Apostila de Tributação Internacional e Aduaneira

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TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL E ADUANEIRA

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Sumário
NOSSA HISTÓRIA .......................................................................................... 4

Princípios Gerais do Direito Internacional Tributário........................................ 5

Introdução .................................................................................................................. 5
Princípios gerais .............................................................................................. 8

Não bitributação............................................................................................... 8

Princípio da boa-fé ..................................................................................................... 9


Princípio da interpretação comum ............................................................................ 11
Princípio da neutralidade.......................................................................................... 11
Princípios da fonte e da residência .......................................................................... 13
Princípio da transparência ........................................................................................ 14
Princípio do arm’s length .......................................................................................... 15
Integração Econômica e Harmonização da Legislação Tributária ................. 16

Instrumentos de harmonização legislativa ............................................................... 16


Integração Econômica e Harmonização Tributária ........................................ 19

Harmonização dos impostos incidentes sobre o consumo de mercadorias e serviços19


A tributação do consumo no mercosul ..................................................................... 21
Harmonização da tributação direta .......................................................................... 23
Da harmonização dos encargos sociais ................................................................... 26
DIREITO ADUANEIRO E O COMÉRCIO INTERNACIONAL ........................ 28

O direito aduaneiro e a regulação do comércio internacional .................................. 28


Os elementos essenciais do direito aduaneiro ......................................................... 29
AS FUNÇÕES DA ADUANA ......................................................................... 32

O controle aduaneiro ................................................................................................ 32


A aplicação de restrições ......................................................................................... 33
A tributação aduaneira ............................................................................................. 34
A ADUANA E AS MEDIDAS DE FACILITAÇÃO COMERCIAL ..................... 36

O DIREITO ADUANEIRO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .. 39

A previsão constitucional das atividades aduaneiras ............................................... 39

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Faculdade de Minas

A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO ADUANEIRO, DIREITO TRIBUTÁRIO E


DIREITO ECONÔMICO ........................................................................................... 42

REFERENCIAS: ............................................................................................ 44

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Faculdade de Minas

NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresá-


rios, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-
Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo ser-
viços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de co-
nhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos
que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino,
de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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Faculdade de Minas

Princípios Gerais do Direito Internacional Tributário

Introdução
Uma das principais características da teoria jurídica da segunda metade do
Século XX foi a retomada de uma abertura para as suas interseções com os valores
que permeiam as normas jurídicas. Com isso, buscava-se uma reação contra os
modelos mais extremados de positivismo jurídico, que haviam encerrado a discus-
são quanto à validade das leis na sua adequação ao processo de elaboração previs-
to no ordenamento jurídico. Nas palavras de Gustav Radbruch, “esta concepção da
lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o po-
vo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna
equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde esti-
ver a segunda estará também o primeiro”

A este movimento de superação do formalismo jurídico, tem-se referido como


pós-positivismo, o qual, segundo Luís Roberto Barroso, “é a designação provisória e
genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre
valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos
direitos fundamentais”

Como destacado acima, consequência deste novo marco da evolução do di-


reito consiste na consolidação da normatividade dos princípios e o relevo de seu
papel no âmbito do ordenamento jurídico, podendo-se falar, com García de Enterría,
em uma jurisprudência dos princípios ou, em outras palavras, em uma teoria jurídica
principiológica

A força normativa dos princípios foi levada ao centro dos debates jurídicos
contemporâneos pelos estudos de diversos autores que lhes transformaram em ob-
jeto de pesquisa, como Claus-Wilhelm Canaris, J. J. Gomes Canotilho, Josef Esser,
Karl Larenz, Ricardo Guastini, Robert Alexy e Ronald Dworkin, apenas para menci-
onar aqueles que nos parecem ter exercido maior influência sobre a dogmática jurí-
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dica brasileira.
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O impacto desta nova visão sobre os princípios jurídicos no Brasil foi tremen-
do. Paulo Bonavides incluiu em seu Curso de Direito Constitucional11 um capítulo

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refletindo a nova visão sobre os princípios na edição de 1994 (5ª edição). Posteri-
ormente, o livro de Humberto Ávila serviu de plataforma para a divulgação massifi-
cada dos debates contemporâneos acerca do tema12. No Direito Tributário deve-se
destacar a importância do trabalho do Professor Ricardo Lobo Torres sobre valores
e princípios constitucionais tributários além dos livros de “Direito Constitucional Tri-
butário” de Roque Antonio Carraza e Sistema Constitucional Tributário, de Humber-
to Ávila. Com isso, é raro encontrar um compêndio, tratado ou estudo sobre qual-
quer tema jurídico que não dedique algumas páginas à discussão dos princípios que
subjazem ao debate ali travado, sendo que o número de títulos dedicados aos prin-
cípios jurídicos no Brasil multiplicou-se de modo fantástico na última década.

Como normalmente ocorre com todo crescimento rápido, é de se observar


que o acelerado desenvolvimento do debate sobre princípios jurídicos no Brasil
ocorreu de forma um tanto desordenada. Com efeito, nesse processo, ideias e com-
preensões sobre princípios, distintas em natureza, foram sendo amalgamadas, cri-
ando-se um emaranhado muitas vezes confuso e que nem sempre permite a identi-
ficação da corrente teórica à qual se filia um determinado autor. Esta questão foi
bem observada por Virgílio Afonso da Silva, ao afirmar que “o termo princípio é plu-
rívoco. Isso, em si, não significa nenhum problema. Problemas só surgem a partir do
momento em que o jurista deixa de perceber esse fato e passa a usar o termo como
se todos os autores que a ele fazem referência o fizessem de forma unívoca”.

O impacto das discussões travadas nas últimas décadas acerca dos princí-
pios jurídicos, contudo, não parece ter sido sentido de forma relevante no campo do
Direito Internacional Público em geral e do Direito Internacional Tributário em espe-
cial.

Com efeito, ao pesquisarmos a bibliografia de Direito Internacional Público,


pátria e estrangeira, identificamos que o tema dos princípios não vem sendo objeto
de estudos como assunto principal. Por outro lado, ao compulsarmos os cursos e
manuais da matéria, verificamos que o assunto muitas vezes é tratado apenas à luz
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do que estabelece o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que


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prevê os princípios gerais de direito como fonte do Direito Internacional. Contudo,

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não encontramos em tais estudos uma referência à evolução da temática dos prin-
cípios na teoria geral do direito.

Examinando a questão no âmbito do Direito Internacional Tributário identifi-


camos um cenário parecido. Embora haja diversos estudos dedicados a princípios
específicos, como o da não discriminação, o arm’s length, os da fonte e da residên-
cia, entre outros, não identificamos na literatura brasileira um estudo que faça um
exame sistemático dos diversos princípios de Direito Internacional Tributário, inse-
rindo tal análise nos marcos da evolução conceitual pela qual passou a pesquisa
sobre os princípios jurídicos nas últimas décadas.

Ao analisarmos a doutrina sobre a matéria confirmamos este cenário, sendo


que obras como as de Alberto Xavier, Heleno Taveira Tôrres, Klaus Vogel, Philip
Baker, Carlo Garbarino, Victor Uckmar, Roy Rohatgi e Fernando Serrano Antón,
embora tratem de princípios específicos, deixam de apresentar uma base teórica
para a construção de uma teoria principiológica para o Direito Internacional Tributá-
rio. Talvez seja na já antiga obra de Ottmar Bühler, Princípios do Direito Internacio-
nal Tributário, que encontremos uma tentativa mais clara de sistematização dos
princípios da tributação internacional, mesmo que, tratando-se de livro escrito em
1964, não reflita o mesmo as modernas discussões sobre os princípios jurídicos.

Mais recentemente, podemos fazer referência aos livros de Carlos María Ló-
pez Espadafor e Paula Rosado Pereira. O primeiro, a despeito do título, como os
demais livros apontados acima não apresenta uma análise estruturada dos princí-
pios do Direito Internacional Tributário. Já o trabalho de Paula Rosado, na pesquisa
por nós realizada apresenta-se como o trabalho mais completo sobre o tema, embo-
ra não tenha tido a preocupação de buscar fundamentar suas análises acerca dos
princípios da tributação internacional nos estudos sobre princípios jurídicos desen-
volvidos pela teoria geral do direito nas últimas décadas.

Considerando este contexto, neste trabalho buscaremos inserir os debates


sobre os princípios do Direito Internacional Tributário nos marcos da teoria dos prin-
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cípios jurídicos contemporânea. Buscar-se-á, portanto, os critérios para a identifica-


ção dos princípios do Direito Internacional Tributário.

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Tendo em vista a grande diversidade de teorias sobre os princípios ju-


rídicos e o fato de que não é objetivo deste trabalho uma revisão abrangente de tais
teorias, adotaremos aqui a doutrina de Robert Alexy, buscando sua aplicação no
campo da tributação internacional.

Partindo dos critérios para a identificação dos princípios do Direito Tributário


Internacional, apresentaremos alguns de tais princípios, como os da não bitributa-
ção, da interpretação comum, da boa-fé, da neutralidade, da fonte e da residência,
da transparência, o arm’s length, o antiabuso e a não discriminação.

Princípios gerais

Não bitributação
Considerando as finalidades visadas pela celebração de convenções interna-
cionais para evitar a dupla tributação da renda, como a preservação da capacidade
contributiva e a justiça da tributação, a neutralidade da tributação como forma de
preservação da concorrência no mercado, o incentivo à inversões internacionais, a
prevenção da evasão fiscal, a distribuição das receitas fiscais entre os Estados con-
tratantes, a estabilidade nas relações empresariais entre os residentes dos Estados
contratantes, cremos ser possível enunciar a existência de um princípio da não bitri-
butação internacional.

Todavia, princípio aqui deve ser entendido em linha com as lições de Alexy
acima, como uma finalidade que deve ser alcançada o máximo quanto possível,
respeitadas as limitações fáticas e jurídicas. Assim, a não bitributação internacional
não pode ser entendida como uma regra aplicável no modelo tudo ou nada.

