V A Igreja Ortodoxa

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V. A Igreja ortodoxa , ontem e hoje.

Jean Meyendorff. P. 71 até 83.

Face ao Islão.

As confissões de fé dos séc. XVII e XVIII.

Foi com a cristandade de Oriente que o ISLÃO confrontou – se desde as primeiras décadas de sua
ofensiva no séc. VII. O Império bizantino que, sob HÉRACLIUS (610 – 641), acabava de reconquistar
vastas regiões do antigo ORBIS ROMANUM – cuja Terra Santa – sobre os Persas , devendo recuar
diante dos invasores árabes , abandonando para eles a SYRIE, a PALESTINE, o EGIPTE e a África do
Norte.

A situação religiosa dessas regiões contribuiu , numa ampla medida, ao sucesso do ISLÃO ;
ressentimento anti- grego e anti – impérial das igrejas de língua siríaca e copta, aversão á ortodoxia
de CHALCÉDOINE, que os impéradores bizantinos tinham procurado tanto tempo impor para eles
pela força, situação que os levou a acolher com vontade os novos mestres. As vezes, a própria
hierarquia ortodoxa, inclinando – se diante o inevitável e preocupada em preservar os interesses
permanentes da Igreja, adotou a mesma atitude ; foi assim que S. SOPHRONE, patriarca de
JERUSALÉM e polemista famoso contra o monotelismo (N. Tr. ; sistema dos que admitem em Cristo
duas naturezas , mas uma só vontade), negociou em 638 a rendição da Cidade Santa sitiada. As
armadas e particularmente a frota impérial conseguiram porém parar os Árabes em 678 ; em 718,
novamente o fluxo musulmano quebrou – se diante das famosas muralhas de CONSTANTINOPLA ;
esses sucessos bizantinos tiveram assim, na extremidade oposta do mundo cristã , o mesmo papel
que a vitória de CHARLES MARTEL contra os Árabes em POITIERS em 732.

No plano religioso, o estabelecimento do poder musulmano sobre as antigas províncias orientais do


Império deu ao patriarca ecumênico de CONSTANTINOPLA uma autoridade quase exclusiva na Igreja
ortodoxa de Oriente. Assim, já falamos disso, Photius vai poder estabelecer, de acordo com o papa
João VIII, um tipo de diarquia de ROMA e de BYZANCE no mundo cristão. Doravante, os patriarcas
orientais de ALEXANDRIE , de ANTIOCHE e de JERUSALÉM , ficaram amplamente dependentes , de
fato, senão por direito, de seus colegas da capital e adotarão raramente, ao mínimo nas coisas de
interesse geral, uma atitude contrária á sua.

A partir do séc. XI, novos invasores vindos da ÁSIA, os TURCOS, estabeleceram o seu poder sobre o
califato Árabe e confrontaram – se , eles também , com BYZANCE .Convertidos ao ISLÃO , eles
ameaçarão constantemente o Império que , se bem que enfraquecidos no séc. XIII pela gigantesca
«bandidagem »  cometida em 1204 pelos Cruzados , resistirá durante 4 séculos.

Essas lutas militares que opuseram tanto tempo a Cruz com o Crescente e que ainda repercurtem –
se hoje em numerosos textos litúrgicos , não foram as únicas vias de contato entre o ISLÃO e a
cristandade oriental da Idade média. De S. J. de DAMAS (séc. VIII) até o Impérador J. CANTACUZÈNE
(XIV), os polemistas gregos lutaram para recusar o ISLãO. Os Impéradores do séc. VIII – aqueles
mesmos que conseguiram vitórias decisivas contra os Árabes – foram atraidos por certos aspectos
da civilização árabe : se eles assim provocaram a grande crise iconoclasta, eles estabeleceram,
direitamente ou indireitamente, laços culturais duradouros entre BAGDAD e CONSTANTINOPLA (1).
(1). Sobre os laços que existiam entre o Islão e o movimento iconoclasta de BYZANCE , ver o estudo
de A. GRABAR, «  o iconoclasmo bizantino, étude archéologique » Paris 1957.

Eminentes prelados e ciêntistas bizantinos - PHOTIUS, CONSTANTIN LE PHILOSOPHE, NICOLA LE


MYSTIKOS – estavam relacionando – se com eruditos musulmanos .No próprio domínio da
espiritualidade e da mística, certa interpenetração entre o DHIKR musulmano - técnica ligando a
constante menção do Nome Divino à respiração – e o hesicasmo ortodoxo dos séc. XIII e XIV aparece
aqui como provável.(2).

