Psicodianostico Cancer Prostada
Psicodianostico Cancer Prostada
Psicodianostico Cancer Prostada
Resumo
O câncer de próstata atinge uma parte significativa da população masculina. Em 2018 no Brasil,
68 mil homens foram diagnosticados com câncer de próstata, desta forma, faz-se necessário
entender as atitudes dos indivíduos diante do diagnóstico positivo de câncer, para compreender
quais são as medidas adotadas pelos pacientes para enfrentar a doença. O objetivo do estudo
foi compreender as atitudes de pacientes com câncer de próstata frente ao diagnóstico. Foi
realizado um Psicodiagnóstico Interventivo com um participante que recebeu o diagnóstico de
câncer de próstata. Os instrumentos utilizados durante o processo Psicodiagnóstico Interventivo
foram: um questionário sociodemográfico; um roteiro semiestruturado com 17 perguntas
relacionadas ao objetivo da pesquisa; técnicas projetivas H-T-P (Casa-Árvore-Pessoa) e TAT
(Teste de Apercepção Temática). Ao total foram realizadas 08 sessões com o participante. Os
resultados foram apresentados em três categorias temáticas que possibilitaram a compreensão
das atitudes diante do câncer de próstata. Os resultados obtidos ressaltam a importância do
Psicodiagnóstico Interventivo. Neste trabalho o Psicodiagnóstico Interventivo mostrou ser uma
ferramenta que possibilita compreender os mecanismos de defesa como repressão, isolamento
e racionalização utilizados pelo participante durante o processo de adoecimento e tratamento.
Cabe salientar que o apoio familiar foi importante no enfrentamento de todo o processo.
Palavras-chave: psicodiagnóstico interventivo; psico-oncologia; técnicas projetivas; psicologia
da saúde.
1
Universidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. – E-mail: [email protected]
2
Universidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. – E-mail: [email protected]
3
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Abstract
Prostate cancer affects a significant portion of the male population. In 2018 in Brazil, 68 thousand
men were diagnosed with prostate cancer, so it is necessary to understand the attitudes of
individuals towards the positive diagnosis of cancer, to better understand which measures are
taken by patients to face the disease. The aim of the study was to understand the attitudes
of prostate cancer patients towards the diagnosis. An Interventive Psychodiagnostic was
performed with a patient who was diagnosed with prostate cancer. The instruments used during
the Interventive Psychodiagnostic process were: a sociodemographic questionnaire; a semi-
structured script with 17 questions related to the research objective; the projective techniques
H-T-P (House- Tree-Person) and TAT (Thematic Apperception Test). In total, 8 sessions were
performed with the patient. The results were presente din 3 thematic categories which enabled
the understanding of attitudes towards prostate cancer. The results obtained showed that
Interventive Psychodiagnostic is a tool that makes it possible to better understand the patient’s
defense mechanisms, such as repression, isolation and rationalization, during the process of
illness and treatment. It is also important to highlight that family support was an important coping
mechanism throughout the entire process.
Keywords: interventive psychodiagnostic; psycho-oncology; projective techniques; psychology
of health.
Introdução
O câncer é um problema de saúde pública que afeta diversas pessoas em todo o mundo.
Com base no documento World cancer report da International Agency for Researchon Cancer
(IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), é indiscutível que o câncer se
tornou um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, principalmente em países em
desenvolvimento, onde é previsto que, nas próximas décadas, haja 20 milhões de novos casos
(Stewart & Wild, 2014).
O Brasil é um dos países em desenvolvimento que sofre diretamente com o impacto do
câncer na população, e de acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da
Silva (INCA) (2018), no Brasil estima-se entre 2017 e 2018 a ocorrência de 640 mil casos novos
para cada ano. Em se tratando da população masculina, os tipos de câncer mais comuns em
homens brasileiros são: câncer de próstata (31,7%), pulmão (8,7%), intestino (8,1%), estômago
(6,3%) e cavidade oral (5,2%) (INCA, 2018). Dados do INCA (2018) indicam 68 mil casos de
homens diagnosticados com câncer de próstata no ano de 2018.
