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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades


Comerciais nos Ordenamentos Jurídicos Português e
Brasileiro

Manuel Filipe Pascoal Rodrigues César Machado

Mestrado em Direito

Faculdade de Direito | Escola do Porto


2022
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades


Comerciais nos Ordenamentos Jurídicos Português e
Brasileiro

Manuel Filipe Pascoal Rodrigues César Machado

Orientador: Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro

Mestrado em Direito

Faculdade de Direito | Escola do Porto


2022
À Alice.
À Diana.
Agradecimentos
Aos meus pais – Maria João e Ângelo - agradeço por tudo o que me deram e dão, em
particular, pelo seu exemplo, pelos seus ensinamentos e amor.
À Diana e à Francisca agradeço todo o seu amor e o seu carinho incondicional.
Aos meus irmãos - Joana, Ângelo, Benedita e Francisca - aos meus sobrinhos –
Benedita, Miguel, Inês, Francisco, Manuel, Constança, Benedita, Luísa e Alice - aos meus
cunhados e à Mimi agradeço todo o apoio e por todos os momentos partilhados e que me
trazem até aqui.
Agradeço aos meus amigos Francisco Pipé, Tiago Cardoso Nina, João Maria André,
Gonçalo Pinto, João Barreiros, António Moreira, Francisco Spratley, Diogo Morgado e
ao António Lameiro
Agradeço aos meus avós cuja memória sempre me acompanha.
À Senhora Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro agradeço a orientação da
presente dissertação, em especial, por todos os seus contributos, pelo tanto que me
ensinou ao longo dos últimos anos e pelo interesse que me despertou no tema sob análise.
Agradeço, ainda, à CNA – Curado, Nogueira & Associados, Andersen Portugal, pelo
apoio e pela compreensão manifestada que se revelaram fundamentais na preparação da
presente dissertação, em particular, à Dra. Ana Reis e ao Dr. João Gutierres.
Resumo
A presente dissertação é dedicada à análise da figura da desconsideração da
personalidade jurídica e da respetiva aplicação no ordenamento jurídico nacional e no
ordenamento jurídico brasileiro.
A figura sob análise tem carácter excecional já que implica um desvio à autonomia
patrimonial perfeita das sociedades comerciais de responsabilidade limitada e não
beneficia de tratamento legal expresso no ordenamento jurídico nacional.
Consequentemente, a figura da desconsideração da personalidade jurídica suscita
diversas questões junto da doutrina e jurisprudência um risco de aplicação abusiva e
casuística por parte dos tribunais nacionais.
Já no ordenamento jurídico brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica
encontra-se prevista em várias normas especiais e no código civil, sendo este último mais
exigente no que concerne os requisitos a considerar na respetiva aplicação. Não obstante,
também no plano da jurisprudência e da doutrina brasileira é possível identificar
diferentes querelas e dificuldades quanto à figura em apreço o que veio a justificar a
recente alteração do artigo 50.º do Código Civil Brasileiro.
Não sendo ainda possível tirar conclusões definitivas quanto ao impacto da referida
alteração legislativa importa com base no exemplo brasileiro considerar o impacto de uma
consagração expressa da figura da desconsideração no ordenamento jurídico nacional e,
em tal caso, a importância regular de forma clara as principais questões relacionadas com
a respetiva aplicação (maxime, o carácter excecional da figura e os respetivos requisitos
de aplicação).

Palavras-chave: sociedades comerciais de responsabilidade limitada; desconsideração


da personalidade jurídica; sistema jurídico nacional; sistema jurídico brasileiro.
.
Abstract
This dissertation is dedicated to the piercing of the corporate veil and its application
in both the national and the Brazilian legal system.
The figure under analysis has an exceptional nature as it implies a deviation to the
general rule regarding the responsibility of limited liability companies and does not
benefit from an express legal treatment under the national legal system. Consequently,
the piercing of the corporate vail raises several issues related to its application there being
a risk of abusive and case-by-case application by the Portuguese courts.
In the Brazilian legal system, the piercing of the corporate veil is provided for in
several special legal provision and in the civil code, the latter being more demanding in
what concerns the application requirements. Nevertheless, it is also possible to identify
in the decisions of the Brazilian courts and doctrine different quarrels regarding the figure
in question. Such difficulties regarding the piercing of the corporate veil led to the recent
amendment of article 50 of the Brazilian Civil Code.
Since it is not yet possible to draw definitive conclusions as to the impact of this legal
amendment, it is important, based on the Brazilian example, to consider the impact of a
possible legislative amendment by expressly establishing the piercing of the corporate
veil, in such case, the importance of clearly regulating the main issues related to its
application (maxime, the exceptional nature of the concept and the respective application
requirements).

Keywords: limited liability companies, piercing of the corporate veil, Portuguese legal
system, Brazilian legal system.
Índice
1. LISTA DE ABREVIATURAS.................................................................................................9

2. INTRODUÇÃO ................................................................................................................10

3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – O SEU ENQUADRAMENTO


JURÍDICO E EVOLUÇÃO ...................................................................................................................12

4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM PORTUGAL ..........................17

4.1. CONDUTAS SUSCETÍVEIS DE APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE


JURÍDICA (GRUPO DE CASOS) ....................................................................................................... 17

4.2. A APLICAÇÃO DO “INSTITUTO” DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA


JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA .................................................................................................... 24

5. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO .....................................................................................................................................27

5.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO E A SUA EVOLUÇÃO ............................................................. 27


5.2. A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA NO ÂMBITO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA ..................................................................................................................................... 30

5.3. A ALTERAÇÃO DO ARTIGO 50.º DO CÓDIGO CIVIL PELA LEI FEDERAL 13.784/2019 ............. 32

6. SÍNTESE COMPARATIVA DO “INSTITUTO” DA DESCONSIDERAÇÃO EM PORTUGAL E NO


BRASIL ......................................................................................................................................36

7. CONCLUSÃO ..................................................................................................................39

8. BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................42
1. LISTA DE ABREVIATURAS
Al. – Alínea.
Art.(s) – Artigo(s).
V. – Vide.
CC– Código Civil Português conforme aprovado pelo Decreto-lei n.º 47344/66, de 25 de
novembro e sucessivamente alterado.
Código Civil Brasileiro – Conforme aprovado pela Lei n° 3.071, no ano de 1916,
conforme sucessivamente alterado.
Cfr.- Conforme.
CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas conforme aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, conforme sucessivamente alterado.
CPC – Código de Processo Civil conforme aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho,
e sucessivamente alterado.
CSC – Código das Sociedades Comerciais conforme aprovado pelo Decreto-lei n.º
262/86, de 2 de setembro, e sucessivamente alterado.
N.º - Número.
STJ – Supremo Tribunal de Justiça.
V. – Vide.

9
2. INTRODUÇÃO
A presente dissertação versa sobre a desconsideração da personalidade jurídica1, figura
que se releva complexa e que, atendendo à respetiva ratio e às questões suscitadas pela
respetiva aplicação e que são suscetíveis de ter impacto no tecido económico e
empresarial nacional importa analisar.
Para o efeito, e tendo presente a tradição que tal figura tem no ordenamento jurídico
brasileiro, importa contrapor o seu tratamento no ordenamento jurídico nacional ao
regime legal brasileiro com vista a assim compreender se e em que medida as soluções
vigentes no ordenamento jurídico nacional deveriam ser revistas.
Assim, comprometemo-nos a explorar a figura da desconsideração da personalidade
jurídica e a comparar a aplicação do mesmo em Portugal com o regime brasileiro.
Para chegarmos a uma resposta mostra-se essencial num momento prévio analisarmos
o tratamento da figura em ambos ordenamentos jurídicos, análise essa que se divide em
dois capítulos.
Olharemos primeiro para o ordenamento jurídico português, analisando o seu
enquadramento e a sua evolução histórica. Observaremos, ainda, os grupos de casos onde
tipicamente a aplicação da figura se suscita, isto é, tentaremos perceber quais as condutas
suscetíveis (pelo menos, de acordo com parte da doutrina) de fundamentar a aplicação da
figura da desconsideração da personalidade jurídica. Num ponto ulterior, iremos analisar
a aplicação da mesma no seio da jurisprudência nacional.
Posteriormente, veremos como é tratada a figura da desconsideração da personalidade
jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em conta, nomeadamente, o seu
enquadramento jurídico e a sua correspondente evolução histórica, e a aplicação da
mesma na jurisprudência brasileira.
Considerando a alteração promovida em 2019, dedicaremos, ainda, um capítulo
autónomo a tal iniciativa legislativa e ao novo artigo 50.º do Código Civil Brasileiro.

1
Desde já justificamos a escolha desta terminologia por ser a adotada pela maioria da doutrina,
nomeadamente, por Maria de Fátima Ribeiro (A tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a
“Desconsideração da Personalidade Jurídica” Almedina, 2016, p. 67), por Jorge Coutinho de Abreu
(Curso de Direito Comercial, vol. II – Das Sociedades, Coimbra: Almedina, 2009, p. 176). Em sentido
diverso veja-se o defendido por António Menezes Cordeiro (O Levantamento da Personalidade
Colectiva no Direito Civil e Comercial, Coimbra: Almedina, 2000, p. 102-103) que defende o uso da
terminologia “levantamento da personalidade jurídica”, “por se tratar de uma locução neutra, conforme
com o toar da língua portuguesa e que pode, convencionalmente, ser preenchida com qualquer
significado jurídico”. Acresce referir que, a “desconsideração da personalidade jurídica” é a
terminologia usada e consagrada no ordenamento jurídico brasileiro.

