Psicodianostico Cancer Prostada

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A compreensão das atitudes diante do diagnóstico de câncer

de próstata no processo psicodiagnóstico interventivo

The understanding of attitudes towards the diagnosis of prostate


cancer in the process of interventive psychodiagnostic

Antonio José de Macedo Neto 1


Laura Carmilo Granado 2
Rodrigo Jorge Salles 3

Resumo
O câncer de próstata atinge uma parte significativa da população masculina. Em 2018 no Brasil,
68 mil homens foram diagnosticados com câncer de próstata, desta forma, faz-se necessário
entender as atitudes dos indivíduos diante do diagnóstico positivo de câncer, para compreender
quais são as medidas adotadas pelos pacientes para enfrentar a doença. O objetivo do estudo
foi compreender as atitudes de pacientes com câncer de próstata frente ao diagnóstico. Foi
realizado um Psicodiagnóstico Interventivo com um participante que recebeu o diagnóstico de
câncer de próstata. Os instrumentos utilizados durante o processo Psicodiagnóstico Interventivo
foram: um questionário sociodemográfico; um roteiro semiestruturado com 17 perguntas
relacionadas ao objetivo da pesquisa; técnicas projetivas H-T-P (Casa-Árvore-Pessoa) e TAT
(Teste de Apercepção Temática). Ao total foram realizadas 08 sessões com o participante. Os
resultados foram apresentados em três categorias temáticas que possibilitaram a compreensão
das atitudes diante do câncer de próstata. Os resultados obtidos ressaltam a importância do
Psicodiagnóstico Interventivo. Neste trabalho o Psicodiagnóstico Interventivo mostrou ser uma
ferramenta que possibilita compreender os mecanismos de defesa como repressão, isolamento
e racionalização utilizados pelo participante durante o processo de adoecimento e tratamento.
Cabe salientar que o apoio familiar foi importante no enfrentamento de todo o processo.
Palavras-chave: psicodiagnóstico interventivo; psico-oncologia; técnicas projetivas; psicologia
da saúde.

1
Universidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. – E-mail: [email protected]
2
Universidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. – E-mail: [email protected]
3
Universidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. – E-mail: [email protected]

Rev. SBPH vol. 23 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jun. – 2020 66


Neto, A. J. M., Granado, L. C., Salles, R. J.

Abstract
Prostate cancer affects a significant portion of the male population. In 2018 in Brazil, 68 thousand
men were diagnosed with prostate cancer, so it is necessary to understand the attitudes of
individuals towards the positive diagnosis of cancer, to better understand which measures are
taken by patients to face the disease. The aim of the study was to understand the attitudes
of prostate cancer patients towards the diagnosis. An Interventive Psychodiagnostic was
performed with a patient who was diagnosed with prostate cancer. The instruments used during
the Interventive Psychodiagnostic process were: a sociodemographic questionnaire; a semi-
structured script with 17 questions related to the research objective; the projective techniques
H-T-P (House- Tree-Person) and TAT (Thematic Apperception Test). In total, 8 sessions were
performed with the patient. The results were presente din 3 thematic categories which enabled
the understanding of attitudes towards prostate cancer. The results obtained showed that
Interventive Psychodiagnostic is a tool that makes it possible to better understand the patient’s
defense mechanisms, such as repression, isolation and rationalization, during the process of
illness and treatment. It is also important to highlight that family support was an important coping
mechanism throughout the entire process.
Keywords: interventive psychodiagnostic; psycho-oncology; projective techniques; psychology
of health.

Introdução
O câncer é um problema de saúde pública que afeta diversas pessoas em todo o mundo.
Com base no documento World cancer report da International Agency for Researchon Cancer
(IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), é indiscutível que o câncer se
tornou um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, principalmente em países em
desenvolvimento, onde é previsto que, nas próximas décadas, haja 20 milhões de novos casos
(Stewart & Wild, 2014).
O Brasil é um dos países em desenvolvimento que sofre diretamente com o impacto do
câncer na população, e de acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da
Silva (INCA) (2018), no Brasil estima-se entre 2017 e 2018 a ocorrência de 640 mil casos novos
para cada ano. Em se tratando da população masculina, os tipos de câncer mais comuns em
homens brasileiros são: câncer de próstata (31,7%), pulmão (8,7%), intestino (8,1%), estômago
(6,3%) e cavidade oral (5,2%) (INCA, 2018). Dados do INCA (2018) indicam 68 mil casos de
homens diagnosticados com câncer de próstata no ano de 2018.
De acordo com a Agência Nacional de Saúde (2009), os dados epidemiológicos relativos a
todos os tipos de câncer tornam explícitos que a idade é um fator de risco importante. Entretanto,
nos casos de câncer de próstata, este dado ganha ainda mais força, porque fica evidente quando
se considera tanto a incidência quanto a mortalidade, as taxas aumentam nos casos de homens
a partir de 50 anos de idade.
A literatura especializada informa que para o desenvolvimento de um câncer, existem
fatores de risco extrínsecos e intrínsecos. Os primeiros abarcam questões ambientais tais como
alimentação, poluentes, uso de álcool, cigarro e infecções virais e os segundos sendo fatores
genéticos (Straub, 2005; Kaliks & Del Giglio, 2008).
Para evitar que o câncer provoque problemas irreversíveis no corpo do indivíduo
acometido, estratégias de prevenção, rastreio e diagnóstico precoce têm sido priorizadas nos
níveis de atenção primário, secundário e terciário que compõem o Sistema Único de Saúde

