Nicea-325-375

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Ὁ Μητροπολίτης Μπουένος Ἄϊρες Ἰωσήφ

RELENDO NICEIA 325


UMA PINCELADA TEOLÓGICA SOBRE IMPACTOS
MULTIFACETADOS
DO P RIMEIRO CONCÍLIO ECUMÊNICO E DA S INODALIDADE
1700 ANOS APÓS SUA CONVOCAÇÃO
Metropolita Dr. Dr. Iosif de Buenos Aires e América do Sul

INTRODUÇÃO
O que é uma heresia?

Em primeiro lugar, gostaria de ressaltar o que nos parece, que para o


mundo do século XXI, o termo - e a realidade - heresia seja, no mínimo,
extemporâneo; algo que ressoa a nós não apenas antigo, mas que carece de
sentido em nossas vidas.

Com efeito, heresia é um termo que se pode abordar sob vários ângulos:
da teologia mais legítima ao mais recalcitrante fanatismo religioso. Do ponto
de vista da teologia ortodoxa, é nada mais nada menos que uma degeneração da
Tradição e da Fé legítimas e vivas que nos herdaram nossos Padres 1, desde os
Apóstolos, segundo uma linha histórica ininterrupta, até os dias atuais 2.
Esta Fé e Tradição não são uma simples filosofia, um mero
conhecimento, uma determinada compreensão que se possa assimilar
mental ou intelectualmente, mas a transmissão viva e multidimensional da
experiência holística - pessoal e comunitária - do apocalipse - revelação -
divino que se realiza na humanidade de geração em geração3 através de um

1
. A «memória carismática – e viva, e acrescento – da Igreja», como diz Evdokimov: EVDOKIMOV, P.,
L’Ortodossia, EDB, Bolonha, 2010, p. 250.
2
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Πουρναρᾶ, Θεσσαλονίκη 2003, p. 224: «Ἔτσι ἥ
αἴρεση κατά βάση εἶναι μερική ἤ ολική διάβρωση τῆς ζωῆς ἑνός σώματος.»
3
. ΑΝΔΡΟΥΤΣΟΥ, Χ., Δογματική τῆς Ὀρθοδόξου Ἀνατολικῆς Ἐκκλησίας, Ἐν Ἀθήναις, ἐκ τοῦ
τυπογραφείου «Κράτους» 1907, p. 3.

1
sistema aberto 4 de fórmulas, técnicas e métodos denominado «didascália» 5.
A diferença entre a heresia e seu antípoda – o dogma saudável – determina-
se pela diferenciação da essência da própria vida e forma de relacionar-se
que preexistem à formulação de ambas 6.

Se há alguma ideologia, se há alguma teoria, se há alguma fórmula que


degenera, corrompe ou perverte esta Tradição Viva que existe, não só desde o
tempo dos Apóstolos, mas desde a criação do mundo7, passando por todos os
patriarcas, profetas, mártires, confessores e todos os santos até os dias de hoje,
a isso chamamos «heresia».

A NOCIVIDADE DA H ERESIA
Primeiramente, a heresia é uma mutação negativa da vida e,
consequentemente, da teologia8. A vida sempre precede; logo o pensamento9 é
articulado. Quando alguém adota esse modo de vida e, logo, a ideologia que o
sustenta – sempre sectária – aparta, separa, isola-se da comunidade de
congêneres espirituais que é a Igreja, uma comunidade de pares que
creem, experimentam, conhecem, expressam e explicam a mesma
«vivência »10, cada qual desde a sua particularidade, desde a sua própria
contingência, de um modo diferente, mas sempre unidos por aquela harmonia
espiritual que garante a relação saudável que os une. É por isso que o choque
ocorre primeiro no nível experiencial e, depois, no nível teórico 11.

4. Eu o chamo de «aberto» do ponto de vista ortodoxo para evitar qualquer tipo de dogmatismo de cunho
religioso. Esta abertura, ao contrário, não favorece a heresia no processo de de-generação do conteúdo
teodidático – e. por certo, axiomático - que pressupõe o «depositum Fidei», senão que, ao contrário, evita-
o. O diálogo, a discussão, o exame, a metodologia, a expressão, a argumentação, a expressão legítima da
«didascália» são instâncias que se realizam em plena liberdade e abertura, embora sempre na dimensão
estabelecida pela metodologia teológica que mantém e ensina a Igreja. Esta «metodologia», se expressa
melhor em cânones lógicos e científicos»
5. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit, pág. 224: «(…) ἡ διδασκαλία ἀπορρέει ἀπό
μιά ζωή, ἤ συνδέεται ἄμεσα καὶ ἀμέσως μὲ αὐτὴν στὰ πλαίσια μιᾶς ἱστορικῆς κοινότητας.
Ἐπομένως, ὅταν κάνουμε λόγο γιὰ διδασκαλία, ἐννοοῦμε τὴν ἴδια τὴ ζωή ἀπ´ὅπου διαμορφώνεται
ἡ άνάλογη διδασκαλία.»
6. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit, pág. 225.
7. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pág. 225: ῾Ωστόσο καὶ ἡ χριστιανική
άποκάλυψη, ὅπως τὴν ἑρμήνευσε ἡ ὀρθόδοξη πατερική θεολογία, ἔχει τὶς ρίζες της πολύ μακριά, ὥς
τὴν ἴδια τὴ δημιουργία.»
8. Não apenas como doutrina, mas como expressão universal da experiência de comunhão que - sensu
lato - é a Igreja.
9. Axiomaticamente precede a vida e não a lucubração filosófica, que sempre depende dela. Na heresia
acontece a mesma coisa; Precede um modo de vida que é então codificado com fórmulas que o justificam
e organizam. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pág. 237: «Ἕνα εἶναι τὸ πολύ
οὐσιαστικό καὶ βασικό στοιχείο αὐτῶν τῶν αἰρετικῶν ἀποκλίσεων: ἡ ζωή (ἡ ἐσφαλμένη κατἀ τὴν
ὀρθόδοξη θεολογία) κινεῖ τὰ νήματα καὶ ἔπειτα ἡ σκέψη. Καὶ στὴ αἴρεση λοιπόν τῶν πρώτων
αἰώνων τὸ πρωταρχικό εἶναι μἰα κίνηση ζωῆς καὶ δύναμης.»
10. Sendo seu caráter puramente místico-espiritual, então o verbo é identificado com o sujeito e o objeto.
11. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pág. 444-445: «Ἀλήθεια καὶ αἴρεση
καταρχήν συγκρούονται στὸ ἐπίπεδο τῆς ζωῆς καὶ ἔπειτα σ᾽ὅλα τὰ ὲπίπεδα τῆς σκέψης τῆς δράσης
καὶ φυσικά τῆς θεολογίας.»