(2).Ver nesse assunto L . GARDET «  Un problème de mystique comparée ; la mention du Nom
Divin(DHIKR) dans la mystique musulmane » em REVUE THOMISTE, 1952, III, p. 642 – 679 ; 1953,I, p.
197 – 216. Cfr nossa « Introduction à l’ étude de Grégoire Palamas », p. 201-203. Sobre o probléma
em géral das relações entre o Oriente cristão e os Musulmanos, ver o nosso artigo « Byzantine
Vieuws of Islam »em DUMBARTON OAKS PAPERS, 18, 1964, p. 113 – 132.

Notamos porém que a influência da filosofia árabe sobre o pensamento bizantino foi quase nula : os
Bizantinos , de fato, tinham sempre acesso directo ao ARISTOTE e nunca tiveram , como os Latinos, a
« descobrir » ele por meio de traduções e comentadores árabes.

Todos esses elementos de conhecimento mútuo prepararam de modo indiscutível a sobrevivência do


cristianismo sob o jugo turco. Muitos bizantinos eminentes , durante os últimos anos do Império,
previam a possibilidade de sua queda : Eles sabiam que , no todo, o cristianismo era tolerado pelos
OTTOMANS (3).

(3).S . Grégoire PALAMAS fez em 1354 uma temporada forçada na Ásia Menor ocupada ; ele deu
uma descrição favorável da vida que os cristãos levavam nessa região. (Cfr. A nossa « Introduction »,
p. 157- 162)

Quanto aos últimos impéradores bizantinos, as suas desesperadastentativas de provocar uma


grande Cruzada ocidental contra os invasores trazia eles cada vez mais nitidamente , a renegar a
sua fé ortodoxa e aceiar as « novidades » romanas.Assim foi que , nas vésperas de queda de
BYZANCE, um grande dignitário da corte, o mega duque LUCAS NOTARAS, podia declarar
publicamente ; »Melhor ver reinar em nossa cidade o turbante turco que a mitra latina ! »E
certamente ele expressava assim a opinião de muitos.(4).

(4). DUCAS, « Histoire » XXXVIII, Ed. BONN, P. 264.

A tomada e destruição de CONSTANTINOPLA pelas armadas de MAHOMET II em 1453 permanece


como uma das grandes catastrófes na história da cristandade. Em 1456, ATHÈNES por sua vez caiu e
o PARTHÉNON que tinha sido, durante 1000 anos uma igreja cristã dedicada à Virgem, se tornou uma
mesquita, assim como S. SOPHIE de CONSTANTINOPLA. Em 1460, os Turcos apropriam – se da
MORÉE bizantina, em 1461 de TRÉZIBONDE, últimos vestígios do Império grego. Os dois estados
ortodoxos sérvios cairam por sua vez em 1459 e 1463, O Império Ottoman estendeu –se sobre o
conjunto do Oriente cristão, excepto a Rússia, que , ao contrário , liberava – se justamente do jugo
mongol e se tornava paravários séculos o apoio principal da ortodoxia do Oriente.

Sob o regime turco, a Igreja pôde porém conservar o conjunto de sua estrutura administrativa , a
qual foi até consolidada por privilégios concedidos pelo conquistador ao patriarca ecumênico de
CONSTANTINOPLA. MAHOMET II permitiu , de fato, a eleição cânonica de um novo patriarca,
GENNADIOS SCHOLARIOS, ao mesmo tempo chefe do partido anti - unionista e admirador
apaixonado de THOMAS DE AQUIN. Ele lhe concedeu pessoalmente a investidura, pronunciando a
formula ; « Seja patriarca, preserva nossa amizade e recebe todos os privilégios que possuíam os
patriarcas , os teus predecessores ! ». Esses privilégios comportavam a inviolabilidade da pessoa do
patriarca e, pelo seu intermédio, de todos os bispos, a insenção de toda taxa e AUTORIDADE CIVIL
SOBRE TODOS OS CRISTÃOS DO IMPÉRIO OTTOMAN .Esses últimos , de fato, estavam sendo tratados
no direito musulmano como uma nação única (Millet), sem consideração nenhuma para as
diferências confessionais, linguísticas ou nacionais. O ISLAM, povo de Deus, os tinham conquistados,
mas eles conservavam o direito de resolver eles – mesmos as coisas internas, conforme os preceitos
de sua religião e sob a responsabilidade única e pessoal do patriarca ortodoxo que se tornava um
tipo de KHALIFE cristão responsável diante do sultão. Assim a hierarquia grega viu – se investida de
um poder de fato, ao mesmo tempo civil e religioso , muito mais extenso que antés da conquista
turca. O patriarca de CONSTANTINOPLA adquiriu por sua vez um poder quase ilimitado não apenas
sobre os fiéis de seu patriarcado, mas sim também sobre os dos outros patriarcas orientais –
teoricamente os seus iguais - e até sobre os cristãos heterodoxos do Império Ottoman.