Não há na Constituição Federal ou em qualquer tratado internacional multila-


teral sobre direitos humanos de que o autor tenha conhecimento um direito ou ga-
rantia contra a dupla tributação internacional. Na verdade, a bitributação é um fenô-
meno que atinge contribuintes sujeitos a duas jurisdições fiscais legitimadas a lhe
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impor tributos.
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Dessa forma, embora seja do interesse dos diversos países evitar que a du-
pla tributação seja causa de um arrefecimento econômico, nenhuma nação está

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obrigada por regra internacional a renunciar a receitas fiscais em benefício de outro


país.

Nesse contexto, o papel das convenções internacionais sobre a tributação da


renda e do capital é exatamente o de instrumento de rateio de receitas fiscais entre
os países signatários, com a consequente proteção da capacidade contributiva dos
contribuintes e a consecução das demais finalidades antes enunciadas.

Veja-se bem: a celebração de convenções para evitar a dupla tributação da


renda não é o único meio para se evitar a dupla tributação, havendo até mesmo
quem sustente que tal instrumento tenha cedido lugar a outros mecanismos para se
evitar a bitributação.

Ademais, enunciar o princípio da não bitributação não resolve o problema


principal, qual seja o estabelecimento de critérios que determinem, diante das ope-
rações concretas, qual país irá renunciar à receita fiscal que, de outra forma, pode-
ria tributar.

Em resumo, o princípio da não bitributação trata-se de norma finalística que


orienta os países a buscarem adotar medidas que evitem a ocorrência da bitributa-
ção da renda. Tal princípio serve igualmente como pauta hermenêutica para a inter-
pretação das convenções internacionais tributárias, a partir da referência à não bitri-
butação.

Princípio da boa-fé
O princípio da boa-fé está intrinsecamente vinculado à interpretação de trata-
dos internacionais e se encontra previsto no próprio artigo 31 da Convenção de Vie-
na sobre Direito dos Tratados (“CVDT”). Segundo André Gonçalves Pereira e Faus-
to de Quadros, “a principal regra de interpretação é a da boa fé, segundo a qual os
tratados são negócios bona fide e devem ser interpretados por forma a excluir a
fraude”.

Já para Jorge Bacelar Gouveia, o princípio da boa-fé se desdobra em diver-


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sos corolários, “como o do efeito útil ou de que a interpretação não pode conduzir ao
absurdo, além de se acrescentar o princípio da admissão dos efeitos implícitos do

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tratado, bem como o princípio da interpretação teleológica, este sobreposto ao ele-


mento teleológico”.

Dihn, Daillier e Pellet, embora não examinem a fundo o que seria a boa-fé
enquanto diretriz hermenêutica, afirmam que “este princípio fundamental está na
origem dos diversos meios e regras utilizados para interpretar os tratados e é em
função desta exigência fundamental que deve efetuar-se a escolha entre os diferen-
tes métodos”.

Em estudo específico acerca do tema da boa-fé no Direito Internacional Pú-


blico Elisabeth Zoller separa a boa-fé como critério hermenêutico em dois distintos
aspectos: subjetivo e objetivo.

Sob o prisma subjetivo, a boa-fé determinaria a busca pela intenção das par-
tes consagrada no tratado internacional, de forma que os pactuantes somente este-
jam obrigados nos lindes de seu consentimento.

Como critério objetivo, a boa-fé determina que a interpretação do tratado seja


razoável, evitando-se um apego formalista ao seu texto e adaptando-se sua inter-
pretação com o passar do tempo.

Parece-nos que o princípio da boa-fé determina que os Estados signatários


de um dado tratado, na construção de sentido a partir de seu texto, não buscarão
eximir-se do cumprimento das obrigações assumidas e nem atribuir obrigações não
pactuadas à(s) outra(s) parte(s).

Nessa assentada, o princípio da boa-fé estaria ligado ao princípio pacta sunt


servanda, à medida que asseguraria o cumprimento do tratado pelos signatários.
Concordamos, contudo, com Flávio Rubinstein, que afirma que “o escopo das obri-
gações jurídicas derivadas da boa-fé é bastante mais amplo do que o pacta sunt
servanda. A verificação de que há obrigações internacionais antes mesmo da con-
clusão dos tratados, bem como de que há obrigações advindas de outras fontes de
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direito internacional, corroboram tal asserção”.


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O princípio da boa-fé está relacionado ao do efeito útil dos tratados, entendi-


do no sentido de que “o tratado deve ser interpretado no sentido de produzir efeito
útil, isto é, realizar o objetivo por ele visado”, sendo certo, portanto, que na herme-

10
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nêutica das normas internacionais “a própria boa-fé exclui a interpretação que torne
uma cláusula sem significação, ou ineficaz”.

Princípio da interpretação comum


Considerando os propósitos de convenções sobre a tributação da renda e do
capital, tem-se que o alcance de seus fins depende, em grande parte, da possibili-
dade de uma interpretação uniforme de suas disposições por ambos estados contra-
tantes. Nas palavras de Klaus Vogel, seria necessário, para a eficácia do tratado,
que se alcançasse uma “harmonia decisória” quanto à interpretação/ aplicação de
suas disposições.

Todavia, tendo em vista o caráter cultural e criativo da interpretação, além da


possibilidade de cada Estado “interpretar” as convenções de forma a proteger seu
próprio poder tributário, tal uniformização de compreensões parece desiderato não
facilmente alcançável, principalmente diante da constatação de que a linguagem
jurídica não permite que apenas e tão somente uma norma jurídica seja criada a
partir dos textos legais, de forma que se mostra potencial o surgimento de conflitos
hermenêuticos entre os Estados contratantes.

O princípio da interpretação comum ou da harmonia decisória, relacionado ao


da boa-fé, antes examinado, tem este papel de estabelecer como fim que os aplica-
dores do Direito Internacional Tributário busquem interpretar as convenções de mo-
do a alcançar uma interpretação que evite a ocorrência da dupla tributação e que
não seja pautada por agendas domésticas que acabem por acarretar o descumpri-
mento das obrigações assumidas na esfera internacional.

Princípio da neutralidade
Como pontua Luís Eduardo Schoueri, numa visão extrema a neutralidade tri-
butária poderia ser tida como a pretensão de que as decisões econômicas não fos-
sem afetadas pelos tributos. Contudo, segundo bem destaca o citado autor, “revela-
se utópica esta ideia. Como visto, descartados casos extremos como a tributação
11

per capta, qualquer que seja o tributo, haverá, em maior ou menor grau, a influência
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sobre o comportamento dos contribuintes, que serão desestimulados a práticas que


levem à tributação”.

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Faculdade de Minas

Gerd Rothmann aponta que a neutralidade concorrencial tem um aspecto


“negativo, no sentido de que a política fiscal não deve intervir no mecanismo concor-
rencial, no qual já existe uma concorrência (quase) perfeita e não se observam re-
sultados que se opõem aos postulados da política econômica e social”, além de um
aspecto positivo, “quando parece conveniente adotar uma política fiscal para fomen-
tar a concorrência, na medida em que a livre concorrência for imperfeita, por moti-
vos não fiscais, daí resultando consequências desvantajosas, sob o aspecto eco-
nômico global e/ou ético-social”.

No campo da tributação internacional fala-se na neutralidade com dois enfo-


ques distintos: a neutralidade na importação de capital e a neutralidade na exporta-
ção de capital. A diferença entre essas duas abordagens foi apresentada por Rodri-
go Maitto da Silveira:

“O objetivo do princípio da neutralidade na importação é


oferecer aos investidores nacionais e estrangeiros o mesmo
retorno, após a tributação, do investimento no país, conside-
rando os tributos pagos no país da fonte e no país da residên-
cia. O que se objetiva é assegurar que todos os rendimentos
decorrentes de investimentos num determinado país sejam tra-
tados da mesma forma para fins fiscais, independentemente
da origem desses investimentos. Esta neutralidade é alcança-
da quando todos os rendimentos são tributados exclusivamen-
te na fonte no país de origem (princípio da fonte). Igualmente,
o objetivo do princípio da neutralidade na exportação é ter um
sistema tributário que não influencie as decisões dos investido-
res em relação a onde investir, permitindo que esses investido-
res estejam diante do mesmo percentual de tributação da ren-
da em relação ao mesmo investimento, seja ele realizado in-
ternamente ou no exterior.”(SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Tri-
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butação e Concorrência. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.


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A própria lógica dos princípios da neutralidade da exportação e da importação


de capitais indica sua natureza de mandados de otimização. Na verdade, ambos
princípios tendem a colidir na medida em que, refletindo a dicotomia fonte versus
residência que veremos a seguir, espelham a disputa pela alocação de competência
tributária sobre operações vinculadas por elementos de conexão a mais de uma ju-
risdição.

Portanto, embora a neutralidade da tributação seja uma meta, um fim a ser


alcançado, no campo internacional trata-se de uma finalidade em parte negociável,
já que as próprias convenções tributárias são instrumentos para a repartição de re-
ceitas fiscais; e em parte obstaculizada pela própria concorrência fiscal internacio-
nal, regular ou abusiva, que leva os países a utilizarem seus sistemas tributários
como forma de atrair investimentos estrangeiros, em detrimento de outros países.

Princípios da fonte e da residência


Segundo Paula Rosado Pereira, “de acordo com o princípio da residência, a
conexão relevante para fundamentar o poder tributário de um Estado é a residência
no seu território do titular dos rendimentos em apreço”53. Por outro lado, ainda se-
gundo esta autora, “de acordo com o princípio da fonte, a conexão relevante para
fundamentar o poder tributário de um Estado é o local de origem ou proveniência
dos rendimentos”.

A mesma lição é encontrada em Luís Eduardo Schoueri, para quem “no Direi-
to Tributário Internacional, o princípio da fonte caracteriza um critério adotado por
diversos ordenamentos jurídicos nacionais para a definição do alcance da lei tributá-
ria a partir do seu aspecto objetivo. Enquanto o princípio da residência firma-se no
elemento de conexão subjetivo, o princípio da fonte baseia-se no aspecto objetivo
da situação tributável”.

A releitura desses princípios sob os marcos teóricos propostos neste artigo


vai levar a uma interpretação de que os princípios da fonte e da residência estabe-
13

lecem como horizonte que ambos países, aquele onde a renda foi gerada e aquele
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onde reside seu titular, possuem competência para tributar um determinado fato.
Não vão eles além disso. Ou seja, não respondem à questão que mais intriga os
estudiosos em tributação internacional desde o início do Século XX, qual seja, quais

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Faculdade de Minas

seriam os critérios para a distribuição de competência entre tais países. Ou seja, os


princípios em questão legitimam as pretensões tributárias do país de fonte e do de
residência, porém deixam em aberto “quanto” de competência caberá a cada um.
Por isso mesmo afirmamos, em outro estudo, que uma das principais funções dos
tratados internacionais atualmente seria exatamente a repartição da competência
tributária.

