A Modernização Da Arte Do Ator

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História do Teatro Brasileiro • volume 2

+ A Modernização do Teatro Brasileiro (193 8-1958)

teatro moderno" e equivalente? Em que medida esse Está claro que o estilo realistainaturalista de OUTRO: Hoje, não. Nem a conheço. permanecia antigo. ''A Senhora Condessa está
processo precisa guardar analogia com o processo interpretação não fez com que a maioria de nos-
MULHER: Para ir à minha casa, é preciso me conhecer?69 equivocada': diz uma personagem. Na cerra o ator
europeu de formulação da cena moderna? Não seria sos intérpretes do passado abandonasse de todo o encarregado da fala não iria conseguir afastar o tom
Fugindo à literatice, numa tentativa de desperso- melodramático.
arbitrário, no caso da arte moderna, cogitar explicar hábito do "dizer bem': preocupação primordial de
nalização da personagem, um expressionismo não O fato é que os novos, ao findar os anos de 193 o
a sua gênese ou afirmação como um processo gra- muitos deles até os anos de 1940. O culto à fala
tão deliberado, essediálogo teria, de certa forma, for- e no início da década seguinte, conheciam pouco
dual, evolutivo, cumulativo? Afinal o moderno é ou não deixou de ser um perigo para os maus ateres.
çado os ateres a abandonar maneirismos antiquados, das realizações de Álvaro Moreyra e das batalhas de
não é a instauração de um estado de ruptura? Até que "Diziam" sem dar muita importância ao signifi-
nos gestos e falas rebuscadas. O teatro dos Moreyra Renato Vianna. O que mais lhes chamava atenção
POntOfalar em teatro moderno explica realmente a cado mais profundo do que falavam, infensos às
trajetória multiforrne do nosso palco, exposto a múl- alterações impostas pela nova cena. Cristalizava-se
não era apenas de brinquedo.Caso tivesse tido con- era um teatro estabelecido em bases mais ou menos
típlosvetores, desde as ambições locais até os ideários a fala, e um certo pedantismo no ato de representar
tinuidade, não ficaria apenas no pioneirismo, que sólidas, conduzido por gerações comprometidas
dominava a cena. Registre-se que o livro Estética e
outros iriam retomar uma década depois, mas teria com adaptações de comédias estrangeiras e sobre-
de migrantes de diversas origens, passando por con-
formado uma escola de novos intérpretes depura- tudo com aquilo que era o forte de todos eles: nos-
dições muito peculiares de formação, de público, de Plástica Teatral, de Antônio Pinheiro, editado em
dos não só pela dramaturgia enxuta de Adão,Eva, sas peças descompromissadas. Contudo havia arte
participação do Estado e de diferentes instituições? 1926, em Lisboa, assinala, entre os elementos que
quanto pelos textos que prometia encenar e que, no desempenho desses textos. O elenco de apoio,
constituem o atrativo e o encanto natural do espetá-
certamente, iriam dar novas cores à maneira de fazer construindo-se através de máscaras definidas, era
culo, em primeiro lugar, "a beleza literária da peça'
chegar até o público uma peça de teatro. inventivo. A avó compreensiva, a solteirona impli-
e em segundo lugar "a dicção, o canto e o encanto
Menos hábil e menos culto do que Álvaro Mo- cante, o pai carrancudo, o tio boêmío, o amigo da
da voz humana'. Só depois desses fatores vinha o
reyra, Renato Vianna (1894-1953), autor, diretor família levavam os atores Aristóteles Pena, Manoel
interesse despertado pela intriga e pelas situações.
e ato r, dizia-se um pioneiro, conhecedor das ideias Durães (1887-1969), Manoel Pera (1894-1967),
É óbvio que, algumasvezes,as exigênciasde lingua-
que anunciavam uma renovação no teatro. Se- Sadi Cabral (1906-1986), e, mais do que ninguém,
gem de certos textos foram solicitando dos intérpretes
gundo ele, seu teatro era "um teatro de síntese, no Conchita de Moraes (1885-1962), apesar das mes-
3. AMODERNIZAÇÃO comportamentos, na fala e no gesto, mais de acordo
qual som e luz seriam 'valores de ação dramática'''. mices dos caracteres, a empregar uma técnica sui
DA ARTE DO ATOR com os tempos em que estavam vivendo. Os ensaia-
dores conheciam os segredos do palco, acostumados
E quanto à interpretação? Diferentemente de Ál- generise uma verve alimentada pelo conhecimento
varo, seus textos tinham incursões melodramáticas do público e dos tipos que lhes eram familiares.
que estavam à labuta cotidiana, mas conservavam-se
e não conseguiam fugir de certo mau gosto. Teriam Apoiavam-se num naturalismo à brasileira, herdado
A primeira tentativa de transformação sofrida na distantes das teorias. Poucos teorizavam.
surgido novas formas de interpretação, decorrentes dos mais antigos. Apolônia Pinto (1854-1937) é
então habitual arte de interpretar de nossos ateres Adão,Eva e Outros Membros da Família, de Ál-
das pausas (uma de suas novas "conquistas") e das sempre lembrada, ao se tocar na questão do natura-
aconteceu a partir de meados do século XIX, quando varo Moreyra (1888-1964), encenado em 1927, pelo
anotações indicativas de comportamentos cênicos? lismo teatral. Por outro lado, os notáveis primeiros
a escola realista francesa entrou como novidade em Teatro de Brinquedo, e sobretudo Voulez-oousjouer
Leia-se a rubrica final, do segundo ato de Sexo, ateres exibiam um estilo de representação muito
nossos palcos. Imagens da realidade, personagens avec moâi, de Marcel Achard (texto mais ensaiado do
texto de sua autoria, cheia de intenções: peculiar. Vivenciavam figuras cênicas muito fortes,
contemporâneas, discussões a respeito de questões que representado, pelo mesmo grupo), exigiam dos
favorecidas por jeitos de ser, extremamente favorá-
sociais, debates sobre as mazelas ou virtudes da famí- ateres, evidentemente, uma maneira muito diferente
Indecifrável expressão de Calazans, que dobra lentamente veis: Procópio Ferreira (1898-1979), herdeiro de
lia burguesa requeriam um tipo de falar bem longe de se expressar. Foi o que disse um remanescente do
o bilhete e o guarda. Um silêncio. Olha em pensamento Leopoldo Fróes (1882-1932), tal como seu mestre,
do saborear das palavras e do estilo tonitruante tão elenco de Eugênia e Álvaro Moreyra, o embaixador
para Vanda, pela escada por onde esta deve ter subido com interpretava tipos sofisticados: astutos, elegantes,
caro aos ateres românticos e melodramáticos. Com Vasco Leitão da Cunha (1903-1984), ao fazer um
depoimento para o Serviço Nacional de Teatro: '1\1-
Corina [...]. Vai buscar o cachimbo e dispõe-se a fumá- phraseurs. Um terceiro,]ayme Costa (1897-1967),
o realismo cênico foram dados os primeiros passos -lo. Senta-se. E a única expressão que se consegue de rodo de físico encorpado, com o passar do tempo, oscilava
em direção a tentativas não muito bem assimiladas varo queria fugir a tudo que fosse convencional no
quanto lhe vai na alma, em segredo, é um longo e profundo entre o tipo bonachão e o implicante. Dos três foi
das experiências naturalistas. Sem entender de fato teatro [...]. O Teatro de Brinquedo revelou não só
suspiro, que tanto pode ser de alívio quanto de dor... Quem quem melhor empregou o estilo naturalista. Todos
o que se propunha, nossos ensaiadores ouviram falar artistas novos, mas novas maneiras de representar e
poderá ler o que a consciência escreve no pensamento? É se utilizavam do ponto. Em suas criações rápidas e
de Antoine e do seu Théâtre Libre, reproduzindo sentir"68. Leia-se o seguinte diálogo:
melhor, pois, que o pano desça sobre a cena e a apazigue?". inteligentes faziam o que deveria ser dito percorrer
a vida e sua entourage tal qual a víamos e vivíamos um bom caminho: a voz que vinha da caixa do ponto
na vida real. Fazer com que o espectador estivesse MULHER: Vamos lá em casa, meu santo?
Ainda que o texto traga Freud para a cena e as ao ouvido em seguida tocava o cérebro e, conforme
"diante da vida como ela é" foi uma proclamação do OUTRO: Não posso.
divagações incitem a interiorização, desviando a a necessidade do dia, transformava-se em frases
MULHER: Está à espera de alguém...
naturalismo teatral. Consequentemente, alguns de interpretação da simples declamação, o linguajar ou palavras de agrado às diferentes plateias. Eram,
nossos ateres mais atilados foram mesclando ao seu OUTRO: Não. Mas não posso. Qualquer dia.
portanto, ateres de uma criação cênica baseada na
modo de representar a naturalidade que julgavam MULHER: Hoje.
69 Adão,Eva e OutrosMembros daFamília, Rio deJaneiro: MEC/ mais extraordinária espontaneidade. Dulcina de
necessária à mais perfeita interpretação dos dramas SNT, 1959,P' 14- 15.
68 Em Afonso Stuart er al., Depoimentos I, Rio de Janeiro: ME C/ Moraes (I9II-I996), contemporânea dos três, em
70 Sexo, Rio de Janeiro: A Noite, 1954,P·79· '
ou comédias então em voga. nAc/Funarte/SNT, 1976, P: 155 e 164.
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nada se identificava com nenhum deles, apesar de ter peare. Auxiliado por Ana Amélia Queiróz Carneiro Pelo que me lembro, os papéis menores, no filme, eram inter- escritora Maria Jacintha (1906-1994), mudava
se iniciado, praticamente, no palco na companhia de Mendonça (1896-1971), fundadora da Casa do pretados por antigos ateres ingleses que cantavam os versos. completamente a linha, indo buscar na França (por
de Fróes. Foi a primeira intérprete de seu tempo a Estudante do Brasil, partiu para a montagem de Detivemo-nos nos dois atores principais que uniam ao di- falta de alguma coisa nesse sentido na dramaturgia
buscar um estilo diferente de atuação. Uma crítica Romeu eJulieta. Não sendo um encenador, pediu zer clássico, a modernidade das atuações cinematográficas. brasileira), duas peças para atrair o público jovem.
publicada no Jornal do Brasil, e reproduzida na auxílio a Itália Fausta (18 80?-19 51), uma atriz que Ficamos fascinados com a inteligência de John Barrymore Iniciava-se, dessa forma, uma curiosa experiência
excelente biografia da atriz feita por Sérgio Viottí, na época contava a seu favor, praticamente, com (Mercutio), equilibrando-se entre a ironia e o sarcasmo no teatral: identificando-se os atores-arnadores com
chamava atenção sobre seu modo de interpretar: quarenta anos de teatro, iniciados no movimento mon6logo "0, then, I see Queen Mab hath been...". ° filme, suas personagens e problemas haveria uma aproxi-
''A vivacidade de seu temperamento que, de início filodramático italiano em São Paulo, tendo inclu- de certa forma, atenuava qualquer tendência grandiloquente mação, com uma interpretação mais natural, sem
a prejudicou, pois a impelia para o exagero, era um sive participado de uma companhia dramática, o que incorrigivelmente nos tentava. Nada de sotaque lisboeta e os ranças fáceis de serem cultivados.
indício seguro de sinceridade e, mais do que isso, Teatro Popolare, de Enrico Cuneo (na qual fora muito menos de "ponto" nos soprando as falas. Itália Fausta, Ao lado do TEB veio logo o Teatro Universitário,
alvíssaras de um feitio próprio":". protagonista de Giulietta e Romeo). Amadurecida, lutando contra nossa inexperiência - s6 Mafra Filho, que eu de Jerusa Camões, ligado a princípio à Escola Na-
Feitio próprio foi o que demonstrou em toda a passou para o teatro profissional com Cristiano de saiba, tinha conhecimento de teatro -, tornou como POnto cional de Música. Mais modesto em suas intenções,
sua carreira: alongava as vogais, pronunciadas com Souza (1864-1935) e Lucinda Simões (1850-1928). de partida nosso ardor juvenil. Era a nossa mocidade procu- sem que seguisse uma linha rígida de repertório, foi
esmero, desenhava com tintas fortes gestos e ex- Amou em textos clássicos, em peças de Sudermann, rando enfrentar a tragédia dos dois jovens contra a prepotên- responsável, juntamente com o TEB, pela formação
pressões fisionômicas, distanciando-se de qualquer Henry Bataille e D'Annunzio e não deixou de expe- cia dos mais velhos. Trabalhava com isso e com as marcações, de uma geração mais cultivada, apta a entender mais
interpretação naturalista mais simples. Se fôssemos rimentar as novidades do Teatro da Natureza, do desenhando a encenação". tarde as inovações do novo teatro profissional, que
definir seu estilo, teríamos que levar em conta uma Teatro de Brinquedo e do Teatro Escola de Renato ia se formando aos poucos pelo Brasil. O mais
espécie de mola propulsora, um dado essencial de Vianna. Era, naquele momento, ainda que por linhas o interessante é que a diretora, em notas pu- curioso em relação a essa geração formada no Rio
sua personalidade: o cultivo da fantasia. transversas, a pessoa mais qualificada para dirigir blicadas nos jornais, emprega o termo unificar, de Janeiro (havia alguns paulistas entre eles) e que
uma montagem de Shakespeare. De que forma agi- referindo-se ao trabalho dos atares, das danças seria uma das mais férteis da primeira geração do
ria a atriz? Escolhidos os intérpretes, Itália Fausta dos alunos de Maria Olenewa (1893-1965) e dos moderno teatro brasileiro, é que teve pessoas mais
Atores Amadores leu para eles o texto na íntegra. Distribuíram-se os alunos do Maestro Chiaíirelli (1881-1954) en- velhas como primeiros diretores. Sucedendo a Itália
papéis. Os ateres receberam suas folhas com a deixa carregados da parte musical. Não era comum essa Fausta orientava-os a atriz portuguesa Esther Leão
o que faltava ao nosso teatro, portanto, ao findar em vermelho e a fala completa, que lhes competia. preocupação, e os três meses de preparação possi- (1897-1971). Dela fala Sílvia Orthof (r çj 3-1997),
os anos de 1930, não era um desconhecimento da Tania Brandão, que possui o texto da encenação, bilitaram à montagem aproximar-se, de uma certa atriz da segunda fase do TEB: "eu aprendi muito
cena, mas uma cultura que fosse aplicada ao teatro, com suas respectivas anotações, informa que a "di- forma, de procedimentos modernos. com ela [...] ela nos dizia, por exemplo, que gesto
e sobretudo sentir como necessária a harmonização retora cénica' - como se intitulou a própria Itália Percebe-se, pelo repertório, que a ideia de Pas- ou inflexão deveríamos adotar para essa ou aquela
da encenação. Uma direção única que colocasse em Fausta - fez algumas mudanças de palavras na choal era encaminhar os estudantes ateres para os situação ou emoção":". Também Glauce Rocha
uníssono o trabalho dos intérpretes, do cenógrafo, tradução de Domingos Ramos, tornando-a mais clássicos ou românticos. A presença jovem, não (1933-1971) se lembra das lições recebidas:
do iluminador, e dos demais envolvidos, na fiel compreensível para os ouvidos brasileiros: "que destituída de talento, tê-la-ia levado a pensar em
transposição da obra dramática. E, finalmente, um me piquem e verão como me mexo" foi trocado um resgate de uma tradição interrompida, desde a Lembro-me do que nos ensinava Esrher Leão: sentar, le-
repertório mais sério, e bem acabado. por "Eles que me toquem e... verão com quem se morte de joão Caetano (1808-1863), e sempre la- vantar, caminhar, desenho da figura, posição dos pés, das
Coube ao movimento amador, pouco a pouco, metem"; "nossos amos" foi mudado para "nossos mentada pelos bem-pensantes? É o que parece pela mãos. Vejo-a ainda lutar e lutar conosco, ensinando-nos
impor outros princípios. Grupos amadorísticos patrões"; "mentis! ': por "mentiroso!" e uma série de escolha dos textos: Gonçalves Dias, Edmond Ros- o abc. Quem passou por suas mãos, se tinha vocação, tem
sempre existiram, pelo Brasil afora, divertindo ou outras alterações benéficas. Quanto às marcações tand, Alfred Musset, José de Alencar e novamente sempre em si a lembrança da mestraõ.
mesmo clareando ou propalando ideias novas.Mas do texto, eram as costumeiras: "entram a DA [di- Shakespeare, quando, de volta ao Brasil, em 1948,
o que aconteceu, a partir de 1938, foi um processo reita alta]': "ficam no terceiro plano EA [esquerda idealizou a montagem de Hamlet, preparada em É certo que alguns de seus discípulos herdaram
organizado. Arriscar-se competia àqueles que de alta]". No plano da iluminação, Itália Fausta co- grande parte, em local apropriado, fora do centro, dela certa rigidez no falar e nos gestos. Outros
certa forma estavam livres dos problemas eco- locou uma observação a ser seguida no início do em uma enorme casa no alto da Tijuca. uniam à desenvoltura que tiveram que aprender,
nômicos e disponíveis aos acertos e erros, coisas espetáculo: "Dia: Mancha de sol; toda luz". A verdade é que em 1938-1939 não havia ainda prestando atenção nas "deixas" e nos movimen-
praticamente proibitivas para o teatro profissional. Conforme o depoimento de Sônia Oiticica um ambiente favorável para a aceitação desse re- tos em cena, uma naturalidade trabalhada, mais
Tudo teve início quando Paschoal Carlos (19 I 8-2007), os ateres mais aplicados, que- pertório, que nem se mostrava tão atraente. Mais próxima do comportamento cotidiano, como
lvlagno (1906-1980), cônsul em Londres, voltou rendo ter uma ideia completa do texto, correram parecia um repertório de escola, para formar foi o caso de Mário Brasini (1911-1997) e Vanda
ao Brasil e resolveu fazer aqui o que vira em Oxford às livrarias atrás da edição da Lello. "Fizemos atares pretensamente clássicos. Tanto assim, que
73 Sílvia Orthof Dionysos, Rio deJaneiro, lvíEC/SNT, n, 23, ser.
e Cambridge: estudantes representando Shakes- questão de assistir ao filme da Metro, com Les- dois anos depois o TEB, agora sob a direção da 1978, p. 100.
lie Howard e Norma Shearer", informa Sônia, 74 José Ocravio Guizzo, Glauce Rocba.Arriz-Mulber-Guerreira,
71 Dulcina e o Teatro de Seu limpo, Rio deJaneiro: Lacerda, São Paulo/Mato Grosso do Sul: Hucirec/Editora da UFMS, 1992,
acrescentando:
2000, P: 172. 72 Depoimento à amora em 5 de janeiro de 2005. P·I74- I75·

