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Significado e importância da genética médica para médicos e

acadêmicos de medicina

Eli Ávila Souza Júnior1


Ramon Motta da Silva Britto2
Cíntia Ávila Souza3
Adriana Rodrigues dos Anjos Mendoça4

Resumo
Objetivo: A maioria dos médicos não especialistas em genética tem
algum conhecimento básico da especialidade, porém é incapaz de
fornecer informação e orientação adequadas sobre doenças dessa
natureza e procedimentos relacionados. Por esse motivo, esses
médicos necessitariam receber uma formação bem melhor que a atual,
para que o papel de orientador seja cumprido satisfatoriamente.
Objetiva-se nesse trabalho conhecer qual é o significado e importância
da genética medica para médicos e acadêmicos de medicina. Métodos:
Estudo qualitativo, descritivo, realizado no Hospital das Clínicas Samuel
Libânio, Pouso Alegre, Minas Gerais com 20 médicos e 10 acadêmicos
de medicina. Aplicou-se uma entrevista individual semiestruturada. A
tabulação dos dados ocorreu por meio da utilização de três figuras
metodológicas: idéia central, expressões chave e o discurso do sujeito
coletivo. Resultados: Especialidade médica, estudo do genoma,
diagnóstico precoce, prevenção, aconselhamento genético, disciplina
médica, câncer. Essas foram as ideias centrais encontradas para o
significado da genética medica. A importância da mesma evidenciou-se
pelas ideias centrais: profilaxia, bioética, acessibilidade, síndrome de
down, terapia gênica, inovação, hereditariedade. Conclusão: Conclui-se
que a genética médica é importante, inovadora, promissora e repleta de
conflitos bioéticos, porem muito distante da prática clínica do dia a dia.

Palavras-chave: Genética médica; bioética; educação médica; genoma


humano; pesquisa qualitativa

1
Acadêmico de medicina na Universidade do Vale do Sapucaí-UNIVAS
2
Acadêmico de medicina na Universidade do Vale do Sapucaí-UNIVAS
3
Acadêmica de medicina Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP
4
Professora de Genética Médica da Universidade do Vale do Sapucaí-UNIVAS

Abstract

Objective: The majority of general practitioners in genetics have some


basic knowledge of the speciality, but is unable to provide adequate
information and guidance on such diseases and related procedures. For
this reason, these doctors would need to receive a much better
education than the current, so that the role of advisor is satisfactorily
fulfilled. The objective of the study is to know what is the meaning and
importance of medical genetics for physicians and medical students.
Methods: Qualitative, descriptive study, conducted at the Hospital das
Clínicas Samuel Libânio, Pouso Alegre, Minas Gerais, with 20
physicians and 10 medical students. A semi-structured personal
interview was applied and the tabulation of data occurred through the
use of three methodological approaches: main idea, key expressions and
the discourse of the collective subject. Results: Medical speciality,
genome research, early diagnosis, prevention, genetic counseling,
medical discipline, cancer. These were the central ideas found for the
meaning of medical genetics. The importance of that was evidenced by
central ideas: prophylaxis, bioethics, accessibility, down syndrome, gene
therapy, innovation, heredity. Conclusion: The conclusion is that
medical genetics is important, innovative, promising and full of bioethical
conflicts, however far removed from clinical practice everyday.