Os próprios bispos saudavam o titular do trono ecumênico como «  o sobreano deles, imperador e
patriarca » (5).

(5). « Historia patriarchica », Ed. BONN, p. 177.

Esse último concedeu – se doravante os insignes que, outrora, estavam reservados aos impéradores ;
ele usava a mitra em forma de coroa impérial, ele presidia num tapete que portava a imagem da
aáguia romana e deixava crescer os cabelos como os impéradores e dignatários de BYZANCE (6).

(6).Bastante rapidamente, esses diversos privilégios foram igualmente atribuidos aos bispos. Na
Rússia , eles apenas foram introduzidos no séc.XVII, com o patriarca NIKON,e onde eles perderam ,
claro, todo significado político.

Tendo se tornado « MILLET BACHI », -« Chefe da nação cristã » ou em grego « ETHNARQUE »- o


patriarca fazia figura doravante de regente de um Império conquistado.

O sistema « hierarquia étnica », tal como foi criado pelos Turcos e tal como sobreviveu até hoje em
CHYPRE e nos paises do LEVANTE, garantia a independência da Igreja cristã. Ele estava
fundamentado sobre uma noção que o Islam tinha em comum com o judaísmo ; a identificação total
do « povo de Deus » com uma entidade sociológica concreta. Por uma parte, o Islam, agrupando
todos os fiéis de ALLAH e de seu proféta, e de outra parte os fiéis de Jésus... No coração do MILLET
cristão, o poder ottoman recusava distinguir nacionalidades e contentava – se em aprovar a eleição
do patriarca e dos bispos. Esse regime teve conseqüências profundas sobre a vida dos cristões do
Oriente - Próximo :

*. Ele os cantonou num tipo de ghetto do qual eles não ousavam sair, mesmo se, por momentos ,
a sua vida material tornava – se relativamente próspera e mesmo se eles exerciam uma real
influência junto a « Porta Sublime ».Toda missão exterior , toda evangelização dos não – cristãos
tinha se tornado impossível e teria sido considerada como um crime político ; no Oriente , apenas a
Igreja russa estava em condição de prosseguir a evangelização dos não – cristãos , assim como
BYZANCE.

*. Tornando – se como « hierarco para as étnias » dos cristãos, personagem oficial do Império turco,
o patriarca e seus serviços participavam necessariamente e involuntariamente do sistema da
horrenda corrupção que reinava nos negócios da « Porta ». Cada nova eleição supunha um
pagamento importante ao governo turco, fixado cada vez pelo « Aconselhamento » da investitura ;
esse quantia era retirada seja da caixa do patriarcado – e , neste caso, devolvida pelo novo eleito no
decorrer de seu pontificado pelo meio de retiradas correspondentes nas dioceses – seja sobre os
fundos pessoais dos novo patriarca. A procedura , seja numa escala menor , era necessária para as
eleições episcopais, todas aprovadas por um Conselheiro do Sultão. Como, por outro lado, os
tituláres do trono ecumênico mudavam incessantemente, no bel prazer da política otomana, a
corrupção se tornava um mal crónico. No séc. XVIII, uma das mais sombrias épocas para a Igreja de
CONSTANTINOPLA, 48 patriarcas sucederam-se em 73 anos ! Apenas os santos podiam , nesse
sistema, permanecerem à altura da tarefa e a sobrevivência da Igreja grega , durante os 4 séculos
do jugo turco, parece – se muito como um milagre.

*. Tendo se tornado o hierarco étnico de todos os cristãos do Império turco, o patriarca de