De acordo com a Agência Nacional de Saúde (2009), os dados epidemiológicos relativos a
todos os tipos de câncer tornam explícitos que a idade é um fator de risco importante. Entretanto,
nos casos de câncer de próstata, este dado ganha ainda mais força, porque fica evidente quando
se considera tanto a incidência quanto a mortalidade, as taxas aumentam nos casos de homens
a partir de 50 anos de idade.
A literatura especializada informa que para o desenvolvimento de um câncer, existem
fatores de risco extrínsecos e intrínsecos. Os primeiros abarcam questões ambientais tais como
alimentação, poluentes, uso de álcool, cigarro e infecções virais e os segundos sendo fatores
genéticos (Straub, 2005; Kaliks & Del Giglio, 2008).
Para evitar que o câncer provoque problemas irreversíveis no corpo do indivíduo
acometido, estratégias de prevenção, rastreio e diagnóstico precoce têm sido priorizadas nos
níveis de atenção primário, secundário e terciário que compõem o Sistema Único de Saúde
(SUS) (INCA, 2018; Yamaguchi, 2008). Segundo Maia, Moreira e Filipini (2009), as dificuldades
que a população masculina enfrenta para se prevenir diante do diagnóstico do câncer de
próstata relacionam-se a fatores diversos como a falta de informações e variadas formas de
preconceitos primitivos e negativos sobre o câncer e o seu prognóstico. Em se tratando da
população masculina, o preconceito é um dos grandes dificultadores no combate ao câncer
e realização dos exames preventivos, sobretudo o de toque retal. Boa parte dos homens tem
medo e receio de realizar este exame, porque teria uma conotação invasiva que pode causar dor
(Gomes, 2003; Maia et. al., 2009).
Além disso, mesmo sendo um procedimento importante, o exame de toque retal vai ao
encontro de fantasias masculinas, pois envolve penetração, podendo ser percebido em seu
imaginário como uma violação quase sempre associada à dor, e também ao desconforto físico e
psicológico de estar sendo tocado numa parte interditada (Gomes, 2003; Figueiredo, 2005). Ter
ereção frente ao toque retal é outro medo, pois esta possibilidade pode significar a indicação da
presença de prazer ao ser tocado uma vez que no imaginário a ereção está tão fortemente ligada
ao prazer e é quase impossível entende-la como apenas uma reação fisiológica (Yamaguchi,
2008; Nascimento, Florindo & Chubaci, 2010). A literatura também salienta como dificultador
para a prevenção primária do câncer de próstata, a baixa busca por cuidados em saúde realizada
pela população masculina que recorre aos cuidados apenas em situações críticas de muito
desconforto e/ou dor extrema (Alves, Silva, Ernesto, Lima & Souza, 2011; Modena, Martins,
Gazzinelli, Almeida, & Schall, 2014).
O diagnóstico de câncer pode favorecer o aparecimento de sofrimento psíquico no
paciente e também pode se estender a familiares, amigos, colegas e até mesmo à equipe de
saúde responsável pelo caso. O sofrimento emocional pode prejudicar a adesão ao tratamento
e gerar situações de estresse que podem contribuir para o mau funcionamento do sistema de
defesa do corpo, fragilizando a saúde do paciente (Veit & Carvalho, 2010). O diagnóstico é visto
como uma sentença de morte, e desta forma aspectos emocionais e psicológicos relacionados
à depressão e ansiedade podem ocorrer durante este processo de descoberta e tratamento
do câncer, afetando de maneira negativa a qualidade de vida destes pacientes (Seemann,
Pozzobom, Vieira, Boing, Machado & Guimarães, 2018).