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A Compreensão das Atitudes

(SUS) (INCA, 2018; Yamaguchi, 2008). Segundo Maia, Moreira e Filipini (2009), as dificuldades
que a população masculina enfrenta para se prevenir diante do diagnóstico do câncer de
próstata relacionam-se a fatores diversos como a falta de informações e variadas formas de
preconceitos primitivos e negativos sobre o câncer e o seu prognóstico. Em se tratando da
população masculina, o preconceito é um dos grandes dificultadores no combate ao câncer
e realização dos exames preventivos, sobretudo o de toque retal. Boa parte dos homens tem
medo e receio de realizar este exame, porque teria uma conotação invasiva que pode causar dor
(Gomes, 2003; Maia et. al., 2009).
Além disso, mesmo sendo um procedimento importante, o exame de toque retal vai ao
encontro de fantasias masculinas, pois envolve penetração, podendo ser percebido em seu
imaginário como uma violação quase sempre associada à dor, e também ao desconforto físico e
psicológico de estar sendo tocado numa parte interditada (Gomes, 2003; Figueiredo, 2005). Ter
ereção frente ao toque retal é outro medo, pois esta possibilidade pode significar a indicação da
presença de prazer ao ser tocado uma vez que no imaginário a ereção está tão fortemente ligada
ao prazer e é quase impossível entende-la como apenas uma reação fisiológica (Yamaguchi,
2008; Nascimento, Florindo & Chubaci, 2010). A literatura também salienta como dificultador
para a prevenção primária do câncer de próstata, a baixa busca por cuidados em saúde realizada
pela população masculina que recorre aos cuidados apenas em situações críticas de muito
desconforto e/ou dor extrema (Alves, Silva, Ernesto, Lima & Souza, 2011; Modena, Martins,
Gazzinelli, Almeida, & Schall, 2014).
O diagnóstico de câncer pode favorecer o aparecimento de sofrimento psíquico no
paciente e também pode se estender a familiares, amigos, colegas e até mesmo à equipe de
saúde responsável pelo caso. O sofrimento emocional pode prejudicar a adesão ao tratamento
e gerar situações de estresse que podem contribuir para o mau funcionamento do sistema de
defesa do corpo, fragilizando a saúde do paciente (Veit & Carvalho, 2010). O diagnóstico é visto
como uma sentença de morte, e desta forma aspectos emocionais e psicológicos relacionados
à depressão e ansiedade podem ocorrer durante este processo de descoberta e tratamento
do câncer, afetando de maneira negativa a qualidade de vida destes pacientes (Seemann,
Pozzobom, Vieira, Boing, Machado & Guimarães, 2018).
O diagnóstico de uma doença como o câncer pode evocar um estado de luto pela perda
da saúde, associado também à ideia de morte, mesmo nos casos em que o prognóstico seja
promissor (Carvalho, 2002). Os pensamentos dos pacientes envolvem medos de mutilações,
medo do desconhecido, apreensão em passar por tratamentos dolorosos, temor das perdas e
possíveis mudanças na imagem corporal ligada ao adoecimento e aos tratamentos (Yamaguchi,
2008). Ao receber a informação do diagnóstico, o paciente é colocado diante de um dado de
realidade que evidencia as limitações do seu corpo físico, conscientizando-o da sua própria
finitude (Vieira, Araújo & Vargas, 2012; Seemann, et. al., 2018).
Diante deste cenário, indícios de depressão e sintomas depressivos podem surgir como
conseqüência de dificuldades em elaborar o diagnóstico e as mudanças que ele traz (Moraes,
1994). As simplificações e incertezas geradas pelo diagnóstico acentuam as reações emocionais
e psicológicas, que devido ao choque ou à incredulidade ante a descoberta do tumor, estão
associadas a sintomas de ansiedade, tristeza e irritabilidade (Tofani & Vaz, 2007).
O diagnóstico de câncer de próstata é um acontecimento intenso. Boa parte da população
masculina quando descobre ser portadora desta patologia, enfrentam vários tipos de sofrimentos
como medo, constrangimento, preconceitos, depressão e sentimento de impotência. Estes
sofrimentos elencados podem abalar o bem-estar físico e emocional, repercutindo negativamente
na qualidade de vida do homem. Colocado desta forma, o objetivo desta pesquisa foi analisar as
atitudes diante do diagnóstico de câncer de próstata a partir da discussão de um caso atendido
por meio do processo Psicodiagnóstico Interventivo.

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Método
Delineamento
O presente estudo se trata de uma pesquisa clínica, que utilizou de uma metodologia do
tipo qualitativa envolvendo o delineamento de estudo de caso clínico para a sua viabilização.
Por se tratar de uma pesquisa clínica, a coleta de dados ocorreu ao longo dos atendimentos do
participante durante oito sessões de um processo Psicodiagnóstico Interventivo, realizado na
Universidade São Judas Tadeu Campus Mooca localizada no município de São Paulo.
O Psicodiagnóstico Interventivo é um procedimento clínico que consiste em realizar
intervenções simultâneas no momento de realizações de aplicação de testes e entrevistas
(Tardivo, 2007). Neste enquadre, as devoluções são dadas no decorrer de todo o processo
avaliativo, sendo assim, as devolutivas não ocorrem somente ao final do processo. Para Barbieri
(2010), o conhecimento construído no processo de Psicodiagnóstico Interventivo é realizado
de forma conjunta durante a interação entre o profissional/pesquisador. Vale ressaltar que as
intervenções e devolutivas podem trazer mudanças e bem-estar para o participante ao longo do
processo avaliativo (Tardivo, 2007; Milani, Tomael & Greinert, 2014).