Key Words: Medical genetics; bioethics, medical education; human


genome; qualitative research

Introdução

A genética médica contemporânea contempla uma série de


atividades clínicas envolvendo atitudes e propedêuticas médicas
voltadas para o diagnóstico, tratamento, assistência e prevenção das
doenças genéticas1. Mais recentemente, a genética médica tem atuado
de forma relevante na orientação de indivíduos sadios submetidos a
testes genéticos preditivos. Sabe-se que 5% dos nascidos vivos
apresentam alguma anomalia do desenvolvimento determinada total ou
parcialmente por fatores genéticos. Acrescentando-se os distúrbios que
se manifestam mais tardiamente, como em certas enfermidades
crônicas degenerativas, fica ainda mais evidente o efeito dos
condicionantes genéticos sobre a saúde2.
Não podemos deixar de ressaltar que a genética médica foi a
grande inspiradora do Projeto Genoma Humano e a aplicação médica
das informações obtidas a partir do seqüenciamento do genoma tem
sido uma realidade na prática da genética médica contemporânea no
Brasil. O enorme impacto médico e social que tais doenças genéticas
trazem aos afetados, às suas famílias e à sociedade, poderão, no final,
justificar todo o empenho para tal magnitude de projeto científico
globalizado3
As utilidades e avanços trazidos pelo Projeto Genoma Humano
na medicina são indiscutíveis, de altíssima relevância, literalmente
revolucionando os estudos médicos no que diz respeito à genética
médica, criando autênticas expectativas nas questões diagnósticas e
terapêuticas. Paralelamente a isso, uma discussão bioética de fortíssima
importância é criada, exigindo dos profissionais médicos e acadêmicos
de medicina um discernimento bem claro sobre as atuações da genética
médica, associando-as aos princípios bioéticos.
É possível dizer que um primeiro benefício esperado do Projeto
Genoma Humano seria, em tese, a diminuição do sofrimento humano,
pela ampliação das possibilidades de diagnóstico e cura de doenças.
Essa perspectiva tem, em muitos casos, justificado a realização de
projetos de pesquisa concretos, o que caracteriza o conseqüencialismo
e o utilitarismo dominantes na análise bioética. Mas a contrapartida dos
problemas que aquele projeto comporta anuncia-se de imediato:
engenharia ou desenho de embriões humanos, comodificação de seres
humanos, intervenções na reprodução humana, busca de
aperfeiçoamento de características humanas e eugenia, discriminação
de base genética, genética comportamental, patenteamento de genes,
injustiça na distribuição de recursos, pela exclusão econômica de
usuários de possíveis produtos de pesquisa (como as terapias
genéticas), ameaça à privacidade individual, pela violação da
confidencialidade de informações genéticas, entre tantos outros
problemas. Princípios tradicionais da bioética - beneficência, não-
maleficência, autonomia, justiça - para se concretizarem, no Projeto
Genoma Humano, deverão fazer face a profundos conflitos de ordem
moral, dadas as controvérsias que o uso da informação genética é
capaz de gerar4
Em entrevista concedida nos Estados Unidos, Hamer lembra que
muitos genes da homossexualidade e da orientação sexual deverão ser
ainda encontrados. "Por causa disso, acho que é um erro falar em um
gene gay". James Watson, biólogo que descobriu a estrutura em dupla
hélice do DNA em 1953, sendo atuante na pesquisa genômica ainda
hoje, apontou a possibilidade de seleção pré-natal de embriões para
evitar o gene da homossexualidade, ao que Hamer replica, reafirmando
suas boas intenções e a necessidade de se frear impulsos de fabricar
humanos de acordo com valores sociais. Ele diz não acreditar que a
homossexualidade seja uma doença e que "a terapia genética deveria
ser usada para curar doenças e não para modificar as pessoas no
sentido de adequá-las às nossas ideias". Mas lembra, também, que as
tecnologias reprodutivas, sendo usadas por homossexuais e lésbicas
"podem levar não ao aborto de fetos gays, mas à criação deliberada de
fetos com genes associados a esse tipo de orientação sexual". Mesmo
que lhe pareça muito improvável a seleção de embriões em função da
orientação sexual, o geneticista antevê, entretanto, um futuro no qual
haveria interesse de pais pela seleção de crianças em função de outras
características genéticas: "se desejarem mudar algo de genético em
seus filhos, eles mudarão algo como QI, habilidade para os esportes, ou
mesmo estar livres de doenças. Isso tudo virá antes de uma escolha por
orientação sexual"5
Em números absolutos, a prevalência de doenças genéticas e
malformações congênitas nos países em desenvolvimento é igual ou
superior a dos países desenvolvidos. Essa alta prevalência, associada
ao alto custo social e à possibilidade de prevenção dessas condições,
em alguns casos, justifica o investimento na área da genética médica,
mesmo em países com outros problemas de saúde pública6
Sensível às reivindicações de geneticistas médicos e de
associações de familiares e de pessoas afetadas por doenças
genéticas, o poder executivo publicou, em 20 de janeiro de 2009, a
portaria 81, que instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS),
a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica. É
importante ressaltar que, no preâmbulo justificatório da emissão da
portaria, o aconselhamento genético foi citado como "pilar central da
atenção à saúde em genética clínica" e, mais ainda, como um
procedimento que "deve ser garantido a todos os indivíduos e famílias
sob risco de anomalia congênita ou doença genética"7.