CONSTANTINOPLA teve assim a oportunidade de estabelecer sua autoridade sobre todos os outros
centros da ortodoxia. O patriarca búlgaro de TRNOVO recebeu, desde 1394, um titular grego que
transformou – se mais tarde em simples diocese do patriarcado ecumênico . A autocefalia de OHRID
foi revogada em 1776 pelo patriarca SAMUEL I° que ab - rogou também o patriarcado sérvio de PEC.
Essa centralização acompanhava – se infelizmente, de medidas vexatórias para os povos eslavos ;
nomeação de bispos gregos nas suas dioceses e supressão do eslavão como língua litúrgica. Toda
oposição à essas medidas da parte do clero local era impossível , o patriarca do PHANAR exercendo
sobre eles, em nome do sultão , uma juridição ao mesmo tempo civil e religiosa.O nacionalismo,
essa ferida da ortodoxia moderna, floresceu assim sob o regime turco ; nacionalismo grego,
identificando a ortodoxia com o helenismo, nacionalismo eslavo que , no séc. XIX , vai obter o
restabelecimento das autocefalias numa atmosféra muito pouca cristã de revolta e desconfiança
mútua. As querelas internas foram a vergonha da ortodoxia durante os sombrios anos do jugo turco.
Elas não impediram ,porém, durante os bruscos alarmes de fanatismo anti – cristão, que novos
mártires cristãos derramassem o sangue para Cristo : o mais celebre dentre eles foi o patriarca
ecumênico GRÉGOIRE V, enforcado pelos Turcos em 1821, no mesmo dia de Pascoa e depois de ter
celebrado a liturgia solene, no grande portão do patriarcado (7).

(7).Essa porta permanece fechada até hoje em memôria de S. GRÉGOIRE V.

Graças a sua liturgia e aos escritos patrísticos conservados nas bibliotecas monásticas, a Igreja
preservou porém , sob o jugo turco, o essêncial de seu recado. Nas igrejas, as orações comunitárias, a
espantosa riqueza dos textos litúrgicos bizantinos permitiram aos Gregos e outros povos dos
BALKANS e Oriente – Médio permanecer fiéis a sua fé, agrupando – se mais estreitamente que jamais
em volta de uma Igreja porém privada de escolas, livros e clero instruido.

Alguns homens eminentes de igreja souberam , por outro lado, manter a Tradição teólogica de
BYZANCE. Alguns foram autodidactas, outros foram estudar no Ocidente e cairam ferqüentemente
sob a direita influência de seus mestres católicos ou protestantes. As ideias da Reforma e da Contra
– Reforma penetraram assim no Oriente e a Igreja teve que , em condições materiais e espirituais
deploráveis , testemunhar de sua ortodoxia. Os teólogos dos séc. XVII e XVIII fizeram isso como que
no escurro, usando argumentos romanos contra os protestantes e argumentos protestantes contra
os romanos. A própria política nem ficou ausente desses « vai e volta » ; em suas relações com a
« PORTA », o patriarcado apoiava - se tanto nas embaixadas católicas (AUTRICHE, FRANCE),quanto ás
vezes sobre os seus colegas protestantes (ANGLETERRE , PAYS – BAS) , uns e os outros jogando de
influência para destronar ou investir patriarcas.

Nos séc. XV e XVI, nas primeiras décadas que seguiram a queda de BYZANCE, o patriarcado tendo
restabelecido um « MODUS VIVENDI » com o Império turco , estava bem longe ainda das pressões
direitas. Concílios aconteceram regularmente e puderam tratar dos negócios da Igreja . Alguns
dentre eles foram consagrados às relações com os cristãos do Ocidente ; o de 1454, sob o patriarca
GENNADIOS SCHOLARIOS , rejeitou oficialmente a « união de FLORENCE ».O de 1484, realizado com
a presença de 3 outros patriarcas de Oriente, publicou um ofício especial de reconciliação com os
católicos romanos com a ortodoxia.(8).

(8). Este ofício comporta o sacramento de CONFIRMATION . Na prática, notadamente nas ilhas
gregas sob domínio de VENEZA, a concelebração entre os cleros ortodoxos e católicos foi particada
até o séc. XVIII . Este estado de fato que posava certo problema cânonico a uns e outros, era devido
ao mesmo tempo , à situação política (dominação italiana) e ao desejo de não reconhecer o cisma
como um fato realizado.

Desde o fim do séc. XVI, um primeiro contacto aconteceu entre a teólogia dos REFORMADORES e a
ORTODOXIA : em 1573-1574, um importante grupo de teólogos luteranos da Escola de TUBINGUE
endereçava ao patriarca ecumênico JÉRÉMIE II o texto da CONFISSÃO de AUGSBOURG. Esse amical
julgamento era severo ; ele foi seguido de uma correspondência entre os dois partidos , sem
resultado prático. (9)

(9). A respeito dessa correspondência, ver os trabalhos do prof. E. BENZ, e particularmente


« WITTENBERG und BYZANS » MARBURG, 1959.