10
Atendendo ao exposto nos capítulos precedentes, tentaremos, por fim, elaborar uma
síntese comparativa dos dois ordenamentos jurídicos com vista a procurar perceber,
considerando a jurisprudência nacional e brasileira, qual o impacto – positivo e /ou
negativo – das divergências existentes.
Importa notar que na presente dissertação apenas será abordada a aplicação da figura
da desconsideração da personalidade jurídica no contexto de casos de responsabilização
direta dos sócios perante os credores da sociedade comercial visada. Cumpre esclarecer
que no âmbito da aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica existe
uma divisão entre dois grupos de casos, sendo que apenas iremos abordar um deles. Essa
divisão foi efetuada pela doutrina alemã, a qual designou, o primeiro grupo de casos,
como Zurechnungsdurchgriff, que diz respeito aos casos de imputação, e o segundo grupo
como Hafttungsdurchgriff, o qual diz respeito aos casos de responsabilização (sobre o
qual nos debruçamos nesta dissertação).2 Essencialmente, a diferença entre ambos,
prende-se essencialmente com o facto de os casos de imputação não se traduzirem na
responsabilização dos sócios para a satisfação dos credores sociais, a nível patrimonial,
ao contrário dos casos da responsabilidade. Aliás, na imputação, como a própria
denominação indica, imputa-se certas ações, conhecimentos dos sócios à sociedade ou da
sociedade aos sócios.

2
V. Jorge M. Coutinho de Abreu, “Diálogos com a jurisprudência, II - Responsabilidade dos
administradores para com os credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, in Direito
das Sociedades em revista, ISSN 1647-2586, ano 2 vol. 3, março de 2010, p. 55.

11
3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – O
SEU ENQUADRAMENTO JURÍDICO E EVOLUÇÃO
A figura da desconsideração da personalidade jurídica surgiu em meados do século
XIX nos Estados Unidos da América e desenvolveu-se posteriormente na Europa,
principalmente na Alemanha3.
Entre nós, a figura da desconsideração da personalidade jurídica não tem previsão legal
expressa. Se, por um lado, tal circunstância gera bastante controvérsia em torno da
respetiva aplicação, por outro, proporciona um enriquecimento doutrinal que poderia,
eventualmente, não existir (ou pelo menos não ter semelhante desenvolvimento) caso a
figura em apreço se encontrasse protegida e tipificada no ordenamento jurídico-nacional.
A análise desta figura e da respetiva aplicação no ordenamento jurídico nacional
remonta a 19454 e foi desencadeada por Ferrer Correia. Desde então, a doutrina tem vindo
a debater-se sobre a desconsideração da personalidade jurídica, figura objeto de grande
discórdia, o que justifica a ausência de uma definição assente e uniforme que caracterize
este mecanismo. Tendo o exposto em consideração, vejamos as principais definições
defendidas na doutrina nacional.
Para Coutinho de Abreu a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades
comerciais corresponde à “derrogação ou não observância da autonomia jurídico-
subjetiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respetivos sócios” 5.
Segundo Maria de Fátima Ribeiro trata-se de “uma operação pela qual a personalidade
jurídica de uma pessoa coletiva é afastada, retirada” tendo como principal objetivo
“desconstruir ou evitar consequências que decorrem da afirmação da autonomia jurídica
da pessoa coletiva” 6.
Já Catarina Serra entende que o conceito em análise deve ser aplicado quando “o sócio
ou sócios tratam e dispõem da sociedade e do património social como se fosse “coisa
própria” (e vice-versa)”7.

3
V. José Engrácia Antunes, “Direito das Sociedades”, 7ª ed. Edição do autor, 2017., p. 224 e ss.
4
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 300 e ss.
5
V. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “Curso de Direito Comercial”, Volume II, 7ª ed., Almedina,
2021, p. 176.
6
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 67 a 69.
7
V. Catarina Serra, “Desdramatizando o afastamento da personalidade jurídica (e da autonomia
patrimonial)”, in Julgar, n.º 9, 2009, p. 112.

12
Outros autores sustentam, no entanto, uma posição mais restritiva quanto à aplicação
da figura e da respetiva função. Nessa senda, importa considerar o entendimento
defendido por José Engrácia Antunes que passamos a citar “ sem a consagração deste
mecanismo o mesmo não poderá ser aplicado, pois gera um elevado grau de incerteza que
resulta de “uma “técnica” cuja matriz, princípio operativo, regime e limites estão, afinal,
por definir com suficiente precisão”, sendo que apenas deverá ser aplicado quando a
ausência de normas legais expressas “tenha sido conscientemente ultrapassado[a] por um
sólido corpo de jurisprudência - o que não se vislumbra, hoje como outrora, nem dentro,
nem fora de portas”8.
No que respeita ao acolhimento deste “instituto” pela jurisprudência, tal apenas se
verificou mais tarde. De facto, só ultimamente é que se começou a abordar a figura de
forma expressa, sendo, no entanto, de notar que de acordo com Maria de Fátima Ribeiro
a desconsideração da personalidade jurídica é vista com crescente recetividade pela
jurisprudência, que se inicialmente revelava grandes cautelas quanto à respetiva
aplicação, cada vez mais, tende a tutelar os interesses dos credores sociais através da
respetiva aplicação9. Sem prejuízo do exposto, a mesma autora afirma ainda que “raras
vezes esse mecanismo é efetivamente aplicado no caso concreto” 10.
Conclui-se, assim, que no ordenamento jurídico nacional a figura da desconsideração
da personalidade jurídica resulta do trabalho desenvolvido pela doutrina e, mais
recentemente, pela jurisprudência sendo importante compreender o que lhe subjaz.
Como sabemos as sociedades comerciais possuem personalidade jurídica a partir do
momento em que se dá o registo definitivo do contrato pelo qual se constituem 11 sendo
cada sociedade “titular de um património próprio e distinto do património de todos os
outros sujeitos que com ela estão em contacto (designadamente, sócios, administradores,
credores)”12.
A autonomia patrimonial é, nas palavras de Engrácia Antunes 13, um traço fundamental
da personalidade jurídica das sociedades representando a garantia fundamental dos

8
V. José Engrácia Antunes, “Direito das Sociedades”, 7ª ed. Edição do autor, 2017., p. 227 e ss.
9
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 299.
10
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012,.p 311 e 312.
11
Cfr. Artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais.
12
V. José A. Engrácia Antunes, “Direito das Sociedades”, 7ª ed. Edição do autor, 2017, p. 259, nota de
rodapé 552.
13
V. José A. Engrácia Antunes, “Direito das Sociedades”, 7ª ed. Edição do autor, 2017, p. 259, nota de
rodapé 552.

13
credores (v. artigo 601º do CC) que podem promover a respetiva execução para satisfação
seus créditos sociais nos termos do artigo 735.º n.º 1 do CPC.
No entanto, o impacto no plano das relações sociais passivas varia de acordo como
tipo social sendo necessário distinguir as sociedades de responsabilidade ilimitada (i.e. as
sociedades em nome coletivo e as sociedades em comandita) que gozam de autonomia
patrimonial imperfeita respondendo os respetivos sócios (salvo os sócios comanditários)
a título pessoal e ilimitado pelas dívidas sociais e as sociedades de responsabilidade
limitada.
Quanto a estas últimas (i.e. as sociedades anónimas e as sociedades por quotas),
verifica-se uma autonomia patrimonial perfeita nos termos da qual, por princípio, a
responsabilidade dos sócios se encontra limitada ao valor da respetiva entrada.
Assim se conclui que, se por um lado, nas sociedades de responsabilidade ilimitada os
credores podem, em caso de necessidade, atuar sobre o património da sociedade e dos
respetivos sócios para satisfação dos respetivos créditos, por outro, nas sociedades de
responsabilidade limitada apenas o respetivo património social responde pelas dívidas.
Se a preocupação assegurada pela consagração de tal princípio é evidente do prisma
dos sócios, importa, por outro lado, atender às preocupações dos credores cujos créditos
não são, muitas vezes, ressarcidos em resultado de abusos praticados pelos membros dos
seus órgãos de direção/ administração e/ou os seus gerentes/ acionistas. Compreende-se,
assim, a delicada fronteira existente entre o princípio da limitação da responsabilidade e
a tutela dos credores sociais quando os respetivos interesses são postos em causa pela
conduta dos administradores e/ou sócios sendo relevante notar que o risco de uma conduta
abusiva se suscita, particularmente, nas sociedades por quotas uma vez que “facto de o
número de quotistas necessário para a constituição de uma sociedade por quotas poder
ser particularmente ser reduzido (...) potencia o perigo de lesão dos interesses dos
credores destas sociedades” 14.
Perante a necessidade de, a par com a consagração do princípio da limitação da
responsabilidade, atender à tutela dos credores, o nosso ordenamento jurídico estatui
alguns mecanismos de proteção dos seus legítimos interesses15 e, ainda, determinadas
exceções.

14
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 22.
15
Como por exemplo, o mecanismo previsto no artigo 78.º do CSC que consagra a responsabilidade
para com os credores socias; o artigo 84.º, 58.º, n.º1 al. B) e 58.º, n.º3 do CSC.

