terça-feira, 8 de janeiro de 2019

O nacionalismo é o novo centro?


Tenho tido a experiência de participar e acompanhar nas últimas duas semanas de alguns grupos nacionalistas. De cara, o que me chamou a atenção foi a diversidade de vertentes consideradas dentro do conceito de nacionalismo. O espectro político é muito amplo. Do que poderíamos cunhar da extrema-esquerda à extrema direita, além é claro de espectros mais ao centro. Há por exemplo, monarquistas e integralistas, e eles é claro conversam entre si. É o nacionalismo cristão, conservador. 

Mais à esquerda, mas também em diálogo, vamos encontrar os trabalhistas e desenvolvimentistas. 

São considerados o espectro progressista do nacionalismo. Há uma predisposição à aceitação e diálogo e respeito entre os comentários. Mas há tons de nacionalismo mais revolucionário, identificado com o pan-nacionalismo terceiro-mundista e islâmico. Afirmam-se nacionais socialistas ou até mesmo nacional bolchevismo.

Há ainda uma tal Quarta Teoria Política em jogo, a qual apenas comecei a ler. Do que li, fala-se muito da substituição da noção de individuo, ligado à toda teoria do liberalismo clássico pela noção do ente, que se liga por exemplo à filosofia de Heidegger. Encontrei essa descrição na wikipedia:

 A Quarta Teoria Política (em russo: Четвертая политическая теория; transl.: Chetvertaya Politicheskaya Teoriya) é um livro da autoria do politólogo russo Aleksandr Dugin publicado em 2009. No livro, o autor propõe uma nova ideologia política, a quarta teoria política, que visa a superação das teorias políticas da modernidade — numeradas cronologicamente — sendo a primeira teoria o liberalismo, a segunda, o comunismo, e a terceira, o fascismo.[1]

O mais interessante de tudo, é que entre essa fauna megadiversa não há negação de pertencimento de um grupo o outro nacionalista. Se entendem como diferentes vertentes em um campo político. Penso que nisso eles estão melhor que a ‘esquerda’. Hoje, um único partido detém em suas mãos o carimbo oficial que classifica alguém como esquerda ou não.  

Há algumas boas notícias: a primeira é que o que eles chamam de neocons ou liberais-conservadores, imediatamente associados à Bolsonaro, a nomes como o chanceler Ernesto Araújo, ou ainda Olavo de Carvalho são normalmente escurraçados no grupo, descritos como pseudo-nacionalistas. A submissão aos EUA ou à Israel é descrita como um ato de rastejar, indigno a um nacionalista de qualquer vertente. Nas páginas mais conservadoras, há uma preocupação maior com as pautas de costumes. O mesmo já não ocorre nas de nacionalismo mais progressista. Ainda assim, as duas concordam: o liberalismo em tido o que ele significa, em suas consequências lógicas, filosóficas, ecológicas, sociais e humanas que ele enseja, tem nos trouxe perante o abismo civilizatório.
Outra boa notícia foi perceber a penetração e aceitação da importância da pauta ambiental. Mesmo entre os mais conservadores monarquistas e integralistas, a importância de defesa do meio ambiente é colocada como dever dos mais sagrados. Entre os progressistas, fala-se da necessária racionalidade em relação ao ambiente. Entre os revolucionários, a questão ressurge de modo como dever sagrado. Segundo esta vertente, na natureza residem símbolos nacionais que ecoam na noção de ser da identidade nacional e a manutenção destes símbolos sagrados vivos, como rios e montanhas seria também sagrada.
    
Devo permanecer acompanhando as discussões e debates, mas por hora, o que me surpreende mais, é esse papel de novo centro político que o nacionalismo pode estar exercendo sobre uma determinada geração.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

O nacionalismo e o mito das três raças


por Cauã Pinheiro

O nacionalismo está se configurando como o novo centro político. A boa notícia é que o conceito é suficientemente abrangente. Talvez caiba a nós a tarefa de alarga-lo o bastante para que de fato caiba nele o país inteiro.