Procedimentos, Instrumentos e Participante


Os instrumentos utilizados durante o processo Psicodiagnóstico Interventivo foram: um
questionário sociodemográfico; um roteiro semi-estruturado com 17 perguntas relacionadas
ao objetivo da pesquisa, elaboradas pelo terapeuta/pesquisador; as técnicas projetivas H-T-P
(Casa-Árvore-Pessoa) (Buck, 2003) e o TAT (Teste de Apercepção Temática) (Murray, 2005).
Para a aplicação do HTP foi solicitado ao participante apenas a série acromática,
contendo o desenho da casa, árvore, pessoa e uma pessoa do sexo oposto ao da primeira
pessoa desenhada. Foram utilizadas as seguintes pranchas do TAT: 1 - O menino e o violino;
2 - A estudante no campo; 3RH - Curvado/a sobre o divã; 5 - A senhora na porta; 6RH- O filho
que parte; 8RH- A intervenção cirúrgica; 13R- Menino sentado na soleira; 15 - No Cemitério;
18RH- Atacado por trás; e 19 - Cabana na neve. Cabe salientar que as dez pranchas do TAT,
foram selecionadas com base na relação entre as normas temáticas do manual brasileiro do TAT
(Murray, 2005) e os objetivos da pesquisa.
As sessões foram realizadas dentro do tempo de 50 minutos, todas na clínica da própria
Universidade, conservando o sigilo e proporcionando um ambiente livre de interferências.
Todas as sessões foram conduzidas pelo mesmo pesquisador/terapeuta e supervisionadas por
um psicólogo/professor da Universidade. Somente as sessões do roteiro de perguntas semi-
estruturadas e aplicação do TAT foram gravadas após o consentimento do participante, com o
intuito de preservar a qualidade das informações e auxiliar a transcrição dos dados.
Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade São Judas Tadeu (CAAE: 69496217.8.0000.0089), foi realizada a busca pelo
participante em grupos de saúde da Zona Leste de São Paulo. Durante o processo de divulgação
da pesquisa foi feito o contato com um participante interessado em atendimento psicológico que
frequentava as atividades de um grupo de idosos. A partir do primeiro contato com o participante, foi
apresentado o objetivo da pesquisa e efetuado o convite para participação voluntária na pesquisa
e atendimentos. Após o aceite do convite, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido
e assinado em duas vias rubricadas pelo pesquisador/terapeuta, seguido do agendamento das
sessões em horário coerente com a rotina do participante. O participante recebeu a confirmação
do diagnóstico de câncer de próstata em 2001, 16 anos antes da realização da pesquisa. Reside
em São Paulo, é casado, com 74 anos de idade e no momento da pesquisa possuía uma renda
de aproximadamente 2.500,00 reais.
Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo temática proposto por
Campos (2004) e Campos e Turato (2009). O trabalho de análise versou sobre a transcrição

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A Compreensão das Atitudes

das respostas obtidas pelo participante, e foram organizadas em etapas: (1) pré-exploração do
material, realizando leituras flutuantes; (2) seleção de unidades temáticas relacionadas ao foco
deste estudo; (3) construção de categorias temáticas.

Resultados e Discussão
A partir da análise dos dados, as seguintes categorias foram estabelecidas: (1) Descoberta
do diagnóstico; (2) A vivência do diagnóstico na atualidade; e (3) Compreensão dos aspectos
latentes vinculados às atitudes diante do câncer de próstata. Tendo em vista uma exposição
mais dinâmica para a discussão dos resultados, na escrita deste artigo, foi feita a opção pela
apresentação das categorias na forma textual, utilizando trechos dos relatos das entrevistas e
sessões de aplicação de instrumentos de avaliação como meios de ilustração da discussão.

1) A descoberta do diagnóstico
A primeira categoria aborda as impressões e atitudes do participante diante do diagnóstico
de câncer de próstata, envolvendo uma discussão sobre como ele enfrentou e lidou com essa
situação no período inicial em que foi diagnosticado. Convém salientar que os dados discutidos
nesta categoria partem das impressões subjetivas do participante sobre os acontecimentos
passados que ocorreram 16 anos antes da realização da pesquisa, em 2001, quando o
participante tinha 58 anos de idade.
De acordo com o participante, o cuidado com a saúde começou tardiamente, após os
50 anos, em função de uma norma da empresa onde trabalhava, ou seja, por uma imposição
externa e não por uma busca pessoal. É possível constatar que não existia cuidado com a saúde
antes desta norma:

Não tinha sintoma, não tinha nada, então a gente não ia. Quando eu
entrei numa firma que tinha convênio a gente fazia exame porque a
enfermeira avisava que a gente tinha que fazer exame completo de
6 em 6 meses, aí comecei a fazer, mas antes a gente não ligava pra
nada não(...).