Dados mundiais e nacionais sugerem que a maioria dos


médicos não especialistas em genética tem algum conhecimento básico
da especialidade, porém é incapaz de fornecer informação e orientação
adequadas sobre doenças dessa natureza e procedimentos
relacionados. Como o primeiro contato dos pacientes com doença
genética usualmente é com um médico generalista, com quem
desenvolvem uma relação de confiança, estes têm um papel
fundamental no encaminhamento e orientação dos pacientes8. Em
países onde não há serviços de genética em número suficiente, o
paciente pode ser acompanhado apenas pelo médico de atenção
primária. Por esse motivo, esses médicos necessitariam receber uma
formação bem melhor que a atual, para que o papel de orientador seja
cumprido satisfatoriamente9.

Os médicos que atuam na área da clínica médica, devido à


vasta quantidade de alterações e doenças multisistêmicas que devem
ter conhecimento, são os que mais tem conhecimento sobre a genética
médica, mesmo que seja na elucidação em reconhecer um conjunto de
alterações genéticas no paciente, e encaminhá-lo a um profissional
especialista (geneticista). O país se encontra no passo inicial do
atendimento em genética clínica, que é o de incrementar medidas que
possibilitem um sistema de atendimento pelo qual a maioria da
população tenha acesso a serviços e procedimentos que possam revelar
a doença genética que possuem. A partir disso, poderão entender sua
condição de saúde e as alternativas disponíveis para tratamento e
prevenção10.

Em relação aos acadêmicos de medicina, principalmente os


sexto anistas, o seu conhecimento sobre genética médica é totalmente
proporcional ao conteúdo que tiveram sobre essa disciplina durante a
vida acadêmica. A dúvida reside na eficiência da abordagem dessa
disciplina nas escolas de medicina, o quão próximo as aulas teóricas
estão da prática médica, gerando no acadêmico um conhecimento
básico para ser posto em prática no dia a dia nos ambulatórios e
posteriormente em seus consultórios.

Segundo Rosa e Solomon, apenas ensinar o que há de mais


atual em genética aos estudantes de medicina já não é suficiente para
que eles apliquem seus conhecimentos de forma a beneficiar seus
futuros pacientes. Também é necessário ensiná-los o valor do
conhecimento da vida diária e de que forma se pode transitar entre este
saber e o acadêmico, buscando contribuições de ambos. Dessa forma,
durante as sessões de aconselhamento genético, as questões que
afligem seus pacientes podem ser mais bem compreendidas pelo
médico e respondidas de forma mais objetiva e clara, atendendo ao
interesse daquela pessoa em particular11.
É bem visível, portanto, que aliada a uma evolução magnífica na
medicina, coexiste uma questão bioética de extrema importância, sendo
fundamental que atuantes nessa área tenham conhecimento pleno de
ambas as questões. Diante do exposto, em que fica provada a
importância progressiva do conhecimento da genética médica pelo
profissional médico, seja nas questões puramente genéticas, seja na
análise bioética sobre os avanços nessa área, e como lidar com elas, há
necessidade de se conhecer melhor a situação dos médicos brasileiros
e acadêmicos de medicina em relação à genética.