2
Enfatizo ad nauseam o tema da vivência como base e núcleo da doutrina.
Esta é própria e pessoal, mas, ao mesmo tempo, é comum, comunitário e
comunional: consequentemente transcendental. Esse espaço existencial é a
Igreja, o âmbito onde (co)existe a particularidade, o próprio, o pessoal, mas
sempre protegido, garantido e sublimado – paradoxalmente – no marco da
relação e da sua perfeição, que é a comunhão, tal como se vive e se interpreta
desde a própria criação até à sua plenitude pelos congêneres espirituais. Assim,
essa particularidade se vê refletida na unidade - sempre em diversidade de bens
e carismas12 - e não na uniformidade.
A heresia, por outro lado, promove uma uniformidade de vida e
pensamento que é sempre estéril - estritamente dogmático13 - enquanto a
ortodoxia é uma abertura multidimensional baseada na relação, na
comunhão, na unidade. A heresia sacrifica essa diversidade na unidade,
própria da Ortodoxia, e apresenta a uniformidade experiencial e ideológica
como imunidade conceitual e garantia ética: que todos vivam, pensem e atuem
da mesma maneira; que todos assimilem através do intelecto e/ou da emoção
a mesma fórmula – sempre sectária – e que essa fórmula doutrinal(ista),
moral(ista) seja a única bússola que oriente os adeptos.
A heresia sempre decanta e é percebida superficialmente como uma
ideologia, uma construção intelectual – e moral – baseada em um estilo de
vida viciado, que sempre se converte em obstáculo para alcançar e viver a
Verdade 14. A heresia impede então essa capacidade, esse alcance (trans)pessoal
e essencial que naturalmente se transforma (se muta) em Eternidade15. A
heresia usurpa a liberdade. Nos antípodas, prima a experiência de Deus –
um empirismo espiritual, sempre social e ascético, eminentemente livre,
criativo e místico – e depois disso acontece a sua decodificação e
articulação lógica.
Devo enfatizar que, da perspectiva ortodoxa, a doutrina por si só, sem a
vivência, sem a experiência, assumida apenas intelectual, sentimental, ou
emocionalmente, conduzirá necessariamente (na prática, através de) a um

12. Em primeiro lugar, a liberdade como auto soberania sobre toda a pessoa.
13. Aqui distinguimos o «dogmático» do «dogmatista«.
14. EVDOKIMOV, P., L’Ortodossia, Op.Cit., pag. 250: “Sant’Ilario esprime efficacemente questa

essigenza: “La malvagità degli eretici e dei blasfemi ci costringe a fare cose illecite, ad ascendere vette
inaccessibili, a parlare di argomenti ineffabili, intraprendere spiegazioni vietate. Avrebbe dovuto bastare
compiere per sola fede ciò che è prescritto, cioè adorare il Padre, venerare con Lui il Figlio e riempirci
dello Spirito Santo”.” O sublinhado é meu. Santo Ilário bem entende a heresia não apenas como uma
degeneração da fé, mas como um motor contínuo de erro no nível experiencial. Por isso, acrescenta que
«basta fazer o que é prescrito pela fé», isto é, adorar - relacionar-se corretamente - com o incrédulo, a
criação e consigo mesmo.
15
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pag. 239: «τσι καὶ οἱ αἰρέσεις τοῦ 4ου και
5ου αἰώνα, πού ἔθιγαν τὴν ἐνανθρώπηση καὶ τὸ πρόσωπο τοῦ Χριστοῦ, εἶχαν τῆ σφραγίδα τῆς ζωῆς
καὶ τῆς συγκεκριμένης ἀναζήτησης πέρα ἀπό τὴ λεπτολόγηση τῶν έννοιῶν. Τοῦτο πάντοτε
συνέβαινε και συμβαίνει στὴν ἱστορία τῆς Ἐκκλησίας».

3
moralismo intransigente que, por sua vez, irá se referir à religião como uma
necessidade do «fronema» do homem caído, da natureza adâmica que quer se
proteger do próprio Deus, enquanto identifica seu próprio Ego com Aquele.
Por fim, é preciso ressaltar que o aparecimento destas manifestações no
corpo da Igreja sempre aconteceu, acontece e acontecerão com a mesma
dinâmica, já que estamos falando de uma comunidade que está inserida na
história humana e cuja principal característica é a vida. É por isso que a heresia
deve ser considerada como um fracasso nessa direção sempre evolutiva do
corpo: um fracasso vivencial e não uma mera degeneração doutrinária, cujo
núcleo e raiz são necessariamente espiritual e existencial16.

O ARIANISMO COMO MUTAÇÃO NEGATIVA DA VIDA E DA


DOUTRINA DA IGREJA

Não é meu objetivo aprofundar-me na doutrina ariana nesta


oportunidade. No entanto, é necessário mencionar os pontos principais de sua
doutrina como ponto de partida para a ativação da dinâmica sinodal e a
respectiva resposta do «Corpo»17 ao que foi - e ainda é - uma ameaça contra
sua vida e sua doutrina mais legítimas.
Embora o Sínodo de Niceia tenha posto fim a três cismas que ainda
atormentavam a Igreja à época18, creio ser necessário rever o arianismo a partir
da perspectiva proposta já na introdução.