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Lacerda (1923-2001), que - talvez pela atuação francês certamente nortearam os rumos do teatro
É encontrar o tom, o clima, o estado de alma que levou o quer com os "alunos" chegar ao fundo dos caracteres
em cinema - se aproximavam, nos anos de 1940, moderno brasileiro (amador ou profissional) até os
poeta à concepção de sua escritura, fonte viva e fluxo que e das situações. Leva horas explicando o significado
de uma maneira nova de atuação. É que, também, anos de 195 o. Por outro lado, a presença de Louis
deve atingir e enervar o espectador e do qual o autor mesmo de cada palavra, de cada parágrafo do texto. Com
quase no anonimato transitavam intérpretes que, jouvet (1887-1951), em duas temporadas em São por vezes não tem ciência, nem consciência", minúcias, explica o sentido de uma peça, até então
por intuição ou estudo, tinham noção de alguns Paulo e no Rio de Janeiro, em 1941 e 1942, tornou
só apreendido pelos atores quando subiam ao palco.
aspectos do teatro moderno e de certa forma tor- ainda mais próxima a difusão das ideias de Copeau, Era o que Jorge de Castro, Luiza Barreto Leite Ajuda-os a encontrar a mais profunda essência da
navam-se mentores de seus colegas. O ater-amador de quem ele fora discípulo. Resumindo, os grupos
(1912-1966), Santa Rosa (1909-1956), Brutus Pe- personagem. ,Temmais conhecimento do que Esther
Mafra Filho, pertencente ao primeiro elenco do amadores do Rio, São Paulo, Recife, Porto Alegre dreira (1904-1964) e um pouco depois, Agostinho Leão, sem dúvida, mas impõe um estilo expressio-
TEB declarava, em 1938, ser um cultor de Firmin poderiam, se ainda não o tivessem feito (alguns já Olavo (1919-1988), Gustavo Dória (1910-1979), nista, que assusta aos que procuram a naturalidade,
Gémier (1865-1933) e Stanislávsk:i (1863-1938). o faziam), sonhar em colocar em prática as palavras Adacto Filho (?-1963) tentavam, a duras penas, ver fugindo de um tom declamatório, às vezes ainda
Sadi Cabral descobriu no encenador russo, nos do diretor francês: "Para começar, o importante surgir no Brasil, através dos Comediantes. A Ver- em uso. Suas encenações são lemas e os amadores
anos de 1940, um apoio teórico ao seu empenho não é valorizar indivíduos excepcionais, mas reunir dade de Cada Um, de Pirandello, peça de estreia, copiam sua maneira de representar. Afirmará mais
em ser o mais verdadeiro possível em cena. Culti- e instruir uma equipe em torno de ideias comuns":". teve um preparo em nada comum com as monta- tarde, em depoimento à revista Teatro Brasileiro:
vava essa maneira de interpretar influenciado por Mais do que isso, ainda segundo Copeau, era pre- gens na época: Brutus Pedreira estudou o texto, fez
Apolônia Pinto e Manoel Durães, ateres de uma ciso renovar os processos de encenação, abri-la para marcações para cada uma das cenas, em gráficos, Eram amadores e eu tinha obrigação de apresentar espe-
geração que o precedera e com quem atuara. Sadi grandes poetas (como chamava os dramaturgos) e e entregou a encenação toda escrita para Adacto táculos teatrais, com interpretação de verdadeiros ateres.
recorda-se de "dicas" de Apolônia que o fazem concomitantemente fazer do ator um ser pensante, Filho realizar os ensaios. Lembra Gustavo Dória: Como podia resolver o problema? Não dirigindo, mas
pensar num Stanislávsk:i para principiantes, mas consciente de seu valor, senhor dos instrumentos ensinando. Dando-lhes a minha técnica para suprir o que
que demonstravam a acuidade da atriz: "Não se que fazem a sua arte, moldando-o sempre, à me- Era preciso, contudo, evitar a caricatura. Ora, num elenco não podiam alcançar. Assim os que não eram atores só
afaste dos outros ateres: preste atenção na leitura, dida das inovações cênicas. de elementos jovens, por mais talentosos que fossem eles, poderiam representar aderindo às pressas a uma técnica
anotando tudo que acontece [...] em tudo que os Os Comediantes, grupo amador surgido junta- seria pretender demais exigir-lhes comportamento que so- pronta, que era a minha. Mais tarde quando se formaram
outros dizem, tem sempre uma coisa que vai mos- mente com o TEB, mas só amando a partir de 1940, mente um aprendizado técnico de boa formação seria capaz ateres, a partir do núcleo que criei, já pude dirigi-los sem
trar a você quem você é"75. tentará executar, em parte, o ideário de Copeau (já de produzir. Exigir-lhes um comportamento cênico de gente vestígio meu. ~anto à lentidão dos meus espetáculos, era
A atríz Beatriz Segall, sua aluna no Curso Prá- citado anteriormente por Álvaro Moreyra e Renato do interior italiano através apenas de um condicionamento não só proveniente do meu temperamento eslavo como da
tico de Teatro organizado pelo Serviço Nacional Vianna como inspirador de seus "brinquedos" e físico, era também querer pouco. Resolveu-se então que a inexperiência dos jovens ateres, que para arrancarem algo
de Teatro o vê como um pioneiro. Além de impor "batalhas"). Mais sofisticado do que seus colegas apresentação do espetáculo recuaria a ação para o tempo em de si, precisavam de tempo na transmissão da personagem
uma disciplina férrea, um devotamento à cultura estudantes, com possibilidades de realização bem que a peça foi escrita, de acordo com pesquisas feitas. Com ao público";
e respeito ao espetáculo, Sadi "já nos falava de Sra- maiores, amparados por intelectuais e artistas plás- isso, evirar-se-ia uma identificação com gestos e atitudes de
nislávski: nos colocava no palco, improvisando, ticos, Os Comediantes procurariam erguer o teatro hoje, com a ajuda de móveis e vestuários, sem cairmos num O crítico Décio de Almeida Prado (1917-2000),
obrigando-nos a fazer exercícios excelentes bem ao nível das outras artes, tirando-o de uma engrena- possível abrasileiramento, hábito contra o qual lutávamos". a propósito de uma encenação de Ziembinski, já no
próximos aos laboratórios dos anos de 1960"76. gem envelhecida. Buscava-se - seguindo o modelo Teatro Brasileiro de Comédia, nos dá um apanhado
Isso, na certa, influenciou seus alunos e alguns de francês - um novo repertório e um modo mais atual o trabalho com os ateres, suas mudanças e pro- sobre o que realmente o diretor polonês significou
seus colegas ansiosos para fugir da rotina. Todo de montar peças, obedecendo-se à direção, única res- gressos iriam acontecer com Zbigniew Ziembinski para nós, no que diz respeito à arte do intérprete:
esse caminho percorrido, muitas vezes entre con- ponsável pelo todo do espetáculo. Não que os outros (19 08-197 8), refugiado da Segunda Guerra, que
tradições, surgidas justamente no momento em que grupos amadores não seguissema mesma orientação. chegou ao Rio de Janeiro em 1941. Em 1943 já Quando Ziembinski surgiu com Os Comediantes, os nossos

eram obrigados a transformar em prática a teoria Seguiam, mas o resultado final foi muito mais ter estava com Os Comediantes, tendo antes passado atores pouco interpretavam o texto. Punham amais uma bar-

aprendida, rumava em direção aos movimentos trazido uma juventude informada para o ambiente pelo Teatro Universitário, de Jerusa Camões, sendo bicha, uma cabeleira postiça, usavam essa ou aquela roupa,

mais organizados e atuais, que iriam contar em profissional do que investir na reformulação da in- responsável pela montagem de.À Beirada Estrada, conforme o papel, mas no fundo, permaneciam sempre mais

breve com mentores mais bem informados. terpretação e da encenação, pondo em prática um de Jean-Jacques Bernard. A contratação de Ziem- ou menos idênticos a si mesmos. Tudo isso Ziembinski mu-

