Alinhavos v. 2, N. 12

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VOL.

2, Nº 12
Alinhavos v. 2, n. 12 / Oficina Mão & Obra
3
EDITORIAL

Pode-se definir uma disto- mostra um futuro próximo


pia como uma representa- às ruas de Belém, mas não
ção imaginária em que se menos catastrófico.
destaca uma condição de
Em “Senhora das Águas”,
vida insuportável, normal-
Jeniffer Yara traz um falar
mente, baseando-se na mítico, banhado nos rios
contemporaneidade para que, de alguma forma, já
transcrever sua crítica. Na
passaram por nós — ou em
vigésima primeira edição
nós — e nos lembram de
da Revista ALINHAVOS, toda a ganância humana.
trazemos em quatro histó-
rias um pouco desse Fechando esta edição, “O
grande gênero que nos faz Jantar Está Servido”, de
refletir sobre o mundo à Stark, mistura um pouco
nossa volta, misturado com do clássico horror gore, ou
as frequentes chuvas de in- splatter, com o tão comum
verno, tão conhecidas pe- antropomorfismo. Talvez,
los paraenses. essa história sirva para nos
fazer pensar um pouco so-
Abrindo esta edição temos
bre o que de fato é ser “hu-
“Circo da Miséria”, de Ro- mano” ou apenas instintos
drigo Aranha, que brinca
evolutivos de sobrevivência
com uma realidade igno-
que guardamos em nosso
rada por tantos e nos traz íntimo mais animalesco.
uma grande e crucial per-
gunta: será que já vivemos Assim, acredito que a ALI-
em uma distopia e não per- NHAVOS não poderia fe-
cebemos? Thamirys de char o ano sem ser dessa
Matos, por sua vez, nos maneira: nos fazendo

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refletir, mesmo por apenas
um instante, sobre o que
está por vir. Então, vos
deixo com mais esta edi-
ção, que acredito ser uma
ótima pedida para esse iní-
cio de ano. Boa leitura!
Belém, 2023
Larissa Mustafé.

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Circo da Miséria
Rodrigo Aranha

Nas cidades,

em todos os lugares,

nas ruas,

e calçadas.

Há um circo,

Um circo de

Uruguaios,
Paraguaios,

Venezuelanos,

Peruanos,
Humanos.

Os artistas são eles,

a plateia são os que veem.

Hora?
Qualquer hora.

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Não importa

porque,

se eu tiver minha comida,


Quem me importa?

Eles são pagos,

De milhares de formas,

Com esmolas,

pedaços de trapos,

talvez,

com sobras.

Esse circo não tem tenda,

mas os espectadores não se molham.

Esse circo tem plateia,


mas não tem interesse no show.

Esse circo é visto pelo mundo,

mas não tem reconhecimento nenhum.

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Eles tentam nos entreter.

com bolas,

com facas,
o que tiver na hora.

Esse é espetáculo.

Esse é o circo da miséria.

Bem-vindo ao inferno.

Bem-vindo à Terra.

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Toró
Thamirys de Matos

Chuvas da tarde levando o bairro pro fundo mais cedo,

Bem antes do fim do derretimento das calotas polares

Ou dos tsunamis vulcânicos aqui chegarem.

Cólicas climáticas refluindo.

Espia, a natureza cobrando a cidade de volta pras águas.


Cobra-grande balançando a raba pro rumo dos trovões

E a vila indo pro fundo.

Becos mergulhando os pés.


Era mangue com olhos d’água,

Natural que além da lama fique a água e a gente

Meio-gente, meio-peixe e meio-muçum


Recolhendo os calçados com enfado pra não encharcá-los.

Enquanto do alto do seu trono,


A indiferença observa o rio ressurgido no vai ou não vai

Banhar os restos das calçadas e joelhos das casas.

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Senhora das águas
Jeniffer Yara

Sucumbo entre as ondas que me varrem para o fundo do rio.

Desço até a escuridão onde vivem seres metamorfoseados.


Eles não pertencem mais ao habitat que criei.