As resistências relacionadas aos cuidados com a saúde fizeram com que o participante
iniciasse o rastreamento do câncer de próstata tardiamente. Vale ressaltar que é recomendado
que o rastreamento do câncer de próstata seja feito através de exame de sangue PSA (Prostatic
Specific Antigen) em conjunto com o do toque retal. Estes exames devem ser feitos a partir dos
45 anos por todos os homens e a partir dos 40 anos para aqueles que possuem histórico de
câncer da próstata na família (INCA, 2018).
Para Figueiredo (2005), este comportamento de resistência para cuidar da saúde segue
um modelo de masculinidade idealizada que adota noções de invulnerabilidade e comportamento
de risco, estabelecendo-se como um valor da cultura masculina, que fortalece a ideia de não
falar dos problemas relacionados à saúde, evitando demonstrar fraquezas que podem fragilizar
o homem perante os outros. Podemos verificar que estes valores estavam enraizados na
subjetividade do participante quando ele destaca: “Antes de aparecer essa doença eu não me
interessava muito não viu, os homens são meio assim, ninguém se interessa muito nesse câncer
de próstata não (...)”.
As resistências surgem e impedem o cuidado da saúde e criam barreiras que não
permitem a realização do exame de toque retal porque este procedimento é visto como algo que
ataca as concepções de masculinidade (Dantas & Couto, 2018). A masculinidade é usada como

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estrutura para a formação da identidade, impondo conceitos que devem ser seguidos para que
sejam reconhecidos como “homens de verdade” e não serem questionados a respeito da sua
sexualidade por aqueles que possuem as mesmas crenças (Belinelo, Almeida, Oliveira, Onofre,
Viegas & Rodrigues, 2014).
Frente ao exame do toque retal são criados estigmas que se tornam aspectos simbólicos
que interferem na decisão do homem em realizar os devidos cuidados, criando barreiras,
que favorecem que o toque retal seja visto como uma violação ou um comprometimento da
masculinidade (Miranda, Côrtes, Martins, Chaves & Santarosa, 2004; Figueiredo, 2005). Para
lidar com este constrangimento, os homens banalizam e fazem brincadeiras. Podemos entender
esse fato por meio do relato do participante: “Leva muito na brincadeira né, (risadas), então já viu
né, não dá para conversar, leva na brincadeira (...)”. Nesta fala ele ressalta que conversar sobre
o exame de toque retal é difícil, pois surgem estigmas em forma de brincadeiras que banalizam
o exame e se caracterizam como resistências.
O medo de comprometer a masculinidade faz com que boa parte da população masculina
utilize o exame de sangue PSA, que não é considerado invasivo, ou seja, não viola nenhum valor
relacionado à masculinidade (Miranda, et al., 2004). Este dado também foi observado durante as
primeiras entrevistas com o participante: “(...) eu também nunca fiz o exame de toque, só fazia o
exame de PSA e sempre deu normal, agora, de toque só fiz quando teve que fazer mesmo né”,
fica claro que há presença de resistências que impedem de cuidar da saúde preventivamente.
Todavia, existem diversos impedimentos para a sua prevenção, relacionados a aspectos como:
falta de informação à população de um modo geral; crenças, valores e princípios sobre o câncer
e seu prognóstico; preconceitos, cismas e preocupações contra o exame preventivo e a escassez
de rotinas nos serviços para a prevenção precoce do câncer de próstata (Maia, et al., 2009).
Durante a primeira entrevista, o participante foi questionado sobre como se sentiu quando
recebeu a confirmação do diagnóstico de câncer de próstata: “Eu não fiquei muito assustado
não, sabia! Porque eu sou assim a gente morre uma vez, então eu pensei se morrer morreu.
Eu penso assim, agora, os outros ficam apavorados, eu não fiquei não (...)”. O relato indica
uma naturalização do sofrimento, utilizando-se de medidas de isolamento e racionalização que
amenizam os impactos da notícia, indicando também a resistência para entrar em contato com
o desconforto que essa situação gera. Este mecanismo revela-se como a principal forma de se
defender da angústia suscitada pelo assunto. De acordo Kübler-Ross (1996), o isolamento dos
sentimentos pode agir como um “para-choque” logo após notícias inesperadas e que podem
causar desconforto, e a racionalização é uma forma de amenizar o impacto da dor e sofrimento
que possam surgir.
A notícia da confirmação do diagnóstico de uma doença incide em um momento particular
da vida do participante, representando uma ruptura, uma ferida narcísica diante do ideal de
potência, saúde e autonomia. Esse momento da vida do participante era de estabilidade familiar
e financeira e o diagnóstico vem para desestabilizar toda a estrutura.
Durante as primeiras entrevistas, o participante tentou, a todo momento, naturalizar e
amenizar o impacto do diagnóstico. A mesma medida foi utilizada diante de amigos e familiares,
evitando expor o que estava sentindo e demonstrar qualquer tipo de vulnerabilidade. No primeiro
momento, a notícia foi comunicada apenas para a esposa: “Amigos eu não contei, contei para a
minha mulher, porque eu já não tinha nem pai nem mãe contei para a minha esposa depois se ela
contou para os meus filhos, eu não sei (...)”. A função de comunicar aos filhos foi delegada para
a esposa, desta forma é possível perceber a dificuldade que o participante teve para lidar com o
diagnóstico, e ao mesmo tempo, a confiança que possui na esposa, figura que desempenhou um
papel central em todo o processo desde o diagnóstico até a atualidade.
A esposa tornou-se uma fonte de apoio emocional, desempenhando também um
papel fundamental diante de questões práticas, como pegar os medicamentos no hospital