Aos poucos, ficávamos em dia com o teatro repertório internacional, ou mesmo brasileiro, de binski por grupos amadores vem provar que os dou radicalmente. O seu método incluía dois momentos.

moderno europeu, através da figura de Jacques qualidade. Muitos já tinham como livro de cabeceira futuros ateres já compreendiam que necessitavam Em primeiro lugar, o ator, guiado pelo encenador, procurava

Copeau (1879-1949), fundador do Théâtre du o Réflexionsdu cornédien, de Louis Jouvet: de diretores inovadores para que pudessem defini- aprender a essência íntima da personagem, embora com o

Vieux Colombier, em Paris, e profundo conhece- tivamente fazer progredir a sua arte. perigo de reduzi-la a uma ideia única. Depois exteriorizava
Ziembinski assusta um pouco os moços, quando ao máximo, projetava ao máximo essa imagem. Uma e
dor e reformulador de tudo quanto se fez de re- Encenar, enfim, é servir ao autor, assisti-lo por meio de uma
inicia seus trabalhos com Os Comediantes. É lento, outra coisa poderiam resultar num certo esquematismo
volucionário em teatro. Os princípios do diretor total e cega devoção, que faz amar sua obra sem reservas.

78 Paris: Librairie Théâtrale, 1985, P: 21 I.


75 Sadi Cabral, em A. Stuart et al., op. cit., P: 12.2..
79 Moderno Teatro Brasileiro, Rio deJaneiro: SNT, 1975, P: 7 6. 80 Ziembinski, Teatro Brasileiro, SãoPaulo,n. 5, mar. 1956, P: 6.
76 Depoimento à autora em 10 de novembro de 2.003. 77 Georges Lerminier,Jacques Copeau, Paris: PUF, 1953, P: 57.
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bisonhos, nem convencionais. Bastava-lhes ouvir o tida, como por exemplo emA Bill ofDivorcement
psicológico e mesmo teatral. Mas a revolução foi utilís- de temperamentos opostos, souberam guardar seus que o novo díretor tinha a dizer, aparando arestas e (Divórcio), de Clemence Dane - contenção essa
sima porque disciplinou nossos ateres, obrigando-os a ensinamentos. Os dois primeiros, na beleza que discutindo caminhos. que a guiava para uma modernidade ainda não
um esforço de interpretação, e também porque representava pode ser extraída de uma fala assimilada, contida; O teatro brasileiro caminhava para uma moder- adquirida inteiramente pelos nossos intérpretes.
certas tendências modernas, entre as quais o expressionismo o terceiro, mais terra, mais corpo, mais regionalista nização efetiva. Procópio Ferreira já tinha experi- Convém lembrar que mais uma vez, em 1948,
alemão, que não devíamos continuar a ignorar'. na atuação, procurando a todo custo laivos de be- mentado duas encenações de Moliêre, juntando pouco antes da fundação do Teatro Brasileiro de
leza no~gesto-;-no falar cotidiano. antigos profissionais com elementos do TEB. Da Comédia, em São Paulo, Paschoal Carlos Magno
Sem, contudo, tocar na questão do expressio- Ruggero Jacobbi (1920-1981), outro diretor mesma forma Dulcina de Moraes, em 1944, mudara vai ressuscitar o TEB, novamente com Shakespeare,
nismo teatral, também o depoimento de Walmor estrangeiro de grande importância para a nossa completamente o rumo de sua Companhia, organi- agora não mais sob a influência íralo-portuguesa-
Chagas é esclarecedor, na medida em que é um ator história teatral, chegou ao Rio deJaneiro em 1946. zando o chamado Teatro de Arte, com Odilon Aze- -brasileira de Itália Fausta, mas entregando seus
que trabalhou sob a direção de Ziembinski: Italiano, não vinha da Academia de Roma, como os vedo (1904-1966) e Maria jacintha, contando, no ateres, na primeira apresentação da temporada,
outros chegados mais tarde a São Paulo. Fora discí- elenco de apoio, nas montagens de Bernard Shaw e a um europeu, o diretor alemão Hoffmann Har-
Aquela geração aprendeu com Ziembinski que o cérebro pulo de Anton Giulio Bragaglia (1890-1960), de Federico García Lorca, com atores do teatro amador nisch (I 893 - I 9 65). A encenação de Hamlet,
comanda o ato de representar. Era o rompimento com a escola totalmente oposta ao diretor Silvio D'Arníco, (Ribeiro Fortes, Mílton Carneiro, Nelson Vaz, Da- longamente preparada, propiciará aos jovens um
linha do teatro português de outrora, tão parecido com o este um seguidor de Copeau, naquilo que foi a nílo Ramirez, Pedro Veiga e Geraldo Avelar). Essa contare mais prolongado com o expressionismo,
teatro infantil do Brasil de hoje, que continua utilizando crença maior do mestre francês: o respeito ao texto. fusão de elementos novos, com o grupo de Dulcina ou seja, uma interpretação bem longe do realismo
mais o corpo do que a mente para a composição das per- Bragaglia era pelo "teatro teatral': buscando sem- (Conchita de Moraes, Aurora Aboim, Sadi Cabral, banal, voltada agora para uma trabalhada extro-
sonagens. Foi assim que Ziembinski nos ensinou. Era para pre uma linguagem na qual a sujeição ao texto não e a própria Dulcina, como diretora), veio juntar versão quase chegando à exaustão, voz e gesto
isso que serviam suas famosas pausas polonesas. Para apren- fosse uma imposição. Ruggero soube adaptar-se ao duas gerações, duas heranças propriamente: a tra- atingindo o espectador. A figura mais importante
dermos deixar fluir o pensamento que irá deflagrar a fala nosso teatro nascente. Não seria tão radical. Uma dição portuguesa e a aspiração pela modernidade, desse grupo foi sem dúvida Sérgio Cardoso (1925-
seguinte. Em teatro se chama "tempo"!'. declaração sua é esclarecedora: apenas vislumbrada, tendo por base o conhecimento 1972), saudado pela crítica como a maior vocação
de alguns, mas que Ziembinski, Turkow; Ruggero e trágica, depois deJoão Caetano. Voz, gestualidade
o expressionismo, referido por Décio, abran- o teatro é equilíbrio entre texto e espetáculo. A ausência de
mesmo Dulcina buscaram ampliar. e uma profunda tragicidade vinda de um tempe-
dando-se, abrasileirando-se, vamos dizer assim, ser- um desses dois valores rebaixa automaticamente o próprio
É bem verdade que no início dos anos de 1940 ramento especialíssimo surpreenderam plateias e
viu bem mais tarde aos ateres "rodrigueanos', cujo valor estético. Com essa diferença, porém a peça que só
aparece Bibi Ferreira, filha de Procópio, nossa pri- críticos. Seria um jovem de vinte e três anos, de
exemplo melhor será Fregolente (1912-1979). O existe no livro é algo morto, ao passo que o espetáculo que
meira atriz moderna, surgida por obra e graça de talento inato apenas burilado pela rápida passagem
que podemos ainda acrescentar é que Ziembinski se só vale por si mesmo contribui, ao menos, para o progresso
uma tradição teatral e de uma paradoxal formação pelo amadorismo e por um díreror estrangeiro, o
mostrou sempre sensível ao belo. Seu encanto pela . da arte de representarê'.
com uma atriz francesa, radicada no Brasil, Hen- ator capaz de enfrentar um esplêndido repertó-
beleza da cena vinha certamente de impressões da
riette Risner Morineau (1907-1997), une bête de rio que começávamos a conhecer? O entusiasmo
infância vivida na Polônia. Encantado, observava Antes de se transferir para São Paulo, Ruggero théâtre, como se dizia nos velhos tempos. Embora causado pelo êxito de Hamlet conduziu-o ao
e fixava na memória a visão das minas de sal de sua Jacobbi fez sua estreia no Rio. Dirige, em 1947,
dando às personagens um tom demasiadamente profissionalismo. Ele à frente e mais Luiz Linha-
terra, seu "primeiro mundo de fantasia: ambiente para o Teatro Popular de Arte, Tobacco Road (Es-
enfático, Morineau mostrava-se muito segura em res (1926-1995), Jayme Barcellos (1930-1980) e
de uma extrema beleza, de um encantamento de trada do Tabaco), com ateres egressos das últimas
transmitir aos ateres jovens a arte de "dizer bem" e Sérgio Britto (1923-2011) formarão uma com-
raio, de luzes, de formas"!'. Esse encanto, cultivado experiências de Os Comediantes. Esses ateres, uma postura em cena, digna de quem escolheu uma panhia, trazendo os elementos femininos, Beyla
e transposto para sua arte, beneficiará encenações "descendiam': portanto, de Ziembinski, mas com profissão não distante de uma singular realeza. Bibi, Genauer, Zilah Maria e Ruggero Jacobbi como
e ateres. Transmitiu aos seus aprendizes um gosto passagem porZigmuntTurkow (1896-1970), tam-
excepcionalmente inteligente, soube tirar partido diretor, Criou-se, assim, o Teatro dos Doze, em
apurado e uma exigência do belo, difíceis de serem bém um refugiado, que havia dirigido para o grupo
de tudo isso, e, acrescentando um conrato com ato- 1949. Interessante foi a orientação de Ruggero a
encontrados antes dele no teatro brasileiro. Isso a adaptação para o teatro do livro de Jorge Amado,
res ingleses da Royal Academy ofDramatic Art de Sérgio Cardoso. Já apaixonado pelo Brasil e pela
permanecerá como marca em seus discípulos, em Terras do Sem-Fim. Bem diferente do encenador Londres, deu-nos a primeira impressão organizada sua cultura, o encenador tenta, na montagem de
todos os momentos de suas carreiras, ainda que já polonês, Turkow paurava-sepor dar aos atores maio- do que significava o representar moderno: a inte- Arlequim Servidor de Dois Amos, de Goldoni, uma
distantes do mestre, mas profundamente enrai- res liberdades, fazendo-os se sentirem mais livres e riorização guiando o desenho exterior, afastando-a ideia que espantará os moços e que seria sempre
zado, se impondo em seus momentos de criação. estimulados para um diálogo com o encenador, no
de qualquer afetação. Não chegou a isso através de uma preocupação sua, nem sempre aceita:
Walmor Chagas, Margarida Rey (1924-1983) e período da criação do espetáculo. O trabalho de um repertório excepcional. Os textos apresentados
Stênio Garcia, seus mais fiéis seguidores, embora Ruggero foi quase sequencial. O elenco de Maria
em seu início de carreira eram aqueles que se adap- No meuAdequim, de 48, a maior dificuldade foi a de con-
Della Costa se esforçavapara atuar dentro de novas tavam ao seu físico e graciosidade: La Locandiera vencer o esplêndido Sérgio Cardoso a deixar um pouco
81 Apud Yan Michalski, Ziembinski e o Teatro Brasileiro, São regras. Não se tratava, portanto, de ensinar ateres (A Estalajadeira), de Goldoni, Scampolo, de Dario de lado suas preocupações de elegância e a não fechar a
Paulo: Huclrec/xrsc/Funarre, 1995, p. 222.
82 Walmor Chagas, Autobiografia não publicada, 2006.
Niccodemi, até passar a uma dramaticidade ccn- porta aos esplrítozinhos nacionais do moleque negro, do
84 Apud Berenice Raulíno, RuggeroJacobbi: Presença Italiana
83 Y. Michalski, op. cír., P: 446. no Teatro Brasileiro, São Paulo: Perspectíva/Fapesp, 2002, p. 79.
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História do Teatro Brasileiro • volume 2

