Mostrar mensagens com a etiqueta cidadania. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cidadania. Mostrar todas as mensagens

sábado, 12 de janeiro de 2013

O relatório - diagnóstico do FMI



Concluída a leitura do relatório do FMI, noto que nada do que consta do seu diagnóstico me é desconhecido, e, se assim é, menos o será para os que, ao longo dos anos, foram os responsáveis pela criação de todas aquelas situações de desigualdade dentro da própria função pública “permanente”, ou em “exercício de funções públicas”, pelo que me é incompreensível a algazarra sobre o texto que nada mais faz do que explicitar em letra de forma o que muitos sabemos. A única falha que lhe encontro é o não ter sido mais abrangente, uma vez que se debruça apenas sobre alguns dos serviços prestados pelo Estado, deixando de fora muitos outros que, a meu ver, são mais perniciosos no que se refere a gastos dos dinheiros públicos, diga-se dos contribuintes, e cuja existência/necessidade é muito discutível.

Quanto às sugestões que o FMI deixa para superar muitas das incongruências diagnosticadas, algumas são interessantes, se bem que só possíveis, infelizmente, com o decorrer dos anos, e outras são evidentes, como a da insustentabilidade da multiplicidade de sistemas e subsistemas de saúde, de excepções e mais excepções, parecendo que cada trabalhador é titular de uma excepção qualquer no decorrer da sua vida de trabalho, e, isso sim, contribuiu para a construção deste “novelo” difícil de desenredar, e, quanto a mim, nada constitucional, pois põe a nu a desigualdade de tratamento entre trabalhadores da própria função pública, já para não falar das desigualdades entre estes e os do sector privado. Por acaso as leis que lhes dão suporte foram consideradas inconstitucionais? É evidente que não foram. E agora que se pretende minimizar as desigualdades entre trabalhadores do sector público e do privado, porque em ambos trabalham cidadãos do mesmo país, e a que o Tribunal Constitucional esteve tão atento no Orçamento do Estado de 2012 por serem tratados de modo desigual no que se refere aos respectivos contributos para atenuar a difícil situação financeira em que nos encontramos, só posso esperar que, pelo menos, os senhores juízes sejam coerentes.

domingo, 26 de agosto de 2012

Karl Popper e um universo mediático de qualidade


A filosofia política de Karl Popper foi, regra geral, utilizada de duas maneiras: por um lado, mais “social-democrata”, apoiada na sua “teoria proteccionista do Estado” e na sua concepção prudencial da reforma social; por outro lado, mais claramente “liberal”, apelando, pelo contrário, ao seu elogio das liberdades e contrapoderes, mas também aos seus temores perante a extensão indefinida das funções do Estado.

E a tomada de consciência dos perigos que a televisão representa só podia incitar a acentuar ainda mais essa intuição mediadora. Se uma sociedade democrática tem necessidade de liberdade para neutralizar o poder devorador do Estado, também necessita da arma regulamentar para reduzir as más utilizações da liberdade. Popper sempre achou que a economia de mercado era companheira mais ou menos insubmissa da democracia política. Porém, não aceita que ela generalize inconsideradamente as suas lógicas a todos os registos da vida social. Sobretudo quando, em nome da eficácia e da rendibilidade, submete as cadeias de televisão aos ditames cegos de concorrência, abrindo assim o caminho aos programas mais nefastos e mais deseducativos. Entre a hipótese obsoleta de um monopólio de Estado da radiotelevisão e o panorama actual da privatização e da concorrência selvagem, talvez haja lugar para uma solução intermédia: a criação de uma ordem corporativa que emita licenças e possa, em qualquer momento, retirá-las. Nem todo o poder ao Estado, nem todo o poder ao mercado.

Todo o pensamento de Popper se articula em torno de uma ética da responsabilidade. As melhores instituições, os procedimentos mais subtis, não servirão para nada se os seus habitantes e utilizadores renunciarem efectivamente ao seu dever de cidadania. Uma sociedade aberta é uma sociedade que não procura destituir os seus membros de responsabilidade pessoal, mas que, pelo contrário, cria condições para que eles possam exercê-la serena e activamente.

Esta ética da responsabilidade destina-se, em primeiro lugar, às gerações oriundas da revolução democrática contemporânea. Karl Popper sempre pensou que pertencia a uma linhagem intelectual e social que soubera tirar partido das devastações provocadas pelas barbáries totalitárias e que, nessa condição, detinha uma responsabilidade especial para com a geração seguinte. Em consequência, não é por acaso que a sua crítica sem concessões ao universo mediático visa essencialmente os programas destinados às crianças. Com efeito, é às populações adultas que dirigem a sociedade e enunciam as leis que cabe justamente “assumir as responsabilidades”, e não abrigarem-se cobardemente por detrás dos “imperativos do mercado”, dos “veredictos dos índices de audiência” ou dos “gostos dos públicos” para fugirem a elas.

Mas esta ética da responsabilidade destina-se, sobretudo, ao conjunto das pessoas que participam directa ou indirectamente na produção dos programas de televisão. Com efeito, é notável que a ordem desejada por Popper com base no modelo da ordem dos médicos ou dos advogados esteja habilitada a emitir licenças de teledifusão e a fixar, desse modo, para cada categoria, obrigações e tarefas precisas e personalizadas. Trata-se mais uma vez de estabelecer uma cadeia de interdependências e de reciprocidades, que é característica do funcionamento de uma sociedade aberta bem compreendida. A saber: restituir a cada elo da cadeia mediática o sentido de honra e de responsabilidade, manter no seio do pessoal um estado permanente de efervescência intelectual e de consciência crítica, estabelecer uma espécie de estrutura panóptica no interior da qual as demissões e cobardias de uns possam, em qualquer momento, ser neutralizadas pelos escrúpulos e temeridades dos outros, evitando, assim, que uma sociedade com a aparência democrática choque no seu seio com um novo princípio de domesticação. Como nenhuma ordem está, por natureza, protegida contra os excessos corporativistas, talvez seja conveniente associar à sua reflexão e à sua acção colectivos de cidadãos, que se empenhariam em estimular os múltiplos actores da cadeia mediática.

Karl Popper queixava-se de ninguém apresentar propostas para contrapor à dele, no sentido de melhorar a programação televisiva, particularmente quem devia atribuir licenças e controlar a qualidade dos programas. Assim, continuam a ser os governos, em nome do Estado, a fazê-lo, com os resultados conhecidos.

Bibliografia:

Televisão: um perigo para a democracia – Karl Popper: “Uma lei para a televisão”; John Condry: “Ladra do tempo, criada infiel” (ambos os textos no mesmo volume), Gradiva, 1995

domingo, 29 de julho de 2012

A monja e o capitalismo não ético


Li com muito interesse a crónica de ontem de Anselmo Borges, publicada no DN, onde expõe algum do pensamento de Teresa Forcades sobre algumas facetas do capitalismo não ético e as consequências que o mesmo acarreta para a vida da maioria dos cidadãos, bem como a sua recusa em aceitar que não há alternativas ao mesmo. Pela sua pertinência, deixo aqui o texto na íntegra:

«Nasceu em Barcelona em 1966. É doutorada em Medicina e em Teologia. Muito conhecida pelas suas posições feministas e pelas críticas às multinacionais farmacêuticas, Teresa Forcades é uma monja beneditina do Mosteiro de Sant Benet de Monserrat.
Conheci-a em Julho de 2011, em Santander, num Congresso de Teologia e Ética, e a impressão que me ficou foi a de uma mulher séria e agradável, descontraidamente inteligente e interventiva.
Foi recentemente convidada para a conferência inaugural de um encontro de empresários, talvez o mais importante da Catalunha, com a presença de umas seiscentas pessoas.
Ela é absolutamente favorável ao empreendedorismo. Quereria que isso fosse uma possibilidade para todos, pois isso significa realizar possibilidades e ter iniciativas próprias. Mas põe em causa o empresariado baseado numa relação contratual num quadro capitalista sem ética. Por três motivos.
É uma mentira o mercado que se diz livre. De facto, ao longo da história, o mercado nunca foi livre. "Foi sempre regulado a favor de certos interesses: da realeza, interesses proteccionistas, da classe dominante, do parente dos governantes de turno." Mercado livre é "uma hipocrisia, uma falácia".
Depois, a lógica do capitalismo, no quadro do mercado global, quer "o máximo lucro". Ora, é aberrante, do ponto de vista antropológico e humano, pensar que a melhor maneira de incentivar as pessoas, a sua criatividade, a actividade económica e, em última análise, o crescimento, seja o lucro máximo. Satisfeitas as necessidades básicas, "o que me estimula não é o dinheiro", mas a curiosidade intelectual, o desafio de descobrir potencialidades e encontrar quem ajude a realizá-las, o apreço dos colegas, a valorização do trabalho que faço, ver que o trabalho das pessoas transforma de modo positivo as suas vidas. Porque não criar uma sociedade fundada no que verdadeiramente nos dá gosto e nos realiza? E o direito à alimentação, à educação, à saúde, à reforma tem de estar acima do mercado e do lucro.
Portanto, o capitalismo não lhe parece ético. E assume a crítica marxista da mais-valia, dando um exemplo: no mosteiro, temos uma pequena empresa de cerâmica e há uma pessoa de fora que lá trabalha; se lhe pagarmos um euro e ganharmos mil, o capitalismo dirá: que bem! "Mas isto é indigno, pois vai contra a dignidade do trabalho." Há diferenças aberrantes: num contrato, "talvez esteja bem que eu ganhe um e tu ganhes quatro ou até dez, mas mil não pode ser de modo nenhum".

sábado, 23 de junho de 2012

Conferência Rio +20


Tendo chegado ao fim a Conferência promovida pelas Nações Unidas, sobre Desenvolvimento Sustentável, que se realizou no Rio de Janeiro, Brasil – a Rio +20, e cujos resultados foram tão decepcionantes como os das que se efectuaram antes desta, particularmente por falta de vontade política para alterar a situação, deixo a declaração final da WWF (World Wide Fund for Nature) de 22 de Junho de 2012, onde, pelo menos, se constata a vontade de não baixar os braços, à semelhança de muitas outras ONG e de cidadãos empenhados por esse mundo fora:
«Com as negociações a chegarem ao fim, o director geral da WWF, Jim Leape, emitiu hoje a seguinte declaração final àcerca da Conferência Rio +20:
Esta foi uma conferência sobre a vida: sobre as gerações futuras; sobre as florestas, oceanos, rios e lagos de que todos nós dependemos para a nossa comida, água e energia. Foi uma conferência para abordar o desafio premente da construção de um futuro que nos pode sustentar.
Infelizmente, os líderes mundiais que se reuniram aqui perderam de vista esse objectivo urgente.
Com muito poucos países dispostos a pressionar para a acção, a presidente brasileira, Dilma Rousseff, escolheu conduzir um processo sem conteúdo sério – em detrimento do planeta.
O resultado é uma oportunidade desperdiçada – um acordo que não encaminha o mundo em direcção ao desenvolvimento sustentável.
A urgência de agir, no entanto, não mudou. E a boa notícia é que o desenvolvimento sustentável é uma planta que tem raízes, que irão crescer independentemente de liderança política fraca.
Ainda assim estão a surgir lideranças activas em comunidades, cidades, governos e empresas que estão a colocar o objectivo de proteger o nosso ambiente, reduzir a pobreza, e de nos mover em direcção a um planeta mais sustentável em lugar prioritário.
O que precisamos é de acções em todos os lugares, de pessoas individuais, vilas, cidades, países, pequenas e grandes empresas e organizações da sociedade civil e movimentos. Nós precisamos que todos assumam a responsabilidade que os líderes mundiais não conseguiram assumir na Conferência do Rio.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Dimítris Dimitriádis "Vivemos à luz de uma estrela morta"


Para “iluminar” o meu texto de ontem sobre a Grécia, não podia ter encontrado melhor do que esta entrevista feita a Dimítris Dimitriádis e que podem encontrar também aqui.

«A crise multifacetada que atinge os gregos é o resultado de séculos de decadência, marcados pela falência do Estado e perda do sentido moral, diz o dramaturgo Dimítris Dimitriádis. Para ele, o seu país está morto e deve aceitar-se isso para se poder dar o salto. Excertos.

Fabienne Darge: Em 1978, escreveu o texto "Morro como país". Fala-se nele no desaparecimento de uma nação que acaba sem nome nem história. O que sente que está a acontecer na Grécia?

Dimítris Dimitriádis: É obviamente uma sensação muito estranha. Escrevi o “Morro...” há trinta e cinco anos: o país acabava de sair da ditadura dos coronéis, era um período cheio de esperança, de promessas e de prosperidade. Foi uma situação pessoal de absoluta solidão que me levou a escrever esse texto, que assumiu a forma de uma parábola: falo de um país que morre porque não aceita o seu próprio fim, nem consegue aceitar o outro. Um país que se sente sitiado durante 1000 anos, que não aceita aquilo a que chama o inimigo, que não vê que o "inimigo" é a sua perspectiva de futuro. O que caracteriza a Grécia é uma espécie de estagnação, de imobilismo mental: fica-se agarrado aos hábitos, tanto psicológicos como sociais; vive-se com base numa tradição morta, que ninguém sonha em renovar.
É um problema gravíssimo: este país que é a Grécia, histórico por excelência, está preso no mecanismo da história. E assim chegámos a um beco sem saída: tudo de que se fala, essa grande herança grega de que nos valemos, petrificou-se sob a forma de ideias feitas, estereótipos. Isto não é novo: há muito tempo que, na Grécia, vivemos à luz de uma estrela morta. O que senti há 35 anos tornou-se hoje mais agudo: a "crise" não será resolvida sem uma verdadeira tomada de consciência histórica, que passa pelo reconhecimento de que algo morreu, para que possa ter lugar um novo nascimento. Como no verso de T. S. Eliot: "No meu fim está o meu começo." Falta-nos ainda aceitar o fim.

A crise é, então, principalmente histórica, não política nem económica?

Sim, embora eu não negue as dimensões económica e política. Deve ser repetido incessantemente que o sistema político em que vivemos, na Grécia, que data da ocupação otomana (e tem, portanto, vários séculos), é totalmente clientelista. Os grandes terratenentes do passado foram substituídos por partidos políticos, mas têm a mesma relação com as pessoas. O Estado pertence ao partido, que o utiliza e explora os recursos públicos para manter o seu sistema de clientela.

domingo, 17 de junho de 2012

"Desgrécia"


Só quem não conhece a actual sociedade grega não sorrirá ao ouvir alguns opinadores defenderem que, o melhor para a Grécia, depois das eleições parlamentares em curso, seria a constituição de um governo de coligação, de preferência de vários partidos políticos. Ora, sendo a sociedade grega assente, predominantemente, nas ligações familiares, ligações essas alargadas aos que estão mais próximos, como vizinhos, compadres, etc., privilegiando o compadrio, o favor, a cunha dentro destes seus pequenos círculos, e por uma desconfiança por tudo o que tenha a ver com o Estado, daí a fuga massiva ao pagamento de impostos, por um lado, e, por outro, o tentar extorquir do mesmo Estado todas as benesses a que se julgam ter direito mesmo que não tenham contribuído para tal (em abono da verdade, neste último aspecto nem são muito diferentes dos portugueses). Daqui só pode resultar que encaram o Estado como qualquer coisa que lhes é estranha, quase como um abcesso, e não como uma estrutura da qual todos fazem parte e em que cada um tem o seu papel a desempenhar, quer no campo político e social, quer no político-partidário. E é por essa maneira de ser, dessa desconfiança permanente que grassa também dentro e entre os partidos políticos, já que são formados por pessoas educadas da mesma maneira que os demais cidadãos, ou seja, dentro dos tais círculos restritos familiares e afins, que não há possibilidade de um compromisso sério e duradouro para uma governação em que se coloquem os interesses do país acima de todos os outros.