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A Compreensão das Atitudes

e também marcar os exames. O filho mais novo do casal assumiu a responsabilidade


de locomoção nos momentos necessários, conforme a fala do participante: “Quando eu
precisava ir ao médico meu filho me levava e minha esposa me acompanhava, porque à
noite eu não gosto de dirigir, então quando eu ia fazer exame à noite ele me levava até o
laboratório (...)”.
A esposa passa a exercer neste momento um papel complementar diante das
dificuldades experienciadas pelo participante, funcionando como um ego auxiliar, que
promove atenção, acolhimento e segurança. A esposa é vista pelo participante como íntegra
e com recursos para lidar com a situação e ajudá-lo nessa tarefa de lidar com o câncer
de próstata. A função de ego auxiliar, segundo Andaló (2001), envolve a capacidade de
exercer a percepção, acolhimento, ajuda e cuidado, que ainda não estão suficientemente
desenvolvidas no próprio sujeito.
Sendo assim, evidenciou-se que, por detrás das defesas há um sentimento de fragilidade
diante da confirmação do diagnóstico. Diante deste estado de vulnerabilidade, acrescido dos
estigmas ligados ao câncer de próstata que ameaçam não só o ideal de potência, como também
a condição masculina, a esposa desempenhou um papel fundamental, sendo fonte de apoio
para lidar com as primeiras medidas diante do diagnóstico, como a comunicação da doença aos
filhos e acompanhamento em consultas e tratamento. Tanto a esposa como o filho mais novo,
estiveram sempre apoiando, acompanhando, ajudando e acolhendo o participante em todos
os momentos, demonstrando, portanto, a importância do amparo familiar diante do diagnóstico
inicial e tratamento.

2) A vivência do diagnóstico na atualidade


A análise apresentada nessa categoria visa a compreender como o participante encara o
diagnóstico e lida com a saúde hoje, quais são os acompanhamentos realizados, como também,
a compreensão dos possíveis resíduos da experiência com o câncer no passado e o papel que
exercem nos dias de hoje.
Vale ressaltar que se trata de um caso em que a demanda inicial partiu da necessidade
de investigação do pesquisador/terapeuta. Apesar da demanda ser inicialmente sustentada pelo
pesquisador/terapeuta, logo nas primeiras entrevistas foi possível observar os resíduos deste
turbulento período marcado pelo diagnóstico e tratamento do câncer de próstata. Sendo assim,
as medidas adotadas inicialmente no setting visaram a mobilizar o participante a olhar para
essas questões, entrar em contato com emoções que foram sendo deixadas de lado ao longo
dos últimos anos, mas que, apesar disso, estavam muito vivas.
Durante as primeiras sessões, foi possível perceber que o participante estava interessado
e engajado no processo e que existia uma demanda de escuta do seu sofrimento, já que,
aparentava nunca ter tido um espaço para falar sobre os acontecimentos deste período. Porém, o
posicionamento inicial apresentado pelo participante era de colocar-se como um colaborador, um
fornecedor de respostas para a pesquisa, não se implicando em seu relato. Também foi possível
observar que este mesmo distanciamento observado na relação terapêutica se apresentava na
relação com os eventos do passado voltados ao diagnóstico.
A princípio, o trabalho envolveu mobilizar o participante para falar dos sentimentos
atuais a respeito do câncer de próstata, construindo assim uma demanda e estabelecendo
uma relação de confiança e acolhimento, que permitisse reduzir a hierarquia causada pelo
processo de pesquisa, facilitando uma gradual aproximação entre o par a ponto de que o papel
de colaborador fosse gradativamente substituído pelo papel de “paciente”. Convém destacar
que a relação de confiança se torna importante porque possibilita ao participante apresentar
conteúdos latentes e também dispor de recursos internos para enfrentar essas dificuldades
(Barros, 2013). Vale ressaltar que apesar da postura constante de colaboração e motivação

