Os Corumbas Amando Fontes
Os Corumbas Amando Fontes
Os Corumbas Amando Fontes
A certa
que os outros também não têm de que sofrer ... Passa a altura, arrebatada pela cólera, resmungou:
vida inteira rindo, essa doida! ... - Mas isso é mesmo uma judiação! Corno se manda
- Boa, essa! Não é só você. Eu também tenho razão uma pessoa trabalhar, assim doente?
pra viver triste. Mas não me entrego. Nem sou tola pra Acocorada junto à poç.a, a menina enxugava os joe
andar me lastimando. Lastimar, pra quê? Não dá remé lhos, desajeitada e trêmula.Fazia-lhe mal ouvir a.s lamen
dio ... Se chorar consolasse, meus olhos viravam fonte ... tações de que era alvo. Estava excitada, os olhos cinti
lantes. Afinal, não se pôde mais conter e pôs-se a chorar
- Faz bem, Albertina! - exclamou uma sardenta, baixinho, escondendo o rosto nos trapos do xale.
dos cabelos cor de fogo. - Se todo pobre andasse con Um preto espadaúdo, rosto eriçado de espinhas, pa
tand,o suas mágoas, o mundo se acabava em pouco tem rou e disse, num ar de grande pena:
po. Ninguém trabalhava mais e a fome vinha, danada! - Pobrezinha!
- É! E fiquem sabendo que os pequenos esticavam Olhou, curioso, para ver quem era. E logo ajuntou,
a canela antes dos grandes ... em tom de troça:
Essa frase, dita com entonação sentenciosa por um - Bem que estava vendo! Ê a filha de Sá Maria
-velhote quê passava, de gorro e de cachimbo, veio cortar Pirambu. Mas aquela velha é mesmo uma peseta! Parece
o fio à conversa das mulheres. uma caninana azougada ... Vive a chupar o sangue da
Deixando para trás os apicuns amarelentos, cami bichinha ...
nhavam tGdos agora pelo apertado aterro, feito de lama Houve um zunzum de risotas, que ainda mais veio
e cinza, que liga S. Antônio ao Bairro Ind
. ustrial. aumentar o vexame de Clarinha. Encheu-se de vergonha.
Não cessara de cair a chuva fina. úmido e retalhan Quis replicar, talvez defender a mãe, injmiada, assim de
te, o sudoeste soprava. público. Mas nem pôde falar, assaltada por um acesso de
tosse, que às vezes a sufocava.
*** Aí, ainda foi Albertina quem veio em seu auxílio.
Ergueu-se, de um pulo 1 e as mãos ·nos quadris, um jeito
De.ntro daquela ondulante massa humana movia-se desdenhoso na boca, gritou para o crioulo:
uma rapariguita muito branca, de treze anos apena�. Era - Agora, vamos ver quanto Vossa Senhoria quer
um frangalhozinho de gente; delgada como um vime; a pela gracinha, seu cara de ralo!
carne, de tão em sangue, transparente; os lábios, arro Clareava o dia. A maré quase cobrira o Aterro: Ao
xeados de frio. Chamava-se Clarinha e servia, como aju sopro da ventania, pequenas maretas se formavam e vi
dante., na seção dos teares da Sergipana, vencendo o orde nham rebentar bem aos pés das raparigas. Emergindo
nado de quatrocentos réis por dia. das águas transparentes, as copas verdes dos mais altos
Fazia-se tarde. Todos se apressavam, a passos largos, mangues pareciam árvores flutuante,s. O Aterro que liga
para não perder o primeiró quarto. o Bairro Industrial à parte mais 1ica da cidade também
O rosto embrulhado no seu -pequeno xale de algodão, foTmigava de gente.
Clarinha tentava acompanhá-los, num esforço superior às Já se havia dispersado por completo o agrupaménto
suas forças. Corria quase. E foi assim que, ao saltar uma feito em torno da menina. De longo em longe, uma ope
poça, tropeçou, caindo em cheio na lama. rária retardada, que vinha a correr, nem sequer parava.
Albertina correu a levantá-la, exclamando,: Somente Albertina se deixara ficar ao lado dela, pro
- Coitadinha! Sujou-se toda! curando consolá-la.
Outras operárias acudiram. Dentro em pouco, já era - Não chore, minha nega - dizia. - Você é tola?
grande o ajuntamento em torno da pequena. Algumas Vá pra casa. Díga à sua mãe que caiu, que está doente,
mulheres murmuravam palavras de comiseração. Uma e por isso não pode ir hoje pr0 serviço ... Ela não lhe faz
preta quarentona, baixa e gorda, ajudava Albertina, nada, não . Vá!
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