Poderia pensar-se que a entrada da Grécia para a União Europeia (UE) contribuísse para uma alteração desses hábitos ao verem, na prática, como muitos países governados por coligações são democracias estáveis e prósperas. Mas não. Entraram, até, com o pé esquerdo, ao forjarem os orçamentos e os défices. E é nesse pé que continuam e que continuarão. E se é certo que, numa fase inicial, a CEE, agora UE, teve um papel importantíssimo ao permitir a entrada a Estados mais débeis economicamente para que as suas democracias recentes se pudessem aprofundar, também é certo que a UE passaria muito bem sem estes casos patológicos que, neste momento difícil, só atrapalham o próprio aprofundamento da União, uma vez que não será feito em virtude de um pensamento devidamente estruturado, mas à medida que vão aparecendo “focos de incêndio”, quais bombeiros desprevenidos.

Aos que dizem que nem lhes passa pela cabeça a existência de uma UE sem a Grécia, o berço da democracia, da Filosofia, de parte da nossa preciosa cultura greco-latina, poderei contrapor que, a Grécia moderna, pelo que afirmei acima, nada tem a ver com esse período, nem ao nível de pensamento nem da prática. Do tempo dos Sábios e dos Filósofos, temos o mais importante, que são os livros que estão aí para todos, em muitas línguas. Só para citar um, leia-se a “Ética a Nicómaco”, a “Ética a Eudemo” ou “A Grande Moral”, de Aristóteles, e depois poderão tirar as vossas próprias conclusões sobre o que Aristóteles pensaria do comportamento dos gregos de hoje.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Laurie Anderson


Laurie Anderson está em Portugal para apresentar o seu novo espectáculo “Dirtday”, com início hoje, dia 22 de Maio, no Centro Cultural Vila Flôr, em Guimarães, depois do que se seguirão o teatro Gil Vicente de Coimbra, quarta-feira, dia 23, o teatro Aveirense em Aveiro, quinta-feira, dia 24, o cineteatro de Torres Vedras, sexta-feira, dia 25, e o teatro Virgínia de Torres Novas, sábado, dia 26.

Mas como, de Laurie Anderson, me agrada particularmente a canção “Strange Angels”, que alguns recordarão do filme “The Doctor”, que recebeu o título português “Um golpe do destino”, é essa belíssima canção que aqui deixo, uma vez que, devo confessar, não gosto muito daqueles seus temas em ambientes electrónicos, com orquestrações dissonantes e voz robotizada, embora aprecie a sua posição crítica não só face aos EUA como ao mundo em geral no que à política diz respeito e que conduziram às crises económicas, financeiras e sociais que estamos a viver.
 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Democracia e Liberdade

Diz Jean-Jacques Rousseau, no Livro III, capítulo IV do livro O Contrato Social, que «se houvesse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente», afirmação que pode levar-nos a concluir que só entre iguais e com o mesmo estatuto seria possível uma democracia perfeita, e que, portanto, esse sistema dificilmente poderia ser mantido por simples mortais, como nós, vivendo em sociedades tão estratificadas. E é nesta base de raciocínio que entendo as afirmações seguintes, que já reproduzi noutro lugar, e que partilho aqui, porque transmitem não só as vicissitudes de qualquer democracia actual, como nos lembram o que é de facto importante e que se deve preservar a todo o custo: a liberdade.
«(...) não há governo tão sujeito às guerras civis e às agitações intestinas como o democrático ou popular, porque não há nenhum que tenda tão forte e continuamente para mudar de forma, nem que exija mais vigilância e coragem para ser mantido na sua. É sobretudo nesta constituição que o cidadão tem de se armar de força e constância e dizer em cada dia da sua vida no fundo do coração o que dizia um virtuoso Palatino (*) na Dieta da Polónia: "Malo periculosam libertatem quam quietum servitium." ("Prefiro os perigos da liberdade ao sossego da servidão.”)

(*) O Palatino da Polónia, pai do rei da Polónia, duque da Lorena.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), O Contrato Social, Livro III, capítulo IV

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dos vivos e dos mortos

Há algum tempo que andava a pensar em fazer uma experiência, cujo resultado pudesse ser-me útil na avaliação da preocupação real dos vizinhos face aos que vivem sozinhos no mesmo prédio ou rua, com ou sem familiares vivos ou conhecidos. Não tenho a certeza se essa ideia se manifestou pela primeira vez depois de ler o livro de José Saramago, “Todos os Nomes”, publicado em 1997, mas sempre que alguém é notícia por ter morrido sozinho em casa, é deste livro que me lembro, não por tratar deste assunto, mas por deixar aquela sensação de não sermos mais do que um simples nome, que nos deram, e que consta de um verbete na Conservatória, a não ser que alguém se interesse e resolva dar todos os passos necessários para saber a pessoa que somos ou fomos. A citação que José Saramago escolheu para este romance é do Livro das Evidências: «Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens».

Nesta experiência não tive qualquer preocupação com a idade ou estatuto social dos envolvidos, porque, quem vive sozinho, tenha a idade e a riqueza ou pobreza que tiver, não está excluído da chamada “morte súbita”, e, por conseguinte, sem possibilidade de pedir ajuda ou socorro médico. Também não estabeleço qualquer equivalência entre viver sozinho e solidão, porque há quem viva sozinho por escolha e não a sinta. Por fim, não tinha como objectivo analisar os serviços prestados pelo Estado, autarquias ou IPSS, mas as que me parecem mais importantes para avaliar a preocupação genuína e o carácter das pessoas, e que são as relações de vizinhança, permitindo avaliar também se o seu discurso correspondia à acção. Assim, o que havia a fazer era que cada um, nessa situação, em conversa com um vizinho, trouxesse para a mesma o facto de viver sozinho e demonstrar a preocupação de que, se a sua morte ocorresse, ninguém se aperceberia disso, uns porque não tinham família, outros porque, tendo-a, era como se não tivessem, pois todos sabemos que a família não se escolhe, tudo isto para ver qual a reacção dos vizinhos interlocutores. E os resultados foram, no mínimo, decepcionantes. Com as magníficas excepções que, felizmente, sempre há, em que houve troca de números de telefone e a promessa e concretização de contactos regulares, a maioria lembrou-se, a meio da conversa, do quanto estava atrasada para qualquer compromisso, não sem antes se despedir com aquelas frases-feitas, que, por o serem, não têm qualquer significado por não corresponderem a sentimentos genuínos, e alguns passaram mesmo a evitar esses vizinhos solitários, qual doença contagiosa, ou evitando partilhar o elevador, ou mudando de passeio na rua.

Não sei se é este tipo de pessoa que, quando a morte bate à porta de um desses vizinhos, e as televisões vão indagar do seu relacionamento com ele, mostra um sorriso idiota, que fico sem saber se é motivado por uma eventual alegria de aparecer na TV, ou se se trata de um esgar provocado por algum peso na consciência, se é que a tem, por não ter feito o que devia enquanto era tempo, não raro atribuindo mesmo à maneira de ser do defunto esse desfecho, defunto de que, muitas vezes, nem sabe o nome. Chamem-lhe insensibilidade, indiferença, egoísmo, desumanidade, aqui também valem todos os nomes.