Princípio da transparência
Norberto Bobbio, em seu estudo sobre o futuro da democracia, afirma carac-
terizar-se esta por ser “o governo do poder público em público”. Seguindo os ensi-
namentos do mestre italiano, aduz Odete Medauar, tendo como pano de fundo a
Administração Pública, que “o secreto, invisível, reinante na Administração, mostra-
se contrário ao caráter democrático do Estado. A publicidade ampla contribui para
garantir direitos dos administrados; em um nível mais geral, assegura condições de
legalidade objetiva porque atribui à população o direito de conhecer o modo como a
Administração atua e toma decisões”.

A transparência da atividade estatal aparece, portanto, como requisito para o


exercício do direito de participação por parte dos administrados, viabilizando, de
outro lado, o controle do Poder Público pela sociedade.

É de se assinalar que não só do Poder Público é de se cobrar transparência,


mas também dos particulares, que devem evitar que suas ações induzam os demais
particulares ou o próprio Poder Público à não compreensão de determinada situa-
ção.

Esses dois campos de atuação (público e privado) são bastante claros na se-
ara fiscal, onde se busca a transparência do Estado arrecadador bem como do con-
tribuinte. Como disserta Ricardo Lobo Torres, o princípio da transparência “sinaliza
no sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames
da clareza, abertura e simplicidade. Dirige-se assim ao Estado como à sociedade,
14

tanto aos organismos financeiros supranacionais quanto às entidades não gover-


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namentais. Baliza a moldura problemática da elaboração do orçamento e da sua


gestão responsável, da criação de normas antielisivas, da abertura do sigilo bancá-
rio e do controle da corrupção”.

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Faculdade de Minas

Vê-se, portanto, que pelo princípio da transparência busca-se minorar as


consequências da sociedade de risco, isso mediante a abertura ao conhecimento
daquilo que antes era opaco e obscuro. Trazendo uma vez mais à colação o magis-
tério de Ricardo Lobo Torres:

“A transparência é o melhor princípio para a superação


das ambivalências da Sociedade de Risco. Só quando se des-
venda o mecanismo do risco, pelo conhecimento de suas cau-
sas e de seus efeitos, é que se supera a insegurança. O
exemplo encontradiço na temática dos riscos sociais é o do
contraste entre o avião e o automóvel: o avião é meio mais se-
guro de transporte do que o automóvel, entretanto as pessoas
têm mais receio daquele do que deste; a explicação está em
que o motorista sente segurança na condução do seu automó-
vel, cujo funcionamento ele domina, o que não acontece com
as aeronaves.”( TORRES, Ricardo Lobo. O Princípio da
Transparência Fiscal. Revista de Direito Tributário, São Paulo,
nº79, 2001, p. 10)

O princípio da transparência, como visto, é típico da sociedade de risco61,


orientando os sistemas tributários domésticos assim como a tributação internacio-
nal. O combate aos paraísos fiscais, as regras antielusivas internacionais, a cláusula
do beneficiário efetivo, a transparência fiscal adotada como instrumento de combate
ao uso indevido de paraísos fiscais e regimes fiscais privilegiados e a troca de in-
formações entre os países62, todas são formas de concretização do princípio da
transparência.

Princípio do arm’s length


O princípio arm’s length orienta como fim que transações entre partes relaci-
onadas no comércio internacional, assim como aquelas realizadas com entidades
15

situadas em países com tributação favorecida ou sob regimes fiscais privilegiados,


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sejam realizadas em condições de mercado. Para Ricardo Lobo Torres “o princípio


arm’s length, que vem se positivando em inúmeros países, é a espinha dorsal da
problemática dos preços de transferência. Com a globalização da economia e a in-

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Faculdade de Minas

tensificação das relações entre as empresas associadas nos diferentes países tor-
nou-se necessária a regulamentação dos preços e serviços.

Integração Econômica e Harmonização da Legislação Tri-


butária
Instrumentos de harmonização legislativa
A harmonização legislativa é o processo pelo qual se busca superar as assi-
metrias existentes entre os ordenamentos jurídicos dos países em vias de integra-
ção, com vistas a viabilizá-la. No dizer de Werter Faria, “a harmonização tem por
objeto suprimir ou atenuar as disparidades entre as disposições de direito interno,
na medida em que o exija o funcionamento do mercado comum”

Conforme mencionado, a integração econômica desenvolve-se em quatro


etapas distintas (zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união
econômica). Cada um desses momentos representa o desenvolvimento do inter-
relacionamento das nações que participam do processo de integração e, por via de
consequência, o crescimento nas necessidades de harmonização legislativa. Nessa
ordem de ideias, é de se observar que o processo de harmonização desenvolve-se
em direta proporção ao de integração econômica.

De acordo com a lição da professora Maristela Basso, a técnica de harmoni-


zação legislativa realiza-se por meio da “elaboração conjunta de novas normas jurí-
dicas”, bem como da “eliminação ou redução das normas que servem de obstáculo
à formação e consolidação do mercado comum”

Entretanto, não se pode deixar de observar que, a depender do nível de de-


senvolvimento do processo de integração econômica, a elaboração conjunta de
normas jurídicas e a substituição das normas que sirvam de obstáculo a tal proces-
so dar-se-ão de formas distintas. Nesse sentido é que se pode observar que a har-
monização legislativa poderá ser efetuada, inicialmente, por meio do Direito Interna-
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cional Público, até o desenvolvimento do denominado Direito Comunitário, que, con-


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forme assevera o internacionalista português Fausto Quadros, representa “um está-


gio superior da evolução do Direito Internacional Público.

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Faculdade de Minas

Embora haja notadas semelhanças entre o Direito Internacional Público e o


Direito Comunitário, podendo-se aduzir que este, em sua natureza, tratase também
de um “Direito” internacional, não se pode perder de vista que há características
marcantes que os distinguem, conforme esclarece Celso Albuquerque Mello:

“O D. Comunitário integra o DIP, mas possui como direi-


to regional ou particular características próprias. Estas são es-
senciais, porque: a) o direito comunitário é aplicado no interior
dos estados e nas relações entre estados, enquanto as nor-
mas de DIP (na sua grande maioria) são aplicadas apenas nas
relações entre estados; b) há uma necessidade de uniformida-
de na aplicação, vez que se trata em grande parte de normas
de natureza econômica, isto é, a diversidade pode prejudicar
ou beneficiar um estado; c) existem órgãos supranacionais que
agem em nome da comunidade e não dos estados, isto é, algo
inexistente no resto do DIP”( MELLO, Celso Albuquerque. Di-
reito Supranacional e Efetividade na Ordem Interna. In: Anais
da VII Conferência Nacional dos Advogados. Brasília: OAB,
Conselho Federal, 2000, v. 1, p. 419.)

Dessa forma, o processo de harmonização legislativa pode efetivar-se a partir


da elaboração de normas de Direito Internacional Público stricto sensu ou do de-
senvolvimento do Direito Comunitário, sendo certo que, para o surgimento deste
último, é necessário que o processo de integração econômica dos países esteja em
fase avançada, como ocorre com a União Europeia na atualidade.

Característica marcante do Direito Internacional Público stricto sensu, que o


distingue do Direito Comunitário, é a inexistência de qualquer órgão que exerça atri-
buições típicas da soberania estatal em lugar dos Estados, que tratam diretamente,
por seus próprios órgãos, de conferir eficácia às normas internacionais. Esse traço
17

distintivo é examinado por Celso Albuquerque Mello:


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“Uma outra característica que ainda permanece na soci-


edade internacional, apesar da sua crescente institucionaliza-
ção através das organizações internacionais, é o princípio do

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Faculdade de Minas

desdobramento funcional de que falava Georges Scelle; isto é,


os próprios Estados (autores e destinatários das normas inter-
nacionais) emprestam os seus órgãos para que o DI se realize.
Assim o Executivo de um Estado atua como órgão do Estado e
órgão da sociedade internacional.”( MELLO, Celso Albuquer-
que. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Reno-
var, 2000, p. 15.)

Dessa assertiva pode-se depreender que, uma vez que a aplicação das nor-
mas internacionais é atribuição de cada uma das nações, a efetividade do Direito
Internacional Público stricto sensu depende de atitudes concretas dos Estados nes-
te sentido, principalmente no que se refere à adequação de seus ordenamentos ju-
rídicos internos às disposições do ordenamento internacional, quando este não seja
dotado de aplicabilidade direta.

Foi exatamente essa característica do Direito Internacional Público stricto


sensu que levou o Professor Herbert Hart a questionar sua juridicidade. A partir de
sua distinção entre normas primárias (que conferem direitos subjetivos) e secundá-
rias (normas de estrutura, relativas à produção das normas primárias), esclarece o
citado jurista que no Direito Internacional não figuram normas secundárias, da
mesma forma que não há uma unificação de suas fontes.

Com o surgimento do Direito Comunitário, enfraquecem-se as críticas formu-


ladas pelo citado professor, uma vez que este tem como características a unificação
das fontes legislativas assim como a existência de órgãos de execução próprios,
conforme esclarecem os juristas argentinos Dromi, Ekmekdjian e Rivera:

“O direito comunitário tem outro dado de identificação e especificidade, que é


dado pela fonte de criação das normas de integração, é dizer, pela forma de produ-
ção do direito comunitário.

Neste sentido, dizemos que o direito comunitário conforma um verdadeiro or-


18

denamento jurídico autônomo. Caracteriza-se por ser um conjunto organizado e es-


Página

truturado de normas jurídicas que possui suas próprias fontes e está dotado de ór-
gãos e procedimentos aptos para produzi-las.

18
Faculdade de Minas

De fato, o Direito Comunitário, diferentemente do Direito Internacional stricto


sensu, trata-se de um conjunto de normas supranacionais, que se integram aos di-
versos “direitos” nacionais das nações integradas, sendo aplicadas tanto pelos di-
versos países que se submetem à sua regulamentação quanto pelos órgãos da pró-
pria Comunidade, que passam a exercer algumas atribuições soberanas das nações
integradas. Conforme aduz Paulo Borba Casella, esse conjunto de normas com-
põem um “ordenamento jurídico comunitário autônomo e integrado aos direitos na-
cionais”.