Superficialmente

Este é o texto mais antigo conhecido de Ário sobre sua doutrina:


«O Filho não é gerado (engendrado), nem é parte dos ingênito (não
gerado), nem deriva de um substrato; mas pela vontade e decisão do

16. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pag. 239-240.
17. O «Corpo» místico de Cristo. Hierarquicamente: a Igreja, a comunhão dos santos, a plenitude dos
membros visíveis e invisíveis, toda a criação no processo evolutivo da perfeição através da participação
nas energias incriadas.
18. 1. O cisma de Novaciano ou dos cátaros, que negavam a possibilidade da remissão dos pecados graves

e a recepção dos arrependidos. 2. O cisma dos seguidores de Paulo de Samósata, monarquianismo


dinâmico ou adocionista, que juntamente com Paulo consideravam Deus como «pessoa» -prosopon-, o
filho como um poder impessoal – dinamis - e o Espírito Santo. Eles também argumentaram que, na
pessoa de Jesus, nascido naturalmente, durante o momento do batismo, houve a «apropriação» ou
«συνάφεια» do Logos de Deus, interpretado como um poder impessoal, e que sua divinização foi
realizada através de um esforço pessoal alcançando a perfeição ética e moral. Paulo considerava Jesus
apenas como um homem que veio a ter ou portar o axioma profético supereminentemente em virtude do
fato de que ele foi adotado pelo único Deus, o Pai, enviando seu Logos, embora não essencialmente –
οὐσιωδῶς – mas quantitativamente – κατὰ ποιότητα. 3. O cisma de Melício de Licópolis, que aceitou e
reverenciou mais do que a própria Igreja os cristãos caídos durante as perseguições de Diocleciano e
professou que os cristãos nunca deveriam evitar o martírio, mas, pelo contrário, desejá-lo ardentemente e
morrer pela fé de forma sangrenta. ΚΑΡΜΙΡΗ, Ι., Τὰ Δογματικά καὶ Συμβολικά Μνηνεία τῆς
Ὀρθοδόξου Καθολικῆς Ἐκκλησίας, Β´ Ἔκδοσις, Τόμος Ι, Ἐν Ἀθήναις 1960, pag. 120-121.

4
Pai veio a existência antes dos tempos e dos séculos, plenamente
Deus, unigênito, imutável. E antes de haver sido gerado
(engendrado), ou criado, ou definido ou fundado (Prov 8:22-25), não
existia. Porque não era ingênito. Perseguem-nos por afirmarmos: ‘O
Filho tem princípio; enquanto Deus é sem princípio’. Por isso nos
perseguem, e porque dissemos: ‘Vem do nada’. E temos dito por que
não é, nem parte de Deus, nem deriva de um substrato».19

Usamos os elementos da teologia ariana de acordo com as informações


que nos foram dadas por Santo Atanásio20 para apresentá-la de acordo com
um silogismo que, à simples vista, pareceria apodítico, mas que, na realidade, é
uma deturpação deste em forma dialética21.

⸎ Início

Deus (o Pai) é ingênito. « ἀγέν(ν)ητόν δ´αὐτόν φαμεν»

⸎ Médio

O Filho é gerado (criado), pois está em sua natureza o ser gerado


(engendrado). « διὰ τὸν τὴν φύσιν γεν(ν)νητόν»

⸎ Final

1. Nenhuma particularidade igual a Deus tem a segunda hipóstasis.


« ἴδιον ούδέν ἔχει τοῦ Θεοῦ καθ´ὑπ όστασιν ἰδιότητος»
2. Tampouco é igual. «οὐδὲ γὰρ ἐστιν ἴσος».

19. AMATO, A., Jesús el Señor, B.A.C., Madrid MCMXCVIII, pp. 183-184: "O primeiro documento
sobre a controvérsia ariana é a breve carta a Eusébio de Nicomédia. Nela, Ário, lamentando a oposição
que encontra, expõe de forma simples e radical sua doutrina.
20. ΛΙΑΛΙΟΥ, Δ., ᾽Ερμηνεία τῶν Δογματικῶν καὶ Συμβολικῶν Κειμένων τῆς Ὀρθοδόξου Ἐκκλησίας,

Τόμος Α´, Κυριακίδη, Θεσσαλονίκη 2006, pag. 68.


21. BOSCH, L., Metodología Palamita, Uma exposição sobre como São Gregório Palamas faz teologia,

Roma 2006, p. 14: «O silogismo dialético só é responsável por convencer o interlocutor e, como utiliza o
diálogo sem limites, é obrigado a receber apenas o que o interlocutor permite, mesmo quando os
argumentos não são convincentes. Assim, o silogismo dialético é fácil de refutar ou de retornar ao seu
início, uma vez que ele mesmo tem a capacidade de se refutar de acordo com a circunstância. Esse
silogismo não parte das causas das coisas, porque não é um discurso em direção à coisa, mas à opinião –
δόξα – que o interlocutor da coisa em questão tem: por isso nem sempre leva necessariamente a uma
conclusão verdadeira, mas a uma possível.» Sobre a diferença entre os dois silogismos: ΑΓ. ΓΡΗΓΟΡΙΟΥ
ΠΑΛΑΜΑ, Α΄ Πρός Ἀκίνδυνον, 9, 418, 10-13: «Ἕλλησι μέν οὖν πιθανολογία ἡ θεολογία, διό καί
διαλεκτικός ἅπας ὁ δοκῶν αὐτοῖς θεολογικός συλλογισμός, ἐξ ἐνδόξων ἔνδοξος, ταυτόν δέ εἰπεῖν
πιθανός ἐκ πιθανῶν. Οὐδέν γάρ ἴσασι περί Θεοῦ βέβαιον οὐδ΄ἀσφαλές, ἀλλ΄ἐματαιώθησαν ἐν τοῖς
διαλογισμοῖς αὐτῶν», 13, 426, 28-31: «(…) ὁ δε διαλεκτικός περί τό ἔνδοξον καί πιθανόν καί
πεφυκός ἄλλοτε ἄλλως ἔχειν καί νῦν μέν ὄν, νῦν δ΄οὐκ ὄν, καί ποτέ μέν ἀληθές, ποτέ δε μή». ΑΓ.
ΓΡΗΓΟΡΙΟΥ ΠΑΛΑΜΑ, Α΄ Πρός Ἀκίνδυνον, 13, 426, 4-6: «(…) ὁ δέ τοῦ πεῖσαι μόνον και χρώμενος
τῇ διαλέξει ἀορίστως ἀναγκάζεται λαμβάνειν ἅ συγχωρεῖ αὐτῷ ὁ προσδιαλεγόμενος, κἄν μή
τοιαῦτα ἦ», 8-9: «(…) ὁ δε διαλεκτικός εὐπερίτρεπτός τε καί αὐτός ἔστιν ὅτε ἑκών περιτρέπει
ἑαυτόν». ΑΓ. ΓΡΗΓΟΡΙΟΥ ΠΑΛΑΜΑ, Α΄ Πρός Ἀκίνδυνον, 13, 20-22: «(…) ὁ δέ διαλεκτικός τοῦ
πράγματος μέν οὐδέποτε, τοῦ δέ συμπεράσματος οὐκ ἀεί, ἀλλ΄ἔστιν ὅτε μηδ΄αὐτοῦ, διό καί τό
συναγόμενον πρός δόξαν, ἀλλ΄οὐκ ἐξ ἀνάγκης ἀψευδές».