O diagnóstico de uma doença como o câncer pode evocar um estado de luto pela perda
da saúde, associado também à ideia de morte, mesmo nos casos em que o prognóstico seja
promissor (Carvalho, 2002). Os pensamentos dos pacientes envolvem medos de mutilações,
medo do desconhecido, apreensão em passar por tratamentos dolorosos, temor das perdas e
possíveis mudanças na imagem corporal ligada ao adoecimento e aos tratamentos (Yamaguchi,
2008). Ao receber a informação do diagnóstico, o paciente é colocado diante de um dado de
realidade que evidencia as limitações do seu corpo físico, conscientizando-o da sua própria
finitude (Vieira, Araújo & Vargas, 2012; Seemann, et. al., 2018).
Diante deste cenário, indícios de depressão e sintomas depressivos podem surgir como
conseqüência de dificuldades em elaborar o diagnóstico e as mudanças que ele traz (Moraes,
1994). As simplificações e incertezas geradas pelo diagnóstico acentuam as reações emocionais
e psicológicas, que devido ao choque ou à incredulidade ante a descoberta do tumor, estão
associadas a sintomas de ansiedade, tristeza e irritabilidade (Tofani & Vaz, 2007).
O diagnóstico de câncer de próstata é um acontecimento intenso. Boa parte da população
masculina quando descobre ser portadora desta patologia, enfrentam vários tipos de sofrimentos
como medo, constrangimento, preconceitos, depressão e sentimento de impotência. Estes
sofrimentos elencados podem abalar o bem-estar físico e emocional, repercutindo negativamente
na qualidade de vida do homem. Colocado desta forma, o objetivo desta pesquisa foi analisar as
atitudes diante do diagnóstico de câncer de próstata a partir da discussão de um caso atendido
por meio do processo Psicodiagnóstico Interventivo.
Método
Delineamento
O presente estudo se trata de uma pesquisa clínica, que utilizou de uma metodologia do
tipo qualitativa envolvendo o delineamento de estudo de caso clínico para a sua viabilização.
Por se tratar de uma pesquisa clínica, a coleta de dados ocorreu ao longo dos atendimentos do
participante durante oito sessões de um processo Psicodiagnóstico Interventivo, realizado na
Universidade São Judas Tadeu Campus Mooca localizada no município de São Paulo.
O Psicodiagnóstico Interventivo é um procedimento clínico que consiste em realizar
intervenções simultâneas no momento de realizações de aplicação de testes e entrevistas
(Tardivo, 2007). Neste enquadre, as devoluções são dadas no decorrer de todo o processo
avaliativo, sendo assim, as devolutivas não ocorrem somente ao final do processo. Para Barbieri
(2010), o conhecimento construído no processo de Psicodiagnóstico Interventivo é realizado
de forma conjunta durante a interação entre o profissional/pesquisador. Vale ressaltar que as
intervenções e devolutivas podem trazer mudanças e bem-estar para o participante ao longo do
processo avaliativo (Tardivo, 2007; Milani, Tomael & Greinert, 2014).
das respostas obtidas pelo participante, e foram organizadas em etapas: (1) pré-exploração do
material, realizando leituras flutuantes; (2) seleção de unidades temáticas relacionadas ao foco
deste estudo; (3) construção de categorias temáticas.
Resultados e Discussão
A partir da análise dos dados, as seguintes categorias foram estabelecidas: (1) Descoberta
do diagnóstico; (2) A vivência do diagnóstico na atualidade; e (3) Compreensão dos aspectos
latentes vinculados às atitudes diante do câncer de próstata. Tendo em vista uma exposição
mais dinâmica para a discussão dos resultados, na escrita deste artigo, foi feita a opção pela
apresentação das categorias na forma textual, utilizando trechos dos relatos das entrevistas e
sessões de aplicação de instrumentos de avaliação como meios de ilustração da discussão.
1) A descoberta do diagnóstico
A primeira categoria aborda as impressões e atitudes do participante diante do diagnóstico
de câncer de próstata, envolvendo uma discussão sobre como ele enfrentou e lidou com essa
situação no período inicial em que foi diagnosticado. Convém salientar que os dados discutidos
nesta categoria partem das impressões subjetivas do participante sobre os acontecimentos
passados que ocorreram 16 anos antes da realização da pesquisa, em 2001, quando o
participante tinha 58 anos de idade.