particularidade, de certa forma ligada ao modo de leituras e viagens ao exterior. Estavam, portanto, a
sací-pererê, do dançarino grotesco índio, do carioca carna- tes localidades, partindo sempre de um repertório ser de sua terra. Deixando suas cidades à procura par da modernidade teatral. Dotados de um gosto
valesco. O resultado foi também estupor". mais exigente, foram aos poucos influenciando o de realização profissional, conseguem, pela troca apurado (principalmente Alfredo Mesquita), pa-
surgimento de um novo tipo de ator!amador mais de experiências, contribuir para a formação de uma cientes e devotados ensaiavam seus ateres/amado-
Tudo levava a crer que o grupo (já poderíamos preparado, apto a entender e passar para o público leva de intérpretes de significado ímpar, uma vez res, dentro dos princípios mais atualizados: leitura
começar a usar o termo i) seria, pelas disposições de as mais variáveismanifestações da dramaturgia. No que acrescentavam matizes extremamente enrique- minuciosa do texto, conhecimento detalhado do
Ruggero, um conjunto com características muito Recife, o Teatro de Amadores de Pernambuco, o cedores aos artistas dos centros maiores. Floramy dramaturgo escolhido, geralmente um estrangeiro,
próprias. Havia muito que exigir dos ateres nas vá- Teatro Universitário e o Teatro do Estudante de Pinheiro (1927-1988), vinda como bolsista do go- clássico ou moderno. Os elencos formavam-se,
riasfacetaspoéticas escolhidaspelo elenco:o clássico Pernambuco, cada um a seu tempo e à sua maneira, verno goiano para a Escolade Arte Dramática de São portanto, como os demais existentes no Rio e em
William Shakespeare, o americano MaxwellAnder- tiveram um papel decisivo na formação de ateres Paulo, acrescenta ao porte sisudo do ater paulista Recife, no repertório estrangeiro, utilizando-se
son, o popular Goldoni e a brasileira Lúcia Bene- em padrões mais elevados. O TAP, egresso do grupo a doçura daqueles que vivem longe das agruras das muito pouco do repertório brasileiro, insuficiente
detti (I9I4-I998), autora do texto que dedicavam Gente Nossa, existente desde I93 I, sob a orien- grandes cidades; Zé Luiz Pinho, Geraldo Del Rey na época para suas metas de trabalho. No entanto foi
ao público infantil. A junção de jovens - já bem tação de Samuel Campelo (I889-I939), passa a (1930-1993), Othon Bastos, Sebastião Vasconcelos desejo de todos eleso aparecimento urgente de uma
distantes do ranço do velho teatro - com um dire- partir de I94I, dirigido por Valdemar de Oliveira (os exemplos seriam muitos) trazem, do Nordeste dramaturgia brasileira que pudesse ser incorporada
tor estrangeiro, mas que demonstrava um fascínio (I 900- I 977), a ser um grupo suigeneris, lembrando para o Sul, um tipo de atar que em conrato com a aos seus planos de montagem.
pela nossa cultura, incentivaria novos caminhos, as trupes familiares, muito comuns em cidades bra- exuberância cariocae a contenção paulista vai mistu- Alfredo Mesquita apresentou, entre os clássicos
talvez diferentes dos traçados em São Paulo. Não sileiras. O núcleo central era formado pela família rar a altivez nordestina com essessabores centro-sul, e os modernos, Heffeman, um texto de sua autoria,
teria Ruggero Jacobbi o desejo de moldar nossas Oliveira e isso sem dúvida garantiu vida longa e resultando daí um ator tranquilo e seguro. Os do A Bailarina Solta no Mundo, de Carlos Lacerda
ainda que escassas tradições, fossem elas eruditas persistência. A boa acolhida junto ao público e o extremo sul trazem um certo distanciamento, um (1914-1977), e viu surgir no seu grupo - o Grupo
ou populares, aos novos modelos de interpretação? entusiasmo e trabalho contínuo da iniciativa ani- olhar crítico exacerbado que irá temperar qualquer de Teatro Experimental, criado em 1942 - um autor
Infelizmente, após a realização de quatro monta- maram a criação de outros grupos, o TEP e o TU, arrebatamento mais ousado. É o caso de Walmor essencialmente paulista: Abílio Pereira de Almeida
gens, vencidos pelas dificuldades económicas, por exemplo. O primeiro, sob a direção de Hermilo Chagas, cuja discrição e leve distanciamento foi al- (1906-1977). Tal qual na experiência de Álvaro
praticamente todo grupo vem para São Paulo, Borba Filho (I9I7-I976), devotado a um público gumas vezes mal entendido pela crítica. Esse traço, Moreyra, no Rio deJaneiro, quase vinte anos antes,
absorvidos, uns pelo Teatro Brasileiro de Comé- que nem sempre conhecia as atívidades teatrais, e tão elogiável, quando trabalhado mais tarde pelos di- o primeiro texto desse autor, Pifpaf, exigiu dos ato-
dia, fundado precisamente há um ano, outros por o segundo, com interrupções, chegou aos anos de retores e pela maturidade do intérprete, foi tomado, res um exercício de interpretação muito próximo,
novos conjuntos, que iam sendo formados no Rio I960, com um repertório predominantemente na- a princípio, como displicência ou timidez. na fala e no gestual, ao comportamento cotidiano
e em São Paulo. Mas, em definitivo, o centro teatral cional. Os grupos do Nordeste, apoiando uma nova Rio de Janeiro e São Paulo seguiram caminhos (embora alguns dos ateres tivessem certa afetação
era agora a capital paulista, resultado das excelentes dramaturgia, nos trouxeram, através dos "gritos da paralelos, nas tentativas de mudança em direção ao no falar paulista da classe média altajMas, de um
realizações e ótima repercussão do novo TB C. terra': uma poética encantatória e ao mesmo tempo teatro moderno e consequentemente na formação modo geral, o ator/amador em São Paulo era avesso
reivindicativa, com características muito próprias de seus intérpretes. Diferenciavam-se, certamente, a qualquer forma de teatralidade. Paulo Autran
que viriam a influenciar não só dramaturgos de na maneira de atuação. Não tivemos em São Paulo, (1922-2007), que estreou no grupo de Madalena
Amadores de Outros Estados outros Estados como a maneira de atuar de nossos no movimento amador, nenhum Ziembinski que Nicol, fala muito claramente sobre isso:
Acrescentam Suas Peculiaridades aos ateres. Acrescente-se que surgiram, por todo o trouxesse para os atuantes aquele contorno mais
Atores Paulistas e Cariocas Brasil, entre estudantes ou simplesmente adeptos rígido, aquela exteriorização que poderíamos até Nós todos pensávamos no que víamos no cinema inglês.
da arte de representar, grupos das mais variadas chamar de violenta. Jardel Filho (1927-1983) é um Aquela sobriedade, aquela contenção, quer dizer, ao amador
Ziembinski solidificou o trabalho de Os Come- tendências, além dos citados grupos de Recife: o exemplo. Os amadores paulistas pautaram-se pela paulista repugnava o gesto teatral, a voz teatral. Nós todos
diantes da mesma forma que Paschoal Carlos Teatro do Estudante da Paraíba, o Teatro de Ama- naturalidade em cena, muito própria da maneira tÍnhamos uma certa preocupação de nos colocarmos bem
Magno foi a alma do TEB e suas manifestações dores da Bahia, a Agremiação Goiana de Teatro, paulista de ser.Tiveram, como seusprincipais men- em cena, com absoluta naturalidade, uma naturalidade que
posteriores. Esses dois grupos, devido ao sucesso e o Teatro do Estudante do Paraná, orientado por tores, nos anos de 1940: lvfadalenaNicol (?-1996), talvez não fossea naturalidade teatral, não sei.Então quando
divulgação de suas atividades, motivaram, em ca- Armando Maranhão, e o Teatro do Estudante do exímia cantora; Alfredo Mesquita (1907- I 986), um cheguei aqui no Rio, quando comecei a ensaiar minha pri-
pitais ou cidades interioranas, não só o surgimento Rio Grande do Sul, de Guilhermino César, a Co- excelente contista, dramaturgo e animador teatral; e meira peça profissional [...] a peça começava e começa até
de associações amadorísticas, como renovaram e média da Província, o Teatro de Equipe, o Teatro Décio de Almeida Prado, um professor de filosofiae hoje com um discurso do Anfitrião, que era o meu perso-
deram ânimo às já existentes. Muitas organiza- Universitário, sediados em Porto Alegre. mais tarde crítico teatral. Com exceção de Alfredo nagem: "Tebanos ...".Lembro-me de uma discussão incrível
ções mandaram vir dos centros mais adiantados Os grupos citados dessasvárias regiões, cada vez Mesquita, que nos anos de 193o organizara espetá- que tive com o díretor Silveira Sampaio porque eu fazia o
teatralmente diretores experientes, que dirigindo mais amadurecidos pelo trabalho no palco, come- culos com elementos da sociedade e em 1936 tivera discurso como se estivesseconversando dentro de casa com
ou promovendo encontros e palestras fortaleceram çam a formar seus artistas e muitas vezesa "exportá- uma peça representada por Procópia, os outros dois algumas pessoas [...]. "Não, Paulo, mais forte! - Faz isso.
a atividade teatral. Os grupos amadores das diferen- -los"para o Rio deJaneiro e São Paulo. Cada região iriam jogar com seu entusiasmo e alimentá-lo com . Você se lembra que é um general, você está do lado de fora".
85 Idem,P: 76.
imprime aos seus ateres, mesmo amadores, uma
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Hist árin do Teatro Brnsilciro • volume 2 + A Modernização do Teatro Brasileiro (1938-1958)