14
Entre essas situações de clara excecionalidade inscrevem-se os casos em que os sócios
das sociedades por quotas prevejam, a nível estatutário, a sua responsabilização pessoal
nos termos do artigo 198.º do CSC, os casos em que se verifique uma relação de grupo
nos termos dos artigos 491.º e 502.º do CSC, os casos de responsabilidade do sócio único
caso a sociedade se encontre falida e não hajam sido respeitadas as regras de separação
patrimonial (v. artigo 84.º do CSC) ou, segundo alguns autores e como adiante nos
propomos a analisar, quando perante determinadas circunstâncias se entenda ser de seguir
a via da desconsideração da personalidade jurídica.
Neste contexto, a desconsideração da personalidade jurídica não tendo previsão legal
expressa revela-se uma manifestação dos princípios gerais de direito, por contraposição
à “absolutização da autonomia da pessoa coletiva” 16, nomeadamente, o princípio da boa-
fé do instituto do abuso de direito17, de acordo com os quais a respetiva aplicação se
impõe de forma a garantir a tutela dos credores em situações desprovidas de amparo legal
específico.
Isto é, o princípio da separação patrimonial perfeita por ser suscetível de ser usado de
forma abusiva, conduzindo a existência de práticas condenáveis de instrumentalização da
sociedade para o proveito dos patrimónios e interesses pessoais dos sócios, necessita de
ser derrogado18.
Precisamente estarmos diante de situações desprovidas de amparo legal específico é
que a figura em análise deve ser considerada a título subsidiário, caso contrário, a
aplicação precária deste mecanismo poderia colocar em risco um outro princípio basilar
do direito das sociedades comerciais – o princípio da limitação da responsabilidade dos
sócios. Ou seja, como diria João Batista Machado “sempre que seja possível resolver um
problema dentro de quadros jurídicos mais precisos e rigorosos é metodologicamente
incorreto recorrer a quadro de pensamento de contornos mais fluídos”19.
Atendendo ao já referido carácter excecional os suprarreferidos mecanismos legais de
proteção dos credores - que, tal como Maria de Fátima Ribeiro defende e alerta, poderão

16
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Notas sobre a natureza da personalidade jurídica das pessoas coletivas”,
in Book Revista DSR, n. 16, indb, 2016, p. 80.
17
Sobre esta matéria pode confrontar-se, com diversas indicações, António Menezes Cordeiro, “O
Levantamento da Personalidade Coletiva” No direito Civil Comercial, Coimbra: Almedina, 2000, p. 83
e ss.
18
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de março de 2020, processo 14744.18.7T8LSB-
A.L1-2, relatora Gabriela Cunha Rodrigues, disponível em: https://bit.ly/3MpC05X.
19
V. João Batista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 9.ª reimpressão,
Coimbra: Almedina, 1996, p. 199.

15
conduzir ao resultado que se visa alcançar por meio da desconsideração da personalidade
jurídica - devem ser aplicados em detrimento da aplicação da figura supletiva da
desconsideração 20.
Nesse mesmo sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que onde
se afirma a subsidiariedade do recurso à chamada desconsideração da personalidade
jurídica, designadamente se as pretensões dos credores sociais ou dos sócios puderem ser
satisfeitas através do recurso a institutos jurídicos legalmente consagrados” 21.

20
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas...” cit., p. 67.
21
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-03-2020, processo 14744.18.7T8LSB-A. L1-
2, relatora Gabriela Cunha Rodrigues, disponível em: https://bit.ly/3ITeqfJ

16
4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM
PORTUGAL

4.1. CONDUTAS SUSCETÍVEIS DE APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA (GRUPO DE CASOS)

Cumpre, neste capítulo, analisar a aplicação da figura da personalidade jurídica no seio


do grupo de casos de responsabilização, designado pela doutrina alemã como
Hafttungsdurchgriff. Em relação ao qual, “a regra da responsabilidade limitada (ou da
não responsabilidade por dívidas sociais) que beneficia certos sócios (de sociedades por
quotas e anónimas, nomeadamente) é quebrada”22.
Uma vez explicitado que a figura da desconsideração da personalidade jurídica das
sociedades comerciais visa tutelar os interesses dos credores das sociedades comercias
cumpre analisar em que casos “se entende que o comportamento dos sócios deve
corresponder a perda do benefício da limitação da responsabilidade” 23.
Vejamos então quais as condutas suscetíveis de conduzir à aplicação da figura da
desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do grupo de casos de
responsabilidade, por referência aos quais a doutrina e a jurisprudência tem
tradicionalmente problematizado a aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica em quatro grupo de casos24, sendo eles: a) caso do controlo da sociedade por um
sócio; b) caso da subcapitalização material da sociedade; c) caso relativo a “mistura de
patrimónios” e, ainda, d) caso da descapitalização.25 Neste grupo de casos de
responsabilidade é percetível a predominância do abuso do direito, o que sucede quando
os sócios “utilizem o «instituto» sociedade-pessoa coletiva (em princípio com autonomia

22
V. Jorge M. Coutinho de Abreu, “Diálogos com a jurisprudência, II - Responsabilidade dos
administradores para com os credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, in Direito
das Sociedades em revista, ISSN 1647-2586, ano 2 vol. 3, março de 2010, p. 55.
23
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012. p.520.
24
Nem todos os autores reconhecem a existência destes quatro casos, nomeadamente, António Menezes
de Cordeiro (O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial, Coimbra:
Almedina, 2000, p.116) que reconhece a confusão de esferas jurídicas, a subcapitalização e o atentado
a terceiros e o abuso da personalidade; Por sua vez, Pedro Cordeiro (A desconsideração da
personalidade jurídica das sociedades comerciais, 3a ed., Universidade Lusíada, 2008, p. 104 e 105)
identifica o caso da subcapitalização e da mistura de patrimónios, sendo que para este os demais casos
encontram solução legal.
25
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p. 525.

17
patrimonial perfeita) não (ou não tanto) para satisfazer interesses de que ele é
instrumento, mas para desrespeitar interesses dos credores da sociedade”26.

A) Caso do Controlo da sociedade por um sócio


O controlo de uma sociedade por um sócio/acionista não prejudica por si só os
interesses dos seus credores, aliás, o CSC prevê no seu artigo 270.º-A a constituição de
uma sociedade unipessoal, que como o próprio nome indica é constituída por um sócio
único que exerce o controlo da sociedade. A questão apenas se coloca quando o sócio de
uma sociedade adota comportamentos que possam ameaçar os interesses dos seus
credores27. Em tal cenário é necessário analisar a possibilidade de recorrer aos
mecanismos de tutela dos interesses dos credores expressamente previstos na lei,
nomeadamente ao mecanismo da sub-rogação dos credores sociais à sociedade previsto
para as situações em que o sócio ser simultaneamente gerente e o artigo 78.º do CSC seja
aplicável.
Se o sócio não for gerente, mas puder ser considerado socio único de facto poderá ser
equacionada a aplicação do artigo 84.º do CSC. Só se a situação não beneficiar de
proteção ao abrigo das soluções suprarreferidas importa atender ao artigo 80.º do CSC
nos termos do qual “as disposições respeitantes à responsabilidade dos gerentes ou
administradores aplicam-se a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de
administração”. Realizando uma interpretação extensiva deste preceito, podemos
concluir que as disposições respeitantes à responsabilidade dos administradores também
devem ser aplicadas aos sócios que detenham direta ou indiretamente funções de
administração28 o que nos dará abertura para que possamos aplicar o artigo 78.º do CSC
num contexto mais alargado.
No caso das sociedades unipessoais não faz sentido, atendendo ao seu carácter
subsidiário, discutir a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica estando os
credores tutelados pelo disposto na lei, nomeadamente, pelo disposto no artigo 270.º-F
do CSC.

26
V. Jorge M. Coutinho de Abreu, “Diálogos com a jurisprudência, II - Responsabilidade dos
administradores para com os credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, in Direito
das Sociedades em revista, ano 2 vol. 3, março de 2010, p.56.
27
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p. 526.
28
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p.258 e 259.

18
No entanto, há quem defenda neste grupo de casos a aplicabilidade do mecanismo da
desconsideração da personalidade jurídica, em particular, Armando Triunfante e Luís
Triunfante indicam que “pode ser encontrado numa decisão jurisprudencial alemã já
clássica, segundo a qual adquirente, sócio único, da sociedade vendedora não pode
invocar, em seu benefício, uma eventual boa-fé registral”. Além disso, estes autores
alertam com base na interpretação da decisão alemã que não chega o abuso da
personalidade e a confusão de pessoas, sendo necessário e imperioso que a conduta reflita
“uma ação contrária a normas ou princípios gerais e acarrete o prejuízo de terceiros” para
que o mecanismo seja aplicado29.
Podemos, ainda, defender a desconsideração da personalidade jurídica nos casos em
que se forma uma relação de domínio. Sendo que, estas relações verificam-se quando
uma sociedade pode exercer sobre outra sociedade uma influência dominante30, porém,
visto que o “instituto” da desconsideração da personalidade jurídica é de natureza
subsidiária, não devemos aplicá-lo sem primeiro verificar se a tutela dos credores da
sociedade poderá ser acutelada pelas regras que consagram a responsabilidade dos
membros dos órgãos de administração (artigos 72.º e seguintes do CSC)31, assim como,
pelo artigo 83.º do CSC que estabelece a responsabilidade solidária do sócio
controlador32.

B) Caso da Subcapitalização material da Sociedade


Esta alínea trata os casos em que se entende que os sócios constituíram a sociedade
aportando à mesma um valor manifestamente inferior ao que seria necessário para
suportar a atividade que se pretende que seja objeto da respetiva atividade da sociedade
transferindo, desta forma, o risco do negócio para os credores. Dito de outra forma,
“quando os sócios não dotam a sociedade, directa ou indirectamente, dos meios de
financiamento necessários para a prossecução da actividade que constitui o seu
objecto”33.