«Temos mais força do que vontade; e é muitas vezes para nos desculparmos a nós mesmos que imaginamos que certas coisas são impossíveis.» (La Rochefoucauld)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Adeus esperança


Lembro-me da satisfação que senti quando li os memorandos de entendimento, no passado mês de Maio, pelas possibilidades que nos davam para uma reforma do Estado e na correcção dos erros das governações irresponsáveis das últimas décadas. Lembro-me da satisfação ao ler o programa deste governo, em Julho, por ir ao encontro desses compromissos e por transmitir a ideia de que, agora, seriam levadas, de facto, a cabo as reformas estruturais de que o Estado carece e que ninguém se atreveu a enfrentar por não quererem enfrentar as corporações de todos os que dependem do Estado, a não ser José Sócrates numa última fase, mas com medidas desgarradas e pontuais, sem, portanto, uma visão de conjunto e de médio e longo prazo como é imprescindível para qualquer país, rico ou pobre, mas que assinou e se comprometeu com o conteúdo desses documentos de modo a que o país tivesse acesso a financiamento externo em melhores condições de juros, que já tinham ultrapassado os 7%, na altura, nos mercados. Lembro-me de, o então Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, ter dito que o país já só tinha dinheiro para mais um mês para pagar os salários dos funcionários públicos, para os reformados e pensionistas da segurança social e para outros compromissos, como o pagamento de juros dos outros empréstimos obtidos ao longo dos anos, através de títulos da dívida pública colocados no mercado. Lembro-me de ter referido que a dívida pública representava 1/3 da dívida dos privados e, por isso, costumo referir-me a dívida externa, porque engloba as duas. Lembro-me das palavras, por vezes duras, com que abordei tanto o comportamento do Estado, como dos privados, ao sobreendividarem-se deste modo irresponsável. Agora os privados, tanto famílias, como empresas, como cidadãos a título individual, e como era de prever, estão todos os dias a apresentar pedidos de declaração de falência. O Estado ainda não o fez porque teve acesso a esse financiamento externo, mediante condições, que incluem muitos sacrifícios, e é bom lembrar que todo e qualquer pedido de empréstimo tem condições, conforme a entidade que o peça, condições que cada qual tem que cumprir para continuar a merecer a confiança de quem lhe deu crédito. Ora, se quem tem os ordenados e pensões em dia, graças exclusivamente a este último financiamento, não está disposto a pensar no país mas apenas em si próprio, mais parecendo que preferem deitar-lhe fogo, no sentido literal da palavra, também eu, se fosse uma pessoa mesquinha, poderia desejar que o fizessem e, sentirem na pele, o que seria viver num país sem qualquer possibilidade de lhes pagar os ordenados, as pensões, muito menos subsídios e regalias de toda a espécie. E, infelizmente, é isso que irá acontecer. Daí o meu adeus à esperança de ainda poder ver um país organizado, desburocratizado, desgovernamentalizado, onde cada um desse o seu melhor na sua área de trabalho, no sector público ou privado, com uma sociedade civil participativa e cooperante com os mais esquecidos da sociedade e para quem os “gostos” e as belas palavras de intenções no Facebook ou nos blogues não contribuem em nada para atenuar as suas misérias e sofrimentos bem reais.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

António Barreto - Discurso no Dia de Portugal (10/06/2011)

Para quem não teve a possibilidade de ouvir hoje, em directo, o discurso de António Barreto nas comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, aqui fica na íntegra:

«Nada é novo. Nunca! Já lá estivemos, já o vivemos e já conhecemos. Uma crise financeira, a falência das contas públicas, a despesa pública e privada, ambas excessivas, o desequilíbrio da balança comercial, o descontrolo da actividade do Estado, o pedido de ajuda externa, a intervenção estrangeira, a crise política e a crispação estéril dos dirigentes partidários. Portugal já passou por isso tudo. E recuperou. O nosso país pode ultrapassar, mais uma vez, as dificuldades actuais. Não é seguro que o faça. Mas é possível.

Tudo é novo. Sempre! Uma crise internacional inédita, um mundo globalizado, uma moeda comum a várias nações, um assustador défice da produção nacional, um insuportável grau de endividamento e a mais elevada taxa de desemprego da história. São factos novos que, em simultâneo, tornam tudo mais difícil, mas também podem contribuir para novas soluções. Não é certo que o novo enquadramento internacional ajude a resolver as nossas insuficiências. Mas é possível.

Novo é também o facto de alguns políticos não terem dado o exemplo do sacrifício que impõem aos cidadãos. A indisponibilidade para falarem uns com os outros, para dialogar, para encontrar denominadores comuns e chegar a compromissos contrasta com a facilidade e o oportunismo com que pedem aos cidadãos esforços excepcionais e renúncias a que muitos se recusam. A crispação política é tal que se fica com a impressão de que há partidos intrusos, ideias subversivas e opiniões condenáveis. O nosso Estado democrático, tão pesado, mas ao mesmo tempo tão frágil, refém de interesses particulares, nomeadamente partidários, parece conviver mal com a liberdade. Ora, é bom recordar que, em geral, as democracias, não são derrotadas, destroem-se a si próprias!

Há momentos, na história de um país, em que se exige uma especial relação política e afectiva entre o povo e os seus dirigentes. Em que é indispensável uma particular sintonia entre os cidadãos e os seus governantes. Em que é fundamental que haja um entendimento de princípio entre trabalhadores e patrões. Sem esta comunidade de cooperação e sem esta consciência do interesse comum nada é possível, nem sequer a liberdade.

Vivemos um desses momentos. Tudo deve ser feito para que estas condições de sobrevivência, porque é disso que se trata, estejam ao nosso alcance. Sem encenação medíocre e vazia, os políticos têm de falar uns com os outros, como alguns já não o fazem há muito. Os políticos devem respeitar os empresários e os trabalhadores, o que muitos parecem ter esquecido há algum tempo. Os políticos devem exprimir-se com verdade, princípio moral fundador da liberdade, o que infelizmente tem sido pouco habitual. Os políticos devem dar provas de honestidade e de cordialidade, condições para uma sociedade decente.

Vivemos os resultados de uma grave crise internacional. Sem dúvida. O nosso povo sofre o que outros povos, quase todos, sofrem. Com a agravante de uma crise política e institucional europeia que fere mais os países mais frágeis, como o nosso. Sentimos também, indiscutivelmente, os efeitos de longos anos de vida despreocupada e ilusória. Pagamos a factura que a miragem da abundância nos legou. Amargamos as sequelas de erros antigos que tornaram a economia portuguesa pouco competitiva e escassamente inovadora. Mas também sofremos as consequências da imprevidência das autoridades. Eis por que o apuramento de responsabilidades é indispensável, a fim de evitar novos erros.

Ao longo dos últimos meses, vivemos acontecimentos extraordinários que deixaram na população marcas de ansiedade. Uma sucessão de factos e decisões criou uma vaga de perplexidade. Há poucos dias, o povo falou. Fez a sua parte. Aos políticos cabe agora fazer a sua. Compete-lhes interpretar, não aproveitar. Exige-se-lhes que interpretem não só a expressão eleitoral do nosso povo, mas também e sobretudo os seus sentimentos e as suas aspirações. Pede-se-lhes que sejam capazes, como não o foram até agora, de dialogar e discutir entre si e de informar a população com verdade. Compete-lhes estabelecer objectivos, firmar um pacto com a sociedade, estimular o reconhecimento dos cidadãos nos seus dirigentes e orientar as energias necessárias à recuperação económica e à saúde financeira. Espera-se deles que saibam traduzir em razões públicas e conhecidas os objectivos das suas políticas. Deseja-se que percebam que vivemos um desses raros momentos históricos de aflição e de ansiedade colectiva em que é preciso estabelecer uma relação especial entre cidadãos e governantes. Os Portugueses, idosos e jovens, homens e mulheres, ricos e pobres, merecem ser tratados como cidadãos livres. Não apenas como contribuintes inesgotáveis ou eleitores resignados. É muito difícil, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas, investir na economia e salvaguardar o Estado de protecção social. É quase impossível. Mas é possível. É muito difícil, em momentos de penúria, acudir à prioridade nacional, a reorganização da Justiça, e fazer com que os Juízes julguem prontamente, com independência, mas em obediência ao povo soberano e no respeito pelos cidadãos. É difícil. Mas é possível.