Trans(t)formados, vivem em seu mundo sombrio.

Varrida pela memória de um passado sem retorno,

choro pelos filhos daqueles que se foram


sem o vislumbre de um futuro esperançoso

de águas tranquilas e límpidas,

em paisagens corrompidas

pela ganância de quem nos usurpou e

extorquiu nossas existências.

As águas se rebelam

em ondas obscuras de vingança,

bebem do sangue,

tragam da vida,

e alimentam os seres novos que as habitam.

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O Jantar Está Servido
Stark

Quando acordei, estava tudo escuro. A primeira coisa


que senti foi o frio do chão metálico que ardia contra a mi-
nha pele nua. Tentei me mexer e me levantar, mas percebi
que não havia como, pois meus pulsos e tornozelos estavam
algemados. Sentia dor em cada parte do meu corpo e um
forte enjoo. Talvez fosse resultado da droga que tinham
usado para me apagar depois daquele desastre. Tentei lem-
brar como tudo tinha acontecido, mas a minha memória
ainda estava bagunçada; forçá-la fez uma dor aguda se es-
palhar pela minha cabeça, então achei que era melhor co-
meçar descobrindo onde eu estava. Enquanto meus olhos se
acostumavam à escuridão, notei que o espaço era um qua-
drado todo de metal, tão pequeno que eu mal cabia inteiro
ali.
Uma cela.
Ou melhor, uma jaula. Eles adoravam jaulas, eu sabia.
Era a sua piada favorita.
De repente, fui surpreendido pelo som de uma chave
girando na fechadura. Alguém estava abrindo o comparti-
mento pelo lado de fora. Eu pisquei quando a porta abriu,
deslizando para o lado, e uma luz forte agrediu meus olhos.
Os urros ensurdecedores encheram meus ouvidos en-
quanto me acostumava com a claridade. Uma figura estra-
nha veio caminhando sobre duas pernas, sua silhueta es-
cura contrastando com a luz às suas costas. Mesmo que eu
não pudesse ver com clareza, sabia pelas formas que se tra-
tava de um cão. E dos grandes.

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Com uma destreza inesperada, ele prendeu uma cor-
rente na coleira ao redor do meu pescoço e começou a me
puxar para fora.
— Vamos! — Ele rosnou. — Vou morder você se não
obedecer.
Eu obedeci; já estava acostumado àquilo. Todas as
pessoas estavam, àquela altura. Sendo puxado pela coleira,
fui guiado pelo cão através do que parecia um grande palco
onde outros seres humanos se encontravam de pé, lado a
lado, acorrentados como eu. Ao lado deles, mais cães man-
tinham guarda, segurando chicotes e trajando camisetas
pretas e jeans surrados. Abaixo de nós, espalhados por um
salão escuro que fedia a cachimbo e charuto e a bicho, es-
tava uma multidão de animais diversos, conversando ani-
mados enquanto fumavam e bebiam. Ao balcão do bar, um
jacaré que usava um terno chique debatia política com uma
capivara enfiada em um vestido rosa. Em seus ombros, a
pele esfolada de uma criança lhe servia de echarpe. En-
quanto conversava, a capivara fazia carinhos com a pata nos
cabelos dourados da pele.
— Atenção! — Um mico-leão-dourado que vestia um
colete subiu ao palco, segurando um microfone. Todos
olharam para ele e começaram a se reunir em volta do palco.
— Alô, alô, alô! Boa noite e sejam todos bem-vindos! Reú-
nam-se, pois chegou a melhor hora da noite. Vamos dar iní-
cio ao leilão!
Um leilão. Então, eu tinha ido parar no mercado ne-
gro, ao que parecia. Já tinha ouvido antes sobre o mercado
negro de humanos, mas nunca tinha estado em um antes, e
é claro que eu era grato por isso. Pelo que eu sabia, esses
leilões secretos ocorriam em algum lugar da ilha do Marajó,
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pois era repleta de locais discretos, mas ninguém sabia com
certeza. Para um humano, estar ali só podia significar uma
coisa: uma morte muito, muito dolorosa. Aquelas feras iam
disputar em dinheiro quem teria o direito de devorar nossas
carnes ou apenas nos torturar por prazer. Uma forma ridí-
cula de disfarçar seus instintos animalescos com uma falsa
civilidade.
Desde que os animais assumiram o poder inespera-
damente, há quatro décadas, eles têm se esforçado para pa-
recer civilizados, ao passo que os próprios humanos se vi-
ram obrigados a assumir a condição de animais, rebaixados
a mascotes domados ou escravos. Eu costumava pertencer
à última categoria e trabalhava na mansão de um impor-
tante touro, ironicamente, como cozinheiro. Porém, Depois
de um desastre que envolvia um garfo de cozinha enfiado
no olho de um dos filhos do touro, eu acabara ali, reduzido
simplesmente a carne. Carne fresca, aguardando para saber
qual daquelas feras iria se banquetear com meu sangue.
Apesar de tudo, o consumo da carne humana ainda
era considerado um tabu, tal qual um humano comendo um
cachorro. A lei era válida mesmo entre os carnívoros, que,
de forma geral, utilizavam vitaminas para suprir suas ne-
cessidades e manter o seu status de “animal civilizado”. Mas
então existiam mesmo os leilões clandestinos. Ali era onde
os animais que estavam cansados de fingir podiam revelar
quem verdadeiramente eram. Podiam pagar pelos humanos
e consumi-los da forma que achassem melhor. Eu já tinha
ouvido histórias de animais que gostavam de devorar suas
vítimas à moda antiga, abrindo-as com os próprios dentes,
enquanto outros preferiam cortá-las e, às vezes, até cozi-
nhá-las ar antes de comer. Parece que eram verdadeiras.