No séc. XVII, as relações de CONSTANTINOPLA com os Ocidentais pegavam um clima menos


sereno.Essas relações foram dominadas pelo caso trágico de CYRILLE LOUKARIS, um dos Gregos dos
mais instruidos de seu tempo, tendo passado uma boa dezena de anos na ITÁLIA, escrevendo
fluentemente o latin e citando THOMAS DE AQUIN em suas homílias , mantendo relações com os
humanistas alemães NOESCHEL e SYLBURG e eleito sucessivamente patriarca de ALEXANDRIE ( na
idade de 30 anos, em 1602) e patriarca de CONSTANTINOPLA em 1620. Discípulo , parente e
protegido de um grande prelado, MÉLÉCE PIGAS, que o precedeu no trono de ALEXANDRIA, ele
parecia prometido a um grande futuro e adquiriu , de fato, o reconhecimento dos Gregos pelo seu
zelo em elevar o nível da instrução e promover uma renovação do helenismo. Em CONSTANTINOPLA,
ele caiu sob a influência da teólogia reformada – o Embaixador de HOLLANDE, CORNÉLIUS HAGA lhe
fornecendo os livros necessários – e publicou em 1629 , em GENÈVE, em latin, sua célebre
« Confissão », conforme em cada ponto ao calvinismo dos mais estritos. A intenção primeira de
LOUKARIS era combater as influências e proselitismo católicos romanos ; sua formação ocidental e
suas frequentações calvinistas o dirigiram ao protestantismo. A « CONFISSÃO » adota , de fato , a
doutrina da «Sola scriptura », ( excluindo os livros deuterocanónicos), rejeita a real presença na
Eucaristia , desvazia de todo o seu conteúdo teólogico a doutrina da hierarquia eclesial, deplorava a
veneração das Imagens e a invocação dos Santos como formas de idolatria. Na pessoa de CYRILLE
LOUKARIS, os protestantes acreditaram receber a adesão da Igreja do Oriente inteira às doutrinas
reformadas. Não é espantoso então que a « Confissão », desde 1629, receba 4 traduções francesas,
uma tradução inglesa e duas traduções alemães. ! Em 1633, ela era publicada em grego , de novo em
GENÈVE.(10).

(10). O manuscrito original de LOUKARIS está conservado na Biblioteca de GENÈVE ; por ele só, fica
demostrado a autênticidade da « CONFISSÃO » que alguns, desde o séc.XVII, acreditavam poder
colocar na dúvida, na esperança de preservar o prestígio pessoal do patriarca ecumênico.

Os poderes católicos - FRANCE e AUTRICHE- interviram porém bastante rapidamente. Eles


susentaram financeiramente e politicamente um grupo de bispos que destronou LOUKARIS. O
patriarca, acusado de complotar com os Russos, foi preso pelo Turcos e morreu estrangulado. O seu
corpo jogado no Estreito de BOSPHORE , foi recolhido e inumado na ilha de HALKI.

A emoção suscitada no Oriente pelas « CONFISSÃO » foi imensa. Seis locais consecutivos a
condenaram ; CONSTANTINOPLA , 1638, ( 3 meses depois da morte de LOUKARIS) ; KIEV , 1640 ;
JASSY, 1642 ;CONSTANTINOPLA , 1642 ; JERUSALÉM , 1672 ; e CONSTANTINOPLA , 1691 .

Foi em relação com essa reação anti – protestante que o metropolita de KIEV, PIERRE MOGHILA,
redigiu ele também uma «CONFESSION ORTHODOXE »(1640) destinada em servir de CATEQUISMO
na sua metropole. Orfão aos 11 anos, de um « HOSPODAR » da MOLDAVIE, MOGHILA, (em romano ;
MOVILA) estudou na POLOGNE antés de se tornar monge e logo arquimandrite, na Lavra das
CRYPTES , em KIEV . Ele estabeleceu ali uma escola e uma gráfica que se tornaram célebres e
realizaram no mundo ortodoxo inteiro uma influência duradoura. Tentando elevar o nível intelectual
do clero ortodoxo, MOGHILA entendia antés de tudo preservar ele do uniatismo, francamente
apadroado pelos reis de POLOGNE. O caso de CYRILLE LOUKARIS incomodava ele ainda mais que ele
fornecia aos teólogos romanos um argumento de peso ; a Igreja ortodoxa, na pessoa de seu primaz
ecumênico , tinha se tornada protestante ! Para lavar a sua Igreja dessa acusação, MOGHILA decidiu
dar á ortodoxia um sistema doutrinal tão preciso quanto o dos Latinos ; na prática, em sua
« CONFESSION » , ele se limitou em copiar os catecismos católicos então oferecidos, notadamente,
o de CANISIUS. Algumas questões controversadas, sobre as quais os teólogos de KIEV não se
consideravam bastante competentes - Purgatório, momento da consagração dos dons - foram
deferidas ao patriarca de CONSTANTINOPLA ; por sua vez, MOGHILA as resolvia no sentido latino.
Assim, por um evidente conflito de inferioridade diante das FORMULAS da Contra - Reforma ,
MOGHILA e colaboradores , muito pouco informados da teólogia ortodoxa tradicional, lançavam – se
desesperadamente no latinismo dos mais elementares. Aprovada em KIEV (1640) a CONFESSION de
Moghila recebeu serias correções no Concílio de JASSY (1642) no qual um teólogo grego, MÉLÉCE
SYRIGOS, traduziu em grego o texto latino de MOGHILA e modoficou – o nas partes que concerniam
o Purgatório e as palavras da Instituição da Eucaristia ; nos dois casos, a posição bizantina original foi
assim restabelecida. Sob essa nova forma, a « CONFESSION » foi aprovada pelo Sínodo de
CONSTANTINOPLA em 1643. (11).