O esforço que é hoje pedido aos Portugueses é talvez ímpar na nossa história, pelo menos no último século. Por isso são necessários meios excepcionais que permitam que os cidadãos, em liberdade, saibam para quê e para quem trabalham. Sem respeito pelos empresários e pelos trabalhadores, não há saída nem solução. E sem participação dos cidadãos, nomeadamente das gerações mais novas, o esforço da comunidade nacional será inútil.

É muito difícil atrair os jovens à participação cívica e à vida política. É quase impossível. Mas é possível. Se os mais velhos perceberem que de nada serve intoxicar a juventude com as cartilhas habituais, nem acreditar que a escola a mudará, nem ainda pensar que uma imaginária "reforma de mentalidades" se encarregará disso. Se os dirigentes nacionais perceberem que são eles que estão errados, não as jovens gerações, às quais faltam oportunidades e horizontes. Se entenderem que o seu sistema político é obsoleto, que o seu sistema eleitoral é absurdo e que os seus métodos de representação estão caducos.

Como disse um grande jurista, “cada geração tem o direito de rever a Constituição”. As jovens gerações têm esse direito. Não é verdade que tudo dependa da Constituição. Nem que a sua revisão seja solução para a maior parte das nossas dificuldades. Mas a adequação, à sociedade presente, desta Constituição anacrónica, barroca e excessivamente programática afigura-se indispensável. Se tantos a invocam, se tantos a ela se referem, se tantos dela se queixam, é porque realmente está desajustada e corre o risco de ser factor de afastamento e de divisão. Ou então é letra morta, triste consolação. Uma nova Constituição, ou uma Constituição renovada, implica um novo sistema eleitoral, com o qual se estabeleçam condições de confiança, de lealdade e de responsabilidade, hoje pouco frequentes na nossa vida política. Uma nova Constituição implica um reexame das relações entre os grandes órgãos de soberania, actualmente de muito confusa configuração. Uma Constituição renovada permitirá pôr termo à permanente ameaça de governos minoritários e de Parlamentos instáveis. Uma Constituição renovada será ainda, finalmente, o ponto de partida para uma profunda reforma da Justiça portuguesa, que é actualmente uma das fontes de perigos maiores para a democracia. A liberdade necessita de Justiça, tanto quanto de eleições. Pobre país moreno e emigrante, poderás sair desta crise se souberes exigir dos teus dirigentes que falem verdade ao povo, não escondam os factos e a realidade, cumpram a sua palavra e não se percam em demagogia!

País europeu e antiquíssimo, serás capaz de te organizar para o futuro se trabalhares e fizeres sacrifícios, mas só se exigires que os teus dirigentes políticos, sociais e económicos façam o mesmo, trabalhem para o bem comum, falem uns com os outros, se entendam sobre o essencial e não tenham sempre à cabeça das prioridades os seus grupos e os seus adeptos.

País perene e errante, que viveste na Europa e fora dela, mas que à Europa regressaste, tens de te preparar para viver com metas difíceis de alcançar, apesar de assinadas pelo Estado e por três partidos, mas tens de evitar que a isso te obrigue um governo de fora.

País do sol e do Sul, tens de aprender a trabalhar melhor e a pensar mais nos teus filhos.

País desigual e contraditório, tens diante de ti a mais difícil das tarefas, a de conciliar a eficiência com a equidade, sem o que perderás a tua humanidade. Tarefa difícil. Mas possível.»

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Poema em forma de memorando

Já tive oportunidade de ler o Memorandum of Economic and Financial Policies (MEFP – 15 páginas) e o Memorandum of Understanding on Specific Economic Policy Conditionality (MUSEPC – 34 páginas), que contêm o programa de reformas para o Estado Português concretizar até ao final de 2013, sector a sector, com prazos definidos, bem como os que permanecem ainda em estudo pelos técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE), como é o caso das parcerias público-privadas (PPP).

Pela forma como os “três mosqueteiros”, os únicos visíveis de algumas dezenas, se comportaram nas semanas que passaram entre nós, a trabalharem sem ligarem a feriados, pontes ou fins-de-semana, pontuais e discretos, já tinham merecido toda a minha consideração e respeito. Mas nunca pensei que o resultado de todo esse trabalho me pudesse impressionar tão positivamente, de tal modo que me questiono, incrédula, se ainda terei oportunidade de ver este meu país desestatizado, ou, talvez seja mais correcto dizer, desgovernamentalizado, desburocratizado, em que a sociedade civil mais criativa e empreendedora consiga respirar, e, para tal, teremos de conseguir executar este programa com rigor. E embora saiba que o mesmo vai ser monitorizado pelas entidades referidas, o que me dá algumas garantias de que a coisa não descarrila, também conheço as personagens políticas que temos, bem como as organizações corporativas, e algumas já começaram, aliás, a demonstrar a sua contrariedade porque se vão meter nos seus assuntos, não esquecendo a população mais manipulável e mais exposta a demagogias, porque desconhecedora do conteúdo dos documentos e que, por isso, não terá a percepção de que não estamos apenas perante uma reforma do Estado, mas, talvez, de uma revolução. Quem dera que se pudesse também elaborar assim um plano para uma revolução (mudança) nas mentalidades.

Creio que foi Unamuno quem disse que nós somos um povo suicidário, e, Agostinho da Silva, que nós somos um povo suicidado. Parece um jogo de palavras, mas querem dizer coisas completamente diferentes. De facto, e olhando apenas para a nossa História mais recente, desde 1995 que uma grande parte dos portugueses, bem como algumas empresas, se têm comportado de um modo suicidário no que respeita ao endividamento aos Bancos, que, por sua vez, se endividaram junto de entidades externas para satisfazer essa procura interna, e, o resultado dessa loucura, está plasmado no número que o MEFP apresenta logo no primeiro parágrafo: no final de 2010 a dívida dos privados representava 260% do Produto Interno Bruto (PIB) e a dívida pública representava 90% do PIB, ou seja, quase o triplo da dívida pública. O bom povo português passou estes anos a endividar-se para comprar o que precisava e não precisava, à conta de juros baixos, e entusiasmou-se com os cartões de crédito, cujos juros não são assim tão baixos, mas de que nem sequer quis tomar conhecimento e, agora, estão na “secção” dos sobreendividados. Portanto, não são só os Governos que têm de ser mais responsáveis e sensatos no modo como gastam o dinheiro dos contribuintes e se endividam em nome do país, são também os cidadãos que têm de aprender a gerir melhor o seu dinheiro e as suas prioridades, porque só assim terão autoridade moral para erguer a voz, para protestar, reclamar e exigir mudanças que sejam benéficas para todos sem comprometer o futuro do país. Assim, o exemplo não tem que vir de cima nem de baixo, mas de todos.

Nota: os documentos que referi no primeiro parágrafo estão disponíveis em algumas publicações, mas deixo aqui as ligações para a “nuvem” do Google onde também os coloquei: MEFP e MUSEPC

terça-feira, 12 de abril de 2011

Fernando Nobre e a independência de pensamento

A situação decorrente do facto de Fernando Nobre ter aceite integrar as listas de deputados, como independente, do Partido Social-Democrata (PSD) à Assembleia da República, cujo acto eleitoral se realiza no próximo dia 5 de Junho, e o facto de, no passado, Fernando Nobre ter apoiado personalidades das mais diversas áreas do espectro político português, trouxe-me à memória um caso que conheço, e que retratarei aqui, porque me parece poder constituir uma chave de leitura e de compreensão das tomadas de posição que pode ter um cidadão totalmente independente.