29
V. Armando Manuel Triunfante e Luís de Lemos Triunfante, “Desconsideração da Personalidade
Jurídica - Sinopse doutrinária e jurisprudencial”, in Julgar, N.9 - 2009, p.136.
30
Cfr. artigo 486.º do CSC.
31
V. Jorge M. Coutinho de Abreu, “Diálogos com a jurisprudência, II - Responsabilidade dos
administradores para com os credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, in Direito
das Sociedades em revista, ISSN 1647-2586, ano 2 vol. 3, março de 2010, p 63 e 64.
32
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p.526.
33
V. Maria de Fátima Ribeiro e Rui Pereira Diais, “Desconsideração da personalidade jurídica de
sociedade brasileira por tribunal brasileiro, para responsabilização de sócios portugueses” - Acórdão do

19
Podemos, neste contexto, distinguir dois sub-casos, designadamente (i) a
subcapitalização material originária – relativa a casos em que o capital é manifestamente
insuficiente desde o momento em que a sociedade foi constituída e (ii) a subcapitalização
material superveniente – relativa a casos em que a insuficiência de capital se verifica após
a constituição da sociedade, particularmente, em casos de alteração do objeto social sem
a correspondente atualização do capital social que se torna, consequentemente,
insuficiente.
Em ambos os casos o risco é transferido dos sócios para os credores. Neste âmbito,
Paulo de Tarso Domingues defende a existência de uma lacuna na lei quanto à tutela dos
credores e, consequentemente, que os seus interesses apenas podem ser satisfeitos através
da aplicação desconsideração da personalidade jurídica 34.
Todavia, há quem argumente em sentido contrário que não existe lacuna legal uma
vez que o legislador claramente dispôs na lei que os sócios de uma sociedade por quotas
são livres de estipular o capital social mínimo que entenderem35. Em igual sentido,
acresce referir que também para tais situações existem mecanismos expressamente
previstos na lei com vista à tutela dos interesses dos credores, nomeadamente, a obrigação
dos administradores apresentarem a sociedade à insolvência sobre pena da insolvência
ser qualificada como culposa. A qualificação da insolvência como culposa encontra-se
prevista no artigo 186.º do CIRE, sendo que as consequências de tal qualificação resultam
do artigo 189.º do CIRE nos termos do qual as pessoas condenadas (maxime, os
administradores condenados) são condenadas a indemnizar os credores no montante dos
créditos não satisfeitos.
Maria de Fátima Ribeiro entende que o recurso à desconsideração da personalidade
jurídica para este tipo de casos “não se apresenta como via adequada para a tutela dos
seus credores”, com base em dois fundamentos: a “ausência de imposição legal de
dotação de um capital mínimo adequado ao objecto da sociedade implica a inexistência
de lacuna carecida de preenchimento ao nível da responsabilidade”; e “falta de rigor
dogmático a insegurança e o casuísmo no recurso a este mecanismo são fragilidades que
prometem a eficiência de uma solução deste teor, sobretudo quando se põe em causa um

Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de junho de 2014, Proc. 93/13, in Direito Privado, n.º 49
janeiro/março, 2015, p. 60.
34
V. Paulo Tarso Domingues “Do Capital Social, Noção, Princípios e Funções”, Coimbra: Coimbra
editora,1998, p.232.
35
De acordo com o artigo 201.º do CSC, o montante do capital social nas sociedades por quotas é
livremente fixável.

20
dos pilares do instituo sociedade por quotas” se caracteriza por ser o da limitação da
responsabilidade dos sócios36.

C) Caso da “Mistura de Patrimónios”


Verifica-se uma “mistura de patrimónios” quando os sócios da sociedade não
respeitem a separação patrimonial entre o seu património pessoal e o património da
sociedade37. António Menezes Cordeiro, expõem que neste tipo de casos se verifica
“confusão de esferas jurídicas, quando, por inobservância de certas regras societárias ou,
mesmo, por decorrências puramente objetivas, não fique clara, na prática, a separação
entre o património da sociedade e do socio ou sócios” 38.
Neste grupo de casos a doutrina maioritária, nomeadamente Maria de Fátima
Ribeiro39, vem defendendo a aplicação da figura da desconsideração da personalidade
jurídica quando os sócios, com um intuito usurpador, utilizam o património da sociedade
para proveito próprio prejudicando, assim, os credores da sociedade. Situações em que
não se respeitem as regras “que impõem a existência de uma contabilidade organizada e
transparente (...), é impossível, por esses meios, reintegrar o património da sociedade, até
porque se ignora o que deve integrá-lo”40.
Em semelhante sentido o Supremo Tribunal de Justiça prevê no acórdão de 19 de junho
de 201841 não bastar a existência de uma situação de confusão de esferas patrimoniais
entre o sócio e a sociedade (v.g. transferência de montantes da conta desta para a conta
pessoal daquele) sendo concomitantemente necessário que se demonstre o prejuízo e o
nexo de causalidade entre este e a conduta desrespeitosa da autonomia patrimonial.
Portanto, tem-se entendido que existem meios legais que tutelam os interesses legais da
sociedade e dos seus credores sociais sempre que estejam em causa casos isolados e

36
V. Maria de Fátima Ribeiro “O capital Social das Sociedades Por Quotas e o Problema da
Subcapitalização”, p. 57 e 58 in “Capital Social Livre e Ações sem Valor Nominal” AA.VV., Almedina,
2011.
37
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 260.
38
V. António Menezes Cordeiro “Manual de direito das Sociedades, Das sociedades em geral”, Vol.1,
2, Almedina, 2007, p. 384.
39
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 263.
40
V. Maria de Fátima Ribeiro e Rui Pereira Diais, “Desconsideração da personalidade jurídica de
sociedade brasileira por tribunal brasileiro, para responsabilização de sócios portugueses” - Acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de junho de 2014, Proc. 93/13, in Direito Privado, n.º 49
janeiro/março, 2015, p. 62.
41
Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2018, processo 446/11.9TYL.SB.
L1.S1, relatora Graça Amaral, disponível em: https://bit.ly/3vMYDv3 .

21
reconhecíveis “v.g., o recurso aos chamados meios de conservação do capital social”,
entre outros, como, “a declaração de nulidade ou a impugnação pauliana de tais actos” 42.
Sem dúvida que a autonomia patrimonial é, como já referido, um traço fundamental
da personalidade jurídica das sociedades, contudo, seria abusivo que os sócios
invocassem a autonomia do património social uma vez que foram os próprios sócios que
motivaram a perda de autonomia.

D) Caso da “descapitalização da sociedade”


A doutrina portuguesa tem entendido estar perante um caso de descapitalização
quando os administradores de uma sociedade (tipicamente em crise), por iniciativa
própria ou em obediência a uma deliberação dos sócios, transferem o património da
sociedade para de um dos sócios ou até para outra sociedade constituída pelos mesmos
sócios e/ou administradores. Nestes casos, são geralmente transferidos para a esfera do(s)
sócio(s) ou da nova sociedade bens que se mostravam essenciais para a prossecução do
objeto social da sociedade descapitalizada, como, por exemplo, os seus trabalhadores,
meios de produção e até clientela.
O objetivo desta operação será transferir os bens para outra personalidade jurídica que
esteja livre das responsabilidades creditícias que oneram a sociedade originária, o que
gera o incumprimento das obrigações da referida sociedade por ausência de meios.
Segundo Paulo de Tarso Domingues “deve também aplicar-se a desconsideração da
personalidade jurídica, nos termos para a descapitalização manifesta”43.
Portanto, para este tipo de casos só se justifica a aplicação da desconsideração “pelo
facto de os sócios, pretendendo dar seguimento ao projecto de exploração daquela
actividade empresarial, em vez de continuarem a investir na empresa societária em
dificuldades (…), a abandonarem à sua sorte para iniciarem outro projecto, em tudo
idêntico”44.

42
V. Maria de Fátima Ribeiro e Rui Pereira Diais, “Desconsideração da personalidade jurídica de
sociedade brasileira por tribunal brasileiro, para responsabilização de sócios portugueses” - Acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de junho de 2014, Proc. 93/13, in Direito Privado, n.º 49
janeiro/março, 2015, p.62.
43
V. Paulo de Tarso Domingos “O Novo Regime do Capital Social nas Sociedades por Quotas”, in
Direito das Sociedades em Revista, volume 6, ano 3, 2011, p.118.
44
V. Maria de Fátima Ribeiro e Rui Pereira Diais, “Desconsideração da personalidade jurídica de
sociedade brasileira por tribunal brasileiro, para responsabilização de sócios portugueses” - Acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de junho de 2014, Proc. 93/13, in Direito Privado, n.º 49
janeiro/março, 2015, p.61.

22
Contudo, também nesta sede importa atender ao carácter subsidiário da figura e
confirmar se não estarão expressamente previstas na lei formas de tutela dos interesses
dos credores. Vejamos.
Maria de Fátima Ribeiro coloca em evidência que, por um lado, todos os atos
desnecessários para a persecução do interesse (lucrativo) da sociedade violam a norma
vertida no artigo 6.º do CSC e, por outro lado, por se tratar de atos nulos, os credores, nos
termos do disposto no artigo 605.º do CC, possuem legitimidade para arguir a nulidade
de tais atos45.
No caso de o ato ser conveniente ao objeto da sociedade, os credores também podem
arguir a sua nulidade, desde que ponha em causa a consistência do património social e o
torne insuficiente para a satisfação dos credores da sociedade recorrendo à impugnação
pauliana prevista nos termos do artigo 610.º do CC 46. Já se os administradores
distribuírem ilicitamente os bens aos sócios pode-se questionar a aplicação do disposto
nos artigos 31.º e seguintes do CSC, sendo que o artigo 34.º prevê a restituição desses
bens à sociedade.
Para além do suprarreferido, perante uma violação por parte do administrador do
princípio da especialidade do fim nos termos do artigo 6.º do CSC os credores poderão
ainda, dependendo das especificidades do caso, recorrer à ação direta prevista no artigo
78.º, número 1 do CSC. Cenário em que à responsabilidade dos administradores poderá
acrescer a responsabilidade solidaria dos sócios nos termos do artigo 83.º do CSC 47.
Além das medidas consagradas no CC e no CSC, os credores podem, ainda, procurar
proteção ao abrigo pelos princípios consagrados no Código da Propriedade Industrial,
nomeadamente, do regime fixado no seu artigo 317.º, visto que, no contexto destes casos
se verificam muitas vezes atos de concorrência desleal48.
Por último, importa também considerar nesta sede o supra referido a respeito dos
artigos 186.º e 189.º do CIRE.