Integração Econômica e Harmonização Tributária


Harmonização dos impostos incidentes sobre o consumo de mercadori-
as e serviços
Como restou asseverado anteriormente, os processos de harmonização tribu-
tária passam pela indispensável uniformização, ao menos no que se refere à carga
tributária, dos impostos incidentes sobre o consumo de bens e serviços.

Isso porque, tendo a integração econômica o fim último de estimular o desen-


volvimento das relações comerciais entre as nações integradas, é de todo lógico
que se busque alcançar uma tributação equitativa sobre o consumo de bens e servi-
ços no seio do bloco econômico, com o intuito mesmo de preservar a livre concor-
rência daqueles que integram o novo mercado.

Nesse sentido é o entendimento de Fernando Rezende, que esclarece que a


finalidade da harmonização tributária é a manutenção da isonomia entre os agentes
econômicos do mercado integrado:

“Harmonizar não significa igualar. Não é necessário que


os sistemas tributários de todos os países sejam idênticos. O
que sim é importante é que a competitividade interna e externa
não seja afetada por motivos tributários. Isso ocorreria, por
19

exemplo, nos casos em que o produto estrangeiro que ingres-


Página

sar no país, desonerado de qualquer tributo na origem, deslo-


car do mercado o produto nacional que arca com a cumulativi-
dade de impostos exigidos na sua produção e comercialização.

19
Faculdade de Minas

Ou, no sentido oposto, nos casos em que o produto brasileiro


não tiver acesso ao mercado de outros países por não poder
livrar-se, na saída, de todos os impostos pagos no país. (RE-
ZENDE, Fernando. No Rumo da Modernização. Disponível na
internet em: http://federativo. bndes.gov.br/f_ estudo.htm).

No mesmo sentido, permite-se transcrever o magistério de Jose Luis Perez


de Ayala e Miguel Perez de Ayala Becerril:

“Todos processo de integração econômica, não apenas


o modelo da C.E. conleva a necessidade de harmonizar nor-
mativas tributárias, basicamente por duas razões:

1. Para evitar que as disparidades fiscais obstaculizem a


livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais e
distorcem o regime de livre e leal competência, pois as condi-
ções de competição não são equitativas se uns produtores su-
portam mais carga fiscal que outros.

2. Porque a plenitude da soberania fiscal dos Estados


membros se põe em questão se é necessário aproximar as po-
líticas econômicas gerais dos estados membros ou instaurar
uma política comum em setor setores. E ele, pela importância
do imposto não só como instrumento arrecadatório, mas sim
em sua função de intervenção econômica (art. 4 L.G.T.).

A harmonização não supõe a criação de um modelo no-


vo de imposição nem a imposição nem a unificação dos siste-
mas fiscais nacionais. No âmbito comunitário, a harmonização
tem um verdadeiro caráter instrumental para alcançar os fins
explicitados no artigo 2 do T.C.E. que constituem a Comissão
da Comunidade.” (AYALA, Jose Luis Perez de; BECERRIL,
20

Miguel Perez de Ayala. Fundamentos de Derecho Tributario.


Página

Madrid: Edersa, 2000, p. 402.)

20
Faculdade de Minas

Na maioria das nações do mundo ocidental, a tributação do consumo é efeti-


vada a partir de impostos sobre o valor adicionado que, conforme aduz o professor
Ricardo Lobo Torres, surgiram recentemente como forma de imposição tributária26.
De fato, conforme assevera Pierre Beltrame, o IVA teve sua origem na França, na
primeira metade do século passado:

“O I.V.A. encontra a sua origem no processo dos paga-


mentos fracionados instituído em França em 1948 para facilitar
a cobrança do imposto único na produção. De acordo com este
regime, cada produtor pagava o imposto sobre o montante das
suas vendas, dedução feita aos impostos que oneraram as su-
as compras. Generalizando, como preconizava M. Lauré em
1953, a aplicação dessa técnica de imputação imposto em im-
posto e autorizando a dedução dos impostos que se integra-
vam diretamente (deduções físicas) ou indiretamente (dedu-
ções financeiras) no curso dos produtos e serviços, acabava-
se por tributar apenas o valor acrescentado em cada estádio
pelos diferentes agentes econômicos.”( BELTRAME, Pierre.
Os Sistemas Fiscais. Tradução J. L. da Cruz Vilaça. Coimbra:
Almedina, 1976, p. 125).

No início das tratativas visando ao desenvolvimento da União Europeia, bus-


cava-se a utilização comum de um tributo que incidisse sobre o consumo de bens e
serviços da forma mais neutra possível, preservando ao máximo a concorrência en-
tre os agentes econômicos dos diversos países. Conforme salienta Antonio Carlos
Rodrigues do Amaral “pretendia-se a substituição dos indesejáveis tributos cumula-
tivos (gerando a incidência ‘em cascata’), por um outro que colhesse o valor agre-
gado em cada etapa da cadeia produtiva de bens e serviços em direção ao consu-
mo final”.
21

A tributação do consumo no mercosul


Página

O Tratado de Assunção em diversos dispositivos estabelece a necessidade


livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos no âmbito do MERCOSUL
(arts. 1° e 5°), determinando, em seu art. 7°, que “em matéria de impostos, taxas e

21
Faculdade de Minas

outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado-Parte


gozarão, nos outros Estados-Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produ-
to nacional”

A tributação do consumo nos países componentes do MERCOSUL é realiza-


da também por meio de impostos sobre o valor agregado, sendo certo, entretanto,
que o tratamento dispensado a essa espécie tributária por Brasil, Argentina, Para-
guai e Uruguai se distinguem em alguns aspectos.

Com efeito, no Uruguai o IVA se caracteriza por ser um imposto não cumula-
tivo, incidente sobre a circulação de mercadorias em todas as etapas da cadeia pro-
dutiva, bem como sobre a prestação de serviços e as operações de importação,
sendo, ainda, “um imposto nacional, cujas receitas ingressam para Rendas Gerais,
não podendo constitucionalmente os Governos Departamentais estabelecerem um
tributo com estas características”. Modelo similar é adotado pela Argentina e pelo
Paraguai.

Como se sabe, a tributação do consumo de bens e serviços no Brasil é feita


de forma distinta, com a repartição das competências tributárias por todos os entes
tributantes, havendo impostos específicos incidentes sobre a produção, o comércio
e a prestação de serviços (IPI, ICMS e ISS), isso sem considerar as contribuições
federais incidentes sobre a receita decorrentes das atividades de venda de merca-
dorias e prestação de serviços (PIS e COFINS).

Essa característica da tributação do consumo no Brasil é decorrência mesmo


do princípio federativo e da autonomia conferida a cada um dos entes políticos. De
fato, tal autonomia depende, em certa medida, da possibilidade de cada ente fede-
rativo possuir meios financeiros que viabilizem a sua auto-administração, o que se
faz atribuindo um imposto de grande força arrecadatória à União, Estados, Distrito
Federal e Municípios.

Entretanto, é de se reconhecer que o sistema tributário pátrio dificulta, em


22

certa medida, a harmonização necessária para o rápido desenvolvimento do MER-


Página

COSUL, isso, principalmente, em face da difusão da competência legislativa tributá-


ria entre a União, os 26 Estados, o Distrito Federal e os 5.564 Municípios (dados do
IBGE em 2007) componentes da federação.

22
Faculdade de Minas

Tais dados estatísticos evidenciam as dificuldades da harmonização do sis-


tema tributário brasileiro com o dos demais países componentes do MERCOSUL,
conforme reconhecido por Antonio Carlos Rodrigues do Amaral:

“No caso brasileiro, a reforma da sistemática de tributa-


ção do consumo é considerada essencial para fins de ser im-
plementada a neutralidade na repartição de recursos entre as
esferas federativas (União, Estados, Municípios e o Distrito
Federal), tornar a administração fazendária mais eficiente e
menos vulnerável à sonegação e aumentar a competitividade
da economia doméstica. Ademais, será fator essencial à viabi-
lização da harmonização tributária com os demais países do
Mercosul.”( AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do, Visão
Global da Fiscalidade no Mercosul: Tributação do Consumo e
da Renda, 2000, p. 41)

Como forma de solução à problemática anteriormente exposta, muito se tem


discutido acerca da possibilidade de se alterar as competências tributárias previstas
na Constituição Federal, com o que melhor se atenderia às necessidades apresen-
tadas para fins de harmonização tributária no MERCOSUL.

Harmonização da tributação direta


Como se pode inferir da abalizada lição de Rubens Gomes de Sousa, os im-
postos diretos são os suportados em definitivo pelo contribuinte obrigado por lei ao
seu pagamento.

Em consonância com que já restou aduzido no presente estudo, ao contrário


do que acontece com os tributos incidentes sobre o consumo, à harmonização da
tributação direta tem sido conferido um papel secundário nos processos de integra-
ção econômica, isso a despeito da sua importância para a competição equânime no
mercado comum. Nesse sentido, salienta Antonio Carlos Rodrigues do Amaral:
23

“A tributação da renda produz menos efeitos, nesse par-


Página

ticular, do que a tributação sobre o consumo, que diretamente


afeta o comércio interjurisdicional. Os impostos sobre a renda,

23
Faculdade de Minas

ademais, podem ser acordados caso a caso, por meio dos tra-
tados internacionais para evitar a bitributação, que são impor-
tantes instrumentos para neutralizar o impacto impositivo sobre
a renda nas jurisdições que adotam a base global da imposi-
ção (como é o caso, no Mercosul, da Argentina e do Brasil), e
também ante a regulamentação do denominado preço de
transferência (transfer pricing) nas transações levadas a efeito
entre partes relacionadas.”( AMARAL, Antonio Carlos Rodri-
gues do, Visão Global da Fiscalidade no Mercosul: Tributação
do Consumo e da Renda, 2000, p. 24).