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para os encontros, percebia-se no setting uma resistência, que era quebrada em alguns
momentos, mas nunca transposta completamente, caracterizando assim uma das limitações
na atuação em um setting que cumpre a dupla função de pesquisa e intervenção.
Boa parte dos homens que descobrem serem portadores do câncer de próstata passa
por um sofrimento que abala o bem-estar físico e emocional, repercutindo negativamente na
qualidade de vida (Maia, et al., 2009). De acordo com Tofanie e Vaz (2007), apontam que para
ocorrer aceitação da doença e adesão ao tratamento, é necessária uma abordagem adequada
e profissional que saiba como lidar com os sentimentos que surgem neste momento, e para isso
se faz indispensável o diagnóstico médico associado ao exame psicodiagnóstico.
Na primeira atividade, o roteiro de perguntas semi-estruturadas, o participante assumiu
uma postura pragmática a respeito do diagnóstico de câncer de próstata: “Como eu contei antes,
eu não fiquei apavorado, minha mulher estava desconfiada porque quando o PSA dá alto tem
algum problema, quando o médico falou, eu disse para o doutor: o que vai fazer né?A vida é
assim (...).”
A postura pragmática do participante cumpria o papel de afastar os incômodos gerados
pelas perguntas, permitindo-o evitar entrar em contato com os conteúdos do diagnóstico. Sendo
assim, ficava evidente sua fragilidade diante da doença e a carência de outros recursos para lidar
com o sofrimento causado pelo diagnóstico. Sentir-se vulnerável para a população masculina
é algo que fere a masculinidade, por esse motivo a utilização de mecanismos que mostrem o
contrário torna-se importante para homens que estão enfrentando dificuldades ou problemas de
saúde (Figueiredo, 2005).
Para lidar com o sofrimento evocado diante dos relatos sobre o passado, o participante
utilizou mecanismos de defesa como o isolamento. Segundo McWilliams (2014), o isolamento do
afeto caracteriza-se como uma maneira encontrada pelo psiquismo para lidar com as ansiedades
e outros estados dolorosos da mente mantendo estes sentimentos isolados. A utilização desta
defesa pelo participante pode ser ilustrada na fala do participante sobre o que sentiu durante o
diagnóstico e tratamento de câncer: “Quando fui fazer exame de ressonância magnética passei
no corredor cheio de gente, senti um sentimento estranho, não era coisa boa era coisa ruim,
não sei dizer o que era, parecia que eu era um boi indo para o abate (...)”. Esta cena imaginária,
criada pelo participante, é descrita de um modo bastante racional, em que as ideais aparecem
desprovidas de afeto.
Outra defesa utilizada foi a racionalização, compreendida por Laplanche e Pontalis
(2001), como uma substituição de razões plausíveis de um impulso ou ato do sujeito em que o
verdadeiro motivo não é possível de ser reconhecido pelo sujeito. A racionalização foi comumente
empregada visando a naturalizar o sofrimento e o contato com a finitude evocada diante do
diagnóstico: “Eu não fiquei muito assustado não, sabia! Porque eu sou assim a gente morre uma
vez, então eu pensei se morrer morreu. Eu penso assim agora os outros não, ficam apavorados,
eu não fiquei não (...)”.
Ao longo do processo, com a ampliação do vínculo terapêutico, o participante
começou a entrar aos poucos em contato com os resíduos atuais deixados pelo diagnóstico e
tratamento de câncer de próstata. Foi possível dialogar a respeito dos sentimentos evocados
que incomodavam o participante. Mesmo com algumas resistências para falar a respeito
do diagnóstico, o participante aos poucos conseguiu falar sobre estes conteúdos e foi
identificando o setting como um espaço confiável em que era possível trabalhar e abordar
estes temas.
As resistências apresentadas estavam ligadas aos sentimentos de vulnerabilidade
que o participante experimentou durante o período do diagnóstico e tratamento. Foi possível
compreender também o receio do participante em entrar em contato com os sentimentos
vividos à época do diagnóstico. As defesas empregadas nas sessões visaram justamente evitar

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A Compreensão das Atitudes

experienciar a vulnerabilidade que experimentou neste período, preferindo hoje tratar o assunto
com certo distanciamento, como se fosse um período descolado da sua história, uma etapa
diferente na qual prefere colocar um ponto final.
Foi possível perceber que ocorreram mudanças significativas na vida do participante
por causa do câncer de próstata, principalmente o cuidado com a saúde na atualidade. Hoje
o participante faz acompanhamento médico regularmente e realiza diversos exames de 6
em 6 meses. O participante também faz exercícios físicos como caminhadas, natação, andar
de bicicleta, e adotou uma alimentação saudável. Vale destacar que estas mudanças são
consequências deste período turbulento, que sensibilizou o participante para uma nova postura
diante da sua saúde.

3) Compreensão dos aspectos latentes vinculados às atitudes diante do câncer de


próstata
A terceira categoria aborda os aspectos latentes vinculados às atitudes do participante
diante do câncer de próstata, resultados da aplicação dos métodos projetivos e a da exposição
destes dados ao participante. O foco foi compreender quais conteúdos foram mobilizados com a
aplicação dos testes e a relação que estes mantêm com as atitudes e percepções do participante
diante do câncer de próstata.
As entrevistas possuem como limitação o fato de trabalharem com as impressões do
participante sobre os fatos ocorridos, partindo do pressuposto de que o participante se conhece
suficientemente bem para abordar seus sentimentos diante de eventos, a exemplo do processo
de adoecimento como o câncer de próstata. Neste sentido, o uso de métodos projetivos torna-
se importante como uma fonte para a compreensão de aspectos latentes que tendem a ser
distanciados pelos recursos defensivos do participante. Os métodos projetivos permitem então
o contato com os sentimentos por uma via indireta que se mostra menos dolorosa para o
participante.
Foi possível observar uma redução da resistência durante a inserção dos instrumentos
projetivos. O participante demonstrou um pouco menos de desconforto no decorrer da
aplicação do HTP (Casa-Árvore-Pessoa), trazendo inclusive aspectos pessoais de forma
espontânea, sinalizando uma evolução na relação e na dinâmica do setting, em que os
instrumentos passaram a exercer a função de facilitadores para a comunicação emocional
do participante.
Durante a explicação da tarefa da primeira técnica, o HTP, o participante esboçou um
desconforto inicial com a ideia de realizar desenhos: “Xiii eu não sou muito bom de desenho à
mão livre, não sei se vou conseguir fazer esse desenho não (...)”. Percebe-se que, neste primeiro
momento, além de demonstrar um desconforto inicial com inserção da técnica, o participante
também tende a desvalorizar a sua produção gráfica a fim de diminuir as expectativas do
aplicador diante do seu desempenho, indicando o sentimento de vulnerabilidade e vergonha
diante da tarefa solicitada (Perry, 1990).
Apesar da resistência inicial, o participante foi permitindo-se gradualmente aprofundar
suas percepções sobre as relações familiares, como também, abordar temas que até então
não haviam sido expostos nas entrevistas. Durante a produção do HTP o participante trouxe
uma percepção da esposa como uma figura íntegra e como fonte de cuidado, ressaltando
a importância que ela apresenta em sua vida. A análise da produção gráfica permitiu
corroborar as percepções já apresentadas nas entrevistas sobre o papel de ego auxiliar
exercido pela esposa na relação com o participante. Ao realizar o desenho de uma pessoa
do sexo feminino (Figura 1), a esposa foi destacada como fonte de apoio, carinho, atenção e
acolhimento, retratando a importância da esposa tanto no tratamento do câncer de próstata
e na atualidade.