45
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p. 547.
46
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p. 548 e 549.
47
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p.550.
48
V. Maria de Fátima Ribeiro, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p. 549.

23
Pode assim defender-se que perante um caso de descapitalização, os credores
beneficiam de proteção ao abrigo de diferentes mecanismos legais o que dispensa a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

4.2. A APLICAÇÃO DO “INSTITUTO” DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA NA JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA

Apesar dos avanços anteriormente verificados a nível doutrinal, a jurisprudência


nacional apenas se começou a deter expressamente sobre a desconsideração da
personalidade jurídica na última década o que fez com vista a “cercear formas abusivas
de atuação que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema” 49.
Importa, a título inicial, considerar a desconfiança originalmente demonstrada por
alguns tribunais nacionais quanto à aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica atendendo à falta de rigor dogmático, à falta de previsão legal e às divergências
existentes na doutrina quanto aos requisitos de que depende a respetiva aplicação.
Nesse sentido, veja-se o disposto no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3
de novembro de 2015, onde o tribunal concluiu que a “concreta atuação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica de sociedades ainda padece de falta de rigor
dogmático, desde logo porque não apela “diretamente” a concretas normas jurídicas”,
criticando o facto de se fundamentar esta figura através de “ princípios, como os da boa-
fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida
personalidade”. Além disso, criticando a divergência doutrinal, o referido tribunal
acrescentou que a figura “é controversa, porquanto se manifestam entendimentos não
inteiramente convergentes quanto à formulação dos respetivos requisitos”, o que faz com
que, aliada à falta de expressão legal desta figura, os tribunais não tenham ao seu dispor
uma ciência exata que os oriente50.
Sem prejuízo do disposto, importa, em particular, considerar o entendimento do
Supremo Tribunal de Justiça51 quanto à aplicação da figura sob júdice. Do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 3 de julho de 2013 resultam duas considerações
fundamentais. A circunstância desta figura resultar da aplicação dos princípios gerais de

49
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de julho de 2013, processo
943/10.8TTLRA.C1, relator Felizardo Paiva, disponível em: https://bit.ly/3tzPnHX .
50
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de novembro de 2015, processo
136/14.0TBNZR.C1, relator Alexandre Reis, disponível em: https://bit.ly/3HMAp6x .
51
Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2018, processo
446/11.9TYLSB.L1.S1, relatora Graça Amaral, disponível em: https://bityli.com/hDVDm .

24
direito, nomeadamente do princípio da boa-fé, e de, na ausência de preceitos legais que
expressamente regulem a respetiva aplicação, implicar uma aplicação primordialmente
casuística, revestindo carácter subsidiário52.
Importa, complementarmente, ter presente o trabalho desenvolvido por parte da
jurisprudência nacional na ponderação dos requisitos tidos por indispensáveis à aplicação
da figura.
O Tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de 23 de outubro de 2018, considerou
que o uso da figura do levantamento da personalidade jurídica, “não se basta com a
verificação do prejuízo do credor”, considerando ser “indispensável a prova do nexo de
causalidade entre este e a conduta desrespeitosa da autonomia patrimonial,
designadamente a falta de liquidez da sociedade e a impossibilidade de solver os credores
sociais”53.
Ainda a respeito da aplicação da aplicação da figura, a respeito da qual Maria de
Fátima Ribeiro nota uma crescente recetividade por parte dos tribunais nacionais, veja-se
o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de novembro de 2017, de acordo com o
qual, quando violados os princípios gerais do direito, tal como o da boa-fé e do abuso de
direito, com o objetivo de obter interesses estranhos e alheios ao fim do escopo social da
sociedade, instrumentalizando a personalidade jurídica da mesma, mostra-se essencial a
admissão do remédio do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Contudo,
tal só pode ser considerado depois de uma ponderação do caso concreto, para que depois
se possa, legitimamente, responsabilizar os sujeitos que controlam a sociedade 54.
Cumpre, por fim, referir que de acordo com a supracitada autora55, sem prejuízo
da crescente recetividade por parte dos tribunais nacionais, nem sempre o mecanismo
chega a ser aplicado sendo possível notar com base na jurisprudência mais recente que os
tribunais tendem a recorrer à figura da desconsideração quando “está em causa a
responsabilização dos sócios para suprir a sua insuficiente fundamentação”. Perante tal
cenário Maria de Fátima Ribeiro adverte para o risco de a figura ter como principal

52
Em semelhante sentido, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de março de 2020,
processo 14744.18.7T8LSB-A.L1-2, relatora Gabriela Cunha Rodrigues, disponível em:
https://bityli.com/iQyNr ; e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de novembro de 2015,
processo 136/14.0TBNZR.C1, relator Alexandre Reis, disponível em: https://bit.ly/3HMAp6x.
53
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de outubro de 2018, processo
1669/14.4TBSTS.P1, relatora Maria Cecília Agante, disponível em: https://bit.ly/3vMDilq.
54
Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de novembro de 2017, processo
919/15.4T8PNF.P1.S1, relator Alexandre Reis, disponível em: https://bit.ly/3pKnsUu.
55
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p.299.

25
utilidade dispensar o tribunal da “análise e aplicação escrupulosa dos meios que resultam
da legislação vigente para obter um resultado igualmente satisfatório”. É, assim,
importante estar atento ao risco de aplicar em demasia a figura da desconsideração da
personalidade jurídica, designadamente sem antes recorrer a outras soluções por forma a
respeitar a respetiva natureza subsidiária e excecional.

26
5. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

5.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO E A SUA EVOLUÇÃO


Importa, nesta sede, analisar de que forma a figura da desconsideração da
personalidade jurídica é aplicada e utilizada no ordenamento jurídico brasileiro, para que,
posteriormente, possamos fazer uma comparação face ao ordenamento jurídico nacional.
Ao contrário do que acontece em Portugal, o ordenamento jurídico brasileiro consagra
legalmente o “instituto” da desconsideração da personalidade jurídica.
O Código Civil Brasileiro de 1850, veio legislar sobre as sociedades comerciais,
porém, não fez menção à personalidade jurídica das mesmas, sendo que à data da
respetiva elaboração do reconhecimento da personalidade jurídica das sociedades
comerciais era controvertido. Este desacordo doutrinal foi apaziguado pelo Código Civil
Brasileiro de 1919 que reconheceu a personalidade jurídica das sociedades comerciais e
consagrou o princípio da autonomia da pessoa jurídica, o que, à data, correspondeu a uma
considerável evolução do “instituto” do levantamento da personalidade coletiva56.
Outro grande passo terá sido o Decreto-Lei 3.708 de 1919 veio prever a possibilidade
de constituir sociedades de responsabilidade limitada, sem capital social mínimo, o que,
naturalmente, levou a um aumento considerável da utilização deste tipo de sociedade,
dado que a responsabilidade dos seus sócios ficou limitada à suas respetivas entradas,
fincando os credores sociais protegidos apenas por essa quantia pré-determinada57.
Esta transformação no âmbito do direito societário brasileiro sagrou a separação
patrimonial, reduziu o risco inerente à iniciativa empresarial e consequentemente
incentivou o investimento58.
Contudo, este princípio da separação patrimonial revelou-se gerador de problemas na
esfera jurídica dos credores das sociedades de responsabilidade limitada que viram o
ressarcimento dos seus créditos sociais limitado. Perante esta problemática, Rubens
Requião terá sido o primeiro autor brasileiro a apresentar como solução, numa

56
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 480.
57
V. Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p. 481.
58
V. Maria de Fátima Ribeiro, “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração
da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, p. 82.

27
conferência realizada em 1977, o levantamento da personalidade jurídica, tendo, de certa
forma, impulsionado o debate desta teoria pela doutrina brasileira59.
Rubens Requião defendeu a disregard douctrine, onde, perante casos de fraude e
abuso de poder da personalidade jurídica das sociedades, o juiz brasileiro tem o direito a
averiguar se “se deve desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago,
alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos”60.
Importa, entretanto, adicionalmente, considerar os aspetos que no entendimento de
Ana Frazão foram reforçados, explorados e aperfeiçoados pela doutrina brasileira
relativamente ao “instituto” da desconsideração da personalidade jurídica,
nomeadamente, (i) “a desconsideração, longe de pretender acabar com o “instituto” da
pessoa jurídica, teria a finalidade de aprimorá-lo e aperfeiçoa-lo”; (ii) “a desconsideração
apenas faria sentido em se tratando de sociedades personificadas, constituídas
validamente e com separação patrimonial perfeita”; (iii) a desconsideração teria por
finalidade principal a proteção dos credores sociais (...) como as hipóteses de
responsabilidade direta de sócios e administradores”; e, (iv) “o prossuposto da
desconsideração não seria qualquer ilicitude, mas sim uma ilicitude relacionada a
atividade societária, que se mostrasse incompatível com os prossupostos e funções da
personalidade jurídica”61.
A figura da desconsideração jurídica foi ganhando espaço de forma progressiva no
ordenamento jurídico brasileiro e em 1990, através do Código de Defesa do Consumidor
aprovado pela lei n. 8.078, de 11/09/1990, a figura sob judice foi, pela primeira vez,
tipificada, designadamente no seu artigo 28.º, nos termos do qual:

O juiz poderá́ desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade


quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será́ efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
§ 1o – (VETADO).

59
V. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de Direito Comercial, volume 2 16a ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p.
62.
60
V. José Amaldo de Oliveira e Vilmar Rego Oliveira, A desconsideração da Personalidade Jurídica
das Sociedades Comerciais, in Revista Brasileira de Direito Empresarial, e-ISSN:2526-0235, salvador,
v. 4, n.º1, p. 91 – 111, jan/jun de 2018, p. 95.
61
V. Ana Frazão Ana Frazão “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Tutela de Credores” in
Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no
Brasil”, Almedina, 2012, p.484.

