Revista de Estudos Bíblios - Cristianismo em África
Revista de Estudos Bíblios - Cristianismo em África
Revista de Estudos Bíblios - Cristianismo em África
Esta obra, já publicada nas línguas inglesa e francesa, é proposta por John Baur como um contributo de
reflexão histórica na área do estudo das Religiões, particularizado no Cristianismo e circunscrito ao
espaço africano. O livro está divido em 20 capítulos, agrupados em 4 partes:
O texto transcrito é o marco que assinala o início da caminhada do Cristianismo para África, através do
funcionário da rainha da Etiópia, convertido pelo apóstolo Filipe, por volta do ano 36 (o ano 62 é o da
fundação da primeira igreja cristã em África).
A partir do ano 36, esta história de vinte séculos está escrita pela ação de milhares de missionários,
políticos, sertanejos, negociantes, aventureiros, guerreiros, feiticeiros, reis e convertidos, homens e
mulheres, que tenazmente lutaram, viveram e morreram ora pela divulgação da Boa Nova, ora pela
conquista e expansão de influências e ganhos, ora na defesa dos seus espaços contra a intrusão
abusiva, dissimulada ou sub-reptícia de estranhos olhares e vontades.
São curiosamente emotivos os relatos que o autor faz da implantação do Cristianismo no Continente
africano, iniciada nos grandes centros urbanos do Norte de África, com destaque para Alexandria, cujo
Patriarcado (ortodoxo) garantiu, durante longos anos, através das suas missões, a penetração até
terras da Abissínia, sustentando-as de missionários e, não poucas vezes, socorrendo-as com as armas.
Quando, em 640, o Crescente chega à Etiópia, encontra um Cristianismo tão vivo e disseminado que os
seus habitantes são descritos como "um povo humilde de padres e monges" (p.31).
Mesmo depois da intensa implantação do Islã e conseqüente recuo do Cristianismo, foi a partir do Norte
que continuou a ser alimentado o contínuo fio da fé cristã que teimosamente avançava pelo deserto e
mantinha a vida de comunidades do Leste da África, até bem perto da linha do Equador. De 697 a 1270,
o reino cristão da Núbia garantia a fé de Cristo, desde Assuão até ao Nilo Azul, e, de 1270 a 1527, foi a
Etiópia que sustentou o facho cristão.
Com a deterioração das relações entre cristãos e muçulmanos e com a intensificação sufocadora do
avanço islâmico, essas comunidades foram ficando cada vez mais isoladas do contacto com o Ocidente,
mas, permanentemente, chegavam à Cristandade ecos dos seus pedidos de ajuda. Durante todo o
século XV, Portugal foi dos países que mais intensamente prestou atenção a esses rumores, que lhe
chegavam de uma forma nebulosa, onde o mito e a história se confundiam. Pêro da Covilhã, por terra,
e Vasco da Gama, por mar, cumpriram o propósito de trazer a notícia dessas terras cristãs, conhecidas,
então, por Terras do Preste João, bem em frente das rotas orientais da misteriosa Índia das especiarias.
A partir de 1500, a penetração missionária, na costa ocidental de África, a conversão do extenso reino
do Manicongo, a ação do seu rei Afonso que com o filho, o bispo Henrique, fizeram alastrar o
Catolicismo com efeitos que se prolongaram por mais de trezentos anos, e, um século depois, a
conversão do enorme reino do Monomotapa, a leste do Continente, fizeram sonhar alguns "apóstolos da
facilidade" com a grande reunião a Roma da Etiópia e a posterior e definitiva conquista da África para o
Cristianismo.