Nessa mesma ordem de ideias, aduzem Jose Luis Perez de Ayala e Miguel
Perez de Ayala Becerril que:

“A harmonização da fiscalidade direta não tem sido con-


siderada prioritária no âmbito comunitário, pois não impede
tanto como a indireta a mobilidade de fatores nem põe xeque
de forma notória a eficácia das liberdades garantidas pelo tra-
tado de Roma, isto é, a livre circulação de mercadorias, pes-
soas e serviços e capitais. Por isso, as medidas normativas se
concentraram no necessário para garantir a neutralidade fiscal
de determinadas operações empresariais, como são as fusões
e outras operações de reorganização empresarial quanto têm
caráter intracomunitário e as operações entre matrizes e filiais.
Assim mesmo, com alcance normativo, aprovou-se em 1990
um Convenio para suprimir os casos de dupla imposição nos
casos de correção de benefícios entre empresas associadas.”(
AYALA, Jose Luis Perez de; BECERRIL, Miguel Perez de Aya-
la. Fundamentos de Derecho Tributario. Madrid: Edersa, 2000,
p. 406.)
24

Assim, as questões mais importantes, referentes à harmonização dos impos-


Página

tos diretos concentram-se, em linhas gerais, no estabelecimento de regras claras


para evitar a bitributação da renda dos agentes econômicos, bem como na regula-

24
Faculdade de Minas

mentação do transfer pricing. Com efeito, conforme salienta Victor Uckmar, “naquilo
que diz respeito aos impostos diretos, o objetivo primordial é permitir a livre circula-
ção de capital, evitando casos de bitributação no fluxo de capital entre os diferentes
Países”

É importante esclarecer que o que restou acima asseverado, se representa a


realidade da unificação da tributação da renda na União Europeia, não pode ser
aduzido com a mesma correção em relação ao MERCOSUL, sendo certo que no
âmbito desse bloco econômico ainda há medidas outras a serem adotadas.

de forma a se alcançar a necessária paridade da tributação direta nos países


componentes do bloco.

Nesse sentido, um aspecto que merece ser ressaltado é a uniformização dos


elementos de conexão utilizados para fins de se determinar a incidência do imposto
de renda.

Também ressalta em importância as distintas cargas tributárias em cada um


dos países do MERCOSUL, sendo certo que, conforme observado por Eivany A.
Silva, “a carga tributária brasileira, embora já minimizada pela nova legislação do
imposto de renda, continua sendo muito elevada, em contraposição como países
como o Paraguai e o Uruguai, especialmente se considerarmos como tributação da
renda a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas”

Em face do exposto, pode-se concluir que, no âmbito da União Europeia, on-


de havia uma certa paridade entre a regulamentação da tributação da renda nos
diversos países integrantes do bloco econômico, à harmonização desses tributos é
dispensada menor relevância, somente sendo relevante no que tange à dupla tribu-
tação e à regulamentação do transfer pricing.

Por seu turno, no que se refere ao MERCOSUL, há importantes passos a se-


rem dados no campo da tributação direta, isso em razão das marcantes diferenças
25

existentes na forma em que cada nação componente desse bloco econômico realiza
Página

a tributação da renda. Tal uniformização se faz necessária para que se possa atingir
os já tão falados objetivos de paridade da tributação e equânime competitividade no
âmbito do MERCOSUL.

25
Faculdade de Minas

Da harmonização dos encargos sociais


Aspecto relevante nos processos de integração econômica é relativo à har-
monização dos encargos sociais incidentes sobre a contratação de mãode-obra no
interior do mercado integrado. Conforme salienta Sonia Aparecida M. Tomaz de
Aquino, “um mercado comum, com livre circulação de trabalhadores, propicia a eli-
minação de assimetrias e de diferenças de custos de mão-de-obra, barateando pro-
dutos. Contribui, ainda, para diluir tensões corporativas, provocadas por grupos e
organizações.

Como esclarece a pesquisadora da Universidade de Rosário Susana Treviño


Ghioldi, a harmonização dos encargos sociais visa equalizar dois tipos distintos de
questões, de natureza social e de ordem econômica45, sendo possível afirmar que,
tendo em vista o objeto desse estudo, interessa mais a análise dos efeitos econômi-
co-tributários do referido fenômeno.

Com efeito, para que se possa atingir a desejada isonomia entre os agentes
econômicos no âmbito do mercado integrado, faz-se necessário que se atinja uma
harmonização dos encargos tributários incidentes sobre as relações de trabalho,
com o que se visa não só aproximar o custo da mão-de-obra nos países componen-
tes de determinado bloco econômico, mas, da mesma forma, viabilizar a transferên-
cia de trabalhadores entre os diversos países sem que isso signifique, para os
mesmos, radical alteração na sua proteção. Como salienta Edison Carlos Fernan-
des:

“A análise desses tributos é importante porque quando


se discute a constituição de um bloco econômico, essencial-
mente erguido sobre o mercado comum, o primeiro ponto a ser
tratado é a competitividade entre as empresas dos países en-
volvidos. Nesse momento, discute-se o impacto da integração
nos fatores de produção e vice-versa.
26

Dentre esses fatores de produção, que se refletem na


Página

composição do custo das mercadorias que terão livre curso no


mercado, está a carga tributária. Além dos aspectos impositi-
vos, hão de ser lembrados os encargos sociais. Esses, apesar

26
Faculdade de Minas

de tratarem de receita pública vinculada, têm um caráter es-


sencialmente tributário.” (FERNANDES, Edison Carlos. Siste-
ma Tributário do Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 142).

Assim, é possível assinalar que um dos principais objetivos que se busca al-
cançar com a harmonização dos encargos sociais é a eliminação do chamado dum-
ping social, conforme salientam Dromi, Ekmekdjian e Rivera, procura-se “obter certo
grau de eliminação das diferenças mais agudas. O que se deve evitar são as dife-
renças muito agudas que possam legar ao dumping social”

Entende-se por dumping a conduta do vendedor de uma determinada merca-


doria ou serviço de realizar suas operações de venda abaixo de seu custo de pro-
dução ou aquisição.

Em se tratando de comércio internacional, tal definição altera-se um pouco,


passando o dumping a significar a colocação de um produto, em um mercado es-
trangeiro, por um preço inferior ao praticado dentro do mercado interno do exporta-
dor, conforme pode ser depreendido do exame dos arts. 4.° e 5.° do Decreto n.°
1.602/95, que regulamenta as normas que disciplinam os procedimentos administra-
tivos relativos à aplicação de medidas antidumping:

“Art. 4.° - Para os efeitos deste Decreto, considera-se


prática de dumping a introdução de um bem no mercado do-
méstico, inclusive sob as modalidades de drawback, a preço
de exportação inferior ao valor normal.”

Art. 5.° - Considera-se valor normal o preço efetivamen-


te praticado para o produto similar nas operações mercantis
normais, que o destinem a consumo interno no país exporta-
dor.”
27

Tendo em vista essa definição genérica de dumping, é possível esclarecer


Página

que o denominado dumping social, conceito de origem franco-americana que surgiu


em meados de 199448, caracteriza-se pela competição desleal entre o produto im-
portado e o produzido no mercado interno, isso em razão da diferença existente en-

27
Faculdade de Minas

tre as garantias e direitos trabalhistas e previdenciários praticados nos países expor-


tador e importador. Como assevera Adilson Rodrigues Pires:

“O dumping social tem como característica a venda in-


centivada pelo baixo nível salarial vigente, bem como pela es-
cassa assistência social colocada à disposição do trabalhador
no país de exportação. Referidos fatores impulsionam o co-
mércio internacional, na medida em que contribuem para dimi-
nuir custos de produção, tornando o preço final mais acessí-
vel.”

Desta feita, nota-se que a paridade competitiva no seio do mercado comum


passa também por uma harmonização dos encargos sociais incidentes sobre o fator
trabalho, a qual se mostra imprescindível para que se possa evitar a prática do
dumping social dentro do mercado integrado, evitando-se, assim, que um déficit na
proteção do trabalhador possa significar uma vantagem comercial para o país ex-
portador.

DIREITO ADUANEIRO E O COMÉRCIO INTERNACIO-


NAL
O direito aduaneiro e a regulação do comércio internacional
A partir do conhecimento histórico da evolução do comércio internacional e
sua regulação, podemos apontar para a existência de uma disciplina jurídica em
desenvolvimento, denominada de Direito Aduaneiro, de caráter multidisciplinar e
intervencionista, definido por Ricardo Xavier Basaldúa como conjunto de normas
jurídicas que tem por objeto regular o tráfego internacional de mercadorias10. Seu
objeto de estudo é o Comércio Internacional, considerado como seu antecedente, e
a relação aduaneira, como seu consequente.

A administração aduaneira, responsável pelas atividades aduaneiras, é nor-


28

malmente designada de Aduana (Customs, Douane) e a repartição pública na qual


Página

normalmente ficam lotados os funcionários aduaneiros é designada de Alfândega.


Trata-se de um ente estatal encarregado de controlar as operações de comércio
exterior do país. Horácio Félix Alais, partindo de uma concepção histórica da Adua-

28
Faculdade de Minas

na como uma agência responsável por controlar a entrada e saída de mercadorias


de uma região, incluindo a arrecadação de tributos e aplicação de restrições, a partir
de razões de estado, conveniência ou vontade do governante, define a Aduana co-
mo:

el organismo del Estado encargado de aplicar las políti-


cas de comercio exterior que establezca la autoridad compe-
tente, y de efectuar el control relativo a las prohibiciones de ca-
rácter económico y no económico, y eventualmente recaudar
cuando así este previsto, respecto del ingreso o egreso de
mercaderías a un territorio aduanero o desde é, en la medida
en que éstas estén afectadas al tráfico internacional (Cf. FÉLIX
ALAIS (2008).

Dada a relevância das atividades aduaneiras e do comércio internacional, seu


tratamento jurídico através do Direito Aduaneiro, considerando ou não sua autono-
mia como ramo do Direito, o conhecimento das normas aduaneiras que regulam o
comércio internacional são de vital importância para o desenvolvimento econômico
de cada país, sendo necessário sua perfeita delimitação, com conhecimento e do-
mínio de sua estrutura, funções, princípios e sua ligação com os demais ramos do
Direito, especialmente o Direito Tributário.