5
3. Consequentemente, também não é consubstancial.
«ἀλλ´οὐδ´ὁμοούσιος Αὐτῷ».
Ário, permanecendo em um incipiente monoteísmo judaizante22, pura e
simplesmente, nega a divindade de Jesus Cristo 23. Então, podemos resumir os
principais pontos da doutrina de Ário desta forma24:
• Deus é somente o Pai
• O Pai não foi sempre Pai
• O Logos do Pai não foi sempre Logos e, portanto, é gerado
(engendrado-criado).
• O Logos de Deus é uma criatura e foi criado voluntariamente pela
Potência -Δύναμις- e pela Sabedoria -Σόφια-, forças impessoais que
coexistem no Pai.
• Como criação no tempo, o Logos está sujeito às leis da criaturidade,
da relatividade e da contingência, como todas as coisas criadas.
• O Logos de Deus é in-con-substancial a Deus e estranho -ἀλλότριος-
à sua essência e natureza.
• O Logos não conhece perfeita nem completamente ao Pai, já que não
conhece sequer sua própria natureza.
• O objetivo da criação do Logos é a criação do universo e do homem
- para nós (δι ́ἡμᾶς) - utilizado como meio ou órgão de Deus.
• O Logos é um ser que medeia -μέσον- entre a divindade e a matéria.
• Ele supera os demais humanos porque é a criatura perfeita de Deus
• É divinizado por sua comunhão no tempo com Deus.
• Ele é chamado Deus, mas não é o Deus Verdadeiro, o é somente pela
participação na graça – χάριτος μετοχῇ
Todos estes aspectos constituem uma ideologia que, aludindo à pessoa
de Jesus, o Cristo, desta maneira específica, adultera o conteúdo legítimo de
como o cristianismo vive e entende a salvação.
Em outras palavras, se Cristo não é Deus, os homens não podem ser
salvos.

Profundamente (Aprofundadamente)

O ponto de partida da falsificação ariana é certamente a necessidade


religiosa imperativa de poder manter, assim como os monarquianistas, a
unidade, a perfeição e a transcendência de Deus.

22. BOULLARD, E., Aux sources de la doctrine d’Arius, en BLE 68 (1967), pag. 241-272.
23
. AMATO, A., Jesús el Señor, Op.Cit., pag. 184: «O Deus verdadeiro absolutamente único é Deus Pai.
Além dele, não pode haver outro Deus no verdadeiro sentido do termo. Para Ário, compartilhar com os
outros a natureza divina seria admitir uma pluralidade de seres divinos e considerar a mesma natureza
divina divisível e mutável.»
24
. ΛΙΑΛΙΟΥ, Δ., ᾽Ερμηνεία τῶν Δογματικῶν καὶ Συμβολικῶν Κειμένων τῆς Ὀρθοδόξου Ἐκκλησίας,
Op. Cit., pag. 71. ΚΑΡΜΙΡΗ, Ι., Τὰ Δογματικά καὶ Συμβολικά Μνηνεία τῆς Ὀρθοδόξου Καθολικῆς
Ἐκκλησίας, Op. Cit., pag. 56-57.

6
Torna-se clara a intenção filosófica de Ário e seus asseclas: a de alguma
forma, satisfazer a antiga controvérsia helênica sobre a criação e a corrupção,
bem como a relação da criação com o demiurgo através de uma interpretação
forçada da fé cristã25. Pode-se até dizer que, para Ário, a discussão sobre a
divindade do Filho, como ponto de referência para os cristãos, é funcional a
esses dois pontos que ele pretende resolver com um argumento inteiramente
novo.
Certamente, para articular essa inovada forma de interpretação, Ário
recorre a uma metodologia inteiramente dialética, típica da tradição filosófica
helênica26, e bem afastada da tradição bíblico-patrística, através da qual tentará
decifrar e resolver a grande »contradição» da doutrina cristã que proclama um
só Deus e três hipóstases, bem como sua relação com a criação. Para Ário,
assim como para seus predecessores monarquianistas, é absolutamente
necessário argumentar como se distinguem as pessoas divinas e em que nível
se distinguem. Desta forma, o raciocínio necessariamente se destaca e se
contrapõe à reflexão cristã sobre criação e salvação com critérios estranhos,
exclusivamente cosmológicos e ético-morais 27.