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Figura 1 - Desenho do Sexo Feminino

Desenho do Sexo Feminino


No desenho da pessoa do sexo masculino (Figura 2), o participante denominou a produção
gráfica como um espantalho, algo sem vida, que também foi associado à figura paterna, trazendo
uma dupla caracterização sobre o desenho: é ao mesmo tempo um desenho sobre o pai e sobre
como ele se sentia durante o tratamento. Através do desenho, o participante pôde, pela primeira
vez durante o processo, trazer as reais percepções sobre como se sentiu durante o tratamento
de câncer de próstata: desvitalizado como um espantalho, um objeto sem vida.

Figura 2 - Desenho do Sexo Masculino

Desenho do Sexo Masculino


Já a associação sobre o pai no desenho foi compreendida como representante da rigidez
e a perpetuação pelo meio familiar de uma postura que não permite expressar os sentimentos.

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A Compreensão das Atitudes

Durante o inquérito dos desenhos, o participante abordou lembranças sobre a relação com a figura
paterna, uma figura descrita como fria e distante. Observa-se que a representação do desenho
da pessoa do sexo masculino, identificado como o pai, sinalizava também essa necessidade de
guardar o sofrimento e a dor para si, sem poder demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade para o
outro, assim como um espantalho: sem vida e sem expressões.
A análise do desenho permitiu a compreensão sobre a origem desta sua forma
particular de lidar com o sofrimento, tendo de demonstrar força e autossuficiência diante das
adversidades. Porém, apesar da rigidez, o participante também evidencia a necessidade de
cuidado, trazendo espontaneamente relatos sobre como precisa deste cuidado ainda hoje, e
permitindo se queixar sobre a falta da atenção do pai durante a infância e como gostaria que
esta situação fosse diferente.
Foi possível notar uma desproporcionalidade estética entre o desenho masculino e
o feminino. O desenho feminino é um desenho mais completo, mais organizado, íntegro,
representando uma fonte de apoio mais estável, mostrando como a participante enxerga à
esposa, enquanto o masculino é uma variação de palitinhos, um espantalho, algo sem vida,
representando sua vulnerabilidade diante do tratamento do câncer.
Apesar da aproximação e exposição de sentimentos apresentadas durante a aplicação do
HTP, no decorrer da aplicação do TAT foi possível identificar que o participante teve dificuldades
para entrar em contato com conteúdos pessoais os quais remetem a sentimentos que envolvem
sofrimento, retomando seu padrão de distanciamento e evitação identificados anteriormente
durante as entrevistas. Desta forma, os conteúdos expressos nas pranchas não apresentaram
profundidade, mas ainda assim, evocaram aspectos relacionados ao medo, sofrimento, dor,
desamparo, abordados com certo afastamento.
A maioria das histórias trazia desejos de superar desafios e vencer obstáculos,
apresentando também questões sobre sua capacidade de realização da tarefa como, por
exemplo, a verbalização da falta de imaginação: “Pior que eu não tenho muita imaginação não
(...)”. A análise do TAT revelou um contraste entre a imagem apresentada pelo participante no
decorrer das entrevistas iniciais e a autoimagem revelada a partir dos personagens das histórias
relatadas. Enquanto nas entrevistas a imagem revelada era predominantemente de uma pessoa
forte, centrada e que não se preocupa com a finitude, abordando a morte e o adoecimento de
forma natural, no TAT são apresentados personagens inseguros, dotados de fraquezas e medos.
É possível observar aspectos de solidão e vulnerabilidade no trecho final da história contada
para a prancha 1 – “O Menino e o violino” [Diálogo durante a aplicação do TAT - Letra P significa
Participante e a letra T é de Terapeuta]:

(P) Ele não conseguiu tocar muito bem não.


(T) E como se sentiu por não ter conseguido tocar muito bem?
(P) Se sentiu decepcionado (...)
(T) Ele fez algo depois?
(P) (...) Foi para a casa chorando (...)
(T) Na casa dele tinha alguém?
(P) Não tinha ninguém na casa dele, ficou sozinho em casa (...).