tou quando viu a caracterização feita por Cacilda formou-se pela Academia de Arte Dramática de
Becker (1921-1969) para a personagem Brísida Roma, dirigida por Silvio D'Arnico (1887-1955),
Vaz, no Auto da Barcado Inferno, de Gil Vicente. professor, crítico de teatro e autor de Storia del
Envelhecera o rosto, as mãos, de uma forma que teatro drammatico, em quatro volumes. D'Amico
lhe pareceu "antiga", mas nada pôde fazer porque a era um grande seguidor de Jacques Copeau e, por-
atriz conhecia mais as artes do palco do que ele. A tanto, conhecedor das teorias de Stanislávski. O
caracterização funcionou, tal qual o gritO de Paulo novo direror vinha, pois, seguro de suas intenções
Autran, provando que a vida apresentada no teatro e com conhecimentos mais do que suficientes
oferece oportunidade para ligeiras transgressões e para um empreendimento que no fundo somaria
que uma pitada da exuberância que julgavam antiga àqueles já existentes em outras capitais, dispostos
contribuía para a formação de suas carreiras. "a insuflar ao teatro nacional um novo sopro de
vida', como firmavam os noticiários, ao tratarem do
assunto. Em 6 de fevereiro de 1949, o Diário de São
Mestres Encenadores no Teatro Paulo passa aos seus leitores uma entrevista com
Profissional Celí, na qual ele relata os princípios de encenação
que iriam reger suas momagens:
A boa acolhida dos três grupos paulistas (havia um
quarto grupo, o dos amadores ingleses), contras- o teatro moderno é um teatro orientado para o mais puro
tando com a falta de teatros que lhes impedia ativi- realismo. O teatro atinge sua própria essência através de
dades contínuas, levou o industrial Franco Zampari uma simplicidade realística, uma espécie de realismo "fí-
(1898-1966), em acordo com Francisco Matarazzo sico", sem contudo chegar ao expressionismo. O verdadeiro
Sobrinho (1898-1977) a adaptar um prédio que os realismo, aliás, é o do teatro, não o da vida. Na vida o rea-
abrigasse para que, em programações alternadas, lismo se apresenta, e ninguém ousa negá-lo, com os maiores
pudessem dar conta de uma atividade teatral inin- defeitos. No teatro os defeitos são corrigidos e o realismo
terrupta. Uma vez concluída a adaptação do prédio se apresenta artisticamente. Isso quer dizer que o teatro
Paul o A ur ran, cm cena de rlrs énicac / /(j:IZl'7IlIl , 19 5 I .
e iniciada a programação, após alguns espetáculos corrige a vida: por conseguinte a "vida" está "realmente"
chegou-se à conclusão da impossibilidade de uma no palco e não na vida.
organização desse tipo, contando com um conjunto
Eu o lhava para ele e di zia assim co m igo : Eu não vo u fazl:r um -po érico, im p o sto pela dirc çâo , não di sfarçava o de amadores. O empreendedor Zampari resolveu Para o espetáculo de estreia, e para se sentir mais
papel rid ícul o desses! Vou faze r co mo sei. Vou dizer "Tcba- dram át ico di a a d ia dos "sem so rte na vid a", Com profissionalizar o elenco, convidando alguns dos in- seguro, Celi escolhe um texto que já havia montado
no s" com toda calma c tod a co nten ção possíveis". sensib ilid ade e d el icad eza Nydia Lic ia fez sua est reia tegrantes amadores dos grupos que se apresentaram na Itália, The Time ofYourLift, de William Saroyan,
no teat ro, secun d ad a p or Caio Caiu by (q ue p oder ia para fazerem parte da nova organização. intitulado aqui, como Nick Bar. .. Álcool, Brinque-
A té qu e u m di a, so b pressão do ele nco, A ur ran ter sido o primeiro gra nde ato l' m od ern o surgido em Da noite para o dia, São Paulo teve um palco, dos,Ambições. O texto, romântico-poético, serve aos
reso lveu fala r m ais alto, qu eb ra ndo sua prud ên cia São Paul o), exp lo rand o as qu alidad es d o intérprete de dimensões pequenas, mas um teatro bem apa- ateres, na sua maioria pertencentes aos três grupos
de ato l' pau lista , preocupado co m as for ma s m ai s pauli st a, o bse rv ad as com just eza p or Paul o Autran : relhado, e os ateres passariam a contar, ao se tor- amadores. O resultado é surpreendente e o crítico
m ode rnas de representar. di scri ção , co n te nçâo, m edida ju sta no gesto e n o f~l­ narem profissionais, com segurança económica e Décio de Almeida Prado, n' OEstado de S. Paulo de
Co ntid o em suas d ire ç óes ta m bé m era A lfre do lar. âo rest a dú vid a qu e tud o surgiu d o receio d o s artística, possibilitando-lhes um trabalho em se- 12 de junho de 1949, faz uma interessante observa-
Mesq u ita. Quando, po uco antes d a fu n d ação d o di rcto res amadores d e São Paul o . não t âo seg uros quência e consequentemente um desenvolvimento ção sobre a direção, tocando no pomo já assinalado
TB C. em 1948 , apresento u fi k /mgml da Vida. n a p rática, d e ver rep et id os aq u i ce rr as arrou b os profissional, inédito até então em São Paulo. Para por Paulo Autran, e que vem indicar uma possível
d e Ten nessee \X1illiams, os ato rcs por ele dirigidos, em dem asia - aq uela tendên cia d os at ores de serem que tudo tivesse um caráter realmente profissional, mudança no comportamento dos ateres:
N ydia Licia, Ca io C a iu by ( 19 2 1- I 9 79) , A b ílio m ais exp ressivo s d o qu e o n ecessár io , co m o se via Zampari contratou um diretor italiano, Adolfo
Pere ira de Almeida e Marina Fre ire ( 19 0 6 - 19 73 ) principalmente n o vel ho tea tro carioca . Celi (1922- I 986) que no momento encontrava-se O trabalho dos amadores paulistas já vinha sendo de pri-
se aproxi mara m d as p er sonagen s criadas p elo aur a r Fo i sem dú vida d evido a isso qu e D éci o d e em Buenos Aires. Celi chegou ao Brasil, em 19 de meiríssima ordem neste último tempo, mas sempre no
com a h umildad e de atares/ama do res enfrentando A lme ida Prad o , di rer or d o G ru po U n ive rs itá rio janeiro de 1949, às três horas da tarde. Às cinco- sentido de maior naturalidade e discrição possível. Celi
uma n o va dramarurgia. na qual o t én ue reali sm o- d e Teatro, cr iad o co m el em entos d a Fac u ldade segundo ele - já estava no prédio inspecionando o modificou ligeiramente tais características, dando ao elenco
d e Filoso fia, C iên cias e Letras d a U nive rs idade cenário de Ingenuidade, uma comédia de John Van do TB C um senso de espetáculo [...] mais teatralidade, uma
86 Em C lcvd e Yáconis cr al., Depoiment o: 1/ ', Rio de janeiro: d e São Paulo e d a Fac u ldade d e Direi to , se assus-
.\ I EC/ DAc / f u n arr cl s:-:T, 197 8, p, I I X.
Druten, dirigida por Madalena Nícol. Adolfo Celi tonalidade mais agressiva e mais viva.

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• J1 Modcrn iz nç.io rio Teat ro Brasileiro ( 193 8- 19 58)
História do Teatro Brasileiro • volume 2

Quando dirige, no início de 19 50, Entre 0!:,atro pela personalidade de seus artistas: ele prepara o terreno
Paredes, deJean-Paul Sartre, pouco lida com as ideias para que o pr6prio ater faça surgir o tipo desejado, sem
existencialistas, enquanto ideias somente. Quer interferir despoticamente nessa criação. N6s mesmos, em
passá-lasfisicamente, quase que numa contorção dos geral, é que vamos, pouco a pouco, esboçando e dando
corpos. Essa força física, como elemento interpreta- vida aos papéis [...]. Para emprestar maior força ao tipo de
tivo, sem que se despreze contudo o interior (ainda louco que me coube encarnar, procurei observar dementes
que isso possa parecer paradoxal), não deixa de ser que sofressem de idênticas manias. Como o meu Teddy
um choque benéfico para a naturalidade artistica- crê que é o próprio presidente Teodoro Roosevelt, tratei
mente elaborada de Nydia Licia, um contraponto de encontrar loucos chefes de estado [...]. Visitei em dois
para a força trágica de Sérgio Cardoso, um despertar sanatórios, dois pacientes [...]. Um traço curioso que tam-
para um novo estilo de Cacilda Becker, que chegou bém pude incorporar ao meu papel está relacionado com
ao TBC com uma sucessão fabulosa e diversificadade a segurança e autoridade demonstradas pelo maníaco: sua
díreções e encontros em cena: Esther Leão, Sadi Ca- l6gica é, de um certo modo, um tanto peculiar, mas dentro
bral, Décio de Almeida Prado, Ziembinski, Zigmunt dela tudo é coerente e consequente. Ele joga com absurdos
Turkow, LauraSuarez (1909-1990), Sônia Oiticica, e chega a uma conclusão absurda, mas sempre chega a uma
Bibi Ferreira, Maria Della Costa, Raul Roulien conclusão, e com a maior seriedade".
(1905-2000), Caio Caiuby, Sérgio Cardoso, Sérgio
Britto, Waldemar Wey (1918-2001), Olga Navarro Aos poucos, Celi vai dando espaço a certa
(1905-1993), Rosa Turkow, Jardel Filho. calma harmoniosa, e formará, junto a Ziembinski
Os quatro atores deEntre 0!:,atro Paredes - tam- e Gianni Ratto (19 I 6-2006) o trio de maior in-
bém num pequeno papel está o talentoso Carlos fluência na formação da modernidade do ator no
Vergueiro (1920-1998), vindo do grupo de Alfredo Brasil. Quando dirige Antígone, de Jean Anouilh,
Mesquita -, ensaiam a peça de Sartre de forma ina- em 1952, já permite a Paulo Autran humanidade,
bitual para eles. Em determinado ensaio, o texto é sobriedade e sutileza. É o que relata a crítica publi-
passado sem palavras. De uma outra vez, cada uma cada em O Estadode S. Paulo:
das personagens deveria chegar à sua essência não
só pelo entendimento, mas também pela imitação A profunda, dolorosa, experiência de vida de Creon,
de bichos que se lhes assemelhem. Dizem o texto essaespécie de imenso cansaço, e também a dureza de quem
como se fossem animais: Nydia Licia tem a volúpia optou uma vez por todas, transparecem com a maior nitidez qu e os preced eram ) qu e a seu ver co nst ru íra m o mente, ele exigia dos ate res intelig ência e um to m
de uma gata angórá, Sérgio Cardoso chega ao seu em cada gesto seu. Como ator, não precisa mais sequer er- intérp rete br asileiro mod ern o : irânico mui to refin ad o, d ifícil ao br asilei ro. Co m-
covarde Garcin como um rato; Cacilda esgueira-se, guer a voz para sugerir força e autoridade". petia ao ato r tr abalh ar esses dados, com bina ndo-os,
traiçoeiramente, como uma cobra. Poderíamos dizer Z icmbinski , velho mestre q uerid o de to do s - era o arti sta co m um requi nt e próp rio dos texto s q ue esco lh ia.
que Celi traduz na direção um vigor comparável à Outros encenadores matizaram a experiência capaz dos mais belos csp ct ácul os: Bollini trou xe as prim eiras Acrescent e-se a tu d o isso um to m am argo e um
sua aparência, mas é bastante flexívelpara permitir cênica do elenco estável do TB C. A possibilidade ex pe r iê nc ias d o Ac tors Srud io: Rat to , a intransig ência. a humor negro de q uem havia sofrido mui to d urante
a troca de experiências com seus pares que vêm che- de uma continuidade de trabalho, um local fixo seve rid ad e ar tíst ica ; Ruggero j acobbi sacud ia-nos intel ec- a Segund a G uer ra M undial. Só a sim se expl ica a
gando ao TBC: Luciano Salce (1922-1989), Rug- e a troca contínua entre colegas fizeram com que t ualmente. E po r fim M auri cc Vancau, esp iritu oso. sagaz e figu ra do caixeiro viajant e, em O Anjode Pedra, qu e
geroJacobbi e, pouco depois, Ziembinski. Por outro esseteatro se tornasse uma referência para a arte do au d ac ios o co mo er a Lu ci an o Salcc' ", exigiu de Sérgio C ardoso um jogo estra n ho e cruel,
lado, parece se impressionar com o talento inato dos ator e viesseinfluenciar e impulsionar o desenvolvi- sem cair na vio lência de C eli, nem na ca ricat ura
atuantes brasileiros. Interessa-nos um depoimento, mento de nossa maneira moderna de atuar - o que o qu e na verdade C acilda pod eria ter dito é qu e bar ata. N ão se notava so lidão na person agem , mas
feito com simplicidade por Ruy Affonso Machado vinha se efetivando desde 193 8. o trabalh o sob a orientação desses variados encena- um pa té tico risível, di ferent e da s out ras cr iaçõ e
(1920-2003), sobre seu trabalho na encenação de Cacilda Becker, em artigo publicado postu- d or es po ssibilitou um a verdad eira esco la de inter- elab oradas pelo at er: um dad o a mai s, po rt anto,
Arsênico eAlfazema: mamente, define cada um dos encenadores (não pretação, formad a a parti r do s d iferentes modelos cm seu apr end izad o. Fala-se na seriedade de G ian ni
desqualificando nenhuma daquelas figuras heroicas de en cenação qu e cada um deles punha em p rática. Ratto. Mai s do qu e isso fo i sua habilid ade c énica a
Como criei o tipo de Teddy? Isso é uma longa história. Luci an o Salce, por exem plo, nad a tinha de Ad olfo pedra de to que na jun ção e 110 acabamento fina l d a
A linha do papel resultou, evidentemente, do estudo da Celi. Nas "alta s co mé d ias", co mo se di zia ant iga- modern ização do Teatro Pop ular de Arte, nascido
peça que fiz em companhia de nosso díretor, Mas como 87 Programa da peça. de ta ntas individu alid ad es: a rragicid ad e de It ália
88 Décio de Almeida Prado, Apresentação do Teatro Brasileiro 89 O Tll C lJUe.: Co n heci.[o ru.t] tI,l Tarde. I I o ut, 197 3. Fausta , o expr essioni smo de Z iembinski , o realism o
você bem sabe o nosso díreror tem um grande respeito
Moderno, 2. ed., São Paulo: Perspectiva, P: 299.
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História do Teatro Brasileiro • volume 2 • A Modernização do Teatro Brasileiro (1938-1958)