Métodos

Estudo qualitativo do tipo descritivo desenvolvido no Hospital


das Clínicas Samuel Libânio (HCSL) da cidade de Pouso Alegre (MG). A
Amostra foi constituída por 20 membros médicos (sendo 5
ginecologistas, 5 pediatras, 5 clínicos e 5 atuantes na saúde da família)
e 10 acadêmicos sexto anistas do curso de medicina da Universidade do
Vale do Sapucai (UNIVAS).
No presente estudo foram utilizados apenas dois
instrumentos: Um instrumento de caracterização da amostra e um
roteiro de entrevistas semi-estruturadas formada por duas perguntas
abertas relacionadas com os temas: significado da genética médica para
médicos e acadêmicos de medicina e qual a importância dada por eles a
essa área. Para obtenção dos dados desta pesquisa foi aplicado um
questionário semi-estruturado composto de duas perguntas, que foram
gravadas e transcritas na íntegra. As entrevistas foram realizadas de
janeiro a julho de 2013.
Para análise do conteúdo discursivo, utilizou-se a técnica de
análise do discurso do sujeito coletivo (DSC), que consiste em utilizar
um instrumento de tabulação e organização dos dados qualitativos com
a aplicação das figuras metodológicas: “expressões-chave”; “idéias
centrais” e o “discurso do sujeito coletivo”12. Dessa forma, a partir do
material verbal coletado nas entrevistas, constituiu-se um discurso-
síntese do grupo. Esta técnica embasa-se no conceito das
representações sociais13 como uma forma de expressar diretamente a
representação social de um dado sujeito social14.
A autonomia dos participantes do estudo foi respeitada pela
livre decisão de participar da pesquisa, após o fornecimento das
orientações que subsidiaram a sua decisão. O Termo de Consentimento
Informado oficializou a decisão dos participantes do estudo de maneira
livre e espontânea.
É importante salientar que a coleta de dados deu-se após
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do
Sapucaí, Pouso Alegre – MG; e após conclusão da pesquisa as fitas
gravadas foram destruídas a fim de assegurar a confidencialidade, o
anonimato das informações, a privacidade e a proteção da imagem dos
respondentes, garantindo-se que as informações obtidas não fossem
utilizadas em prejuízo de qualquer natureza, para os integrantes do
estudo.
Finalmente, evidencia-se que este estudo seguiu os preceitos
estabelecidos pela Resolução nº 196/96 de 10/10/96 do Ministério da
Saúde, obtendo autorização do Comitê de Ética da Universidade do
Vale do Sapucaí.
Resultados

Foi encontrada uma média de 21 anos de formação acadêmica


entre os médicos pesquisados.
Na primeira pergunta da entrevista, em que se indagou qual o
significado e importância da genética medica, foram agrupadas 7 ideias
centrais a partir das expressões-chave, sendo a ideia central "estudo do
genoma" a mais frequente, correspondendo a 26% dos entrevistados.
Para eles, a genética médica é uma área que se preocupa com as
variações genéticas que constituem os seres humanos, em toda sua
complexidade.
A ideia central "diagnóstico precoce" foi a segunda mais
frequente, representando 20% dos entrevistados, os quais vêem a
genética médica como uma área promissora na facilitação de
diagnósticos médicos. Segundo os entrevistados, o diagnóstico precoce
pode ser feito em vida intra-uterina, o que causa um grande conflito
bioético a cerca de como lidar com patologias ai descobertas, muitas
vezes imcompatíveis com a vida. 10% dos entrevistados citaram o
aconselhamento genético, assim como as repercussões trazidas por ele,
em como lidar com desordens genéticas que afetam a vida do paciente
e dos familiares.
A tabela 1 indica as demais ideias centrais encontradas, além de
trechos do discurso do sujeito coletivo relativos a elas.

Tabela 1. Ideia central, frequência da resposta, e o discurso do sujeito coletivo para a


pergunta: Para você, qual o significado e importância da genética medica?
Ideia central Trechos do discurso do sujeito coletivo
( Frequência da
resposta)

Especialidade médica "A genética médica é a aplicação dos fundamentos da


(16%) genética na área médica, sendo uma especialidade médica
que aborda todas as questões biológicas, desde diagnóstico
até tratamento. Na medicina, é fundamental seu
entendimento de forma geral, já que é uma especialidade
que permeia todas as outras. É um ramo que estuda as
características biológicas e fisiológicas dos seres humanos."
Estudo do genoma
"Tudo é genética. A genética é o estudo dos gens, do
(26%)
genoma, é a área que estuda as doenças de origem
genética, ou seja, é a ciência que estuda as doenças em sua
origem, preocupando-se com as variações genéticas
humanas. O projeto genoma humano, que desvendou todos
os genes do ser humano, foi uma das descobertas mais
incríveis da sociedade, sendo fundamental o conhecimento
do real gene afetado."