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A primeira pessoa a ser leiloada era uma mulher re-
chonchuda que estava à minha esquerda. Uma jiboia, um
lobo-guará e uma puma fizeram lances altos. A puma levou
o prêmio ao oferecer treze mil reais. Eu não fazia ideia do
quanto a carne de um humano poderia valer naquele sub-
mundo.
A mulher leiloada foi retirada do palco pelos cães. Ela
chorou e tentou resistir, mas, com algumas chicotadas que
fizeram todos os humanos presentes se encolherem, acabou
obrigada a sair. A pessoa seguinte estava bem ao meu lado.
Eu era o próximo. Estava tremendo de medo só de pensar
naquelas bestas disputando meu corpo. O homem ao lado
foi vendido a um urubu, uma das piores coisas que podia
acontecer, na minha opinião, pois eu sabia que ele só iria
morrer depois de ser muito machucado e, mesmo assim, só
seria devorado depois de semanas exposto ao sol, quando
sua carne já estivesse podre.
Pensar naquilo fez meu estômago revirar.
Antes mesmo de deixar o palco ele já havia se mijado
todo de pavor. Então chegou a minha vez. Os animais hesi-
taram antes de darem os primeiros lances, afinal, eu não
parecia muito apetitoso. Era um tanto quanto magrelo para
os meus 30 anos, resultado de uma vida inteira de submis-
são e maus tratos. Raras vezes na vida eu cheguei a ingerir
um pão ou pedaço velho de outra comida qualquer e a maior
parte da minha alimentação até ali tinha sido as sobras da
cozinha da casa onde trabalhava, ou seja, restos de vegetais
murchos. Outro urubu foi o primeiro a dar um lance mise-
rável por mim, mas nem mesmo ele parecia muito interes-
sado e talvez acabasse revogando a sua proposta. Não sabia
se me sentia aliviado ou ofendido. Se ele desistisse, porém,