de Turkow. Seu senso de recato e justa medida na breve a geração dos anos de I9 50 irá percorrer seus o fato é que a EAD paulista nascia de uma ne- ceção de uma, a professora de "Comédia': que se
idealização dos caracteres e do espetáculo como um próprios caminhos, criando seus elencos estáveis, cessidade. Tal qual a Escola fundada por Coelho iniciara também no teatro amador, em plena reno-
todo foram úteis, tanto a Maria.Della Costa, quanto constituídos segundo afinidades, ou então, por Neto (1864-1934), iniciada em 1911 no antigo vação de nossos palcos, mas logo se passara para o
a Fernanda Montenegro. Tendo sido dirigida por força, das circunstâncias, amando em produções Distrito Federal, e que certamente fora instalada teatro profissionaL Se a carreira de Cacilda Becker
Esther Leão, não tendo participado, pela idade, nem eventuais. como um apoio à reação "idealístico-simbolista' se desenvolveu nos primeiros tempos em longas e
do TEB, nem de Os Comediantes, Fernanda se des- preconizada pelo escritor maranhense. Era desejo exaustivas excursões, fora recentemente temperada
lumbra com Gianni Ratto, quando chega ao Teatro ferrenho de Coelho Neto arrancar o teatro naquele pelas díreções de Ziembinski e Zygmunt Turkow
Popular de Arte, em I9 54: Escola de Arte Dramática momento do estado em que se encontrava, julgado na última fase de Os Comediantes. Logo, a EAD
de São Paulo por ele aviltante para a cena brasileira. Para que se afinava-se às propostas inovadoras em curso nos
Os primeiros trabalhos que fiz, eu os fiz de uma forma li- implantasse o gênero que gostaria de ver cultivado, anos de 1940, tanto pela presença de seu direror,
near [...]. Mas eu intuía que deveria haver uma zona além Não foi por mero acaso que a Escola de Arte Dra- deu prioridade, ao lado do estudo da "fisiologia quanto pela escolha pensada de forma coerente, de
da historinha, além do vestido, além da maquiagem, além mática de São Paulo, a EAD, começou a funcionar das paixões", ao cultivo da voz. e'A voz humana é cada um dos componentes de seu corpo docente.
dos panelões de luz. Quando vim para a Companhia Ma- cinco meses antes da abertura do TB C. O que um instrumento-músico; na opinião de todos os Cacilda representava um pouco da realidade so-
ria Della Costa, tive a sorte de trabalhar com um homem moveu seu fundador e diretor Alfredo Mesquita músicos, o instrumento que mais comove, o que frida no teatro profissional, em meio a um certo
chamado Gianni Ratto. Para mim Gianni Ratro serviu foi a ideia de que para iniciar e dar continuidade mais excita à compaixão, à dor, aos lances, patéticos idealismo, muitas vezes ingênuo do teatro ama-
como um especulador e um instigador da verticalidade no à formação de um novo teatro era necessário que e heróicos" dizia José Oiticica (1882-1957), pro- dor. Qual o comportamento dessa atriz de vinte
estudo da personagem. Por intermédio do trabalho com surgissem novos ateres, formados dentro de uma fessor da Escola Dramática do Distrito Federal'". e sete anos, que pensara em cursar a Escola, mas
esse díreror eu percebi que a personagem não era só hori- disciplina de trabalho, de uma ética, e de uma rígida Os novos tempos não exigiram apenas cuidados fora de repente solicitada como professora? Ela lia
zontalidade. Havia algo mais fundo, mais denso, mais am- formação especializada. Essesateres deveriam estar com a arte de dizer. Trinta e sete anos depois, a o texto, marcava-o, dava indicações de interpreta-
plo [...]. Sob essa direção aprendi a considerar não a palavra aptos a enfrentar um repertório diversificado, de EAD propunha que os artistas vissem o teatro como ção, apoiada em peças nas quais havia amado. E os
isolada, mas a palavra no contexto dramático do período, nível mais alto, exigindo novas técnicas e visões um fato cultural, a ser viabilizado sob a respon- outros colaboradores, mais afinados com as ideias
no contexto de um organismo de sinais, que determinam ampliadas do fenômeno teatral. A crítica e ensaísta sabilidade de um díretor e de uma equipe coesa, de Alfredo Mesquita? VeraJanacopulos, cantora,
uma crise, sempre numa avaliação intensa, vivida, carnal, Mariangela Alves de Lima, escrevendo sobre a for- pronta a responder às mais variegadas solicitações. rateava ainda, ensinando como ser um bom ator.
diante de uma resposta, diante da aceitação de uma réplica. mação dos ateres na EAD, escolhe como epígrafe O pensamento sobre encenação vigente já no final Lembra um deles: "Suas aulas eram inteiramente li-
uma declaração de Jacques Copeau: dos anos de 1940 aumentava a responsabilidade vres. Chamava um aluno e dizia: leia isto aqui, pro-
Dado curioso, também revelado nesse depoi- do intérprete, agora não um mero repetidor, mas cure cantar aquilo. Cante um pouco mais grosso,
mento dado a Maríangela Alves de Lima e publi- Eu creio que é preciso educá-lo [o ator], mas não exclusiva- alguém que em diálogo constante com seus colegas fale um pouco mais fino"93. Chinita, além de uma
cado pela Fundação Nacional de Artes Cênicas é mente na prática de sua especialidade e mesmo não tanto usará sua voz, seu corpo, sua inteligência a serviço "ginástica rítmica: aperfeiçoava gestos: como des-
sua atenção aos que a precederam. Percebe-se nas em função do refinamento de sua técnica e mais pelo desen- de um espetáculo, cer elegantemente uma escada, como cair, como
palavras de Fernanda, quando se refere aos "anti- volvimento harmonioso e a aquisição progressiva de rodos A Escola não seguiu nenhum modelo norte- pegar um objeto, não deixando de trabalhar, com
gos" com quem contracenou, o desejo consciente, os conhecimentos da sua arte, buscados nas mais nobres -americano ou europeu, inviáveis no Brasil, con- sensibilidade, expressõese sentimentos. As aulas de
também, de construir sua arte de intérprete a partir fontes. Só uma cultura geral lhe restituirá as altas qualidade forme afirmou Alfredo Mesquita. O convite para história do teatro tiveram início com o estudo dos
de uma tradição teatral. Confessa a atriz que, ob- humanas e a dignidade do nome de artista'", a aula inaugural a ser dada na Biblioteca Municipal grandes textos gregos, aliando-se ao curso de mi-
servando Lucília Peres (I 88 I-I962) e o bem mais por Paschoal Carlos Magno traz o nome dos cola- tologia, não só como auxílio aos temas, mas como
moderno João Villaret (I9I3-I96I), guardou de- Tomás Santa Rosa, um dos criadores de Os Co- boradores de Mesquita: VeraJanacopulos (1896- base para o desenvolvimento de uma fantasia cria-
les o que lhe pareceu útil e seguiu em frente sob a mediantes, já sentia essa necessidade: 1955) cuidaria da "Dicção e impostação" da voz; dora, favorável aos que tomavam conhecimento,
orientação de Gianni Ratto, construindo-se a par- Chinita Ullmann (1904-1977) se encarregaria pela primeira vez, do jogo das mutações.
tir de uma arguta observação, incorporando estilos Eis a razão por que sempre defendo uma Escola. Escola, das lições de "Mímica'; Cacilda Becker e Alfredo A EAD foi cada vez mais se aperfeiçoando com
de seus companheiros mais velhos, adaptando-os para que esses estudos decorram orientados por métodos Mesquita dariam "Comédia' e "Drama: respecti- o passar do tempo e com o aprimoramento das
quando julgasse necessário. Exemplo máximo de sempre atualizados, Escola, para que as facilidades afetivas vamente; Clovis Graciano (1907-1988) ensinaria técnicas teatrais. A aluna Myrian Muniz (1931-
uma construção sobre a herança de um tipo de do julgamento não estimulem as vaidades latentes; Escola, princípios básicos da "Cenografia'; Décio de Al- 2005) admira-se anos depois com a professora de
interpretação é o desempenho de Marília Pêra, para, enfim, aprender o que se deve?'. meida Prado seria o professor de "História do Tea- expressão corporal, Yanka Rudska, que lhe fala pela
descendente díreta de Dulcina de Moraes. tro"; e Lourival Gomes Machado daria "Estética'. primeira vez em "sentido da forma e relação com o
Daí se conclui com que riqueza de colorido Todos os professores ligavam-se a experiências espaço: dimensões, divisões, relação da frase falada,
foram-se construindo os ateres brasileiros, guiados 90 Apud Mariangela Alves de Lima, A Formação do Atar, Dio- anteriores levadas a efeito pelo diretor, com ex-
pelos encenadores estrangeiros, que não deixaram Rio de Janeiro, MinC/Fundacen, n. 29,1989, p. 79.
n)'SOS,
91 Teatro: Realidade J.Yfágica, Rio de Janeiro: Ministério da 92 A Voz e a Dicção em Teatro, Cadernos de Teatro, Rio de Janeiro, 93 Geraldo Mateos, Dionysos, Rio dejaneíro, MinC/Fundacen,
também de formar nossos diretores futuros. Em Educação e Saúde/Serviço de Documentação, 1953, P: 15. n. 9, s.d. e s.p. n.29,I9 89'P·2I).

• Iro • III
• A Modernização do Teatro Brasileiro (193 8-1958)
História do Teatro Brasileiro • volume 2