28
§ 2o – As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades
controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes
deste Código.
§ 3o – As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste Código.
§ 4o – As sociedades coligadas só́ responderão por culpa.
§ 5o – Também poderá́ ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que
sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores.

Atendendo aos desenvolvimentos entretanto verificados importa explicitar que no


ordenamento jurídico brasileiro coexistem, atualmente, por referência à desconsideração
da personalidade jurídica a teoria maior e a teoria menor.
Nos termos da teoria maior, que corresponde à versão tradicional do “instituto” no
sistema jurídico brasileiro, para que a desconsideração da personalidade jurídica seja
aplicada não basta a mera prova de que a pessoa jurídica em causa não está apta ao
cumprimento das suas obrigações. É, ainda, necessário, fazer prova de insolvência,
demonstrar a existência de confusão patrimonial (teoria maior objetiva da
desconsideração) ou de desvio dos fins ou escopo para os quais a empresa foi constituída
(teoria maior subjetivista da desconsideração) 62.
Já nos casos em que a teoria menor se aplica basta provar que a pessoa jurídica em
causa se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações para com os seus
credores para que o “instituto” da desconsideração da personalidade jurídica seja
aplicado. Tal teoria encontra-se espelhada no n.º 5 do artigo 28.º do Código da Defesa do
Consumidor, o que gerou alguma controvérsia63.
Apesar das diversas críticas doutrinarias, o legislador brasileiro adotou igual solução
quanto a outros ramos de direito espelhando a teoria menor em outros diplomas especiais,
nomeadamente na Lei de Defesa da Concorrência64 e na Lei de Proteção ao Meio
Ambiente65.
Como vimos, esta figura foi sendo considerada e tipificada ao abrigo da teoria menor
em algumas leis especiais brasileiras. Contudo, só a partir da entrada em vigor do novo

62
Ana Frazão Ana Frazão “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Tutela de Credores” in Fábio
Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”,
Almedina, 2012, p. 492.
63
V. Fábio Ulhoa Coelho, “Curso de Direito Comercial”, vol.II, São Paulo, 2012, p. 34 e 35.
64
Cfr. Lei 8.884/94, de 11 de junho de 1994.
65
Cfr. Lei 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998.

29
Código Civil Brasileiro, em 200266, é que o direito brasileiro passou a consagrar a teoria
maior estatuindo no seu artigo 50º:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de


finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica

Contrariamente ao que se verificou relativamente aos regimes especiais, este artigo foi
bem acolhido pela doutrina. Calixto Salomão Filho refere-se ao artigo dizendo que este
“introduziu a definição de desconsideração da personalidade jurídica que contribui para
colocar a questão da desconsideração em moldes teóricos mais correntes” 67.
Sem prejuízo do exposto, não é possível deixar de notar que o artigo 50.º do Código
Civil Brasileiro, na sua redação original, deixou por resolver questões relevantes,
nomeadamente, quanto à responsabilidade dos sócios e administradores na eventual
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade que integram. Trata-
se de um tema pouco discutido no ordenamento jurídico brasileiro, mas de grande
relevância, e que, portanto, merece melhor reflexão68 sendo tratado infra a respeito do
capítulo 5.3. (A alteração do artigo 50.º do Código Civil pela Lei Federal 13.784/2019).

5.2. A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA NO ÂMBITO DA DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA

Antes de analisarmos as decisões proferidas no ordenamento jurídico brasileiro quanto


a este tema será relevante abordar as diferentes controvérsias processuais que foram alvo
de debate por parte da doutrina brasileira.
Esta divergência doutrinal surge quanto a diversas questões, nomeadamente, quanto
aos instrumentos processuais que podem ser utilizados, os momentos processuais em que
a desconsideração da personalidade jurídica pode ser suscitada, assim como o respeito

66
V. Ana Frazão “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Tutela de Credores” in Fábio Ulhoa
Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”, Almedina,
2012, p.488.
67
V. Ana Frazão “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Tutela de Credores” in Fábio Ulhoa
Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”, Almedina,
2012, p.488.
68
V. Ana Frazão “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Tutela de Credores” in Fábio Ulhoa
Coelho e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”, Almedina,
2012, p.513.

30
pelo princípio do contraditório. As discussões promovidas pela doutrina a respeito de tais
questões levaram o legislador brasileiro a prever nos artigos 62.º a 65.º no Código de
Processo Civil Brasileiro o chamado “incidente de desconsideração da personalidade
jurídica”.
Ao abrigo de tais normas o legislador brasileiro veio determinar que perante um caso
de abuso “o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir (...) que os efeitos
de certos e determinadas obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos
administradores ou dos sócios da pessoa jurídica” estabelecendo um prazo de 15 dias para
que os sócios ou administradores se possam defender e assegurar a produção de provas69.
Após esta breve introdução às regras processuais previstas no ordenamento brasileiro,
passemos agora à análise da aplicação do “instituto” pela jurisprudência brasileira.
O grande problema que se coloca quanto à aplicação deste “instituto” pelos tribunais
brasileiros será fundamentalmente a falta de rigor dos mesmos que, segundo alguns
autores, aplicam a teoria em demasia deixando de observar o caracter excecional da
desconsideração da personalidade jurídica.
Porém, há quem defenda, em sentido contrário, que a jurisprudência dos tribunais
estaduais e do tribunal de justiça superior tem vindo a ser cautelosa quanto a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica respeitando a sua excecionalidade 70. Nesse
sentido, tal jurisprudência tem tentado procurar aplicar a figura da desconsideração
jurídica com base em critérios legais, de forma que a mesma apenas se aplique em última
instância. Considera ainda que, o facto de a sociedade em questão não possuir à partida
bens no seu património, não é sinónimo de que se possa aplicar automaticamente a figura
em análise71.
As controvérsias suprarreferidas, encontram-se espelhadas no acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça Brasileiro que versa sobre uma decisão pela qual o tribunal estadual
confirmou a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica sem atender aos
requisitos impostos por lei, ou seja, não verificou se a situação em análise se inseria no
âmbito de aplicação do referido "instituto”. Ora ao apreciar a decisão de recurso especial

69
Ana Frazão “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Tutela de Credores” in Fábio Ulhoa Coelho
e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”, Almedina, 2012,
p. 479.
70
Ana Frazão “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Tutela de Credores” in Fábio Ulhoa Coelho
e Maria de Fátima Ribeiro “Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”, Almedina, 2012,
p. 500.
71
V. Andrade e Caliandro, 2010, p. 29, cit. Por Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro
“Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”, Almedina, 2012, p. 500.

31
o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu que, de facto, se deveria adotar, face à situação
em concreto, a teoria maior e que, portanto, teriam de se verificar os requisitos impostos
pelo artigo 50.º do Código Civil Brasileiro.
In casu, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que não se verificou um desvio da
finalidade da personalidade jurídica - abuso de direito -, ou uma confusão patrimonial da
sociedade para com os seus sócios, e, por isso, decidiu afastar o levantamento da
personalidade jurídica. Além do mais, pronunciou-se de forma crítica sobre a falta de
cuidado que o tribunal estadual demonstrou ao aplicar a desconsideração da
personalidade jurídica, salientando que se trata de uma medida extrema 72.
Ainda que o Supremo Tribunal de Justiça brasileiro tenha acabado por sanar a
aplicação inadequada do “instituto”, a verdade é que podemos concluir através da análise
do mesmo que, pelo menos, à respetiva data subsistiam divergências ao nível das decisões
jurisdicionais. Quanto ao quadro atual de aplicação da teoria maior importa considerar o
exposto no ponto seguinte.

5.3. A ALTERAÇÃO DO ARTIGO 50.º DO CÓDIGO CIVIL PELA LEI FEDERAL


13.784/2019
Dando continuidade ao supra exposto a respeito do enquadramento jurídico do
“instituto” da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico
brasileiro, em particular, às questões suscitadas a respeito da responsabilidade dos
administradores e dos sócios da sociedade, implicada, cumpre-nos explorar em que
medida é que estes sujeitos podem ser atingidos pela desconsideração, assim como os
requisitos que terão de ser preenchidos para que se possa verificar o alargamento da
referida responsabilidade. Apesar de, a nosso ver, ser uma questão extremamente
relevante, uma vez que trata de saber se todos os administradores e sócios podem ser
responsabilizados o tema em questão não foi amplamente debatido na doutrina. Ainda
assim, autores houve que trouxeram o tema a debate, como Caliandro e Andrade que
defendeu por referência à redação do artigo 50.º do Código Civil Brasileiro então em
vigor que “tendo em vista que o artigo 50.º não estabelece de forma expressa essa
consequência, cumpre considerar inexistente a solidariedade, em face da noção geral de
que a solidariedade não se presume”73. Na jurisprudência, podemos encontrar acórdãos

72
IBIDEM, nota 71.
73
V. Caliandro e Andrade, 2010, p,31, Cit. Por Fábio Ulhoa Coelho e Maria de Fátima Ribeiro
“Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil”, Almedina, 2012, p.504.

32
do Supremo Tribunal de Justiça em sentido contrário, defendendo que a desconsideração
abrange ilimitadamente todos os sócios da empresa independentemente de quem tivesse
incorrido no abuso, alegando para tal o dever de cada sócio supervisionar a gestão das
atividades da sociedade em causa.
O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, no seu acórdão74, quanto à
interpretação a dar ao artigo 50.º do Código Civil Brasileiro decidindo o seguinte:

“Tratando-se de regra de exceção de restrição ao princípio da autonomia


patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com
o artigo 50.º do código civil é a que relega a sua aplicação a casos extremos,
em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos,
configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão
patrimonial”.