(11).O texto latino da CONFISSÃO , acompanhado de comentários detalhados , foi publicado por A .
MAVY e M . VILLER, nas ORIENTALIA CHRISTIANA, vol. 8, ROMA ,1927.
Mesmo corrigida , ela representa porém o documento mais latino – no espírito e na forma – que
jamais foi aprovado pela hierarquia ortodoxa. Ela exerceu uma influência duradoura sobre a teólogia
escolástica que apenas começou mesmo um verdadeiro retorno à fonte no meio do séc. XIX.

Ao lado de PIERRE MOGHILA, um outro zelador da ortodoxia, o patriarca DOSITHÉE de JERUSALÉM,


consagrou – se á luta contra o protestantismo. Autodidacto , DOSITHÉE procurou promover no
Oriente conhecimentos patrísticos e fez publicar na ROUMANIE – os patriarcas do Oriente não
dispondo de nenhuma gráfica – coleções importantes de textos teólogicos bizantinos. NOINTEL,
diplomata francês especialmente conhecedor de teólogia e das tendências jansenistas, nomeado
embaixador de LOUIS XIV junto à « PORTE » endereçou – se a ele , assim como a vários outros
prelados ortodoxos eminentes, para pedir a sua opinião sobre a CONFISSÃO de LOUKARIS.DOSITHÉE
escreveu então uma refutação detalhada e sistemática dessa última e a fez aprovar por um
Concílio reunido em JERUSALÉM em 1672. Esse documento conhecido ao mesmo tempo como
« CONFESSION DE DOSITHÉE »e como «  AS ATAS DO CONCÍLIO DE JERUSALÉM » é o mais importante
texto dogmático ortodoxo dessa época . Sua autoridade não é contestada ; ainda no séc. XIX, o
célebre PHILARÈTE de MOSCOU fazia referência a ele. Claro , DOSITHÉE, sob a influência de
MOGHILA, usa termos latinizantes , mas a sua inspiração central é bem mais fundamentalmente
ortodoxa que a do metropolita de KIEV : ao calvinismo de LOUKHARIS, DOSITÉE opõe o realismo
sacramental da ortodoxia, uma doutrina da hierarquia eclesial fundamentada sobre a natureza
sacramental da Igreja e uma explicação ortodoxa da veneração dos Santos e das Santas Imagens.(12).

(12).A « Confissão de DOSITHÉE » e outros textos doutrinais do séc. XVII são publicados em todas as
coleções de livros « simbólicos » da Ortodoxia ( KIMMEL, MIHALESCU). A mais recente e mais
completa dessas coleções é a de I. N.KARMIRIS « ....em grego. »(Não temos letras aptas em repetir o
título ...), 2vol. ATHÈNES, 1953.

A reação da Igreja ortodoxa à REFORMA foi então bastante nítida e afastou qualquer mal
entendimento. As « Confissões de Moghila  e de DOSITHÉE » tiveram nesse plano um papel positivo
incontestável , seja qual for o carácter latinizante de sua teólogia. Esse latinismo testemunha aliás –
ao menos no caso de DOSITHÉE – não uma símpatia particular para a Igreja romana ou para a
Escolástica latina, mas sim a ausência de uma formação teólogica coerente. Como essa última teria
sido possível depois de dois séculos debaixo do jugo turco e na ausência completa de escolas e de
livros ?