Além do embasamento técnico, da prática de mor que suas influências, conscientes, foram o Ballet
com o movimento"?". Também houve progressos dela, percebeu-se que o corpo não correspondia absoluta-
estilos, da introdução à cultura como elemento J ooss e as comédias de Ernest Lubisrch: quanto às
nas aulas de dicção sob o comando, desde 1952, mente ao que ela estava dizendo".
primordial ao trabalho de qualquer ator, a con- "inconscientes continuam inconscíenres'w.
de Maria José de Carvalho (19 19- I 995). Apesar
tribuição da EAD à modernização do intérprete Silveira Sampaio não teve seguidores. Dulcina
de fazer parte do Coral Paulistano e de ter uma Alfredo Mesquita dirigia os esperáculos de fim de
foi a de exigir do aluno/ator uma disciplina, um ainda está presente no prazer de ser atriz e no ti-
formação de cantora, já não se prende tanto ao ano, mas nunca deixou de chamar outros encenado-
comportamento ético e um exercício constante ming perfeito tanto de Nicete Bruno quanto de
canto quanto suas predecessoras, Vera Janacopulos res, para através de métodos diferentes proporcionar
no métier. A necessidade de um aprendizado inin- Marília Pêra. Mas o que ficou do ator-autor? Um
e Madalena Lébeis (1912-1984). É que desde sem- aos alunos contatos, na prática, com diversidades
terrupto, o controle de seus meios de expressão, o leve sinal de sua presença, na maneira de emitir o
pre teve uma fascinação muito grande pela palavra. de estilos de trabalho.
abandono da tentação da famosa "bossa" do brasi- texto, com certas surpresas, irá aparecer nos anos de
Constata que vocalizar, como nas aulas de canto, e Sendo assim, contratou Ziembinski por alguns
leiro foram, aos poucos, fazendo com que o aluno 1970/r980, quando alguns atoresvão fundamentar
fazer exercícios isolados de técnica com os alunos meses. Não seria uma montagem. Ziembinski
compreendesse sua importância corno elemento suas criações no hábil manejo das improvisações.
não levam a coisa alguma; começa então a desen- elaborou um curso dando ênfase à psicologia da
participante no seríssimo processo de elevação de
volver sua técnica através de textos: personagem, usando Stanislávski e analisando por
uma arte que até o final dos anos de 193 o era Um Breve Resumo
quase sete meses a peça Desejo, de Eugene O'Neill.
considerada parente pobre da nossa literatura e
A técnica vocal teatral exigia de forma absoluta e indis- Segundo Florany Pinheiro, ele dizia aos alunos:
das nossas artes plásticas. A geração da década de 1940 foi se moldando à
pensável o estudo do texto adequadamente, isto é, rodo
geração da década seguinte. O trabalho realizado
o seu conteúdo psicológico, emocional, social, histórico e Não se preocupem com a decoração [...] Encontrem a
na maioria das vezes de forma intensa deu aos ar-
sobretudo estilístico, que no fim era a soma de tudo isso. personagem e tudo estará resolvido. Porque aquela per-
Silveira Sampaio tistas, em pouco tempo, todas as regras da profis-
Eu já conhecia algo de literatura, mas pus-me a estudar sonagem, naquele exato momento, naquela circunstância,
são. O que muitas vezes se chamou, levianamente,
desesperadamente teoria literária e estilo. Os textos têm dialogando com aquelas outras personagens só poderá dizer
Tal qual Dulcina de Moraes, com total independên- de preciosismo e de "estrangeirismo" foi fruto de
uma maneira própria, única, intrínseca, de acordo com as aquilo, só poderá reagir daquela forma'".
cia interpretativa, alheio a qualquer estilo vigente, alguns anos de estreita colaboração entre ator e di-
épocas e os aurores. Passei então a desenvolver uma téc-
surge em 1948, em plena revolução teatral, o médico retor, Jardel Filho moldou sua força nas sucessivas
nica nesse sentido, muito rigorosa, aliada ao estilo do texto. Uma história que ele contou chamou a atenção dos
autor-aror-diretor José de Silveira Sampaio (1914- experiências com Ziembinski; Cleyde Yáconis diz
Outra coisa que sempre me preocupou era a necessidade alunos. Quando representou o Efraim, em Desejo,
1965). Não seria um despropósito pensarmos que que, com Adolfo Celi, aprendeu duas coisas: ouvir
de estudar sempre textos de maior beleza e importância, levava sempre um canivete no bolso, sem nenhuma
também elepretendeu dar cores novas à comicidade e pensar. Na verdade, as duas gerações souberam ser
mesmo para corneçar'". utilidade aparente. Por quê? - perguntaram os alu-
carioca, não só na parte dramatúrgica como na ma- fiéis aos primeiros ensinamentos, da mesma forma
nos. "Porque aquela personagem jamais andaria
neira de se comportar em cena. O modo muito par- que permaneceria para sempre (embora atentos às
Alfredo Mesquita era o diretor sempre presente, pela fazenda, sem um canivete no bolso".
ticular de interpretar seus heróis grotescos quebrava várias solicitações) algo intrínseco em sua natureza.
dirigindo ou ensinando exercícios de estilo que deixa- A flexibilidade na escolha dos professores, vin-
com tudo que até então se concebia como proce- Seria o que poderíamos chamar de cerne de seu des-
vam os alunos um pouco assustados. Aracy Balaba- dos de várias correntes, mas idênticos, no respeito
dimento digno de um bom cômico. Guiava-o uma tino artístico. Assim, a doçura de Sônia Oiticica,
nian fala so bre isso: e no amor ao teatro, permitiu aos alunos a riqueza
dose de realismo, quase sernífantástico, um brincar trabalhada por Itália Fausta em Romeu eJulieta
do contato com estilos e textos variados. Assim
na emissão do texto, levando-o a uma excentricidade foi aplicada em sua Madame Clessy (de Vestido
Dr. Alfredo mandava a gente subir uma escada como rei e transitava-se, na prática, entre o Ionesco de Tiago
cênica, ora subindo nos móveis, ora pondo os pés na de Noiua], no grupo Tapa, em 1994; a contenção
descer como mendigo, ou então como sentar, numa cadeira ea Submissão e o realismo de José de Alencar, de O
parede, impondo um desenho rígido da personagem, de Paulo Autran presidiu todas as suas criações;
ou num sofá. Ríamos! E hoje em dia vocês sabem que eu DemónioFamiliar, ambos os espetáculos dirigidos
algumas vezes próximo dos quadros modernistas. A a tragicidade de Cacilda Becker, consequência de
fico pensando que isso vale muiro? Na TV, por exemplo, se por Gianni Ratto. Da mesma forma participaram de
originalidade de sua atuação fez com que Décio de uma infância e mocidade difíceis, fez nascer em
eu não me sentar direito, a câmera vai me perder. Tenho de duas diferentes encenações de Luís de Lima (I 9 20-
Almeida Prado tivessea curiosidade de conhecer sua nossa primeira atriz traços interpretativos muito
perceber o movimento da câmera. Quando o camera-man 1991): OEscriturário, baseado em Melville, e ODes-
origem. Não parecia, segundo ele, nem vir do circo, pessoais, urna mistura de agressividade e ternura;
é meio vagaroso e sei que preciso me levantar rapidamente, cobrimento doNouoMundo, de Morvan Lebesque,
nem do music-hall, nem muito menos da revista. doçura, ironia e uma pequena dose de sarcasmo,
tenho que perceber o tempo que ele vai me dar. Tudo isso, em que puderam perceber, enquanto ensaiavam, as
Concluiu o crítico que talvez tivesse nascido muito trabalhadas artisticamente por Silveira Sampaio,
sem dúvida alguma, é por um domínio que eu tenho por concepções de Jean Vilar (19 I 2- I 97 I) e seu Teatro
simplesmente '''nas chanchadas' de estudantes ou estão presentes em Tônia Carrero; Beatriz Se-
ter me exercitado, sentando, levantando, andando, subindo Nacional Popular. Mais tarde tiveram com Maurice
nas brincadeiras com amigos, porque uma criação gall não deslembra Sadi Cabral, perscrutando à
e descendo as escadas, com vestidos longos ou não. Outro Vaneau (1926-2007) um exercício facilitado de es-
como a sua não pode nascer da noite para o dia"98 • exaustão os movimentos do corpo e da alma de
dia, vi uma jovem atríz corretíssima na interpretação, no tilo com um mais puro Scapin e uma experiência de
Em 1956, entrevistado a propósito da revista NoPais suas personagens; um senso de poesia e altivez no
gesro e na expressão, mas ao se passar para um plano geral realismo brasileiramente arualízado emA Falecida,
dos Cadillacs, em que atua, responde com bom hu- que fazem ou faziam (recordação de O'Neíll e de
de Nelson Rodrigues, com Antunes Filho.
94 Maria Thereza Vargas (org.), Myrian Muniz: O Percurso de 99 S. Magaldi, Silveira Sampaio em 40 Respostas, Teatro Sempre,
uma Atrie-Gtramundo, São Paulo: Hucírec, 199 8, p. 54. 96 Idem, p. 186. 98 Apresentação do Teatro Brasileiro Moderno,P: 34. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 174.
95 DioJ:l}'sos, Rio de]aneiro, MinC/Fundacen, n. 29,1989, p. 3 I 5. 97 Idem,p.183-184.
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• A Modernização do Teatro Brasileiro (1938-1958)
História do Teatro Brasileiro • volume 2

de uma genial interpretação da heroína-trágica, de de governo, o presidenteJuscelino Kubitschek procla-


Abdias do Nascimento, seus primeiros mestres) manter com seus jovens atores uma aproximação
Bonitinha, mas Ordinária, de Nelson Rodrigues. mava: "o Brasil começou a mover-se e atuar, a pressio-
envolvem, ou envolveram, Ruth de Souza e Agui- mais calma, mais fraternal e serena que, sem dú-
Em meados dos anos de 1950, mudanças ra- nar tudo, para poder expandir-se" Pouco a pouco o
naldo Camargo; a vibração de Nathália Timberg vida, iria possibilitar interpretações também mais
dicais no país iriam fortalecer caminhos que já se nacionalismo tomou-se uma bandeira e respirar Brasil
(um ponto positivo de Esrher Leão, mas mitigado tranquilas, mais esmaecidas do que as praticadas
esboçavam ainda sem muita ênfase. A arte teatral era a nova ordem. O Seminário, a princípio, traz uma
pela permanência nos últimos anos do TBC) é a nos vários estilos, muito. marcados, de cada uma das
viva, lidando e se dirigindo aos homens, não po- particularidade sutil: alguns dos novos autores a serem
sua característica primeira; o prazer, a dedicação encenações do TBC. Observe-se que alguns dessesdi-
deria ficar alheia. ''A maioria dos diretores do TB C discutidos seriam atores e encenadores do próprio
ao trabalho e a humildade perante as personagens retores começaram a dirigir originais brasileiros, no
[...] fazia espetáculos muito lindos, mas que esta- elenco. E isso faria surgir uma forma dramarúrgíca,
construíram Maria Della Costa; Vera Nunes segue momento em que Paschoal Carlos Magno, em I9 52,
vam bastante afastados da realidade brasileira"?', no mínimo segura. Imaginemos autores/ateres habi-
a leveza de Tônia Carrero, com quem participou resolveu incentivar novos dramaturgos, encenando-
ponderou Augusto Boal, refletindo sobre as en- tuados às dimensões do palco onde atuam criando
de um elenco estável em I949; Nicette Bruno, -os em seu Teatro Duse. Os textos ali apresentados,
cenações de outros elencos e as mudanças efetua- textos dentro dele, cônscios de suas próprias possibi-
dando primazia à alegria e simpatia, traduz em de Hermilo Borba Filho (I9I7-I976), Maria Inez
das pelo Teatro de Arena. Sim, porque coube ao lidades,procurando imaginar situações e personagens.
seu tempo de comédia o que aprendeu com Dul- Barros de Almeida, Antonio Callado (I9I7-I997),
Teatro de Arena de São Paulo - criado em 1953 O entusiasmo provindo de uma era que se iniciava
cina; a racionalidade, às vezes traída pela emoção, Rachel de Queiroz (I 9 I 0-2003), Aristóteles Soares
porJosé Renato (1927-20rr) num exíguo espaço tão promissora e o ardor da juventude (Guarnieri e
está presente em Cleyde Yáconis e Nydia Licia; a e Francisco Pereira da Silva (I9I8-I98 5), por sua
onde cabiam cerca de 180 espectadores e cuja cena Vianna eram ligados à esquerda) conduziam à exe-
amálgama proposital de influências e divergências brasilidade, tocaram certamente atores e diretores,
media pouco mais de 3 X 4 metros -, afirmar ideo- cução e à discussão de uma dramaturgia não neutra,
fazem a arte de Fernanda Montenegro: a tranqui- exigindo-lhes um caminho natural, sem artifícios,
logicamente certas mudanças tanto no campo da enfocando em seus temas o comprometimento social
lidade de Othon Bastos e Sebastião Vasconcelos nem volteios. Um desses citados jovens diretores,
dramaturgia quanto no do desempenho dos atores, e político, na verdade exigências do momento.
trazem riqueza à nossa história interpretativa; e José Maria Monteiro, lembrava, numa entrevista
Boal, vindo da Columbia Universiry; foi contra- A preocupação com mudanças sociais desper-
o "distanciamento" de 'ítalo Rossi (I 9 3I -20 II) e dada em I9 88, que fora ele o primeiro brasileiro a
tado em 1956 porJosé Renato. Extremamente inteli- tava atenções. Havia uma sensível mudança no
Walmor Chagas integra-os com perfeição às regras dirigir uma peça de Nelson Rodrigues (tratava-se
gente e muito animado toma-se, ao lado de Oduvaldo proceder das manifestações artísticas, por parte dos
de uma interpretação exigida pela modernidade. de A Falecida, em I9 53), de uma maneira carioca,
Vianna Filho (1936-1974), o principal mentor do atuantes da esquerda. A atriz Vera Gertel esclarece:
verdadeiramente brasileira, porque até então Ziem-
grupo. O mais curioso é que as coisas têm início sob
binski fazia espetáculos europeus com as peças de
a influência da América do Norte. Há qualquer coisa Você sabe que era uma época em que expressões como
Altera-se o Perfil Nelson Rodrigues'?".
do Actors em seus primeiros espetáculos: Ratos e reforma agrária, reforma urbana, enfim, eram palavras de
dos Nossos Intérpretes Acrescente-se a isso o que observou João Be-
Homens, de John Steinbeck, A Mulher do Outro, de ordem. Não sei se é possível chamá-las de revolucionárias,
thencourt, no primeiro número da revista Teatro
Sidney Howard;]uno eoPavão, de Sean O'Casey. Se o mas eram palavras de ordem progressistas, de reivindica-
Como um preâmbulo da mudança radical que acon- Brasileiro, de novembro de I9 55:
Actors sonhava com um ator novo, longe da maneira ções de mudanças no país. Eram nacionalistas. Essesdizeres
teceria em meados dos anos de I9 50, uma simpá-
inglesa de representar, aplicando revisitadas técnicas eram uma coisa corrente, eram naturais, normais naquela
tica geração de jovens diretores brasileiros começa a a peça brasileira de certo nível é quase sempre uma boa
stanislavskianas de construção da personagem, tam- época. Existia já no cinema essa participação. Nós fomos
aparecer no Rio de Janeiro, matizando um pouco o oportunidade para o ater brasileiro. E é natural que assim
bém acaba por sugerir ao Arena mudanças a partir responsáveis por essa participação no teatro':",
que poderíamos chamar de interpretação própria da seja. Retratar uma atmosfera cultural que não é do ater, por
dos métodos do mestre russo (a princípio através
"Geração TBC': que no início era vista por eles com força oferecerá maiores dificuldades que uma personagem
das aulas de Sadi Cabral e Beatriz Segall, depois do Apresentando a peça Gente como a Gente, de
entusiasmo, mas depois de algum tempo com olhos cujo modelo o intérprete talvez encontre pelas ruas'?'.
próprio Boal). Resumindo, o ator brasileiro deveria Roberto Freire (1927-2008), um dos participantes
críticos. Uns vinham de estágios no exterior, outros
se livrar do TBC, na época ainda considerado um do Seminário, Augusto Boal escreve em 1959:
formaram-se no Rio de Janeiro, no Conservatório, Não seria um bom exemplo disso o fato de a quase
teatro-padrão. Mas, na verdade, quem impôs uma
ou na Escola Martins Pena. Maria Clara Machado estreante Glauce Rocha (I93 3-I97I), que participou
procura na tão propalada "busca de uma maneira nova Escreve-sesobre a Central do Brasil,sobre futebol, o morro
(I92I-200I) foi aluna de Regis Outin, em Paris, e do Teatro Duse, poder ser considerada, num certo
de representar" foram os temas surgidos a partir de carioca, um lugarejo mineiro, um bairro do Rio, gente do
de Laban, em Devon; Eros Gonçalves (I9I9-I973) sentido, a precursora de um tipo de atriz que irá se
um Seminário de Dramaturgia criado em 1958. O norte: escreve-se sobre o Brasil. O caminho está se im-
observou teatro na França; João Bethencourt impor a partir da década de I9 60? Da mesma forma
sucesso de ElesJVão USam Black-tie, escrita pelo ator pondo: escrever brasileiro sobre temas nossos, interpretar
(I924-2007) fez díreção em Yale; Augusto Boal Tereza Raquel, também agregada ao Duse, teve com
Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), e encenada a brasileiro, peças nossas'?'.
(I93 I-2oo9), dramaturgiana Columbia University; aqueles diretores a possibilidade de nuançar sua tra-
partir de fevereiro de 1958, oficializa o entusiasmo
Alfredo Souto de Almeida (I923-I996), Léo jusi, gicidade (na Escola Martins Penna fora exímia in-
pela preferência do autor nacional. A ocasião era pro- Já antes da guinada nacionalista, Boal pretendia
José Maria Monteiro e Geraldo Queiroz (I925- térprete de clássicos) a uma original expressividade,
pícia. O Brasil transformava-se. Dois anos antes, em em suas encenações despojamento e simplicidade.
2004) iam se construindo na prática, após concluí- própria da gente carioca que lhe deu a oportunidade
sua mensagem de ''Ano Novo': em seu primeiro ano
rem seus cursos. Independentes, despojados, livres 103 Apud IzaÍas Almada, Teatro deArena:A Estéticada Resistên-
da carga violenta da sapiência estrangeira muito 100 Um Teatro dos Negros e Outras Experiências Contemporâneas. cia, São Paulo: Boirernpo, 2004, p. 63.
Dionysos, Rio deJaneiro, MinC/Fundacen, n. 28. 1988. p. 154. 102 Apud M. T. Vargas (org.), op. cir., P: 12+ 1041viarido 1viagro, Mulher Chata, 1957- (Programa da peça).
presente nos italianos de São Paulo, conseguiam 101 Teatro Brasileiro, Teatro Brasileiro. n. I, novo I9 56, p. 6.