No entanto, como já evidenciamos supra, as manifestações do Supremo Tribunal de


Justiça não implicam a aplicação uniforme do “instituto” pelos tribunais brasileiros, o que
provoca uma grande insegurança jurídica com possíveis repercussões no setor
económico.
Por todo o exposto, o legislador brasileiro decidiu alterar o artigo 50.º do Código Civil
Brasileiro. Para o efeito, em 20 de setembro de 2019 foi instituída a lei da liberdade
económica - Lei Nº 13.874 – que, entre outros, procedeu à alteração do artigo 50.º do
Código Civil Brasileiro. Com a referida alteração legislativa, o artigo 50.º passou a ter a
seguinte redação:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo


desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de
administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou
indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a
utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a
prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato
entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do
administrador ou vice-versa;

74
Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça brasileiro de 12 de dezembro de 2014, processo EREsp
1306553 SC 2013/0022044-4, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, disponível em:
https://bit.ly/3sSqnwF.

33
II -transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações,
exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à
extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos
de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da
finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

As principais questões resultantes da redação anterior resultavam do facto do conceito


de abuso ser um conceito indeterminado e do facto de não existir uma definição de
confusão patrimonial ou de desvio de finalidade. 75 Com a nova alteração, tal como é
visível acima, a lei passou a tratar expressamente a desconsideração da personalidade
jurídica como um "instituto” de carácter excecional - e, por isso, mais restrito -, definiu
os conceitos de confusão patrimonial e o desvio da finalidade determinando que somente
em casos de propósito claro de fraude poderá ser usado o património pessoal dos sócios
para saldar as dívidas da sociedade.
Ao prever quais os administradores e sócios devem efetivamente ser
responsabilizados, esta alteração passou a salvaguardar ocorrência de injustiças,
protegendo o sócio que não tirou proveito do uso indevido da pessoa jurídica, sócio esse
que não deve, consequentemente, ser responsabilizado pela conduta abusiva dos outros
sócios.
Quanto à expressão “indiretamente”, esta deve ser interpretada de forma ampla. José
de Castro Neves entende que “quem de alguma forma tirou vantagem do uso indevido da
personalidade jurídica fica suscetível de ter seu património vinculado a responder por
obrigações dessa pessoa” 76.
A nova redação do citado artigo 50.º ao determinar expressamente que o “instituto”
apenas deve ser aplicado em casos de desvio de finalidade e confusão patrimonial e uma
vez verificados dois requisitos: (i) que haja um benefício auferido pelos sócios e pelos

75
V. Edvaldo Pereira da Rocha, "A nova redação do artigo 50 do Código Civil, que trata da
Desconsideração da Personalidade Jurídica” - A nova redação advém da chamada "Lei da Liberdade
Econômica" (Lei 13.874/2019), in Jus.com.br, outubro de 2019, disponível em: https://bit.ly/3vNcqlw
.
76
V. José Roberto de Castro Neves, “A desconsideração da Personalidade Jurídica- O avesso do
Avesso.”, in Lei de Liberdade económica e seus impactos no direito Brasileiro/Luís Filipe Salomão,
rvb1ed são Paulo: Thomson Reuters Brasil ,2020, p 458.

34
administradores e (ii) a existência de nexo causal entre o abuso da personalidade jurídica
e tal benefício, clarifica e limita a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Importa, com efeito, considerar o impacto de tal alteração na jurisprudência brasileira,
designadamente face às divergências anteriormente assinaladas. De facto, as alterações
introduzidas parecem suscetíveis de contribuir para uma aplicação uniforme da
desconsideração da personalidade jurídica ao abrigo da teoria maior cumprindo, assim, o
respetivo desidrato ao reduzir o número de questões delegadas à análise casuística dos
tribunais e ao prever, de forma expressa, a natureza subsidiária da figura.
Veja-se nesse sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que nega o
provimento do recurso ao concluir que “não havendo a demonstração cabal da má-fé dos
sócios na utilização da personalidade jurídica da sociedade, bem como o desvio da
finalidade comercial, não há de se falar em desconsideração da personalidade jurídica” e
reitera que “a medida prevista no artigo 50.º do Código Civil se caracteriza pela
excecionalidade, não se podendo dela lançar mão em toda e qualquer hipótese, sob pena
de seu uso indiscriminado mitigar o instituto da separação entre o patrimônio da
sociedade e o de seus sócios” 77.

77
Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de 6 de dezembro de 2021, processo AI
0068739-88.2021.8.19.0000, relator Wilson do Nascimento Reis, disponível em: https://bit.ly/3MtBl3j.

35
6. SÍNTESE COMPARATIVA DO “INSTITUTO” DA
DESCONSIDERAÇÃO EM PORTUGAL E NO BRASIL
Uma vez analisado o enquadramento legal nacional e as principais normas legais
brasileiras relativas à figura da desconsideração da personalidade jurídica importa
comparar a prática vigente nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro,
identificando os pontos de convergência e divergência entre o tratamento dado a tal figura
em cada um dos ordenamentos referidos.
Partindo de um conceito fundamentalmente idêntico há que destacar como ponto de
convergência o carácter subsidiário da figura visto que, tanto no ordenamento jurídico
nacional como no brasileiro, está em causa um desvio à autonomia patrimonial perfeita
em benefício da tutela dos credores o que apenas se deverá verificar perante
circunstâncias excecionais. Trata-se, porquanto, de uma medida excecional que, por
princípio, só deverá ser aplicada em caso extremos e como medida de recurso subsidiário.
Já no que concerne os principais pontos de divergência nota-se, desde logo, uma
diferença assinalável no que concerne o enquadramento legal relevante já que no Brasil
a desconsideração da personalidade jurídica se encontra expressamente prevista em
diversos preceitos legais.
Entre os preceitos legais brasileiros destaca-se o regime do artigo 50 do Código Civil
Brasileiro que se pode entender como o preceito legal fundamental na matéria, visto que
se trata da regra geral a aplicar.
Além do civil, os preceitos em questão estendem-se a diferentes ramos do direito
brasileiro (v.g. direito laboral, direito societário, direito ambiental, direito dos
consumidores) definindo, por referência ao ramo de direito em apreço e aos seus traços
norteadores o que origina notórias diferenças, as circunstâncias em que a desconsideração
da personalidade jurídica deve ser aplicada e os requisitos de que depende tal aplicação.
O mesmo não se verifica no ordenamento jurídico nacional já que apesar da figura da
desconsideração da personalidade jurídica ser amplamente discutida pela doutrina e de se
verificar uma crescente recetividade dos tribunais quanto à sua aplicação a figura carece
de previsão legal expressa resultando dos princípios gerais de Direito.
No plano jurisdicional, importa, nesta sede, considerar a circunstância de a
jurisprudência nacional apenas se ter começado a deter expressamente sobre a
desconsideração da personalidade jurídica na última década revelando desconfiança
quanto à respetiva aplicação, em resultado, entre outros, da alegada falta de rigor

36
dogmático, da falta de previsão legal expressa e da divergência doutrinal quanto aos
requisitos de que depende a respetiva aplicação.
É certo que verificou, entretanto, uma evolução relevante sendo atualmente possível
identificar como entendimento mais comum da doutrina e na jurisprudência a
circunstância de a aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica
depender da verificação das seguintes condições: (i) um comportamento abusivo ou ilícito
de um ou mais sócios ou administradores; (ii) a existência de um crédito face à pessoa
coletiva; (iii) insuficiência patrimonial da pessoa coletiva e, por fim, (iv) a inexistência
de outro mecanismo previsto na lei que possa tutelar os interesses dos credores.
No entanto, como bem se pode compreender, tal densificação pela doutrina e pela
jurisprudência nacional, sendo relevante, não substitui a existência de corpo legal
expresso que trate o tema de forma sistemática e desenvolvida o que contribui para uma
maior incerteza e ambiguidade na aplicação da figura da desconsideração da
personalidade jurídica, figura essa que é, por si só atendendo ao equilíbrio que implica,
notoriamente complexa.
Importa também contrapor os pressupostos apontados pela lei brasileira para aplicação
do “instituto” em apreciação face aos apontados pela doutrina e pela jurisprudência
nacional, conforme suprarreferidos.
Em tal exercício destaca-se, desde logo, a circunstância de no ordenamento jurídico
brasileiro coexistirem dois regimes, designadamente a teoria maior e a teoria menor.
Em linha com o anteriormente exposto, a teoria maior encontra-se consagrada no
artigo 50.º do Código Civil Brasileiro nos termos do qual a desconsideração da
personalidade jurídica só pode ser aplicada mediante a verificação determinadas
condições em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio da
finalidade ou pela confusão patrimonial.
Entre a teoria maior e os pressupostos para a aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica comummente acolhidos pela doutrina e pela jurisprudência
portuguesa podem ser problematizados alguns pontos de divergência, porém, esta
divergência manifesta-se notoriamente quanto à teoria menor.
Ao abrigo da teoria menor prevista nos artigos 28.º n.º 5 do Código de Defesa do
Consumidor, 34.º da Lei da Concorrência e 4.º da Lei dos Crimes Ambientais a aplicação
da desconsideração da personalidade jurídica não implica a verificação de um abuso
específico caracterizado por um desvio da finalidade ou por confusão patrimonial.