Diagnóstico precoce "Penso da genética aplicada na medicina para diagnóstico

(20%) precoce de anomalias e síndromes, identificando e


aprimorando precocemente os diagnósticos. Na ginecologia
e obstetrícia é fundamental nos dias de hoje, pois permite a
detecção precoce de doenças pré-natais, intra-útero. Como
exemplo, o estudo do cariótipo, que pode ser feito obtendo
células fetais durante a gestação."
Prevenção (13%)
"A genética médica é fundamental para a prevenção de
patologias de origem genética, sendo muito útil para isso,
evitando, assim, que algumas doenças se desenvolvam.
Como exemplo, mulheres mais velhas, com história familiar
de síndrome de down, são aconselhadas a não engravidar."

"A genética médica é muito importante no aconselhamento

Aconselhamento genético, ou seja, aconselhamento de casais que querem ter

genético (13%) filhos e tem, por exemplo, uma série de patologias dentro de
suas famílias, podendo, portanto, fazer uma previsão dessas.
O aconselhamento genético é uma área muito nova na
medicina."

Disciplina médica "A genética médica é uma disciplina obrigatória nas


(10%) faculdades de medicina, dada normalmente no 1º ano de
faculdade, sendo muito importante para a formação do
acadêmico de medicina, porém é mal aplicada e na hora
errada, além de ser muito restrita e específica."

Câncer (13%) "A genética médica é importante em casos de doenças com


predisposição genética, como os casos oncológicos. Há
diversas alterações genéticas que levam ao câncer, que é o
caso, por exemplo, do HPV, que leva ao câncer do rebordo
anal. Em oncologia, em relação ao tratamento de tumores
malignos, direcionamos o quimioterápico específico para
cada tipo de tumor."

Na segunda pergunta da entrevista, em que se indagou a


importância da genética médica para diagnósticos, prognósticos,
tratamentos médicos e conflitos bioéticos existentes, também foram
encontradas 7 ideias centrais.
A ideia central "bioética" foi a mais frequente, representando a
resposta de 33% dos entrevistados, os quais dissertaram sobre diversas
situações conflituosas geradas pelo desenvolvimento da genética, e
como a sociedade irá lidar com isso. O tema do aborto foi
frequentemente citado, sendo muito conflituoso para a sociedade lidar
com essa questão envolvida no avanço da genética. A religião também
foi citada, como um fator de fortalecimento dos indivíduos que se
deparam com alterações genéticas de ruim prognóstico em suas
famílias.
A ideia central "inovação" representou 16% dos entrevistados, os
quais, apesar do reconhecimento dos conflitos bioéticos coexistentes,
mostraram-se otimistas em relação aos avanços genéticos para
melhoria da saúde da população.
A síndrome de down também constituiu-se uma ideia central dos
discursos. Sendo uma doença muito prevalente, foi frequentemente
citada, principalmente em relação as questões de dificuldade para
inserção social, assim como a importância de se usar os avanços
genéticos como fator preditivo nas famílias com riscos para a doença.
10% dos entrevistados relataram que a genética medica não
atinge as camadas mais desfavorecidas da sociedade, não sendo
contemplada pelo Sitema Único de Saúde, sendo que os avanços
trazem benefícios somente para a população mais rica.
A tabela 2 indica as demais ideias centrais encontradas, com os
respectivos discursos do sujeito coletivo.

Tabela 2. Ideia central, frequência da resposta, e o discurso do sujeito coletivo para a


pergunta: Para você, qual a relevância da genética médica para diagnósticos,
prognósticos, tratamentos médicos, e confrontos bioéticos dessa área?
Ideia central Trechos do discurso do sujeito coletivo
( Frequência da
resposta)

Bioética (33%) "É difícil encontrar um limite até onde a genética deixa de ser
ética. Acredito que cada pessoa tem esse limite, de acordo
com suas crenças, religião e conhecimento cientifico.
Acredito, também, que há divergências entre pessoas do
mesmo nível cultural e educacional. Há diversos confrontos
bioéticos, mas o principal é a dificuldade de lidar com
anomalias diagnosticadas. E se for uma alteração
imcompatível com a vida? Não temos legislação que permita
o aborto em alterações genéticas imcompatíveis com a vida.
Da mesma forma que os avanços em genética trazem
benefícios, há malefícios que vem junto. Além de mapear
genes que colaboram para o desenvolvimento de doenças
sérias, o projeto genoma humano possibilitou, também,
inferir informações muito pessoais da constituição do
indivíduo."