Um tipo de instinto vital de conservação, sem reserva, da Verdade da Igreja tal como era preservada
na liturgia – sempre viva – e nos escritos dos Padres explicam a reação dos ortodoxos face às
tentativas dos católicos e protestantes de usar a Igreja do Oriente como um instrumento na querela
que os opunha uns aos outros. Pois foi bem isso o principal motivo que levava as embaixadas
ocidentais de CONSTANTINOPLA a se intrometer nas questões do patriarca ortodoxo ; para os
protestantes, essa Igreja - vetusta e enrijecida – testemunhava porém de um antigo antiromanismo,
bem anterior ao LUTHER e CALVIN : era preciso então obter o seu acordo com os príncipes da
REFORMA. Para os católicos, seja qual tinha sido a má reputação dos Gregos no Ocidente latino , os
bispos ortodoxos ainda eram os sucessores de S. J. CHRISÓSTOMO e de S. Basílio ; os missionários
latinos no Oriente oscilavam então constantemente entre uma extrêma tolerância para como os
ortodoxos, que ia até a comunhão In Sacris, e um proselitismo virulento que tendia não apenas em
trazer os Gregos à união , mas sim em latinizar eles.
Face a essas últimas tentativas , a reação da Igreja nem foi menos nítida. Ela materializou – se na
decisão do sínodo de 1755 , reunindo em CONSTANTINOPLA, ao lado do patriarca ecumênico CYRILLE
V, os patriarcas de ALEXANDRIE e de JERUSALÉM, ocupando – se da admissão dos Latinos dentro da
Igreja ortodoxa ; modificando a decisão de 1484, o SÍNODO estipulou que os batismos latinos e
armênios estavam inválidos e que um batismo ortodoxo por imersão era necessário para entrar na
Igreja. Aplicava – se assim aos Latinos e Armênios monofisitas os mais severos cânones concernindo
os heréticos (13).

(13).Na mesma época, quase, o Santo Sínodo russo que tinha se conformado até ali com as decisões
de 1484( Crisma), adotava ao contrário uma medida liberal e prescrevia que apenas a confissão da fé
ortodoxa e uma penitência eram exigíveis de um católico romano tornando – se ortodoxo. A falta de
unidade dos ortodoxos na atitude frente aos convertidos da Igreja romana teve por corolário
hesitações idênticas da parte dos católicos; então que no séc. XIV , na HONGRIE e POLOGNE ,
rebatizava – se os ortodoxos tornando – se católicos, (ver o nosso ártigo «  Le projet d’ un Concile
oecuménique en 1367 » em Dumbarion Oaks Papers, XIV, 1960), a comunhão In Sacris estava
amplamente praticada nas ilhas gregas sob o domínio de VENEZA até o séc. XVIII ( ver notadamente
W. De VRIES, «  Das Problem der ‘communicatio in sacris dissitentibus’ » em Nahen Osten zur Zeit
der Union » em OSTHIRCHLICHE STUDIEN, 6 (1957) , p. 81 até 106) . Se, por sua vez, do lado romano,
as diversas práticas foram uniformizadas no séc. XIX, certa diferência continua existindo entre a
prática russa mais liberal ( penitência) e a prática grega , que voltou hoje às decisões de 1484.
(Crisma).

Esta decisão levantou oposição de alguns bispos ,mas foi adotada sob pressão da população grega
de CONSTANTINOPLA, violentemente anti – latina. Ela permaneceu em vigor , nas Igrejas de língua
grega , até o ínicio do séc. XX.

Esses diversos episódios da vida da Igreja sob jugo turco não acrescentaram nada de notório à
história da teólogia ortodoxa, mas trouxeram a prova de uma vitalidade segura da ortodoxia grega e
da vontade dos ortodoxos de permanecer eles – mesmos até em circunstâncias difíceis. O próprio
fanatismo de alguns Gregos, provava na sua oposição ao Ocidente,ser apenas, uma reação
compreensível diante do proselitismo dos missionários ocidentais ; esses últimos , vindo com a
missão difícil de converter Muçulmanos não iriam comedir os cristãos ortodoxos , retirando assim
aos Gregos e aos Árabes cristãos o único tesouro intacto que a história lhes tinha deixado ; a sua fé
ortodoxa ?