De acordo com o participante, o cuidado com a saúde começou tardiamente, após os
50 anos, em função de uma norma da empresa onde trabalhava, ou seja, por uma imposição
externa e não por uma busca pessoal. É possível constatar que não existia cuidado com a saúde
antes desta norma:
Não tinha sintoma, não tinha nada, então a gente não ia. Quando eu
entrei numa firma que tinha convênio a gente fazia exame porque a
enfermeira avisava que a gente tinha que fazer exame completo de
6 em 6 meses, aí comecei a fazer, mas antes a gente não ligava pra
nada não(...).
As resistências relacionadas aos cuidados com a saúde fizeram com que o participante
iniciasse o rastreamento do câncer de próstata tardiamente. Vale ressaltar que é recomendado
que o rastreamento do câncer de próstata seja feito através de exame de sangue PSA (Prostatic
Specific Antigen) em conjunto com o do toque retal. Estes exames devem ser feitos a partir dos
45 anos por todos os homens e a partir dos 40 anos para aqueles que possuem histórico de
câncer da próstata na família (INCA, 2018).
Para Figueiredo (2005), este comportamento de resistência para cuidar da saúde segue
um modelo de masculinidade idealizada que adota noções de invulnerabilidade e comportamento
de risco, estabelecendo-se como um valor da cultura masculina, que fortalece a ideia de não
falar dos problemas relacionados à saúde, evitando demonstrar fraquezas que podem fragilizar
o homem perante os outros. Podemos verificar que estes valores estavam enraizados na
subjetividade do participante quando ele destaca: “Antes de aparecer essa doença eu não me
interessava muito não viu, os homens são meio assim, ninguém se interessa muito nesse câncer
de próstata não (...)”.
As resistências surgem e impedem o cuidado da saúde e criam barreiras que não
permitem a realização do exame de toque retal porque este procedimento é visto como algo que
ataca as concepções de masculinidade (Dantas & Couto, 2018). A masculinidade é usada como
estrutura para a formação da identidade, impondo conceitos que devem ser seguidos para que
sejam reconhecidos como “homens de verdade” e não serem questionados a respeito da sua
sexualidade por aqueles que possuem as mesmas crenças (Belinelo, Almeida, Oliveira, Onofre,
Viegas & Rodrigues, 2014).
Frente ao exame do toque retal são criados estigmas que se tornam aspectos simbólicos
que interferem na decisão do homem em realizar os devidos cuidados, criando barreiras,
que favorecem que o toque retal seja visto como uma violação ou um comprometimento da
masculinidade (Miranda, Côrtes, Martins, Chaves & Santarosa, 2004; Figueiredo, 2005). Para
lidar com este constrangimento, os homens banalizam e fazem brincadeiras. Podemos entender
esse fato por meio do relato do participante: “Leva muito na brincadeira né, (risadas), então já viu
né, não dá para conversar, leva na brincadeira (...)”. Nesta fala ele ressalta que conversar sobre
o exame de toque retal é difícil, pois surgem estigmas em forma de brincadeiras que banalizam
o exame e se caracterizam como resistências.
O medo de comprometer a masculinidade faz com que boa parte da população masculina
utilize o exame de sangue PSA, que não é considerado invasivo, ou seja, não viola nenhum valor
relacionado à masculinidade (Miranda, et al., 2004). Este dado também foi observado durante as
primeiras entrevistas com o participante: “(...) eu também nunca fiz o exame de toque, só fazia o
exame de PSA e sempre deu normal, agora, de toque só fiz quando teve que fazer mesmo né”,
fica claro que há presença de resistências que impedem de cuidar da saúde preventivamente.
Todavia, existem diversos impedimentos para a sua prevenção, relacionados a aspectos como:
falta de informação à população de um modo geral; crenças, valores e princípios sobre o câncer
e seu prognóstico; preconceitos, cismas e preocupações contra o exame preventivo e a escassez
de rotinas nos serviços para a prevenção precoce do câncer de próstata (Maia, et al., 2009).