"O acesso a recursos genéticos é muito limitado à população


Acessibilidade (10%)
em geral, pois é muito caro. Problemas econômicos,
culturais e sociais dificultam o acesso da população a testes
genéticos. Algumas síndromes genéticas na infância são
rastreadas pelo teste do pezinho, outras não são feitas pois
o Sistema Único de Saúde não disponibiliza. O acesso
ainda é muito restrito para pessoas com poder aquisitivo.
Muitos testes, tratamentos para doenças reumatológicas de
origem genética ainda não subsidiados pelo sistema
público,o que torna difícil o acesso da maioria da população.
Há relevância da genética para prognóstico, diagnósticos e
tratamento de doenças, mas o acesso é difícil."

"O que mais se sabe de genética no dia a dia é em relação à


Síndrome de down
síndrome de down. Dando exemplo da síndrome de down, a
(13%)
doença é basicamente genética, e tendo conhecimento dela,
já se sabe diversas características do prognóstico do
paciente, como: possíveis acometimentos cardiovasculares
futuros, doenças oculares como a catarata etc. Portanto, o
conhecimento genético da doença se torna importante para
a definição do prognóstico. É de extrema importância para
uma família que tem síndrome de down fazer um estudo
genético da família, para ver quais as chances do filho vir a
ter, principalmente a mulher mais velha. A gestação lida com
uma preparação e questões emocionais, sendo difícil a
aceitação de uma doença genética pela família."

Terapia gênica (26%) "A terapia gênica é o ponto mais importante de todos os
estudos genéticos na medicina. Há diversos tratamentos em
desenvolvimento, já que a terapia gênica consolidada ainda
não existe. Tratar o gene especificamente é muito difícil,
apesar da terapia gênica estar se desenvolvendo cada vez
mais. Consolidando a possibilidade de tratar o gen, todas as
doenças de origem genética, como o pé torto congênito,
poderão ser tratadas, quem sabe até mesmo em vida intra-
uterina. Poderá, portanto, modificar o curso de várias
doenças ainda hoje sem tratamento. Há necessidade de
mais estudos genéticos para concluir a terapia gênica".

"Hoje em dia, a genética médica é uma das áreas que mais


avançam em medicina, principalmente associada a
Inovação (16%)
engenharia genética. O projeto genoma humano, foi com
certeza, umas das maiores descobertas da medicina
moderna. Com ele, conseguimos mapear todo o material
genético do ser humano, portanto, tornou-se muito promissor
associar cada gene com a característica que define ou com
a doença que causa. É, sem duvidas, uma das áreas mais
promissoras da medicina hoje em dia. Se tem uma área que
permite descobertas para melhor conhecimento de uma
patologia, essa área é a genética. Enfim, tornam-se
necessárias mais pesquisas e esclarecimentos tanto da
população quanto da área medica para avaliação de prós e
contras dessa nova área da medicina"

Hereditariedade (10%) "A genética médica tem uma aplicação muito grande na
prevenção, diagnóstico, e tratamento das doenças
hereditárias, ou seja, aquelas que se transmitem dentro de
uma família, com forte componente genético. È muito
importante nas doenças hereditárias, principalmente nas
patologias congênitas. O aconselhamento genético, em que
se evita que certas doenças sejam transmitidas dentro da
família é fundamental para evitar as doenças herdadas."

"A genética médica é muito importante na parte preventiva


Profilaxia (13%) de uma série enorme de patologias. O que é muito discutido
na parte de oncologia de mama são as medidas mais
radicais, como a mastectomia profilática, por haver mais
chances de desenvolver o câncer em tal indivíduo. No
aconselhamento genético, a ação do médico em aconselhar
cônjugues em relação aos riscos existentes para uma
gestação visa à profilaxia, minimizando riscos."