Aliás, esse fanastismo se torna menos aparente nos documentos doutrinais do séc. XIX e deixa vaga
a uma tranqüila segurança que tende em reafirmar – se com a reapariçâo das escolas e publicações.
Assim é que os patriarcas ortodoxos responderam de modo circunstânciado ás várias iniciativas dos
papas. Em janeiro de 1848, a quando de sua ascencão ao soberano pontificado, PIE IX endereçou –
se aos « Orientais » para chamar eles á união com Roma. Os 4 patriarcas orientais - Constantinopla,
Alexandrie, Antioche e de Jerusalém, por uma encíclica a todos os ortodoxos que assinaram por
outra parte 29 metropolitas. Depois de ter definido o « papismo » como heresia, os prelados
ortodoxos emetiam o voto que o próprio PIE IX convertesse – se á verdadeira fé ortodoxa e voltasse
para a verdadeira Igreja católica , apostólica e ortodoxa ; « Pois , declaram eles, nenhum patriarca e
nenhum Concílio jamais conseguiram introduzir em nós, novidades, pois que o Corpo mesmo da
Igreja, ou seja o seu próprio povo, é o guardião da religião. » A encíclica de 1848 – cujo texto parece
ter sido antecipadamente aprovado pelo metropolita PHILARÈTE de MOSCOU –recebeu uma ampla
difusão e possui ainda hoje grande autoridade como expressão da eclesiologia ortodoxa (14) ; a
Igreja , guardiã da Verdade , constitui um corpo único e nenhum membro , clero ou leigo, está
excluido de um papel ativo na vida comum do organismo.

(14).Texto original grego em KARMIRIS, op. Cit., p. 905 – 995 ; trad .em russo , Moscou, 1849 ; trad.
francesa , Paris, 1850, etc.

Ao novo chamado endereçado por LÉON XIII em 1894, (Encíclica Praeclara gratulationis),o patriarca
ecumênico ANTHIME respondeu por outra encíclica onde as « novidades romanas » - notadamente
o dogma da Imaculada Concepção da Virgem e a infalibilidade pontifical – estavam novamente
estigmatizadas e onde a união era apenas encarada sobre a base da fé indivisa dos primeiros séculos
(15).

(15). Texto em KAMIRIS, op. Cit., p. 932- 946 ( traduções numerosas em frencês, russo, inglês e
alemão).

Fidelidade doutrinal e apego à Tradição ; tais são os traços fundamentais que caracterizam os
escritores ortodoxos desse periódo sombrio e que determinam o seu pensamento , mesmo onde a
ausência de informação teólogica própria os leva a usar argumentos protestantes contra os católicos
e argumentos católicos contra os protestantes. Alguns, portanto , fizeram esforços consideráveis
para permitir aos seus contemporâneos acessar as fontes mesmas da ortodoxia ; as Escrituras e os
Santos Padres da Igreja. Um nome merece menção particular , o de NICODÈME o HAGIORITE (1748 –
1809), monge de Athos que em 1782 publicou em VENISE, em colaboração com o MACAIRE , bispo
de CORINTO, um pesado livreto de textos patrísticos a respeito da oração. Esse livreto - a Philocalie
des saints néptiques – conheceu uma fortuna extraordinária no mundo ortodoxo inteiro. Foi pelo
viés da Philocalie que o mundo moderno começou a conhecer a Tradição mística dos Santo sPadres
gregos ; traduzida em eslavão, russo , romeno, ela encontra – se mna origem de uma acordar
espiritual em muitos paises ortodoxos . NICODÈME que foi recentemente canonizado pela Igreja
ortodoxa (1955) tamé é o autor de vários outros escritos de espiritualidade que as vezes inspiram
– se direitamente de autores ocidentais( SCUPULI, Ignace de LOYOLA) e adaptando – os á mística
cristã oriental. Ele também fez – s eopromotor , no seio d aIgreja grega, da comunhão freqüente.
Com NICODÈMEe seus numerosos discípulos , a espiritualidade dos Padres do deserto , dos monges
do SINAi e dos hesicastos atônitos conheceu uma renovação notória cujos efeitos ainda se fazem
sentir hoje.

Assim, apesar dos cataclismos da história, aigreja ortodoxa sobreviveu no Oriente – Próximo ; sua
riqueza litúrgica esua Tradição espiritual mostraram , nas condições difíceis , todo o seu valor. Essas
condições porém as vezes impediram a cultura cristã de BYZANCE , de se desenvolver
organicamente e trazer todos os frutos que normalmente teriam tido ser os seus. Um novo periódo
de sua história abriu – se com oséc. XX , a queda do Império Ottoman, a definitiva liberação dos
paises eslavos , gregos e romenos dos BALKANS, independência dos povos árabes , instauração na
TURQUIA de uma república leiga e a migação dos Gregos da Ásia Menor . Voltaremos mais em
frente sobre a atual situação da ortodoxia nessas regiões.

Fim desse cap. P. 83. Faltando 4 páginas.


 

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