Durante a primeira entrevista, o participante foi questionado sobre como se sentiu quando
recebeu a confirmação do diagnóstico de câncer de próstata: “Eu não fiquei muito assustado
não, sabia! Porque eu sou assim a gente morre uma vez, então eu pensei se morrer morreu.
Eu penso assim, agora, os outros ficam apavorados, eu não fiquei não (...)”. O relato indica
uma naturalização do sofrimento, utilizando-se de medidas de isolamento e racionalização que
amenizam os impactos da notícia, indicando também a resistência para entrar em contato com
o desconforto que essa situação gera. Este mecanismo revela-se como a principal forma de se
defender da angústia suscitada pelo assunto. De acordo Kübler-Ross (1996), o isolamento dos
sentimentos pode agir como um “para-choque” logo após notícias inesperadas e que podem
causar desconforto, e a racionalização é uma forma de amenizar o impacto da dor e sofrimento
que possam surgir.
A notícia da confirmação do diagnóstico de uma doença incide em um momento particular
da vida do participante, representando uma ruptura, uma ferida narcísica diante do ideal de
potência, saúde e autonomia. Esse momento da vida do participante era de estabilidade familiar
e financeira e o diagnóstico vem para desestabilizar toda a estrutura.
Durante as primeiras entrevistas, o participante tentou, a todo momento, naturalizar e
amenizar o impacto do diagnóstico. A mesma medida foi utilizada diante de amigos e familiares,
evitando expor o que estava sentindo e demonstrar qualquer tipo de vulnerabilidade. No primeiro
momento, a notícia foi comunicada apenas para a esposa: “Amigos eu não contei, contei para a
minha mulher, porque eu já não tinha nem pai nem mãe contei para a minha esposa depois se ela
contou para os meus filhos, eu não sei (...)”. A função de comunicar aos filhos foi delegada para
a esposa, desta forma é possível perceber a dificuldade que o participante teve para lidar com o
diagnóstico, e ao mesmo tempo, a confiança que possui na esposa, figura que desempenhou um
papel central em todo o processo desde o diagnóstico até a atualidade.
A esposa tornou-se uma fonte de apoio emocional, desempenhando também um
papel fundamental diante de questões práticas, como pegar os medicamentos no hospital
para os encontros, percebia-se no setting uma resistência, que era quebrada em alguns
momentos, mas nunca transposta completamente, caracterizando assim uma das limitações
na atuação em um setting que cumpre a dupla função de pesquisa e intervenção.
Boa parte dos homens que descobrem serem portadores do câncer de próstata passa
por um sofrimento que abala o bem-estar físico e emocional, repercutindo negativamente na
qualidade de vida (Maia, et al., 2009). De acordo com Tofanie e Vaz (2007), apontam que para
ocorrer aceitação da doença e adesão ao tratamento, é necessária uma abordagem adequada
e profissional que saiba como lidar com os sentimentos que surgem neste momento, e para isso
se faz indispensável o diagnóstico médico associado ao exame psicodiagnóstico.
Na primeira atividade, o roteiro de perguntas semi-estruturadas, o participante assumiu
uma postura pragmática a respeito do diagnóstico de câncer de próstata: “Como eu contei antes,
eu não fiquei apavorado, minha mulher estava desconfiada porque quando o PSA dá alto tem
algum problema, quando o médico falou, eu disse para o doutor: o que vai fazer né?A vida é
assim (...).”
A postura pragmática do participante cumpria o papel de afastar os incômodos gerados
pelas perguntas, permitindo-o evitar entrar em contato com os conteúdos do diagnóstico. Sendo
assim, ficava evidente sua fragilidade diante da doença e a carência de outros recursos para lidar
com o sofrimento causado pelo diagnóstico. Sentir-se vulnerável para a população masculina
é algo que fere a masculinidade, por esse motivo a utilização de mecanismos que mostrem o
contrário torna-se importante para homens que estão enfrentando dificuldades ou problemas de
saúde (Figueiredo, 2005).