Discussão

Em relação a áreas como biologia molecular e genética, os


médicos clínicos podem ser considerados como similares aos “leigos
educados”. Seu conhecimento vem, no máximo, dos manuais básicos,
situando-os na fronteira entre os círculos esotérico e exotérico. Eles
podem ter acesso aos periódicos científicos da área, mas dificilmente
têm as ferramentas necessárias para os lerem criticamente15. Os
resultados encontrados nesse trabalho apontaram essa mesma questão.
Os médicos e acadêmicos de medicina demonstraram conhecimento
geral sobre a genética médica, mas havia limitação sobre a abordagem
mais detalhista dessa área.
De acordo com o estudo de Correia, Vitiello, Cardoso, e Horovitz
houve sempre referências à Genética como uma matéria da faculdade,
algumas vezes considerada difícil ou tediosa16. Para 10% dos
entrevistados nesse estudo, o significado da genética médica foi o de
uma disciplina básica da faculdade de medicina que acompanha os
estudantes no início da graduação.
Desde meados da década de 1990, o DNA e os genes fazem parte
das conversas comuns, de propagandas e programas de ficção, e há um
grande entusiasmo popular a respeito do assunto17. 16% dos
entrevistados referiram que a genética é uma área inovadora, gerando
boas perspectivas para o futuro da medicina, mostrando-se otimistas a
cerca da mesma.
A importância dada pelos pediatras ao posicionamento das orelhas
para a suspeição de síndromes genéticas foi comentada por Leite, que
também ressalta que esse sinal é bem pouco específico, tendo pouco
valor diagnóstico. A única condição genética familiar a todos os
residentes foi a síndrome de down18. A síndrome de down foi um
enfoque frequente também nesse estudo, sendo referida por 13% dos
entrevistados, que associavam a mesma a uma doença basicamente
genética, relacionada a mulheres mais velhas, e definidora de
características bem típicas.
O diagnóstico precoce é uma vantagem da genética medica
segundo 20% dos participantes desse estudo; no entanto, o cariótipo foi
o único exame complementar citado nesse estudo, assim como no
estudo de Godinho e Koch. Todos foram conservadores em relação à
indicação desses testes, considerando, de um modo geral, que não
deveriam ser feitos em pessoas saudáveis, mas apenas em casos em
que haja histórico familiar ou após alguma coisa dar errado, como o
nascimento de bebês com defeito congênito19.
Mesmo especialistas em aconselhamento genético têm
dificuldades em lidar com probabilidades, o que os leva muitas vezes a
preferir informar os riscos aos pacientes em palavras, como “alto” e
“baixo” e não em números. O aconselhamento genético, suas limitações,
e sua inovação, foram referidos por 13% dos participantes no estudo.
A questão bioética foi, sem dúvidas, o tema mais abordado pelos
entrevistados, que citaram desde problemas relacionados ao aborto
após diagnóstico de anomalias genéticas, até a manipulação de gens
para definição de eugenia. A evolução das técnicas de manipulação
genética foi considerada como inevitável, permitindo que, em um futuro
próximo, seja possível utilizá-las para modificação de características e
tratamento de doenças, embora reconheçam que nem todas possam vir
a ser tratadas dessa forma. Para alguns, isso já é possível em
determinados casos, à semelhança dos alimentos geneticamente
modificados, e o maior fator limitante são os impedimentos éticos. A
possibilidade de manipulação de embriões foi vista como perigosa,
sujeita a erros inesperados, abusos e graves consequências sociais e
éticas. O temor da eugenia fica claro nas menções a “bebês perfeitos,
louros de olhos azuis” e no repúdio à manipulação para modificar
características fenotípicas não patológicas. Entretanto, a manipulação
para tratar/curar doenças foi considerada algo positivo16.

Considerações finais

Médicos e estudantes de medicina consideraram a genética


médica como uma área importante, inovadora, e promissora. Há,
paralelamente, consciência sobre os diversos conflitos bioéticos que
devem ser julgados e analisados perante toda a essa evolução.
Diversos termos intimamente ligados a essa área foram citados, como
cariótipo, projeto genoma humano, aconselhamento genético, entre
outros. No entanto, o conhecimento da mesma pela maioria mostrou-se
limitado, como uma disciplina muito distante da prática clínica do dia a
dia.
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