A incapacidade de uma análise profunda das sociedades autóctones, por parte dos responsáveis da
missão, aliada a comportamentos de pretensa superioridade racista e de predestinação civilizacional,
bem característicos da mentalidade da Idade Moderna, terão comprometido muitas das �boas
intenções� que norteavam os primeiros contactos, como bem ilustra a seguinte afirmação do padre
Gonçalo da Silveira (1521-1561), quando deu conta das suas impressões acerca dos povos do império
do Monomotapa: "os seus habitantes são como uma tabula rasa, não têm ritos pagãos e as suas almas
são fáceis de ensinar e impressionar, por qualquer doutrina que lhes seja proposta" (p. 92), e que
acabou os seus dias às mãos do carrasco do próprio rei que havia batizado.
"Os muitos fracassos são óbvios e as suas causas devem ser investigadas. Contudo, também há muito
para admirar e o louvor deve ser atribuído, igualmente, aos heróis missionários e aos fiéis africanos" (p.
90).
Durante toda a segunda metade do séc. XVIII e séc. XIX, chegaram a África os primeiros cristãos
protestantes. Devem ter sido os maiores contingentes de cristãos, que em grupo e em diversas fases,
chegaram a este Continente. Eram populações oriundas da América, de origem africana, que o fim da
escravatura tinha liberado e que foram, pela Inglaterra, literalmente despejadas na costa ocidental,
especialmente na Serra Leoa e Nigéria. Tal como os seus antepassados, desenraizados e vendidos como
escravos para as grandes plantações americanas, estes �regressavam�, num processo de duplo
desenraizamento, a uma terra que não conheciam e para um clima bastante adverso. Os que resistiram
acabaram por se fixar nos novos países da Costa da Guiné, fundando diversas localidades de que se
destaca Freetown, pela importância adquirida. Foram os grandes agentes do cristianismo protestante.
Eram essencialmente Batistas e Metodistas, a que se foram juntando, a pouco e pouco, os missionários
chegados do Velho Continente. Mais tarde, surgirão outras confissões cristãs, cujos membros cruzarão
toda a África, juntando ao labor missionário o da investigação científica, como, por exemplo, David
Livingstone, Henry Stanley e Henri Junod.
O autor deixa-nos o relato histórico de um caminho que se fez, com os seus sucessos e insucessos, e
que ninguém hoje poderá mudar: somente podemos constatar como tudo aconteceu. Não lhe cabe a
ele, da mesma forma, como historiador, apresentar receitas com soluções para remediar o que parece
não ter resultado tão bem, mas percebe-se, ao longo do seu trabalho, a preocupação de mostrar ao
leitor como as linhas, que conduzem esta história, parecem determinadas a alcançar um final de
esperança. Confiamos na sua perspicaz leitura dos fatos, acrisolada por meio século de vivência em
África, para melhor entendermos as, freqüentemente explicitadas, expectativas das inúmeras
comunidades cristãs que emergiram ao longo de todo o último quarto do século passado.
A história do Cristianismo em África é composta de todos estes ingredientes, que, não fosse a
impossibilidade de se olvidar o hediondo período do comércio escravagista, talvez não deixasse de ser o
relato de um peculiar período de relações e inter-relações, de descobertas e de vivências, cheias das
contradições próprias da natureza humana, desenvolvidas num privilegiado, mas simultaneamente
martirizado, laboratório humano que continua a singularizar este Continente.
Depois de termos perpassado de uma forma forçosamente ligeira alguns dos temas deste extenso
trabalho, deixamos aqui, também, um pequeno apontamento a propósito daquilo que o autor considera
o posicionamento correto perante os fatos do passado e o olhar que deve ser lançado para o futuro:
"A esperança de um futuro cristão impregnou, muitas vezes, estas páginas de história africana. Essa
esperança pode ser justificada pelas palavras que o arcebispo Raymond Tchidimbo (Guiné) escreveu da
prisão: �O Cristianismo é, acima de tudo, uma religião do futuro. Aí reside o segredo da sua juventude,
a sua eterna juventude.� O futuro pertence a Cristo e àqueles que nele confiam, pois Cristo é o Senhor
da História."
https://www.pucsp.br/rever/resenha/baur01.htm 2/2