem saiu no SBT Nacional.
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* Na ilustração é o famoso relógio de Salvador Dali, só para lembrar o quão SURREAL é essa situação.