Para compensar as inseguranças e carências de recursos próprios, os personagens


buscam auxílio no ambiente externo para obter sucesso no enfrentamento dos conflitos
vivenciados, medida semelhante àquela apresentada pelo participante no enfrentamento da sua
doença. No que diz respeito ao ambiente familiar, a análise do TAT revela uma percepção do

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Neto, A. J. M., Granado, L. C., Salles, R. J.

ambiente como acolhedor e fonte de apoio, o que pode ser observado no relacionamento com a
esposa e com o filho mais novo.
A análise do TAT também revelou traços agressivos latentes que apareceram no decorrer
da aplicação do instrumento. Por de trás da postura centrada e colaborativa, apresentou impulsos
agressivos diante das frustrações impostas pelo ambiente. Porém, estes traços não podem ser
revelados devido à presença de um superego rígido e a necessidade de manter uma postura
polida e centrada. A repressão da agressividade impossibilita que ele sinta qualquer tipo de
revolta ou insatisfação diante de frustrações como o diagnóstico de câncer de próstata.
Os aspectos assinalados podem ser ilustrados pelo trecho da história narrada para
a prancha 18RH – “Atacado por trás”, no relato do participante o homem chega atrasado ao
trabalho e é repreendido pelo chefe:

(P) (...) Chefe reagiu meio desapontado achou que ele estava dormindo,
que dormiu demais e atrasou, acho que só.
(P) Termina que ele (...) ele pediu desculpa mesmo estando certo, mas
chefe tem sempre razão, então pediu desculpa e foi trabalhar (...).

A aplicação do TAT propiciou uma compreensão das vivências do participante e auxiliou


no entendimento de como se constituíram suas resistências, o funcionamento de suas defesas
e principalmente suas relações familiares. A respeito da forma como o participante enfrentou
diagnóstico e tratamento de câncer de próstata, foi possível identificar o papel das vivências
familiares e a educação que lhe foram dadas ao longo do seu desenvolvimento. No decorrer
da aplicação foram marcantes a presença de defesas como o isolamento, a racionalização
e a repressão, que cumprem o papel de distanciar sentimentos e lembranças associadas ao
diagnóstico e tratamento do câncer.
Para entender de forma ampla quais são os impactos do diagnóstico e o processo de
tratamento do câncer de próstata Tofani e Vaz (2007) realizaram uma pesquisa com o intuito de
identificar sentimento de impotência e fracassos ante os cartões IV e VI do Rorschach. Os resultados
indicam que os pacientes apresentaram sentimentos de impotência diante do enfrentamento da
doença, assim como dificuldades de adesão ao tratamento e fuga dessa realidade dolorosa.
Cabe salientar que aspectos depressivos, angústia, resistência, fuga da realidade também
foram constatadas na presente pesquisa ao longo do processo do Psicodiagnóstico Interventivo,
corroborando os resultados encontrados por Tofani e Vaz (2007).
No encerramento do processo foi perguntado ao participante sobre os planos futuros, a
resposta foi que ele pretende continuar levando a vida, sem perspectivas de novas realizações
a longo prazo. Podemos perceber que os planos a curto prazo e principalmente o apego ao
presente, não revelando planos para o futuro, podem demonstrar o receio para lidar com a
finitude, como se não existissem esperanças de novas realizações ou desafios futuros, o que
está em consonância com os apontamentos de Kovács (1992).

Considerações finais
A pesquisa permitiu a compreensão das principais atitudes do participante diante do
diagnóstico de câncer de próstata. Ficaram evidentes as resistências e comportamentos de
distanciamento, principalmente o uso de mecanismos de defesa como isolamento e racionalização
durante as sessões, preservando o participante do contato com as angústias experimentadas no
passado durante o diagnóstico e tratamento do quadro oncológico. Convém salientar que durante
o processo o pesquisador/terapeuta desenvolveu uma relação de confiança e acolhimento com o

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A Compreensão das Atitudes

participante, favorecendo o fortalecimento do vínculo entre a dupla, demonstrando a importância


do enquadre que une pesquisa e intervenção. Este movimento visou a criar um espaço de
confiança e reflexão sobre as experiências de vulnerabilidade que o participante vivenciou
durante o diagnóstico e tratamento do câncer de próstata. Apesar das defesas empregadas, foi
possível perceber os aspectos saudáveis do participante, sinalizando recursos para lidar com os
conflitos que foram apresentados ao longo do diagnóstico e tratamento do câncer de próstata.
No decorrer do processo, o participante sentiu-se à vontade para relatar e refletir sobre o
período do diagnóstico e tratamento da doença. A inserção dos instrumentos projetivos promoveu
uma redução da resistência, o participante demonstrou um menor desconforto no decorrer das
atividades propostas, trazendo aspectos pessoais de forma espontânea, como a importância do
apoio familiar durante o tratamento.
Dentre as dificuldades encontradas para a operacionalização desta pesquisa, destaca-
se a carência de pesquisas que abordam o diagnóstico de câncer de próstata a partir de um
referencial psicodinâmico. A pesquisa também foi dificultada pelo baixo interesse dos homens
em participar de campanhas e pesquisas voltadas para a promoção de saúde, evidenciando
o quão presente ainda é a resistência masculina em falar sobre o adoecimento e participar de
atividades preventivas, em especial, aquelas ligadas ao câncer de próstata.

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Rodrigo Jorge Salles – Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo (IP/USP). Professor do Curso de Psicologia da Universidade São Judas Tadeu.
Pesquisador do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social (APOIAR) do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.

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