Embora Ário distinga no Pai essência e energia28, ele interpreta a criação


toda dependente da primeira criação, o Logos criado que, por um lado, é
produto da vontade paterna, mas, por outro, uma necessidade, como meio ou
órgão, para a formação da esfera contingente. Este Logos é a primeira e perfeita
criação de Deus e chama-se Deus, não porque o seja verdadeiramente, mas em
virtude de sua perfeição ético-moral adquirida na contingência pela sua
obediência extrema e seu aperfeiçoamento espiritual, fruto de sua voluntária
adequação à vontade do Pai.
Consequentemente, a partir de então, explica N. Matsoukas, a relação
entre Deus e a criação é interpretada através de ações volitivas, criadas,
contingentes, dentro de um esquema exclusivamente ético-moral, cujo critério
último é a dependência de um desenvolvimento evolutivo apenas neste
esquema29.
Desta forma, o tema da relação do Incriado-criado se resolve através de
um esquema meramente filosófico. Já não é mais necessária, a participação

25
. ΛΙΑΛΙΟΥ, Δ., ᾽Ερμηνεία τῶν Δογματικῶν καὶ Συμβολικῶν Κειμένων τῆς Ὀρθοδόξου Ἐκκλησίας,
Op.Cit., pag. 67.
26
. ΛΙΑΛΙΟΥ, Δ., ᾽Ερμηνεία τῶν Δογματικῶν καὶ Συμβολικῶν Κειμένων τῆς Ὀρθοδόξου Ἐκκλησίας,
Op.Cit., pag. 70: «(…) ἡ ἰδέα τῶν ἀμέσων ὑποβάσεων (subordinatio) μὲ τὴ νεοπλατωνική προέλευση
ἀποτέλεσε ἀπλῶς τὸν ἐκφραστικό ὀπλισμό τῆς ὀρθολογικῆς του προβληματικῆς.»
27
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pag. 240.
28. Mesmo essa distinção é funcional para proteger o «único dia incriado» do Pai e somente de Deus. De

fato, o Pai se comunica, se relaciona com tudo o que lhe é estranho através da energia.
29
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pag. 240.

7
ontológica – μετοχή – do criado no Incriado para comunicar existência, vida
e perfeição. A relação existencial, estimada pela legítima tradição cristã, é
reduzida e limitada ao plano de um moralismo filosófico obstinado.
Desta forma, a temática da relação Incriado-criado é resolvido por meio
de um esquema meramente filosófico.
Agora, a participação ontológica – μετοχή – do criado no Incriado já
não é mais necessária para comunicar existência, vida e perfeição. A relação
existencial querida pela legítima tradição cristã é reduzida e limitada ao plano
de um obstinado moralismo filosófico.
Sendo o Logos arquétipo do criado, dá a chave de leitura não só da
criação, mas da salvação como relação com o Incriado. E a salvação dentro
desse esquema é exclusivamente uma questão que advém nessa dimensão
através de uma conduta moralmente aceitável como a do arquétipo, criado não
apenas para ser o meio da criação, mas seu protótipo ético-moral 30.
Compreende-se, pois, que estes critérios não são interpretados apenas a
partir da lógica, da teoria e da filosofia, mas evocam e pressupõem
necessariamente um critério existencial e vivencial31.

Parafraseando novamente o grande N. Matsoukas, a ética moral na


legítima Tradição Ortodoxa tem um lugar central 32 e, embora se faça um
paralelo e se encontrem coincidências com a ética filosófica, o acontecimento
cristão permanece em sua totalidade um modo de vida, uma relação ativa
com os elementos do divino apocalipse e do mistério todo de Deus e uma
consequente conduta que é determinada - da contingência à eternidade - por
contínuas mutações e adaptações em um âmbito contingente, mas sempre e
necessariamente penetrado pela sobre-natureza.
Este modo de vida não está de modo algum sujeito a cânones de conduta
apriorísticos, mas, ao contrário, são gerados pelo modo de vida, o que, pelo que
acima foi dito, fica mais do que claro - embora seja necessário frisá-lo uma vez
mais - que o eticismo e o moralismo dos hereges arianos - e de todos os seus
predecessores e sucessores - não é o resultado da experiência empírica entre o
Incriado e o criado como a viveram os patriarcas, profetas, apóstolos e santos,
dentro da Tradição Cristã33.
O problema – e o sem sentido (o absurdo) – para os sectários é a
possibilidade de que Deus se relacione diretamente com sua criação por si

30
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pág. 240-241. «Τὰ ἑτερούσια ὄντα
βελτιώνονται μὲ τὴν ἠθική σχέση μὲ τὸν Θεό, φθάνοντας σὲ μιὰ βελτίωση καὶ προκοπή, ὅπως
ἀκριβῶς ἔγινε μὲ τὸ πρώτο κτίσμα, τὸν Λόγο πού ἐνανθρώπησε γιὰ νὰ καταστεῖ ἠθικό πρότυπο τῆς
ἀνθρωπότητος.»
31
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pág. 241: «Καὶ οἱ προϋποθέσεις τῆς
άρειανικῆς αἵρεσης εἶχαν τὶς ρίζες της σὲ μορφές ζωῆς καὶ «ἰδεολογίας».
32. Ainda que não “nuclear”: Vale a diferença sensível na terminologia!
33
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pág 241.

8
mesmo, isto é, através de suas energias incriadas. O escândalo, em última
análise, é o modo de vida que pressupõe a possibilidade dessa relação
existencial - natural e sobrenatural - entre o Criador e as criaturas num vínculo
que pressupõe liberdade e vontade unidas e harmonizadas. Enquanto
pressupostos filosóficos – éticos e teóricos – sobre o modo de vida livre e
responsável existirem e forem exacerbados, então haverão de abundar
exclusivamente as possibilidades criadas e contingentes de relacionamentos
com a divindade. E isto se contrapõe à legítima Tradição dos cristãos. É por
isso que os Padres veem na heresia ariana um perigo iminente. Não só desde a
ciência teológica, mas, e principalmente desde a vivência do mistério. O perigo
da heresia, como já dissemos, não é a mera ideologização da teologia, mas a
degradação e limitação da própria vida, tal como nos foi comunicada – e
continua a ser comunicada continuamente – através do apocalipse divino.
Com essas breves pinceladas teológicas quis demonstrar - ainda que de
forma breve e simples - o pano de fundo do que a heresia representa para a
Ortodoxia Cristã e por que a partir disso é imediatamente ativado um
protocolo apologético e, ao mesmo tempo, querigmático, cuja dinâmica tende
a proteger e preservar, não uma teoria ou ideologia, mas aquele modo de vida,
que é teologia empírica, cujo único objeto é a manutenção da saudável relação
entre o Incriado e o criado, e que nos foi dada e interpretada pelo próprio
Criador através daqueles que participaram de sua divina parusia desde a
constituição do mundo até hoje.