Os elementos essenciais do direito aduaneiro


Para caracterizarmos uma operação comercial como internacional, ela deve
ocorrer transpondo o limite territorial ou político de um ente soberano. Caso contrá-
rio, o que ocorre é uma operação de comércio interno, onde as normas aplicadas
deverão ser exclusivamente de direito interno. Já naquelas, a operação comercial
sujeita-se às normas de Direito Internacional Público e Privado. Interessam-nos no
presente estudo as normas de Direito Público e especialmente as normas de Direito
Aduaneiro, cuja influência do Direito Internacional é de grande relevância.
29

Segundo Ricardo Xavier Basaldúa, para denominarmos uma matéria como


Página

aduaneira é indispensável encontrar seus pressupostos básicos, que são a existên-


cia de um território aduaneiro, a existência de uma mercadoria, e sua introdução ou
saída, denominada de importação e exportação.

29
Faculdade de Minas

O primeiro elemento essencial do Direito Aduaneiro é o território. Não aquele


conceito geográfico ou político apenas, mas sua conotação aduaneira: o território
aduaneiro. A Convenção de Quioto Revisada define o território aduaneiro como
sendo o território onde se aplica a legislação aduaneira de uma Parte Contratante.
Trata-se de um território delimitado por uma fronteira aduaneira.

Diferente do conceito de território político, no qual a soberania é elemento de-


terminante, no conceito aduaneiro o território pode estar compreendido na comu-
nhão de vários entes soberanos, como no caso de uniões aduaneiras (o exemplo da
Comunidade Europeia é o mais forte), ou mesmo dentro de um território político e
geográfico, como nos casos das zonas francas (exemplo mais conhecido é a Zona
Franca de Manaus, que faz parte do território brasileiro, mas possui um tratamento
aduaneiro especial).

Após diferenciarmos o território aduaneiro do território geográfico e político,


as demais considerações para a caracterização do comércio internacional devem
ser observadas: apenas nos casos em que a operação comercial é feita transpondo
a fronteira do território, no caso aduaneiro, a operação pode ser caracterizada como
uma operação de comércio exterior, do ponto de vista específico de um país, com
sua conotação aduaneira.

Outro elemento essencial para o Direito Aduaneiro é a mercadoria.

Considerando o comércio internacional como objeto de estudo do Direito


Aduaneiro, chega-se à mercadoria, o objeto material da atividade comercial. A dou-
trina aduaneira é unânime ao definir mercadoria, para fins aduaneiros, como todo
objeto suscetível de tráfego internacional e passível de controle16. Nesse conceito,
temos como mercadoria não apenas o objeto sujeito à comercialização, mas uma
acepção mais ampla, como aqueles objetos sujeitos ao tráfego internacional por
qualquer outro motivo.

A individualização da mercadoria, por meio de sua codificação, permite o con-


30

trole por parte das autoridades aduaneiras, e a imposição de restrições ao tráfego e


Página

a sua tributação. Sem o conhecimento da mercadoria objeto do comércio internaci-


onal, a autoridade aduaneira não pode exercer sua função.

30
Faculdade de Minas

Por esse motivo, associado à tradição, alguns doutrinadores defendem que


apenas o que for passível de controle por parte da Aduana poderia ser considerado
como objeto do comércio internacional, dentro do conceito estrito de mercadoria17 .
Esses autores partem da figura histórica (e ainda presente) do posto aduaneiro na
fronteira, que faz a conferência física de todas as mercadorias que ultrapassam a
fronteira, sem considerar as limitações desse tipo de controle na atualidade derivado
do volume de comércio exterior do país (e mesmo da unidade aduaneira de contro-
le), e sem considerar a evolução do comércio internacional, que apresenta outros
itens passíveis de comercialização, como por exemplo, os serviços e os intangíveis.

Considerar que a Aduana, na atualidade, tem como objeto apenas a merca-


doria física por ser a única passível de controle e apreensão é limitar sua atuação,
restringindo a atuação aduaneira a uma época que já faz parte da história. O artigo
10 do Código Aduaneiro Argentino, com a redação dada pela Lei 25.063, define
mercadoria como todo objeto suscetível de ser importado ou exportado, já dentro de
um conceito amplo de mercadoria. A exposição de motivos do referido código ex-
pressamente apontou que todos os objetos passíveis de importação e exportação
estão sujeitos ao controle aduaneiro, incluindo os serviços e os direitos de proprie-
dade intelectual.

O controle sobre o comércio internacional de serviços e de intangíveis repre-


senta um grande desafio para a Aduana do século XXI, e não pode ser ignorada
como uma atividade não-aduaneira. Se historicamente quem sempre efetuou o con-
trole sobre o comércio internacional, seja com fins arrecadatórios, seja com fins de
aplicação de restrições, ou apenas como atuação do soberano sobre o território, foi
a Aduana, por que então outro órgão seria responsável pelo controle do comércio
internacional de serviços e intangíveis? Apenas porque seu controle requer novos
métodos de fiscalização? A função de controle é primordialmente e exclusivamente
aduaneira, pois o objeto de controle continua sendo o comércio internacional.
31

Em 02 de abril de 2012, foi instituída pelo Decreto nº 7.708 a Nomenclatura


Brasileira de Serviços, Intangíveis e outras Operações que Produzam Variações no
Página

Patrimônio (NBS), disponibilizando para o Brasil um referencial para a classificação


de comércio e serviços como produtos, possibilitando sua individualização e, conse-

31
Faculdade de Minas

quentemente, seu controle. Também entrou em operação em 1º de agosto de 2012


o Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Opera-
ções que Produzam Variações no Patrimônio (SISCOSERV), viabilizando o controle
sobre o comércio exterior de serviços, por meio de sua medição informatizada e da
geração de dados estatísticos que servirão como orientador para os mecanismos de
apoio ao comércio exterior de serviços.

Conclui-se que a mercadoria, dentro de um conceito amplo (de tudo aquilo


suscetível de ser importado ou exportado) é o objeto principal do Direito Aduaneiro,
sobre o qual incidirá toda a normatização aduaneira quando ultrapassar os limites
do território aduaneiro.

AS FUNÇÕES DA ADUANA
O controle aduaneiro
Segundo Ricardo Xavier Basaldúa, a função essencial da Aduana, cuja au-
sência a descaracteriza, é o controle que deve exercer sobre as mercadorias objeto
do tráfego internacional, ou seja, sobre as importações ou exportações. Trata-se do
princípio da universalidade do controle aduaneiro, sem o qual não existe função
aduaneira, que retrata a soberania do território.

A Convenção de Quioto Revisada define “Controle aduaneiro” como o conjun-


to de medidas tomadas pelas Alfândegas com vista a assegurar a aplicação da le-
gislação aduaneira. Para Rosaldo Trevisan, o exercício do controle aduaneiro sobre
as mercadorias procedentes ou destinadas ao exterior é o papel essencial da Adua-
na, ou seja, “regular o fluxo de comércio exterior, estabelecendo incentivos ou res-
trições, e fiscalizando-os, para garantir sua correta aplicação”.

A Convenção de Quioto Revisada prevê, no seu Anexo Geral, Norma 6.1,


que todos os bens que sejam introduzidos no território aduaneiro ou dele saiam,
estão sujeitos ao controle aduaneiro. O controle pode ser exercido em três momen-
32

tos: (i) antes da chegada da mercadoria; (ii) no momento da apresentação da mer-


Página

cadoria às autoridades aduaneiras; e (iii) após o desembaraço aduaneiro das mer-


cadorias.

32
Faculdade de Minas

Não se trata de uma verificação absoluta de toda mercadoria importada ou


exportada, visto que tal verificação é efetuada por amostragem, mas a sujeição de
todas as mercadorias ao controle, ou seja, a possibilidade de que em algum mo-
mento as mercadorias poderão ser verificadas e as operações efetivamente contro-
ladas. “Verificação das mercadorias” significa a operação pela qual as Alfândegas
procedem ao exame físico das mercadorias a fim de se assegurarem de que a sua
natureza, origem, estado, quantidade e valor estão em conformidade com os dados
da declaração de mercadorias, segundo definição da Convenção de Quioto Revisa-
da.

Podemos considerar o Controle Aduaneiro como o bem jurídico tutelado pelo


Direito Aduaneiro, representando o poder soberano do Estado e seu poder de polí-
cia, atuando na proteção da sociedade, através do combate à importação de mer-
cadorias de importação restrita ou proibidas, como instrumento de combate ao tráfi-
co de drogas, de armas e lavagem de dinheiro, e ainda, como proteção à sociedade
no que diz respeito à saúde pública e proteção do meio ambiente. Reflete também
outra característica do Direito Aduaneiro: a formalidade requerida nos atos pratica-
dos junto à administração aduaneira, não como mera obrigação acessória e buro-
crática, mas como medida de controle e segurança dos atos aduaneiros praticados.

Na normativa brasileira, temos a previsão no Regulamento Aduaneiro, apro-


vado pelo Decreto nº 6.759/2009, que dispõe sobre o exercício da administração
aduaneira, compreendendo a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior,
essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, em todo o território adua-
neiro. Também consta do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012, sua competência
na administração tributária federal e aduaneira, bem como a direção, supervisão,
orientação, coordenação e execução dos serviços de administração, fiscalização e
controle aduaneiros.
33

A aplicação de restrições
Página

A segunda função clássica da Aduana é a aplicação de restrições e proibi-


ções à importação e à exportação. Essa função aproxima o Direito Aduaneiro do
Direito Econômico, como instrumento de política aduaneira, que define a forma e o

33
Faculdade de Minas

grau de interação comercial do Estado com o resto do mundo, e as prioridades da


política econômica traçadas pelo governo, com base nas demandas econômicas e
sociais do país.

A abertura comercial do país, derivada da globalização e internacionalização


da economia, tende a ser direcionada pela política econômica, na qual a política
aduaneira está incluída, com a definição do grau de abertura, dos setores econômi-
cos que serão impactados com a abertura comercial, considerando os reflexos soci-
ais e econômicos dessa abertura. A implantação de medidas de protecionismo co-
mercial (proibições e restrições à importação) são o extremo dessa função aduanei-
ra. Mas também refere-se às medidas microeconômicas, como restrições a itens
específicos destinados a determinados setores que apresentam problemas concor-
renciais ou mesmo de preço, de forma temporária. Tratam-se de medidas aduanei-
ras na proteção da economia.