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• AJ.l1odernizaçãodo Teatro Brasileiro (1938-1958)
História do Teatro Brasileiro • volume 2

Em O Inspetor Geral, de Gógol, Myrian Muniz os dois extremos surgiram experiências de variados
"Tom coloquial, de conversa despreocupada e especial de luta. Devíamos afirmar uma arte que não fosse
encontra o cerne de sua graça espontânea, no estilo quilates e propósitos. No conjunto, essa produção
marcações objetívas, díretas"':" era a linha seguida totalmente guiada por padrões estrangeiros':".
farsesco que o encenador exige. formou um arco que se estendeu do drama psicoló-
na montagem de Marido Magro, Mulher Chata,
Os clássicos nacionalizados trazem situações gico ao teatro social, da temática regional à urbana,
de sua autoria. Para uma dramaturgia tão clara em Mas O Arena era, sobretudo, uma organização.
e palavras precisas. Facilitam mais, é evidente, a da pesquisa de linguagem à retomada de modelos
seus propósitos, voltada para a realidade política atenta. Movia-se, segundo a urgência das horas,
compreensão do que seja um teatro popular. E, neoclássicos. À medida que o espetáculo ganhava
do país; para personagens tão nossas, e em cenafa- tanto no tempo real quanto no tempo das artes.
além do mais, o território é vasto e disponível para novas feições, a escrita teatral alargou seu leque de
lando quase ao nosso lado, era necessário, segundo Apresentando O Testamento do Cangaceiro, em
a experimentação dos atores. Não resta dúvida de assuntos. E, no terreno da estrutura, incorporou
os mentores, um novo ato r, inspirado no homem 1961, seu autor Chico de Assis refere-se às revira-
que a geração dos anos de 1960/r970, consciente à sua tessitura procedimentos que se tornariam
comum brasileiro. Continuariam os laboratórios, voltas dramatúrgicas sofridas pelo grupo, à procura
ou inconscientemente, volta-se, revisitando-as, futuros paradigmas.
analisando e envolvendo a carga emocional de cada de um teatro brasileiro: "Depois da Revolução na
para as grandes figuras do teatro popular: Oscarito, A literatura dramática produzida durante
um dos ateres oriundos de camadas sociais diversas, América do Sul, onde Boal se desliga de uma hora
Grande Otelo, Alda Garrido e Dercy Gonçalves. o período realiza a tardia e necessária incorpo-
anexando às sessões o que viam ao redor. Os ateres para outra daquele realismo no qual estávamos
A década de 1960 principia a exigir do público ração das conquistas do modernismo ao palco
voltavam sua atenção e busca de material para os empenhados, outros caminhos se mostraram com
compreensão e reflexão crítica. Bertolt Brecht brasileiro. Retoma e ultrapassa as experiências
exercícios fora de seu espaço de trabalho. Observa- possibilidades muita largas" I o 9.
(1898-1956) e o encenador Roger Planchon, ativo pioneiras de Renato Vianna e Álvaro Moreyra
vam, nas ruas, o comportamento da população: seu Para os atares isso também é muita bom. Essa
desde 1953, passam a dominar o pensamento dos na década de 1920. Mas inexiste nela um cunho
jeito de andar, suas atitudes, suas reações. Está claro "mobilidade" interpretativa leva-os a uma não es-
encenadores e ateres mais jovens. Enquanto isso nacionalista dominante, no sentido em que o
que esses laboratórios externos levavam a um es- tratificação e à busca de maneiras sempre novas de
os filhos do TBC, olhando de longe as novas pro- empregava, por exemplo, Oswald de Andrade.
tilo de representar diferente daquele exigido pelos interpretação para enfrentar determinadas persona-
postas, prosseguiam em seu ideário humanístico, O Brasil está presente nos textos da maior parte
diretores do TBC e de seus seguidores. Basta dizer gens, às vezes simbólicas, apontando realidades da
procurando, teimosamente, para suas personagens dos dramaturgos dos anos de 1940/r950. Mas
que para criar a senhora Frola deAssimÉ...Se Lhe triste vida cotidiana, outras vezes "substituindo a rí-
(algumas até brasileiras), uma amplitude universal. o retrato do país que surge nas peças desliga-se
Parece, Cleyde Yáconis não sai à rua observando gida ordem de séculoslongínquos por uma liberdade
da exigência programática de uma escola. Não é
velhas italianas. Os exercícios se fazem na sala de de maneiras': criando "uma atmosfera jovem"?", pró-
difícil supor a razão da escassez de vezes em que
ensaios: atravessar a rua e ser quase atropelada, ver xima ao entendimento dos atares e do público tam-
os artistas desse tempo recorreram a tal veículo de
cachorro, ver criança, ver vitrina, rezar, ir à igreja. bém moço, que os frequentava. Ao permitirem-se
expressão da brasilidade.
Cria-se, através da memória e do pensamento, a uma "nacionalização dos clássicos"as interpretações
De um lado, todas as vertentes da arte mo-
imagem artística. O real que Vera Gertel observa de Guarnieri, Fauzi Arap, Lima Duarte e Myrian
dernista fizeram essa opção em algum momento.
na rua e tenta incorporar é diferente: Muniz são exemplares. São atares preparados, ama-
De outro, a comédia de costumes dos anos de
durecidos em boas escolas e na erudição. Conhe-
Fomos buscando uma forma de representação semelhante à
1920/r930 também pôs sob seu foco os modos
cem o classicismo a ponto de poder jogar com ele
do Actors Studío, de Nova York. E, nesse naturalismo, foi-se
4. A DRAMATURGIA MODERNA de viver brasileiros, com resultados às vezes eficien-
com uma intencionalidade nossa, sem deformá-lo
tes, porém, em sua maioria, modestos, quando não
encontrando uma forma de representação brasileira também, na essência, somando-o ao que conhecem de nossa
frágeis. Assim, é compreensível que, para os autores
porque as pessoas eram brasileiras. Então, o laboratório de tradição cômica. Com tudo isso,pode-se afirmar que
Admirável, em muitos casos grandioso, foi o voo que começaram a produzir a partir de 1940, não
ator só poderia representar à brasileira. Ele não iria imitar o foi nessa nacionalização que se delineou o tão alme-
empreendido pela dramaturgia brasileira nas dé- soassem apetecíveis nem o nacionalismo didático
James Dean ou o Marlon Brando [...]. O Milton Gonçalves, jado ator brasileiro. Criticando Tartufo, de Molíere,
cadas de 1940 e 1950. A produção dramatúrgica dos modernistas nem a brasilidade doméstica
eu, aprendemos a abandonar os estereóciposv", Décio de Almeida Prado escreve:
acompanhou, e não poucas vezes antecipou, con- quintal-e-sala-de-estar da comédia de costumes.
E segundo Augusto Boal: quistas no acelerado ritmo de uma era em que o A imagem do Brasil capturada, por exemplo,
a empregada assumindo sem rebuços o lugar do patrão
teatro passou por fundas transformações na estru- por Nelson Rodrigues, Jorge Andrade e Ariano
e a velha avó sendo quase escorraçada de casa - ninguém
Nacionalizávamos a personagem estrangeira, ao passo que turação da narrativa dramática, na sintaxe da ence- Suassuna, distancia-se decididamente dos mode-
mesmo finge que escuta quando ela fala. Nada disso é pro-
o outro grupo (TBC) alienava as personagens nacionais. As nação, na linguagem e estilo de trabalho dos ateres, los anteriores. E não há como desconhecer que os
priamente inventado e tudo está contido em germe no texto
personagens brasileiras que eles faziam, você olhava e dizia: Houve instantes pedestres, em que essa drama- três - os nomes superlativos do período, em que
de Molíêre - apenas a falta de etiqueta e de cerimônia é que
"Essas personagens não têm nada de brasileiro", ainda que turgia patinou em convencionalismo, prolixidade, pesem as grandes diferenças entre os estilos e as
nos parece bem braslleira-".
se chamassem José da Silva ou joão de Sousa':". [E con- psicologia de almanaque, e deu mergulhos rasos em preocupações estéticas de cada um - tiveram o
clui,] no final dos anos de 19 )0, estávamos num momento água opaca. Mas nos momentos relevantes exibiu interesse constante de colocar o Brasil em suas
arrojo, ousadia, ambição, esplêndida envergadura. alças de mira. Nota-se, ao cotejá-los, que os Brasis
108Idem, p. 125.
Idem, ibidem.
E legou ao repertório nacional textos que, em pou- de Rodrigues, Suassuna e Andrade são ao mesmo
105 109Programa da peça.
106 Apud 1. Almada, op. cit., P: 68. no ExercidoFindo, São Paulo: Perspectiva,1987, p. 41. cas décadas, atingiram o estatuto de clássicos.Entre tempo iguais e diferentes entre si.
107 Apud M. T. Vargas, op. cit., p. 123. ln Idem, p. 41.
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