A DINÂMICA SINODAL DE 325


Visão preliminar
Para compreender a dinâmica sinodal, é necessário compreender que,
do ponto de vista ortodoxo, a Igreja em todas as suas dimensões não pode
realizar-se sem um vínculo orgânico e nuclear entre hierarquia e povo.
Povo e hierarquia não só não se opõem, como formam um amálgama
único, cuja dinâmica em todas as suas dimensões é funcional à Verdade-Vida
informada pela experiência do «Corpo» do próprio Deus vivo, através de seu
divino apocalipse.
O magistério da Igreja Ortodoxa realiza-se de acordo com o
«consensus34» que emana dessa relação e que, necessariamente, transcende a
jurisprudência doutrinal, enquanto se nutre da consciência e do «fronema » de
todo o «Corpo». Esta dinâmica relacional impede a imposição unilateral e
autoritária «ex cathedra», e vai além do sufrágio meramente democrático, uma
vez que se baseia no con-sentimento da totalidade da Igreja, de acordo com

34
. EVDOKIMOV, P., L’Ortodossia, Op.Cit., pag. 230: “Il consensus non è democratico, non è la volontà
di tutti, ma esprime una comune volontà di essere conformi alla Verità, è il miracolo permanente della
chiesa: la perpetuazione del totus Christus.”

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sua vivência e seu conhecimento 35. Em outras palavras, o «Magisterium Ecclesiae»
é o resultado de um processo dinâmico e sempre colegiado de decodificação,
codificação36 – e recepção – unânime da vivência e da consciência da totalidade da
Igreja para toda a Igreja.
Daí se compreende que a inefabilidade pertence apenas à Igreja em sua
totalidade teândrica que opera o «Misterium Veritatis» e o atualiza aqui e agora
para a perfeição de tudo e de todos.

A DINÂMICA ἐΝ ΣΥΝΌΔ ῳ
A sinodalidade na Igreja Ortodoxa é uma operação que pressupõe a
reunião do pleroma da Igreja para proclamar doxológica, ritual e
didaticamente a Verdade e a bondade de seu conteúdo 37. No entanto, esta, em
todas as suas modalidades, não deve jamais ser considerada como uma
instituição que se destaca em detrimento de todas as outras operações e
expressões carismáticas da Igreja que evocam a autoridade 38 e Verdade, como
a teologia, a energia terapêutica da atividade mistérico-litúrgica, a função
pastoral e missionária, o testemunho vivo dos santos. Pelo contrário, a
sinodalidade representa mais uma operação que, juntamente com estas e
outras expressões da vida multifacetada da Igreja, funciona como um
catalisador autoritativo de Vida e de Verdade.
A sinodalidade, de uma perspectiva histórica, sobretudo em sua
dimensão ecumênica e polêmica, segundo o grande N. Matsoukas, engloba três
processos ou fases, a saber39:

1. A Igreja, como totalidade de membros vivos e relacionados entre si,


observa e percebe que a ação e a influência de forças opostas que
confrontam a Verdade proclamada extrapolam seu limite. Este excesso
negativo ativa imediatamente os anticorpos espirituais do «Corpo» que
se expressam através da teologia, didascália, pastoral, liturgia e toda
forma legítima de espiritualidade. Todas essas operações se alinham
para poder fazer frente à ameaça. Enquanto isso, o processo em questão
busca e permite a consciência da problemática em todas as suas
dimensões. Tal tomada de consciência refere-se também à necessidade
de solução do problema através do chamado e intervenção da instituição
sinodal. A hierarquia, a quem incumbe convocar o sínodo, fá-lo-á sempre
cumprindo um mandato da plenitude (pleroma) da Igreja e de acordo
com as suas necessidades e contingências.

35
. EVDOKIMOV, P., L’Ortodossia, Op.Cit., pag. 227.
36. Como «definição».
37
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pag. 440.
38. E não autoritarismo!
39
. ΜΑΤΣΟΥΚΑ, Ν., Δογματική καὶ Συμβολική Β´, Op. Cit., pag. 442.

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2. A segunda fase ou processo começa com a convocação do sínodo. Este
processo inclui a forma de convocação, bem como suas decisões. A
dinâmica da operação sinodal é sempre realizada de acordo com o axioma
«ἐπόμενοι τοῖς ἁγίοις Πατράσι» – seguindo os santos Padres – isto é, de
acordo com a vida da totalidade do «Corpo» e de toda a Tradição. As
decisões, portanto, mesmo que venham resolver um problema particular
- aqui e agora - devem também responder às exigências da plenitude de
toda a Tradição que precede e permanece na mesma sintonia que garante
a permanência na verdadeira consciência e vida do Corpo. Assim, as
decisões - promulgadas com precisão e com todos os meios para que
possam ser executadas - são submetidas à prova da plenitude do Corpo.
3. A terceira fase se inaugura na promulgação para o exame e o
reconhecimento do povo de Deus. O caráter ecumênico da sinodalidade é
validado por essa plenitude de vida dos membros ativos da Igreja.
Podemos dizer que a universalidade do sínodo é provada quando sua
infalibilidade é diretamente análoga à infalibilidade do «fronema» total
do pleroma: essa «coincidência» – traduzida como identidade – é a
garantia da dinâmica sinodal e determina sua validade e alcance. Então, e
só então o sínodo ecumênico se torna a autoridade máxima da Igreja e é
considerado infalível.
Por fim, é necessário esclarecer que a sinodalidade não é uma operação
que descobre a Verdade, pois ela nunca foi perdida40, enquanto, como enfatiza
N. Matsoukas, esta é vivencial, empírica e carismática, precede, determina e
sucede a ação sinodal em si mesma.