37
Veja-se a título exemplificativo o regime fixado no artigo 28.º n.º 5 do Código de
Defesa do Consumidor Brasileiro ao prever que “poderá ser desconsiderada a pessoa
jurídica sempre que a sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados aos consumidores”. Não se revela assim necessário, no contexto
do âmbito de aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica pelo
Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, fazer prova da existência de uma situação
de abuso.
Trata-se, pois, de um ponto de clara divergência face ao entendimento preconizado
pela doutrina e pela jurisprudência nacionais que entendem que a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica se encontra dependente da verificação de uma
situação de abuso. Acresce destacar que a circunstância de ao abrigo da teoria menor não
ser necessário que se verifique uma situação de abuso facilita a aplicação do “instituto” 78.
Tal (maior) facilidade na aplicação do “instituto” poderá eventualmente justificar a
divergência existente quanto à expressão que a figura da desconsideração da
personalidade jurídica tem no Brasil e em Portugal já que, em termos relativos, se pode
denotar que a figura em questão tem expressão consideravelmente superior no Brasil
sendo aplicada com maior facilidade pelos tribunais brasileiros que, em alguns casos,
parecem, aliás e não obstante o texto legal, estender o respetivo âmbito de aplicação.
Ora se já quanto à jurisprudência nacional é possível defender que a figura da
desconsideração da personalidade jurídica tem vindo a ser indevidamente aplicada por
alguns tribunais nacionais, tal tendência podia ser observada com maior intensidade em
diferentes decisões dos tribunais brasileiro, pelo menos, até à alteração do artigo 50.º do
Código Civil Brasileiro promovida em 2019.
Apesar de ser necessário continuar a acompanhar a jurisprudência brasileira mais
recente relativa à desconsideração da personalidade jurídica para concluir, com maior
certeza, pelo impacto positivo da referida revisão legal, as alterações introduzidas
assemelham-se, pelo menos em termos teóricos e com base na jurisprudência entretanto
produzida, suscetível de contribuir para uma mais adequada e uniforme aplicação da
figura.

78
Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça brasileiro de 4 de dezembro de 2003, Recurso especial
n° 279.273 – SP, relator Ministro Ari Pargendler. Disponível em: https://bityli.com/ylFBc.

38
7. CONCLUSÃO
Com base na análise conduzida retiramos as seguintes conclusões:
• A desconsideração da personalidade jurídica é uma figura complexa e que se
releva suscetível de ter impacto no tecido económico e empresarial sendo,
portanto, relevante a analisar a forma como a mesma é tratada no ordenamento
jurídico nacional e que/se eventuais alterações, inspiradas no ordenamento
jurídico brasileiro, se poderiam revelar importantes;
• Entre nós, a desconsideração da personalidade jurídica não tem previsão legal
expressa sendo objeto de amplo desenvolvimento e discussão pela doutrina. Neste
contexto, a desconsideração da personalidade jurídica é defendida, por parte da
doutrina, com base nos princípios gerais de direito com vista a ultrapassar, a título
excecional, a autonomia patrimonial perfeita que caracteriza as sociedades
comerciais de responsabilidade limitada por forma a, assim tutelar os interesses
dos credores quando tal resultado não seja assegurado pela aplicação dos
mecanismos de proteção legalmente previstos. Trata-se, pois, de uma figura
excecional que apenas deve ser aplicada a título subsidiário;
• A doutrina nacional entende, em geral, que a figura da desconsideração da
personalidade jurídica se pode, em abstrato, equacionar quanto a quatro diferentes
tipos de casos de responsabilidade, designadamente, (i) caso do controlo da
sociedade por um sócio; (ii) caso da subcapitalização material da sociedade; (iii)
caso da mistura de patrimónios e (iv) caso da descapitalização da sociedade. A
opinião dos diversos autores nacionais que se detém sobre o tema quanto à
respetiva aplicação diverge, nomeadamente, atendendo à natureza subsidiaria da
figura e aos mecanismos legais de proteção aplicáveis em cada um dos cenários;
• Por referência ao plano jurisdicional nacional, importa salientar que os tribunais
apenas se começaram a deter expressamente sobre a figura da desconsideração
na última década. Apesar da desconfiança resultante da falta de rigor dogmático
e de previsão legal e das divergências doutrinais quanto aos requisitos de que
depende a respetiva aplicação é, atualmente, possível identificar uma evolução e
uma crescente recetividade existindo já diversas decisões por meio das quais, os
tribunais nacionais - entre os quais o STJ - se pronunciaram quanto à respetiva
admissibilidade a título subsidiário;

39
• Não obstante, é possível defender que nem sempre o mecanismo chega a ser
aplicado ao caso concreto ou é aplicado de forma consonante com a respetiva
natureza subsidiária e excecional sendo importante monitorizar o risco de os
tribunais nacionais recorrem à respetiva aplicação para, sem promover uma
análise e aplicação escrupulosa da legislação vigente, obter um resultado
igualmente satisfatório para os credores sem recorrer aos mecanismos legais de
proteção aplicáveis;
• No ordenamento jurídico brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica
beneficia de previsão legal expressa. Coexistem e tem previsão legal no direito
brasileiro duas teorias relativas à aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica;
• AO abrigo da teoria menor a aplicação da figura sob judice apenas depende da
prova de que a pessoa jurídica em causa se encontra impossibilitada de cumprir
as obrigações assumidas perante os credores que beneficiem do regime especial
que determina a respetiva aplicabilidade em termos simplificados. A previsão de
tal teoria resulta numa maior facilidade no recurso à figura da desconsideração da
personalidade jurídica no contexto das relações especiais de direito que
beneficiem da mesma, solução esta que não tem correspondência ou adesão, ao
nível dos entendimentos doutrinais e jurisprudenciais nacionais;
• Já a teoria maior faz depender a tutela ao abrigo do instituto da desconsideração
da prova insolvência, da existência de confusão patrimonial (no caso da teoria
maior objetiva) ou da existência de desvios ao nível do escopo da sociedade (no
caso da teoria maior subjetiva);
• A referida teoria maior encontra-se espelhada no artigo 50.º do Código Civil
Brasileiro que foi recentemente alterado para clarificar e delimitar o respetivo
âmbito de aplicação. Nos termos da nova redação do citado artigo, o Código Civil
Brasileiro passou a consagrar, de forma expressa, o carácter excecional da figura
definindo os conceitos de confusão patrimonial e de desvio da finalidade
determinando que somente em casos de notária fraude e uma vez verificado o
necessário nexo causal poderá ser usado o património pessoal dos sócios para
responder pelas dívidas da sociedade;
• Também no contexto da jurisprudência brasileira é possível identificar, pelo
menos até 2019 e apesar da consagração legal expressa, divergências entre as

40
decisões dos diferentes tribunais face à amplitude da norma geral constante do
artigo 50.º do Código Civil Brasileiro. Porém, em face da nova redação do referido
artigo é possível, à data, antecipar um impacto positivo no sentido da aplicação
residual, uniforme e adequada do instituto;
• Se até 2019 a circunstância de a figura da desconsideração da personalidade
jurídica beneficiar de um enquadramento legal próprio não parecia ser suscetível
de obstar a uma aplicação desadequada da mesma, à semelhança do que se pode
defender ser o caso em Portugal, a alteração legal então promovida poderá, pelo
menos em parte, suprir as dificuldades sentidas.
Conclui-se, assim, que a previsão legal expressa da figura da desconsideração da
personalidade jurídica no ordenamento jurídico nacional poderá ser relevante ao
contribuir para uma maior uniformidade na respetiva aplicação e, consequentemente, uma
maior certeza e segurança jurídica. Não obstante, considerando a evolução verificada no
Brasil e tirando da mesma as necessárias elações, a prosseguir a via da consagração legal
da figura, importa acautelar no contexto legal a resposta às principais questões sentidas
pelos tribunais, clarificar os requisitos dos quais a respetiva aplicação depende, definir os
conceitos inerentes e, considerando a autonomia patrimonial perfeita e os princípios
subjacentes ao direito das sociedades, prever de forma clara o seu carácter subsidiário e
excecional.

41
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da Personalidade Jurídica” - Sinopse doutrinária e jurisprudencial, in Julgar, N.9.

Webgrafia
Edvaldo Pereira da Rocha, "A nova redação do artigo 50 do Código Civil, que trata da
Desconsideração da Personalidade Jurídica” - A nova redação advém da chamada "Lei
da Liberdade Econômica" (Lei 13.874/2019), in Jus.com.br, outubro de 2019, disponível
em: https://bit.ly/3vNcqlw .

Jurisprudência portuguesa

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de março 2020, processo


14744.18.7T8LSB-A.L1-2, relatora Gabriela Cunha Rodrigues, disponível em:
https://bit.ly/3ITeqfJ .

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2018, processo


446/11.9TYL.SB.L1.S1, relatora Graça Amaral, disponível em: https://bit.ly/3vMYDv3
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de outubro de 2018, processo
1669/14.4TBSTS.P1, relatora Maria Cecília Agante, disponível em:
https://bit.ly/3vMDilq .

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de novembro de 2017, processo


919/15.4T8PNF.P1.S1, relator Alexandre Reis, disponível em: https://bit.ly/3pKnsUu .

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de novembro de 2015, processo


136/14.0TBNZR.C1, relator Alexandre Reis, disponível em: https://bit.ly/3HMAp6x .

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de julho de 2013, processo


943/10.8TTLRA.C1, relator Felizardo Paiva, disponível em: https://bit.ly/3tzPnHX .
Jurisprudência brasileira

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça brasileiro de 4 de dezembro de 2003, Recurso
especial n° 279.273 – SP, relator Ministro Ari Pargendler, disponível em:
https://bityli.com/ylFBc .
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça brasileiro, de 4 de agosto de 2010, recurso
especial, REsp 1098712 RS 2008/0226039-8, relator Ministro Aldir Passarinho Junior,
disponível em: https://bit.ly/3IQTp5m .

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça brasileiro, de 12 de dezembro de 2014, processo


EREsp 1306553 SC 2013/0022044-4, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, disponível
em: https://bit.ly/3sSqnwF .

Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de 6 de dezembro de 2021, processo


AI 0068739-88.2021.8.19.0000, relator Wilson do Nascimento Reis, disponível em:
https://bit.ly/3MtBl3j .

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