Conheço uma pessoa que, mais preocupada com o pluralismo de ideias na Assembleia da República do que com os Partidos que, em regra, ganhavam as eleições e formavam Governo, concentrava-se na escolha de deputados dos Partidos minoritários ou de novos Partidos ou Movimentos que surgiam, desde que democráticos e humanistas, visando, somente, a diversidade no pensamento político. Assim, tanto votou no Bloco de Esquerda (BE), quando este surgiu, como votou no Centro Democrático e Social - Partido Popular (CDS-PP), quando este atravessou a fase de Partido do “táxi”, dado o escasso número de deputados que então tinha, ou no Movimento Esperança Portugal (MEP) que não chegou a eleger nenhum. E tudo isto fazia e faz sentido, quando o objectivo é o do pluralismo. É certo que essa pessoa ficou preocupada quando os líderes do BE e do CDS-PP, que, depois de atingirem um número razoável de deputados, começaram a demonstrar alguns tiques de pessoas muito “cheias de si”, mas, nestas coisas como noutras, não temos controlo sobre as alterações comportamentais de quem quer que seja, e não foi por isso que deixou de lado o tal objectivo – pluralismo, pluralismo, pluralismo – continuando a escolher essa metodologia para votar nas legislativas.

Aproveito para lembrar que, segundo a actual Constituição, os cidadãos independentes só podem candidatar-se a deputados integrados em listas partidárias e que, embora se candidatem em círculos eleitorais específicos, representam, uma vez eleitos, todo o país. Portanto, sem a alteração da Constituição neste domínio, e sem a criação de círculos uninominais, os cidadãos independentes não têm a possibilidade de concorrer às legislativas a título individual, nem de manter qualquer vínculo ou prestar contas aos seus eleitores directos.

Por outro lado, e aqui só posso falar por experiência própria, um cidadão independente dos partidos e das respectivas ideologias políticas, ou seja, aquele que pensa pela sua própria cabeça, analisa em cada momento as situações com que se depara e apresenta, em regra, as soluções que lhe parecem mais adequadas e sensatas tendo em vista o interesse do país e não de quaisquer outros interesses instalados, por muito incómodo e incompreendido que seja, e sujeitando-se à ira de muitos. Mais cedo ou mais tarde, a realidade mostrará quem tem razão, algumas vezes tarde demais, como se demonstra agora pelo resultado da execução de políticas erradas, durante demasiado tempo, no nosso país. Mas, sobre isso, já escrevi ao longo de quase dois anos e, não há muito tempo (20/02/11), escrevi sobre a ajuda externa, sob o título: “Que venham por bem”. Agora, e dada a continuação da patetice dos dirigentes partidários que temos, talvez fosse mais adequado dizer: “Que fiquem por bem”.

sábado, 9 de abril de 2011

Islândia, novo referendo hoje sobre as dívidas do Icesave

Uma vez que, através de referendo realizado há um ano, os islandeses disseram “não” ao acordo que o governo tinha feito com os Países Baixos e o Reino Unido para pagarem em 15 anos, com juros de 5,5%, os prejuízos causados pela falência do Banco online Icesave, representado pelo Landsbank, que pagava, aos depositantes, juros de 6%, e que deixou 340.000 depositantes desses dois países sem as suas economias, que foram indemnizados, em parte, pelos respectivos Estados, pedindo estes, posteriormente, à Islândia o reembolso do valor que, no conjunto, atinge o 3,9 mil milhões de euros, o Presidente da Islândia, Ólafujr Grímsson, resolveu realizar hoje um novo referendo para que os islandeses se pronunciem sobre um novo escalonamento do pagamento daquele montante.

Neste novo acordo, o pagamento pode ser efectuado até ao ano 2046, com a taxa de juro de 3,3%, ao Reino Unido, e a taxa de juro de 3% aos Países Baixos, sendo uma parte paga, também, com os activos do Landsbank.

No entanto, e embora as condições sejam mais favoráveis, a pergunta que os islandeses fazem é sempre a mesma: quem deve pagar a factura das aventuras financeiras da elite bancária islandesa no estrangeiro que culminaram na falência dos Bancos, na ruína do Estado e na declaração de bancarrota da Islândia? Os islandeses continuam a dizer que devem ser os executivos financeiros e banqueiros desses Bancos privados, que as contraíram em nome do país.

Segundo as sondagens de ontem, cerca de 54,8% continuava a dizer “não” e cerca de 45,2% dizia “sim”. Muito longe, portanto, dos 93% que há um ano disseram vigorosamente que não. O governo de coligação de centro-esquerda, que gere o país depois da crise de 2008, defende o “sim” porque este acordo limitará os custos e os riscos para a Islândia. É que, se o “não” vencer de novo, e pertencendo a Islândia a vários organismos europeus, e eles também zelam para que os acordos bilaterais e multilaterais sejam cumpridos, tudo isto pode acabar em Tribunal e, daí, advirem mais dificuldades para a Islândia, agora que está a sair do marasmo em que foi metida, com a taxa de desemprego estabilizada nos 9%, a retoma do crescimento da economia, e as suas dívidas renegociadas e escalonadas depois da nacionalização dos seus principais Bancos, embora a taxa de inflação se situe nos 2,5%.

Seja qual for o resultado, ele será sempre o reflexo do que a maioria dos islandeses quiserem que seja, e, por isso, respeitável, porque são consultados e chamados a participar nas pequenas e grandes decisões do seu país, através de referendos, privilégio que é dado também aos suíços que, não raro, têm referendos locais ou nacionais, quase todos os meses, dada a diversidade de cantões, de culturas e de políticas locais. No nosso país não se fazem, por regra, referendos, e por isso os cidadãos se sentem cada vez mais irrelevantes nas decisões políticas, e, mesmo aqueles que não desistem de participar activamente, e das mais diversas maneiras, na sociedade, acabam também por cansar-se e esmorecer. Não será de admirar o desinteresse e o aumento da abstenção nos actos eleitorais. 

Fonte e foto RFI

sexta-feira, 25 de março de 2011

Apontamentos decorrentes da Cimeira Europeia da Primavera

Se não tiver outros méritos, a Cimeira Europeia de 24 e 25 de Março permitiu esclarecer alguns equívocos em que muitos cidadãos têm caído, em alguns casos ajudados pela retórica enganadora de alguns partidos. Mas, como sabemos, por vezes é necessário vivermos situações graves de que é necessário sair, para ficarmos mais atentos ao modo de funcionamento das instituições, quer nacionais quer comunitárias, e às respostas que elas podem dar na resolução dessas mesmas situações, de nada valendo os avisos ou explicações a priori, porque há quem só entenda o que quer entender, porque assim lhes é dito e repetido mesmo que não corresponda à verdade.

Um desses equívocos é-nos transmitido por muito boa gente ao dizer e pensar que os Estados já perderam toda a sua soberania dentro da União Europeia (UE). Uma prova de que tal não sucede reside no facto de que o FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira), também conhecido por Fundo de Resgate, não poder ter sido ainda agilizado nem aumentado, nesta Cimeira, porque a Finlândia e a Alemanha têm processos eleitorais a decorrer nos seus países, e, por exemplo, no caso da Finlândia, o Parlamento foi dissolvido, donde, só o novo Parlamento e Governo saídos das eleições a realizar em Abril, terão legitimidade para negociar essas alterações a efectuar no FEEF. E porque todos os membros da União Europeia têm que ser ouvidos e dar um parecer favorável para que essas alterações sejam aprovadas, pois alguns deles vão ver aumentado em muito o seu contributo financeiro para o mesmo, só demonstra que todos e cada um contam, e daí que o novo mecanismo para accionar o Fundo só deva entrar em vigor em Junho, se não houver qualquer outro contratempo inerente a questões políticas que, como sabemos, são muito imprevisíveis.