NICEIA 325
Preliminares

O sínodo de Niceia é convocado durante o ano 325 para tratar sobre a


heresia ariana que há muito atormentava a Igreja. A ideologia ariana é
submetida ao sínodo por Eusébio de Nicomédia sob a forma de uma confissão
de fé a pedido dos padres sinodais.
A grave situação exigiu que os padres sinodais articulassem um símbolo
ortodoxo que corrigisse os erros arianos. A sintaxe de um novo símbolo
ortodoxo universal foi feita com base em símbolos batismais orientais mais
antigos - sírio-palestinos de origem jerosalimita, com aportes de Eusébio de
Cesareia, Macário de Jerusalém e Eustáquio de Antioquia, entre outros 41 -, em

40. FLOROVSKY, G., Le Corps du Christ vivant. Une interprétation orthodoxe de l’Église, en AA.VV.,
La Sainte Église Universelle. Confrontation œcuménique, Delachaux et Niestlé, Neuchâtel-Paris 1948, p.
51: “La veritè n`a pas été découverte par les conciles car elle n`avait jamais été perdue.”
41
. ΚΑΡΜΙΡΗ, Ι., Τὰ Δογματικά καὶ Συμβολικά Μνηνεία τῆς Ὀρθοδόξου Καθολικῆς Ἐκκλησίας,
Op.Cit., pag. 56. Sobre a origem dos símbolos base, o cardeal Amato aponta que o problema do local de
origem do símbolo ou símbolos utilizados permanece em aberto e expõe várias teorias e autores..
AMATO, A., Jesús el Señor, Op.Cit., pag. 188.

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meio a fortes discussões entre os hierarcas ortodoxos do Oriente e do Ocidente
e os seguidores de Ário.
Infelizmente não podemos conhecer em detalhe as discussões, uma vez
que não temos as atas conciliares e só podemos vislumbrar algumas linhas
através dos testemunhos de Eusébio de Cesareia, Eustáquio de Antioquia e
Atanásio de Alexandria. I. Karmiris diz-nos que os símbolos propostos não
apresentavam diferenças substanciais, uma vez que procediam do Símbolo
Apostólico e continham, portanto, a fé dogmática da tradição apostólica, que
com o tempo tendia a consagrar-se como fórmula ou tipo único e unificado42.
Mesmo assim, foram suprimidas do plano, fraseologia ariana como
«ἐξ´οὐκ ὄντων», «κτίσμα», «ποίημα», «ἧν ποτε ὅτε οὐκ ἦν», «τρεπτῆς ἐστι
φύσεως» referindo-se a Jesus Cristo; e a complementar com terminologia
bíblica que validasse sua divindade. O Prof. I. Karmiris relata que, para chegar
a uma correta e precisa expressão desses complexos conceitos teológicos
através de terminologia não-bíblica ou agráfa, como por exemplo a controversa
expressão «homousios» , discussões profundas e impetuosas ocorreram entre
os ortodoxos e os partidários de Ário43.

A novidade

Gostaria de me deter no controverso termo «homousios» que, atrevo-me


a dizer, constitui um produto inovador de uma metodologia teológica que está
enraizada e legitimada neste processo sinodal. Como diz o Cardeal Amato, «é a
afirmação que resume o sentido anti-ariano permanente de Niceia: o Filho é Deus
verdadeiro na medida em que é engendrado (gerado) eternamente do Pai e
'consubstancial' a Ele».
O termo ainda é por muitos controverso, pois não é bíblico e, portanto,
sua origem, significado e recepção são interpretados de diferentes maneiras de
acordo com o contexto filosófico a partir do qual é abordado. Já o sínodo de
Antioquia condena o termo, assim como o usava Paulo de Samósata. Esse
herege monarquianista, como já mencionamos, afirmava que somente o Pai era
Deus e que o Logos coexistia em seu interior como uma potência imanente e
impessoal. Desta forma, Paulo de Samósata interpreta que o Pai e o Logos são
consubstanciais. O sínodo condena a teoria e, consequentemente, o termo; por
conseguinte, neste contexto estranho à Tradição, o Filho não é consubstancial
– homousios – ao Pai, mas uma hipóstase separada dele.
Os Padres, por sua vez, concordam sobre a utilidade do termo - embora
não bíblico - para especificar em detalhe e de modo categórico o dado bíblico,
isto é, a origem do Filho e sua relação com o Pai. Isso se compreende a partir

42
. ΚΑΡΜΙΡΗ, Ι., Τὰ Δογματικά καὶ Συμβολικά Μνηνεία τῆς Ὀρθοδόξου Καθολικῆς Ἐκκλησίας,
Op.Cit., pag. 57.
43
. ΚΑΡΜΙΡΗ, Ι., Τὰ Δογματικά καὶ Συμβολικά Μνηνεία τῆς Ὀρθοδόξου Καθολικῆς Ἐκκλησίας, Op.Cit.,
pag. 57.

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de uma distinção que Calcedônia (451) deixará clara: o Logos é consubstancial
- de igual essência - ao Pai antes de todas os séculos, eternamente,
incriadamente, ad intra , enquanto, ao mesmo tempo é consubstancial a
nós após a encarnação, na contingência, economicamente, ad extra .
Consequentemente, a «consubstancialidade» do Logos deve ser interpretada
nesses dois âmbitos ou níveis (supra)existenciais – pré-eternidade e
contingência – algo que os arianos não conseguiam compreender.
O termo «homousios» significa que o Logos é Deus; não há semelhança,
há identificação na essência, natureza, glória, honra, poder, energia; embora, ao
mesmo tempo, se declare que o Filho é uma pessoa – hipóstase - diferente do
Pai, como está detalhado nos dados bíblicos ao longo do Antigo e Novo
Testamentos. Segundo o cardeal Amato, «Niceia concebe a Trindade como interna
à divindade: isto é, afirma-se a unidade original no ser divino da Trindade imanente e
da Trindade econômica» 44.
Devo esclarecer bem que a novidade não está centrada no termo em si,
mas na metodologia dos Padres. Tendo a vivência, a consciência e o axioma
teodidático bíblico - o Logos é Deus perfeito e homem perfeito - não estão
longe de usar o aparato e a fraseologia filosófica para especificar e detalhar o
conteúdo da fé contra uma falsa ideologia. Essa liberdade não é apenas
inovadora, mas acima de tudo legítima.
A terminologia é precedida pela realidade vivida e transmitida pelos
profetas, apóstolos e mártires, e é isso que garante o afortunado, útil e correto
uso de uma terminologia que, embora estranha, é legitimada através da
realidade que lhe dá sentido.