Para lidar com o sofrimento evocado diante dos relatos sobre o passado, o participante
utilizou mecanismos de defesa como o isolamento. Segundo McWilliams (2014), o isolamento do
afeto caracteriza-se como uma maneira encontrada pelo psiquismo para lidar com as ansiedades
e outros estados dolorosos da mente mantendo estes sentimentos isolados. A utilização desta
defesa pelo participante pode ser ilustrada na fala do participante sobre o que sentiu durante o
diagnóstico e tratamento de câncer: “Quando fui fazer exame de ressonância magnética passei
no corredor cheio de gente, senti um sentimento estranho, não era coisa boa era coisa ruim,
não sei dizer o que era, parecia que eu era um boi indo para o abate (...)”. Esta cena imaginária,
criada pelo participante, é descrita de um modo bastante racional, em que as ideais aparecem
desprovidas de afeto.
Outra defesa utilizada foi a racionalização, compreendida por Laplanche e Pontalis
(2001), como uma substituição de razões plausíveis de um impulso ou ato do sujeito em que o
verdadeiro motivo não é possível de ser reconhecido pelo sujeito. A racionalização foi comumente
empregada visando a naturalizar o sofrimento e o contato com a finitude evocada diante do
diagnóstico: “Eu não fiquei muito assustado não, sabia! Porque eu sou assim a gente morre uma
vez, então eu pensei se morrer morreu. Eu penso assim agora os outros não, ficam apavorados,
eu não fiquei não (...)”.
Ao longo do processo, com a ampliação do vínculo terapêutico, o participante
começou a entrar aos poucos em contato com os resíduos atuais deixados pelo diagnóstico e
tratamento de câncer de próstata. Foi possível dialogar a respeito dos sentimentos evocados
que incomodavam o participante. Mesmo com algumas resistências para falar a respeito
do diagnóstico, o participante aos poucos conseguiu falar sobre estes conteúdos e foi
identificando o setting como um espaço confiável em que era possível trabalhar e abordar
estes temas.
As resistências apresentadas estavam ligadas aos sentimentos de vulnerabilidade
que o participante experimentou durante o período do diagnóstico e tratamento. Foi possível
compreender também o receio do participante em entrar em contato com os sentimentos
vividos à época do diagnóstico. As defesas empregadas nas sessões visaram justamente evitar
experienciar a vulnerabilidade que experimentou neste período, preferindo hoje tratar o assunto
com certo distanciamento, como se fosse um período descolado da sua história, uma etapa
diferente na qual prefere colocar um ponto final.
Foi possível perceber que ocorreram mudanças significativas na vida do participante
por causa do câncer de próstata, principalmente o cuidado com a saúde na atualidade. Hoje
o participante faz acompanhamento médico regularmente e realiza diversos exames de 6
em 6 meses. O participante também faz exercícios físicos como caminhadas, natação, andar
de bicicleta, e adotou uma alimentação saudável. Vale destacar que estas mudanças são
consequências deste período turbulento, que sensibilizou o participante para uma nova postura
diante da sua saúde.
Durante o inquérito dos desenhos, o participante abordou lembranças sobre a relação com a figura
paterna, uma figura descrita como fria e distante. Observa-se que a representação do desenho
da pessoa do sexo masculino, identificado como o pai, sinalizava também essa necessidade de
guardar o sofrimento e a dor para si, sem poder demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade para o
outro, assim como um espantalho: sem vida e sem expressões.
A análise do desenho permitiu a compreensão sobre a origem desta sua forma
particular de lidar com o sofrimento, tendo de demonstrar força e autossuficiência diante das
adversidades. Porém, apesar da rigidez, o participante também evidencia a necessidade de
cuidado, trazendo espontaneamente relatos sobre como precisa deste cuidado ainda hoje, e
permitindo se queixar sobre a falta da atenção do pai durante a infância e como gostaria que
esta situação fosse diferente.