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eu sobreviveria a mais um dia. Nenhuma outra fera parecia
querer dar um lance maior por mim.
Então as portas do fundo do salão se abriram com um
rangido alto e uma fera maior e mais alta que todas as outras
entrou. Era uma onça-pintada monstruosa enfiada em um
paletó escuro e usando um monóculo, mas nem mesmo o
tecido mais fino ou os acessórios mais delicados teriam es-
condido seu aspecto feroz e brutal. Era, sem dúvidas, um
monstro. A onça se aproximou do palco, abrindo caminho
pela multidão, e me avaliou com olhos famintos. Levou ape-
nas um instante para que ela abrisse a boca, revelando pre-
sas que pareciam adagas afiadas e dissesse com uma voz in-
confundivelmente masculina:
— Cinquenta mil.
Merda.
Tomei fôlego. Não havia como qualquer outro animal
oferecer mais do que aquilo. Senti minhas pernas ficarem
fracas diante da morte certa. Fiquei tonto e o mundo ao meu
redor pareceu perder o foco. Mal percebi quando as patas
dos cães me conduziram para fora do palco e depois para
um corredor escuro e malcheiroso, com diversas portas dos
dois lados. Voltei um pouco à realidade ao ouvir os berros
humanos e os urros animais que vinham de trás de algumas
portas. Uma cacofonia horrenda. Aquele poderia muito bem
ser o som do inferno.
Em outras portas era possível ouvir apenas a carne
rasgando e os ossos sendo triturados. Meu estômago se re-
virou mais uma vez.
Paramos em frente a uma porta com o número 30. Os
cães a abriram e me forçaram a entrar em um quarto amplo.

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No centro, havia uma mesa comprida posta para dois. A to-
alha da mesa era branca e simples, mas os talheres e pratos
eram todos de prata, e as taças, de cristal fino. Duas cadeiras
de encosto alto forradas de veludo estavam dispostas nas
pontas da mesa e a única iluminação do lugar vinha de um
lustre pendurado no teto, acima da mesa.
Os cães removeram minhas algemas e coleira.
— Sente-se. — Um deles rosnou para mim. Como eu
não me movi, pois estava embasbacado, ele agarrou meu ca-
belo, forçando minha cabeça para baixo, e me obrigou a
sentar em uma das cadeiras.
Os cães então foram embora, batendo a porta, e me vi
sozinho naquele lugar estranho. Eu seria mesmo devorado,
afinal?
A onça entrou no quarto cerca de vinte minutos de-
pois, ainda usando suas roupas chiques para tentar escon-
der o animal que era. Sem sucesso, é claro; não havia como
disfarçar a fera que se escondia sob o terno, esperando an-
siosamente para ser liberta e se render aos seus instintos
primitivos.
— Boa noite — ela disse com sua voz grave. Como eu
tinha nascido dez anos após a ascensão animal, não achava
estranho o fato de os animais falarem. Não respondi. Sentia
que não conseguiria emitir som mesmo que tentasse.
A onça me lançou um olhar desagradável, mas decidiu
ignorar meu silêncio. Ela aproximou-se da mesa e retirou a
tampa de uma travessa, revelando bolinhos e tortas. O
cheiro era maravilhoso.

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— Que bom, o jantar está servido — disse com clara
satisfação.
Sentia minha mente muito confusa, mas consegui
perguntar com a voz fraca:
— Você não vai me devorar?
A onça jogou a cabeça para trás e riu, ou devia estar
rindo, mas para mim pareceu mais que estava rosnando.
— Ah, sim. Eu vou — respondeu ao parar, um sorriso
malicioso surgindo devagar nos lábios negros. — Mas, antes,
quero que coma comigo. Vamos jantar juntos e você vai
aproveitar cada momento antes que eu mate você.
Meu sangue gelou nas veias e minhas mãos começa-
ram a tremer, mas as coisas estavam prestes a piorar ainda
mais. Vendo meu estado, a onça ordenou:
— Sirva-se.
Sabia que não era inteligente recusar. Aliás, comer se-
ria a melhor maneira de sobreviver por mais alguns mo-
mentos. Então, mesmo tremendo, estiquei a mão em dire-
ção a uma tortinha.
— Espere. — A onça disse, me fazendo parar a meio
caminho. — Este não é o seu jantar.
Ela se aproximou de mim e retirou a tampa da tra-
vessa que estava mais perto. Meu estômago deu um salto
quando vi que estava repleta de dedos humanos ainda pin-
gando sangue. Senti a bile subir até a minha garganta. Eram
tantos... quantas pessoas teriam sido mortas para montar
aquele prato?
— V-você quer que eu coma... isso?