Entre os instrumentos de restrições, destacam-se os Direitos aduaneiros (an-


tidumping e compensatórios) e os contingentes. Os direitos antidumping e compen-
satórios visam combater as práticas desleais de competição internacional em maté-
ria de preços (mercadorias importadas com preços inferiores aos normais de mer-
cado). Os direitos antidumping têm por objetivo complementar as quantias a pagar
pela importação de mercadorias. Já os direitos compensatórios atacam o subsídio,
compensando a subvenção ou subsídio concedido pelas autoridades do país de
origem ou de exportação, mesmo que indiretamente. Os contingentes são medidas
aduaneiras que fixam um direito para a importação de uma quantidade limitada de
determinadas mercadorias (volume do contingente), por determinado período de
tempo.

Outro exemplo de atuação da Aduana, com proteção da sociedade, é encon-


trado no estabelecimento de proibições de importações que causariam grande pre-
juízo social, à saúde, ao meio ambiente e à segurança, de acordo com a conjuntura
34

social e econômica de cada país em um dado momento.


Página

A tributação aduaneira
A terceira função clássica da Aduana, e durante muito tempo a mais relevan-
te, é a tributação aduaneira, mediante a arrecadação e fiscalização dos tributos inci-

34
Faculdade de Minas

dentes sobre as operações de comércio exterior. Ricardo Basaldúa21 não a consi-


dera como uma função essencial do Direito Aduaneiro, sendo perfeitamente possí-
vel a existência de Aduana sem a imposição tributária. As denominadas medidas
tarifárias representam a atuação estatal regulatória por indução, mediante a criação
de incentivos fiscais por meio de regimes aduaneiros especiais, ou mediante a ma-
joração da alíquota incidente sobre impostos de importação sobre determinados
produtos. Roosevelt Baldomir Sosa assim apresenta a função tributária da Aduana,
com destaque para sua função extrafiscal:

Não incumbe às alfândegas apenas controlar os fluxos


internacionais, esse “ir-e-vir” de veículos, mercadorias e pes-
soas, desta para aquela nação. É que os Estados extraem dos
fenômenos de ingresso e saída de mercadorias consequências
econômico-tributárias, na forma de imposições fiscais, a cujo
teor se pratica, virtualmente, na política tributária de Comércio
Exterior. Assim, pode-se tributar a importação ou a exportação
de mercadorias, bens ou serviços, visando arrecadar recursos
financeiros para o Erário, o que se verifica especialmente na-
quelas economias ainda sustentadas por atividades primárias,
as chamadas economias agrícolas. Mas também pode-se taxar
ou desonerar essas importações ou exportações em função de
estimular ou desestimular certa atividade econômica, através
de um direcionamento da política tributária de Comércio Exte-
rior, que conhecemos como função extrafiscal (não arrecadató-
ria) do tributo. [...] O grau de desenvolvimento econômico rela-
tivo é que dita a política de Comércio Exterior, inscrevendo-se,
nesse escopo, o equilíbrio das balanças comercial e de paga-
mentos. É através da tributação aduaneira, ou de Comércio
Exterior, que a extrafiscalidade se materializa como função de
35

politica econômica, sendo esta uma das características da ati-


Página

vidade alfandegária. ( Cf. SOSA (1996)).

Os impostos extrafiscais são aqueles previstos na ordem constitucional cuja


função principal não é a obtenção de recursos ao erário público, mas como instru-

35
Faculdade de Minas

mento de política social e econômica, na qual também se inserem as políticas de


comércio exterior. Claro está que os impostos extrafiscais não perdem seu caráter
tributário: continuam sendo tributos. Entretanto, a finalidade de sua instituição e re-
gulação não é, necessariamente, arrecadação de recursos ao erário público, mas
intervenção estatal na vida econômica e social da nação.

A ADUANA E AS MEDIDAS DE FACILITAÇÃO COMER-


CIAL
O comércio internacional e especificamente o comércio exterior brasileiro tem
passado por alterações significativas nos últimos vinte anos. Considerando o perío-
do de 1990 a 2011, o volume transacionado no comércio internacional quintuplicou-
se, e as importações brasileiras multiplicaram-se por dez. A participação brasileira
relativa nas importações mundiais passou de 0,63% em 1990 para 1,29% em 2011.

Com a evolução do comércio internacional, a Aduana defronta-se com uma


nova realidade a demandar novas soluções. O tema da “facilitação comercial” (trade
facilitation, em inglês) enquadra-se nesse novo cenário comercial internacional, po-
dendo caracterizar-se como uma nova função aduaneira, dentro dessa concepção
contemporânea.

Pode-se definir a “facilitação comercial” como um conjunto de medidas utili-


zadas com a finalidade de tornar o comércio entre países mais acessível, visando
uma variedade de esforços para reduzir os custos de comércio transfronteiriço. O
tema é tratado é tratado na Organização Mundial do Comércio pelo acordo do GATT
1994, no que tange especificamente ao artigo V (respeito à liberdade de trânsito
aduaneiro), artigo VIII (simplificação e redução de formalidades) e artigo X (transpa-
rência nas ações governamentais, previstas em procedimentos publicados em nor-
mas). O tema também esteve presente nas conferências ministeriais da OMC, des-
de Cingapura, em 1996, a Bali, em 2013.
36

A “facilitação comercial” trata da busca contínua para equacionar o controle


Página

aduaneiro, indispensável na temática aduaneira, com seus reflexos financeiros, visto


que as atividades de controle exercidas pela Aduana são reconhecidamente um
elemento que onera de forma considerável os custos logísticos das operações co-

36
Faculdade de Minas

merciais. Para evitar que o aumento dos custos resulte numa diminuição do volume
do comércio internacional, buscou-se uma nova etapa na administração aduaneira,
por meio de medidas de “facilitação do comércio”, mediante a simplificação e a har-
monização das atividades aduaneiras.

Além disso, as especificidades da internacionalização das empresas e da


economia, como por exemplo as cadeias globais de valores, e estratégias de distri-
buição global eficazes, demandam das administrações aduaneiras procedimentos
céleres para facilitar as operações comerciais e favorecer os investimentos. Nesse
início de século, a Aduana está sendo questionada a conceber métodos mais flexí-
veis de controle, de forma a não prejudicar o comércio internacional, por meio de
medidas de gestão de riscos, novas ferramentas tecnológicas e o intercâmbio de
informações. A facilitação comercial proposta não significa a liberalização do comér-
cio e a minimização do controle, mas uma nova forma de controle aduaneiro.

Dessa maneira, práticas de boa gestão aduaneira têm sido compartilhadas no


sentido de propor soluções para o aparente conflito entre facilitação comercial e o
controle aduaneiro. Eis algumas premissas para a implantação dessa possível nova
função aduaneira: o controle aduaneiro será exercido de forma a utilizar mais atribu-
tos de inteligência, por meio de sistemas de controle informatizados que permitirão o
gerenciamento do risco em cada operação de comércio exterior, de cada interveni-
ente, de cada origem e de cada tipo de mercadoria, concentrando a mão-de-obra
aduaneira na zona primária nas operações com maior risco, com a verificação das
demais operações em procedimentos fiscais a posteriori, por meio de auditorias fis-
cais nos estabelecimentos dos importadores e exportadores. Trata-se de uma mo-
dernização de procedimentos de auditoria-fiscal, em geral, e dos procedimentos
aduaneiros, em especial.

A Convenção de Quioto Revisada constitui importante instrumento para pro-


mover a facilitação comercial internacional. Em seu preâmbulo, nota-se a preocupa-
37

ção das partes contratantes em contribuir para o desenvolvimento do comércio in-


ternacional, através da simplificação e da harmonização dos regimes aduaneiros e
Página

das práticas aduaneiras e da promoção da cooperação internacional, com a consta-

37
Faculdade de Minas

tação que os benefícios decorrentes da facilitação do comércio internacional pode-


rão ser alcançados sem atentar contra as normas que regem o controle aduaneiro.

A convenção baseia-se na aplicação dos seguintes princípios: (i) execução


de programas de modernização permanente dos regimes aduaneiros e práticas
aduaneiras e de melhoria da sua eficácia e do seu rendimento; (ii) aplicação dos
regimes aduaneiros e das práticas aduaneiras de forma mais previsível, coerente e
transparente; (iii) disponibilização de toda a informação necessária às partes inte-
ressadas, no que se refere à legislação, regulamentação, diretivas administrativas,
regimes aduaneiros e práticas aduaneiras; (iv) adoção de técnicas modernas, tais
como sistemas de gestão de risco e controles de auditoria bem como a mais ampla
utilização possível das tecnologias da informação; (v) cooperação, sempre que for
caso disso, com outras autoridades nacionais, outras administrações aduaneiras e o
comércio; (vi) aplicação de normas internacionais adequadas; (vii) abertura às par-
tes interessadas de vias de recurso administrativo e judicial facilmente acessíveis.

No anexo geral da convenção, em seu capítulo 6, encontra-se uma importan-


te disposição sobre o controle aduaneiro dentro de sua moderna concepção, conju-
gando-se com medidas de facilitação comercial: a gestão de risco, auditoria a poste-
riori, uso da tecnologia da informação e cooperação aduaneira.

A preocupação com essa nova realidade e a busca por soluções foi objeto de
estudo da OMA intitulado “A Aduana do Século XXI”, no qual foram apresentadas as
seguintes orientações para as administrações aduaneiras: procedimentos de de-
sembaraço aduaneiro simplificados e automatizados a partir de um sistema de ge-
renciamento de risco, combinado com procedimentos fiscais de auditoria a posterio-
ri, a partir de uma legislação clara, transparente e previsível, baseada nos instru-
mentos elaborados pelas organizações internacionais.

Outro dispositivo elaborado pela OMA, aprovado em 2005, o Marco Normati-


vo para Assegurar e Facilitar o Comércio Global (SAFE), no qual é apresentado um
38

conjunto de medidas de facilitação comercial, considerada como um dos motores


Página

essenciais para a prosperidade econômica, e assegurar a segurança da cadeia de


suprimentos internacional, a serem adotados como nível mínimo a ser implementa-
do pelos Membros da OMA. A estrutura normativa propõe que as administrações

38
Faculdade de Minas

aduaneiras facilitem o movimento do comércio legítimo, através da modernização de


suas operações aduaneiras.