Foi possível notar uma desproporcionalidade estética entre o desenho masculino e
o feminino. O desenho feminino é um desenho mais completo, mais organizado, íntegro,
representando uma fonte de apoio mais estável, mostrando como a participante enxerga à
esposa, enquanto o masculino é uma variação de palitinhos, um espantalho, algo sem vida,
representando sua vulnerabilidade diante do tratamento do câncer.
Apesar da aproximação e exposição de sentimentos apresentadas durante a aplicação do
HTP, no decorrer da aplicação do TAT foi possível identificar que o participante teve dificuldades
para entrar em contato com conteúdos pessoais os quais remetem a sentimentos que envolvem
sofrimento, retomando seu padrão de distanciamento e evitação identificados anteriormente
durante as entrevistas. Desta forma, os conteúdos expressos nas pranchas não apresentaram
profundidade, mas ainda assim, evocaram aspectos relacionados ao medo, sofrimento, dor,
desamparo, abordados com certo afastamento.
A maioria das histórias trazia desejos de superar desafios e vencer obstáculos,
apresentando também questões sobre sua capacidade de realização da tarefa como, por
exemplo, a verbalização da falta de imaginação: “Pior que eu não tenho muita imaginação não
(...)”. A análise do TAT revelou um contraste entre a imagem apresentada pelo participante no
decorrer das entrevistas iniciais e a autoimagem revelada a partir dos personagens das histórias
relatadas. Enquanto nas entrevistas a imagem revelada era predominantemente de uma pessoa
forte, centrada e que não se preocupa com a finitude, abordando a morte e o adoecimento de
forma natural, no TAT são apresentados personagens inseguros, dotados de fraquezas e medos.
É possível observar aspectos de solidão e vulnerabilidade no trecho final da história contada
para a prancha 1 – “O Menino e o violino” [Diálogo durante a aplicação do TAT - Letra P significa
Participante e a letra T é de Terapeuta]:
ambiente como acolhedor e fonte de apoio, o que pode ser observado no relacionamento com a
esposa e com o filho mais novo.
A análise do TAT também revelou traços agressivos latentes que apareceram no decorrer
da aplicação do instrumento. Por de trás da postura centrada e colaborativa, apresentou impulsos
agressivos diante das frustrações impostas pelo ambiente. Porém, estes traços não podem ser
revelados devido à presença de um superego rígido e a necessidade de manter uma postura
polida e centrada. A repressão da agressividade impossibilita que ele sinta qualquer tipo de
revolta ou insatisfação diante de frustrações como o diagnóstico de câncer de próstata.
Os aspectos assinalados podem ser ilustrados pelo trecho da história narrada para
a prancha 18RH – “Atacado por trás”, no relato do participante o homem chega atrasado ao
trabalho e é repreendido pelo chefe:
(P) (...) Chefe reagiu meio desapontado achou que ele estava dormindo,
que dormiu demais e atrasou, acho que só.
(P) Termina que ele (...) ele pediu desculpa mesmo estando certo, mas
chefe tem sempre razão, então pediu desculpa e foi trabalhar (...).
Considerações finais
A pesquisa permitiu a compreensão das principais atitudes do participante diante do
diagnóstico de câncer de próstata. Ficaram evidentes as resistências e comportamentos de
distanciamento, principalmente o uso de mecanismos de defesa como isolamento e racionalização
durante as sessões, preservando o participante do contato com as angústias experimentadas no
passado durante o diagnóstico e tratamento do quadro oncológico. Convém salientar que durante
o processo o pesquisador/terapeuta desenvolveu uma relação de confiança e acolhimento com o
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Antonio José de Macedo Neto – Psicólogo e Aprimorando em Clínica Psicodinâmica pela Universidade São
Judas Tadeu.
Laura Carmilo Granado – Psicóloga. Mestre pelo Programa de Neurociências e Comportamento do Instituto de
Psicologia da USP. Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. Pesquisadora do Laboratório
de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social do Instituto de Psicologia da USP. Professora da Universidade São
Judas Tadeu.
Rodrigo Jorge Salles – Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo (IP/USP). Professor do Curso de Psicologia da Universidade São Judas Tadeu.
Pesquisador do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social (APOIAR) do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.