Assim, quando se afirma que são os países do norte da Europa, principalmente a Alemanha governada pela Sra. Angela Merkel, que “impõem” as medidas de austeridade aos países que deixaram derrapar as suas contas públicas, não estamos a fazer mais do que a imputar a terceiros as causas das nossas dificuldades actuais e que tiveram origem em erros de gestão dos dinheiros públicos, erros que não são de agora mas de há décadas, e que nada têm a ver com a Sra. Merkel mas com o péssimo trabalho de quem fomos elegendo ao longo dos anos. Os países do Norte da Europa preocupam-se, e muito bem, com o modo como o dinheiro que estão dispostos a disponibilizar vai ser gerido, porque é o dinheiro dos respectivos cidadãos, e nós faríamos o mesmo em situação idêntica. Se estão particularmente desconfiados com os países do sul da Europa, é porque lhes temos dado muitas razões para isso, ao gastar-se o dinheiro dos contribuintes sem controlo nem qualidade, ao recorrer-se a subterfúgios contabilísticos que, mais tarde ou mais cedo, são desmascarados e vêm aumentar os valores dos défices anuais. E como, praticamente, não produzimos nada com que pudessemos competir e equilibrar as contas, endividámo-nos de tal maneira para mantermos um falso estilo de vida de conforto e despreocupação, que temos dívidas e juros para pagar num prazo não inferior a 40 anos. E o exemplo do Estado contagiou as famílias, que fizeram o mesmo, pelo que, somando a dívida daquele à dos particulares, ficámos com uma dívida externa astronómica, tudo devido à irresponsabilidade de uns e outros.

Aliás, é graças a instituições internacionais que ficamos a saber o valor real dos nossos défices, entre outras coisas, e as repercussões que têm tido nos mesmos essas tais “contabilidades criativas”, sendo o caso mais recente o do défice apresentado pelo Governo em 2010 e que o Eurostat reviu agora em alta por ter encontrado itens não contabilizados. Vamos, por isso, diabolizar o Eurostat ou os autores desse tipo de contabilidade, que acaba por prejudicar todo o país?

Outra coisa que, por vezes, ouço como argumento contra algumas instituições, nacionais ou comunitárias, é o facto de elas não terem sido eleitas pelos cidadãos, pelo que nem sequer teriam direito a emitir opinião, a fazer estudos, a dar sugestões, etc. Tendo em conta que, e reportando-me agora somente ao nosso país, elegemos os deputados para a Assembleia da República, de onde sai o Governo, os das Assembleias Municipais e de Freguesia e respectivos Presidentes e o Presidente da República, alguns dos quais não têm mais do que o dom da palavra, outros nem isso, e tendo quase todos contribuído para o enorme buraco em que estamos, o que nos impede, então, de ouvir e valorizar o trabalho de pessoas sensatas, inteligentes, pragmáticas, que não têm qualquer interesse em concorrer a eleições? Por que é que se dá crédito à palavra de um político e não à de um cidadão, profissional competente, quer trabalhe individualmente ou inserido numa empresa ou instituição? O valor e qualidades de uma pessoa, não lhe serão intrínsecos? Ou só serão reconhecidos se forem plebiscitados? Não creio nisso e por isso têm toda a minha atenção.

sábado, 19 de março de 2011

1.º aniversário do "Limpar Portugal"

O Projecto Limpar Portugal foi um movimento cívico que pretendeu, através da participação voluntária de pessoas e de entidades privadas e públicas, promover a educação ambiental e reflectir sobre a problemática do lixo, do desperdício, do ciclo dos materiais e do crescimento sustentável.
Por intermédio da iniciativa de limpar a floresta portuguesa e removendo todo o lixo depositado indevidamente nos espaços verdes, em 2010 mais de 100 mil pessoas limparam o país, de Norte a Sul e Ilhas, num só dia, 20 de Março.


Por que não 200 mil voluntários em 2011? 

O Limpar Portugal vai ser reeditado este ano nos dias 19 e 20 de Março.
Não iremos fazer o mesmo trabalho do ano passado, onde grande parte do esforço foi dirigido para remover grandes quantidades de resíduos, monstros e entulhos.
Este ano, deverá ser uma actividade “soft e educativa”, concentrada nos plásticos, vidros, papel/cartão e metais que continuam a ser amontoados um pouco por todo o lado, facilmente separáveis e passíveis de reciclagem.
Não devemos concentrar as nossas energias a limpar, pois não pretendemos continuar a fazer o serviço que cabe às autoridades.

Desafiam-se todas as coordenações e voluntários em geral do Limpar Portugal que em 2010 tornaram possível o dia L, a liderarem e desenvolverem nas suas áreas de intervenção, iniciativas de promoção e reflexão sobre a temática que nos juntou no ano passado.

Várias poderão ser as abordagens, como por exemplo:
-> Actualizar no 3RdBlock os locais limpos e registar novos locais;
-> Exposição de fotos do 20 de Março passado;
-> Organizar as escolas para fazerem pequenas rotas de lixo;
-> Visionar documentários educativos sobre o ambiente;
-> Organizar confraternizações locais, se possível com workshops de ambiente;
-> Organizar passeios de BTT, TT ou caminhadas pelos locais limpos em Março de 2010;
-> Delinear planos de protecção das florestas.

Claro que ninguém ficará impossibilitado de fazer recolhas de resíduos e organizar actividades semelhantes à que ocorreu em 2010.

Em 2010 o vosso concelho não participou ou a coordenação não pretende continuar o trabalho? Nada está perdido, organizem uma equipa local e escolham os vossos representantes.
Alguns Concelhos já começaram a trabalhar... Dêem-nos conhecimento das iniciativas que estão ou irão desenvolver e Mãos à Obra Portugal!!!»

E podem sempre contactar-nos em: http://www.AMOPortugal.org

domingo, 13 de março de 2011

Islândia - uma lição de democracia

Desde 27 de Novembro de 2010 que a Islândia dispõe de uma Assembleia Constituinte composta por 25 simples cidadãos eleitos pelos seus pares. O seu objectivo é o de reescrever por completo a Constituição de 1944, tirando, para o efeito, as lições da crise financeira que, em 2008, atingiu duramente o país.
Desde a crise, que está longe de estar ultrapassada, a Islândia passou por algumas mudanças espectaculares, a começar pela nacionalização dos três bancos principais, a que se seguiu a demissão do Governo devido a pressão popular. As eleições legislativas de 2009 levaram ao poder uma coligação de partidos de esquerda, formada por social-democratas, ex-comunistas e Verdes, o que aconteceu pela primeira vez na Islândia, tal como a nomeação de uma mulher, Johanna Sigurdardottir, para Primeira-Ministra.
O novo governo viu-se, de imediato, face a um problema espinhoso : a regularização de uma dívida aos Países Baixos e ao Reino Unido no valor de 3,5 mil milhões de euros devido à falência do Icesave, banco cujas operações desastrosas afectaram principalmente esses dois países. Pressionada pela União Europeia, à qual os social-democratas gostariam de aderir, o Governo fez votar, em Janeiro de 2010, uma lei autorizando este reembolso, o que implicaria que cada islandês desembolsasse durante oito anos uma valor de cerca de 100 euros por mês.
Mas o Presidente da República recusou ratificar esta lei, pelo que o texto foi então submetido a referendo a 6 de Março de 2010, e mais de 93% de islandeses votaram contra o reembolso da dívida àqueles países, pelo que o problema ficou em suspenso.
Foi neste contexto que a Islândia decidiu modificar a sua Constituição, que, de facto, nunca tinha sido verdadeiramente redigida, porque, em 1944, quando a República foi proclamada, contentaram-se em copiar as grandes linhas da Constituição da Dinamarca, país de que a Islândia dependia desde há muito, substituindo apenas o termo “Rei” pelo de “Presidente da República”. É, portanto, uma nova Constituição, que se está a escrever na totalidade, e, para tanto, decidiram confiar no povo soberano. Em primeiro lugar, houve um apelo a candidaturas, em que todos, com mais de 18 anos de idade, podiam apresentar-se, exceptuando os já eleitos a nível nacional, e com a condição de terem o apoio de, pelo menos, trinta pessoas, apelo a que responderam 522 cidadãs e cidadãos. Foi de entre eles que foram eleitos os 25 constituintes.
Estes começaram a reunir-se em meados de Fevereiro e entregarão o seu esboço da Constituição antes do Verão. Entre as propostas mais conhecidas encontram-se a da separação da Igreja e do Estado, a nacionalização de todos os recursos naturais e a separação clara entre os poderes executivo e legislativo.
É certo que a Islândia não passa de um pequeno país com cerca de 320.000 habitantes, mas não deixa de dar uma bela lição de democracia a outros Estados e do que entendo por sociedade civil com voz activa, participativa, actuante e com poder político, ou “desestatizada”, expressão que também utilizei no meu texto de 20 de Fevereiro passado, sob o título «Que venham por bem», e que talvez tenha incomodado alguns ou nem o tenham compreendido.
Já agora, refiro que publiquei outro texto sobre a Islândia a 28/07/2010, sob o título «Adesão da Islândia à UE – Sim!, Não!, Talvez…», que contém alguma informação transposta para o de hoje.