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A onça abriu um sorriso perverso.
— Qual o problema? Pelo que eu sei, os humanos
nunca se importaram com carne e um pouco de sangue. Na
verdade, costumavam até mesmo esfolar alguns animais
apenas para ter suas peles como troféus.
— Mas isso é...
— O quê? — Seu olhar se estreitou e um rosnar baixi-
nho começou a sair do fundo de sua garganta.
Engoli em seco e fiquei quieto, os olhos baixos. A fera
apanhou um bocado de dedos e os colocou no prato à minha
frente.
— Coma.
Balancei a cabeça. Ele repetiu a ordem, mas continuei
negando em silêncio, até que a sua voz explodiu em um ru-
gido. Pude sentir seu bafo quente, um cheiro tão forte que
fez minhas narinas arderem. Não consegui me conter; as lá-
grimas já estavam descendo livremente pelo meu rosto. Um
calor úmido entre as minhas pernas me informou que a mi-
nha bexiga também tinha entrado em ação.
— Você. Vai. Comer. Isso. — Ele rosnou. — Agora!
Não movi um músculo. Não ia fazer aquilo, mesmo
que acabasse morto. Aliás, eu já morreria de qualquer
forma. Não queria que meus últimos momentos fossem
mais um ato de submissão. Não ia comer dedos humanos,
não ia.
Foi a atitude errada.
Vendo que eu ainda me recusava, o animal colocou
suas garras para fora e desferiu um golpe feroz contra

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minha orelha. Mal consegui ver o movimento, mas a dor e o
calor que senti me deixaram em estado de choque. O mundo
inteiro pareceu ficar mais lento, e eu pude capturar com
clareza a sensação do sangue escorrendo pelo meu rosto,
espalhando-se pela toalha da mesa e pelo chão. Um gosto
metálico invadiu minha boca, como moedas. Captei o brilho
assassino no olhar da onça, que rugia alguma coisa para
mim.
Então, como se uma lâmpada se acendesse na minha
mente, tive uma ideia. Nem mesmo parei para pensar a res-
peito. Meu corpo se moveu quase que contra a minha von-
tade, agarrando a faca de prata que estava sobre a mesa. Já
tinha feito aquilo antes, mas a onça não fazia ideia do por-
quê eu estava ali. Poderia apostar que ela jamais considerou
que eu reagiria; devia pensar que eu ficaria amedrontado
demais para sequer imaginar isso.
Realmente, os animais ainda não entendiam a natu-
reza humana por completo.
Tudo aconteceu em uma fração de segundo. A onça
imediatamente percebeu o que estava acontecendo. Seus
olhos se arregalaram em uma mistura de surpresa e ódio e
ela avançou, as garras e presas expostas. Eu só tive tempo
de erguer a faca na direção da fera antes que ela caísse em
cima de mim. Sangue de homem e animal respingaram no
chão quando suas presas perfuraram meu ombro e suas
garras abriram fendas profundas em minhas costas. A dor
atravessou meu corpo, mas eu havia conseguido enfiar a
faca até a base da lâmina no tórax da onça, bem na direção
em que devia ficar seu coração.
Em seu último ataque de fúria, ela cravou os dentes
em minha garganta e a rasgou. Caímos juntos com um forte
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impacto. Eu sabia que estava morrendo. Minha vista escu-
recia enquanto eu engasgava e gorgolejava com meu pró-
prio sangue, mas não consegui me importar com isso. Ver o
corpo estirado daquele que deveria ser meu algoz me trouxe
algum tipo de paz.
E ali estávamos, deitados sobre poças de nosso pró-
prio sangue, que se misturava e se confundia. O jantar es-
tava servido.

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