CONCLUSÃO
A importância e a validade do Sínodo de Niceia são de capital
importância na história e na vida do cristianismo até hoje. Podemos
certamente argumentar que sua influência é multifacetada, uma vez que
impacta não apenas na teologia, doutrina, dogma, mas no modo de vida dos
cristãos, protegendo-os de outro com uma marca completamente estranha ao
legítimo espírito cristão.
Neste contexto, gostaria ainda de destacar dois aspectos da «novidade»
de Niceia 325.

A R EDIMENSÃO DA FILOSOFIA E A H ELENIZAÇÃO DO


CRISTIANISMO
De fato, Niceia combate ao mesmo tempo contra o ataque de uma
ideologia que tentava helenizar a legítima Tradição do Cristianismo a partir

44
. AMATO, A., Jesús el Señor, Op.Cit., pag. 193.

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de uma metodologia e conteúdos filosóficos específicos, desfigurando a
teologia em mera lucubração dialética.
Esse processo de helenização do cristianismo se deu desde os primeiros
séculos do cristianismo por meio de um diálogo e relacionamento nem sempre
saudável entre teologia e filosofia. Decantou o processo em questão desde o
alvorecer do cristianismo no século IV e, precisamente no arianismo, operando
em paralelo tanto na metodologia quanto no conteúdo da fé eclesial.
E não me canso de frisar que, neste contexto, existe um pano de fundo
existencial e vivencial que sustenta o modus operandi deste processo. Como já
me referi anteriormente, é o modo de vida que gera o respetivo modo de pensar,
refletir e argumentar: a vida precede sempre a teoria e não o contrário.
No entanto, esta tentativa estranha à Tradição eclesial foi detida e
retificada por seu antípoda que, paradoxalmente, é a evangelização da
helenização. E esta evangelização é realizada através de uma metodologia que
pressupõe a filosofia e toda a sua riqueza não submetida, mas baseada na
Verdade. E nós, cristãos, sabemos bem Quem é a Verdade.
De fato, o conceito-chave que resume a vitória da Ortodoxia sobre esse
processo fraudulento é o «homousios » de cunho certamente não bíblico, mas
claramente filosófico e helênico, mas funcional e útil para expressar -
especificar - em detalhes o apocalipse tal como foi experimentado e vivido por
«teólogos» desde os primeiros séculos. A des-helenização realizada por Nicéia
não anula a riqueza do Helenismo ou da Filosofia, pelo contrário, dá-lhes outra
nova dimensão e alcance dentro de um esquema vivencial transcendente e ao
qual se adequam perfeitamente.

A PROTEÇÃO ÚLTIMA DO MODO DE VIDA CRISTÃO


Se a doutrina de Ário tivesse se espalhado e se imposto, o cristianismo
teria se tornado uma ideologia filosófica e uma flagrante etiologia baseada nela.
Em outras palavras, o cristianismo teria desaparecido.
Dito de forma «curta e grossa»: Niceia, em um momento histórico crítico,
salva o cristianismo. Nem mais, nem menos. Nicéia 325 contrapõe o modelo
legítimo do cristianismo em que a vida, a experiência e o cru realismo empírico
de um Deus que se dá, que se revela, e se pode ser experimentar aqui e agora,
prevalece sobre um modelo baseado em pressupostos moralistas de cunho
puramente filosófico.
É por isso que a teologia – como experiência do Deus que se revela –
equilibra e domina, polemicamente, claro, os excessos de um paradigma
distorcido que busca limitar e minimizar não apenas a doutrina cristã legítima,
mas o próprio apocalipse, através de um esquema dialético-moralista. A reação,
obviamente, é imediata, orgânica e sistemática. E necessariamente sinodal!

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O argumento é claro: se Cristo não é Deus, então o homem não pode
ser redimido; se Cristo não é Deus, o homem não pode ser divinizado. E se o
homem não pode transcender, então qual é o sentido do querigma, da liturgia,
dos mistérios e de toda a prática eclesial? Então a Igreja não faz mais sentido,
não só como instituição, mas como comunidade, como sinaxis, como espaço
onde todos os homens são livres e podem se tornar Deus pela graça.
É, pois, necessário - imperativo - corrigir e erradicar o erro; não porque
uma ideologia ou uma mitologia caia, como muitos querem até hoje, no
cristianismo; não! é imperativo erradicar o erro para salvaguardar o modo de
vida que nos permite relacionar com Deus e chegar, vencer o pecado e a morte
e, finalmente, vê-lo face a face, assim como fizeram os Patriarcas, Profetas,
Apóstolos, Mártires, Confessores, Ascetas e todo espírito justo aperfeiçoado na
fé.
Em última análise, o pano de fundo de Niceia 325 não é meramente
doutrinário – cosmológico-cristológico-soteriológico – é finalmente existencial.
Daí sua importância capital e sua atualidade em um mundo onde novas e
astutas formas de arianismo constantemente nos atacam.
Não por acaso o «Símbolo da Fé» - o Símbolo da Vida - há muito foi
introduzido na prática litúrgica como proclamação de fé e de vida: como a
mais poderosa oração que evangeliza, exorciza, purifica e aperfeiçoa todos
aqueles que a vivem e a experimentam com um coração puro, intenção reta e
abertura de espírito.
Obrigado!

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