Outra fonte: CADTM

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

João César das Neves - "Quase boas ideias"

«Com o Governo em cuidados paliativos, há que preparar a autópsia. As gerações futuras não podem desperdiçar as lições preciosas de tantas experiências desastradas. Tolices foram muitas e variadas; a mais paradoxal é a "quase boa ideia". O Governo de José Sócrates apresentou múltiplos projectos, programas e sugestões que pareciam mesmo excelentes. Não eram.
Todos sabemos que foi feita uma quase reforma da administração pública, reestruturações hesitantes na saúde e educação, mudanças parciais na Segurança Social. Em todos os casos faltou sempre um bocadinho.
O mais espantoso porém foram os sucessos proclamados. A 17 de Janeiro, na Cimeira Mundial de Energia no Abu Dhabi, o senhor primeiro-ministro disse que Portugal é o "segundo país da Europa em energia eólica... líder mundial nesta área graças a reformas e investimentos nos últimos seis anos" (Lusa). Se tem assim tantas vantagens, porque hesitam os países ricos? Será que são todos parvos? Ou seremos nós os parolos que se atiraram à maluca para uma técnica da moda, sem pesar custos, medir inconvenientes, ponderar alternativas? A resposta está na monstruosa factura e no enorme défice tarifário que o Orçamento escondeu e agora rebenta. Mas parecia uma ideia tão boa!
O caso mais brilhante está nas tecnologias da informação, onde se apostou a fundo. Os custos do e-government foram enormes. Os resultados viram-se, por exemplo, na eleição presidencial. O sofisticado cartão de cidadão permite imensas funcionalidades, como votar. Desde que os computadores funcionem. Quando falham, como no dia 23 de Janeiro, então o velhinho cartão de eleitor, certamente o mais humilde dos documentos e já extinto desde 2008, foi muito melhor que a tecnologia avançada. Quando algo corre mal, a quase boa ideia é... insistir na tolice! A forma de o Governo resolver a trapalhada foi eliminar de vez o número de eleitor. Assim, no próximo sufrágio ninguém será favorecido pelos cartões de papel, garantindo igualdade dos cidadãos.
Se o percalço eleitoral é ridículo, as coisas ficam sinistras ao falar do fisco. Em nome da eficiência, os contribuintes são agora obrigados a apresentar electronicamente declarações e até recibos verdes. Compreendem-se as vantagens. O que é inaceitável é a imposição. Regressámos ao papel selado, agora virtual. A forma séria seria criar incentivos ao uso da Net, por exemplo impondo custos ao papel. Mas a arrogância fiscal não sabe o que isso seja. Assim deixa de ser um serviço público, reservando o direito de admissão. É intolerável que uma instituição nacional se recuse a lidar com os contribuintes pelos meios comuns, forçando-os a despesas adicionais para cumprirem os deveres. Que, para mais, permitem novas exigências que prejudicam os cidadãos. Agora roubam o benefício fiscal às facturas sem número de contribuinte impresso.
Pior que tolice e agressão, as tecnologias podem tornar-se infâmia quando prejudicam os pobres fingindo promover a justiça. Em Agosto passado foi anunciado: "Quatrocentas mil famílias beneficiárias de prestações sociais, como o rendimento social de inserção, o abono de família ou o subsídio social de desemprego, têm de fazer a prova de rendimentos através da página de Internet da Segurança Social.... Caso não façam a prova de rendimentos, os beneficiários podem ver estes subsídios cortados" (RTP 28/08/2010). Este mês começam a ser perdidos os apoios. Não são precisos comentários. Atrás da tecnologia já nem sequer há vergonha!
Podíamos continuar a lista das "quase boas ideias" como o Magalhães, plano tecnológico, TGV, novo aeroporto e tantos projectos que iam lançar Portugal na modernidade. O Governo, enquanto arruína o Orçamento, endivida o País, estrangula a economia, adia ou atrapalha reformas estruturais, orgulha-se de algumas ideias onde aposta a sua reputação. O mal foi sempre que a finalidade nunca era resolver problemas, mas o espalhafato da própria tecnologia. Não se queria melhorar a situação, apenas brilhar com soluções aparatosas. Todas quase boas ideias.»

Texto publicado no DN

domingo, 25 de julho de 2010

Acessibilidade para todos = Inclusão

Com um dia de atraso, por motivos de força maior, junto-me à comunidade BloggersUnite no sentido de chamar a atenção para o muito que ainda há a fazer na educação para a cidadania, neste caso concreto para que se respeitem os direitos dos cidadãos com deficiência, permanente ou temporária, e cada um de nós não está livre de passar por essa experiência.
Como é habitual, a legislação portuguesa é boa, também nesta matéria, mas o seu problema é sempre o da sua implementação no terreno, e é aí, no dia-a-dia, que as pessoas com mobilidade reduzida, quer seja em cadeiras de rodas, com o auxílio de canadianas ou de bengala no caso dos invisuais e amblíopes, que a falta de rigor e de medidas expeditas mais se faz sentir, pois qualquer pequeno obstáculo pode representar um perigo ou mesmo algo de intransponível para esses cidadãos.
Por outro lado, o nosso Código da Estrada é já bastante severo no que respeita a coimas para os condutores que estacionem os veículos em cima dos passeios e nos lugares reservados a deficientes, estando sujeitos a reboque além da coima. No entanto, parecem não ser suficientemente dissuasoras desse comportamento de absoluta falta de respeito para com as pessoas com deficiência.
No Concelho onde vivo é com agrado que vejo os passeios rebaixados junto às passadeiras para peões, rampas amplas e com pouca inclinação para acesso a estabelecimentos comerciais, mas também existe ainda um Centro de Saúde com três pisos sem elevador para ninguém, há mais de trinta anos, e que só agora a Autarquia parece ter condições de construir um de raiz adequado à função e para substituir este.
Como não tenho um vídeo que possa ilustrar o que ainda há a fazer nesta matéria no meu Concelho, deixo um vídeo, muito bem feito, com a realidade de Guimarães, e como, nesta matéria, os problemas são todos iguais, e as dificuldades que os cidadãos deficientes enfrentam também, não importa a localidade, o que interessa é chamar a atenção a quem de direito para actuar em conformidade.
A partir do 6.º minuto deste vídeo poderão ver como um homem em cadeira de rodas resolveu ultrapassar o seu obstáculo - um veículo em cima do passeio. Deplorável a falta de civismo de alguns de nós.