Na 9ª Conferência Ministerial da Organização Mundial de Comércio, realizada


em 7 de dezembro de 2013, em Bali, na Indonésia, foi aprovado o Acordo sobre Fa-
cilitação de Comércio. Entre outras medidas, o Acordo aprovado prevê a adoção de
procedimentos que permitam a apresentação de documentos previamente à chega-
da das mercadorias, como forma de agilizar a liberação das mercadorias, além da
separação entre a liberação das mercadorias e a determinação definitiva dos direi-
tos, tributos ou taxas envolvidas.

Em nossa opinião, uma das principais medidas previstas no Acordo aprova-


do, embora já existente na normativa da OMA, está a adoção do procedimento de
auditoria a posteriori, com a verificação posterior ao despacho aduaneiro do cum-
primento das leis e regulamentos aduaneiros, com a possibilidade de lançamento
em caso de incorreção, e sua validade em procedimentos administrativos e judiciais
posteriores. O tema ganhou indiscutível importância acerca do caráter vinculante do
Acordo Internacional, cujas medidas compulsórias impactarão os procedimentos
aduaneiros porventura colidentes.

Podemos concluir que o tema da “facilitação comercial” deve ser considerado


dentro da função máxima de controle aduaneiro, mediante a simplificação e a har-
monização das atividades aduaneiras, com a implantação de medidas de gestão de
riscos, auditorias a posteriori, uso de novas ferramentas tecnológicas e o intercâm-
bio de informações. A facilitação comercial proposta não significa a liberalização do
comércio e a minimização do controle, mas uma nova forma de controle aduaneiro.

O DIREITO ADUANEIRO NO ORDENAMENTO JURÍDI-


CO BRASILEIRO
A previsão constitucional das atividades aduaneiras
39

A Constituição Federal de 1988 destaca a competência privativa da União pa-


Página

ra legislar sobre comércio exterior e para instituir o imposto de importação sobre


produtos estrangeiros e de exportação. Também se relaciona à matéria aduaneira o

39
Faculdade de Minas

artigo 170 da Constituição de 1988, que estabelece os princípios gerais da atividade


econômica, na qual a atividade aduaneira também está inserida.

Entretanto, o artigo que reproduz toda a preocupação do constituinte com o


Direito Aduaneiro é o artigo 237, com a expressa referência ao Controle Aduaneiro,
merecendo sua transcrição integral nesse texto, verbis: “A fiscalização e o controle
sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais,
serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”.

A extensão do conteúdo do referido artigo não é destacada por nossos dou-


trinadores brasileiros, seja por desconhecimento da matéria aduaneira, ou por en-
tender que se trata apenas de uma norma de competência constitucional, mas me-
receu atenção do Supremo Tribunal Federal, que em algumas vezes analisou seu
conteúdo e alcance.

No Agravo Regimental em Suspensão de Segurança nº 621-6, em que se


discutia a restrição imposta por ato infralegal à restrição de importação de veículos
usados, o Ministro relator Octavio Gallotti afirmou que a competência de fiscalização
e controle do artigo 237 da Constituição Federal é uma competência normativa que
não poderia ser contrastada pelo princípio da reserva legal. Para o ministro, o artigo
237 claramente conferiu ao Poder Executivo, não ao Poder Legislativo, a competên-
cia para a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, incluindo, nesse con-
ceito, a competência para editar normas.

No Recurso Extraordinário nº 203954-3, no qual também se discutia a restri-


ção imposta por ato infralegal à restrição de importação de veículos usados, o Minis-
tro relator Ilmar Galvão afirmou que, além da atribuição expressa ao Ministério da
Fazenda relativo à fiscalização e ao controle sobre o comércio exterior, o artigo 237
da Constituição Federal considerou tais funções como “essenciais à defesa dos inte-
resses fazendários nacionais”. O Ministro relator destacou em seu voto a proteção à
economia nacional efetuada pela edição do ato administrativo que vedou a importa-
40

ção de bens de consumo usados, considerados como lesivos ao interesse público,


Página

como uma legítima medida de política econômica. O Ministro Ilmar Galvão interpre-
tou o dispositivo constitucional em consonância com a função primordial da Aduana:
o controle aduaneiro, que visa a proteção da economia e da sociedade, de acordo

40
Faculdade de Minas

com a política econômica determinada pelo Governo Federal. O destaque dado pelo
constituinte ao controle aduaneiro, essencial à defesa dos interesses fazendários
nacionais, mereceu a devida consideração do Ministro Ilmar Galvão.

No referido julgamento, o Ministro Maurício Corrêa, que acompanhou o voto


do relator, destacou a autorização constitucional para edição de normas com vistas
ao controle aduaneiro, de forma a impedir o ingresso de produtos no território nacio-
nal, até por Portaria do Ministro da Fazenda, sem a necessidade de lei autorizativa.
No mesmo sentido votou o Ministro Carlos Velloso, afirmando ser desnecessária a
edição de lei que o autorize a proibir, por entender que a competência do Ministério
da Fazenda para proibir decorria diretamente da Constituição. Já o Ministro Celso
de Mello entendeu que a autoridade e a eficácia da norma infralegal em discussão
era indiscutivelmente revestida do mais elevado grau de positividade jurídica em
nosso sistema normativo: o próprio texto da Constituição da República. Para o Mi-
nistro Celso de Mello,

permite asserir que a própria Constituição da República


outorgou às autoridades administrativas do Ministério da Fa-
zenda, em norma atributiva de poderes, a competência para o
exercício da fiscalização e do controle sobre o comércio exteri-
or, viabilizando, desse modo, com todos os meios instrumen-
tais necessários à sua colimação, o desempenho de funções
qualificadas pelo ordenamento positivo como essenciais à de-
fesa dos interesses fazendários nacionais.

O Ministro finaliza seu voto afirmando que:

o exercício do poder outorgado pela Carta Política ao


Ministério da Fazenda (art. 237) constitui fator de concretiza-
ção dos objetivos essencialmente extrafiscais que qualificam a
prática da competência federal, em sede de comércio exterior
41

[...] numa perspectiva de ordem estritamente extrafiscal, que


Página

se submeta à discrição governamental a indicação – sempre


feita em caráter impessoal e em bases racionais e objetivas –
dos bens insuscetíveis de importação, por assumir a respectiva

41
Faculdade de Minas

internação em território brasileiro, em dado momento histórico,


um caráter potencialmente danoso à economia nacional. [...]

Portanto, conclui-se que a Constituição Federal determina que o controle


aduaneiro é essencial à defesa dos interesses nacionais, destacando a importância
desse bem jurídico tutelado pelo Direito Aduaneiro, sendo determinante para a aná-
lise de todas as normas infraconstitucionais e operações de comércio exterior brasi-
leiro, por expressa determinação constitucional.

A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO ADUANEIRO, DIREITO


TRIBUTÁRIO E DIREITO ECONÔMICO
O Direito Aduaneiro, considerado como um conjunto de normas que regulam
o tráfego internacional de mercadorias ou como um conjunto de proposições jurídi-
co-normativas que disciplinam as relações entre a Aduana e os intervenientes nas
operações de comércio exterior, se integra com uma pluralidade de normas que po-
dem ser classificadas como tributárias, penais, administrativas, comerciais, proces-
suais e constitucionais, de acordo com o objetivo da classificação.

Considerando as funções principais da Aduana, a regulação do tráfego inter-


nacional de mercadorias pode ser classificada de diferentes maneiras: (i) quando a
regulação se dá através do controle aduaneiro, estaremos no campo do Direito
Aduaneiro Administrativo; (ii) quando a regulação ocorre através da aplicação de
restrições, também estaremos no campo do Direito Aduaneiro Econômico; (iii)
quando a regulação ocorre através da tributação, estaremos no campo do Direito
Aduaneiro Tributário, ou do Direito Tributário Aduaneiro, dependendo da perspectiva
que se adote; (iv) em relação à questão da facilitação comercial, também estaremos
no campo do Direito Aduaneiro Econômico.

O Direito Econômico trata da normatização das atividades econômica prati-


cadas pelos agentes econômicos que necessitam de regulação, sejam para prote-
42

ger os direitos individuais, sejam para proteger os interesses coletivos, através da


Página

atuação estatal como agente regulador ou interventor direto nas atividades econô-
micas. A função aduaneira de aplicação de restrições, assim como as medidas de
facilitação comercial, insere-se também no campo de competência do Direito Eco-

42
Faculdade de Minas

nômico, com sujeição aos princípios da Constituição Econômica (artigo 170, da


Constituição Federal de 1988). Essa forma de intervenção do Estado, como regula-
dor da atividade econômica em sentido estrito, exerce pressão sobre a economia,
através de normas e mecanismos de observância compulsória pelos agentes
econômicos.

A primazia do caráter regulatório da tributação aduaneira, além dos institutos


e princípios próprios, permite-nos direcionar nossa classificação para o Direito Adu-
aneiro Tributário. Regina Helena Costa, em seu estudo sobre a existência de um
Direito Aduaneiro, destaca a extrafiscalidade como o ponto diferenciador entre as
disciplinas:

não há que confundir o Direito Aduaneiro com o Direito


Tributário, na sua porção disciplinadora dos tributos sobre o
comércio exterior, uma vez que as relações jurídicas compre-
endidas no primeiro são de natureza necessariamente admi-
nistrativa, ainda que, por vezes, voltadas à realização de fins
tributários. O caráter regulatório, típico do Direito Aduaneiro,
faz exsurgir o ponto de toque entre essa disciplina e o Direito
Tributário: a extrafiscalidade.( Cf. COSTA (2004)).

Concluímos, portanto, que o elemento diferenciador entre o Direito Aduanei-


ro, na sua vertente de tributação aduaneira, e o Direito Tributário, está na finalidade
da norma de tributação, conjugando com campo de estudo também do Direito Eco-
nômico. A relação entre esses ramos do Direito é de interseção. A aplicabilidade de
princípios gerais tributários às normas aduaneiras será determinante apenas quan-
do a questão referir-se aos tributos aduaneiros, a partir da análise individualizada do
caso e respeitando a normativa aduaneira, visto que o Direito Aduaneiro é um ramo
reconhecidamente especializado, com particularidades, exceções e institutos pró-
prios.
43
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