Quem não gostar pode espernear à vontade, mas quem quiser, pode, e deve, aproveitar a oportunidade de incluir o seu Brasil dentro do Brasil.

Diversidade e multiplicidade aliás, são conceitos definidores do que é Brasil.

Dentro da possibilidade de se evocar o conceito de Nação, surge igualmente a necessidade de entender a identidade nacional.

Inevitavelmente nos voltamos ao mito fundador de nossa sociedade: o mito das três raças.

A ideia do povo brasileiro como surgido da mistura destas três raças formadoras é antiga.

A noção aparece fortemente no próprio ato de criação do Exército Brasileiro, na Batalha de Guararapes, quando índios, lusos e negros se uniram para expulsar o invasor holandês. Também merece menção a aliança entre lusos e tupiniquins na expulsão dos franceses da Guanabara.

Explorada em Gilberto Freire no chamado mito da democracia racial, foi importante base ideológica para a Era Vargas.

Depois é retomada brilhantemente por Darcy Ribeiro, teórico de referência do trabalhismo de Brizola. 

Por fim, temos nas últimas décadas, um afastamento destas perspectivas a partir de um momento que os coletivos africano e indígena do país buscam um aprofundamento e auto-afirmação.

Na últimas décadas, o movimento negro buscou denunciar sua condição de figura explorada e marginal. 
Ao negar a existência da democracia racial enquanto realidade, afirmou-a como mito, ou seja, como horizonte político.  
Mas também ampliou seu próprio horizonte ao buscar uma re-africanização. Da África nos trazem ecos ancestrais, tambores que nos fazem dançar a todos desde há muito tempo. Ritmo pulsante de nossa terra.

Um nacionalista que estivesse pouco esclarecido a respeito do mito das três raças - repito, e insisto, peça fundamental na questão da identidade nacional, veria-se talvez subtraído.

Engano, a reafricanização não diminui o Brasil, pelo contrário, aprofunda-o, revela-nos raízes mais profundas, alimentadas desde as entranhas da terra.

E o que nos pode nos mostrar o fortalecimento da identidade indígena, que multiplica exponencialmente as nossas possibilidades do que é ser, brasileiros?
Haveria muito mais a dizer dos que aqui estão neste chão desde sempre. Quanto teríamos a aprender daqueles a partir de que, invariavelmente a sociedade brasileira se moldou?
Mesclados ao coração do país, são antes de tudo o âmago mais forte, a tronqueira e a raiz, na qual a sociedade brasileira se desenvolve. Tê-los em nosso próprio território nacional e com eles compartilhar este chão é um privilégio a que poucos povos no mundo tiveram. São nossos avós. uma raiz viva e pulsante que nunca permitirá que nos percamos de nós mesmos. 

Mas os povos indígenas não são apenas história viva, pulsante e presentificada. São também aqueles a nos mostrar o futuro, com um modo de vida e de conhecimento que intriga a ciência e nos aponta bem aqui, outros mundos.  

E o que nos dizer dos ibéricos? Essa mescla já nos vem de além mar, de povos pioneiros navegantes transtlânticos, com raízes que remontam aos celtas, galegos, latinos, germanos e mouros, assomado de judeus e de ciganos, que nos explica muito do ladino que somos.

Um nacionalismo que se negue a olhar com carinho para o mito das três raças, já nasce cego. Pior ainda aqueles que tentam substitui-lo por fundamentalismos gestados em outras latitudes.

Daqui, da copa do cumaru, de onde olha o Gavião Real, há muito mais a ser visto.
As cosmologias indígena, africana e ibérica, estão a nos mostrar mundos outros.
Torna-los possíveis é a missão civilizatória do Brasil.

Imagem: Cartaz do Documentário  'O Povo Brasileiro'. Disponível no You Tube. Revista Prosa e Arte